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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS RELIGIÃO E FAMÍLIA GUARULHOS – SP 1 SUMÁRIO 1 ORIGEM DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO .......................................................... 4 2 RELAÇÃO ENTRE SOCIOLOGIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ..................... 7 3 PRINCIPAIS EXPOENTES DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ............................. 8 3.1 Augusto Comte .................................................................................................. 8 3.2 Alexis de Tocqueville ......................................................................................... 9 3.3 Henri Bergson ................................................................................................. 11 4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE A PARTIR DA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA ..................................................................................................... 13 4.1 Religiões ao redor do planeta .......................................................................... 17 5 PRINCIPAIS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ............................ 19 6 RELIGIÃO, ESTADO, MERCADO E CAPITALISMO ......................................... 21 7 OS SÍMBOLOS E OS RITOS ............................................................................. 24 8 DESVENDANDO O PROCESSO RITUAL ......................................................... 26 9 PROCESSO RITUAL NA RELIGIÃO ................................................................. 28 10 CONCEITOS DE RELIGIÃO ............................................................................ 30 11 RELIGIÃO E SOCIEDADE ............................................................................... 33 12 RELIGIÃO E IDEOLOGIA ................................................................................ 36 13 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR ........................................................................... 38 14 FAMÍLIA NO PLURAL ...................................................................................... 40 15 FORMAÇÃO DA FAMÍLIA E SOCIEDADE ...................................................... 43 16 A CULTURA HUMANA E A CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL ....................... 45 17 A SUBJETIVIDADE DO UNIVERSO PSÍQUICO E A RELATIVIZAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS..................................................................................................................47 18 PROCESSOS CONSTITUINTES DO SER POR MEIO DO SOCIAL ............... 49 2 19 OS CONCEITOS DE ESTADO, MERCADO, PÚBLICO E PRIVADO .............. 50 20 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA ................................................................... 57 21 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA BUROCRACIA ESTATAL E SEUS REGULAMENTOS LEGAIS .................................................................................. 58 22 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ............. 61 23 IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO EM TEMPOS DE CETICISMO E IMEDIATISMO........................................................................................................65 24 SISTEMAS POLÍTICOS E RELIGIÃO: MANIPULAÇÃO E POLITIZAÇÃO ...... 67 25 CONSUMO DE BENS SIMBÓLICOS E PREGAÇÃO DA FÉ NOS TEMPOS DO ESPETÁCULO RELIGIOSO .................................................................................. 69 3 Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 1 ORIGEM DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Aproximar ciência e religião sempre se mostrou um desafio, já que, durante a história, houve um distanciamento entre as descobertas científicas e as compreensões religiosas. Talvez, o caso de Galileu Galilei seja o mais famoso: condenado por afirmar que a Terra era redonda, reconheceu-se que, como cientista, estava certo e a Igreja equivocada, conforme relato do Papa João Paulo II publicado no jornal oficial da Santa Sé (CENTOFANTI, 2020). Desse modo, compreende-se que a sociologia da religião, como ciência, não surgiu de modo repentino, em razão da longa caminhada historicamente realizada, cercada por críticas e defesas, que deu origem a uma sociologia aplicada ao fenômeno religioso (CIPRIANI, 2007). No final do século XVIII e início do XIX, nomes como Hume, Feuerbach, Tocqueville, Marx e Berson contribuíram para o surgimento de uma atmosfera intelectual pautada em um plano científico mais rigoroso. Em um primeiro momento, observa-se que as perspectivas caracterizadas por paixões ideológicas e orientações filosóficas contingentes passaram a ter um discurso fundamentado nos cânones do conhecimento experimental. No fim do século XIX e no início do século XX, houve a contribuição fundamental do positivismo, uma corrente filosófica que tentou ordenar as ciências experimentais. Essas ordenações são vistas como modelo de excelência do conhecimento humano, observando questões metafísicas e teológicas. E, a partir desse momento, surgiu a sociologia (CIPRIANI, 2007). Já a origem da sociologia da religião é mais difícil de identificar, tornando- -se necessário buscar filósofos ativos entre os séculos XVIII e XIX, chegando até Durkheim e Weber. Contudo, é preciso individualizar com cuidado suas contribuições, atitudes culturais e propensões cognitivas, atentando-se ao papel da religião na sociedade (CIPRIANI, 2007). Como disciplina científica, a sociologia nasceu e se desenvolveu por meio de abordagens teóricas e estudos empíricos, privilegiando a análise do fenômeno religioso. Sabe-se que quase todos os expoentes da ciência sociológica ofereceram motivos originais e tratamentos sistemáticos a respeito de novas dinâmicas das religiões e da 5 religiosidade, contribuindo para os estudos dessa temática até os dias de hoje (SOUZA, 2019). Atualmente, o campo da sociologia das religiões se situa nos seguintes contextos: Secularização versus dessecularização; Declínio, mercantilização e privatização da religião versus a “revanche de Deus”, fenômeno de explosão de novos movimentos religiosos. Sua discussão passa por autores como Weber, Durkheim, Tocqueville, Pierucci, Campbell, Woodhead e Heelas, embora seja preciso considerar outros pensadores contemporâneos, que situam a religião no tempo e no espaço da globalização. No contexto da modernidade, Deus morreu como instância organizadora da sociedade, instituidora da lei. Assim, a religião perde poder como fundamento social, porém os embates religiosos, bem como o fundamentalismo e o esoterismo, persistem no seio das sociedades, mesmo que com princípios laicos (CIPRIANI, 2007). A posição defendida por muitos estudiosos é a de que a religião ressurgiu como um novo tipo de moral, mas não como moral tradicional, e sim com novos valores, uma nova ética que se opõe criticamente aos caminhos da razão e da ciência (SOUZA, 2019). Autores como Ferry e Gauchet (2008) afirmam quese tem assistido a um processo duplo de saída da religião e da individualização das crenças. Por um lado, as Igrejas e os dogmas, enfraquecem em proveito de crenças mais pessoais, ‘à la carte’, dizem alguns. Por outro — é preciso constatar — os integralismos e outros fundamentalismos de todo gênero nunca se comportaram tão bem. Como se situar diante de tendências tão contraditórias? (FERRY; GAUCHET, 2008, p. 7). Para esses estudiosos, a visão de um mundo puramente estruturado pela religião é deixada de lado. A vida pública e privada não é mais influenciada somente por aquilo que é de cunho religioso. Agora, o religioso busca sentido e não é mais um pensamento absoluto, observando-se um enfraquecimento da religião e uma permanência fortalecida do religioso. A esse movimento, pode-se dar o nome de laicidade, que exclui ou não reconhece o poder da religião sobre a política (FERRY; GAUCHET, 2008). 6 Ferry observa que a época contemporânea se caracteriza por um cruzamento de dois processos: o primeiro seria a humanização do divino, o fato de que toda história e cultura moderna consistem na tradução dos conteúdos teóricos e práticos da religião na linguagem do humanismo; e o segundo corresponderia à divinização do humano, o fato de que, no âmago desse individualismo autônomo — condição do homem moderno —, reemerge a transcendência. Deixa-se de ver uma transcendência vertical, do ser humano para o ser divino, mas horizontal, entre os próprios homens; e tem-se, então, um humanismo do homem-Deus (SOUZA, 2019). Gauchet, por sua vez, crê que, atualmente, existem experiências profanas do religioso ou uma religiosidade que se ignora. Muitos jovens sonhadores, que se querem modernos até o último fio de cabelo e que se julgam libertos dessas velharias que mal se podem imaginar, são místicos sem sabê-lo, em busca de uma experiência espiritual. Festa, transe, vertigem, estados alterados de consciência obtidos pela música ou por substâncias adequadas: o que sempre está em casa é o acesso a uma outra ordem de realidade. O lugar tomado pelas drogas em nossas sociedades se explica em grande parte por isso. Diz respeito à aspiração a fugir da prisão do cotidiano (FERRY; GAUCHET, 2008, p. 12). A partir do pensamento desses autores, é possível afirmar que a sociologia da religião procura analisar a fenomenologia religiosa apoiando-se em instrumentos teóricos e empíricos comuns à própria sociologia e tratando dos aspectos sociológicos do fenômeno religioso, a partir da observação das mudanças causadas pelo campo religioso na sociedade. Por si só, a sociologia ocupa-se das observações daquilo que é recorrente nas relações sociais, formulando teorias e analisando eventos únicos, como o surgimento do capitalismo, tentando explicá-los (SOUZA, 2019). Como disciplina, a sociologia surgiu no século XVIII, como uma resposta acadêmica ao desafio de entender o que unia os grupos sociais, desenvolvendo uma solução para a desintegração da sociedade, em meio a uma humanidade dispersa e afastada (SOUZA, 2019). Hoje, os problemas pesquisados pelos sociólogos tendem a ser questões de raça ou etnicidade, classe, gênero e família, além de desarranjos sociais, como crimes ou divórcios (SOUZA, 2019). 7 A sociologia pesquisa as estruturas de força e de poder, do Estado e de seus membros, e a maneira como o poder se estrutura por meio de microrrelações de força. Um desses aspectos estudados, não só da sociologia, mas também da antropologia, é o modo como os indivíduos, que formam a sociedade, podem ser manipulados, visando à manutenção da ordem social e, principalmente, ao monopólio de algum tipo de força legitimada (SOUZA, 2019). 2 RELAÇÃO ENTRE SOCIOLOGIA E SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Em 1838, Augusto Comte criou o termo sociologie, em uma tentativa de unificar os estudos relativos ao homem, incluindo história, psicologia e economia, acreditando, a partir de sua visão positivista, que toda a vida humana tinha atravessado as mesmas fases históricas, porém em momentos distintos. Assim, a pessoa conseguiria compreender o progresso entre os fatos e encontrar soluções para prováveis problemas de ordem social. Em meio às transformações econômicas, políticas e culturais resultadas das Revoluções Industrial, por volta de 1760, e Francesa, em 1789, ficaram evidentes mudanças significativas da vida em sociedade, principalmente em relação às suas formas anteriores de sociedade. A Revolução Industrial, em especial, foi mais importante do que apenas a criação e utilização de máquinas a vapor, tendo representado a racionalização da produção da materialidade da vida social (SOUZA, 2019). No século XIX, a sociologia apareceu como uma maneira de entender as mudanças decorridas no século anterior, tentando explicá-las, um processo que acabou falhando com o surgimento do capitalismo moderno, já que essa ciência é um estudo datado e ligado diretamente ao tempo em que ocorrem os fatos. Nesse momento, o pensamento sociológico sofreu mudanças quanto à maneira de observar e pensar a realidade social, desvinculando-se de preocupações especulativas e metafísicas, e apresentando um caráter mais racional e sistemático (SOUZA, 2019). Naquele momento, reinava o pensamento capitalista, operando por meio de máquinas e ferramentas que são propriedade de determinados grupos sociais, geralmente elitizados. As grandes massas camponesas se tornaram trabalhadores industriais e a divisão causada pelo dinheiro ficou mais evidente e gritante, com um 8 Estado que atendia à população de classes medianas e/ou altas. Com isso, a criminalidade se ampliou, bem como a busca por direitos e melhores condições para pessoas mais oprimidas e de classes sociais mais baixas. Assim, a sociologia ganhou maior espaço e fôlego ao observar a sociedade como um todo, tomando-a como um objeto a ser investigado, muito além de uma discussão apenas política, financeira, filosófica ou teológica (SOUZA, 2019). Depois de entender o que é e como se comporta a sociologia, fica mais fácil tentar compreender a sociologia da religião. Em suma, ela busca explicar empiricamente as relações mútuas entre religião e sociedade, tentando observar a dimensão social da religião e a dimensão religiosa da sociedade, tendo se originado de uma reflexão a respeito de transformações sociais, culturais e políticas (SOUZA, 2019). Portanto, a sociologia da religião tenta entender a sociedade junto da religião, a partir de suas ações, práticas, percepções e moral. No Brasil, esse estudo teve como marco a publicação da obra “Católicos, protestantes e espíritas”, de Cândido Procópio Ferreira de Camargo, no ano de 1973. Outros nomes ainda conhecidos na área no país são Edison Carneiro, Beatriz Muniz de Souza, Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi (SOUZA, 2019). 3 PRINCIPAIS EXPOENTES DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Para abordarmos a sociologia da religião, precisamos compreender sobre o que alguns dos autores da área pensavam. Aqui, destacaremos três nomes se destacam a partir de sua origem — Augusto Comte, Alexis de Tocqueville e Henri Bergson —, cujo pensamento revolucionou o modo como entendemos os fenômenos religiosos na sociedade (SOUZA, 2019). 3.1 Augusto Comte Nascido na França em 1798, ano anterior ao fim da Revolução Francesa, e falecido em Paris, em 1857. Envolto pelo sentimento revolucionário de uma sociedade francesa em mudança, foi o fundador do Positivismo, tratado nas obras como Curso de 9 filosofia positiva e Catecismo positivista, além de diversas outras que abordam esse sistema filosófico, empregado, por exemplo, na religião e na política. Ao encontrar o Positivismo como maneira de analisar a sociedade, abandonaria dois estágios da ciência: teológico (ligado aos deuses) e metafísico (baseado em abstrações), que, segundo o autor, não foram capazes de suprir mais as demandas sociais (LACERDA,2009). Para ele, a religião que deveria conquistar o ser humano seria a religião da humanidade, ou positivismo religioso, na qual tudo gira em torno da espiritualidade humana, levando o ser humano a se dedicar ao máximo para si e para os outros, em um ato altruísta. Inclusive, “altruísmo” foi um termo cunhado por Comte, que desejava que o amor humano fosse motivado pela excelência encontrada por alguns homens. Nesse sentido, o sociólogo “[...] persegue um ideal de humanidade organizada, regulada por um fator unificante de grande porte como a religião, também amamentadora de conotações sociopolíticas, à medida que facilita a melhora da convivência” (CIPRIANI, 2007, p. 43). Assim, Comte propõe uma análise dos fenômenos sociais de maneira ampla, elevando a importância do ser humano, naquilo que é conhecido, até então, por física social, e que, posteriormente, veio a ser chamado de sociologia. Sua religiosidade visa ao ser humano de maneira ampla, embora observe as religiões como algo distante e abstrato, motivo pelo qual deveriam se distanciar da humanidade, visto ser a ciência capaz de libertá-la, em prol de um racionalismo consciente — “[...] as próprias ciências [...] se tornam úteis para uma reconstrução de teorias sociais em grau de representar ‘a base espiritual permanente da ordem social’” (CIPRIANI, 2007, p. 43). Para Comte, a religião, como unidade, consegue convergir as dimensões sociais e individuais, tanto morais quanto físicas, em um único ponto, aperfeiçoando os planos físico, intelectual e moral do ser humano (CIPRIANI, 2007). 3.2 Alexis de Tocqueville Também nascido na França, em 1805, morreu em Cannes, em 1859, na França. Pelo fato de ser um defensor da liberdade e da democracia, suas maiores e mais conhecidas obras foram Da democracia na América e O antigo regime e a revolução, nas 10 quais explana suas visões, posições e observações a respeito da democracia, em vista da Revolução Francesa, a partir de uma visão positivista (CASSIMIRO, 2018). Ao contrário de Comte, Tocqueville acredita que a religião tradicional é capaz de criar e manter uma sociedade estável, pautada na liberdade. Para isso, o sociólogo e historiador apresenta dois exemplos contraditórios: os Estados Unidos, cujo espírito religioso e liberal favoreceu a formação e a permanência da democracia; e a França, que promove um conflito entre a Igreja e os leigos e o enfraquece da política e da sociedade (CIPRIANI, 2007). No contexto estadunidense, em um primeiro momento, segundo o autor, o catolicismo buscava, tendenciosamente, tratar todos da mesma maneira. Havia uma predisposição à igualdade de condições. Para seus fiéis, a sociedade religiosa se dividia entre padre e povo: o primeiro estava acima do povo, pois tinha contato com e conhecimento de Deus, e o povo apresentava o mesmo nível, sem destaques, sem pessoas acima de outras. Mesmo com o contraditório de uma estrutura vertical, de cima para baixo, esta seria uma forma de, por meio da obediência, preparar todos para a igualdade, movimento que poderia ser chamado de estratificação social (CIPRIANI, 2007). Contudo, com esses mesmos padres fora do âmbito político, por opção própria, diga-se de passagem, permitiu-se a autonomia política. A religião, que na América [leia-se Estados Unidos da América] jamais se mistura diretamente com o governo, de, portanto, ser considerada como a primeira das instituições políticas, uma vez que, se ela não dá aos americanos [leia-se estadunidenses] o gosto da liberdade, facilita grandemente seu uso (TOCQUEVILLE, 1996, p. 295 apud CIPRIANI, 2007, p. 51). Portanto, o sociólogo propõe um distanciamento entre política e religião, tornando ambos mais fortes, já que, para Tocqueville, a religião que se une às vias políticas se torna mais poderosa sobre alguns homens. Porém, perde a esperança de poder reinar sobre todos eles, criando-se um paradoxo: a distância que aproxima e o afastamento do poder que gera influência. O sociólogo afirma que a religião tem maior vantagem diante de qualquer outro tipo de poder, visto ser capaz de inspirar instintos contrários, seja no distanciamento que aproxima, seja nos bens terrenos que sucumbem aos desejos 11 humanos, seja nas prioridades humanas que perdem espaço para as propostas transcendentes (CIPRIANI, 2007). Nesse ponto, Tocqueville se diferencia de Comte, já que, enquanto o primeiro revela que, para si, o distanciamento religioso da política faz do homem um ser autônomo e menos conflituoso, o segundo observa que a aproximação de uma visão religiosa em vista do fenômeno social e, por consequência, do ser humano proporciona um crescimento da humanidade como sociedade (SOUZA, 2019). 3.3 Henri Bergson Assim como Comte e Tocqueville, Henri Bergson nasceu na França, em 1859, tendo morrido em 1941. Algumas de suas obras mais conhecidas foram A evolução criadora, A energia espiritual e as duas fontes da moral e da religião, e seu pensamento expôs questões relacionadas aos sentidos e sentimentos do ser humano (COELHO, 2010). Bergson observa a religião a partir de um prisma diferenciado, por meio de uma óptica mais filosófica. Por isso, seria necessário reduzir essa filosofia a questões de ciência, liberdade, progresso, moral e, propriamente, religião, dentro de um discurso com base em fatos, e não em ideias (SOUZA, 2019). Em parte, o sociólogo se aproximada de Comte, já que ambos atuam sob uma visão racional daquilo que ocorre no dia a dia, embora haja uma diferença crucial entre eles: Comte segue seus pensamentos de maneira indutiva, ou seja, daquilo que é mais específico para o generalista. Imagine que eu observei uma rua e vi muitos carros, todos com quatro rodas; então, todos os carros já criados têm quatro rodas. Em um movimento contrário, Bergson pensa de maneira dedutiva, de um pensamento generalizado para algo menor, específico — por exemplo, todo ser humano pensa, portanto se eu penso, sou um ser humano (CIPRIANI, 2007). Por consequência, o pensamento bergsoniano se apropria da realidade para entender o todo, sem que haja especulação. Bergson invoca, portanto, maior rigor científico, para entrar mais facilmente na dimensão interior do indivíduo humano e perscrutar [examinar, investigar] suas 12 motivações reais, as intenções implícitas, as modalidades individuais e sociais passíveis a serem referidas à experiência religiosa. Ele é filósofo, mas também matemático [...]; está, portanto, habituado não só à concretitude e à precisão do cálculo, à centralidade da experiência factual, mas também à diferença entre estática e dinâmica social, entre religião institucional e religião estática (CIPRIANI, 2007, p. 56). O sociólogo diferencia o comportamento humano nas formas: estática, que se refere ao conhecimento científico conhecido pelas pessoas, com um caráter dogmático e impondo regras de maneira conservadora, podendo aproximar esse conceito das religiões populares; e dinâmica, que diz respeito à ética das origens e à criatividade da mística, lembrando aquilo que é próprio dos fundadores de religiões. Por isso, tentando dar maior fôlego para a espiritualidade, Bergson se opõe às soluções racionalistas, estáticas, a fim de permitir um crescimento do conhecimento religioso (SOUZA, 2019). Para ele, “[...] as potencialidades intuitivas da consciência mostram-se superiores às esquematizantes da razão e devem ser pesquisadas para descobrir os dados essenciais da realidade, frequentemente fugazes [rápidas] para uma análise externa e superficial” (CIPRIANI, 2007, p. 57). Portanto, a análise seria o método ideal e principal da ciência, ou seja, compreender a situação de modo isolado se faz importante para entender o todo. Sob essa óptica de uma religião estática, há um regime fechado, com hábitos e proibições predefinidas, e o conservadorismo daqueles que a dominam impulsiona ações mecânicasque afastam a liberdade e a abertura moral. Ao contrário, a religião dinâmica traz a liberdade e a moral amplificada, rompendo com a passividade e explorando hábitos impulsionados pelo amor, aumentando, promovendo e testemunhando a criação de uma nova forma de viver e, por consequência, observando e atuando sobre si e sobre o próximo (CIPRIANI, 2007). A tudo isso, ele dá o nome de impulso vital (élan vital), que proporciona movimentos que beneficiam formas inovadoras. Porém, esse mesmo impulso tende a se esgotar, movimento a partir do qual surge um fechamento, um isolamento, do pensamento social e religioso, em uma defesa contra aquilo que fere ou agride o sistema e, em especial, o ser humano (SOUZA, 2019). Por meio de sua força, o impulso vital consegue se afastar daquilo que o prende, como ritos privados, para dar lugar ao dinamismo do misticismo. Segundo ele, o místico 13 “[...] uma energia, uma audácia, uma potência de concepção e de realização extraordinárias” (BERGSON, 1961, p. 241 apud CIPRIANI, 2007, p. 58). O dogma, estático por essência, dá lugar à espontaneidade e ao redescobrimento do contato do criador divino, o qual ainda opera e atua, não se encontrando em um passado remoto, mas no tempo em que se vive. Assim, Bergson, diferentemente de Comte e Tocqueville, crê numa fé livre de pontos fixos. Por isso, seu pensamento tenta se afastar de uma religião estática, a qual se fixa e, de modo tradicional, conserva ritos, cerimônias e dogmas, sem necessariamente tornar-se fluida e dinâmica. Assim, o ser humano deixa de ter sua autonomia espiritual para se ligar a uma religiosidade, que, por vezes, foi uma convenção moral e um comodismo nacional/social (SOUZA, 2019). Bergson e seus pensamentos foram contemporâneos de diversos outros sociólogos, como o francês Émile Durkheim (1858–1917), os alemães Georg Simmel (1858–1918) e Max Weber (1864–1920), o russo Pitirim Sorokin (1889–1968) e, já mais à frente, o estadunidense Talcott Parsons (1902–1979). 4 O PAPEL DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE A PARTIR DA PERSPECTIVA SOCIOLÓGICA A sociologia busca analisar as funções da religião nas situações cotidianas e também em situações extremas, como guerras e crises políticas e econômicas. Ela analisa o papel essencial que a religião exerce na sociedade, tentando abarcar a linha tênue que separa o sagrado do profano. Muitos pensadores focam o papel que as crenças religiosas possuem para o indivíduo, os grupos e as nações. Os sociólogos estudam as normas e valores das crenças buscando compreender os seus fundamentos e a sua importância, além da forma como as pessoas exercitam o seu credo (BARRETO, 2019). As organizações religiosas tendem a moldar comportamentos de acordo com uma ética e uma moral próprias. A diversidade das religiões que há no mundo origina o pluralismo religioso. A liberdade religiosa — a liberdade de culto e de organização religiosa — é fundamental para a construção de uma sociedade justa, igualitária, com 14 respeito às diversas crenças e combate à intolerância religiosa. Torna-se complicado pensar sobre a religiosidade sem respeitar suas diferentes manifestações no mundo. O não respeito às diferentes manifestações gera a intolerância religiosa (BARRETO, 2019). Fonte: Pixabay.com A liberdade religiosa se relaciona com a noção de laicidade. A laicidade diz respeito à separação entre Estado e religião. Um Estado pode adotar uma religião oficial, mas precisa garantir a liberdade religiosa a todos os cidadãos. Também não deve interferir na fé religiosa de seus cidadãos, nem deixar que a fé professada por seus políticos influencie as políticas públicas. Porém, como toda liberdade, a liberdade religiosa tem limites. Por exemplo, o cidadão não pode cometer infração ou crime alegando que está exercendo a sua fé. Caso realize o crime por meio de sacrifícios que façam mal a outros seres humanos, ou incite a violência, estará sujeito às normas jurídicas e será julgado e punido, independentemente dos seus motivos (BARRETO, 2019). Ao redor do planeta, muitos grupos têm utilizado a religião como justificativa para realizar atos considerados terroristas ou fundamentalistas extremamente violentos, matando pessoas inocentes em ataques com bombas em locais públicos, por exemplo. Esses grupos são tidos como extremistas e deturpam a prática religiosa da maioria dos fiéis que professam aquela religião. Após o atentado terrorista ao World Trade Center, 15 em setembro de 2001, a palavra “terrorista” aparece frequentemente na mídia impressa e falada. Dessa forma, muitas pessoas que exercem a sua fé em determinada religião podem sofrer os efeitos diretos e indiretos da ação de grupos terroristas, sendo discriminadas, xingadas e humilhadas (BARRETO, 2019). O fundamentalismo religioso é exposto na mídia de maneira pejorativa e limitada aos ataques terroristas de adeptos do islamismo. O senso comum compreende que os fundamentalistas são indivíduos extremamente violentos e que não realizam boas ações. Mas, afinal, você sabe o que é fundamentalismo? O que ele tem a ver com religião? O conceito de fundamentalismo surgiu em um contexto religioso, no início do século XX, nos Estados Unidos. Contudo, na história, sua gênese é cristã, ocidental e protestante, não islâmica. Um grupo religioso, protestante e conservador do sul dos Estados Unidos, oriundo do Seminário Presbiteriano de Princeton, se reuniu para debater e elaborar doutrinas que contrariavam os protestantes liberais do século XIX, também chamados de modernistas. Segundo eles, os modernistas eram deturpadores da fé cristã. O modernismo era uma corrente de pensamento mais flexível. Seus praticantes defendiam que a Bíblia não poderia ser seguida ao pé da letra e que as celebrações deveriam se adaptar aos costumes culturais de cada local. Além disso, eles introduziram elementos evolucionistas e a ideia de progresso na interpretação dos preceitos bíblicos (PIERUCCI, 2010). Os fundamentalistas rejeitam qualquer influência mundana na religião, pregam os princípios fundamentais, a doutrina rígida, a Bíblia ao pé da letra como verdade única, de interpretação literal. Também acreditam em um deus único, isto é, no monoteísmo. Dessa forma, um judeu, um protestante e um católico podem ser fundamentalistas, até mesmo um muçulmano. Contudo, fiéis do candomblé, que não seguem um livro sagrado, não podem ser considerados fundamentalistas (BARRETO, 2019). As religiões monoteístas se originaram no Oriente Médio e são: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. O fundamentalismo, portanto, tem como elemento crucial o monoteísmo pregado nas escrituras e livros sagrados. Os fundamentalistas acreditam em uma única verdade. As religiões com vários deuses (politeístas) e as religiões panteístas não são fundamentalistas. Enfim, os fundamentalistas defendem os seus dogmas religiosos, os fundamentos da sua religião. Isso não implica o uso da violência 16 para a defesa da religião. Ser fundamentalista não significa necessariamente ser violento (BARRETO, 2019). Atualmente, há um avanço da cultura ocidental sobre o mundo árabe. Muitos dos conflitos atuais entre religiões envolvem o desrespeito aos costumes, hábitos e valores de grupos não ocidentais por grupos ocidentais. Como exemplo, você pode considerar a proibição do uso da burca na França. Tal proibição ocorre também na Áustria, na Dinamarca, na Holanda e em alguns lugares da Suíça. Esses países alegam que são contra qualquer vestimenta que cubra o rosto, pois isso coloca em risco a segurança pública (BARRETO, 2019). Cada religião possui seu sistema de credos, rituais, cerimônias, rezas e orações, símbolos, tradições, bem como lugares que são tidos como sagrados, de adoração. Algumas religiões possuem locais sagrados físicos, como igrejas, templos, sinagogas, mesquitas, terreiros e congregações. Outraspraticam sua fé ao ar livre. Essas divindades tanto podem ser seres imaginários, como deuses e deusas, quanto, por exemplo, animais. É o caso da vaca na Índia, que é tida como sagrada até os dias atuais. Também há religiões que atribuem poderes aos elementos naturais, como o vento, a água e o fogo, acreditando que os deuses regem esses elementos (BARRETO, 2019). A maioria das instituições religiosas também usa livros considerados sagrados para guiar a conduta dos fiéis. O cristianismo utiliza a Bíblia, os muçulmanos, o Alcorão. A prática da religião envolve ritos, liturgias e rituais como cultos, missas, procissões, sermões, transes, sacrifícios. Muitas religiões utilizam músicas, danças e festas para a adoração dos seus deuses (BARRETO, 2019). A fé em uma religião é ao mesmo tempo uma experiência pessoal e coletiva. Na maioria das vezes, os fiéis se reúnem em um local para expressar a sua fé. Contudo, a prática da religiosidade não precisa necessariamente estar atrelada ao comparecimento e à participação em rituais realizados em um lugar físico (BARRETO, 2019). A maioria dos conflitos mundiais se originam de questões religiosas somadas a aspectos de ordem política, econômica e geográfica. O Brasil tem como religião predominante o catolicismo, mas convive com a diversidade de credos. Nos últimos anos, houve um aumento maciço dos evangélicos. O País também abriga cultos de origem africana, que convivem com diferentes grupos espíritas, além de comunidades judaicas 17 e de pessoas sem religião. Além disso, o sincretismo religioso, em que símbolos e ideologias de diferentes religiões se misturam, permanece presente no Brasil. Os santos do catolicismo, por exemplo, se mesclam com os santos do candomblé (BARRETO, 2019). 4.1 Religiões ao redor do planeta Você sabe quais são as religiões que possuem maior número de fiéis ao redor do planeta e em que local elas se concentram? Segundo um relatório do americano Pew Research Center, o cristianismo possui 2,18 bilhões de fiéis no mundo. Os fiéis denominados cristãos se dividem entre: católicos, com 51,4%; evangélicos, com 36% (a maior parte pentecostal); e ortodoxos, com 12,6%. Os cristãos creem em Jesus e em um deus único. Ao longo da história, o cristianismo foi dividido entre cristãos ortodoxos ou do Oriente, que em seguida se separaram entre católicos e protestantes. Os cristãos seguem a Bíblia, seu livro sagrado (SCHULTZ; PLAVENIECE, 2011). Os cristãos católicos seguem a Igreja Católica Apostólica Roma e sua autoridade máxima é o papa. Já os cristãos ortodoxos surgiram com a cisão que ocorreu na Igreja Católica Romana no século XI e que se espalhou no Oriente. A Igreja Católica Ortodoxa e a Igreja Ortodoxa Russa são as suas principais igrejas (BARRETO, 2019). O islamismo, de acordo com o mesmo relatório, é a religião que mais vem conquistando adeptos pelo mundo, sendo considerada a segunda religião mundial em número de seguidores. Cerca de 1,6 bilhão de pessoas se proclamam muçulmanas. Eles se dividem em sunitas e xiitas. A corrente sunita acredita na Suna, o livro sagrado que contém os ensinamentos do profeta Maomé. Por outro lado, a corrente xiita, que vigora no Irã e no Iraque, crê nos ensinos de Ali, primo de Maomé. Essa corrente envolve a política nos valores religiosos e defende o Estado teocrático (BARRETO, 2019). 18 Fonte: Pixabay.com O hinduísmo é a terceira religião em número de adeptos no mundo. Teve como origem o vedismo, religião dos povos indo-europeus que viviam no norte da Índia no segundo milênio a.C. Essa religião não possui um fundador e não há hierarquia ou instituição estabelecida. Há um sistema de castas em que as pessoas são classificadas da ordem superior para a inferior, não sendo possível a ascensão social (BARRETO, 2019). Fonte: Pixabay.com 19 5 PRINCIPAIS CONCEITOS DA SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO Estudar a religião para entender as estruturas da sociedade: esse foi um desafio para a sociologia em seu surgimento como ciência. A sociologia surgiu juntamente com a sociologia da religião. Émile Durkheim foi um dos sociólogos percussores no estudo da religião nas sociedades. Ele buscou compreender a relação entre indivíduo e sociedade e o poder da religião nessa relação. Para ele, a religião é uma ação coletiva que abarca diferentes condutas do homem na interação com os seus pares e grupos. A religião seria um sistema uniformizado de crenças e práticas que diz respeito ao sagrado em contraposição ao profano (DURKHEIM, 1912 apud SCHAEFER, 2016). O sagrado compreende a reunião de práticas específicas que abrangem eventos que transcendem o cotidiano e geram o temor e o respeito religioso. O profano, por sua vez, se refere à vida mundana. A noção de sagrado e profano depende da interpretação das representações simbólicas que o homem atribui para os objetos e as suas ações (BARRETO, 2019). Para Durkheim (2000), a religião tem o poder de unir os laços de coesão social e realizar a solidariedade entre os membros da sociedade. Ela funciona como uma cola social e mantém a estrutura e a harmonia. Portanto, promove a estabilidade e a não ruptura. Não existe a ideia de contradição nos estudos de Durkheim. Para ele, ao promover a harmonia por meio de ritos, rituais e cerimônias, os povos fortalecem a sua crença. Dessa forma, a religião funciona como um poder integrador da sociedade humana. Para Durkheim (2000), os laços da religião ultrapassam as forças pessoais. Durkheim pesquisou os aborígenes da Austrália. Nesse local, ele descobriu o sistema do totemismo. O que seria um totem? Um totem é um objeto tido como sagrado pelos moradores locais, um símbolo cultuado nos rituais e cerimônias. A religião tem o 20 poder de impor significados a coisas e animais que são consideradas sagradas e possuem um caráter transcendental (BARRETO, 2019). Outro autor muito importante para a sociologia e para a sociologia da religião foi Max Weber. Em seu livro A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (WEBER, 2000), ele defende que existe uma relação de afinidade entre a crença religiosa protestante e o comportamento capitalista. A Reforma Protestante teve valor essencial para o desenvolvimento do sistema capitalista, porque a ideologia da ética da prosperidade promove a produção de riqueza. A ética protestante produz novos comportamentos. Ela tem como valor o trabalho como maneira de glorificar a Deus. Os protestantes acreditavam que o trabalho tornava o homem nobre e apreciável aos olhos de Deus. Assim, deveriam se envolver no trabalho, evitar os prazeres do mundo, ter disciplina e lutar para obter prosperidade. Por outro lado, os católicos condenavam a acumulação de riquezas, pois achavam que ela significava usura (BARRETO, 2019). Esses fatores transformaram radicalmente o mundo do trabalho e, com isso, a economia da Europa. O acúmulo de capitais realizado pelos protestantes e a produção de riqueza geraram lucro. Assim, a economia cresceu, possibilitando o desenvolvimento do capitalismo. Como você pode notar, a economia é fortemente influenciada pela religião. A ética protestante estimulou a poupança, modificando o cotidiano e as ações humanas e gerando novas formas de viver, novos hábitos (BARRETO, 2019). Karl Marx foi outro estudioso que procurou analisar a influência da religião na sociedade moderna. Ele, ao contrário dos autores citados, critica a religião. Marx era contrário ao sistema capitalista e a toda instituição que influenciasse esse sistema. Ele refletia sobre as condições concretas da vida dos seres humanos e sobre a estrutura da 21 sociedade. Ele afirmava que a religião era o ópio do povo, porque influencia o pensamento e o comportamento da sociedade (BARRETO, 2019). No seu texto A questão judaica (MARX, 1991), ele defende que a sociedade civil só alcançaria a liberdade e a emancipaçãohumana quando todos participassem do Estado e pudessem tomar decisões. Assim, por meio da ruptura do sistema, o ser humano poderia viver em uma sociedade com livre e igual distribuição dos bens. E o que a religião tem a ver com isso? Para Marx, ela é semelhante a um ópio pois deixa os indivíduos acomodados, resignados, acreditando em uma vida futura. Assim, não se envolvem em sua vida concreta e real nem promovem a mudança social. As pessoas ficam conformadas, submissas, veem as situações da sua vida como vontade divina, como destino, e não questionam nem lutam pela transformação (BARRETO, 2019). No mundo contemporâneo, a religião passou por transformações, mas se configura como um importante fenômeno social tanto na vida privada quanto na esfera pública. Ao desnaturalizar as relações sociais, a sociologia da religião demonstra que as instituições religiosas possuem natureza social e histórica, sendo um produto dessas relações situadas no espaço e no tempo (BARRETO, 2019). 6 RELIGIÃO, ESTADO, MERCADO E CAPITALISMO Se você deseja aprender sobre a religiosidade de um povo ou nação, além de observar as manifestações de fé, como os rituais, cerimônias, práticas e crenças, pode observar as leis que regem essa nação. É por meio de uma lei específica que a liberdade religiosa é assegurada em um país (BARRETO, 2019). A constituição ou carta magna de um país é um conjunto de leis que estabelecem direitos e deveres dos cidadãos em cada esfera da vida pública. Nela está regulamentado o que o governo deve garantir para o pleno exercício da cidadania e o que os cidadãos devem cumprir para a construção de uma sociedade justa e igualitária. A religião, como instituição social do dia a dia das pessoas, não pode ficar de fora (BARRETO, 2019). Em seu art. 19, a Constituição Federal do Brasil afirma que o Estado brasileiro não pode ter preferência religiosa ou impor privilégios para determinada religião, sendo 22 que o poder público e a religião devem ser separados. Já o art. 5º da Carta Magna prega a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos, garantindo na forma da lei a proteção aos locais de culto e suas liturgias (BARRETO, 2019). Além disso, defende a não privação de direitos devido às crenças que a pessoa professa. Logo, ninguém pode ser privado de liberdade por expressar sua fé religiosa. A Constituição ainda assegura a assistência religiosa a entidades civis e militares de internação coletiva e permite que os cidadãos que não possam realizar o serviço militar devido à sua crença realizem serviço alternativo. Além disso, a Constituição Brasileira permite o ensino religioso não obrigatório nas escolas públicas de ensino fundamental, de modo que as crianças possam ter acesso ao saber religioso. Contudo, esse ensino não é obrigatório, o que violaria a liberdade religiosa (BARRETO, 2019). Mas no Brasil nem sempre houve liberdade de crença religiosa. Em sua primeira Carta Magna, de 1824, a religião católica era declarada como a religião oficial do Império. Contudo, nas constituições seguintes não houve permanência dessa determinação. Enfim, atualmente, os brasileiros podem escolher suas crenças, professar sua expressão religiosa e ter a liberdade de ir aos espaços considerados sagrados. O Estado tem o dever de garantir essa liberdade (BARRETO, 2019). O Estado brasileiro é laico, diferente do Estado confessional, em que a religião influencia o poder estatal. Segundo a Constituição Federal, não há uma religião oficial no País, apesar de no início da Carta Magna haver referência a Deus. A Lei nº 9.459/1997 afirma que é crime a prática de discriminação ou preconceito contra as religiões. Dessa forma, nenhum cidadão pode ser discriminado por motivo de crença religiosa. O crime de 23 intolerância religiosa é imprescritível, isto é, pode ser punido em qualquer tempo, e é inafiançável, ou seja, não pode ser pago com fiança (BARRETO, 2019). A religião também possui influência no mercado e na economia, como você viu no caso da ética protestante e do espírito do capitalismo. Para o sociólogo Peter Berger, existe uma religião de mercado. O que seria uma religião de mercado? Seria o processo em que a religião incorpora valores propagados pela mídia, pelos meios de comunicação (OLIVEIRA, 2012). E o que acontece? Os fiéis são vistos como público-alvo. A pregação se assemelha a campanhas de publicidade e a fé se transforma em produto. Há, portanto, a mistura do sagrado com o profano, do espírito com a matéria. Há também a valorização da prosperidade como busca de realização pessoal do ser humano. 24 Peter (1971 apud OLIVEIRA, 2012) enfatiza que há um processo de dessecularização da religião, pois, ao buscar intensamente a religião, o homem torna o mundo cada vez mais religioso. Logo, o mundo do século XXI tende a ser tão religioso quanto o mundo dos séculos anteriores. Esse novo processo fez com que as instituições religiosas agissem com a lógica mercadológica, adaptando os seus rituais, cerimônias e credos aos interesses individuais de cada ser humano. Assim, a religião é influenciada pelo pensamento atomizado dos indivíduos no mercado. 7 OS SÍMBOLOS E OS RITOS Pode se dizer, conforme propõe Marconi e Presotto (2010, p. 28), que crença é “a aceitação como verdadeira de uma proposição comprovada ou não cientificamente. Consiste em uma atitude mental do indivíduo, que serve de base à ação voluntária. Embora intelectual, possui conotação emocional”. Então, a maneira como cada sociedade guia os seus rituais está permeada por crenças e valores construídos entre os seus membros ao longo dos tempos, podendo ser transmitidos de geração a geração ainda que possa ter sofrido pequenas alterações em sua forma original. Tendo em vista essa discussão, vamos nos aproximar de um estudo de rituais em que os indivíduos de uma sociedade manifestam seus sentimentos a partir de uma determinada ação (BARROSO, 2017). Para isso, vamos acompanhar os estudos antropológicos de Victor Turner (2008), que compreendia que os fenômenos culturais estão prenhes de símbolos e de crenças de tipo não estrutural, diante da estrutura do processo ritual. Nesse sentido, podemos dizer que Turner se contrapõe às ideias estruturalistas de Lévi-Strauss, pois a noção de levistraussiana enfatiza o cognitivo, a arbitrariedade do significado e a ideia de estrutura separada do sentido das ações e da intencionalidade dos atores. Enquanto que o pensamento turneriano ressalta a produção das construções simbólicas baseadas nos valores e nas crenças dos membros da sociedade (BARROSO, 2017). A antropóloga Mariza Peirano se dedicou aos estudos dos rituais como estratégia analítica e abordagem etnográfica, evidenciando em seu livro, O dito e o feito, a 25 “perspectiva durkheimiana que vê nos cultos e rituais verdadeiros atos de sociedade nos quais são reveladas visões de mundo dominantes de determinados grupos” (PEIRANO, 2002, p. 10). Ela acessou autores clássicos da Antropologia que discutiram o assunto, assim, retomou o interacionista simbólico Victor Turner que estudou os rituais entre Ndembus do noroeste da Zâmbia, no centro sul da África. Os interacionistas simbólicos entendiam que os símbolos servem para orientar as ações nas sociedades humanas. Assim, como afirma Turner (1974), esses símbolos são conscientes e atuam durante o processo ritual em que eles se apresentam em forma de objetos, gestos, cantos, para expor a mensagem que querem passar por meio do rito. Logo, o encadeamento de símbolos dentro do ritual, ordena e constrói a ideia de que está se passando de um ponto da estrutura social a outro. Assim, há certa estrutura social no processo ritual em que convive a ação social e os arranjos sociais no desenrolar desse rito. De modo que, nesses arranjos sociais,permeiam símbolos visuais e auditivos, operando culturalmente como combinações e associações de ideias que revelam cosmologias, valores, axiomas culturais dispostos na sociedade, e que são transmitidos de uma geração a outra também por meio do processo ritual (BARROSO, 2017). Os estudos de Turner visaram compreender a ligação entre as fases do ritual designando, para isso, aportes conceituais e teóricos na área da Antropologia. Como explica melhor Peirano (2002, p. 21): Victor Turner procurou resgatar a dimensão do viver, definindo os rituais como loci privilegiados para se observar os princípios estruturais entre os ndembu africanos, mas também apropriados para se detectar as dimensões processuais de ruptura, crise, separação e reintegração social, cujo estudo ele havia iniciado com sucesso mediante a ideia de “drama social” – ritos seriam dramas sociais fixos e rotinizados, e seus símbolos, no âmbito da razão durkheimiana, estariam aptos para uma análise microssociológica refinada. Fascinado pelos processos, conflitos, dramas – em suma, pelo vivido –, para Turner, símbolos instigam a ação. Nesse sentido, cabe utilizar o aporte teórico e conceitual turneriano para compreendermos as possibilidades de estudo da área e até termos condições de realizar análises de ritos e rituais relacionados às crenças e aos valores presentes na sociedade em que vivemos (BARROSO, 2017). 26 8 DESVENDANDO O PROCESSO RITUAL Para compreendermos o processo ritual, temos de resgatar o que diz Van Gennep (2011) sobre os estudos de ritos de passagem. Ele chamou assim todos os ritos de transição que acompanham a mudança de lugar, estado ou posição social de idade. E enfatizou três fases que esses ritos se desdobram: separação, margem (“limiar”) e agregação. De modo que todo ritual, de qual ordem fosse, estaria submetido a essa configuração. A primeira fase é quando o indivíduo ou grupo social inicia o afastamento da estrutura social em si. A segunda fase é o período limiar, no qual as características do sujeito ritual – que é quem está passando pelo ritual – são ambíguas, pois ele está fora da estrutura mais próxima a ela, em uma condição extrema. E a terceira fase é quando há a passagem e o indivíduo ou grupo social é reintegrado na estrutura, e volta a ter direitos e obrigações definidos e estruturados (BARROSO, 2017). Dessa maneira, como explica Gennep (2011), espera-se que o indivíduo ou grupo social se comporte de acordo com as normas e padrões éticos da sociedade em questão, conforme a nova posição social que ocupa ou ocupam após o ritual, conforme definido pela relativa estabilidade da estrutura. Por ritual, Turner (2005, p. 57) entende: [...] o comportamento formal prescrito para ocasiões não devotadas à rotina tecnológica, tendo como referência a crença em seres ou poderes místicos. O símbolo é a menor unidade do ritual que ainda mantém as propriedades específicas do comportamento ritual; é a unidade última de estrutura específica em um contexto ritual. Assim, devemos entender o ritual como um sistema de significados. Logo, esse autor se apropria das ideias de Gennep e realiza os estudos de ritos de passagens buscando as concepções interestruturais – que ele chama de communitas – em meio a passagem de um estado a outro na estrutural social (TURNER, 1974). No entanto, ele não trata esses dois momentos – communitas e estrutura social – como oposição, e sim de forma análoga, de modo que há uma relação dialética entre esses dois momentos que sustentam o caráter de humanidade para além de posição social. Ele 27 entende que muitas vezes é preciso passar pelo processo ritual, mas para que se restabeleça a estrutura social. A communitas é o momento de suspensão das relações cotidianas, é espontânea, autógena e reduz as diferenças sociais, enquanto a estrutura social reforça essas diferenças e marcações das relações cotidianas. Como a estrutura social é a arena na qual eles perseguem seus interesses materiais, a communitas é recalcada para o inconsciente. Os ritos, os símbolos e os mitos são complexos, e suas formas culturais na communitas pressupõe que esses elementos possam ser vivenciados com maior profundidade do que em qualquer outro contexto. Logo, na communitas cabe mais a transmissão das relações entre símbolos, ideias e valores do que a própria marcação das posições sociais (BARROSO, 2017). Vamos aprofundar o que diz Turner sobre essas fases! Em relação a segunda fase, que considera os períodos liminares, Turner (1974) entende que é um estar fora e dentro da estrutura social ao mesmo tempo, já que se suspende os relacionamentos sociais normais para ser reintegrado novamente. E o indivíduo ou grupo social que passa por esse ritual fica em uma espécie de invisibilidade estrutural, como se estivessem sido colocados à uma condição uniforme que é o communitas, para ser formatado de novo e em uma outra situação venha a ser realocado em outra posição social. Durante esse período de communitas, as manifestações que ali ocorrem devem parecer perigosas e sem organização, de modo que há algumas restrições nessa fase. Nesse sentido, a condição limiar do indivíduo ou grupo social, durante o processo ritual, tem algumas especificidades, como explica Turner (2008, p. 241): [...] numa situação temporariamente liminar e especialmente marginal, os neófitos passageiros são despidos de status e autoridade num rito de passagem prolongado – em outras palavras, removidos de uma estrutura social que é em última estancia mantida e sancionada pelo poder e pela força – e posteriormente nivelados até um estado social homogêneo pela disciplina e pelo ordálio [...] muito do que vinha sendo cerceado pela estrutura social é liberado, notadamente o senso de camaradagem e comunhão, em suma, de communitas [...]. Nesse sentido, o Turner (2008) ainda vai citar três situações da cultura onde a communitas, que é esse momento de suspensão das relações cotidianas, pode estar presente, são elas: liminaridade, outsiderhood e inferioridade estrutural. 28 Na liminaridade, é quando em um processo ritual se passa de um ponto de classificação a outro, o que está entre betwix e between, de modo que o neófito fica em um ponto inclassificável na estrutura social. Para Turner (2008), a liminaridade considera uma fase da vida social em que as atividades realizadas pelo sujeito ritual não estão demarcadas na estrutura social, de modo que essa fase se mantém como um estado e não mais uma passagem. O outsiderhood corresponde a quem tem uma posição diferenciada na sociedade, como líderes messiânicos, médiuns, xamãs, pais de santo, etc., pois eles não se encaixam na estrutura, já que analisam a estrutura social para analisar criticamente aos seus seguidores. Diferente dos liminares, eles não têm garantias de resolução final para sua ambiguidade, de modo que não têm um status social reconhecido (BARROSO, 2017). E o último é a inferioridade estrutural, que se trata da condição de certas classes sociais ou da sociedade de castas, em que se considera uns inferiores em relação a outros superiores. A função simbólica dos que são rejeitados seria a de representar a humanidade sem qualificações, de modo que há recompensas desiguais para essas que são concedidas por suas posições diferenciadas (BARROSO, 2017). 9 PROCESSO RITUAL NA RELIGIÃO Podemos nos valer dessa discussão mais teórica para pensar sobre o processo ritual no contexto religioso. De modo geral, crenças e rituais são elementos constitutivos 29 das práticas religiosas, uma vez que é por meio delas que o indivíduo ou o grupo social manifesta seus sentimentos (MARCONI; PRESOTTO, 2010). Fonte: Pixabay.com De modo que reconhece e aceita a superioridade do sobrenatural e se coloca em devoção a ele, o ritual religioso cultuará o sobrenatural por meio de uma atividade acordada socialmente,podendo contar com elementos que compõe as práticas específicas envolvendo crenças e valores daquela sociedade (BARROSO, 2017). O estudo sobre o candomblé é amplo e complexo. Alguns pesquisadores se dedicaram a pesquisar os elementos que compõe sua concepção e suas práticas. Dias (2014) estava interessado na discussão do ori, que é um sentido peculiar dado à cabeça, a partir do contexto religioso, e explica a relevância de fazer essa análise: A análise da concepção e ritualidade em torno do orí nos permitiu alcançar todo um vasto quadro interpretativo e utilitário, fornecendo novos dados a um campo de análise tradicionalmente unívoco e unidimensionalmente formatado. Tal ideia equivale a dizer que com este trabalho, de algum modo, se abre um novo campo de possibilidades de leituras, interpretações, significações e configurações sobre os padrões de pensamento religioso yorùbá e afro-brasileiro, e suas expressões rituais (DIAS, 2014, p. 38). Nesse sentido, as análises etnográficas dos contextos rituais no âmbito religioso contribuem com a própria problematização do campo de atuação das religiões, mas também com a produção de registro dessas práticas por meio da escrita. O antropólogo 30 Vagner Gonçalves da Silva (1991, p. 57), que estudou longamente religiões afro- brasileiras, entende que esses estudos também são contribuições para quem permitiu ser estudado, pois, segundo ele, “as etnografias vão constituindo assim o “corpus inscriptionum” da religião. De modo geral, o estudo dos rituais religiosos envolve a compreensão de seres, entidades, forças, almas, elementos rituais, cânticos entoados, entre outros. Há o culto dos objetos sagrados e até mesmo forma de ritos que são realizados. Marconi e Presotto (2010, p. 159), resumem que: A religião, de modo geral, reforça e mantem os valores culturais, estando muito deles ligados à ética e à moral, pelo menos implicitamente. Sustenta e inculte normas particulares de comportamento culturalmente aprovadas, exercendo, até certo ponto, poder coercitivo. Ajuda na conservação de conhecimentos ao transmitir, através de rituais e cerimônias dramatizadas, os procedimentos ou normas de conduta importantes em determinada cultura. Portanto, enfatizamos a relevância da análise do processo ritual no âmbito religioso, uma vez que o grupo praticante se encontra, cultua suas crenças e dá continuidade às práticas que fazem sentido para eles (BARROSO, 2017). 10 CONCEITOS DE RELIGIÃO Para compreender o significado da religião, é interessante que você conheça a etimologia da palavra. Segundo Silva e Siqueira (2009), a palavra “religião” é derivada do latim e significa religar, reler ou ainda reeleger. A ideia, então, é de ligação entre a humanidade e a divindade. Ou seja, há o pressuposto de que entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses existe uma forma de comunicação possibilitada pela religião. Durkheim (2000, p. 32) entende que a religião é “[...] um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que a elas aderem [...]”. Então, é por meio desse sistema que os membros de um grupo partilham e realizam a devoção aos seus deuses. Pode-se dizer ainda que os simbolismos e os significados que circulam em cada religião também definem como são as práticas de devoção. 31 Assim, para conceituar religião, é preciso abarcar a complexidade do termo, pois a devoção envolve uma série de crenças e práticas que são aprendidas no cotidiano de participação junto aos membros dos grupos religiosos. Dessa maneira, Giddens (2005) explica que as religiões reúnem símbolos relacionados à reverência ou ao temor. Tais símbolos estão ligados a rituais ou cerimônias realizadas por fiéis. Além disso, ainda que uma religião implique a crença em um deus, geralmente existem objetos ou seres que levam ao temor ou à admiração. Esses símbolos podem ser relativos a imagens religiosas — como santos, divindades, deuses — ou mesmo a tipos de comida e vestimentas com objetivos diversos, utilizados durante o ritual religioso ou ainda fora dele. Mas você também deve considerar pertinente os cantos, as falas, o soar dos instrumentos, a imposição de mãos, as danças coletivas, a questão energética, as visões e tudo aquilo que é relativo ao mundo imaterial. Nesse sentido, cada religião vai definindo o que é sagrado para ser cultuado e o que não é. Com isso, constitui uma gama de práticas e rituais fundamentais para os praticantes do grupo. Veja como Durkheim (2000, p. 226) explica a concepção de sagrado: O que define o sagrado é o fato de ser acrescentado ao real [...] Neste espaço as energias vitais estão superexcitadas, as paixões mais vivas, as sensações mais fortes; existem mesmo algumas que só se produzem senão neste momento. O homem não se reconhece: sente-se como que transformado e, por conseguinte, transforma o meio que o rodeia. Para explicar-se as impressões muito particulares que experimenta, ele atribui às coisas com as quais estão em relação poderes excepcionais, virtudes que não possuem os objetos da experiência vulgar. Dessa forma, a religião se apresenta como mais uma das chaves explicativas que propõem saídas para as dúvidas mundanas e as questões filosóficas que atormentam os homens. Afinal, as explicações dadas por esses sistemas de simbolismos fazem sentido para os membros do grupo e também acalmam suas angústias em relação às vivências cotidianas. Assim, a transformação de que fala Durkheim (2000) remete à ideia de que as experiências religiosas vividas são levadas para fora do âmbito religioso e exercidas no dia a dia, junto a outras pessoas, que têm outras crenças e outras práticas. Logo, esse “fazer sentido” que é entendido pelos praticantes das diferentes religiões diante do culto que frequentam se dá porque as explicações trazidas pelas 32 religiões também consideram os sistemas sociais em que estas estão inseridas. Ou seja, as explicações sobre o que parece não ter explicação se acomodam em outros sistemas de simbolismos presentes na vida social. Elas passam a ser compreensíveis para os praticantes de cada religião. Nesse sentido, Nola (1987) reforça que o universo da religião, do sagrado, não é autônomo e sem sentido de uma perspectiva laica. Além disso, não é estranho ao mundo racional. Ele se expressa e se mostra na realidade mesma, na relação contínua que a justifica e a explica. É na convivência coletiva que as explicações religiosas surgem e também se solidificam, fazendo com que o espaço da prática religiosa se constitua como mais um espaço de organização e ordem social. Essa observação é evidenciada por Coutinho (2012, p. 181), que afirma que “As religiões compreendem coletividades no seio das quais se desenvolvem práticas, se elaboram, defendem e discutem crenças. Faz parte da essência da religião a sua componente organizativa [...]”. Desse modo, o conceito de religião considera a ordem social promovida pela participação dos membros da sociedade no âmbito da questão religiosa. A participação no universo sagrado (por meio de rituais, por exemplo) oferece prestígio social, o que pode ser compreendido como uma das funções sociais da religião. Ela mesma é um sistema de crenças e práticas relacionadas ao sagrado. As coisas sagradas, assim, reúnem o povo em uma comunidade moral. Ele compartilha crenças que são essenciais à constituição e à manutenção da religião (TIMASHEFF, 1971). Como você pode notar a partir dessa discussão, há complexidade no estudo da religião. Além disso, é necessário ter cuidado e respeito ao considerar religiões que tenham crenças ou práticas que, em um primeiro momento, não façam sentido para você. Cada religião deve ter liberdade de cultuar suas práticas devocionais e ser respeitada por isso. 3311 RELIGIÃO E SOCIEDADE A relação entre sociedade e religião perpassa inúmeras questões. O que é aprendido na religião pode atravessar outras áreas da vida social e se constituir como uma forma de vida dedicada à causa religiosa. Considere, por exemplo, o uso do hijad, que é o conjunto de vestimentas preconizadas pela doutrina islâmica. De acordo com o pensamento guineense, pesquisado por Abranches (2007, p. 168–169): As mulheres muçulmanas, normalmente, não devem deixar o cabelo solto, só que hoje em dia, como se vê, cada um faz como quer. Mesmo na Guiné também é assim, andamos assim. Há os que não deixam mesmo o cabelo solto, tapam tudo até aqui, mas há menos na Guiné isso do que nos países árabes. Fazem o possível por tapar o cabelo, as partes que atraem mais os homens, é isso. Mas isso, na Guiné, há pouca coisa. Quando as pessoas têm certas idades é que fazem mais isso. Então, até mesmo na forma de viver há elementos que são englobados pela doutrina religiosa. Contudo, nos dias de hoje, algumas igrejas têm exigido menos transformações no modo de vida dos fiéis, ainda que propaguem preceitos religiosos cristãos. É o que afirma Dantas (2010, p. 56) ao analisar a Igreja Evangélica Bola de Neve: O sucesso da igreja se deve à identificação do jovem com sua imagem, à proximidade dos pastores, à informalidade dos cultos e à linguagem descontraída. Sua identidade, constituída pela negação de certos tradicionalismos, pela ruptura com rituais religiosos convencionais, pelo culto ao corpo perfeito, pela preocupação com a saúde e pela preconização da juventude, atrai o público jovem, que se recusa a frequentar igrejas que lhe impõem como regra abandonar sua vida para dedicar-se à devoção religiosa. Com o intuito de recrutar novos clientes, os pastores à primeira vista procuram "vender" a imagem de liberalidade e divulgar a ideia de que se opõem aos dogmas religiosos, o que na prática não se confirma. De fato, a igreja não oferece restrição às vestimentas, 34 às tatuagens, aos piercings, aos esportes radicais, em suma, à aparência do crente. Contudo, empenha-se em coibir o consumo de bebidas alcoólicas, o uso de cigarros e a frequência a bares e boates, além de repudiar o homossexualismo, o sexo pré- -nupcial e as relações extraconjugais, preconizando a virgindade e o casamento monogâmico e heterossexual. Embora a congregação pareça liberal e flexível, no cotidiano das relações institucionais ela utiliza vários mecanismos de censura e resgata códigos tradicionais de controle da sexualidade. Aquelas práticas mais tradicionais que abarcam o molde da sociedade patriarcal também se renovam e atualizam em novas práticas, que são ressignificadas e incluídas no cotidiano de crenças e costumes de determinada religião. Segundo Steil (2001), na contemporaneidade, a crença religiosa vive um “processo de recuperação de sentidos como linguagem significativa”. Assim, a dualidade entre a razão e a emoção, vinculada à modernidade ocidental, abre espaço para uma relação diversa, que põe coração e racionalidade lado a lado. Nesse sentido, a ideia não é optar pela experiência ou pelo dogma religioso. A proposta é encontrar vivências espirituais afetivas para cada trajetória pessoal. Você deve considerar que não só as religiões influenciam outros âmbitos da sociedade, mas esses outros âmbitos também influenciam a vida religiosa. Coutinho (2012, p. 176) apresenta esse panorama comparando sociedades ocidentais e orientais: O contexto cultural influencia sobremaneira a definição de religião. Nas sociedades ocidentais, onde se associa a religião à relação com algo transcendente, ela é sistema mediador entre o homem e entidades superiores. O Ocidente, altamente marcado pela cultura judaico-cristã, releva o Deus único e transcendente. Nas sociedades orientais, budistas e hinduístas, a transcendência não está presente, mas antes o panteísmo, um deus em tudo. Assim, a religião não é ligação a algo superior e transcendente, mas à própria natureza, a todos os seres vivos. Ainda assim, cada sociedade se organiza para definir a relação entre a religião e o Estado. Essa relação pode ser de mais proximidade ou mesmo de ruptura. O meio pelo qual se estabelece essa definição pode ser tanto a publicação da constituição quanto acordos sociais. 35 No Brasil, ocorre a separação entre Estado e religião por meio do conceito de laicidade. Isso significa que o Estado não favorece nem segue nenhuma religião. Portanto, ele se opõe ao Estado confessional, ou seja, àquele que tem posição religiosa. O Estado confessional inclui até mesmo o Estado ateu, dado que este assume uma posição religiosa em sentido negativo. De acordo com a laicidade, o Estado não segue nenhuma doutrina oficial. Portanto, os cidadãos não têm de se associar a igrejas ou seitas. Além disso, não existe a noção de heresia (interpretação, doutrina ou sistema teológico rejeitado como falso pela igreja) (LACERDA, 2014). Como destaca Negrão (2008), foi a partir da proclamação da República no Brasil, em 1889, que ficou definida na constituição a ruptura mais clara entre Estado e religião, possibilitando uma sociedade mais pluralista e laica ao longo do século XX. Entretanto, o mesmo autor apresenta os desafios da influência das igrejas nos dias atuais: A proclamação republicana, contudo, não significou a perda da hegemonia católica e de sua influência na vida cultural e política brasileira. A Igreja Católica continuou a cooperar eventualmente com o Estado Republicano, como no combate às heresias messiânicas, e a impor seus princípios religiosos às constituições, como a proibição do divórcio e do aborto legal. A Igreja Católica aproveita sua recente liberdade para reaproximar-se da ortodoxia vaticana. Os padres passam a ter uma formação seminarística mais cuidadosa, são nomeados bispos apenas os mais dedicados e ultramontanos, trazem-se ordens religiosas europeias para administrar os santuários e demais serviços religiosos, busca-se incutir um catolicismo menos mágico e devocional e mais cristocêntrico nas camadas populares (NEGRÃO, 2008, p. 265–266). Assim, você pode perceber o quanto é importante compreender a relação entre religião e sociedade. Afinal, há transformações ao longo dos anos que são possibilitadas justamente por essa relação. 36 12 RELIGIÃO E IDEOLOGIA Já que as religiões se estabelecem como sistemas de simbolismos pelos quais perpassam as crenças e práticas rituais, você pode pensar em como a questão da ideologia interfere nisso. Para compreender qual é a relação entre a religião e a ideologia, você precisa conhecer o conceito de ideologia. Segundo Carone (1991), a ideologia é definida em sociedade. Contudo, as configurações da ideologia pessoal de cada pessoa (suas opiniões, seus comportamentos e seus valores) se orientam de acordo com motivos irracionais, relacionados a estruturas psíquicas mais ou menos estáveis. Nesse sentido, é preciso diferenciar a ideologia como fenômeno social da ideologia que é internalizada pelo sujeito e que passa a integrar a sua personalidade. Ou seja, apesar de a origem de inculcação de certas ideias variar, o indivíduo as internaliza e, de certa maneira, as reproduz também na sociedade em que está. Essa internalização se dá de forma inconsciente e não acontece rapidamente. Cohn (1986, p. 17) explica mais sobre esse processo: [...] a ideologia, além de ser um processo formador de consciência e não apenas instalada nela, opera no nível do inconsciente, no sentido forte do termo: ela não apenas oculta dados da realidade, mas os reprime, deixando-os sempre prontos a retomar à consciência ainda que de novo sob formas ideológicas. Nessas condições, o desenvolvimento da consciência pelo contato reflexivo com a realidade é um processo doloroso, como é a própria civilização na concepção freudiana. Ao mesmo tempo, é importante você notar que não háideias que sejam neutras ou que não estejam carregadas de intenções. Assim, cada qual que defende suas ideias afirma que as elas são mais verdadeiras e neutras do que as de outras pessoas. Como enfoca Boff (2002), os sistemas culturais, científicos, políticos, econômicos e até artísticos que se dizem detentores únicos da verdade e de uma resolução para os problemas são fundamentalistas. Hoje, de acordo com o autor, o mundo está sob influência de diversos fundamentalismos. 37 Chauí (2000, p. 76) reforça esse apontamento: A noção de ideologia veio mostrar que as teorias e os sistemas filosóficos ou científicos, aparentemente rigorosos e verdadeiros, escondiam a realidade social, econômica e política, e que a razão, em lugar de ser a busca e o conhecimento da verdade, poderia ser um poderoso instrumento de dissimulação da realidade, a serviço da exploração e da dominação dos homens sobre seus semelhantes. A razão seria um instrumento da falsificação da realidade e de produção de ilusões pelas quais uma parte do gênero humano se deixa oprimir pela outra. […] A noção de inconsciente, por sua vez, revelou que a razão é muito menos poderosa do que a Filosofia imaginava, pois, nossa consciência é, em grande parte, dirigida e controlada por forças profundas e desconhecidas que permanecem inconscientes e jamais se tornarão plenamente conscientes e racionais. A razão e a loucura fazem parte de nossa estrutura mental e de nossas vidas e, muitas vezes, como por exemplo no fenômeno do nazismo, a razão é louca e destrutiva. Por isso é importante você compreender os meandros articulados junto ao conceito de ideologia e relacioná-los com outros âmbitos da sociedade. Para Chauí (2000), a ideologia tem uma função bem clara. Tal função é esconder e disfarçar as distinções sociais e políticas. A ideia é emprestar a elas a aparência de indivisão, como se fossem diferenças naturais entre os homens. Assim, embora haja a divisão das classes sociais, as pessoas são induzidas a acreditar que são iguais porque compartilham a humanidade, ou a pátria, a raça, etc. Com relação às diferenças naturais, elas são levadas a acreditar que as desigualdades sociais, econômicas e políticas não se originam na divisão social das classes, mas se relacionam a talentos e capacidades individuais, bem como à inteligência, à força de vontade, etc. Assim, você pode considerar que as religiões abarcam questões ideológicas e defendem seus pontos de vista a qualquer custo. Martín-Baró (1998) afirma ainda que as religiões podem servir de suporte para ideologias políticas, sendo elas conservadoras ou progressistas. Nesse sentido, para compreender o poder da religião no meio político, é imprescindível analisar a dimensão ideológica da experiência religiosa. 38 Por meio das crenças, práticas e rituais, é possível aprender mais sobre as possibilidades de relação entre ideologia e religião. Segundo (1997, p. 23) reforça essa ideia ao dizer que “[...] a análise da existência humana mostra que fé e ideologia são dimensões humanas [...] universais e complementares [...]”. Logo, não é possível imaginar a religião dissociada da ideologia. 13 A CONSTRUÇÃO FAMILIAR O que se pode dizer sobre a família contemporânea? E sobre as famílias mais antigas? A ideia de construção familiar pode variar de acordo com as gerações? A partir de que noções é possível compreender a família? Essas são perguntas que precisam ser destrinchadas aos poucos. Ao longo deste capítulo, você vai perceber que algo que parece natural pode ser, na verdade, construído socialmente, podendo variar de acordo com cada sociedade (BARROSO, 2018). Segundo Saraceno (1997, p. 14): [...] a família é como o espaço histórico e simbólico no qual e a partir do qual se desenvolve a divisão do trabalho, dos espaços, das competências, dos valores, dos destinos pessoais de homens e mulheres, ainda que isso assuma formas diversas nas várias sociedades. Assim, essas formas diversas também se adaptam aos costumes culturais, ganhando arranjos e significações específicas, que podem fazer sentido numa sociedade, mas não em outra. A partir dessas ideias, Saraceno (1997) reforça que a família é, na verdade, uma construção social. É a partir dela que os atores sociais definem formas e sentidos da mudança da sociedade que habitam. Logo, é por meio do convívio social que a família vai se definindo e estabelecendo suas fronteiras. Sabendo disso, você já pode deixar de lado a ideia naturalizada de família, que evidencia o atributo biológico em detrimento do atributo social. Ou seja, uma família não é constituída apenas por quem tem o mesmo sangue, mas também por aqueles que se reconhecem como membros de um círculo familiar. Acompanhe o raciocínio de Dias (2011, p. 141): 39 Seja qual for o modelo de família, ela é sempre um conjunto de pessoas consideradas como unidade social, como um todo sistémico onde se estabelecem relações entre os seus membros e o meio exterior. Compreende-se que a família constitui um sistema dinâmico, contém outros subsistemas em relação, desempenhando funções importantes na sociedade, como sejam, por exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a função reprodutora. Ora, a família como sistema comunicacional contribui para a construção de soluções integradoras dos seus membros no sistema como um todo. Desde o nascimento, a família é a primeira instituição de socialização. É com os membros familiares que a criança aprende, de maneira inicial, a falar, a se comportar, a reconhecer quais valores deve ter e a perceber como deve agir com os outros membros da sociedade. A família também define quem são heróis naquela cultura, entre outros atributos culturais que são introjetados por aqueles que cuidam da criança. Assim, a criança não precisa necessariamente ser criada pelo pai e pela mãe para se desenvolver. Ela pode ser criada por tio, tia, avó, avô, ou mesmo ser adotada por alguém que reconheça como seus pais. Segundo Szymanski (2002, p. 10): [...] o ponto de partida é o olhar para esse agrupamento humano como um núcleo em torno do qual as pessoas se unem, primordialmente, por razões afetivas dentro de um projeto de vida em comum, em que compartilham um quotidiano, e, no decorrer das trocas intersubjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro, acolhem-se, atendem aos idosos, formam crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, isso não significa que esse agrupamento humano tem de ser homogêneo, como diz Sarti (2000), com os mesmos gostos e valores, com todos os seus membros pensando as mesmas coisas sobre o mundo em quem vivem. Pelo contrário, existem filhos que torcem para o time rival do dos pais, há filhas gêmeas que detestam se vestir de modo igual, há primos que pensam em projetos políticos diferentes para o país em que vivem, bem como existem parentes que discordam sobre qual presente dar para o membro mais antigo da família, etc. O que é importante destacar na relação familiar é justamente a possibilidade de se lidar com as diferenças num agrupamento humano menor, visando à tolerância e ao diálogo junto aos membros da sociedade como um todo. Logo, a heterogeneidade já vai sendo evidenciada no âmbito familiar e também marca as diferenças entre seus membros. Essa ideia é reforçada por Ribeiro (1999, p. 45): 40 [...] viver em família significa a possibilidade de lidar com o permanente dissenso entre os projetos de homens e mulheres, como também de pais e filhos. Isto explicita a convivência entre visões de mundo conflitantes sobre a realidade, de onde vai emergir a heterogeneidade, a pluralidade dos estilos de vida, das formas de organização, das relações de gênero que se estruturam e se mantêm, em meio às rupturas e às continuidades com os valores herdados do passado e os valores apropriados no percurso da vida pessoal. Não importa o número de componentes numa família; o queimporta é a possibilidade de troca de opinião, de aprendizagens e de vivências que enriqueçam o repertório dos membros. Essa heterogeneidade presente no seio familiar também vai se modificando ao longo do tempo, fazendo com que o modelo de família se altere. Assim, a família também é reflexo do que acontece com a sociedade, como enfatizam Faco e Melchiori (2009, p. 122): O sistema familiar muda à medida que a sociedade muda, e todos os seus membros podem ser afetados por pressões internas e externas, fazendo com que ela se modifique com a finalidade de assegurar a continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros. 14 FAMÍLIA NO PLURAL A partir do que você viu até aqui, pode considerar que as concepções de família mudam com o tempo e o lugar. Por isso é importante conhecer e refletir sobre as diferentes formas de composição da família. Mas por que é importante conhecer a família enquanto conceito? [...] a dinâmica que fundamenta as organizações familiares pode funcionar como fonte de “coesão, cooperação e comprometimento, mas também como fonte de conflito, rivalidade, discriminação e exclusão” (Davel & Colbari, 2003, p. 5). Em vista disso, observa-se que o universo das organizações familiares é plural, diversificado, multifacetado, em que coexistem relações de toda a ordem, tanto positivas quanto negativas. Portanto, ressalta-se a necessidade de compreender as organizações familiares por meio de nova óptica, que valorize e forneça maior respaldo para compreender as suas especificidades simbólicas (LESCURA et al. 2012, p. 102). Dessa maneira, cabe compreender o conceito de família não a partir de uma definição pronta, fechada e única, e sim levando em consideração as diferentes experiências que compõem o modelo familiar. Assim, o conceito de família se amplia. A 41 família se torna plural, e não mais aquela família nuclear que está restrita ao espaço de uma só casa (Figura 1) (BARROSO, 2018). Essa abertura de sentido do conceito permite incluir vivências diversas na compreensão da família, ainda que se possa estranhá-las num primeiro momento. Considere estes outros pontos relevantes: A família pode ser definida como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas (ou não) por laços consanguíneos. Ela tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros, e se encontra dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida (MIOTO, 1997, p. 120). Ou seja, o que define o vínculo familiar é muito mais a relação de cuidado e a proteção que os membros estabelecem entre si do que, de fato, os laços sanguíneos. Essa diferença sobre o cuidado que se tem no âmbito familiar é algo crucial. Nesse contexto, aquilo que se define como “parente” se relaciona também a essa noção de cuidado, ainda que se possa dizer que: [...] a família é um grupo social concreto e o parentesco uma abstração, uma estrutura formal, que resulta da combinação de três tipos de relações básicas: a relação de descendência (entre pais e filhos), a de consanguinidade (entre irmãos) e a de afinidade, que se dá pela aliança, através do casamento (BRUSCHINI, 1997, p. 60). Entretanto, a ideia de parentesco tem se ampliado para além das relações descritas. Hoje, se configuram como parentes aqueles que também oferecem cuidado e 42 proteção aos indivíduos. Atualmente, estão incluídas nessa categoria de afinidade as alianças advindas de amizade, de vizinhança e mesmo de valores (BARROSO, 2018). Dessa maneira, você também pode considerar que “O parentesco é uma rede de conexões de proximidade irradiada do indivíduo. Já a família, na concepção ocidental, é uma instituição baseada na parceria conjugal e na criação dos filhos” (LUNA, 2007, p. 180). Mas aqueles que cuidam e protegem, mesmo que não tenham relações sanguíneas diretas com a criança, como no caso da adoção, podem ser considerados família, se assim desejarem. Portanto, é preciso pensar numa concepção de família que seja plural, como garantem as regras constitucionais: Importante pontuar que a família brasileira é plural, especialmente porque decorrente das relações interpessoais e sem quaisquer discriminações ou hierarquias, devendo ser afastada, o quanto possível, a ingerência do Estado na vida privada, no tocante ao projeto de vida da pessoa humana e da construção de sua dignidade no âmbito fraterno e solidário das entidades familiares, permitindo-se tal intervenção apenas para a promoção da igualdade e pluralidade das relações com o fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária (ANGELUCI, 2017, p. 63). Você deve ter em mente que a sociedade contemporânea engloba novos aspectos ao conceito de família. É o que afirma Vaitsman (1994, p. 19): “[...] o que caracteriza a família e o casamento numa situação pós-moderna é justamente a inexistência de um modelo dominante, seja no que diz respeito às práticas, seja enquanto um discurso normatizador das práticas”. A seguir, você pode ver os novos padrões familiares — com base na divisão feita por Hintz (2001): a) Família monoparental — o casal se divorcia ou se separa e um dos pais assume o cuidado dos filhos; b) Família reconstituída — o casal une os filhos de casamentos anteriores com os filhos do atual casamento; c) União consensual — primeira forma de união entre os casais; d) Casal sem filhos por opção — o casal foca em outras áreas da sua vida e não na questão da vinda de um filho; e) Família unipessoal — a pessoa opta por ficar sozinha; 43 f) Associação — a família é formada por amigos sem grau de parentesco, que não têm necessariamente um contato sexual, mas vivem juntos; g) Casal de homossexuais — duas pessoas do mesmo sexo decidem assumir uma relação estável. Como você pode perceber, há diferentes formas de se reconhecer uma família. Essa definição não implica determinado número de pessoas ou mesmo o sexo desses componentes. Se uma pessoa opta por viver sozinha, ou se um casal opta por juntar seus filhos no mesmo espaço, a ideia que está colocada é de que os membros da família se sentem confortáveis com as relações familiares que definiram para si (BARROSO, 2018). Agora, que tal avançar para compreender as possibilidades de constituição de uma família em termos legais? Considere, por exemplo, a adoção. Há muitas crianças que aguardam para serem adotadas nos abrigos e para quem o dia de encontrar seus novos pais é o melhor dia de suas vidas. Desse modo, é relevante que você compreenda esses novos padrões familiares que se estabelecem na sociedade contemporânea e também que conheça a pertinência desses modelos, respeitando suas formas de expressão (BARROSO, 2018). 15 FORMAÇÃO DA FAMÍLIA E SOCIEDADE Na sociedade contemporânea, ocorrem cada vez mais adoções de crianças por casais com diferentes orientações sexuais. Essa adoção pode se dar apenas por uma pessoa, por um casal ou por um conjunto de pessoas que vivem juntas. Como você já viu, para o conceito de família, é crucial é a noção de cuidado e proteção dos membros envolvidos. A questão da adoção evidencia outros termos utilizados atualmente para se definirem as novas formas familiares. Entre a gama de termos existentes, considere a coparentalidade: Trata-se de arranjos familiares criados por gays e lésbicas que se associam com um parceiro do outro sexo para procriar, com ou sem relações sexuais, e criar a criança assim gerada em sistemas variados de residência alternada. A coparentalidade pode assumir múltiplas formas de acordo com o status conjugal dos parceiros e com o papel reservado a cada um dos atores envolvidos na 44 elaboração do projeto. Assim, podemos ter situações onde um casal de homens decide ter uma criança com um casal de mulheres, um casal de mulheres com um homem solteiro (que pode ser homossexual ou heterossexual)ou ainda um casal de homens com uma mulher solteira (que também pode ser homossexual ou heterossexual) (TARNOVSKI, 2010, p. 2). Com os novos padrões familiares, cabe à sociedade se adaptar e compreender que as novas formas de se estar junto são tão legítimas como a família nucleada e estabelecida por relações sanguíneas. Assim, mesmo que se tenha garantida a noção de liberdade na Constituição Federal de 1988, é preciso readaptar as formas jurídicas para que as novas famílias tenham seus direitos garantidos e possam viver com mais tranquilidade e segurança jurídica. Nesse sentido, ainda há uma longa luta a ser realizada, como explicita Scott (2004, p. 70): Espaços novos e antigos abrem e alargam-se em torno da discussão de papéis individuais, psicológicos e ideológicos na família, e questões sobre políticas públicas, reprodução, gênero e sexualidade se tornam temas importantes, forjados agora num linguajar de direitos internacionais e cooperação para a criação de uma diversidade legítima sob a vigilância da ordem global. Procuram- se direitos, definidos e (controlados) por meio de movimentos capazes de colocar holofotes sobre as demandas dos seus participantes, e a família, devido à sua própria diversidade, se torna uma arena para a negociação e realização desses direitos, muito mais do que um sujeito de movimentos ou de investigação próprios. As pessoas que compõem esses novos padrões familiares ainda passam por situações constrangedoras na sociedade em que vivem, como apontam Grosman e Martínez Alcorta (2000, p. 132): [...] atualmente estas famílias vivem seu acontecer cotidiano essencialmente no marco privado, à margem da lei, com pautas institucionais adstritas só a alguns integrantes do grupo. Se constituíram fora dos referenciais da família clássica e sua situação pode ser qualificada como paradigmática, pois por uma parte sofrem a desconfiança que nasce de “transgredir” o modelo “normal”, mas por outra são aceitas, cada vez de maneira mais crescente, devido a sua força e magnitude. Nesse sentido, cabe compreender que um dos grandes desafios contemporâneos consiste em: “[...] respeitar a pluralidade de institutos e, por consequência, a pluralidade de efeitos que, por certo, podem (e devem) ser diversos, sob pena do aniquilamento da liberdade da pessoa e da sua própria dignidade humana” (ANGELUCI, 2017, p. 73). Assim, com o acesso aos direitos, as famílias podem garantir 45 que sua geração tenha continuidade. Por último, como evidencia Scott (2010, p. 277), há uma diferença que precisa ser destacada: Famílias são compostas de gênero, geração, conjugalidade, sentimentos de pertencimento, ideias de corresidência, cooperação solidária, autoridade, afeto e subjetividade, entre outras coisas. Gerações são compostas de pessoas entrelaçadas hierarquicamente por redes de parentesco e família, por pessoas ligadas por pertencerem a categorias etárias e por pessoas cuja referência temporal é algum evento ou ambiente histórico que unifica muitas pessoas geralmente em referência a algum evento exterior à idade e ao parentesco. De certa maneira, os usos, em horas diferentes, de ideias, de ciclos, de cursos e de trajetórias, ao discutir gerações, reflete uma ascensão atual de subjetividades, configurações fragmentadas e de noções diversas de tempo numa articulação longa e variada de ideias forjadas de acordo com a polissemia e a mobilidade dos objetos em investigação. Portanto, como você viu, a sociedade está em transformação, e o conceito de família acompanha as mudanças. É por isso que você também tem de se atualizar e compreender os novos padrões familiares (BARROSO, 2018). 16 A CULTURA HUMANA E A CONSTRUÇÃO DO SER SOCIAL Ainda antes de nascermos somos seres em relação com o mundo. Primeiro somos gerados pelo imaginário materno, cultivados por meio da noção de mundo desse imaginário. Logo ao nascermos, iniciamos nossa jornada social. Somos atravessados pelas demandas familiares, somos frustrados por tais demandas ou temos sanado nossos desejos. Ou seja, nos constituímos na relação com o mundo influenciado pelas relações anteriores a nossa constituição (AZEVEDO, 2005). O sujeito enquanto ser social reflete seu universo psíquico por meio do seu comportamento, expressando sua subjetividade conforme seu modo de agir. Atravessado 46 por suas escolhas e implicações ao mesmo tempo em que se relaciona com o mundo (AZEVEDO, 2005). Genuíno, efetivo, autêntico, assim o ser social é captado e dialeticamente integrado ao viver. Possui capacidade inerente de transmutar a própria natureza e a si mesmo sincronicamente. Dessa forma, o ser social se constitui como ser criador, não somente por sua capacidade de pensar, mas também por sua capacidade de agir de forma consciente e racional (BARUS-MICHEL, 2004). O ser social se constitui de acordo com sua natureza relacional, assim sendo, a partir das relações com outros sujeitos, tomando para si a realidade vivenciada por culturas anteriores ao seu existir. Desfruta da oportunidade de experimentar o manuseio dos instrumentos e dos aprendizados cultivados pelas gerações anteriores, com o objetivo de adaptar, aprimorar ou mesmo perpetuar os conhecimentos (AZEVEDO, 2005). As relações sociais também são prévias e inerentes a todo sujeito. Por exemplo, seu histórico familiar, a história do local em que vive os acontecimentos sociais, entre outros, colocam o sujeito em constante movimento e transformação na construção do ser social. O universo interior de todos os sujeitos se forma de acordo com questões provindas da cultura humana, ou seja, muitas das formas de agir e pensar de todo sujeito surgem de acordo com movimentos vindos de sua relação com o mundo e são importadas para a estruturação do ser social (AZEVEDO, 2005). Assim, o ser social está em constante formação por meio das relações sociais provindas do tempo presente ou do passado. E se disponibiliza por meio da conexão com sua própria subjetividade e com a subjetividade inerente às vivências sociais. Passa adiante sua herança social em progressiva vinculação com o mundo exterior e com a continuidade da movimentação da cultura humana (BARUS-MICHEL, 2004). 47 17 A SUBJETIVIDADE DO UNIVERSO PSÍQUICO E A RELATIVIZAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS Como vimos, o sujeito não está alheio aos preceitos sociais. Por estar em constante movimento constitutivo, se disponibiliza subjetiva e intrinsecamente. Articula, combina e se reinventa enquanto ser social, na busca por novas aprendizagens e modos de viver. Portanto, se aproximam reciprocamente os processos de constituição do psiquismo e do ser social, por meio da subjetivação das experiências relacionais. Logo, a dimensão afetiva está ativamente implicada na construção de ambos aspectos do desenvolvimento do sujeito (AZEVEDO, 2005). A personalidade é característica própria e singular de cada sujeito, constituindo uma forma de sentir, pensar e atuar que o torna único e incomparável. Possui três fatores que se entrecruzam em sua constituição: a estruturação genética básica, as influências do meio e o modo como o sujeito interpreta os acontecimentos (AZEVEDO, 2005). A estruturação genética básica se refere às características hereditárias herdadas da família, como os aspectos físicos, a cor da pele, olhos e cabelos, e aspectos emocionais, como tendência a oscilações de humor, fantasias e também transtornos graves, como a esquizofrenia. As influências do meio se referem às contribuições das relações sociais para o desenvolvimento do ser e o modo como o sujeito interpreta os acontecimentos, utilizando suas ferramentas potenciais, reunindo as características genéticas e o seu desenvolvimento social, relacionando de uma forma ao instrumentalizar para uma melhor fluência do seu modo de viver (AZEVEDO, 2005). 48 A personalidade tem seu início estrutural ainda no útero materno.A maneira como a mãe sente e reage sobre a gestação começa a contribuir para a formação da personalidade. Ainda nos primeiros anos de vida, a criança se constitui enquanto sujeito, atribuindo sentido e relacionando seu existir no mundo. O modo como o mundo se apresenta para a criança, no início com a representação da família, seguida da escola e das demais relações sociais, vai definir o desenvolvimento da personalidade da criança (AZEVEDO, 2005). Vygotsky e Alexander (1996) referem sobre uma personalidade social construída conforme as relações ao longo da existência do sujeito. Dessa forma, podemos compreender que a constituição e formação da personalidade é atemporal, pois se desenvolve de acordo com o viver de cada ser. Todas as relações, vivências e percepções do mundo que nos rodeia atribuem significado, influenciando significativamente na formação da personalidade. E esta se coloca na seleção e atuação dos papéis sociais, conforme afinidade e preferências únicas a cada ser social (AZEVEDO, 2005). Sendo os papéis sociais criativos, estão implicados a vivenciar fenômenos transicionais, e dessa forma criam uma flexibilidade de atuação. Tanto a história individual, como os afetos, os valores e a posição que o sujeito ocupa colaboram para a constante formação e desenvolvimento das subjetividades do universo psíquico, assim como refletem a relativização dos papéis sociais (LEONTIEV, 1998). 49 18 PROCESSOS CONSTITUINTES DO SER POR MEIO DO SOCIAL Em um processo lento e atravessado por múltiplos fatores, o sujeito se constitui progressivamente e de maneira não linear, desde sua formação biológica até seu posicionamento enquanto ser social. Influenciado por sua hereditariedade histórica, compreende formas diversas de ser, pensar, se comunicar e agir (AZEVEDO, 2005). Desde a necessidade de manutenção da sua existência, em meio a luta para se manter vivo e protegido, assim como a sua família, o sujeito se adapta ao meio em que vive e ainda promove transformações propagando adaptações. É em meio a esse movimento que os sujeitos adquirem um “corpo social”, implicado no desenvolvimento de capacidades especificas para a sobrevivência social (MORIN, 1999). Até mesmo o desenvolvimento de aptidões motoras, a complexidade da linguagem, a afinação dos sentidos como visão, audição, olfato, gustação, tato e principalmente a propriocepção, que é a capacidade de perceber, interpretar e reagir a acontecimentos de acordo com as sensações percebidas em seu corpo orgânico, são processos desenvolvidos a partir do viver social. É possível afirmar que nossas habilidades são melhores, ou menos estruturadas, de acordo com nossa participação e implicação como seres sociais (AZEVEDO, 2005). Da mesma forma, pensamentos, sentimentos, emoções e desejos são compostos diante das relações sociais. Apropriando-se da realidade, por meio das relações com os demais seres sociais, os sujeitos se apropriam da oportunidade do 50 encontro para afinar seu modo de ser e acabam, muitas vezes, constituindo novos modos (AZEVEDO, 2005). Podemos dizer que o desenvolvimento orgânico, moral e emocional são instrumentos, ferramentas para a constituição e articulação do ser social. Cada sujeito escolhe a forma como manuseará cada instrumento e quais passará adiante, dando continuidade, dessa maneira, ao fluxo constante de construção de si e de outros seres sociais (AZEVEDO, 2005). Assim se dá a constituição do ser por meio do social, em um movimento constante de apropriação, trocas e afinações. Algumas conexões promovem mudanças mais profundas e podem tocar com profundidade a constituição do ser, como grandes tragédias e perdas, que podem ser distantes, próximas, coletivas, individuais, reais, eminentes, por exemplo, em questões relacionadas à segurança, com o aumento da criminalidade, devido a furtos, assaltos, latrocínios e assassinatos, ou só existentes no imaginário de cada sujeito. Outras mudanças podem acontecer sutilmente, sem que exista uma reflexão sobre algum ocorrido, mudança de hábitos ou preferências, como ocorre, por exemplo, com a diminuição da necessidade de sono ao longo dos anos (AZEVEDO, 2005). 19 OS CONCEITOS DE ESTADO, MERCADO, PÚBLICO E PRIVADO A partir do momento em que os seres humanos passaram a viver em grupos e a conviver coletivamente, surgiram diversas formas de se organizar socialmente. Uma delas perdura até hoje em diferentes sociedades ao longo do tempo e do espaço: o Estado. Mas qual é a causa disso? Segundo diversos estudiosos, o homem vive em sociedade pois sente a necessidade de estar sob a responsabilidade e a ordem de um poder superior e direcionador das decisões na vida em geral. A noção de Estado pode ser vista sob diversas doutrinas. Assim, é impossível abarcar todo o entendimento de uma instituição tão rica e complexa (BARRETO, 2019). Diversos autores pensaram a formação do Estado. Entre os pensadores clássicos da teoria do Estado, você pode considerar: Hobbes (1983), Locke (1999) e 51 Rousseau (1999). Para eles, valores como a igualdade e a liberdade, característicos da burguesia nascente no século XVI, eram essenciais para regular a vida em sociedade. O Estado nacional, para eles, deveria reger a vida do cidadão, que teria deveres e direitos perante a sociedade (BARRETO, 2019). Maquiavel (1469–1527) defendia que os seres humanos buscavam um tipo de organização que fosse capaz de controlar os impulsos dos homens e seus maus sentimentos. Em sua obra O príncipe, ele defende que só o príncipe teria capacidade de impor a ordem na sociedade, para que o equilíbrio fosse mantido. Quando o estado de equilíbrio fosse ideal, os homens poderiam passar pelo processo de transição para a República (MAQUIAVEL, 1990). Já Thomas Hobbes (1588–1679) defendia que o ser humano vivia em “estado de natureza”, lutando pela sua sobrevivência e em constante conflito. A instituição Estado surge como forma de evitar esse permanente estado de guerra. Os homens fizeram um contrato para garantir a paz. Nesse contrato, eles aceitam que haja um poder soberano na figura de um só homem e que os subordinados se submetam à vontade desse poderoso, que tem o papel de garantir o respeito às leis, para a sobrevivência de todos. Nesse caso, Hobbes (1983) se referia ao poder do rei no Estado absolutista. Por sua vez, John Locke (1632–1704) acreditava que os homens decidiram de livre escolha ter um poder que os governasse, com a finalidade de preservação da espécie, defendendo os interesses e direitos que detinham no “estado de natureza”. Contudo, não há desordem no estado de natureza, sendo que o contrato é realizado para garantir os direitos dos homens. Esses direitos dizem respeito ao direito à vida, à propriedade privada e à liberdade, que são garantidos pelo conjunto de leis. O modo de governo é escolhido pela decisão da maioria. Se os direitos não forem preservados, o povo pode se rebelar contra o governante. O poder, segundo Locke (1999), tem de ser legitimado pelo povo. Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), em seu livro O Contrato Social, afirma que os homens escolheram ser livres para controlar seus impulsos, saindo do “estado natural” e crendo na garantia de liberdade e propriedade imposta pela lei. O homem é livre por meio do contrato, das leis. Isso pode parecer contraditório, no início, mas os seres humanos são atores responsáveis pela criação e pela obediência às leis que criam, 52 sendo seus agentes e receptores. Eles criam as leis e as obedecem, havendo uma relação recíproca entre a liberdade e a obediência. O homem era bom no estado de natureza, mas o desenvolvimento da civilização o corrompeu, por meio da divisão desigual da propriedade e do trabalho. Dessa forma, o Estado surge para manter o equilíbrio e a ordem e para evitar a desigualdade. O ser humano cedeu parte de seus direitosnaturais para um poder superior, realizando uma vontade geral. Há uma transferência de poder da sua liberdade para essa instituição. É por meio da razão que a sociedade realiza o contrato social. Esse contrato legitima a ordem política em que todos são iguais perante a lei. Os indivíduos estão sob a égide do Estado. Para esse contrato, qualquer forma de governo se faz secundária, desde que se submeta à soberania popular. O governo é funcionário do povo (BARRETO, 2019). O Estado está sempre em evolução. Ao longo da história, ele vem adquirindo diferentes formas e tipos, com características e elementos singulares. Assim, passa do poder centralizado em única pessoa até o poder que representa uma coletividade (BARRETO, 2019). O Estado moderno surge na Europa, com a queda do feudalismo (séculos V a XV). Nesse período, o poder estava no domínio dos senhores feudais, que tinham o controle das terras e de toda a sociedade europeia. A revolta dos camponeses, a recusa ao pagamento das obrigações feudais, a expansão das cidades medievais e do comércio aceleraram a extinção dos feudos. Também houve, a partir do século XIV, a crescente concentração do poder na mão do monarca. Ele passou a concentrar a cobrança de impostos e o comando do exército, exercendo monopólio da violência. Além disso, houve 53 o desenvolvimento de uma burocracia administrativa do patrimônio público (portos, estradas, saúde, educação, transportes) (BARRETO, 2019). O processo de centralização e concentração desses poderes formou o Estado moderno, entidade que se apresenta de diferentes modos até a atualidade. Com o desenvolvimento do capitalismo, houve a formação dos Estados nacionais modernos, com instrumentos políticos que auxiliam no governo dos indivíduos e grupos dentro do território. Surgem então instrumentos baseados em sistemas de leis, códigos e normas sociais e no uso da força, com o objetivo de pôr em prática as políticas estatais. Mas, para além do uso da força, para ser legítimo, um Estado precisa exercer seu poder por meio de uma ideologia, de uma visão de mundo que abarque toda a sociedade (BARRETO, 2019). O Estado, como organização política e econômica, vem se apresentando de diferentes formas na história da humanidade ao redor do planeta. A seguir, você vai conhecer as principais. O Estado liberal ou liberalismo surgiu como teoria econômica e foi se firmando como política econômica a partir do século XVIII, em contraposição ao Estado absolutista na Europa, que detinha o poder na figura do rei, principalmente o poder econômico. O crescimento do capital industrial e a implantação do trabalho assalariado foram essenciais para o desenvolvimento industrial (BARRETO, 2019). O Estado liberal se apresentou como um representante da sociedade, como garantidor da ordem. Para essa política econômica, o Estado não deve interferir nos interesses privados dos indivíduos e somente garantir a segurança para que os membros possam exercer livremente suas funções e atividades na estrutura social. Deve tratar da coisa pública de interesse comum, como estradas, portos e, nos dias atuais, saúde e educação. Como o surgimento do Estado liberal, firmou-se a separação entre a esfera pública e a esfera privada (BARRETO, 2019). Do ponto de vista político, o Estado defende a soberania popular, que tem como principal expressão as eleições. Por meio da democracia representativa defendida pelos liberais, os indivíduos podem escolher seus representantes. O liberalismo tem como valores o individualismo, a propriedade privada e a liberdade. A seguir, você vai conhecer cada um desses princípios (BARRETO, 2019). 54 Individualismo: põe no esforço individual a responsabilidade pelo sucesso, por meio de méritos e independentemente das condições econômicas e sociais nas quais os indivíduos estejam inseridos. Propriedade privada: todos os membros da sociedade têm direito à propriedade a partir do momento em que se esforçam e trabalham para tal. A igualdade se configura como forma jurídica e não como igualdade social, pois todos são iguais perante a lei. Portanto, é “natural” que existam pobres e ricos, pois cada um tem posses adquiridas de acordo com seu méritos, talentos e esforços individuais. Liberdade: segundo a teoria do liberalismo, o Estado não deve interferir na economia. Um dos pensadores fundadores dessa teoria foi o economista Adam Smith (1723–1790), que defendia a ideia de laissez- faire (deixar fazer, deixar passar). Está em jogo a visão de que a economia não deve ser regulada pelo Estado, mas por si própria, pela mão invisível do mercado. O mercado é autorregulável e precisa ter liberdade para produzir e circular os seus produtos, a fim de garantir o progresso e o desenvolvimento das empresas e das nações. No decorrer do século XX, o Estado liberal foi caindo em declínio em decorrência das condições sociais e econômicas da época. Surgiram conflitos de interesses de diversos grupos e classes sociais. Essa forma de Estado também não conseguiu promover a estabilidade e a ordem econômica que tanto pregava por meio da mão invisível do mercado. Surgiram novas linhas de pensamento econômico que começaram a ter poder de influência sobre os Estados (BARRETO, 2019). Na segunda metade do século XX, depois do final da Segunda Guerra Mundial (1941–1945), uma nova forma de Estado se consolidou, denominada Estado de bem- estar social. Essa forma de Estado é fundamentada na teoria do inglês John M. Keynes, mais especificamente em seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. Tal teoria foi chamada de keynesianismo. Para Keynes (1985), o Estado deveria regular a economia, intervindo nas atividades produtivas para garantir a produção de riquezas materiais e reduzir as 55 desigualdades sociais. Também deveria promover a vida social, política e econômica do país, garantindo serviços públicos por meio de políticas de promoção social. Nesse tipo de Estado, os cidadãos têm direitos adquiridos de acessar bens e serviços que promovam uma boa qualidade de vida, como educação, assistência médica gratuita, auxílio desemprego, renda mínima, habitação, seguridade social. Os Estados de bem-estar social cresceram na Europa em países como Grã-Bretanha, Suíça, Noruega e Dinamarca. Houve, porém, uma crise do Estado de bem-estar social no final dos anos 1960, relacionada à economia capitalista. A crise foi gerada pela dificuldade de se conciliarem os gastos públicos com o crescimento do capitalismo. As despesas dos governos aumentaram significativamente em relação às despesas, gerando uma crise fiscal. Surgiram conflitos entre as classes trabalhadoras e os donos dos meios de produção. Na Inglaterra, a primeira ministra Margaret Thatcher iniciou o processo de desmonte do Estado de bem-estar social adotando políticas neoliberais, como a privatização de empresas públicas, o que foi reproduzido em outros países ao longo dos séculos XX e XXI (BARRETO, 2019). O neoliberalismo é fruto da união de duas visões de escolas da economia no final dos anos 1940. A escola austríaca aparece no fim do século XIX, liderada por Leopold von Wiese, tendo como seguidor Friedrich Von Hayek. Este último era contrário à política intervencionista e assistencialista do Estado, que se apresentava na época como a política keynesiana e o Estado de bem-estar social. A outra escola foi a escola de Chicago, capitaneada por Milton Friedman, que criticava a política do New Deal nos Estados Unidos (1933–1945), apoiadora dos sindicatos e interventora na economia. Em 1947, na Suíça, houve o encontro de um grupo de intelectuais que se opunham ao Estado de bem-estar social. Um dos seus principais idealizadores foi Fredrich Hayek. Nos Estados Unidos, a concepção neoliberal foi defendida por Milton Friedman. Segundo ele, o mercado deve servir como estrutura para que a sociedadese organize. Essa ideologia prega a diminuição do papel do Estado na economia. Para Friedman, o Estado deve ter um papel restrito e minimizar a sua responsabilidade social, deixando para o mercado algumas das suas funções (BARRETO, 2019). 56 A visão neoliberal prega a desregulamentação da economia e a privatização das empresas estatais, como indústrias de base, administração de estradas e portos, setores energéticos e até setores como saúde e educação. O Estado deveria enxugar a máquina pública e diminuir os gastos com políticas sociais. Essas medidas estimulariam a diminuição dos impostos e a produção econômica (BARRETO, 2019). O mercado, segundo o neoliberalismo, tem de ser livre, sem interferência do Estado. Essa política econômica teria como consequência o aumento da produção e, com isso, a geração de emprego e de renda, com efeitos positivos para a sociedade. A partir da década de 1980, a política do neoliberalismo foi aplicada no Reino Unido, no governo de Margaret Thatcher, e nos Estados Unidos, no governo de Ronald Reagan (BARRETO, 2019). SAIBA MAIS A seguir, você pode conhecer melhor os fundamentos do neoliberalismo (PINTO, 2019): Papel do Estado: o Estado não deve interferir na economia, devendo ser enxuto. Ao aplicar políticas fiscais e tributárias para resolver problemas sociais, ele gera inflação e desajustes econômicos. O neoliberalismo tenta anular o poder dos sindicatos, como ocorreu no Reino Unido a partir dos anos 1980, assim como diminuir os tributos fiscais sobre as fortunas e lucros. O Estado, ao aplicar políticas sociais, realiza práticas assistencialistas em uma espiral sem fim, onerando investimentos e fortunas, pois as necessidades de qualidade de vida e bem-estar nunca acabam. Função do Estado: o Estado deve se limitar a promover a segurança interna e externa. Deve diminuir os gastos com pessoal, limitando o número de funcionários públicos. Mercado: o mercado deve ser, por si só, o regulador da economia, pois tem suas leis próprias, controlando a subida e a descida dos preços, a demanda e a oferta, estimulando as atividades produtivas. O 57 empreendedor, por meio dos seus méritos, é premiado, e quem não se adapta ao mercado é eliminado. Qualquer forma de controlar o mercado é um erro, pois ele tem suas próprias leis e seu próprio ritmo. Regime político: o neoliberalismo se coaduna com regimes que defendem a propriedade privada, independentemente de estar em jogo uma democracia ou uma ditadura. Ele foi aplicado tanto no regime democrático parlamentar inglês do governo de Margaret Thatcher quanto na ditadura de Pinochet no Chile. 20 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADA As políticas públicas podem ser definidas como a soma das ações governamentais do Estado, de forma direta ou indireta, realizadas por meio dos seus agentes. Elas têm poder de influência significativo na vida dos cidadãos. Platão e Aristóteles, pensadores clássicos gregos, já se questionavam sobre o que era um bom governo e qual seria o melhor Estado para garantir um bom governo para o povo. As políticas públicas regulamentam as atividades do governo direcionadas ao interesse público. Como exemplos, você pode considerar as políticas de saúde, educação, saneamento básico, etc. (BARRETO, 2019). A noção de política pública só ganhou importância ao longo do século XX, depois das duas guerras mundiais, com o declínio da visão do Estado liberal. Para o liberalismo, o Estado deveria se limitar a promover a segurança dos indivíduos e do território, não interferindo na economia, etc. Houve também um movimento pela defesa dos direitos humanos, políticos e sociais a partir dos anos 1930. Assim, o Estado passou a ser um provedor de bens e serviços direcionados ao público (BARRETO, 2019). Contudo, na década de 1980 e ao longo dos anos 1990, ocorreu uma crise fiscal do Estado a nível internacional. Defensores do neoliberalismo acusaram a intervenção do Estado como causa da crise de produtividade e do lucro dos capitais, defendendo o Estado mínimo e a privatização de empresas em diversos países. Foi o que aconteceu no Brasil nos anos 1990 com o setor de telecomunicações. Ocorreu a reforma do aparelho estatal, aproximando o setor público do setor privado. Surgiram parcerias 58 público-privadas e entre organizações públicas não estatais. Segundo os defensores do neoliberalismo, os gastos com as políticas públicas, sobretudo as sociais, tenderiam a desequilibrar o mercado com altos gastos e tributos (BARRETO, 2019). O setor público adotou critérios de avaliação do setor privado, como eficácia, eficiência, metas a cumprir e prazos, controle de custos e produção. Também ocorre a participação dos cidadãos por meio de conselhos, a descentralização progressiva do poder estatal por meio da influência de organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips), bem como a introdução de mecanismos de regulação (BARRETO, 2019). A participação de grupos e indivíduos, como associações, instituições, enfim, cidadãos com o objetivo de monitorar e avaliar as políticas públicas, tem como finalidade modificar e direcionar o destino dos gastos públicos. A ampliação da participação popular, com novos atores sociais, promove a escolha de novas possibilidades no processo de decisões governamentais (BARRETO, 2019). 21 CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA BUROCRACIA ESTATAL E SEUS REGULAMENTOS LEGAIS Quando se fala em burocracia no Brasil, fala-se logo em lentidão dos processos, morosidade, uma papelada gigantesca de documentos a serem preenchidos. O significado do termo “burocracia” é deturpado e visto de forma pejorativa. Contudo, essa é uma maneira distorcida da burocracia, um problema no sistema, pois a burocracia vai muito além disso (BARRETO, 2019). A burocracia se configura como um mecanismo de poder administrativo que está presente em várias instituições: escola, empresa, Estado, etc. Ela está intrinsecamente 59 envolvida em um processo de racionalização da modernidade. No processo de racionalização, as pessoas têm uma ação instrumental em relação a si mesmas, aos seus semelhantes, enfim, ao mundo ao redor, com o objetivo de defender seus valores ou interesses (BARRETO, 2019). Na sociologia, Max Weber foi o autor que primeiro tratou desse tema. Seus estudos serviram de base para outros estudiosos de diversas escolas acadêmicas. Ele desenvolveu os princípios da burocracia. A burocracia, segundo ele, se baseia na racionalidade. Weber faz uma análise da racionalização na transição da Idade Média para a Idade Moderna. Para ele, há um desencantamento do mundo estruturado no utilitarismo, substituindo as interações sociais que eram fundamentadas na tradição. Surge a racionalidade instrumental-legal, que transforma as relações na sociedade, solidificando a burocracia no processo histórico-social do sistema capitalista moderno (WEBER, 1982). Weber (1982) afirma que existe uma superioridade técnica da burocracia no capitalismo sobre qualquer outro modo de organização. O sistema burocrático possui formas específicas de funcionamento, regidas sob jurisdições fixas e oficiais, leis e normas da administração. Ele impõe relações de autoridade, definidas por normas que geram coerção e consenso. Houve uma expansão do capitalismo a partir do século XVI e, consequentemente, as organizações foram se tornando mais complexas. Novas funções surgiram dentro das empresas, com o aumento do quadro do pessoal. Nas relações burocráticas, há uma hierarquia entre a autoridade dominante e os subordinados. As ordens estão fundamentadas em preceitos legais, e os subordinados aceitam essas ordens por reconhecerem a sua legitimidade (BARRETO, 2019). A burocracia envolve diversas organizações na sociedade contemporânea: o Estado, a empresa, os hospitais, as escolas, etc., perpassandoa maioria dos setores sociais. O governo de um Estado baseia-se em preceitos burocráticos. As leis são tidas como legítimas pelo povo, que crê que são criadas para defender os interesses gerais e o bem comum. No caso do Estado, estão em jogo as normas e leis escritas pela classe política (BARRETO, 2019). 60 Os funcionários devem, portanto, seguir as normas e regulamentos escritos. Os documentos conduzem o comportamento e as tarefas das pessoas. Ocorrem treinamentos para os diferentes cargos devido à especialização das ocupações que estão englobadas na profissão. As tarefas de um trabalho são transformadas em profissão, que pode ser realizada pelo trabalhador formado e especializado. As atividades são delimitadas pela formação de cargos estáveis. Os cargos são impessoais e podem ser transitórios (BARRETO, 2019). A posição do funcionário é relacional, isto é, é comparada com as dos outros membros na sociedade. Estes recebem salários que são regulares em troca do trabalho exercido; salários definidos de acordo com as atividades realizadas, pela posição na hierarquia da empresa e por sua especificidade. Há a criação de carreiras dentro das instituições (BARRETO, 2019). Com a racionalização do processo administrativo, a burocracia busca a eficiência, o perfeito funcionamento das organizações. Para que isso aconteça, faz-se necessário o detalhamento das atividades e metas a serem alcançadas, evitando a impessoalidade. A forma de comunicação é predominantemente escrita e as regras estão geralmente estabelecidas e escritas em um documento com caráter formal (BARRETO, 2019). Ocorre também uma divisão do trabalho. Cada pessoa tem sua função na instituição, exercendo seu cargo e tendo suas atribuições, por meio de suas competências e habilidades. Cada funcionário tem suas responsabilidades e posição hierárquica a fim de realizar seu trabalho de forma racional e produtiva. Há uma especialização de cargos e uma divisão de tarefas a fim de cumprir metas (BARRETO, 2019). Enfim, você pode considerar como elementos essenciais do sistema burocrático: a hierarquia e a divisão do trabalho; o poder de uma autoridade; a especialização do trabalho; a impessoalidade das relações na organização; as comunicações documentadas por escrito e formalizadas. O sistema burocrático tem um aspecto de racionalidade por intermédio de normas, instrumentos, finalidades e objetivos (WEBER, 1982). 61 Ao analisar os estudos de Weber, Tragtenberg (1974) afirma que ele vê a burocracia como uma forma de poder, em que a burocracia se iguala à organização. O sistema burocrático é estruturado na racionalidade, formado na divisão do trabalho, tendo como princípio os fins. Com o aumento da especialização, há o fortalecimento da burocracia. Cada profissão delimita as capacidades dos trabalhadores; estes precisam de um saber especializado, que deve servir à organização. O funcionário pode, a qualquer momento, ser substituído por outro mais especializado e que atenda às finalidades da organização. A cultura e a ideologia da empresa, as técnicas e tecnologias, os métodos e sistemas de controle, os protocolos e regras hierarquias direcionam e envolvem todo o sistema administrativo e de produção nas instituições, da base até a hierarquia superior (BARRETO, 2019). Tragtenberg procura ir além, fazendo uma crítica mordaz a qualquer forma de poder, de autoridade, de burocracia e de modos de dominação. Segundo ele, o Estado é o representante legal e legítimo da burocracia. Assim, o Estado possui papel prepoderante e promove uma estrutura social que se organiza baseada em um processo de racionalidade legal, defendendo os interesses capitalistas (TRAGTENBERG, 1989). Ele funciona como um aparelho de repressão e coerção. 22 AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO Quando você nasceu, encontrou um mundo pronto. Sua família o acolheu e você conheceu pessoas com quem se relacionou. Com o tempo, você foi aprendendo sobre o ambiente ao seu redor, aprendeu a falar e a andar. A cada etapa de desenvolvimento, seguiu aprendendo mais coisas sobre a vida (BARRETO, 2019). 62 Anos depois, você foi para a escola e conheceu novos amigos e seus professores. Um mundo novo se descortinou. Sua família talvez tenha o levado à Igreja e lá você também aprendeu sobre crenças, valores e normas que você deve seguir para se relacionar no mundo. Logo, à medida que você cresce, descobre que há em todos os grupos códigos de conduta que a sociedade vê como essenciais para as práticas cotidianas (BARRETO, 2019). Esse processo de conhecimento e interação com o mundo se denomina socialização. Ao se socializar, você vai interiorizando normas, papéis, padrões de comportamento, hábitos e valores que serão fundamentais para a sua atuação no mundo. Esse conjunto de regras e padrões de comportamentos é elaborado pela sociedade, aprovado e tem muita importância social (BARRETO, 2019). A época histórica influencia muito processo de socialização. A socialização dos indivíduos no século XV era diferente daquela das pessoas do século XXI, que são intensamente envolvidas pelo desenvolvimento tecnológico em seu cotidiano. Também o processo de socialização é diferente em épocas de guerra em relação a épocas de paz. Esse processo tanto pode ocorrer formalmente, por meio de instituições sociais, como a igreja e a escola, como pode ocorrer de maneira informal, por meio da família, da interação com as pessoas do bairro, da cidade, etc. (BARRETO, 2019). As principais instituições sociais são: a família (sendo a primeira instituição em que o indivíduo se relaciona), a igreja, o Estado, entre outras. Elas têm como objetivo satisfazer as necessidades do ser humano, dos grupos nos quais ele se insere e é inserido. Elas têm o poder de promover a coesão social dos grupos por meio dos valores e padrões de comportamento. Contudo, cada instituição cumpre uma função ou papel social e tem sua missão baseada em seus próprios valores; está intrinsecamente envolvida na manutenção e em processos de mudança na estrutura. Além disso, é duradoura, direciona a conduta dos seres humanos (BARRETO, 2019). A escola moderna surgiu no final do século XVI e foi se estabelecendo ao longo do século XVII. Anteriormente, nas sociedades antigas e da Idade Média, os jovens estudavam sob a tutela de um mestre, ou estudavam em grupos pequenos, sem diferenciação de idade ou série. A instituição escolar moderna se diferencia pela separação dos alunos em classe seriada, conforme a idade, com a divisão dos programas 63 de ensino conforme as séries: básico, médio, superior; escolas profissionalizantes, técnicas e superiores. O ritmo de aprendizado é instituído pela escola; há o registro de aulas, a frequência é controlada, surgem livros didáticos. O controle se dá por meio da disciplina, de um conjunto de regras de comportamentos. A ideia é garantir a perfeita organização e a disciplina das mentes e corpos dos estudantes (BARRETO, 2019). Com o surgimento de um novo sistema de produção, a partir do século XVI (o capitalismo), a burguesia, classe social detentora do capital, concebeu uma nova ideologia para o capitalismo, o liberalismo. A partir do século XVI, emerge outro movimento social na Europa, que modifica consideravelmente o pensamento científico: a revolução científica. Ocorre um potencial crescimento da ciência, da filosofia, da física, da química e da matemática, havendo a valorização do pensamento racional e científico, que se separa da teologia e passa a ser mais prático. René Descartes (1596–1650) foi o fundador dessa teoria. Há uma relação de afinidade entre o pensamento liberal, a racionalidade e o aparecimento da escola moderna. A escola foi criada para formar “um novo homem”, que se adeque às regras e fundamentos da sociedade racional e capitalista. Ela surge em um momentode ascensão da ciência, de desenvolvimento do capitalismo e do liberalismo. Tem como papel regular e disciplinar a nova classe trabalhadora que surge com o capitalismo (BARRETO, 2019). Para Foucault (1983), as instituições sociais servem como mecanismo de controle das ações humanas. A escola, segundo ele, teria uma função de disciplinar os indivíduos para a vida em sociedade. Ele comparou diversas instituições — como escola, prisões, quartéis e conventos — com o objetivo de identificar as semelhanças e diferenças entre elas no que diz respeito à sua organização e a como ocorre o controle social. Segundo ele, além do poder central, há micropoderes, que são pequenas formas de poder que envolvem o âmbito social e se espalham nos grupos dos quais as pessoas fazem parte. Por isso elas não se dão conta desses poderes. E, por meio de objetos, de normas, de formas de comportamento de vigília, de locais físicos, de modos de punições, esses poderes conseguem controlar e disciplinar os corpos e as mentes, tornando os seres humanos disciplinados, docilizados e obedientes. 64 As instituições, portanto, têm poder de coesão, mas também de coerção de disciplina. Considere o sistema penal, por exemplo. Caso o indivíduo cometa um crime, é julgado pela instituição que tem essa competência — o sistema judiciário, que lhe impõe a pena a ser cumprida. O indivíduo é separado do convívio social e preso, devendo cumprir pena para depois se reintegrar à sociedade (BARRETO, 2019). O desenvolvimento científico e tecnológico, que se acelerou a partir da Revolução Industrial, trouxe inúmeras mudanças na vivência social da humanidade nos últimos séculos. Com o progresso da ciência, diversas enfermidades foram diagnosticadas e tratadas; novos maquinários e instrumentos eletroeletrônicos e eletrodomésticos modificaram significativamente o cotidiano dos indivíduos (BARRETO, 2019). O surgimento de novas máquinas, como o computador, a televisão, o celular, o smartphone, e o desenvolvimento dos meios de comunicação, como o fax, o telégrafo e posteriormente a internet, transformaram profundamente as relações sociais em nível mundial. Isso gerou um processo de globalização de costumes, encurtamento de fronteiras e aumento da velocidade das informações, que hoje correm em tempo real. Como você sabe, um novo mundo surge a cada instante por meio do desenvolvimento científico e tecnológico (BARRETO, 2019). A igreja também tem papel fundamental na vida do indivíduo, na construção de normas e valores de conduta para a formação do seu caráter. A família geralmente possui papel influenciador na escolha da religião (BARRETO, 2019). Goffman (1987), ao estudar a interação social em manicômios, prisões e conventos, classificou essas instituições como: instituições com a finalidade de cuidado de pessoas consideradas incapazes e inofensivas; instituições que cuidam de pessoas incapazes de cuidado próprio, mas que também são uma ameaça à sociedade, como os sanatórios, hospitais para doentes mentais; instituições que protegem a comunidade contra as intenções de indivíduos de má índole, como as prisões, cadeias, penitenciárias e instituições que têm o fim de realizar alguma atividade de trabalho, como quartéis, escolas internas, campos de trabalho; e instituições que são tidas como refúgio e local de instrução religiosa, como os conventos, mosteiros, etc. 65 Essas instituições têm em comum o fato de possuírem uma autoridade central. Nelas, as tarefas são realizadas na presença de outras pessoas, tratadas igualmente e com a mesma exigência. Também há horários rígidos a serem respeitados na realização das tarefas. Além disso, as tarefas são planejadas com o intuito de atender aos fins oficiais das instituições (BARRETO, 2019). 23 IMPORTÂNCIA DA RELIGIÃO EM TEMPOS DE CETICISMO E IMEDIATISMO Diante das alterações que temos sofrido nas diversas áreas sociais, tendemos à abertura ou à resistência. Durante muito tempo, o jornalismo, a psicologia, a educação e outras áreas tentaram, e ainda tentam resistir às transformações da sociedade com o crescimento e a evolução das tecnologias, das mídias e do capitalismo (SILVA, 2021). Alvin Toffler (2005), ao discutir sobre os impactos das tecnologias na sociedade, retoma a historicidade dos sistemas de produção ao longo do tempo, subdividindo-a em três ondas: 1. Agrícola, 2. Industrial; 3. Tecnológica digital. Para o autor, vale ressaltar, são os modos de produção de riqueza que estruturam a sociedade, e não o contrário (SILVA, 2021). Nesse sentido, podemos constatar que as alterações sofridas pela sociedade contemporânea advêm das mudanças proporcionadas pelo capitalismo, que, ao criar as 66 tecnologias, oferece o lastro fecundo para o crescimento da era tecnológica, e, ao mesmo tempo, constrói um cenário propício para que essas criações se tornem estruturadoras de novas subjetividades, relações e identidades institucionais (SILVA, 2021). A produção capitalista tem criado produtos e serviço maneira tão frenética que essa lógica da novidade constante passou a estruturar as relações sociais e econômicas, construindo desejos e necessidades nos indivíduos, imbuídos pelas lógicas do individualismo e hedonismo, para os quais buscam resoluções imediatas. Soares Neto (2012) aponta que os indivíduos estão rodeados por coisas que provocam grandes encantos e fascínios, estando “[...] sempre em busca por novos produtos, novas experiências, por um consumo imediatista diante do atual panorama da sociedade e alimentados por uma economia pronta para saciá-los” (SOARES NETO, 2012, p. 113). Essa retroalimentação entre a dinâmica de produção e constituição subjetiva dos consumidores contorna o cenário da mercantilização e da sociedade do consumo, no qual tudo se torna mercadoria e tudo que é consumido torna-se imediato e fluido. Os consumidores são marcados por uma necessidade de satisfazer aos seus desejos de maneira imediata (SOARES NETO, 2012). Nesse cenário, consta-se o que Lipovetsky e Serroy (2011) chamaram de mercantilização da cultura e cultura da mercantilização, conjuntura que tem transformado tanto os modos de existência quanto a vida sociopolítica. Ademais, nesse processo, novas questões individuais e coletivas são postas, já que há uma cultura-mundo que globaliza não apenas as evoluções, mas também os medos e os desnorteamentos. Assim, a contemporaneidade vem sendo marcada por lógicas que colocam ainda mais em xeque os grandes sistemas institucionais e as noções normativas gerais. Para Lipovetsky e Serroy (2011, p. 17): Com a cultura-mundo, aumentam a tomada de consciência da globalidade dos perigos, um sentimento de viver em um mundo único feito de interdependências crescentes. Na era hipermoderna, afirma-se a cosmopolitização dos medos e das imaginações, das emoções e dos modos de vida. As relações sociais são atravessadas pelos medos próprios desse cenário de globalização e incertezas, falta de referenciais que interfere em todas as esferas humanas, de trabalho, familiar e identitária. Aumentam-se as epistemologias para lidar 67 com as análises sociais e, também, as ferramentas de comunicação. No entanto, somado a isso, elevam-se as incertezas e os medos, causando uma instabilidade psíquica (LIPOVETSKY; SERROY, 2011). Ao falar sobre a modernidade e suas consequências para as constituições subjetivas e sociais, Libâneo (2002, p. 70) aponta: Fruto lídimo da modernidade é o individualismo. Repetidamente chamado de “ideologia da modernidade”. Esse individualismo provocou enjoo, desgosto, náusea de tanto ficar-se preso a si mesmo. E como ele girava em torno, sobretudo, de bens materiais, a falta de sentido foi ainda maior com o consequente vazio existencial. Fragmenta-se a identidade das pessoas que sofrem o colapso do significado das coisas, a banalização, o estreitamento ouperda total do sentido da vida. Veem-se tentadas ao narcisismo, hedonismo, relativismo moral subjetivista, permissividade. Em meio a essa desorientação e às perdas de referenciais, surge um interesse pelo fenômeno religioso. Para Peter Berger (1985), a religião aparece mais uma vez como organizadora do caos e da anomia vivida frente às perplexidades contemporâneas, reaparecendo, portanto, com a função simbólica de integrar e sustentar as referências dos indivíduos (CRESPI, 1999). No entanto, busca-se uma religião ou experiências religiosas que também correspondam aos anseios desse tempo, cujas ofertas precisam satisfazer às necessidades imediatas dos fiéis, como uma resposta ao seu individualismo e hedonismo (LIBANIO, 2002). 24 SISTEMAS POLÍTICOS E RELIGIÃO: MANIPULAÇÃO E POLITIZAÇÃO Em um horizonte judaico-cristão, do Gênesis ao Apocalipse, o fenômeno religioso sempre esteve entrelaçado com a história política: em alguns momentos, como resistência e denúncia contra os sistemas políticos, e, em outros, a partir de uma vinculação nítida de apoio (SILVA, 2021). Se olharmos para o próprio reconhecimento do cristianismo como religião de estado, há uma relação política com o poder Romano representado por Constantino, no ano de 312. E essas relações tensionadas não ficam apenas na Idade Antiga, fortalecendo- se, inclusive, na Idade Média e ganhando novos contornos na Idade Moderna e 68 Contemporânea. A Idade Média foi marcada por uma influência grandiosa da Igreja Católica em todos os setores, sociais, políticos e até mesmo econômicos. Ademais, mesmo com a ruptura ocorrida na virada moderna, a Igreja não deixou de influenciar os Estados e Nações (SILVA, 2021). A história da Igreja católica e as Igrejas da Reforma indicam que o cristianismo estabeleceu vínculos diretos com a política, embora não tenham sido somente eles — o judaísmo, o islamismo e até mesmo as religiões orientais travaram guerras sangrentas justificadas pelo viés religioso (AMES, 2014). No Brasil, a Igreja Católica se instaurou desde o processo da colonização, cenário em que a religião sempre esteve associada ao poder político. No país, a liberdade religiosa “[...] foi estabelecida pelo Decreto nº. 119-A, de 7 de janeiro de 1890, sendo confirmada pela Constituição de 1891 e pela Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926” (COSTA, 2020, p. 99). Entretanto, mesmo após a cisão entre Igreja e Estado, a Igreja Católica busca modos alternativos de manter-se em relação com o governo e com a população, situação em que alguns representantes religiosos se vinculam ao poder vigente e outros à oposição: os mais conservadores agrupam-se nas alas políticas mais conservadoras, enquanto os progressistas aliam-se às alas políticas que lutam por causas sociais, econômicas e dos grupos minoritários. Essas alianças são realizadas a partir da perspectiva teológica dos representantes religiosos. Atualmente, o representante da Igreja Católica tem uma visão política um pouco mais sensível às causas populares, isso pelo fato, segundo Costa (2020), de o pontífice, por ser latino-americano, também ser propenso às questões da colonização, exploração e realidade sociocultural vividas pelo povo da América Latina e do Brasil. No entanto, no seio da própria Igreja Católica, há grupos mais conservadores que, no lugar de se preocuparem com as pautas progressistas, defendem e se vinculam a poderes políticos conservadores. Além de se estabelecer na Igreja Católica, essa dinâmica está presente nas igrejas evangélicas. Segundo Costa (2020), após a redemocratização, os pentecostais passaram a participar do campo político, oficialmente e, desde então, procuram fortalecer as relações com os poderes estabelecidos, ampliando suas influências e tornando-se os 69 mais fortes aliados do governo federal, o que, em um jogo de espelhos, reflete suas aspirações em uma disposição de extrema direita, sob o manto da moralização política. E os neopentecostais não são diferentes, pois, baseados em uma teologia que prega a prosperidade, se contrapõem aos ideais dos progressistas — para eles, as pautas dos direitos humanos, de igualdade de gênero, desigualdades sociais, etc. são demoníacas e devem ser veementemente combatidas (COSTA, 2020). Um exemplo desse movimento conservador, aliado à relação política- -religião, marcada por uma manipulação mútua, se deu nas eleições de 2018 no Brasil, quando as alianças religiosas compostas, em sua maioria, por evangélicos conservadores, mas apoiadas por muitos católicos conservadores, reforçaram e legitimaram o discurso do presidente eleito, que apresentou, desde sempre, pautas de suposta manutenção da ordem social, com um forte discurso moralista “[...] contra a esquerda, os comunistas, o casamento homossexual, o aborto, a corrupção”, etc. (COSTA, 2020, p. 107). Apesar da laicização do estado, o que vemos em solo brasileiro é o crescimento da ala evangélica “politizada”, com amplos desejos de poder político, crescendo a cada pleito das esferas municipais, estaduais e federais, defendendo pautas hiperconservadoras e colocando em xeque a democracia brasileira, além de deixar de lado as políticas para os mais pobres e marginalizados. E, no último pleito federal, observamos muitos católicos conservadores defendendo esses mesmos ideais, sendo, inclusive, contrários às diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e às próprias indicações do Sumo Pontífice, o Papa Francisco, que se colocou diversas vezes contra governos apoiadores de torturas e contra as causas sociais e ambientais (SILVA, 2021). 25 CONSUMO DE BENS SIMBÓLICOS E PREGAÇÃO DA FÉ NOS TEMPOS DO ESPETÁCULO RELIGIOSO O mundo vem sofrendo grandes alterações, moldado pela lógica de mercado capitalista, que dita os modos de relações nas esferas sociais e públicas. Tudo se tornou mercadoria, sejam os bens materiais, sejam os imateriais, cenário em que consumir é a ordem e no qual até mesmo as lógicas de um consumo consciente têm como pano de 70 fundo um modo de consumir, estando em alta o mercado dos orgânicos e dos recicláveis. Em outras palavras, com um maior ou menor grau de destruição planetária, tudo constitui uma forma de consumo. E a religião não ficou à margem dessa dinâmica, passando a ser consumida ao bel-prazer e à necessidade do adepto: é necessário satisfazer às necessidades pessoais e existenciais, e que o fiel, assim como o consumidor, consiga ter acesso à mercadoria oferecida, a partir de um clique, um toque (SILVA, 2021). Para isso, criam-se instrumentos, que intermediam as compras, as relações simbólicas com o consumidor, conectando as ofertas às demandas, a partir de dois caminhos: o da criação das necessidades de consumo e as respostas aos desejos criados, enveredado pelo capitalismo, capaz de criar o desejo, a demanda e, automaticamente, uma correspondência a eles. Nesse cenário, os instrumentos criados são totalmente eficazes, pois selecionam o conteúdo de acesso, entregam o que o cliente deseja na tela do celular e facilitam as relações, sobretudo pelo marketing, produzindo discursos que fazem os consumidores comprar (SILVA, 2021). Fonte: Pixabay.com Esses aspectos promovem e consolidam a sociedade do espetáculo, conforme nomeada por Guy Debord (1997): “[...] o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente”, e “[...] constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha” (DEBORD, 1997, p. 14-15). O espetáculo é um modo de 71 relação entre as pessoas, fundamentado em uma imagem não real, mas construída por um discurso e mediada por instrumentos que a facilitam. Nessa conjuntura, as religiões, ao mesmo tempo, podem denunciar a irrealidade, o consumo desenfreado, as lógicas capitalistas,modernas, imediatistas e efêmeras, e aderir a essas lógicas, agora encobertas pelo discurso sacralizado. Conforme Ramos (2008, p. 148), “[...] à medida que o mercado religioso se incorpora ao espírito religioso, aquele fica legitimado pela religião”, continuando a afirmar que a “[...] religião-mercadoria é sustentada e promovida por uma homilética articulada segundo os princípios e valores da sociedade espetacular” (RAMOS, 2008, p. 148). Nos valores espetaculares, o novo é algo que necessita estar eminentemente presente, com uma produção desenfreada de novidade de bens de consumo, visto a necessidade de sempre oferecer experiências novas aos consumidores, inclusive os da religião. Esta passa a ser a la carte, ou seja, servida a partir da necessidade do fiel (VELIQ, 2017), estando no cardápio a cura, a prosperidade, o consolo espiritual ou outras necessidades. Com isso, constatamos que os âmbitos religiosos têm sido influenciados pelas lógicas mercadológicas e entregado cada um ao seu modo bens simbólicos e de consumo aos fiéis, a partir de suas necessidades específicas. Os produtos da fé já estão definidos nas funções sociais da religião na contemporaneidade: organizar o caos existencial, dar sentido, etc. Mas quais instrumentos vêm sendo usados para fazer com que esses produtos cheguem aos consumidores, ou melhor, aos fiéis? Com o avanço tecnológico, as religiões, com o intuito de comunicar a Palavra de Deus e oferecer o que os consumidores necessitam, têm adentrado diversos meios, como: TV; Sites; Redes sociais; Aplicativos de mensagens; Construção de aplicativos próprios. 72 Soares e Cândido (2015), ao analisarem as igrejas eletrônicas, afirmam que as vertentes evangélicas despertaram para a evangelização mediada pelas tecnologias muito antes da Igreja Católica, visto que, “[…] desde meados dos anos de 1950, as igrejas evangélicas já fazem uso dos mass media e, atualmente, a comunidade evangélica tem a TV como uma das suas maiores aliadas na estratégia de propagação das crenças” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 147). Do rádio à TV, foram se consolidando programas de propagação da fé e das crenças evangélicas, como: “A voz do Brasil para Cristo” (1955); “A voz da nova vida” (1962); Os programas de TV de Edir Macedo e Valdomiro Santiago; “Show da fé”, com Romildo Soares. Trata-se de exemplos dos formatos que a religião tem encontrado para alcançar e conquistar fiéis, cuja narrativa apresenta como núcleo pregações com curas, libertações, exaltação da prosperidade e aquisição de bens materiais, além de uma pregação baseada no que as pessoas gostam e querem ouvir. É um Deus que serve às necessidades das pessoas e é visto como “[...] um amuleto que está sempre pronto para resolver os problemas” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 151). E a Igreja Católica não ficou de fora desse meio eletrônico, mesmo chegando um pouco depois. A rede de TV Canção Nova, fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, a TV Aparecida, a Rede Vida, e os padres Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi assumiram esse diálogo com o mundo moderno e representam a face da espetacularização do fenômeno religioso católico, destacando-se por seu lastro de alcance. Nesse contexto, shows, encontros e celebrações televisionadas são “[...] espetáculos religiosos e renovadas formas de adoração e culto devoção, êxtase, dança, choro, alegria, fé e idolatria, comungam do mesmo espaço e momento” (PESSOA, 2016, documento on-line). 73 BIBLIOGRAFIA BÁSICA CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano, Petrópolis, 9ª Edição, Editora Vozes, 2003. DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2004. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ABRANCHES, M. 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