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NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 
São Paulo: Hucitec, 1995. 
 Fernando Antônio Novais e sua célebre obra Portugal e Brasil na crise do 
antigo sistema colonial fazem parte do panteão dos grandes clássicos da historiografia 
brasileira. Apresentar um texto dessa preponderância, ao mesmo tempo em que traz 
algum conforto, pois é uma obra grandemente reconhecida e com muitos leitores, 
configura um desafio. Muito foi dito e escrito sobre ela e sua influência ecoa até os dias 
de hoje. Por tais razões, a apresentação do livro e de seu autor será breve, porém 
necessária. 
 Novais nasceu em 1933 na cidade de Guararema, no estado de São Paulo. 
Graduou-se historiador pela Universidade de São Paulo, onde lecionou de 1961 a 1985. 
E desde o ano de 1986 está vinculado ao Instituto de Economia da Universidade 
Estadual de Campinas. Derivada de sua tese de doutorado, a obra em questão foi 
publicada em 1973. E com ela Novais contribuiu de forma inédita e inovadora com 
estudos referentes à relação metrópole/colônia. Trabalhou também como professor 
visitante em inúmeras instituições de ensino superior no exterior, como por exemplo: 
Columbia, Universidade do Texas e Universidade da Califórnia nos EUA. Sorbonne, 
Universidade de Coimbra e Lisboa na Europa. 
 Agora tratemos da obra em si. A intenção de Novais com essa tese não é tarefa 
fácil, e conforme indica o título, o período do final do século XVIII e início do XIX é o 
foco de sua análise, pois é nesse entremeio temporal que temos a crise mais aguda do 
antigo sistema colonial. 
 Logo nos prolegômenos da obra, Novais pontuou a importância desse período: 
aparecem como um desses momentos tormentosos e fecundos em que se acelera 
significativamente o tempo histórico: o movimento revolucionário promove a 
demolição progressiva do Antigo Regime e a construção das novas instituições 
do Estado da época contemporânea 
1
. 
 
1
 NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: 
Hucitec, 1995. p. 3. 
2 
 
 Mas para explicar plenamente tal ideia, Novais fez recurso a uma análise 
sistêmica, que procurou enxergar o mundo colonial, especialmente a relação de Portugal 
com suas colônias, sob um prisma externalista e globalizante. 
 Em uma obra contendo quatro capítulos e uma breve conclusão, o autor traçou 
um caminho amplo e completo. Construindo uma análise estrutural, Novais buscou, a 
princípio, entender as relações de Portugal com outros países europeus na época 
moderna, lançando um grande, porém breve, panorama da expansão colonial europeia e 
da política mercantilista. Em um segundo momento, tratou de aprofundar a discussão 
teórica a respeito das categorias históricas que são fundamentais para entender sua 
análise do período, tratou também do sistema colonial e do mercantilismo, para assim 
entender seus mecanismos e sua crise. Na terceira parte, apresentou as conjecturas de 
crise pelas quais Portugal passou para, por fim, apontar como a política colonial 
portuguesa tratou de incorporar novos corpos teóricos - econômicos e políticos - que 
circularam pela Europa nos séculos XVII e XVIII surgidos dos impulsos do novo 
comércio mundial e de toda a nova gama de novos problemas e dificuldades que dele se 
acarretaram. 
 No primeiro capítulo da obra, intitulado “Política de Neutralidade”, Novais 
buscou entender as relações internacionais de Portugal na época moderna. Postulou que, 
a partir de 1640, com a separação da União Ibérica e a influência do império espanhol 
em baixa, Portugal ficou cada vez mais ligado à Inglaterra, por meio de alianças 
comerciais que proporcionaram apoio naval e militar britânico a Portugal em troca de 
acordos comerciais, enquanto que a Espanha fortalecia sua aliança com a França. Uma 
questão que o autor colocou é a de como essas potências –Espanha e Portugal- 
conseguiram manter suas conquistas coloniais em meio à ascensão das novas potências 
no sistema colonial, a resposta de Novais consistiu no argumento desenvolvido acima 
“É este sistema de alianças que permite a Portugal e Espanha resguardar os respectivos 
domínios no ultramar” 2. Vale ressaltar também que no decorrer do século XVII, as duas 
potências que apoiaram os ibéricos – França e Inglaterra- estiveram em constante 
disputa e conflito. 
 Nessa situação também se configurou a mudança de eixo da economia imperial 
portuguesa, que do oriente se deslocou para o Atlântico. Isso ocorreu com o apoio da 
 
2
 Ibidem. p. 18. 
3 
 
frota naval da Inglaterra, que em troca desse apoio era agraciada com acordos 
comerciais para adentrar os monopólios coloniais. No oriente, as Companhias 
comerciais da Holanda e da Inglaterra tomaram a dianteira das negociações em meados 
do século XVII. 
 É de vital importância a relação de Portugal com a Inglaterra nos séculos XVII e 
XVIII para poder entender a crise que viria a se instalar de maneira irreversível no XIX. 
No decorrer do XVIII, as reformas pombalinas intentaram por reduzir as vantagens 
econômicas cedidas aos ingleses, mas ainda assim reconhecia “a necessidade 
incontornável de manter a proteção política da Inglaterra” 3. Tais ações dos governantes 
portugueses levam a conclusões que defendem ser a manutenção das posses coloniais 
do ultramar a causa de todas as concessões políticas feitas no decorrer do século XVIII 
até no início do XIX, nas quais D. João e sua transferência para o Brasil foi entendida 
por Novais como o auge dessa política
4
. A luz dessa reflexão é de importância 
inconteste pontuar o papel disputas pela exploração colonial no século XVIII, as quais 
atingiram seu auge e tornaram-se causa mor das hostilidades e desembocaram em 
questões dinásticas, essas guiadas sempre pelas questões e “tensões do ultramar” 5. No 
decorrer do capítulo, Novais citou os acordos feitos pelas potências, como, por 
exemplo, o de Utrecht e de Viena, que ao passo que iam conferindo paz e prosperidade 
comercial, iam se delineando novas instâncias de poder e dominação comercial, com 
destaque a preponderante ascensão da Inglaterra
6
. E é exatamente nessa ascensão que as 
formas de resistência começaram a dar seus primeiros sinais, a posição dominadora da 
Inglaterra para com suas colônias da América do Norte desencadearam uma revolta que 
teve como resultado a Guerra de Independência em 1776, evento esse que o autor 
apontou como fator que deu início a crise do sistema colonial. 
 É importante ressaltar que em finais desse capítulo que Novais apontou o 
primeiro elemento da crise do antigo sistema colonial: 
a defasagem entre a posição política e econômica das metrópoles ibéricas no 
quadro do equilíbrio europeu e a extensão e importância comercial de seus 
 
3
 Ibidem. p. 30. 
4
 Ibidem. p. 32. 
5
 Ibidem. p. 43. 
6
 Ibidem. p. 51. 
4 
 
domínios ultramarinos só se pôde manter até o fim do século XVIII graças à 
rivalidade entre as potências ascendentes, Inglaterra e França
7
. 
 Passando para o capítulo dois, Novais apontou que o que foi discutido até esse 
ponto da obra disse respeito à causa superficial e é nessa parte do texto que apresentará 
as questões estruturais para enfim, entender sua crise, o que ela representou e como foi 
causada. 
 Sua primeira consideração consistiu em pensar a colonização como sistema, um 
sistema que se baseou na relação metrópole e colônia. Uma primeira etapa dessa analise 
se dá por meio da definição do sentido da colonização, principalmente suas normas 
legais8
. O autor ressaltou que parte da ideia de tentar entender a colonização por meio 
dos pactos coloniais, mas apontou que na maioria das vezes as novas situações impostas 
pela expansão territorial e comercial resultavam em situações que demandavam ações 
que fugiam do planejado. E a partir dessas novas situações, houve um alargamento dos 
horizontes teóricos, ocasionando uma generalização de conceitos no decorrer de novas 
possibilidades econômicas e políticas. 
 Mercantilismo é definido por Novais como envolvendo uma: 
 conceituação primária da natureza dos bens econômicos, e a suposição de que 
os lucros se geram no processo de circulação das mercadorias, isto é, 
configuram vantagens em detrimento do parceiro [...] O mercantilismo não é, 
efetivamente, uma política que vise ao bem-estar social, como se diria hoje; visa 
ao desenvolvimento nacional a todo custo
9
. 
 É interessante verificar a relação metrópole/colônia a partir desse prisma. 
Passando então para a definição de Sistema Colonial: 
Ele se apresenta como um tipo particular de relações políticas, com dois 
elementos: um centro de decisão (metrópole) e outro (colônia) subordinado, 
relações através das quais se estabelece o quadro institucional para que a vida 
da econômica da metrópole seja dinamizada pelas atividades comerciais 
10
. 
 
7
 Ibidem. p. 55. 
8
 Ibidem. p. 58. 
9
 Ibidem. p. 61. 
10
 Ibidem. p. 62. 
5 
 
 No cenário da expansão colonial e da colonização do Novo Mundo, se deu uma 
etapa intermediária da vida econômica europeia, o capitalismo mercantil. Romperam-se 
os limites estreitos da idade média quando o comércio foi revivido e se submeteu as 
pressões da economia de mercado
11
. Desta feita, a argumentação do autor visou 
sustentar que a economia colonial fomentou a acumulação, a nível econômico, e no 
campo político ela serviu para fortalecer o mercado nacional e o Estado forte, ancorado 
no governo da nobreza. Constituindo assim uma continuidade da sociedade estamental, 
porém, com crises sociais atenuadas
12
. 
 Novais explorou a ideia de que a expansão possuiu uma natureza 
“essencialmente comercial” 13, fazendo recurso às ideias de Caio Prado Júnior e seu 
Sentido da Colonização, e indo além, para Novais a expansão marítima possuiu 
profundos sentidos comerciais e capitalistas. 
 Intentando então entender os mecanismos de funcionamento do sistema colonial, 
o autor compreendeu o comércio como o ‘nervo’ da colonização desde seus primórdios 
até o século XVIII. No que se refere à política da coroa portuguesa, o autor apontou dois 
momentos: na fase inicial uma liberdade de comércio a fim de estimular a vinda de 
recursos para a colônia, e um segundo momento de enquadramento em sistema 
exclusivista de monopólios comerciais. Com a Restauração em meados do século XVII, 
vieram os acordos com a Inglaterra e esses monopólios comerciais sofreram 
alterações
14
. Essa inflexibilidade gerou muito contrabando, porém tais práticas não 
abalaram a “essência da exploração colonial” 15. 
 A partir dos argumentos já apresentados, é natural destacar o lugar da produção 
para a exploração colonial. Vale pontuar então o papel que Novais atribuiu a escravidão 
e o tráfico negreiro no período. Como o setor de exportação comandava o setor 
produtivo, a demanda crescente da população europeia, cada vez mais monetarizada, 
levava as economias coloniais a buscarem um sistema de exploração cada vez mais 
lucrativo para as metrópoles, levando a adoção de formas de trabalho compulsório, 
como o escravismo. Em meio a debates de caráter cristão ou então de desdobramentos 
morais para a aceitação da escravidão, Novais acompanhou Marx na afirmação de que 
 
11
 Novais baseia-se nas ideias de Maurice Dobb em sua célebre obra A Evolução do Capitalismo. 
12
 Ibidem. p. 65. 
13
 Ibidem. p. 68. 
14
 Ibidem. pp. 81-82. 
15
 Ibidem. p. 91. 
6 
 
as colônias revelaram “o segredo da sociedade capitalista” 16. Outra questão a ser tratada 
dentro da mesma temática é o lugar do tráfico negreiro, esse inaugurando um novo setor 
do comércio colonial. Em suma, é de importância primeira entender o lugar do 
escravismo como um órgão articulador da estrutura da economia colonial. 
 Pensando então a crise desse sistema, Novais escreveu sobre o papel da 
escravidão nela. Em primeiro lugar apontou para a questão da sempre dependente 
economia colonial, constantemente a mercê do mercado internacional. Em segundo 
lugar está a questão da concentração de renda. Um dos fatores que contribuem para suas 
contradições internas é o de que sua produtividade impõe limites a sua expansão e ao 
crescimento da economia de mercado. Chegamos à ideia do que o autor entendeu como 
o núcleo do sistema: “ao funcionar plenamente, vai criando ao mesmo tempo as 
condições de sua crise e superação” 17. Isso quer dizer, criando assim os pré-requisitos 
para a Revolução Industrial que viria a seguir. 
 No capítulo três, de título “Os problemas da colonização portuguesa” Novais 
partiu do geral para tratar do específico, enfatizou na metrópole portuguesa e sua 
relação com suas colônias, principalmente o Brasil. No século XVIII ocorreu uma 
“autêntica e paradoxal inversão do sistema”, as colônias se tornaram desvantagens à 
metrópole
18
. Duas tendências do mercado internacional botavam em xeque a maneira do 
Antigo Sistema Colonial de reger a economia, uma delas era o desenvolvimento da 
revolução industrial inglesa que impunha a abertura dos mercados. A outra era a que de 
que os monopólios ibéricos dificultavam a entrada de produtos ingleses no comércio 
metropolitano no ultramar. E é dessa segunda tendência que surge a ‘campanha’ inglesa 
de combate ao tráfico negreiro. 
 O contraponto de refletir o desenvolvimento industrial da Inglaterra é discutir o 
tão comentado ‘atraso’ português. No que diz respeito a isso, Novais escreveu que 
Portugal só começou a esboçar um desenvolvimento industrial no final do século XVIII. 
Nas fontes de Novais incluíram-se trabalhos de teóricos da Ilustração portuguesa, nos 
quais se “atestam a persistência dos temas da decadência e do atraso nas suas 
 
16
 Ibidem. p. 98. 
17
 Ibidem. p. 114. 
18
 Ibidem. p. 122. 
7 
 
investigações” 19. Tais impressões podem ser verificadas como um dos sinais da “crise 
geral da mentalidade”, que teve resultados gerando inquietações nas colônias. 
 As reações da coroa portuguesa, conforme pontuou Novais, tiveram início com 
medidas protecionistas. Na colônia do Brasil, durante a era Pombalina, tais ações 
visavam limitar a influência inglesa. Quanto a medidas governativas, um exemplo 
citado pelo autor é o do envio de Vice Reis com novos propósitos, um exemplo é o 
Marquês do Lavradio, que agiu firmemente na defesa das fronteiras no sul da colônia. 
 Outra questão que o autor discutiu nesse capítulo da obra é uma ‘tomada de 
consciência’ por parte dos colonos. Movimentos revolucionários e separatistas, como 
por exemplo, a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. O primeiro com forte 
influência do movimento de Independência dos Estados Unidos e o segundo da 
Revolução Francesa. Novais discutiu amplamente a respeito de como o pensamento 
ilustrado disseminou-se em Portugal, e também como lá adquiriu novos contornos e 
nuances. Já na colônia do Brasil, “as críticas feitas na Europa pelo pensamento ilustrado 
ao absolutismo, assumem, no Brasil, o sentido de críticas ao sistema colonial” 20. 
Conjuntamente com novas configurações na relação Estado-Igreja, um dos mais fortespilares do absolutismo, a crise também se manifestou nas mentalidades 
21
. 
 Somada a isso, mais um aspecto da crise do sistema, a instabilidade da economia 
colonial e suas próprias contradições internas causaram um aumento significativo no 
contrabando, agora ainda mais disseminado dentre os próprios colonos. O que entrou 
em xeque foi o exclusivismo metropolitano, além da agitação por parte dos colonos, a 
Inglaterra também pressionou pela abertura dos portos. 
 Às portas da Revolução Industrial, Novais discutiu razões para o atraso de 
Portugal. Aponta três principais: a União Ibérica, incutindo a culpa na dominação, o que 
o autor discorda, pois a Espanha também entrou em decadência. A segunda diz que a 
culpa é da Inglaterra e sua “ação expoliativa” 22, Novais respondeu que a ação dos 
ingleses não teria tido tanto êxito se não tivesse encontrado uma economia portuguesa 
tão frágil. E uma terceira seria a de que as conquistas ultramarinas foram a causa da 
 
19
 Ibidem. p. 134. 
20
 VIOTTI, E. “Introdução ao estudo da emancipação política”. In: Brasil em perspectiva. MOTA, C. G. 
(Org.), São Paulo, 1968, p. 84. apud NOVAIS, Fernando. Idem. p. 169. 
21
 NOVAIS, Fernando. Idem. p. 173. 
22
 Ibidem. p. 203. 
8 
 
ruína, “elas, as conquistas, seriam responsáveis pela falta de gente, pelo atraso da 
agricultura, enfim pelo não desenvolvimento manufatureiro” 23. Para Novais, o nervo da 
questão residiu na “forte preeminência da nobreza na estruturação da sociedade e na 
governação do Estado” 24. Desta feita, na análise do autor, os problemas se conectavam. 
 No quarto e final capítulo Novais se deteve em analisar como as ideias ilustradas 
adentraram o pensamento político português, e como foi formulada a política colonial 
nesse momento de crise. Dentro dessa mudança dos quadros mentais, o autor pontuou a 
importância da Academia Real das Ciências como “centro de assimilação” das novas 
ideias. E dessa assimilação logo saíram ideias de reforma política, os governantes 
portugueses elaboraram “a linha de ação pautou-se pelo mercantilismo: monopólio, 
companhias, exclusivo, estatismo” 25. Mesmo com alguma influência da economia 
clássica inglesa, incutindo algum tipo de “ecletismo” na sua dinâmica econômica, 
Portugal não conseguiu se desprender da visão mercantilista, fracassou nas medidas de 
combate ao contrabando e tentativas de melhorias na produção (com investimento na 
infraestrutura e abertura de créditos). Muitas dessas ações resultaram em fracasso, 
somando-se ainda a resistência dos colonos. Ainda dentro dos projetos de reação 
formulados por Portugal, vale ressaltar a importância dada por Novais a questão da 
proibição de manufaturas no Brasil através do ato proibitório do ano de 1785, da 
política de industrialização de Pombal, entre outras medidas. Exemplos esses que 
servem de ilustração para o fato de que: “teoria e prática do mercantilismo ilustrado 
corriam paralelas e se auto- estimulavam em meio a contradições e dilemas insolúveis” 
26
. 
 Novais pontuou os resultados exitosos dessas políticas: “Recuperação e 
diversificação das atividades produtivas na colônia, reequilíbrio e mesmo inversão da 
tendência (passando de deficitária para superavitária) no seu intercâmbio com as demais 
nações” 27. Quanto aos insucessos, o autor destacou a má sucedida medida de suprimir 
as manufaturas nas colônias, ainda mais no cenário de pressão da indústria inglesa. Uma 
série de reformas que não foram profundas o suficiente para cambiar a situação crítica 
em uma tentativa frustrada de harmonização das luzes com políticas de elites e 
 
23
 Ibidem. p. 205. 
24
 Ibidem. p. 209. 
25
 Ibidem. p. 223. 
26
 Ibidem. p. 277. 
27
 Ibidem. p. 294. 
9 
 
governantes ainda fortemente vinculados ao Antigo Regime, culminaram na “inversão 
do pacto colonial”, a abertura dos portos em 1808. 
 Após a tentativa de expor de forma inteligível as ideias do autor que se 
encaixam de forma tão completa e envolvente, cabe ressaltar algumas impressões que a 
obra causou em estudiosos brasileiros aqui selecionados. Luiz Felipe de Alencastro 
escreveu: 
O livro de Fernando Novais constituirá um marco importante na historiografia 
brasileira contemporânea. Seu meticuloso estudo 1777-1808 atinge plenamente 
os objetivos a que propôs: delimitar a especificidade brasileira dentro do quadro 
europeu e da crise interna do colonialismo português 28. 
 Mas não foram tecidos somente elogios, Alencastro acentuou também o caráter 
“integrista” na interpretação de Novais do mercantilismo, muito vinculada ao clássico 
de E. Heckscher. E ao enfatizar em demasia a importância de se pensar a experiência 
colonial inserida em um panorama internacional, deixou de lado especificidades das 
relações intracoloniais. 
 Temos na obra a atribuição de uma “continuidade” do trabalho de Caio Prado 
Júnior, o seu “Sentido da Colonização” 29 para pensar o sistema colonial e sua crise, o 
que fez o trabalho de Novais adentrar o rol das críticas ao modelo “circulacionista” 30. 
Ciro Flamarion Cardoso, nos anos 70 e 80, proferiu críticas aos trabalhos de Prado 
Júnior, Novais, Celso Furtado e também do sociólogo Immanuel Wallerstein
31
, autor da 
teoria sistema-mundo, no qual o centro dinâmico da economia centrava-se na Europa 
Ocidental
32
. Para Cardoso, as distinções entre as economias coloniais e metropolitanas, 
assim como tratadas por esses autores, denotam uma posição de subordinação e 
 
28
 ALENCASTRO, Luis Felipe de. “Casamento de Velhos”. In: Novos Estudos, n. 59. 2001. p. 220. 
29
 Cf. PRADO Jr, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999. 
30
 Muito do que se desenvolveu nessa parte da resenha baseia-se em ideias suscitadas pelo artigo: 
ANDRADE, Leandro B. de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia colonial brasileira. 
Disponível em: < http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf >. Acesso em: 05/01/14 e pela leitura 
do projeto VIEIRA, Luis Otavio. Balanço acerca da leitura da historiografia produzida sobre a 
independência. Projeto de iniciação científica. Orientado por João Paulo Pimenta. 2013 
31
 Cf. WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System - Capitalist Agriculture and the 
origins of the European world-Economy in the Sixteenth Century. Nova York: Academic Press, 1974. 
32
 Aqui se trata do tema de maneira muito superficial pela falta de espaço e por não ser o propósito 
principal da resenha, mas muito pode ser explorado de um estudo mais profundo do que as duas obras, a 
de Wallerstein e Novais, podem, em conjunto, oferecer. Cf. VIEIRA, Luis Otavio. Idem. pp 11-14. 
10 
 
dependência por parte da colônia em relação à metrópole em caráter exagerado. Em 
suas palavras: 
Nossas considerações a respeito visavam a [a produção], em outro momento, 
apoiar a possibilidade de usar o conceito num registro ainda distinto: aplicando-
a a sociedades caracterizadas por modos de produção não somente secundários, 
quando vistos do conjunto do mundo ocidental em formação, mas ainda 
marcados pela dependência, os quais, entretanto, puderam ser dominantes nas 
formações econômico-sociais coloniais 
33
. 
 Com contribuições de Jacob Gorender
34
, Cardoso enfatizou a importância 
central da escravidão mercantil brasileira, e segundo eles, Novais a secundariza e 
minimiza. 
 Publicações das décadas de 70 e 80 influenciaram novas teses, essas se focando 
em estudos regionais, mais particulares, e em fatores não econômicos que tiveram 
influência no mundoeconômico. Dentre esses autores, destacam-se as críticas feitas a 
Novais por João Fragoso e Manolo Florentino. Nas produções desses autores há um 
maior destaque ao mercado interno brasileiro. 
 Em resposta a crítica direcionada a Novais nesses estudos, escreveu Eduardo 
Barros Mariutti: 
O escravismo colonial ao reproduzir-se, gera formas de produção não 
capitalistas (exemplo produção camponesa, trabalho livre não assalariado, 
produção escravista de alimentos, estância gaúcha etc.), as quais fazem parte do 
mercado interno que, exatamente por não ser capitalista, inaugura circuitos de 
acumulação endógena 
35
. 
 Outra discussão que deriva das diversas nuances da obra de Novais é a que trata 
de seu entendimento acerca da Independência do Brasil. De maneira direta, o que a 
leitura extrai da obra em questão é que o autor entendeu a Independência como uma 
ruptura, um processo revolucionário, no qual uma nova classe -a elite agrária e 
escravagista- conseguiu atingir uma hegemonia política. Tais propostas geraram, e 
geram até hoje, muitos debates e possibilidades de estudos. Temos posições mais 
 
33
 CARDOSO, Ciro F. Escravo ou camponês. São Paulo. Brasiliense: 1987. p. 39. 
34
 Cf. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo. Ática. 1980. 
35
 MARIUTTI, Eduardo Barros. “Mercado Interno Colonial e Grau de Autonomia: Críticas às propostas 
de João Luís Fragoso e Manolo Florentino”. In: Estudos Econômicos. vol. 31. N. 2 .p. 371. 
11 
 
neutras, mas de qualquer forma contestadoras, como de Emilia Viotti da Costa, que 
propôs um jogo de escalas na análise, variando do particular às estruturas mais 
profundas, mas ainda assim buscando apoio em estudos sistêmicos. Ela escreveu: “os 
indivíduos, as circunstâncias, as opiniões dos contemporâneos devem ser vistas a partir 
das determinações gerais que lhes conferem significado” 36. Buscando analisar um 
panorama similar, mas com críticas mais fortes aos modelos sistêmicos, Maria Odila da 
Silva Dias pontuou que sua utilização é deveras simplificadora. Segue trecho: 
Se as diretrizes fundamentais da historiografia brasileira já estão bem 
definidas, precisam ainda ser melhor elaboradas por estudos mais 
sistemáticos das peculiaridades da sociedade colonial, que nos 
permitam uma compreensão mais completa deste processo de 
interiorização da metrópole que parece a chave para o estudo de 
formação da nacionalidade brasileira
37
. 
 A fim de encaminhar esse texto para os argumentos finais, seleciono um 
trecho retirado de um artigo escrito pelo próprio Novais, no qual ele reinterou que seus 
estudos não pretendem ser uma fórmula pronta para todas as explicações e aplicações 
cabíveis. Seguem suas palavras: 
Nunca será demais insistir que esse esquema interpretativo não se propõe como 
sucedâneo dos estudos monográficos que devem iluminar cada processo 
específico; nem como modelo adaptável a toda e qualquer circunstância. Antes 
se apresenta como marco para as reflexões, ponto de partida e não de chegada. 
A tarefa decisiva, já o indicamos, consiste no estabelecimento das mediações 
que articulam a estrutura fundamental com a flutuação dos eventos
38
. 
 Levando em conta a leitura, ainda que superficial e incompleta, de críticas feitas 
a Novais, as impressões pessoais a respeito da magnitude da análise perpetrada pelo 
autor na obra Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial são positivas. É 
inconteste que obras estruturais dessa grandeza e profundidade não agradam a todos, 
ainda mais quando categorizadas como carregadas ideologicamente da maneira como 
essa o é. Os estudos críticos de caráter mais particular podem vir a contribuir com os 
 
36
 COSTA, Emília Viotti. “Introdução ao Estudo da Emancipação Política do Brasil”. In: MOTA, Carlos 
Guilherme (org). Brasil em Perspectiva. São Paulo: Difel, 1980, p.66. 
37DIAS, Maria Odila da Silva. “A interiorização da metrópole”. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) 
1822 Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, p.180. 
38
 NOVAIS, Fernando.” As Dimensões da independência”. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) 1822 
Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. p.24. (Grifo nosso) 
12 
 
estudos que tratam do período, e do mundo colonial como um todo, de diversas e 
frutíferas maneiras, mas isso não diminui de maneira alguma o que a tese de Novais 
conseguiu alcançar, um dos lugares de maior destaque da historiografia nacional. Lugar 
esse que não foi de maneira alguma ameaçado pelo trabalho de seus críticos. 
HATERS GONNA HATE. 
 
BIBLIOGRAFIA 
ALENCASTRO, Luis Felipe de. “Casamento de Velhos”. In: Novos Estudos, n. 59. 
2001. 
CARDOSO, Ciro F. Escravo ou camponês. São Paulo. Brasiliense: 1987. 
MARIUTTI, Eduardo Barros. “Mercado Interno Colonial e Grau de Autonomia: 
Críticas às propostas de João Luís Fragoso e Manolo Florentino”. In: Estudos 
Econômicos. São Paulo. vol 31. n. 2. 2001. 
 
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 
São Paulo: Hucitec, 1995. 
VIEIRA, Luis Otavio. Balanço acerca da leitura da historiografia produzida sobre a 
independência. Projeto de iniciação científica. Universidade de São Paulo. Orientado 
por João Paulo Pimenta. 2013. 
LINKOGRAFIA 
ANDRADE, Leandro B. de. A Historiografia sobre o debate acerca da economia 
colonial brasileira. Universidade Federal de Ouro Preto. Disponível em: 
< http://www.ichs.ufop.br/memorial/trab/h10_5.pdf >. Acesso em: 05/01/14. 
União brasileira de escritores. < http://www.ube.org.br/biografias-detalhe.asp?ID=302 > 
Acesso em: 20/12/13.