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FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL Celso Furtado: “Formação Econômica do Brasil”- São Paulo/ Companhia das Letras, 2007. Capítulo 1- Da expansão comercial a empresa agrícola A ocupação econômica das terras do continente americano foi, inicialmente, parte de um episódio no crescimento do capitalismo europeu. O comércio interno do velho continente passava por um intenso período de crescimento desde o século XI, e tinha atingido um alto grau de desenvolvimento no século XV, depois que as invasões turcas dificultaram as linhas de abastecimento de produtos do Oriente. De início, o atrativo nas Américas era o ouro, especialmente aquele que fora acumulado pelas civilizações andina e mexicana. Esse interesse no ouro coloca Portugal e Espanha, os “donos” dessas terras, em evidência. Outros países europeus adotam estratégias para posicionar-se no continente americano. Por isso, era cada dia mais necessário aos dois países que ocupassem essas terras, se não as perderiam para seus rivais. Para a Espanha, era muito custoso proteger todas as suas terras, que se estendiam da Flórida ao rio da Prata. Por isso, concentrou suas defesas em torno do principal eixo de extração de metais, na região entre México e Peru. Para Portugal, foi necessário encontrar uma forma de cobrir os gastos com defesa que não a mineração. Assim que tomou cabo a exploração agrícola do Brasil. Isso foi um acontecimento de enorme importância na história americana, ainda que incialmente se duvidasse da viabilidade de uma empresa agrícola nas colônias. Nessa época, nenhum bem agrícola era comercializado em grande medida na Europa, e os fretes das colônias seriam muito elevados. Apesar disso, Portugal teve o pioneirismo nessa empreitada. Capítulo 2- Fatores do êxito da empresa agrícola Alguns fatores são essenciais para explicar o sucesso da empresa colonial agrícola portuguesa no Brasil: · Sua experiência prévia na plantação em grande escala de açúcar nas ilhas do Atlântico; que possibilitou o conhecimento técnico e a posse de maquinários já prontos para a fabricação no Brasil; · Participação dos flamengos (em especial os holandeses) no comércio intraeuropeu, que permitiu que fosse criado um mercado de grandes dimensões para um produto quase novo, como era o açúcar. Não somente contribuíram com sua experiência comercial, absorvendo o excesso de açúcar que já não cabia mais nos portos venezianos, mas com o capital. Há bons indícios de que os flamengos investiam nas instalações produtivas no Brasil, bem como na importação de mão de obra escrava. · O conhecimento prévio dos portugueses no mercado africano de escravos, que lhes permitiu solucionar facilmente a questão de quem realizaria os trabalhos nas terras do Brasil (já que era difícil tanto o transporte de europeus, como o incentivo para morar em uma terra sem grandes valias econômicas). Sem essa mão de obra barata, seria inviável desenvolver a nova colônia agrícola. O êxito da empresa agrícola durante o século XVI foi o motivo pelo qual os portugueses permaneceram nas terras americanas. Quando no século XVII se modifica as relações de poder na Europa, com o predomínio das nações excluídas no Tratado de Tordesilhas, Portugal já havia ocupado efetivamente boa parte das terras que lhe coubera. Capítulo 3- Razões do monopólio Ainda que os portugueses tivessem tido tanto êxito na utilização agrícola de suas terras, os espanhóis continuaram focados em extrair metais preciosos. As terras em que estavam concentrados eram densamente povoadas, e o povo local era utilizado de mão de obra. A Espanha, portanto, nunca incentivou um intercâmbio com as colônias. O papel das colônias era de tornarem-se autossuficientes e enviar o seu excedente (na forma de metais preciosos) para a Metrópole. Esse fluxo alterou bastante a economia espanhola. O acúmulo do Estado cresceu, e o aumento no fluxo de renda gerado pelos gastos públicos se traduziu em uma inflação que gerou déficit persistente na balança comercial. Eventualmente, isso geraria uma decadência econômica para a Espanha. Se houvesse outra atividade que não a mineração nas terras espanholas na América, teria existido uma relação mais complexa entre Metrópole e Colônia, o que criaria um desafio de enfrentamento por Portugal. A Espanha também dispunha de boas terras para produção de açúcar, uma mão de obra indígena barata e competente, e um grande poderio econômico. Apesar disso, por não haver desenvolvido outras empreitadas, seu declínio econômico também significou um retrocesso nas economias das colônias. -Por isso, um dos outros fatores essenciais para o êxito da empresa agrícola portuguesa foi o declínio do empreendimento espanhol. Capítulo 4-Desarticulação do sistema Durante o período em que Portugal foi incorporado a Espanha, a empresa agrícola no Brasil teve grandes mudanças. No começo do século XVII, os holandeses controlavam o comércio marinho europeu. Era impossível circular açúcar sem o aval dos holandeses. Além disso, estes ocuparam por um quarto de século uma boa parte da região produtora de açúcar no Brasil. Com os conhecimentos e técnicas aqui adquiridos, eles foram capazes de estabelecer uma indústria concorrente na região do Caribe. Deixaram, por isso, de ter interesse no financiamento de instalações açucareiras no Brasil. Assim, Portugal perde o monopólio açucareiro. No fim do século XVII, o açúcar tem seu preço reduzido à metade, e assim permanece durante todo o século seguinte. A moeda portuguesa é desvalorizada, e se Portugal fosse o principal abastecedor da colônia, isso implicaria em uma grande transferência de renda em benefício brasileiro. Mas o Brasil era abastecido por manufaturas que Portugal recebia de outros países Europeus. Além disso, os artigos portugueses exportados para cá eram os mesmos exportados para outros lugares, o que implica que seus preços eram fixados em ouro. Assim, as transferências de renda decorrentes da desvalorização beneficiaram principalmente os exportadores portugueses.