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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO EXTREMO SUL DA BAHIA DIREITO DISCENTES: ELCIENE SANTOS SILVA FELIPE LAYRA MARIA ISABEL VITÓRIA FÉLIX RESENHA CRÍTICA Itamaraju Ba 2021 Resenha crítica “Cuidado com o homem de um livro só”. Essa é uma citação de São Tomás de Aquino, filósofo cristão, que sustenta a inspiração das investigações feitas pelo personagem central do filme O nome da Rosa, William de Baskerville, e o entusiasmo de Umberto Eco, o autor da obra, em ter os textos de Tomás de Aquino como base de muitas das suas publicações, uma vez que essa frase revela o perigo que há na restrição de ideias devido à exaltação de apenas uma fonte literária. O filme O Nome da Rosa foi o mais assistido em 1986, na Itália, lançado seis anos após o livro, e é uma adaptação da obra de Umberto Eco, um escritor que era apaixonado por livros, prova disso era que sua biblioteca pessoal contava com mais de 20 mil volumes, talvez essa paixão pessoal justifique o fato de Eco querer colocar a biblioteca escondida como uma das maiores surpresas das cenas. A história se baseia num mosteiro no continente europeu, em 1327, repleto de líderes religiosos que ilustravam bem o cenário intelectual e religioso do período medieval: uma época marcada pelo difícil acesso à formação do senso crítico, pois os indivíduos eram dominados pelo controle que a Igreja Católica possuía sobre a divulgação do conhecimento. O filme possui dois personagens em evidência: William de Baskerville, um monge franciscano, e Adso Melk, seu aprendiz. Eles possuem uma missão de investigar uma série de mortes incomuns que estavam existindo no mosteiro, sete mortes em sete dias para ser mais específico. Perceberam o que foi falado? INVESTIGAR, essa é a grande inovação da época, colocar em evidência a inteligência lógica e o uso da razão moderna de forma mais inesperada, por meio de um monge. William era um franciscano e, ao mesmo tempo, um detetive, um exemplo de um Sherlock Homes da era medieval, também um filósofo, porque apurava os fatos, questionava, duvidava e ainda refletia, tendo seus óculos como objeto material que simbolizava esse racionalismo influenciado pelos princípios lógicos de Aristóteles. Adso segue os mesmos passos do mestre, mas de forma também inovadora, ele deixa seus instintos influenciarem suas decisões, para a igreja isso era tido como errado, e para um investigador também era perigoso, pois o faria sair do foco da missão. Mas o que se analisa foi que o jovem coloca as pessoas acima da lógica, isso fica evidente quando ele questiona o mestre sobre o amor, quando ele reza em favor da moça que se apaixonara, ou seja, ele pode ser considerado um pré- moderno mais romântico, e essa sensibilização influencia também o seu mestre, então Adso é o equilíbrio entre a fé, a carne e a razão. Foi o personagem perfeito escolhido para narrar a obra. Outro ponto muito importante no filme foi o jogo de luzes e sombras, talvez passe despercebido, mas a maior parte das cenas é assistida nas sombras, num ambiente com pouca luz, e essa escolha não foi por um acaso, mas justamente pensado para representar a falta de luz, de conhecimento, pois o período medieval era tido como obscuro. A luz era mais evidenciada nas cenas religiosas, deixando claro o clivo da Santa Igreja. O filme é uma mistura de análises bíblicas, filosóficas (pois coloca em evidência um dos livros de Aristóteles, que é a II Poética de Aristóteles) e ainda uma grande aula de história, pois ensina o estilo de vida dos mosteiros, a pobreza da população e o status quo (estado das coisas) do período medieval, isto é, suas condições. Aqui surge uma boa análise: de um lado, os monges e inquisidores que queriam manter o estado das coisas (status quo), de outro, a dupla que queria mudar o status quo da época. Sabemos que o Renascentismo foi peça principal para essa mudança e seu empirismo é visto no filme. Hoje, dizemos que não vivemos mais presos pelo domínio da igreja, a qual mantinha os fiéis presos pelo temor e ignorância. Mas, será mesmo que somos livres de toda manipulação? Talvez os alemães também acreditassem nessa liberdade mediante a alienação, ou melhor, segundo a “segurança” que os discursos de Hitler proporcionavam, mas na verdade, estavam cegos pelo poder, assim como a cegueira religiosa e intelectual era retratada no filme. Vale a pena analisar os panoramas do filme e da atualidade sob o contexto do renascentismo, da política, da religião e da educação. O renascimento surgiu na Europa e foi um movimento cultural conhecido pela oposição à tradição medieval, a qual era regida pelo teocentrismo, doutrina da época, em que tinha Deus como o centro do universo e o desejo divino acima de toda lógica e vontade humana. Esse movimento de renovação representou grandes mudanças em diversas áreas do conhecimento, como cultura, filosofia, política, economia, entre outras. Tem como principais aspectos o antropocentrismo, humanismo e o racionalismo, os quais foram retratados no filme pelo Sherlock Homes da era medieval (monge franciscano William), que representou de forma brilhante o intelectual renascentista, o qual obteve uma postura racional, e, em vez de acreditar que aquelas mortes estranhas ocorriam devido aos fatos ligados ao demônio, conseguiu desvendar a verdade por trás dos crimes praticados no mosteiro. “Cadê o seu cérebro, Adso?...”Fique atento aos detalhes”... essas falas demonstram o espírito do renascimento cultural num contexto altamente teocêntrico. Vive-se a nova era renascentista, a qual o homem é posto no centro do universo e livre para viver para si próprio, podendo usar a razão e obter conhecimento sem a ordenança da religião. Quanto à política, desde o ensino médio, aprende-se nas aulas de história que a Igreja Católica, além de deter o saber religioso ao longo dos tempos, sempre deteve também outro importante poder, o político. E é exatamente isso que o filme “O Nome da Rosa” retrata ao longo de duas horas de uma trama que se passa em um mosteiro benedito, no norte da Itália. Dirigido por Jean Jacques Arnaud, a obra, inspirada no romance de Umberto Eco, é do ano de 1986, porém atual como nunca; um retrato fidedigno destes tempos, ou de um bem recente. Contextualizando o filme, cabe-se o questionamento de como Getúlio Vargas reagiria ao assistir a parte do filme em que os monges eram instruídos a não sorrirem, sob pretexto de uma ação “demoníaca” que deformava as linhas de expressão do rosto? Já que para Vargas a alegria, o sorriso e o bom humor da população estavam intrinsecamente ligados ao seu método de manipulação da grande massa, como era conhecido a política “pão e circo”. Já para a igreja, o grande vilão era o conhecimento, tanto é que os livros eram aprisionados em uma biblioteca secreta, mortal, para que o estudo não fosse disseminado, aprisionando o povo assim em uma verdade única e absoluta; forma de governo conhecida como ditadura, ou à época como ‘inquisição”. A contemporaneidade do filme é surreal. Atualmente, não são os livros que são escondidos, pelo contrário, eles estão à mostra como antídoto contra a manipulação exercida através do poder político, mas, sim, a deturpação ou a adaptação do que se vê e se ouve, chamada de ‘fakenews”. Quanto aos aspectos religiosos vistos no filme, sendo esses os mais fortes ali descritos, impossível não perceber os quão cruéis, injustos e desonestos eram a maioria dos devotos daquela época, os quais pensavam apenas em seu próprio bem-estar. Egoísmo de conhecimento e preocupação penduravam na igreja por séculos, tudo isso para manter a população cativa e ignorante, impedindo o estudo até mesmo para os monges que ali se formavam. Apesar de o filme ser uma investigação sobre as sete mortes,o foco mesmo é a biblioteca escondida, representada por um gigantesco labirinto, talvez como metáfora do perder-se no conhecimento. Ao evitar a existência dos livros, os monges validavam suas torturas e a maldade do homem. A hipocrisia pairava no mosteiro, puniam severamente relações sexuais dos pobres que se vendiam por comida, mas viviam cometendo os mesmos pecados sexuais às escondidas. Existe hipocrisia em muitos lugares, nas igrejas não seria diferente. Contudo, dentre tantas podridões, o comportamento cristão do noviço aprendiz deve ser ressaltado, tomado de compaixão e de justiça, orou pela mulher que se apaixonara. Teve ainda o comprometimento com o serviço sacerdotal, quando poderia ter largado tudo para juntar-se à moça, mas preferiu seguir os passos do mestre e não se arrepender da escolha que tomara. O pensamento da liderança religiosa do filme era muito divergente de alguns grandes homens da história, Louis Pasteur, cientista renomado, por exemplo, afirmava que um pouco de ciência nos afasta de Deus, muito, nos aproxima. Mais tarde, Agostinho, filósofo cristão, ainda estabelece que os cristãos podem e devem tomar da filosofia grega pagã tudo aquilo que for importante e útil para o cristianismo. Quanto à educação, o filme mostra um modelo em que a igreja era o filtro de conhecimento da antiguidade. Prova disso era que se uma pessoa desenvolvesse algum livro, teoria ou até um posicionamento diferente da lógica religiosa dominante, seria excomungada ou perseguida, como o próprio William tinha sido. Dessa forma, com o ocultamento dessas obras pagãs, a igreja estaria no poder central. Outra prática usada pelos religiosos na tentativa de controle, era o uso de certas substâncias tóxicas nas partes onde se folheavam os livros, com o objetivo de levar o leitor à óbito por envenenamento. Bom salientar que os livros envenenados eram os livros considerados “perigosos” demais para a fé, em outras palavras, apenas livros com ensinos diferentes dos que eram doutrinados pela igreja. Já no século XVII, o filósofo John Locke começou o trabalho de conscientização para a separação entre o Estado e a Igreja. Para ele, se o Estado tem uma religião oficial, isso implica na liberdade do indivíduo. Em relação à educação nos tempos atuais, podem ser notadas mudanças nas formas de governo, como a separação entre Estado e Igreja, e, com isso, a liberdade crítica para os cidadãos buscarem o próprio conhecimento e desenvolverem teorias baseadas nas observâncias das evidências filosóficas. Essa contribuição permitiu um vasto avanço no campo das ciências sociais e em modo geral. Apesar do filme trazer apenas a visão de uma igreja que contribuiu com o obscurantismo e não mencionar as inúmeras contribuições dessa mesma igreja no campo da razão e cientificismo durante a era medieval, a mensagem central sobre o alerta à alienação foi excelentemente abordada. Mais excepcional ainda foi deixar claro a mensagem de que não vale a pena levar algo ou alguém à ignorância ou à manipulação, pois a prisão oriunda desse comportamento é maior para o alienador do que para o alienado, afinal, mostra o abismo de inseguranças dentro do indivíduo ou da instituição dominante. Isso é apontado no terrível fim que os inquisidores e religiosos tiveram: uns experimentaram do próprio veneno, outros morreram queimados e ainda outros tombados por um acidente. Essa incrível obra permite ainda que o telespectador abuse da sua criatividade e opinião para decidir se a “rosa” é a biblioteca escondida, o livro perdido de Aristóteles (A Poética) ou a menina por quem Adso se apaixonara. Há espaço para várias interpretações. Também deixa a reflexão de que “a dúvida, Adso, NÃO é inimiga da fé”. Afinal, a dupla que foi a peça fundamental para montar todo o quebra cabeça da investigação, William e Adso, também eram os religiosos mais coerentes e firmes em suas crenças, confirmando o que Pasteur afirmou, que muito da ciência aproxima os indivíduos de Deus.
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