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LÍ N G U A P O RT U G U ES A 47 Atenção: As próximas questões baseiam-se no texto seguinte. Desde pequeno, tive tendência para personifi- car as coisas. Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: “Vem pra dentro, meni- no, olha o mormaço!” Mas eu ouvia o mormaço com M maiúsculo. Mormaço, para mim, era um velho que pegava crianças! Ia pra dentro logo. E ainda hoje, quando leio que alguém se viu per- seguido pelo clamor público, vejo com estes olhos o Sr. Clamor Público, magro, arquejante, de preto, brandindo um guarda-chuva, com um gogó protu- berante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição. E já estava devidamente grande- zinho, pois devia contar uns trinta anos, quando me fui, com um grupo de colegas, a ver o lança- mento da pedra fundamental da ponte Uruguaia- na-Libres, ocasião de grandes solenidades, com os presidentes Justo e Getúlio, e gente muita, tan- to assim que fomos alojados os do meu grupo num casarão que creio fosse a Prefeitura, com os demais jornalistas do Brasil e Argentina. Era como um alojamento de quartel, com breve espaço entre as camas e todas as portas e janelas aber- tas, tudo com os alegres incômodos e duvidosos encantos de uma coletividade democrática. Pois lá pelas tantas da noite, como eu pressentisse, em meu entredormir, um vulto junto à minha cama, sentei-me estremunhado e olhei atônito para um tipo de chiru, ali parado, de bigodes caídos, pala pendente e chapéu descido sobre os olhos. Diante da minha muda interrogação, ele resolveu expli- car-se, com a devida calma: — Pois é! Não vê que eu sou o sereno... Mário Quintana. In: As cem melhores crônicas brasileiras. São Paulo: Objetiva, 2007. Æ PONTUAÇÃO (PONTO, VÍRGULA, TRAVESSÃO, ASPAS, PARÊNTESES ETC) 249. (ME – CEBRASPE-CESPE – 2020) No que se refere aos sentidos e aos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o próximo item. A inserção de uma vírgula logo após “protuberan- te”, no trecho “com um gogó protuberante que se abaixa e levanta no excitamento da perseguição”, manteria a correção gramatical do período e seu sentido original. ( ) Certo ( ) Errado 250. (ME – CEBRASPE-CESPE – 2020) No que se refere aos sentidos e aos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o próximo item. Em “Tia Tula, que achava que mormaço fazia mal, sempre gritava: ‘Vem pra dentro, menino, olha o mormaço!’“, os termos “Tia Tula” e “meni- no” desempenham a mesma função sintática nas orações em que ocorrem, o que justifica o fato de serem isolados por vírgulas. ( ) Certo ( ) Errado Atenção: As próximas questões baseiam-se no texto seguinte. Texto 1A18-I Nos Estados Unidos da América, no século XIX, a passagem da polícia do sistema de justiça para o de governo da cidade significou também a passa- gem da noção de caça aos criminosos para a pre- venção dos crimes, em um deslocamento do ato para o ator. Como na Europa, a ênfase na preven- ção teria representado nova atitude diante do con- trole social, com o desenvolvimento pela polícia de uma habilidade específica, a de explicar e prevenir o comportamento criminoso. Isso acabou redun- dando no foco nas “classes perigosas”, ou seja, em setores específicos da sociedade vistos como produtores de comportamento criminoso. Nesse processo, desenvolveram-se os vários campos de saber vinculados aos sistemas de justiça criminal, polícia e prisão, voltados para a identificação, para a explicação e para a prevenção do comportamen- to criminoso, agora visto como “desviante”, como a medicina legal, a psiquiatria e, especialmente, a criminologia. Na Europa ocidental, as novas instituições esta- tais de vigilância deveriam controlar o exercício da força em sociedades em que os níveis de violên- cia física nas relações interpessoais e do Estado com a sociedade estavam em declínio. De acordo com a difundida teoria do processo civilizador, de Norbert Elias, no Ocidente moderno, a agres- sividade, assim como outras emoções e prazeres, foi domada, “refinada” e “civilizada”. O autor esta- belece um contraste entre a violência “franca e desinibida” do período medieval, que não excluía ninguém da vida social e era socialmente permiti- da e até certo ponto necessária, e o autocontrole e a moderação das emoções que acabaram por se impor na modernidade. A conversão do con- trole que se exercia por terceiros no autocontrole é relacionada à organização e à estabilização de Estados modernos, nos quais a monopolização da força física em órgãos centrais permitiu a criação de espaços pacificados. Em tais espaços, os indi- víduos passaram a ser submetidos a regras e leis mais rigorosas, mas ficaram mais protegidos da irrupção da violência na sua vida, na medida em que as ameaças físicas tornaram-se despersonali- zadas e monopolizadas por especialistas. C. Mauch. Considerações sobre a história da polícia. In: MÉTIS: história & cultura, v. 6, n.º 11, jan./jun. 2007, p. 107-19 (com adaptações).