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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DO CONHECIMENTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS - SP 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 NATUREZA, OS LIMITES E OS PROBLEMAS DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO4 
1.1 Senso comum ................................................................................................... 5 
1.2 Conhecimento Teológico (religioso) ................................................................. 6 
1.3 Conhecimento filosófico .................................................................................... 7 
1.4 Conhecimento científico.................................................................................... 8 
2 A “VERDADE” EM CIÊNCIA: OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE ........................ 8 
2.1 Critérios de cientificidade ................................................................................ 10 
2.2 Espírito científico: a função da curiosidade ..................................................... 11 
3 O POSITIVISMO .................................................................................................... 14 
3.1 O positivismo: a divinização da ciência........................................................... 14 
3.2 Positivismo social ........................................................................................... 16 
3.3 Positivismo evolucionista ................................................................................ 16 
3.4 Teses fundamentais do positivismo ................................................................ 16 
4 AUGUSTO COMTE ................................................................................................ 18 
4.1 Obras .............................................................................................................. 19 
4.2 A Lei dos Três Estados ................................................................................... 20 
4.3 A classificação das Ciências ........................................................................... 22 
4.4 A religião da humanidade ............................................................................... 23 
5 O POSITIVISMO NO BRASIL ................................................................................ 24 
6 JOHN STUART MILL.............................................................................................. 25 
6.1 A crítica ao silogismo e o princípio da uniformidade da natureza ................... 27 
6.2 O utilitarismo de Stuart Mill ............................................................................. 28 
7 ORIGEM DA DIALÉTICA ........................................................................................ 29 
7.1 O Trabalho ...................................................................................................... 37 
7.2 A Alienação ..................................................................................................... 41 
 
 
 
7.3 A Totalidade .................................................................................................... 45 
7.4 A Contradição E A Mediação .......................................................................... 49 
7.5 A “fluidificação” dos conceitos ........................................................................ 52 
7.6 As Leis Da Dialética ........................................................................................ 56 
7.7 O Sujeito E A História ..................................................................................... 59 
8 METODOLOGIA DAS CIENCIAS SOCIaiS ............................................................ 64 
8.1 Atualidade De Max Weber .............................................................................. 64 
8.2 Roscher e Knies e os problemas lógicos de Economia Política Histórica 
(1903/6)................................................................................................................
......69 
8.3 A objetividade cognoscitiva da Ciência Social e da Política Social ................. 74 
8.4 Estudos críticas sobre a lógica das Ciências da Cultura ................................ 75 
8.5 Stammler e a superação da concepção materialista da História .................... 81 
8.6 A teoria sobre o limite do aproveitamento e a "Lei Fundamental da Psicofísica"
 ........................................................................................................................ 87 
9 PESQUISA EM COMUNICAÇÃO ........................................................................... 88 
9.1 Teoria e filosofia da comunicação .................................................................. 88 
9.2 A Dupla Hermenêutica Da Pesquisa Em Comunicação ................................. 89 
9.3 Tradições Intelectuais Através Dos Século ..................................................... 92 
9.4 Concepções Interdisciplinares Através Das Décadas .................................... 94 
9.5 O Processo De Comunicação ......................................................................... 97 
9.6 O Processo De Pesquisa .............................................................................. 101 
REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 104 
 
 
4 
 
1 NATUREZA, OS LIMITES E OS PROBLEMAS DO CONHECIMENTO 
CIENTÍFICO 
É próprio do homem produzir conhecimento. Este conhecimento constitui o 
patrimônio histórico-cultural da humanidade, resultante de um processo cumulativo, 
decorrente de toda a história da vida humana. De fato, o homem vem, 
incessantemente, construindo conhecimento, produzindo arte, ciência e tecnologia, 
organizando o espaço físico e social. 
 
 Fonte: revistamelhor.com.br 
Todavia, para que a sociedade possa caminhar e desenvolver-se, é 
imprescindível que todos tenham acesso a esse conhecimento, cuja apropriação pode 
dar-se de diversas maneiras. O conhecimento possui dois elementos básicos: um 
sujeito e um objeto. O sujeito é o homem, o ser racional e cognoscente; o objeto é a 
O domínio do conhecimento possibilita ao homem não só conhecer o mundo, 
mas também compreender, explicar e transformar sua própria realidade. 
 
 
5 
 
realidade na qual vive. Existe relação estreita entre o sujeito e objeto; o homem só é 
sujeito quando está conhecendo o objeto, e a realidade só se torna objeto quando é 
conhecida pelo sujeito. Tipos de conhecimento: senso comum, teológico (religioso), 
filosófico e científico Entre os conhecimentos que o homem produz na tentativa de 
explicar e compreender o mundo, dar sentido para as coisas, destacam-se: 
 O senso comum, 
 O teológico (religioso), 
 O conhecimento filosófico e 
 O conhecimento científico. 
1.1 Senso comum 
É o modo espontâneo e pré-crítico de conhecer. Todo homem, no percurso de 
sua existência, acumula conhecimentos e experiências daquilo que viveu, viu e ouviu 
de outras pessoas, interiorizando as tradições da sociedade. Assim, o senso comum 
refere-se a opiniões individuais e subjetivas das pessoas sobre as coisas e os 
acontecimentos, como resultado de suas próprias experiências. É um conhecimento 
que se adquire independentemente de estudos ou pesquisas, entendido como sendo 
aquele que aborda os fatos sem lhes investigar as causas, sem recorrer à 
fundamentação técnica, sistemática ou objetiva. 
Também chamado de “vulgar”, “popular” e “empírico” é o conhecimento do 
dia-a-dia, do cotidiano, da vida das pessoas (...) Faz parte da tradição de uma 
comunidade e resulta de simples transmissão de uma geração a outra. 
(BARBOSA, 2006, p. 45) 
 
 Fonte: meugibi.com.br 
 
6 
 
Tais características, entretanto, não devem fazer supor que este tipo de 
conhecimento seja desprezível ou desprovido de significação. O senso comum: 
(. . .) é a primeira compreensão do mundo resultante da herança fecunda de 
um grupo social e das experiênciasatuais que continuam sendo efetuadas. 
Pelo senso comum, fazemos julgamentos, estabelecemos projetos de vida 
adquirimos convicções e confiança para agir. (ARANHA; MARTINS, 1992, 
p.56). 
Apesar do senso comum não poder ser desprezado, pois é a partir dele que o 
indivíduo acumula conhecimento e experiências de vida, ele é muito subjetivo e 
pessoal. Uma opinião pessoal não pode ser considerada como verdade, a menos que 
seja demonstrada cientificamente. Já os conhecimentos teológicos (religioso) e 
filosófico são inexperimentáveis, pois dependem do exercício do pensamento e advém 
da necessidade de transcendência que o homem possui; é um exercício de pensar os 
acontecimentos além de suas aparências. 
1.2 Conhecimento Teológico (religioso) 
É a crença em divindades, forças superiores, manifestações divinas. Esse tipo 
de conhecimento não admite questionamentos, não se baseia na razão e sim, na Fé. 
A “verdade” surge da revelação 
 
 Fonte: pt.lifeder.com.br 
http://www.pt.lifeder.com.br/
 
7 
 
1.3 Conhecimento filosófico 
Busca respostas na reflexão dos homens sobre si mesmos e sobre a realidade. 
Os temas de reflexão filosóficos mudam na medida em que o contexto histórico se 
transforma 
Quanto ao objeto de conhecimento da filosofia, pode-se indicá-lo como sendo 
o tudo. Procura-se conhecer o ser e o não ser, o bem e o mal, o mundo dos 
seres, dos homens. As proposições filosóficas são situadas em um contexto 
cultural que considera o homem inserido na história. A filosofia é, pois, uma 
reflexão crítica também da sociedade, da política, do direito e da educação, 
e é o seu fundamento. (BARROS; LEHFELD, 2000, p.35) 
 
Fonte: cultura.culturamix.com.br 
Pode-se pensar filosoficamente a ciência, a arte, a religião, o homem etc. e 
quando assim se procede, procura-se conhecer as causas primeiras dos fenômenos, 
contrariamente ao que sucede com o conhecimento científico, que fica restrito às 
causas próximas, às suas particularidades. Ao mesmo tempo em que produz 
conhecimentos, o homem interroga-se a respeito de sua validade: o que é a verdade? 
Pode-se confiar na capacidade cognitiva do ser humano? Quando os conhecimentos 
advindos dela podem ser considerados verdadeiros? Historicamente, desde os 
primeiros filósofos até os nossos dias, debatesse o problema: a verdade está no objeto 
ou na relação do sujeito com o objeto? Este debate é fecundo, fazendo com que 
http://www.cultura.culturamix.com.br/
 
8 
 
surjam diversas interpretações sobre a questão da verdade e da validade do 
conhecimento. Cada pensador, cada corrente filosófica, cada cientista responde a 
essas questões de maneira diferente. 
 
E é até bom que não seja assim, para que os conceitos e achados científicos 
sejam exaustivamente testados, comprovados, reduzindo as margens de erros. Toda 
essa polêmica, tratada aqui de maneira bastante ligeira, na medida em que desafia o 
espírito humano e provoca divergências aparentemente inconciliáveis, é benéfica e só 
tem estimulado o aprofundamento de questões ligadas à epistemologia e à filosofia 
da ciência. 
1.4 Conhecimento científico 
O conhecimento científico, ao contrário do conhecimento comum: 
Busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações 
universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever 
acontecimentos e, consequentemente, também agir sobre a natureza 
(ARANHA; MARTINS, 1992, p.89) 
Busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações 
universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos 
e, consequentemente, também agir sobre a natureza (ARANHA; MARTINS, 1992, 
p.89) 
2 A “VERDADE” EM CIÊNCIA: OBJETIVIDADE E SUBJETIVIDADE 
Ao contrário do uso pouco rigoroso que o homem comum faz da palavra ciência 
em seu cotidiano, no meio acadêmico, esta palavra é tomada no seu sentido estrito: 
trata-se de uma forma de conhecimento sistemático dos fenômenos naturais, sociais, 
biológicos, matemáticos, físicos e químicos, pelos quais se pode chegar a um conjunto 
de conclusões lógicas, demonstráveis por meio de pesquisas. 
Nem todos os pensadores e cientistas chegam às mesmas conclusões sobre 
as questões que envolvem as “verdades”. 
 
9 
 
(...) a ciência busca um ideal de comunicação universal: a linguagem 
científica comunica informação a quem quer que possa entende-la, mercê de 
um treinamento anterior (...) a comunicação dos resultados e das técnicas da 
ciência serve não apenas para divulgar, mas também para multiplicar as 
possibilidades da confirmação ou refutação do conhecimento que está sendo 
comunicado por parte da comunidade científica (...)” (MOREIRA, 2004, p. 10) 
Por mais que a mensagem, ou a ciência seja "objetiva", não devemos esquecer 
que, no momento exato em que a pessoa - o sujeito - toma consciência de sua 
existência, está se torna também, "subjetiva". Cada ser possui sua própria visão de 
realidade, seu modo de guardar informações, baseado em sua experiência de vida. 
Ou seja, todos os esforços buscando a objetividade e caráter universal do 
conhecimento tornam-se nulos no momento em que atingem seu objetivo, a 
divulgação. Isso ocorre, pois, milhares de pessoas com milhares de experiências de 
vida diferentes irão criar interpretações pessoais das mais variadas categorias. Assim, 
as verdades científicas são provisórias, pois são datadas, ou seja, com as 
transformações sociais, políticas, econômicas e culturais nos diferentes contextos 
históricos, as ciências se transformam e, consequentemente, as verdades também 
sofrem alterações. 
 
 Fonte: andersonhander.wordpress.com.br 
 
10 
 
2.1 Critérios de cientificidade 
Um dos requisitos primordiais para um assunto ou fato estudado alcançar o 
estatuto da ciência é a utilização de métodos científicos. O entendimento do método 
passou a ser condição necessária ao estabelecimento de limites, na demarcação do 
que se considera científico ou não. 
Nos dias de hoje, muitas áreas da ciência se sobrepõem de tal forma que 
estudiosos de áreas diferentes podem se dedicar a um mesmo tipo de 
problema, com pontos de vistas distintas (OLIVEIRA, 1997, p.48). 
Se diversos são os enfoques, diversos também os modos de se levantar fatos 
e de se produzir ideias. Ou seja, as formas de procedimentos técnico e lógico do 
raciocínio científico são variadas, como vários são os métodos3 para o 
desenvolvimento da ciência. O método guia o trabalho intelectual (produção das 
ideias, experimentos e teorias) e avalia os resultados obtidos. No processo de 
produção do conhecimento, o pesquisador elege o método que lhe parece mais 
apropriado à natureza do assunto que vai estudar. Método e conteúdo devem estar 
relacionados, uma vez que, tão importante quanto o conhecimento, é a maneira como 
se chegou a ele. 
O estudante pesquisador deve compreender que se existem diversos métodos 
para a realização de pesquisas que buscam contribuir para o desenvolvimento das 
ciências, algumas questões são fundamentais e devem ser respondidas para uma 
maior compreensão do que é ciência e da importância da ciência, tais como: 
 Afinal, quais são os critérios de cientificidade? 
 O que diferencia teorias científicas de outros tipos de teoria (teorias 
metafísicas e especulativas)? 
 O que leva cientistas a considerar uma teoria melhor do que a outra, quando 
ambas se propõem a explicar os mesmos fenômenos? 
Para responder estes dilemas, a própria comunidade científica / acadêmica 
estabelece critérios para que uma teoria, estudo ou descoberta tenha valor científico, 
tais como: coerência, consistência, originalidade e objetividade, aplicabilidade, 
Todo trabalho científico, seja de natureza teórico conceitual ou de natureza 
empírica, deve esclarecer o caminho percorrido para sua efetivação. 
 
 
11 
 
replicabilidade, além de se submeter, necessariamente, à apreciação crítica da 
comunidadecientífica, após sua imprescindível divulgação. 
2.2 Espírito científico: a função da curiosidade 
A história humana é a história das lutas pelo conhecimento da natureza para 
interpretá-la e para dominá-la. Cada geração recebe um mundo interpretado 
por gerações anteriores. Esta história está constituída por interpretações 
místicas, proféticas, filosóficas, científicas, enfim, por ideologias. Cada 
indivíduo que vem ao mundo já o encontra pensado, pronto: regras morais 
estabelecidas, sociedade organizada, religiões estruturadas, leis codificadas, 
classificações preparadas. No entanto, tal estruturação do mundo não 
justifica a alguém se sentir dispensado de repensar este mundo, porque caso 
contrário tem-se o lugar comum, a mediocridade e, o que é pior, a alienação. 
(BASTOS; KELLER, 2000, p.54) 
A ciência experimental surgiu e desenvolveu-se no início do século XVII, 
sempre imersa nas discussões filosóficas que tratavam sobre os limites do raciocínio 
científico, sobre o que a ciência considerava como verdade e questionava a 
capacidade do homem em conhecer o universo através dos seus falhos instrumentos 
pessoais. Havia uma urgente necessidade de aperfeiçoar os sentidos físicos: visão, 
audição e tato, bem como amplificar o poder por meio das máquinas. 
 
Fonte: vivianefreitas.com.br 
 
 
12 
 
O espírito humano, sempre curioso e duvidando de tudo, tentava se apoiar nas 
variadas filosofias, na tentativa de encontrar soluções para os problemas humanos. 
Apesar de todos os avanços nos campos das ciências, foi somente no século XX que 
a filosofia científica ganhou autonomia como disciplina. A ciência passou a ser um 
fator de história e de cultura entrelaçando-se com concepções de ordem moral, 
política e ética. A curiosidade passa a ter função especial para o cientista, uma vez 
que é fundamental para o desenvolvimento da própria ciência obter o perfeito 
entendimento de determinada teoria, estabelecendo-se por vezes o confronto com 
outras teorias no passado ou no presente A evolução constante do homem, por meio 
do conhecimento científico tem aumentado a longevidade, solucionado problemas 
seculares e, consequentemente, levará a humanidade a padrões de vida cada vez 
melhores. Pelo menos é este o objetivo da ciência. O ser humano vive em constantes 
questionamentos sobre a própria existência e deseja ansiosamente encontrar 
respostas e, para isso, cria representações da realidade que percebe e a isso chama 
de conhecimento. Esse conhecimento sistematizado, comprovado por outras 
pessoas, chama-se conhecimento científico. 
O conhecimento científico é aquele que resulta da investigação científica, seus 
métodos e técnicas. Deriva da necessidade de achar soluções para os diversos 
problemas do dia-a-dia e também de explicar de modo sistematizado e comprovado, 
teorias capazes de replicação, testagem e de comprovação empírica. Desta forma, o 
conhecimento científico surge não apenas da necessidade de encontrar soluções para 
problemas de ordem prática da vida diária, mas do desejo de fornecer explicações 
sistemáticas que possam ser testadas e criticadas por meio de provas empíricas. Essa 
busca do ser humano para achar solução para os seus problemas levou ao 
desenvolvimento do conhecimento científico, que ajuda na solução dos problemas. 
Paradoxalmente, muitos homens têm criado problemas no uso de muitas descobertas 
e invenções. Mas é o mau uso que traz consequências indesejáveis. Certamente o 
bom uso das descobertas e criações humanas traz bem-estar, saúde e conforto. Dê 
uma olhada ao seu redor: a luz elétrica, o celular, o computador, o avião, a Internet, 
não são boas soluções? A investigação científica se inicia quando se descobre que 
os conhecimentos existentes originários, quer do senso comum, quer do corpo de 
conhecimentos existentes na ciência, são insuficientes para explicar os problemas 
surgidos. O conhecimento prévio que nos lança a um problema pode ser tanto do 
 
13 
 
conhecimento ordinário quanto do científico. Quando o homem sai de uma posição 
meramente passiva, de testemunha dos fenômenos, sem poder de ação ou controle 
dos mesmos, para uma atitude racionalista e lógica, que busca entender o mundo por 
meio de questionamentos, é que surge a necessidade de se propor um conjunto de 
métodos que funcionem como uma ferramenta adequada para essa investigação e 
compreensão do mundo que o cerca. O homem quer ir além da realidade 
imediatamente percebida e lançar princípios explicativos que sirvam de base para a 
organização e classificação que caracteriza o conhecimento. Por meio desses 
métodos se obtêm enunciados, teorias, leis, que explicam as condições que 
determinam a ocorrência dos fatos e dos fenômenos associados a um problema, 
sendo possível fazer predições sobre esses fenômenos e construir um corpo de novos 
enunciados, quiçá novas leis e teorias, fundamentados na verificação dessas 
predições, e na correspondência desses enunciados com a realidade fenomenal. A 
ciência se vale da crítica persistente que persegue a localização dos erros, por meio 
de procedimentos rigorosos de testagem que a própria comunidade científica reavalia 
e aperfeiçoa constantemente. 
Esse método crítico de constante identificação de dificuldades, contradições e 
erros de uma teoria, garante à ciência uma confiabilidade. O que se opõe ao espírito 
científico é o dogma, que bloqueia a crítica por se julgar auto-suficiente e clarividente 
na sua compreensão do mundo, e acaba por impedir eventuais correções e 
aperfeiçoamentos, muitas vezes induzindo ao erro, fraudes, ignorância e 
comportamento intolerante. É, portanto, errôneo achar que a dogmatização de um 
conhecimento é superior só porque é imutável. O verdadeiro espírito científico 
consiste, justamente, em não dogmatizar os resultados de uma pesquisa, mas em 
tratá-los como eternas hipóteses que merecem constante investigação. A curiosidade 
que leva ao desenvolvimento do espírito científico é uma busca permanente da 
verdade, com consciência da necessidade dessa busca, expondo as suas hipóteses 
à constante crítica, livre de crenças e interesses pessoais, conclusões precipitadas e 
preconceitos. Embora não se possam alcançar todas as respostas, o esforço por 
conhecer e a busca da verdade continuam a ser as razões mais fortes da investigação 
científica.1 
 
1 Texto Extraído: PEDERIVA, Ana Barbara Ap. Epistemologia. Disponível em: 
https://arquivos.cruzeirodosulvirtual.com.br/materiais/disc_2010/mat_grad_mpc/unidade2/text
o_teorico.pdf. Acesso em: 11/02/2019 às 14:26h. 
https://arquivos.cruzeirodosulvirtual.com.br/materiais/disc_2010/mat_grad_mpc/unidade2/texto_teorico.pdf
https://arquivos.cruzeirodosulvirtual.com.br/materiais/disc_2010/mat_grad_mpc/unidade2/texto_teorico.pdf
 
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3 O POSITIVISMO 
3.1 O positivismo: a divinização da ciência 
O positivismo foi um movimento filosófico do século XIX que teve como principal 
característica a romantização da Ciência, ou seja, a crença de que ela deveria servir 
como guia exclusiva da vida individual e social do homem: deveria ser, assim, o único 
conhecimento, a única moral, a única religião possível. Exercendo grande influência 
em todo o pensamento europeu, o positivismo tinha em sua essência as ideias 
empiristas, o que o fez ser considerado por alguns estudiosos como um 
desenvolvimento do empirismo. Tendo como principal representante Augusto Comte 
(1789-1857), o movimento positivista espalhou-se por todo o mundo ocidental e 
manifestou-se nas mais diversas áreas do conhecimento. Derivado do latim positum, 
o termo positivismo refere-se àquilo que está posto, situado, que existe na realidade, 
referindo-se, portanto, a tudo o que pode ser observado e experimentado. Esse termo 
foi u utilizado pela primeira vez por Sain t-Simon (1760-1825), um dos fundadores do 
socialismo utópico, para designar o método exato das Ciências e suaextensão para 
a Filosofia, acreditando que o avanço da Ciência determinaria as mudanças políticas, 
sociais, morais e religiosas pelas quais a sociedade deveria passar. 
 
Fonte: ieccmemorias.wordpress.com.br 
 
15 
 
Tendo em vista a definição do termo, fica clara a crítica do positivismo a qualquer 
filosofia metafísica, a qual buscava algo que ultrapassasse a simples aparência dos 
seres, ou seja, a filosofia que buscava uma essência imaterial das coisas por meio da 
razão. Para a filosofia positivista, só é conhecimento aquele que diz respeito ao mundo 
material (empírico), sendo que tudo aquilo que não se possa experimentar não existe 
ou não pode ser conhecido. O positivismo desenvolveu-se plenamente em uma 
Europa que vivia um quadro político de paz substancial, a qual se deu logo após os 
movimentos revolucionários de 1848, conhecidos também como A primavera dos 
povos, e, também, em um contexto de expansão colonial europeia na África e na Ásia. 
Nesse contexto social e político, a Europa vivenciava a concretização de seu 
desenvolvimento industrial, o que trouxe uma mudança radical no modo de ser e de 
viver dos homens, graças aos avanços proporcionados pelo desenvolvimento das 
ciências e pela produção de novas tecnologias. Tais tecnologias modificaram todo o 
modo de produção dentro das indústrias, trazendo como inevitável consequência o 
crescimento vertiginoso das cidades, que se tornaram centros urbanos cada vez mais 
procurados por trabalhadores em busca de novas oportunidades de emprego e renda, 
rompendo com o antigo equilíbrio entre cidade e campo. Larga escala, criando-se 
assim um ciclo virtuoso entre oferta e procura, pois, à medida que a produção 
aumentava, crescia também o número de trabalhadores assalariados, o que, 
consequentemente, gerava mais produção. 
Naquele momento, ocorreram importantes avanços científicos, como na 
Medicina, por exemplo, que encontrou solução para algumas das doenças infecciosas 
que afligiam a humanidade. Foi nesse período também que a Revolução Industrial 
atingiu o auge de seu desenvolvimento, o que mudou radicalmente a vida dos homens. 
O entusiasmo com o progresso da humanidade, visto como algo certo e irrefreável, e 
com a construção de uma vida melhor e mais feliz, a qual seria proporcionada pelos 
avanços científicos, pode ser notado em diversos aspectos da vida humana, tendo-se 
em vista a crença de que todos os problemas seriam resolvidos pelo conhecimento 
científico aplicado na indústria e na educação. De 1830 a 1890, os avanços dos 
conhecimentos nos vários campos do saber se fizeram notáveis. Na Física, os estudos 
de Hertz sobre o Eletromagnetismo e os de Joule e Thomson sobre a Termodinâmica 
foram os grandes destaques. No campo da Biologia, Pasteur desenvolveu a 
microbiologia. Bernard desenvolveu a Fisiologia e a medicina experimental e Darwin, 
 
16 
 
sua Teoria Evolucionista. Nesse momento da História, como sinal do crescente 
conhecimento da Engenharia e de suas tecnologias, foram construídos a Torre Eiffel, 
em Paris, e o canal de Suez, ligando a Europa à Ásia, o Mar Mediterrâneo ao Mar 
Vermelho. O positivismo encontrou, assim, seus principais pontos de apoio na 
estabilidade política da Europa, no notável crescimento das indústrias, no 
desenvolvimento latente das ciências e no aparecimento de novas tecnologias. Visto 
como o romantismo da Ciência, o positivismo acompanhou e estimulou o surgimento 
e a afirmação da organização técnico-industrial da sociedade moderna, o que se 
expressa no otimismo que acompanhou a origem do movimento de industrialização. 
Essa corrente de pensamento pode ser dividida em duas formas históricas essenciais. 
3.2 Positivismo social 
Essa forma de positivismo, representada por Saint-Simon, Augusto Comte e 
John Stuart Mill, surgiu da necessidade de constituir a Ciência como o fundamento de 
uma nova ordenação social e religiosa da sociedade. 
3.3 Positivismo evolucionista 
Essa segunda forma, representada por Spencer, ampliou o conceito de 
progresso do positivismo e lutou por sua imposição em todos os campos da Ciência. 
Os principais representantes do positivismo foram: na França, Augusto Comte (1798-
1857); na Inglaterra, Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903); na 
Alemanha, Jakob Moleschott (1822-1919) e Ernest Haeckel (1834-1919); na Itália, 
Roberto Ardigò (1828-1920). Em cada um desses países, o positivismo mostrou traços 
próprios e desenvolvimentos específicos. Porém, alguns princípios são comuns a 
todas essas ramificações, garantindo ao positivismo seu caráter de movimento 
filosófico. 
3.4 Teses fundamentais do positivismo 
A Ciência é o único conhecimento possível e seu método é o único válido para 
a obtenção do conhecimento verdadeiro. Logo, a busca por causas ou princípios que 
 
17 
 
não sejam acessíveis ao método científico não leva, absolutamente, ao conhecimento. 
A investigação metafísica, ou seja, a busca por verdades que ultrapassam a matéria, 
não tem nenhum valor. O método da Ciência busca descrever os fatos e mostrar as 
relações constantes entre eles, expressando-os em leis que permitem ao homem 
realizar a previsão dos fatos futuros, tese defendida por Comte. No campo da 
evolução, Spencer afirma que as experiências permitem prever a gênese evolutiva 
dos fatos mais complexos a partir dos mais simples, uma vez que a lei advinda da 
observação e da experiência da natureza é a tradução da regularidade observada na 
natureza. Assim, o positivismo baseia-se na identificação das leis causais e no 
domínio sobre os fatos. O método descritivo pode ser aplicado tanto no estudo da 
natureza quanto no estudo da sociedade. Os fatos naturais, além de constituírem as 
relações de causa e efeito no mundo natural, também o fazem no mundo social, nas 
relações entre os homens, o que deixa clara a importância da Sociologia para o 
positivismo. O método da Ciência, por ser o único válido, deve ser estendido a todos 
os campos de indagação e da atividade humana, que, tanto no campo individual 
quanto no social, deve ser guiada por ele. 
O método científico é, portanto, o único capaz de possibilitar a compreensão do 
mundo e também a resolução de seus problemas. Por essa razão, surge a crença de 
que a Ciência é capaz de construir um mundo melhor, resolvendo todos os problemas 
humanos e sociais. O método da Ciência, por ser o único válido, deve ser estendido 
a todos os campos de indagação e da atividade humana, que, tanto no campo 
individual quanto no social, deve ser guiada por ele. O método científico é, portanto, o 
único capaz de possibilitar a compreensão do mundo e também a resolução de seus 
problemas. Por essa razão, surge a crença de que a Ciência é capaz de construir um 
mundo melhor, resolvendo todos os problemas humanos e sociais nesse período, 
acreditava-se que o positivismo construiria um mundo melhor e mais justo, em que 
todos teriam garantidas as melhores condições de vida, proporcionando a plena 
felicidade a todos. Esse estágio de desenvolvimento humano seria inevitável e, por 
isso, o positivismo trazia uma visão messiânica da História, acreditando que o mundo 
positivista era o último e perfeito. O positivismo foi visto como o auge dos ideais 
iluministas que, rompendo com uma concepção idealista de conhecimento, 
valorizavam os fatos empíricos como os únicos capazes de levar ao conhecimento 
verdadeiro, além de valorizarem a fé na racionalidade, o poder da Ciência para 
 
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resolver os problemas humanos e sociais e a cultura como criação exclusivamente 
humana sem a interferência da divindade. De uma forma geral, o positivismo pecou 
pela confiança acrítica na Ciência, vista como aquela que produziria um novo mundo 
pelo progresso. A inevitabilidade de fendida pelo positivismo era considerada 
inquestionável, o que fugia ao espírito da própria Filosofia. O pensamento positivista 
levou à formulaçãode críticas a todo o conhecimento que não fosse real e 
empiricamente comprovado. Assim, ainda que o positivismo tenha caído, mais tarde, 
em uma concepção metafísica de igual proporção, a metafísica e qualquer concepção 
idealista de mundo eram combatidas como formas inferiores e antiquadas de 
pensamento. Alguns marxistas criticaram o positivismo ao vislumbrar, nessa 
concepção de progresso inevitável, a concretização dos ideais burgueses e 
dominadores. No positivismo, a Teologia e a Metafísica foram substituídas pelo culto 
à Ciência, considerada a única capaz de compreender o mundo. O mundo espiritual 
foi, assim, substituído pelo mundo humano, e as ideias de espírito ou essência foram 
substituídas pela ideia de matéria. 
4 AUGUSTO COMTE 
Nascido em 19 de janeiro de 1798, em Montpellier, França, membro de uma 
modesta família católica, Augusto Comte ficou conhecido como o fundador da 
Sociologia e como o maior representante do positivismo enquanto movimento 
filosófico. 
 
 Fonte: ifestradas.wordpress.com.br 
http://www.ifestradas.wordpress.com.br/
 
19 
 
Apesar da educação religiosa recebida, afastou-se da fé católica aos 14 anos 
de idade, ingressando, em 1814, na Escola Politécnica de Paris (École 
Polytechnique), a qual exerceu forte influência sobre seu pensamento. Comte foi 
expulso dessa escola em 1816 por participar de um motim realizado pelos alunos em 
uma época marcada pelas mudanças políticas pós-napoleônicas. Retornou em 
seguida à sua cidade natal, onde estudou Medicina por pouco tempo. Em 1817, 
retornou a Paris, passando a sobreviver de seu trabalho como professor particular de 
Matemática e escrevendo para alguns jornais. 
Aqueles foram tempos tortuosos para Comte, que passava por necessidades 
financeiras, tendo de recorrer constantemente ao dinheiro enviado pela mãe para 
sobreviver. Durante certo tempo, foi secretário de um banqueiro na cidade e, de 1818 
a 1824, tornou-se secretário do socialista utópico Conde de Saint-Simon, sobre o qual 
teceu duras críticas mais tarde. Em 2 de abril de 1826, iniciou seu curso público de 
Filosofia Positiva. Abandonado pela mulher, sofreu sérias perturbações mentais, 
suspendendo o curso de Filosofia, o qual retomou somente em 1829, tendo mantido-
o até 1842, período de publicação da redação do curso. Em 1844, começou seu 
envolvimento amoroso com Clodilde de Vaux, que faleceu no ano seguinte, vítima de 
tuberculose. Com a morte da amada, Comte vivenciou maus momentos, o que 
influenciou fortemente para que seu pensamento se tornasse uma espécie de 
misticismo, com a consequente fundação da religião da humanidade em 1852. Comte 
faleceu em 5 de setembro de 1857, em Paris, possivelmente acometido de câncer. 
Sua última casa, situada à Rua Monsieur-le -Prince, nº 10, em Paris, foi 
posteriormente adquirida por alguns positivistas e transformada no Museu Casa de 
Augusto Comte. 
4.1 Obras 
 Planos de trabalhos científicos para reorganizar a sociedade, 1822. 
 Curso de filosofia positiva, sua obra-prima, publicado em seis volumes, escrito 
de 1830 a 1842. 
 Discurso sobre o espírito positivo, 1844. 
 Discurso sobre o conjunto do positivismo, 1948, reunindo, no 4º volume, seis 
opúsculos editados de 1819 a 1828. 
 
20 
 
 Sistema de política positiva, instituindo a religião da humanidade, em quatro 
volumes, escritos de 1851 a 1854. 
 Catecismo positivista ou sumária exposição da religião da humanidade, 1852. 
 Síntese subjetiva ou sistema universal de concepções próprias ao estado 
normal da humanidade, 1856. 
Além dessas obras, há três outras publicadas postumamente. 
4.2 A Lei dos Três Estados 
A ideia-chave do positivismo comtiano é a Lei dos Três Estados, a qual ele 
chamava, inclusive, de “minha grande lei”. De acordo com a teoria comtiana, a 
humanidade vivenciou três estágios de concepções sobre o mundo, sendo que em 
cada estágio haveria a ideia de futuro enquanto progresso e, portanto, o estágio 
posterior seria sempre melhor e mais perfeito do que o anterior. O conhecimento do 
mundo aprimorou-se ao longo do tempo, o que levou ao consequente aprimoramento 
das concepções sobre o mundo. A humanidade avançou de uma condição rudimentar 
e bárbara para uma condição civilizada de mundo, progresso este que se manifestou 
no aprimoramento constante dos homens e de suas visões sobre a realidade, o que 
explicaria, inclusive, as transformações da História. A lógica que permeia essa teoria 
é a de que a humanidade, enquanto não houvesse atingido o auge de seu 
desenvolvimento, conheceria o mundo de forma imperfeita. Porém, essas formas 
imperfeitas iriam sendo substituídas por outras melhores até que a humanidade 
chegasse ao último estágio do conhecimento, em que as antigas superstições e os 
pré-conceitos tornassem-se desnecessários e obsoletos. Os estágios da humanidade 
são: 
1º estado – Teológico: Nesse estágio, o ser humano explica a realidade apelando 
para entidades sobrenaturais (os “deuses”). Busca-se, dessa forma, o absoluto e as 
causas primeiras e finais representadas por questões como “de onde viemos? ” E 
“para onde vamos? ”. No estágio teológico, os fenômenos são vistos como produtos 
da ação direta de seres sobrenaturais cuja vontade arbitrária comanda a realidade. 
2º estado – Metafísico: O estágio metafísico é uma espécie de meio-termo entre o 
estado teológico e o positivo. No lugar dos deuses, há a presença de entidades 
abstratas, como essência e substância dos seres, para explicar a realidade. 
 
21 
 
Permanece, no entanto, a busca por respostas às questões “de onde viemos? ” E 
“para onde vamos? ”. Procura-se, assim, o absoluto, com a diferença de que este não 
é mais uma divindade, mas sim conceitos abstratos como essência e ideias. Para 
Comte, as explicações teológicas ou metafísica são ingenuamente psicológicas, 
possuindo importância, sobretudo histórica, como crítica e negação da explicação 
teológica precedente, mas não encerrando a verdade em si mesmas. Nesse segundo 
estágio, fala-se de natureza, de povo, etc. como conceitos abstratos e absolutos. 
3º estado – Positivo: Essa é a etapa final e definitiva do conhecimento sobre o mundo, 
na qual não se busca mais o “porquê” das coisas, mas sim o “como” elas são. Esse 
conhecimento se estabelece por meio das descobertas e do estudo das leis naturais, 
ou seja, das relações de causa e efeito a que todas as coisas estão submetidas. Nesse 
estágio, que consiste no apogeu das etapas anteriores, a imaginação é excluída e 
prioriza-se a observação dos fenômenos concretos, encontrando-se, assim, as leis 
por detrás de seu funcionamento. 
Para Comte, esses estágios são necessários para a evolução da humanidade 
e do homem, representando fases de compreensão da realidade que se sucedem 
rumo à perfeição do saber. Assim, sua Lei dos Três Estágios serviria para 
compreender o desenvolvimento do homem, o qual estaria no estado teológico em 
sua infância, no metafísico em sua juventude e no positivo em sua maturidade. 
Segundo Comte, a época em que ele vivia já passava pelo estágio positivo e, assim, 
qualquer forma de conhecer a realidade que não fosse pela Ciência deveria ser 
extinta, já que o progresso e a construção de um mundo perfeito ocorreriam apenas 
como consequência do conhecimento científico. 
 
 
É no estado positivo que o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de 
obter conhecimentos absolutos, renuncia a perguntar qual é sua origem, qual o 
destino do universo e quais as causas íntimas dos fenômenos para procurar 
somente descobrir, com o uso bem combinado do raciocínio e da observação, 
suas leis efetivas, isto é, suas relações invariáveis de sucessão e semelhança. 
COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva. 2. ed. São Paulo: Abril 
cultural, 1983. p. 20. Coleção Os Pensadores. 
 
 
22 
 
4.3 A classificação das Ciências 
Comte classificou as Ciências a partir das mais geraispara as menos gerais, de 
acordo com a generalidade do seu objeto. Logo, segundo essa concepção, a mais 
geral de todas as Ciências seria a Matemática, seguida da Astronomia, da Física, da 
Química, da Biologia e da Sociologia, com objetos progressivamente menos gerais, e, 
portanto, mais complexos. Partindo dessa classificação, a Sociologia comtiana figura 
como a mais complexa de todas as Ciências. Para Comte, os caminhos para se 
alcançar o conhecimento das leis que regem a sociedade são a observação, o 
experimento e o método comparativo. Segundo o filósofo, para se passar de uma 
sociedade desordenada para uma ordenada, é necessário um conhecimento científico 
sobre tal sociedade e, para que esse conhecimento seja eficaz, deve-se encontrar as 
leis que regem os fenômenos sociais de modo que se perceba as relações de causa 
e efeito no interior dessa sociedade. Comte chama a Sociologia de “física social”, pois, 
assim como a Física encontra as leis dos fenômenos naturais e dos movimentos dos 
corpos, a Sociologia é capaz de encontrar as leis que regem a sociedade. Comte não 
menciona a Filosofia em sua classificação, uma vez que ela tem o papel de 
ordenadora e de instrumento de conhecimento de todas as outras Ciências. 
 
Estudando o desenvolvimento da inteligência humana [...] desde sua primeira 
manifestação até hoje, creio ter descoberto uma grande lei fundamental [...] Esta 
lei consiste no seguinte: cada uma de nossas concepções principais e cada ramo 
de nossos conhecimentos passam necessariamente por três estágios teóricos 
diferentes: o estágio teológico ou fictício, o estágio metafísico ou abstrato e o 
estágio científico ou positivo [...] daí três tipos de filosofia ou de sistemas 
conceituais gerais sobre o conjunto dos fenômenos, que se excluem 
reciprocamente. O primeiro é um ponto de partida necessário da inteligência 
humana; o terceiro é seu estado fixo e definitivo; o segundo destina-se unicamente 
a servir como etapa de transição. 
COMTE, Augusto. Curso de filosofia positiva. 2. ed. São Paulo: Abril cultural, 1983. p. 18. Coleção 
Os pensadores. 
 
 
23 
 
4.4 A religião da humanidade 
Em sua última grande obra, O sistema de política positiva, escrita entre os anos 
1851 e 1854, Comte demonstrou sua crença de que a teoria positiva pudesse produzir 
uma sociedade regenerada. O aperfeiçoamento dos homens se daria por meio da 
Ciência e das leis sociais, as quais assumiriam o papel de religião. Porém, nessa 
religião positiva, não se adoraria uma divindade extraterrena, mas sim a própria 
humanidade. O amor a deus, portanto, presente no estágio teológico, cederia lugar, 
no estado positivo, ao amor à humanidade. Para Comte, a ideia de humanidade 
representa todos os indivíduos que existem, existiram e que ainda irão existir, sendo 
um conceito que engloba mais do que apenas os indivíduos particulares. Todos os 
indivíduos são como células de um grande organismo, a humanidade, que deve ser 
venerada como eram os deuses. Tomando como base a organização do catolicismo, 
como cultos, ritos, hierarquia e doutrina, Comte afirmou que a nova religião da 
humanidade também deveria ter dogmas, os quais consistiriam nas verdades 
científicas e na Filosofia Positiva. Também existiriam sacramentos, como o batismo 
secular, a crisma e a unção dos enfermos, e seriam construídos templos, os institutos 
científicos, dentre outros. 
 
Capela do positivismo ou da religião da humanidade em Porto Alegre, RS. Em sua fachada, a frase de 
Comte: O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim 
 Fonte: pt.wikipedia.org.com.br 
http://www.pt.wikipedia.org.com.br/
 
24 
 
5 O POSITIVISMO NO BRASIL 
O positivismo, enquanto movimento filosófico, espalhou-se por todo o mundo, 
chegando ao Brasil e ocupando lugar de destaque na política e no pensamento 
nacionais durante a passagem do século XIX para o XX. Dentre os mais importantes 
positivistas, destacam-se o Coronel Benjamin Constant, considerado o fundador da 
república brasileira, e os pensadores Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes 
(1855-1927). Além disso, cabe ressaltar que os governos de Deodoro da Fonseca e 
Floriano Peixoto foram especialmente marcados pelas influências positivistas. 
 
A expressão mais clara da influência do positivismo no Brasil figura na própria 
Bandeira Nacional, que traz a máxima política positivista “Ordem e Progresso”, 
originada como uma variação da citação de Comte: “O Amor por princípio e a Ordem 
por base; o Progresso por fim”, que representa o desejo de uma sociedade justa, 
fraterna e progressista. Tal frase conduz ao pensamento de que a ordem das coisas, 
expressa no conhecimento científico a partir das relações de causa e efeito, levaria 
ao progresso inevitável na vida material e na sociedade, sendo está a principal crença 
do positivismo. De acordo com a perspectiva positivista, o progresso é fruto de uma 
atitude racional deliberada, podendo ser alcançado por meio de decisões racionais e 
científica, as quais devem ser tomadas por governos competentes, constituídos de 
pessoas capacitadas. 
A partir da segunda metade do século XIX, as ideias de Augusto Comte 
permearam as mentalidades de muitos mestres e estudantes militares, 
políticos, escritores, filósofos e historiadores. Vários brasileiros adotaram, 
ou melhor, se converteram ao positivismo, dentre eles o professor de 
Matemática da Escola Militar do Rio de Janeiro, Benjamin Constant, o mais 
influente de todos. Tais influências estimularam movimentos de caráter 
republicano e abolicionista, em oposição à monarquia e ao escravismo 
dominante no Brasil. A Proclamação da República, ocorrida através de um 
golpe militar, com apoio de setores da aristocracia brasileira, especialmente 
a paulista, foi o resultado “natural” desse movimento. 
VALENTIM, Oséias Faustino. O Brasil e o positivismo. Rio de Janeiro: Publit, 2010. 
 
 
25 
 
6 JOHN STUART MILL 
Nascido em Londres, em 1806, Stuart Mill teve contato com a Filosofia desde 
muito cedo. Seu pai, James Mill, foi um importante filósofo da corrente utilitarista de 
Jeremy Bentham, o qual havia sido, inclusive, professor de Stuart Mill. Bentham 
considerava o hedonismo (do grego hedonê: prazer, alegria, desejo) psicológico como 
o princípio governante da conduta humana. Para ele, dor e prazer eram os “mestres 
soberanos” da humanidade. Dessa ideia, nasceu a teoria moral do utilitarismo, 
segundo a qual o único fim da conduta humana é alcançar a maior felicidade para o 
maior número de pessoas possível. 
 
 Fonte: novacidadania.com.br 
James Mill queria que o filho se tornasse um gênio, e, para isso, esmerou-se 
em proporcionar a Stuart Mill uma educação apropriada, escolhendo inclusive suas 
amizades. Adepto da teoria da tábula rasa de John Locke, James Mill sabia que o filho 
deveria passar por experiências construtivas para que pudesse desenvolver ideias 
superiores. Por isso, a educação de Stuart Mill foi muito rigorosa, pois ele deveria ser 
aquele a assegurar o sucesso do utilitarismo no futuro. Devido aos planos de seu pai, 
 
26 
 
Stuart Mill foi educado exclusivamente em casa, garantindo a James Mill total 
participação nas etapas da educação intelectual de seu filho. Com apenas três anos 
de idade, Stuart Mill já havia aprendido o alfabeto grego e um grande número de 
palavras nessa língua. Com oito anos, já havia lido Esopo, Xenofonte, Heródoto, 
Diógenes, Isócrates e seis diálogos de Platão, além de muitos livros sobre a História 
da Inglaterra. Foi com essa idade também que aprendeu latim e álgebra, tendo sido 
escolhido como tutor dos membros mais jovens de sua família. Antes mesmo de 
completar dez anos de idade, Stuart Mill já lia livros em latim e em grego que somente 
eram lidos pelos jovens mais velhos nas escolas e nas universidades. Aos dezoito 
anos, começou a estudarLógica, lendo os tratados lógicos de Aristóteles no original 
grego. Estudou Economia através dos trabalhos de Adam Smith e de David Ricardo, 
grandes pensadores utilitaristas e dois dos principais representantes do positivismo 
social na Inglaterra. Ainda com dezoito anos, afirmou, em sua Autobiografia, que era 
uma “máquina lógica”. 
Com 21 anos, Stuart Mill caiu em profunda depressão, recuperando-se 
somente anos depois. James Mill queria que o filho se tornasse um gênio, e, para isso, 
esmerou-se em proporcionar a Stuart Mill uma educação apropriada, escolhendo 
inclusive suas amizades. Adepto da teoria da tábula rasa de John Locke, James Mill 
sabia que o filho deveria passar por experiências construtivas para que pudesse 
desenvolver ideias superiores. Por isso, a educação de Stuart Mill foi muito rigorosa, 
pois ele deveria ser aquele a assegurar o sucesso do utilitarismo no futuro. Devido 
aos planos de seu pai, Stuart Mill foi educado exclusivamente em casa, garantindo a 
James Mill total participação nas etapas da educação intelectual de seu filho. Com 
apenas três anos de idade, Stuart Mill já havia aprendido o alfabeto grego e um grande 
número de palavras nessa língua. Com oito anos, já havia lido Esopo, Xenofonte, 
Heródoto, Diógenes, Isócrates e seis diálogos de Platão, além de muitos livros sobre 
a História da Inglaterra. Foi com essa idade também que aprendeu latim e álgebra, 
tendo sido escolhido como tutor dos membros mais jovens de sua família. Antes 
mesmo de completar dez anos de idade, Stuart Mill já lia livros em latim e em grego 
que somente eram lidos pelos jovens mais velhos nas escolas e nas universidades. 
Aos dezoito anos, começou a estudar Lógica, lendo os tratados lógicos de Aristóteles 
no original grego. Estudou Economia através dos trabalhos de Adam Smith e de David 
Ricardo, grandes pensadores utilitaristas e dois dos principais representantes do 
 
27 
 
positivismo social na Inglaterra. Ainda com dezoito anos, afirmou, em sua 
Autobiografia, que era uma “máquina lógica”. Com 21 anos, Stuart Mill caiu em 
profunda depressão, recuperando-se somente anos depois. 
6.1 A crítica ao silogismo e o princípio da uniformidade da natureza 
Em sua obra Sistema de lógica dedutiva, Mill empenhou-se em criticar o 
silogismo lógico, que tem sua conclusão ou dedução inferida necessariamente das 
premissas do próprio silogismo. Um bom e clássico exemplo de silogismo é: “Todo 
homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal”. Concluir que Sócrates 
é mortal é chegar a uma ideia que já estava contida nas premissas do argumento. 
Partindo desse raciocínio, fica claro que a conclusão dedutiva não acrescenta nada 
às informações presentes nas premissas. Por isso, para Mill, o argumento dedutivo 
ou silogístico é estéril. Stuart Mill afirmava que a verdade da proposição “Todo homem 
é mortal” provinha das experiências, realizadas anteriormente, de observar vários 
homens mortos. Por isso, o filósofo defendia que toda inferência é feita “do particular 
para o particular”, ou seja, em todos os casos, o conhecimento obtido por meio de um 
raciocínio lógico é proveniente de experiências anteriores do mesmo caso. 
A proposição geral de um raciocínio dedutivo não passa, portanto, de um 
conjunto de experiências particulares feitas anteriormente. Com isso, Mill buscou 
defender que todo conhecimento é de natureza empírica. Diante dessa posição 
filosófica, surge, entretanto, uma questão: se todo o conhecimento vem de 
experiências particulares, inclusive as proposições gerais de uma dedução têm sua 
origem em experiências realizadas anteriormente, como é possível ao homem 
generalizar uma dada informação? No exemplo anterior, ao se afirmar que “Todo 
homem é mortal”, faz-se uma generalização, uma vez que é impossível a alguém 
observar todos os casos particulares do mundo para chegar a essa verdade. Como 
solução para esse problema, Mill afirmou que a garantia para que as inferências que 
levam às generalizações ocorram em todos os casos é a de que “o curso da natureza 
é uniforme”, ou seja, a natureza age sempre da mesma maneira, seguindo uma 
mesma causalidade, e é somente graças a esse princípio que se pode alcançar um 
conhecimento por meio da indução lógica. 
 
 
28 
 
6.2 O utilitarismo de Stuart Mill 
O utilitarismo é uma das doutrinas éticas que consideram a felicidade o bem 
maior a ser buscado em toda e qualquer ação. Logo, a ação humana deve ter como 
critério de bem e mal o “princípio da maior felicidade”, conhecido também como 
princípio da utilidade, que encontra suas origens na filosofia de Epicuro. Bentham, 
porém, foi quem desenvolveu essa ideia com maior sistematização. Segundo ele, na 
obra Uma investigação dos princípios da moral e da legislação, de 1789: 
[...]o princípio da maior felicidade é aquele que aprova ou desaprova qualquer 
ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou diminuir a felicidade da 
pessoa cujo interesse está em jogo. BENTHAM, Jeremy. Uma investigação 
dos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril cultural, 1974. p. 4. 
A melhor ação seria, portanto, aquela que proporcionaria maior prazer ou 
felicidade ao indivíduo ou à comunidade, definindo-se o critério de certo ou errado de 
acordo com o maior grau de felicidade para um maior número de pessoas. De acordo 
com Bentham, são sete os critérios utilizados para definir se uma ação irá trazer ou 
não a felicidade, os quais devem auxiliar na avaliação das dores e dos prazeres para 
a tomada de decisão: intensidade, duração, certeza ou incerteza, proximidade ou 
longinquidade, fecundidade, pureza e extensão. Essa posição filosófica de Bentham, 
porém, pode ser facilmente confundida com o hedonismo (a busca do prazer sem se 
preocupar com as consequências posteriores), uma vez que o princípio da maior 
felicidade está ligado ao prazer, e nem tudo o que traz prazer para o homem é 
necessariamente bom. 
Há de se distinguir os tipos de prazeres, como o faz Epicuro, mas de forma 
mais sistemática, de modo que se evite o erro do subjetivismo e do egoísmo, pois, 
aquilo que seria prazer e felicidade para uns, poderia não o ser para outros. Buscando 
justificar a posição ética de seu mestre, Stuart Mill reelabora sua tese, defendendo a 
necessidade de unir ao hedonismo aspectos do estoicismo e do cristianismo. Faz-se 
necessária, assim, uma distinção clara entre os prazeres humanos e os prazeres 
animais. Tal distinção se dá qualitativamente, sendo que os prazeres melhores e 
superiores, chamados por Mill de prazeres mentais, estão ligados ao pensamento, 
enquanto os prazeres inferiores, chamados de prazeres corporais, estão ligados ao 
corpo. Stuart Mill acreditava que o homem deveria buscar em sua vida os prazeres 
que lhe fariam alcançar a felicidade, fazendo a distinção adequada desses prazeres, 
 
29 
 
sendo que os prazeres superiores e mentais é que fariam o homem verdadeiramente 
feliz, embora os prazeres inferiores e corporais não devessem ser deixados de lado, 
precisando apenas ser buscados com moderação e comedimento.2 
7 ORIGEM DA DIALÉTICA 
Dialética era, na Grécia antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte 
de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir 
e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Aristóteles considerava 
Zênon de Eleia (aprox. 490- -430 a.C.) o fundador da dialética. Outros consideram ser 
Sócrates o primeiro (469-399 a.C.). Numa discussão sobre a função da filosofia (que 
estava sendo caracterizada como uma atividade inútil), Sócrates desafiou os generais 
Lachés e Nícias a definirem o que era a bravura e o político Caliclés a definir o que 
era a política e a justiça, para demonstrar a eles que só a filosofia - por meio da 
dialética - podia lhes proporcionar os instrumentos indispensáveis para entenderem a 
essência daquilo que faziam e das atividades profissionais a quese dedicavam. Na 
acepção moderna, entretanto, dialética significa outra coisa: é o modo de pensarmos 
as contradições da realidade, o modo de compreendermos a realidade como 
essencialmente contraditória e em permanente transformação. 
No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga 
foi, sem dúvida, Heráclito de Éfeso (aprox. 540-480 a.C.). Nos fragmentos deixados 
por Heráclito, pode-se ler que tudo existe em constante mudança, que o conflito é o 
pai e o rei de todas as coisas. Lê-se também que vida ou morte, sono ou vigília, 
juventude ou velhice são realidades que se transformam umas nas outras. O 
fragmento ne 91, em especial, tornou-se famoso: nele se lê que um homem não toma 
banho duas vezes no mesmo rio. Por quê? Porquê da segunda vez não será o mesmo 
homem e nem estará se banhando no mesmo rio (ambos terão mudado). Os gregos 
acharam essa concepção de Heráclito muito abstrata, muito unilateral. Chamaram o 
filósofo de Heráclito, o Obscuro. Havia certa perplexidade em relação ao problema do 
movimento, da mudança. O que é que explicava que os seres se transformassem, que 
eles deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram? 
 
2 Texto Extraído: O positivismo: a divinização da ciência. Filosofia. Colégio Práxis. Disponível: 
https://colegiopxsflamboyant.com.br/Documentos/Capitulo12.pdf. Acesso em: 11/02/2018 às 15:28h. 
https://colegiopxsflamboyant.com.br/Documentos/Capitulo12.pdf
 
30 
 
Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora, negando a 
existência de qualquer estabilidade no ser. Os gregos preferiram a resposta que era 
dada por um outro pensador da mesma época: Parmênides. Parmênides ensinava 
que a essência profunda do ser era imutável e dizia que o movimento (a mudança) 
era um fenômeno de superfície. Essa linha de pensamento que podemos chamar de 
metafísica - acabou prevalecendo sobre a dialética de Heráclito. A metafísica não 
impediu que se desenvolvesse o conhecimento científico dos aspectos mais estáveis 
da realidade (embora dificultasse bastante o aprofundamento do conhecimento 
científico dos aspectos mais dinâmicos e mais instáveis da realidade). De maneira 
geral, independentemente das intenções dos filósofos, a concepção metafísica 
prevaleceu, ao longo da história, porque correspondia, nas sociedades divididas em 
classes, aos interesses das classes dominantes, sempre preocupadas em organizar 
duradouramente o que já está funcionando, sempre interessadas em “amarrar” bem 
tanto os valores e conceitos como as instituições existentes, para impedir que os 
homens cedam à tentação de querer mudar o regime social vigente. A concepção 
dialética foi reprimida historicamente: foi empurrada para posições secundárias, 
condenada a exercer uma influência limitada. A metafísica se tornou hegemônica. Mas 
a dialética não desapareceu. 
 
 
 Fonte: filosofia.com.br 
 
31 
 
Para sobreviver, precisou renunciar às suas expressões mais drásticas, precisou 
conciliar com a metafísica, porém conseguiu manter espaços significativos nas ideias 
de diversos filósofos de enorme importância. Aristóteles, por exemplo, um pensador 
nascido mais de um século depois da morte de Heráclito, reintroduziu princípios 
dialéticos em explicações dominadas pelo modo de pensar metafísico. Embora menos 
radical do que Heráclito, Aristóteles (384-322 a.C.) foi um pensador de horizontes mais 
amplos que o seu antecessor; e é a ele que se deve, em boa parte, a sobrevivência 
da dialética. Aristóteles observou que nós damos o mesmo nome de movimento a 
processos muito diferentes, que vão desde o mero deslocamento mecânico de um 
corpo no espaço, desde o mero aumento quantitativo de alguma coisa, até a 
modificação qualitativa de um ser ou o nascimento de um ser novo. Para explicar cada 
movimento, precisamos verificar qual é a natureza dele. Segundo Aristóteles, todas 
as coisas possuem determinadas potencialidades; os movimentos das coisas são 
potencialidades que estão se atualizando, isto é, são possibilidades que estão se 
transformando em realidades efetivas. 
 
Fonte: neinordin.com.br 
Com seus conceitos de ato e potência, Aristóteles conseguiu impedir que o 
movimento fosse considerado apenas uma ilusão desprezível, um aspecto superficial 
da realidade; graças a ele, os filósofos não abandonaram completamente o estudo do 
lado dinâmico e mutável do real. Nas sociedades feudais, entretanto, durante os 
séculos da Idade Média, a dialética sofreu novas derrotas e ficou bastante 
 
32 
 
enfraquecida. No regime feudal, a vida social era estratificada, as pessoas cresciam, 
viviam e morriam fazendo as mesmas coisas, pertencendo à classe social em que 
tinham nascido; quase não aconteciam alterações significativas. A ideologia 
dominante - a ideologia das classes dominantes - era monopólio da Igreja elaborada 
dentro dos mosteiros por padres que levavam uma vida muito parada. Por isso, a 
dialética foi sendo cada vez mais expulsa da filosofia. A própria palavra dialética se 
tornou uma espécie de sinônimo de lógica (ou então passou a ser empregada, em 
alguns casos, com o significado pejorativo de “lógica das aparências”). No regime de 
cidade-Estado, da Grécia antiga, embora houvesse estratificação social, havia uma 
ampla circulação tanto de mercadorias como de ideias: o comércio e a discussão 
sobre os problemas de interesse coletivo faziam parte da vida dos cidadãos. No 
regime feudal, a vida nas cidades sofreu um esvaziamento; e no campo havia pouco 
comércio e poucas oportunidades para discutir organizadamente. O número dos 
cidadãos que debatiam era reduzido e as ideias discutidas ficaram um tanto 
desligadas da vida prática. 
A dialética ficou sufocada. Para sobreviver, ela precisou lutar para assegurar à 
filosofia um espaço próprio, que não ficasse diretamente dominado pelo imperialismo 
da teologia (ideologia dominante, na época). Um dos ideólogos mais famosos do 
século XI, Petrus Damianus (1007-1072), dizia que, para o ser humano, a única coisa 
importante era a salvação da sua alma; que a maneira mais segura de salvar a alma 
era se tornar monge; e que um monge não precisava de filosofia. O árabe Averróis e 
o francês Abelardo procuraram, por caminhos muito diferentes, defender o espaço da 
filosofia, sem desafiar a teologia. Averróis (1126-1198), apoiando-se em Aristóteles, 
afirmou que a versão filosófica da Verdade não precisava coincidir, de maneira 
imediata e total, com sua versão teológica. Abelardo (1079-1142) conseguiu discutir 
longamente sobre as relações entre as categorias universais e as coisas singulares 
em termos de pura lógica, mostrando assim, na prática, que existiam problemas 
importantes cuja abordagem não precisava da teologia. No século XIV, a vida 
começou a se modificar, o comércio se desenvolveu e sacudiu os hábitos da 
sociedade feudal. Os filósofos refletem isso. Guilherme de Occam (aprox. 1285-1349) 
é típico da nova situação que estava surgindo; sua vida é bem mais movimentada que 
a da maioria dos filósofos medievais: ele estudou na Inglaterra (em Oxford), viveu na 
França (em Avignon), andou às turras com o papa, fugiu para Pisa (na Itália) e acabou 
 
33 
 
morrendo em Munique (na Alemanha). Occam sustentava que, exatamente porque 
Deus é todo-poderoso e porque a vontade de Deus não pode ter limites, tudo no 
mundo é contingente, tudo poderia ser diferente do que é (se Deus quisesse); por 
isso, a teologia (que tratava de Deus) não devia interferir — segundo Occam — no 
estudo das coisas contingentes do mundo empírico. A chamada “revolução 
comercial”, esboçada no século XIV deflagrou-se no século XV e suas consequências 
marcaram profundamente o século XVI. Foi a época do Renascimento e da 
descoberta da América. As artes e as ciências se insurgiram contraos hábitos mentais 
da Idade Média: mostraram que o universo era muito maior e mais complicado do que 
os ideólogos medievais pensavam; e mostraram que o ser humano era 
potencialmente muito mais livre do que eles imaginavam. O movimento voltou a se 
impor à reflexão e ao debate, tornou-se outra vez um tem a fundamental. O astrônomo 
polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) descobriu que Ptolomeu tinha se enganado, 
que a Terra nem era imóvel nem era o centro do universo, que ela girava em torno do 
Sol. 
 
 Fonte: galeriadometeorito.com.br 
Galileu (1564-1642) e Descartes (1596-1650) descobriram que a condição natural 
dos corpos era o movimento e não o estado de repouso. A maneira de conceber o ser 
humano também sofreu importantes alterações. Pico delia Mirandola (1463-1494) 
sustentou que o fato de o homem ser “inacabado” e, portanto, pode evoluir, lhe 
 
34 
 
conferia uma dignidade especial e lhe dava até certa vantagem em comparação com 
os deuses e anjos (que são eternos, perfeitos e por isso não mudam). Giordano Bruno 
(1548-1600) exaltou o homo faber, quer dizer, o homem capaz de dominar as forças 
naturais e de modificar criadoramente o mundo. Com o Renascimento, a dialética 
pôde sair dos subterrâneos em que tinha sido obrigada a viver durante vários séculos: 
deixou o seu refúgio e veio à luz do dia. Conquistou posições que conseguiu manter 
nos séculos seguintes. O caráter instável, dinâmico e contraditório da condição 
humana foi corajosamente reconhecido por um pensador místico e conservador, como 
Pascal (1623-1654). Outro filósofo conservador, o italiano Giambattista Vico (1680-
1744), também ajudou a dialética a se fortalecer. Vico achava que o homem não podia 
conhecer a natureza, que tinha sido feita por Deus e só por Deus podia ser 
efetivamente conhecida; mas sustentava que o homem podia conhecer sua própria 
história, já que a realidade histórica é obra humana, é criada por nós. Essa formulação 
constituiu um poderoso estímulo à busca de um método adequado à correta 
compreensão da realidade histórica (quer dizer, à elaboração do método dialético). 
Elementos de dialética se encontram no pensamento de diversos filósofos do século 
XVII, como Leibniz (1646-1716), Spinoza (1632-1677), Hobbes (1588- -1679) e Pierre 
Bayle (1647-1706). Elementos de dialética se achavam já, também, nas reflexões do 
inquieto Montaigne (1533-1592), no século XVI. 
Montaigne dizia, por exemplo: “Todas as coisas estão sujeitas a passar de uma 
mudança a outra; a razão, buscando nelas uma subsistência real, só pode frustrar-se, 
pois nada pode apreender de permanente, já que tudo ou está começando a ser e 
absolutamente ainda não é - ou então já está começando a morrer antes de ter sido” 
(,Essais, II, 12). Mas tanto Montaigne como os pensadores do século XVII viviam e 
pensavam, de certo modo, numa situação de isolamento em relação à dinâmica social, 
em relação aos movimentos políticos da época. Os contatos que eles mantinham eram 
com personalidades e não com organizações ou tendências que pudessem refletir 
alguma coisa do que se passava nas bases da sociedade. Por isso, a visão que tinham 
da história - isto é, do processo transformador da condição humana e das estruturas 
sociais - ou era gratuitamente otimista, superficial, ou então assumia um tom 
melancólico, um conteúdo conservador negativista. Só na segunda metade do século 
XVIII é que a situação dos filósofos começou a mudar. O amadurecimento do processo 
histórico que desembocou na Revolução Francesa criou condições que permitiram 
 
35 
 
aos filósofos uma compreensão mais concreta da dinâmica das transformações 
sociais. O movimento que refletiu esse processo de preparação da Revolução 
Francesa no plano das ideias se chamou iluminismo. Os filósofos iluministas 
acompanharam de perto as reivindicações plebeias, as articulações da burocracia, as 
manifestações políticas nas ruas, a rápida mudança nos costumes; perceberam que 
o que restava do mundo feudal devia desaparecer e pretenderam contribuir para que 
o mundo novo, que estava surgindo, fosse um mundo racional. Em sua maioria, os 
iluministas se contentaram com uma visão mais ou menos simplificada do processo 
de transformação social que viam realizar-se e apoiavam: não procuraram refletir 
aprofundamente sobre suas contradições internas. Por isso, não trouxeram grandes 
contribuições para o avanço da dialética. Há, porém, uma exceção; o maior dos 
filósofos iluministas é também o autor de uma obra rica em observações de grande 
interesse para a concepção dialética do mundo: Denis Diderot (1713-1784). Diderot 
compreendeu que o indivíduo era condicionado por um movimento mais amplo, pelas 
mudanças da sociedade em que vivia. “Sou como sou” - escreveu ele - “porque foi 
preciso que eu me tornasse assim. Se mudarem o todo, necessariamente eu também 
serei modificado. ” 
E acrescentou: “O todo está sempre mudando”. No Sonho de D ’Alembert, 
imaginou que D’Alembert, seu amigo, sonhando dizia coisas, tais como: “Todos os 
seres circulam uns nos outros. Tudo é um fluxo perpétuo. O que é um ser? A soma 
de um certo número de tendências. E a vida? A vida é uma sucessão de ações e 
reações. Nascer, viver e passar é mudar de formas”. D’Alembert ficou chocado com a 
“loucura” que Diderot tinha escrito e o texto, redigido em 1769, acabou só sendo 
publicado em 1830. No Suplemento a viagem de Bougainville, publicado em 1796, 
Diderot aconselhava seus leitores: “Examinem todas as instituições políticas, civis e 
religiosas; ou muito me engano ou vocês verão nelas o gênero humano subjugado, a 
cada século mais submetido ao jugo de um punhado de meliantes”. E recomendava: 
“Desconfiem de quem quer impor a ordem”. Uma das obras mais famosas de Diderot 
é O sobrinho de Rameau, que relata uma conversa entre o filósofo e um jovem 
vigarista, sobrinho de um músico célebre. Diderot se coloca, habilmente, numa 
posição moderada, mas coloca na boca do seu interlocutor uma argumentação 
brilhante, uma defesa altamente perturbadora da vigarice, de modo que a moral 
vigente fica bastante abalada em seus fundamentos, no fim do diálogo. Diderot 
 
36 
 
assume os elementos conservadores que sabe existirem no seu pensamento, mas 
permite ao jovem vigarista que desenvolva seus pontos de vista com extraordinária 
desenvoltura; o resultado é um confronto fascinante, que Hegel e Marx consideraram 
um primor de dialética. Ao lado de Diderot, quem deu a maior contribuição à dialética 
na segunda metade do século XVIII foi Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ao 
contrário dos iluministas, Rousseau não tinha confiança na razão humana: preferia 
confiar mais na natureza. Segundo ele, os homens nasciam livres, a natureza lhes 
dava a vida com liberdade, mas a organização da sociedade lhes tolhia o exercício da 
liberdade natural. O problema com que Rousseau se defrontava, então, era o de 
assegurar bases para um contrato social que permitisse aos indivíduos terem na vida 
social uma liberdade capaz de compensar o sacrifício da liberdade com que 
nasceram. 
 
 Fonte: paginadoenock.com.br 
Observando a estrutura da sociedade do seu tempo e suas contradições, 
Rousseau concluiu que os conflitos de interesses entre os indivíduos tinham se 
tornado exagerados, que a propriedade estava muito mal distribuída, o poder estava 
concentrado em poucas mãos, as pessoas estavam escravizadas ao egoísmo delas. 
 
37 
 
Rousseau considerava necessária uma democratização da vida social; para ele, as 
comunidades efetivamente democráticas não poderiam basear-se em critérios 
formais, puramente quantitativos (a vontade de todos): precisariam apoiar-se numa 
vontade geral criada por um movimento de convergência que levaria os indivíduos a 
superarem a estreiteza do egoísmo deles, que os levaria a se reconheceremconcretam ente uns nos outros e a adotarem uma perspectiva universal 
(verdadeiramente livre) no encaminhamento de soluções para seus problemas. Os 
caminhos que deveriam ser seguidos para que os homens chegassem a essa 
“convergência”, a essa “universalidade”, exigiriam a remoção de muitos obstáculos. 
Rousseau sabia que as mudanças sociais profundas, realizadas por sujeitos coletivos, 
não costumam ser tranquilas; sabia que as transformações necessárias por ele 
apontadas deveriam ser um tanto tumultuadas. Mas achava que “um pouco de 
agitação retém pera as almas; e o que faz avançar a humanidade é menos a paz do 
que a liberdade”. Embora divergisse de Diderot em várias coisas, ele concordava num 
ponto crucial: nenhum dos dois se deixava intimidar pela “ideologia da ordem”, de 
conteúdo nitidamente conservador. Por isso, se entende que no século XX um 
conservador radical - Maurice Barres - tenha escrito que Diderot e Rousseau (duas 
“forças de desordem”) são responsáveis por muitos dos males que nos afligem. 
7.1 O Trabalho 
No final do século XVIII e no começo do século XIX, os conflitos políticos já não 
eram mais abafados nos corredores dos palácios e estouravam nas ruas. As lutas que 
precederam e desencadearam a Revolução Francesa envolveram muita gente, 
entraram na vida de milhões de pessoas; as guerras napoleônicas também 
mobilizaram as massas populares e os homens do povo foram obrigados a pensar 
sobre questões políticas que antes eram discutidas apenas por uma elite reduzida, 
mas que naquele período estavam invadindo a esfera da vida cotidiana de quase todo 
mundo. Essa situação se refletiu na filosofia. Se refletiu até na filosofia que se 
elaborava na longínqua cidade de Königsberg, na Prússia oriental (hoje a cidade se 
chama Kaliningrado e fica na atual Rússia), onde nasceu, viveu, escreveu e morreu 
aquele que provavelmente é o maior dos pensadores metafísicos modernos: 
Immanuel Kant (1724-1804). Pessoalmente, Kant viveu na mais rigorosa rotina; até 
 
38 
 
seus passeios tinham hora marcada (o poeta Heine conta que os vizinhos do filósofo 
acertavam seus relógios quando ele saía de casa, às 15h30, para dar uma volta). Ao 
seu redor, porém, as rotinas estavam sendo quebradas, a história da Europa estava 
pondo a nu muitas contradições e Kant não pôde deixar de pensar sobre a 
contradição, em geral. Kant percebeu que a consciência humana não se limita a 
registrar passivamente impressões provenientes do mundo exterior, que ela é sempre 
a consciência de um ser que interfere ativamente na realidade; e observou que isso 
complicava extraordinariamente o processo do conhecimento humano. Sustentou que 
todas as filosofias até então vinham sendo ingênuas ou dogmáticas, pois tentavam 
interpretar o que era a realidade antes de ter resolvido uma questão prévia: o que é o 
conhecimento? O centro da filosofia, para Kant, não podia deixar de ser a reflexão 
sobre a questão do conhecimento, a questão da exata natureza e dos limites do 
conhecimento humano. Fixando sua atenção naquilo que ele chamou de “razão pura”, 
o filósofo se convenceu, então, de que na própria “razão pura” (anterior à experiência) 
existiam certas contradições - as “antinomias” - que nunca poderiam ser expulsas do 
pensamento humano por nenhuma lógica Outro filósofo alemão, de uma geração 
posterior, demonstrou que a contradição não era apenas uma dimensão essencial na 
consciência do sujeito do conhecimento, conforme Kant tinha concluído; era um 
princípio básico que não podia ser suprimido nem da consciência do sujeito nem da 
realidade objetiva. Esse novo pensador, que se chamava Georg Wilhelm Friedrich 
Hegel (1770-1831), sustentava que a questão central da filosofia era a questão do ser, 
mesmo, e não a do conhecimento. 
Contra Kant, ele argumentou: Se eu pergunto o que é o conhecimento, já na 
palavra é está em jogo uma certa concepção de ser; a questão do conhecimento, 
daquilo que o conhecimento é, só pode ser concretam ente discutida a partir da 
questão do ser”. Hegel concordava com Kant num ponto essencial: no 
reconhecimento de que o sujeito humano é essencialmente ativo e está sempre 
interferindo na realidade. Na época da Revolução Francesa, entusiasmado com a 
tomada da Bastilha pelo povo e com a derrubada de instituições antiquíssimas (que 
pareciam eternas), Hegel - então com 19 anos - plantou uma “árvore da liberdade” em 
Tübingen, onde morava, em homenagem à França. Naquele momento, o poder 
humano de intervir na realidade lhe pareceu quase ilimitado; o sujeito humano lhe 
pareceu quase onipotente. Logo, porém, a vida se encarregou de jogar água fria no 
 
39 
 
entusiasmo do filósofo. A Revolução Francesa atravessou uma fase de terror, com a 
guilhotina tendo inúmeras cabeças, e depois veio a ser controlada por Napoleão 
Bonaparte (mas o próprio Napoleão foi derrotado e a Europa se viu dominada pela 
política ultraconservadora da Santa Aliança). Além disso, a Alemanha, país onde o 
pensador vivia, era tão atrasada que nem sequer tinha conseguido alcançar a sua 
unidade como nação: estava dividida em governos regionais, cada um mais 
reacionário que o outro. Hegel descobriu, então, com amargura, que o homem 
transforma ativamente a realidade, mas quem impõe o ritmo e as condições dessa 
transformação ao sujeito é, em última análise, a realidade objetiva. Para avaliar de 
maneira realista as possibilidades do sujeito humano, Hegel procurou estudar seus 
movimentos no plano objetivo — das atividades políticas e econômicas. Dedicou-se à 
leitura e ao exame dos escritos de Adam Smith e dos teóricos da economia política 
inglesa clássica. Lukács mostrou, em seu livro sobre O jovem Hegel, que na base do 
pensamento de Hegel está não só uma reflexão aprofundada sobre a Revolução 
Francesa, como também uma reflexão radical sobre a chamada revolução industrial, 
que vinha se realizando na Inglaterra. Hegel percebe que o trabalho é a mola que 
impulsiona o desenvolvimento humano; é no trabalho que o homem se produz a si 
mesmo; o trabalho é o núcleo a partir do qual podem ser compreendidas as formas 
complicadas da atividade criadora do sujeito humano. 
No trabalho se encontra tanto a resistência do objeto (que nunca pode ser 
ignorada) como o poder do sujeito, a capacidade que o sujeito tem de encaminhar, 
com habilidade e persistência, uma superação dessa resistência. Foi com o trabalho 
que o ser humano “desgrudou” um pouco da natureza e pôde, pela primeira vez, 
contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não fosse o trabalho, 
não existiria a relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem a possibilidade 
de ir além da pura natureza. “A natureza, como tal, não cria nada de propriamente 
humano”, observa o filósofo soviético Evald Iliênkov. O homem não deixa de ser um 
animal, de pertencer à natureza; porém, já não pertence inteiramente a ela. Os 
animais agem apenas em função das necessidades imediatas e se guiam pelos 
instintos (que são forças naturais); o ser humano, contudo, é capaz de antecipar na 
sua cabeça os resultados das suas ações, é capaz de escolher os caminhos que vai 
seguir para tentar alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento aos 
animais; o homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela. O trabalho 
 
40 
 
permitiu ao homem dominar algumas das energias da natureza; permitiu-lhe, como 
escreveu o brasileiro José Arthur Giannotti, ter “parte da natureza à sua disposição”. 
O trabalho é o conceito-chave para nós compreendermos o que é a superação 
dialética. Para expressar a sua concepção da superação dialética, Hegel usou a 
palavra alemã aufheben, um verbo que significa suspender. Mas esse suspender tem 
três sentidos diferentes. O primeiro sentido é o de negar, anular, cancelar (como 
ocorre, por exemplo, quando suspendemos um passeio por causa do mau tempo, ou 
quando um estudante é suspenso das aulas e não pode comparecerà escola durante 
algum tempo). O segundo sentido é o de erguer alguma coisa e mantê-la erguida para 
protegê-la (como a gente vê, por exemplo, num poema de Manuel Bandeira, quando 
o poeta fala do quarto onde morou há muitos anos e diz que ele foi preservado porque 
ficou “intacto, suspenso no ar”). E o terceiro sentido é o de elevar a qualidade, 
promover a passagem de alguma coisa para um plano superior, suspender o nível. 
Pois bem: Hegel emprega a palavra com os três sentidos diferentes ao mesmo tempo. 
Para ele, a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada 
realidade, a conservação de algo de essencial que existe nessa realidade negada e a 
elevação dela a um nível superior. 
 Isso parece obscuro, mas fica menos confuso se observamos o que acontece 
no trabalho: a matéria- -prima é “negada” (quer dizer, é destruída em sua forma 
natural), mas ao mesmo tempo é “conservada” (quer dizer, é aproveitada) e assume 
uma forma nova, modificada, correspondente aos objetivos humanos (quer dizer, é 
“elevada” em seu valor). E o que se vê, por exemplo, no uso do trigo para o fabrico do 
pão: o trigo é triturado transformado em pasta, porém não desaparece de todo, passa 
a fazer parte do pão, que vai ao forno e - depois de assado - se torna humanamente 
comestível. Boa parte da obscuridade de Hegel resultava do fato de ele ser idealista. 
Hegel subordinava os movimentos da realidade material à lógica de um princípio que 
ele chamava de Ideia Absoluta; como essa Ideia Absoluta era um princípio 
inevitavelmente nebuloso, os movimentos da realidade material eram, 
frequentemente, descritos pelo filósofo de maneira bastante vaga. No caminho aberto 
por Hegel, entretanto, surgiu outro pensador alemão, Karl Marx (1818-1883), 
materialista, que superou - dialeticamente - as posições de seu mestre. Marx escreveu 
que em Hegel a dialética estava, por assim dizer, de cabeça para baixo; decidiu, então, 
colocá-la sobre seus próprios pés. Marx teve uma vida muito atribulada: ligou-se bem 
 
41 
 
cedo ao movimento operário e socialista, lutou na política ao lado dos trabalhadores, 
viveu na pobreza e passou a maior parte de sua vida no exílio (na Inglaterra) A 
solidariedade ativa que o ligou aos trabalhadores contribuiu, certamente, para que ele 
tivesse do trabalho uma compreensão diferente daquela que tinha sido exposta pelo 
velho Hegel, cuja existência transcorrera quase toda entre as quatro paredes da 
biblioteca e da sala de aula. Marx concordou plenamente com a observação de Hegel 
de que o trabalho era a mola que impulsionava o desenvolvimento humano, porém 
criticou a unilateralidade da concepção hegeliana do trabalho, sustentando que Hegel 
dava importância demais ao trabalho intelectual e não enxergava a significação do 
trabalho físico, material. “O único trabalho que Hegel conhece e reconhece” - observou 
Marx em 1844 - “é o trabalho abstrato do espírito. ” Essa concepção abstrata do 
trabalho levava Hegel a fixar sua atenção exclusivamente na criatividade do trabalho, 
ignorando o lado negativo dele, as deformações a que ele era submetido em sua 
realização material, social. Por isso Hegel não foi capaz de analisar seriamente os 
problemas ligados à alienação do trabalho nas sociedades divididas em classes 
sociais (especialmente na sociedade capitalista) 
7.2 A Alienação 
O trabalho - admite Marx - é a atividade pela qual o homem domina as forças 
naturais, humaniza a natureza; é a atividade pela qual o homem se cria a si mesmo. 
Como, então, o trabalho - de condição natural para a realização do homem - chegou 
a tornar-se o seu algoz? Como ele chegou a se transformar em “uma atividade que é 
sofrimento, uma força que é impotência, uma procriação que é castração”? Uma 
primeira causa dessa deformação monstruosa se encontra na divisão social do 
trabalho, na apropriação privada das fontes de produção, no aparecimento das 
classes sociais. Alguns homens passaram a dispor de meios para explorar o trabalho 
dos outros; passaram a impor aos trabalhadores condições de trabalho que não eram 
livremente assumidas por estes. Introduziu-se, assim, um novo tipo de contradição no 
interior da comunidade humana, no interior do gênero humano. A partir da divisão 
social do trabalho, a humanidade passava a ter uma dificuldade bem maior para pensa 
os seus próprios problemas e para encará-los de um ângulo mais amplamente 
universal: mesmo quando eram sinceros, os indivíduos se deixavam influenciar pelo 
 
42 
 
ponto de vista dos exploradores do trabalho alheio, pela “perspectiva parcial 
inevitável” das classes sociais (conforme a caracterização da ideologia por Lucien 
Goldmann). “Divisão do trabalho e propriedade privada” - escreveu Marx - “são termos 
idênticos: um diz em relação à exploração do trabalho escravo a mesma coisa que o 
outro diz em relação ao produto da exploração do trabalho escravo. ” As condições 
criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um 
“estranhamento” entre o trabalhador e o trabalho, uma vez que o produto do trabalho, 
antes mesmo de o trabalho se realizar, pertence a outra pessoa que não o trabalhador. 
Por isso, em lugar de realizar-se no seu trabalho, o ser humano se aliena nele; em 
lugar de reconhecer-se em suas próprias criações, o ser humano se sente ameaçado 
por elas; em lugar de libertar-se, acaba enrolado em novas opressões. O vigor e a 
coerência da argumentação de Marx foram reconhecidos mesmo por escritores que 
não concordam com o ponto de vista dele. O padre Henri Chambre, por exemplo, 
admitiu que, partindo da concepção do homem como um ser que se cria através do 
trabalho, não se pode negar validade à crítica de Marx à propriedade privada: “Se o 
homem fosse apenas atividade criadora e produtora de si mesmo e do mundo que o 
cerca, é certo que toda apropriação privada se. 
 
 
 Fonte: esquerdadiario.com.br 
 
43 
 
Distanciaria da fonte de violência e dominação do homem sobre o homem”. Para um 
cristão, como Chambre, a ideia de que o homem se faz a si mesmo e humaniza o 
mundo pelo trabalho, sacrifica a espiritualidade do ser humano e o rebaixa à condição 
animal, além de ser uma manifestação de autossuficiência, um pecado de orgulho. 
Mas os marxistas têm boas razões para replicar que, na medida em que rejeitam a 
dialética, os cristãos se privam de um instrumento eficientíssimo na análise dos 
problemas humanos, perdem boas possibilidades de agir com eficácia no plano 
político e acabam desperdiçando energias na retórica dos bons conselhos, na 
pregação moralista e em projetos ingênuos (“idealistas”) de reforma dos costumes e 
das “mentalidades”. Os marxistas acham que a única maneira de superar a divisão da 
sociedade em classes e dar início a um processo de “desalienação” do trabalho é levar 
em conta a realidade da luta de classes para promover a revolução socialista. Marx 
não inventou a luta de classes: limitou-se a reconhecer que ela existia e procurou 
extrair as consequências da sua existência. Antes de Marx, diversos autores já tinham 
enxergado a questão. James Madison, ex-presidente dos Estados Unidos, por 
exemplo, escreveu, em 1787: “Proprietários e não proprietários sempre formaram 
interesses diversos dentro da sociedade”. 
Marx, porém, foi mais longe do que Madison; com a ajuda de Friedrich Engels 
(1820-1895), Marx reexaminou a história social da humanidade e concluiu, em 1848, 
no Manifesto comunista, que toda a história transcorrida até então tinha sido uma 
história de lutas de classes. As lutas de classes assumem formas extraordinariamente 
variadas: às vezes são fáceis de ser reconhecidas, são mais ou menos diretas; às 
vezes, contudo, elas se tornam extremamente complexas e não cabem em 
interpretações simplistas. Nas sociedades capitalistas, as lutas de classes tendem a 
assumir formas políticas cada vez mais complicadas.Examinando o modo de 
produção capitalista, em seu livro O capital, Marx notou que com ele se criou uma 
situação política nova, sem precedentes, na história das lutas de classes. O 
capitalismo é como aquele aprendiz de feiticeiro que colocou em movimento forças 
que em seguida escaparam ao seu controle: com o capitalismo, desenvolveu-se 
notavelmente a tecnologia, as forças produtivas tiveram um crescimento excepcional 
e o capitalismo vem tendo dificuldades cada vez maiores para aproveitá-las. A 
competição desenfreada dos capitalistas uns com os outros, em torno da busca do 
maior lucro, acarreta um grave desperdício de recursos. Na competição, os 
 
44 
 
empresários mais poderosos vão impondo a lei deles, os mais fracos vão sendo 
sacrificados e acabam prevalecendo os monopólios. Por outro lado, para poder 
explorá-los, o capital reúne os operários em suas indústrias, mas essa massa 
trabalhadora aglomerada se organiza, tom a consciência de sua força, passa a 
reivindicar com maior firmeza as coisas que lhe convêm, até poder liderar uma 
revolução sócia e criar uma organização socialista para a sociedade. “A socialização 
do trabalho e a centralização de seus recursos materiais” - escreve Marx - "chegam a 
um ponto no qual não cabem mais no envoltório capitalista. ” Nunca tinha sido criada 
na história da humanidade, antes do capitalismo, uma situação como essa: pela 
primeira vez existe uma classe social — o proletariado moderno - que não lidera um 
movimento destinado a substituir um modo de produção baseado numa forma de 
propriedade privada por outro modo de produção baseado em outra forma de 
propriedade privada. Pela primeira vez os anseios e ideais igualitários, coletivistas, 
socialistas, comunistas, dispõem de um portador material capaz de colocá-los em 
prática, através de uma prolongada luta política. A superação da divisão social do 
trabalho deixou de ser um sonho: passou a ser um programa que - em princípio - pode 
ser executado. E essa é, na análise de Marx, a segunda causa da deformação que 
ele viu na situação do trabalho (que, em vez de servir para o ser humano realizar-se, 
servia para aliená-lo). Se a primeira causa da “anomalia” era antiga — a propriedade 
privada, a existência das classes sociais -, a segunda, mais recente, estava no 
agravamento da exploração do trabalho sob o capitalismo. 
O mercado capitalista vive em permanente expansão, o capital tende a ocupar 
todos os espaços que possam lhe proporcionar lucros. E as leis do mercado vão 
dominando a sociedade inteira: todos os valores humanos autênticos vão sendo 
destruídos pelo dinheiro, tudo vira mercadoria, tudo pode ser comercializado, todas 
as coisas podem ser vendidas ou compradas por um determinado preço. A força de 
trabalho do ser humano - é claro - não podia deixar de ser arrastada nessa onda; ela 
também se transforma em mercadoria e seu preço passa a sofrer as pressões e 
flutuações do mercado. Os trabalhadores, além de viverem sob a ameaça da perda 
do emprego, são obrigados a se organizar e a lutar para defender seus salários; e o 
fato de tomarem consciência de que já existe uma alternativa socialista e de que a 
organização da produção poderia ser diferente é um fato que só pode agravar o mal-
estar que sentem no trabalho. O agravamento da alienação do trabalho sob o 
 
45 
 
capitalismo, contudo, não afeta apenas os operários; os capitalistas também são 
atingidos. A mesma busca desenfreada do lucro, que leva o capitalista a explorar o 
trabalho do operário, leva-o também a procurar tirar vantagem de suas relações — 
competitivas — com os outros capitalistas. Por isso, o mercado, que funciona em 
proveito da burguesia como classe, é sempre uma realidade incerta, inquietante, e às 
vezes ameaçadora, para os burgueses individualmente considerados. Mesmo quando 
desenvolve técnicas cada vez mais aperfeiçoadas para controlar o funcionamento de 
suas empresas e as operações de seus negócios, a burguesia carece da capacidade 
de continuar a controlar a sociedade como um todo. Como classe, na atual etapa 
histórica, ela não consegue elevar seu ponto de vista a uma perspectiva totalizante 
7.3 A Totalidade 
Para a dialética marxista, o conhecimento é totalizar-te e a atividade humana, 
em geral, é um processo de totalização, que nunca alcança uma etapa definitiva e 
acabada. Mas o que quer dizer exatamente isso? O que significa totalizante E o que 
significa totalização? Vamos trocar a coisa em miúdos. Qualquer objeto que o homem 
possa perceber ou criar é parte de um todo. Em cada ação empreendida, o ser 
humano se defronta, inevitavelmente, com problemas interligados. Por isso, para 
encaminhar uma solução para os problemas, o ser humano precisa ter uma certa visão 
de conjunto deles: é a partir da visão do conjunto que podemos avaliar a dimensão de 
cada elemento do quadro. Foi o que Hegel sublinhou quando escreveu: “A verdade é 
o todo”. Se não enxergarmos o todo, podemos atribuir um valor exagerado a uma 
verdade limitada (transformando-a em mentira), prejudicando a nossa compreensão 
de uma verdade mais geral. Exemplo disso: alguém observa que o capitalista X é um 
homem generoso, progressista, sinceramente preocupado com seus operários. Essa 
observação pode ser correta. No entanto, é necessário entendê-la dentro de seus 
limites, para não perdermos de vista o fato de que ela nunca pode ser usada para 
pretender invalidar outra observação mais abrangente: a de que o sistema capitalista, 
por sua própria essência, impele os capitalistas em geral, quaisquer que sejam as 
qualidades humanas deles, a extraírem mais-valia do trabalho de seus operários. A 
visão de conjunto - ressalve-se - é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar 
a realidade a que ele se refere. A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento 
 
46 
 
que temos dela. Há sempre algo que escapa às nossas sínteses; isso, porém, não 
nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa 
realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura 
significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa estrutura 
significativa - que a visão de conjunto proporciona - que é chamada de totalidade. A 
totalidade é mais do que a soma das partes que a constituem. No trabalho, por 
exemplo, dez pessoas bem entrosadas produzem mais do que a soma das produções 
individuais de cada uma delas, isoladamente considerada. Na maneira de se 
articularem e de constituírem uma totalidade, os elementos individuais assumem 
características que não teriam, caso permanecessem fora do conjunto. Há totalidades 
mais abrangentes e totalidades menos abrangentes: as menos abrangentes, é claro, 
fazem parte das outras. A maior ou menor abrangência de uma totalidade depende 
do nível de generalização do pensamento dos objetivos concretos dos homens em 
cada situação dada. Se eu estou empenhado em analisar as questões políticas que 
estão sendo vividas pelo meu país, o nível de totalização que me é necessário é o da 
visão de conjunto da sociedade brasileira, da sua economia, da sua história, das suas 
contradições atuais. 
 
Fonte: zonacurva.com. 
 
47 
 
Se, porém, eu quiser aprofundar a minha análise e quiser entender a situação 
do Brasil no quadro mundial, vou precisar de um nível de totalização mais abrangente: 
vou precisar de uma visão de conjunto do capitalismo, da sua gênese, da sua 
evolução, dos seus impasses no mundo de hoje. E, se eu quiser elevar a minha 
análise a um plano filosófico, precisarei ter, então, uma visão de conjunto da história 
da humanidade, quer dizer, da dinâmica da realidade humana como um todo (nível 
máximo de abrangência da totalização dialética). É evidente que, na prática, a vida 
coloca diante de mim problemas que eu tenho de resolver, em geral, sem necessidade 
de recorrer a cada passo a considerações de filosofia da história(isto é, ao nível de 
totalização mais abrangente).De certo modo, contudo, mesmo no dia a dia, nós 
estamos sempre, implicitamente, totalizando; estamos sempre trabalhando com 
totalidades de maior ou menor abrangência. Para trabalhar dialeticamente com o 
conceito de totalidade, é muito importante sabermos qual é o nível de totalização 
exigido pelo conjunto de problemas com que estamos nos defrontando; e é muito 
importante, também, nunca esquecermos que a totalidade é apenas um momento de 
um processo de totalização (que, conforme já advertimos, nunca alcança uma etapa 
definitiva e acabada). Afinal, a dialética - maneira de pensar elaborada em função da 
necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade 
humana — negar-se-ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, 
recusando-se a revê-las, mesmo em face de situações modificadas. 
A modificação do todo só se realiza, de fato, após um acúmulo de mudanças nas 
partes que o compõem. Processam-se alterações setoriais, quantitativas, até que se 
alcança um ponto crítico que assinala a transformação qualitativa da totalidade. E a 
lei dialética da transformação da quantidade em qualidade. Voltaremos a falar dessa 
lei. Por enquanto, o que devemos sublinhar é que a modificação do todo é mais 
complicada que a modificação de cada um dos elementos que o integram. E devemos 
sublinhar outra coisa: cada totalidade tem sua maneira diferente de mudar; as 
condições da mudança variam dependendo do caráter da totalidade e do processo 
específico do qual ela é um momento. Vejamos um exemplo. Observemos a 
sociedade brasileira. Podemos analisá-la em três níveis distintos. Num primeiro nível, 
podemos estudar seu regime jurídico-político, suas leis, suas instituições, seu sistema 
administrativo, a estrutura do seu Estado. Num segundo nível, podemos mergulhar 
mais fundo e procurar examinar a história da sociedade brasileira, a relação existente 
 
48 
 
entre sua vida política, seus problemas sociais e sua economia; podemos encará-la 
como formação socioeconômica. E, finalmente, num terceiro nível, mais geral e mais 
abstrato, podemos fixar nossa atenção no modo de produção que se acha na base da 
formação socioeconômica existente. Na prática, não é possível separar inteiramente 
as questões que se apresentam num desses níveis das questões que se manifestam 
nos outros dois; afinal, concretamente, elas são elementos de uma mesma realidade 
global, que é a sociedade brasileira. No entanto, focalizada no plano de cada uma das 
diversas totalizações mencionadas, essa realidade nos revela aspectos distintos, que 
nos ajudam a compor sua verdadeira fisionomia e a orientar de maneira mais realista 
nossa atividade tendente a transformá-la. Em 1964, quando foi deposto o presidente 
João Goulart, e em 1968, quando foi decretado o AI-5, o Brasil sofreu uma importante 
modificação (em dois episódios): mudou o seu regime jurídico-político. Era necessário 
reconhecer a mudança qualitativa dessa totalidade, para extrair todas as 
consequências que se impunham, no plano estratégico (e não ficar se iludindo com a 
ideia de que tinha ocorrido uma mera “quartelada” cujos efeitos seriam passageiros). 
Ao mesmo tempo, porém, era preciso observar que, como formação socioeconômica, 
o Brasil não sofrera nenhuma alteração significativa em 1964 ou em 1968. 
A formação socioeconômica, como totalidade, não muda no mesmo ritmo que o 
regime jurídico-político. Ao longo destas últimas décadas, num ritmo bem mais lento 
que o do regime jurídico-político, a nossa formação socioeconômica está se 
modificando; em certos aspectos, com o crescimento econômico, com o avanço da 
industrialização, com a modernização conservadora (promovida de “cima” para 
“baixo”), a nossa formação socioeconômica já mudou bastante e assumiu, inclusive, 
características qualitativamente novas. O que se passa, entretanto, com o modo de 
produção capitalista no Brasil? Ele apresenta sinais de que está na iminência de sofrer 
alguma alteração qualitativa? Está na iminência de ser modificado como totalidade? 
Em vão, os revolucionários impacientes, acicatados pela pressa pequeno-burguesa, 
cansam-se na busca de indícios de que a “grande crise” do modo de produção 
capitalista no Brasil está próxima; tudo indica que esse modo de produção continua 
bastante forte. Temos, então, três totalidades, elaboradas em três níveis diversos, 
exprimindo três processos diferentes de totalização e nos revelando três aspectos 
distintos (todos os três importantíssimos) da mesma realidade brasileira 
 
49 
 
7.4 A Contradição E A Mediação 
A esta altura da nossa exposição, o leitor pode indagar: como é que eu posso 
ter a certeza de que estou trabalhando com a totalidade correta, de que estou fazendo 
a totalização adequada à situação em que me encontro? A única resposta possível a 
esta pergunta se arrisca a ser decepcionante: não há, no plano puramente teórico, 
solução para o problema. A teoria é necessária e nos ajuda muito, mas por si só não 
fornece os critérios suficientes para estarmos seguros de agir com acerto. Nenhuma 
teoria pode ser tão boa a ponto de nos evitar erros. A gente depende, em última 
análise, da prática - especialmente da prática social - para verificar o maior ou menor 
acerto do nosso trabalho com os conceitos (e com as totalizações). A teoria nos ajuda 
fornecendo importantes indicações. Em relação à totalidade, por exemplo, a teoria 
dialética recomenda que prestemos atenção ao “recheio” de cada síntese, quer dizer, 
às contradições e mediações concretas que a síntese encerra. Na investigação 
científica da realidade, começamos trabalhando com conceitos que são, ainda, 
sínteses muito abstratas. Marx dá o exemplo da população. A população é um todo, 
mas o conceito de população permanece vago se não conhecemos as classes de que 
a população se compõe. Só podemos conhecer concretam ente as classes, 
entretanto, se estudarmos os elementos sobre os quais elas se apoiam, na existência 
delas, tais como o trabalho assalariado, o capital etc. 
 
Fonte: academicoadm.com.br 
 
50 
 
Tais elementos, por sua vez, supõem o comércio, a divisão do trabalho, os 
preços etc. “Se começo pela população, portanto, tenho uma representação caótica 
do conjunto; depois, através de uma determinação mais precisa, por meio de análises, 
chego a conceitos cada vez mais simples. Alcançado tal ponto, faço a viagem de volta 
e retorno à população. Dessa vez, contudo, não terei sob os olhos um amálgama 
caótico e sim uma totalidade rica em determinações, em relações complexas. ” Esse 
texto de Marx é de grande interesse para nós. O ponto de partida - observemos - não 
é um conceito rudimentar: é uma expressão que designa, ainda confusamente, uma 
realidade complicada. A análise, portanto, só pode ser orientada com base em uma 
síntese (mesmo precária) anterior. Uma certa compreensão do todo precede a própria 
possibilidade de aprofundar o conhecimento das partes, mas o texto ainda diz mais: 
por análise, eu decomponho e recomponho o conhecimento indicado na expressão 
que me serviu de ponto de partida. No fim, realizada a viagem do mais complexo 
(ainda abstrato) ao mais simples e feito o retorno do mais simples ao mais complexo 
(já concreto), a expressão população passa a ter um conteúdo bem determinado. O 
concreto, portanto, é o resultado de um trabalho. 
“O concreto” - insiste Marx - “é concreto porque é a síntese de várias 
determinações diferentes, é unidade na diversidade. ” A concepção de Marx, segundo 
a qual o conhecimento não é um ato e sim um processo, desenvolveu- -se em 
polêmica contra a concepção irracionalista. Os irracionalistas consideram a intuição 
um instrumento privilegiado do conhecimento humano; para eles, o que é “sacado” 
intuitivamente já possui valor de verdade, de modo que não existe nenhum motivo 
para nós trilharmos o trabalhoso caminho indicadopor Marx: a impressão genérica 
obtida no ponto de partida já nos basta. O irracionalismo desestimula o ser humano a 
realizar o paciente esforço de ir além da aparência, em busca da essência dos 
fenômenos. E as “totalidades” dos irracionalistas permanecem um tanto vazias, não 
têm um “recheio” definido. A dialética é muito mais exigente do que o irracionalismo. 
Para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada (em 
vez de inventar totalidades e procurar enquadrar nelas a realidade), o pensamento 
dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar, com esforço, 
gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem 
o “tecido” de cada totalidade, que dão “vida” a cada totalidade. 
 
51 
 
 “A dialética” - observa Carlos Nelson Coutinho - “não pensa o todo negando as 
partes, nem pensa as partes abstraídas do todo. Ela pensa tanto as contradições entre 
as partes (a diferença entre elas: o que faz de uma obra de arte algo distinto de um 
panfleto político) como a união entre elas (o que leva a arte e a política a se 
relacionarem no seio da sociedade enquanto totalidade). ” Os irracionalistas, 
implicitamente, dispensam- -nos desse esforço. Quem achar que já “sacou” 
intuitivamente o todo não precisará examinar cuidadosamente as partes. Mas também 
não terá uma compreensão clara das conexões e conflitos internos e ficará com uma 
totalidade um tanto nebulosa. Já Hegel criticava a concepção irracionalista que seu 
ex-amigo Schelling adotara da totalidade (do absoluto), dizendo que se tratava de uma 
noite na qual todas as vacas eram pardas. Para que o nosso conhecimento avance e 
o nosso laborioso (e interminável) descobrimento da realidade se aprofunde - quer 
dizer: para podermos ir além das aparências e penetrar na essência dos fenômenos - 
precisamos realizar operações de síntese e de análise que esclareçam não só a 
dimensão imediata como também, e sobretudo, a dimensão mediata delas. A 
experiência nos ensina que em todos os objetos com os quais lidamos existe uma 
dimensão imediata (que nós percebemos imediatamente) e existe uma dimensão 
mediata (que a gente vai descobrindo, construindo ou reconstruindo aos poucos). 
Vejamos, por exemplo, este livrinho sobre a dialética que está nas mãos do leitor: é 
uma realidade imediata, palpável, legível; um conjunto de folhas impressas com 
símbolos gráficos. Mas não é só isso. 
Se o leitor parar um pouco para pensar sobre ele, verificará que o fato de o livro 
estar em suas mãos passa por uma série de mediações, é um fato que está 
mediatizado por outros fatos e por diversas ações humanas. A mediação mais próxima 
a ser reconstituída é a do deslocamento do livro: como foi que ele veio parar nas mãos 
do leitor? O leitor comprou-o numa livraria? Recebeu-o de presente? Está lendo o 
volume numa biblioteca? H á também uma mediação subjetiva: qual foi o motivo que 
levou o leitor a se interessar pelo livrinho? Por que este livro e não outro? Quando e 
como o leitor passou a ter a impressão ou a convicção de que o assunto do livro era 
digno de atenção e valia a pena lê-lo? Quais foram as experiências pessoais e os 
condicionamentos culturais que o levaram a isso? Somente levando em conta essas 
(e outras) mediações é que poderemos avaliar corretamente toda a significação do 
fato de o livro estar, agora, neste imediato momento, nas mãos do leitor. As 
 
52 
 
mediações, entretanto, obrigam-nos a refletir sobre outro elemento insuprimível da 
realidade: as contradições. Há muita confusão em torno da palavra contradição. 
Desde que Hegel expôs pela primeira vez os fundamentos do método dialético, uma 
das principais objeções formuladas contra ele - uma objeção até hoje repetida - é a 
de que o conceito de contradição usado pelos dialéticos estaria errado. Durante 
séculos, a hegemonia do pensamento metafísico nos acostumou a reconhecermos 
somente um tipo de contradição: a contradição lógica. A lógica, como toda ciência, 
ocupa-se da realidade apenas em um determinado nível; para alcançar resultados 
rigorosos, ela limita o seu campo e trata de uma parte da realidade. As leis da lógica 
são certam ente válidas, no campo delas; e - nesse campo de validade - a contradição 
é a manifestação de um defeito no raciocínio. Existem, porém, dimensões da realidade 
humana que não se esgotam na disciplina das leis lógicas. Existem aspectos da 
realidade humana que não podem ser compreendidos isoladamente: se queremos 
começar a entendê-los, precisamos observar a conexão íntima que existe entre eles 
e aquilo que eles não são. Henri Lefebvre escreveu, com razão: “Não podemos dizer 
ao mesmo tempo que determinado objeto é redondo e é quadrado. Mas devemos 
dizer que o mais só se define com o menos, que a dívida só se define pelo 
empréstimo". As conexões íntimas que existem entre realidades diferentes criam 
unidades contraditórias. Em tais unidades, a contradição é essencial: não é um mero 
defeito do raciocínio. Num sentido amplo, filosófico, que não se confunde com o 
sentido que a lógica confere ao termo, a contradição é reconhecida pela dialética como 
princípio básico do movimento pelo qual os seres existem. A dialética não se 
contrapõe à lógica, mas vai além da lógica, desbravando um espaço que a lógica não 
consegue ocupar. Para desbravar esse novo espaço, a dialética modifica os 
instrumentos conceituais de que dispõe: passa a trabalhar, frequentemente, com 
determinações reflexivas e procura promover uma “fluidificação” dos conceitos. 
7.5 A “fluidificação” dos conceitos 
Marx pretendia escrever um livro, explicando sua concepção da dialética. 
Chegou a anunciar o projeto, em dezembro de 1875, numa carta a Joseph Dietzgen. 
Mas os trabalhos de preparação e redação de O capital não lhe deixaram tempo para 
isso. O capital contém muitos elementos preciosos para estudarmos como Marx 
 
53 
 
entendia e aplicava a dialética. Há, inclusive, estudos importantes sobre a dialética n’0 
capitais, podemos lembrar, por exemplo, os estudos dos soviéticos Rudin, Rosental e 
Iliênkov, do polonês Rosdolsky, do tcheco Zeleny e do sueco Helmut Reichelt. Por 
mais importantes que sejam, contudo, esses estudos são interpretações polêmicas, 
que não podem substituir a exposição da dialética como método, anunciada em 1875 
a Dietzgen e jamais escrita. É compreensível, portanto, que até hoje existem muitas 
discussões sobre a dialética de Marx. Quais são, precisamente, suas características 
essenciais? Quais são, precisamente, suas relações com a dialética de Hegel? Alguns 
pontos foram devidamente esclarecidos pelo próprio Marx, quando ele falou de 
diferenças fundamentais entre seu método e o de Hegel, decorrentes do fato de Hegel 
ser idealista e ele ser materialista. Hegel descrevia o processo global da realidade da 
seguinte maneira: a Ideia Absoluta assumiu a imperfeição (a instabilidade) da matéria, 
desdobrou-se em uma série de movimentos que a explicitavam e realizavam, para, 
afinal, com a trajetória ascensional do ser humano, iniciar - enriquecida - seu retorno 
a si mesma. Essa descrição — que é claramente idealista — supõe o conhecimento 
do ponto de partida e do ponto de chegada do movimento da realidade. Quer dizer: é 
a descrição do processo da realidade como uma totalidade fechada, “redonda”. 
 Marx, como materialista, não podia aceitar essa descrição: para ele, o processo 
da realidade só podia ser encarado como uma totalidade aberta, quer dizer, através 
de esquemas que não pretendessem “reduzir” a infinita riqueza da realidade ao 
conhecimento. Para dar conta do movimento infinitamente rico pelo qual a realidade 
está sempre assumindo formas novas, os conceitos com os quais o nosso 
conhecimento trabalha precisam aprender a ser “fluidos”. Hegel, com a dialética dele, 
lançou as bases para a “fluidificação” dos conceitos; em Hegel, no entanto, a 
“fluidificação” ficava limitadapelo caráter excessivamente abstrato do quadro global 
(totalidade) da história humana. Isso se vê, por exemplo, no uso do conceito de 
natureza humana: em Hegel, o ser humano que promovia o movimento da história era 
uma abstrata “autoconsciência”, ligada à tal da Ideia Absoluta, praticamente 
desvinculada dos problemas que afetam o corpo dos homens, de modo que a 
“natureza humana”, tal como Hegel a entendia, era idealizada, tinha muito pouco de 
“natureza” e por isso lhe faltava uma dimensão histórica mais concreta. Marx, por sua 
vez, conseguiu “fluidificar” muito mais radicalmente o conceito de natureza humana. 
Para Marx, o homem tinha um corpo, uma dimensão concreta ente “natural”, e por 
 
54 
 
isso & natureza humana se modificava materialmente, na sua atividade física sobre o 
mundo: “ao atuar sobre a natureza exterior, o homem modifica, ao mesmo tempo, sua 
própria natureza”. O movimento autotransformador da natureza humana, para Marx, 
não é um movimento espiritual (como em Hegel) e sim um movimento material, que 
abrange a modificação não só das formas de trabalho e organização prática de vida, 
mas também dos próprios órgãos dos sentidos: o olho humano passou a ver coisas 
que não enxergava antes, o ouvido humano foi educado pela música para ouvir coisas 
que não escutava antes etc. “A formação dos cinco sentidos” - escreveu Marx - “é 
trabalho de toda a história passada.” A natureza humana, por conseguinte, conforme 
o conceito que Marx tem dela, só existe na história, num processo global de 
transformação, que abarca todos os seus aspectos. 
 
Fonte: nomosofia.blogspot.com.br 
E a história, em seu conjunto, “não é outra coisa senão uma transformação 
contínua da natureza humana” (conforme se lê na Miséria da filosofia). A essa altura 
da nossa explicação do conceito marxista de natureza humana, entretanto, uma 
pergunta se impõe: se a natureza humana se transforma globalmente e de modo 
contínuo ao longo da história, por que continuar a empregar o conceito de natureza 
humana? Como ele poderia corresponder a algo de constante, capaz de justificá-lo? 
 
55 
 
Como poderia haver algo em comum entre nós, homens do século XX, e, por exemplo, 
os gregos do século V antes de Cristo? Marx não reconhece a existência de nenhum 
aspecto da realidade humana situado acima da história ou fora dela; mas admite que 
determinados aspectos da realidade humana perduram na história. Exatamente 
porque o movimento da história é marcado por superações dialéticas, em todas as 
grandes mudanças há uma negação, mas, ao mesmo tempo, uma preservação (e 
uma elevação em nível superior) daquilo que tinha sido estabelecido antes. Mudança 
e permanência são categorias reflexivas, isto é, uma não pode ser pensada sem a 
outra. Assim como não podemos ter uma visão correta de nenhum aspecto estável da 
realidade humana se não soubermos situá-lo dentro do processo geral de 
transformação a que ele pertence (dentro da totalidade dinâmica de que ele faz parte), 
também não podemos avaliar nenhuma mudança concreta se não a reconhecermos 
como mudança de um ser (quer dizer, de uma realidade articulada e provida de certa 
capacidade de durar). Marx não era Heráclito, o Obscuro. Ele sabia que, quando um 
homem se banha duas vezes num determinado rio, é inegável que dá segunda vez o 
homem terá mudado, o rio também terá sofrido alterações, mas apesar das 
modificações o homem será o mesmo homem (e não um outro indivíduo qualquer) e 
o rio será o mesmo rio (e não um outro rio qualquer). 
Por isso, Marx empregou o conceito de natureza humana. Para Marx, a 
“fluidificação” dialética dos conceitos não tinha nada a ver com o “relativismo” e não 
podia, em nenhum momento, ser confundida com ele. Num escrito de 1857, Marx 
lembrou o caso da arte grega do século V a.C. que refletia as condições sociais de 
Atenas, naquele momento, e, no entanto, continuava a ter algo a dizer a seres 
humanos que viviam em outros países, em outros tempos, com outro nível de 
desenvolvimento das forças produtivas, outras relações de produção, vinte e quatro 
séculos mais tarde. O exemplo da epopeia e da tragédia dos antigos gregos mostrava 
que a dimensão histórica de certas criações humanas não as impede de perdurar e 
nem as reduz a uma eficácia momentânea, limitada. A mesma vitalidade demonstrada 
pela arte grega, aliás, pode ser encontrada em certas ideias e observações de 
Aristóteles, em alguns dos conceitos criados por ele: as criações mais significativas 
do espírito humano e da atividade prática do homem se incorporam ao processo da 
história da humanidade e são capazes, por assim dizer, de continuar “vivas” (mudam 
as condições históricas, muda a nossa maneira de avaliá-las, mas são elas - e não 
 
56 
 
outras criações do passado - que permanecem presentes no nosso horizonte). Em 
certo sentido, por conseguinte, podemos dizer que nessas criações excepcionalmente 
bem-sucedidas dos seres humanos há alguma coisa de verdade absoluta; por isso, o 
desenvolvimento posterior do conhecimento humano não deixa que elas caiam no 
esquecimento (porque precisa delas). Nenhuma dessas criações pode ser 
adequadamente compreendida e assimilada pelas épocas que vieram depois delas 
sem um exame das condições específicas em que cada obra foi elaborada; cada uma 
delas possui uma ligação essencial com o momento da sua gênese; mas, na maneira 
de expressarem o momento histórico em que nasceram, elas conseguem acrescentar 
algo ao processo histórico como um todo. A “fluidificação” dos conceitos destinados a 
tratar dos dois lados dessa realidade só pode ocorrer através da determinação 
reflexiva: os conceitos funcionam como pares inseparáveis. Por isso, a dialética não 
pode admitir contraposições metafísicas, tais como mudança/permanência, ou 
absoluto/relativo, ou finito/infinito, ou singular/universal, etc. Para a dialética, tais 
conceitos são como “cara” e “coroa”: duas faces da mesma moeda. 
7.6 As Leis Da Dialética 
Nos últimos anos de vida de Marx, enquanto ele se esforçava para tentar acabar 
de escrever O capital, seu amigo Engels redigiu diversas anotações sobre questões 
que nos interessam, relativas à dialética. Marx apoiou Engels nas observações que 
este desenvolvia (e que continuou a desenvolver após a morte do autor d ’O capital). 
A grande preocupação de Engels era defender o caráter materialista da dialética, tal 
como Marx e ele a concebiam. Era preciso evitar que a dialética da história humana 
fosse analisada como se não tivesse absolutamente nada a ver com a natureza, como 
se o homem não tivesse uma dimensão irredutivelmente natural e não tivesse 
começado sua trajetória na natureza. Uma certa dialética na natureza (ou pelo menos 
uma pré- -dialética) era, para Marx e para Engels, uma condição prévia para que 
pudesse existir a dialética humana princípios daquilo que ele chamou de “dialética da 
natureza” e chegou à conclusão de que as leis gerais da dialética (comuns tanto à 
história humana como à natureza) podiam ser reduzidas, no essencial, a três: 
1) lei da passagem da quantidade à qualidade (e vice-versa); 
2) lei da interpenetração dos contrários; 
 
57 
 
3) lei da negação da negação. 
A primeira lei se refere ao fato de que, ao mudarem, as coisas não mudam 
sempre no mesmo ritmo; o processo de transformação por meio do qual elas existem 
passa por períodos lentos (nos quais se sucedem pequenas alterações quantitativas) 
e por períodos de aceleração (que precipitam alterações qualitativas, isto é, “saltos”, 
modificações radicais). Engels dá o exemplo da água que vai esquentando, até 
alcançar cem graus centígrados e ferver, quando se precipita a sua passagem do 
estado líquido ao estado gasoso. 
 A segunda lei é aquela que nos lembra que tudo tem a ver com tudo, os diversos 
aspectos da realidade se entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem uns dos 
outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidasisoladamente, uma por 
uma, sem levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas 
diferentes. Conforme as conexões (quer dizer, conforme o contexto em que ela esteja 
situada), prevalece, na coisa, um lado ou o outro da sua realidade que é 
intrinsecamente contraditória). Os dois lados se opõem e, no entanto, constituem uma 
unidade (e por isso essa lei já foi também chamada de unidade e luta dos contrários).A 
terceira lei dá conta do fato de que o movimento geral da realidade faz sentido, quer 
dizer, não é absurdo, não se esgota em contradições irracionais, ininteligíveis, nem se 
perde na eterna repetição do conflito entre teses e antíteses, entre afirmações e 
negações. 
A afirmação engendra necessariamente a sua negação, porém a negação não 
prevalece como tal: tanto a afirmação como a negação são superadas e o que acaba 
por prevalecer é uma síntese, é a negação da negação. Essas leis já se achavam em 
Hegel; Engels procurou resgatá-las do idealismo hegeliano e dar-lhes um sentido 
claramente materialista. Expondo, simplificadamente, algumas das noções básicas da 
dialética, Engels teve um imenso êxito e exerceu uma influência notável no 
pensamento de várias gerações de operários conscientes e militantes socialistas. A 
polêmica de Engels contra Dühring se tornou um marco na história das ideias do 
movimento operário. A experiência que foi sendo adquirida pelo movimento socialista 
ao longo do século XX mostrou que as formulações de Engels - embora brilhantes e 
didáticas - possuem certas limitações. As leis da dialética não se deixam reduzir a três 
e essa redução, tal como Engels a realizou, tem algo de arbitrário. Os princípios da 
dialética se prestam mal a qualquer codificação. Um código, por definição, articula as 
 
58 
 
leis, fixa as leis em artigos (artigo primeiro, artigo segundo etc.). Como poderiam, 
porém, ser fixadas em artigos as leis de uma filosofia da mudança, de uma concepção 
do mundo segundo a qual existe sempre alguma coisa de novo sob o sol? O utra 
limitação: os exemplos usados por Engels para esclarecer o funcionamento das leis 
da dialética eram todos extraídos das ciências da natureza. Por quê? Porque nas 
ciências exatas - dizia ele-as quantidades podem ser medidas e a demonstração pode 
se tornar mais convincente. Esse procedimento, entretanto, acabou sendo 
aproveitado por tendências políticas e ideológicas que, no interior do movimento 
socialista, sabotaram o aprofundamento da dialética (por exemplo, as tendências das 
quais Stálin foi o representante mais poderoso). Falaremos, mais adiante, dos 
problemas que vieram a se manifestar, ao longo do século XX, na história da dialética. 
Por ora, vamos nos limitar, aqui, a lembrar que a dialética parte do reconhecimento 
do fato de que o processo de autocriação do homem introduziu na realidade uma 
dimensão nova, cujos problemas exigem um enfoque também novo. O terreno em que 
a dialética pode demonstrar decisivamente aquilo de que é capaz não é o terreno da 
análise dos fenômenos quantificáveis da natureza e sim o da história humana, o da 
transformação da sociedade evidentemente, o que acaba de ser dito a respeito das 
limitações das formulações de Engels sobre as leis da dialética não significa que as 
referidas leis sejam falsas e devam ser esquecidas; significa apenas que elas devem 
ser utilizadas com as devidas precauções. 
Engels era um pensador dialético de grandes méritos. Em sua obra existem 
elementos que podemos invocar em favor da advertência que fizemos, quanto à 
profunda diferença que existe entre a dialética na natureza e a dialética na história 
humana. No Anti-Dühring, por exemplo, Engels dá um caso de passagem da 
quantidade à qualidade ocorrido na história (um caso observado por Napoleão 
Bonaparte). Napoleão analisou as lutas entre a cavalaria francesa, bem organizada e 
disciplinada, e a cavalaria dos mamelucos (que eram hábeis cavaleiros, dispunham 
de excelentes cavalos, mas eram indisciplinados). E tinha dito: “Dois mamelucos 
derrotavam seguramente três franceses; cem mamelucos enfrentavam, em igualdade 
de condições, cem franceses; trezentos franceses venciam trezentos mamelucos; e 
mil franceses derrotavam, inevitavelmente, 1500 mamelucos”. Esse exemplo é de 
enorme utilidade para nós. Se o compararmos ao exemplo da água que ferve aos cem 
graus e passa do estado líquido ao gasoso, perceberemos que ambos são casos de 
 
59 
 
passagem da quantidade à qualidade, porém são fenômenos de naturezas muito 
diferentes. No caso da água, temos um fenômeno físico, que não depende da vontade 
humana. No caso do confronto das duas cavalarias, temos um processo que depende 
da organização, isto é, depende de fatores subjetivos, de decisões e escolhas. Um 
processo que comporta alternativas e depende de iniciativas. 
7.7 O Sujeito e a História 
Depois da morte de Marx (em 1883) e de Engels (em 1895), o desenvolvimento 
do pensamento dialético não se interrompeu e prosseguiu seu acidentado caminho. 
No final do século XIX, o socialista alemão Eduard Bernstein (1850-1932) passou a 
criticar os escritos de Marx, sustentando que o capitalismo estava mais forte do que 
nunca, que as previsões do Manifesto comunista (de 1848) tinham falhado, de modo 
que era preciso submeter a uma rigorosa revisão os princípios que Marx tinha 
defendido. E a dialética, segundo o revisionista Bernstein, era “o elemento pérfido na 
doutrina marxista, o obstáculo que impede qualquer apreciação lógica das coisas”. 
Bernstein preconizou, então, um abandono da dialética, da herança hegeliana do 
marxismo, e um retorno a Kant. Na ocasião, as posições de Bernstein foram criticadas 
e recusadas pela direção do principal partido socialista do começo do século XX: o 
Partido Social-Democrático Alemão. As posições que venceram no debate foram as 
de Karl Kautsky (1854-1938). 
 
Fonte: alamy.com.br 
 
60 
 
Mas Kautsky também não era um autêntico dialético: ele confundia a dialética 
com o evolucionismo e às vezes se mostrava muito mais um discípulo de Darwin do 
que um discípulo de Marx (e tendia a considerar a história da humanidade uma mera 
parte da história global da natureza). A primeira geração de teóricos socialistas que 
veio depois da geração de Marx e Engels não conseguiu assimilar a dialética. O 
próprio genro de Marx, o cubano Paul Lafargue (1842-1911), publicou um livro 
intitulado O determinismo econômico de Karl Marx, que contribuiu para o 
fortalecimento, na consciência dos socialistas, de uma versão antidialética da 
concepção materialista da história. Nas duas primeiras décadas do século XX, 
difundiu-se entre os socialistas a ideia - falsa - de que, segundo Marx, os “fatores 
econômicos” provocavam, de maneira mais ou menos automática, a evolução da 
sociedade (sem que os homens - sujeitos do efetivo movimento da história - tivessem 
um espaço significativo para tomarem suas iniciativas).Essa concepção facilitava a 
infiltração de tendências políticas oportunistas no movimento socialista: quem não 
enxerga nada que dependa da sua ação tende facilmente a instalar-se na passividade 
(tende a contemplar a história, em vez de fazê-la). 
Houve revolucionários que reagiram contra a deformação da concepção 
marxista da história. Rosa Luxemburgo (1871-1919) e Lênin (1870-1924) se 
destacaram na revalorização da dialética. Invocando uma frase de Engels no Anti-
Dühring, Rosa sustentou que a história mundial se achava em face de um dilema: ou 
o socialismo vencia ou o imperialismo arrastaria a humanidade (como na Roma 
antiga) à decadência, à destruição, à barbárie. É possível que os termos do dilema 
tenham sido exagerados por Rosa, por influência da situação, do momento em que 
ela escrevia (Rosa estava presa, em 1915, e a Primeira Guerra Mundial tinha 
começado). De qualquer maneira, o dilema ajudou os militantes socialistas a 
compreenderem que a concepção marxista (dialética) da histórianão assegurava 
nenhum resultado preestabelecido. Lênin, por seu lado, desde 1902, no livro Que 
fazer? Empenhou-se apaixonadamente, no plano da teoria política, em abrir espaços 
para a iniciativa do sujeito revolucionário (e especialmente para a iniciativa da 
vanguarda do proletariado). Em seus estudos da obra de Hegel, em 1914, Lênin 
atribuiu imensa importância à herança hegeliana do marxismo e advertiu que, sem 
assimilar plenamente os ensinamentos contidos na Lógica de Hegel, nenhum marxista 
poderia entender inteiramente 
 
61 
 
O capital de Marx. Os estudos da obra de Hegel e as reflexões sobre o método 
dialético foram de grande valia para Lênin em sua análise do imperialismo e na 
elaboração estratégica que o levou a liderar a tomada do poder na Rússia, em 1917, 
pelos bolchevistas. O novo poder soviético despertou entusiasmo em círculos 
revolucionários e progressistas do mundo inteiro: era uma demonstração prática das 
possibilidades concretas que estavam ao alcance do sujeito humano disposto a 
transformar o mundo. Importantes marxistas dos anos 1920 e 1930 encontraram nas 
ideias de Lênin e sobretudo em suas realizações práticas, elementos que os 
impulsionaram em seus esforços para levar adiante o desenvolvimento da dialética. 
Esboçou-se um vigoroso movimento teórico que pretendia superar definitivamente as 
deformações antidiabéticas a que tinham sido submetidas certas concepções de Marx 
no começo do nosso século. As tentativas de confundir o marxismo com o 
“materialismo vulgar” ou com o “determinismo econômico” foram inteligentemente 
criticadas. O húngaro Georg Lukács (1885-1971) advertiu: “Não é a predominância 
dos motivos econômicos na explicação da história que distingue decisivamente o 
marxismo da ciência burguesa: é o ponto de vista da totalidade”. Somente o ponto de 
vista da totalidade, segundo Lukács, permite à dialética enxergar, por trás da 
aparência das “coisas”, os processos e inter-relações de que se compõe a realidade. 
Somente o ponto de vista da totalidade permite que se veja no real um “jorrar 
ininterrupto de novidade qualitativa”. 
O italiano Antônio Gramsci (1891-1937) caracterizou o marxismo como um 
“historicismo absoluto”. Para ele, o fatalismo determinista pode se tornar uma força de 
resistência moral, pode ajudar o revolucionário a perseverar na luta, pode ajudar a 
organização revolucionária a manter a sua coesão interna nos períodos marcados por 
uma sucessão de graves derrotas. Nesse sentido, Gramsci se dispõe até a fazer-lhe 
um “elogio fúnebre”, reconhecendo a função histórica do determinismo, porém 
“enterrando-o com todas as honras”, pois se o determinismo persistir dificultará 
sempre o desenvolvimento do espírito crítico e da criatividade entre os 
revolucionários. O materialismo histórico de Marx e Engels é constatativo e não 
normativo: ele reconhece que, nas condições de insuficiente desenvolvimento das 
forças produtivas humanas e de divisão da sociedade em classes, a economia tem 
imposto, em última análise, opções estreitas aos homens que fazem a história. Isso 
não significa que a economia seja o sujeito da história, que a economia vai dominar 
 
62 
 
eternam ente os movimentos do sujeito humano. Ao contrário: a dialética aponta na 
direção de uma libertação mais efetiva do ser humano em relação ao cerceamento de 
condições econômicas ainda desumanas O alemão Walter Benjamin (1892-1940), 
aliás, lembrou que a história, tal como ela veio se desenrolando até o presente, está 
impregnada de violência, de opressão, de barbárie; e é exatamente por isso que a 
tarefa do teórico do materialismo histórico não pode ser pensar uma espécie de 
prolongamento “natural” dessa história, não pode ser promover a continuidade daquilo 
que essa história produziu, limitando-se a transmitir seus produtos de mão em mão. 
Um espírito dialético - escreveu Benjamin, através de uma sugestiva imagem — insiste 
em “escovar a história a contrapelo”. Infelizmente, os esforços de Lukács, Gramsci, W 
alter Benjamin e vários outros intelectuais marxistas dos anos 1920 e 1930 foram 
contrariados por uma tendência antidialética que avançou muito no interior do 
movimento comunista após a morte de Lênin, em 1924. O principal representante 
dessa tendência antidialética foi Josef Stálin (1879-1953), que assumiu a direção do 
PC da URSS e do Estado soviético e exerceu uma enorme influência sobre o 
movimento comunista mundial. Stálin era um político de grande talento, mas 
desprezava a teoria, não a levava a sério: instrumentalizava o trabalho teórico, com 
espírito pragmático, cínico. Em Marx, Engels e Lênin, a prática exigia um reexame da 
teoria e a teoria servia para criticar a prática em profundidade, servia para questionar 
e corrigir a prática. 
 Em Stálin, isso mudou: a teoria perdeu sua capacidade de criticar a prática e o 
trabalho teórico ficou reduzido a uma justificação permanente de todas as medidas 
práticas decididas pela direção do partido comunista. Stálin considerava Hegel uma 
expressão “sociológica” do atraso da Alemanha na época da Revolução Francesa e 
de Napoleão. Ao contrário de Lênin, que estudava Hegel, Stálin tinha uma antipatia 
imensa pelo patrimônio da herança hegeliana. Em seu raciocínio, Stálin ignorava 
frequentemente as mediações, cuja importância tinha sido sublinhada tanto por Hegel 
como por Marx. Stálin pensava da seguinte maneira: Zinoviev, Kamenev, Trótsky, 
Bukhárin e outros têm opiniões “erradas” a respeito de questões importantes; expondo 
suas opiniões, defendendo-as, eles produzem efeitos daninhos, objetivamente tão 
nocivos como os efeitos que seriam provocados pela ação de sabotadores, espiões, 
agentes contrarrevolucionários e traidores; portanto, objetivamente, eles são 
sabotadores, espiões, traidores, agentes inimigos - e precisam ser objetivamente 
 
63 
 
tratados como tais. Nas coisas que Stálin dizia ou escrevia apareciam, volta e meia, o 
advérbio “objetivamente” e o adjetivo “objetivo” (ou “objetiva”), precisamente porque 
ele não encarava dialeticamente a questão do papel da subjetividade na história e 
tendia a identificar (de modo positivista) “subjetivo” com “arbitrário” e “objetivo” com 
“científico”. Para se ter uma ideia de como esse modo de pensar e de agir era diferente 
do de Lênin, basta lembrarmos que Zinoviev, Kamenev Trótsky e Bukhárin divergiram 
de Lênin em questões importantíssimas e nem por isso Lênin os liquidou. Tal como 
Engels, Stálin tinha talento para as simplificações didáticas; faltava-lhe, entretanto, a 
sólida base cultural e teórica de Engels. Stálin retomou de Engels o esquema das “três 
leis” da dialética, mas “corrigiu-o”. 
Em seu trabalho Sobre o materialismo dialético e o materialismo histórico (1938), 
Stálin sustentou que o método dialético não possuía propriamente três leis gerais e 
sim “quatro traços fundamentais”, que eram: 
1) a conexão universal e a interdependência dos fenômenos; 
 2) o movimento, a transformação e o desenvolvimento; 
 3) a passagem de um estado qualitativo a outro; 
4) a luta dos contrários como fonte interna do desenvolvimento. 
Para Stálin, a expressão negação da negação”, usada por Engels, era muito 
hegeliana, muito abstrata: não correspondia claramente a um processo que se 
realizava sempre “do simples ao complexo, do inferior ao superior”. Não bastava que 
a síntese (a “negação da negação”) fosse qualitativamente distinta tanto da afirmação 
(tese) como da negação (antítese): ela devia assumir um conteúdo nitidamente 
positivo, para poder ser aproveitada propagandisticamente na luta política. Nos 
esquemas de Stálin era assim mesmo: as categorias da reflexão, do estudo e da 
investigação científica deveriam estar sempre preparadas para ser postas a serviço 
da propaganda A deformação antidialética do marxismo, característica dos tempos de 
Stálin, influiu poderosamente na educação ideológica de pelo menos duas gerações 
decomunistas, no mundo inteiro. Essa influência está longe de ter sido 
suficientemente analisada em suas origens e suprimida em suas consequências. 
Nikita Khruschov, quando era secretário-geral do PC da URSS, denunciou, em 1956, 
o sistema do “culto à personalidade” e as “graves violações da legalidade socialista”, 
mas não contribuiu em nada para a elaboração de uma interpretação marxista das 
causas e da exata natureza dos fenômenos que abordava. Os métodos de Stálin 
 
64 
 
foram condenados em termos éticos e passaram a ser combatidos em termos políticos 
pragmáticos. Como, porém, eles se baseiam numa crassa subestimação da teoria, 
nunca poderão ser efetivamente superados enquanto não for plenamente recuperada 
a seriedade do trabalho teórico; e essa seriedade só estará comprovada no dia em 
que as deformações impostas à dialética marxista no período de Stálin tiverem sido 
submetidas a uma análise científica e filosófica, a uma investigação historiográfica 
profunda e convincente3 
8 METODOLOGIA DAS CIENCIAS SOCIAIS 
8.1 Atualidade De Max Weber 
Max Weber é um autor clássico, portanto, atual. Se pudéssemos sintetizar a 
temática central do conjunto de sua obra, diríamos que ela se debruça sobre os 
problemas da racionalização, da secularização, da burocratização das estruturas e 
dos comportamentos das pessoas como traços específicos da civilização ocidental. 
Weber tem uma contribuição ã análise do que hoje em dia se discute com o título de 
"modernidade", em torno da qual se produziu obras significativas como a Teoria da 
Ação Comunicativa de Habermas, o conjunto dos escritos de Baudrillard, Lyotard, 
Peter Berger e F. Arocena "O que em definitivo criou o capitalismo foi a empresa 
duradoura e racional, a contabilidade racional, a técnica racional, o Direito racional, a 
tudo isso há que juntar a ideologia racional, a racionalização da vida, a ética racional 
na economia." CM Weber, História Económica General, p. 298, Ed FCE, 1956.) A esse 
processo de racionalização vincula-se o desencantamento do mundo, conferindo-lhe 
um aspecto negativo: o racionalismo estrutural que entronizara a razão como 
demiurgo do universo através do paradoxo das consequências transforma-se em 
razão técnica instrumental a serviço do capital, criando a jaula de ferro - a burocracia 
- que enquadrará o chamado homem moderno. A civilização ocidental assiste também 
ã fragmentação das várias áreas do conhecimento, na medida em que a religião não 
pode fornecer o "sentido" da vida ao homem, que, abandonado pelas velhas certezas, 
 
3 Texto extraído: Konder, Leandro O que é dialética / Leandro Konder. — São Paulo: Brasiliense, 2008. 
— (Coleção Primeiros Passos: 23). Disponível em : 
http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Konder,%20Leandro/O%20que%20e%20dialetica.pdf. 
Acesso em: 12/02/2019 às 14:23h. 
http://afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Konder,%20Leandro/O%20que%20e%20dialetica.pdf
 
65 
 
é instado por Weber a ser fiel ã "vocação" da ciência enquanto saber que se legitima 
por si mesmo, já que a pesquisa científica não tem fim e a própria vida também Tudo 
é um processo. Para quem não puder afrontar de frente este destino - aponta Weber 
-, as misericordiosas igrejas estarão abertas, contanto que se faça o sacrifício do 
intelecto. Racionalização, secularização e individualismo, traços dominantes da nossa 
civilização e da modernidade, promovem a autonomia relativa das inúmeras áreas do 
conhecimento, daí a impossibilidade de uma teoria ontológica do social. Nem a 
ciência, nem a filosofia podem dar um "sentido" à existência. A modernidade não 
comporta "soluções". Cabe ao homem conviver com os "paradoxos". XII Weber 
ressalta dois fenômenos básicos da modernidade: a perda do significado da vida e a 
perda da liberdade. A Alemanha conheceu a industrialização e o autoritarismo, sua 
filosofia "moderna" foi estruturada a partir de Leibniz, um discípulo de Para Celso, da 
seita Rosa-cruz, que prefigura a "solução" rosa-cruz de Hegel, a rosa da razão e a 
cruz do presente. 
Surge, então, uma "nova razão" germânica - organicista, evolucionista, 
historicista, com poder de síntese que será cobrado ao esoterismo. Assim, de 
Schelling a Hegel, assiste-se a uma esoterização do racionalismo moderno. O 
romantismo alemão opõe-se ã irreligião das Luzes, conceitualiza a filosofia e 
sistematiza o misticismo. O próprio Hegel confessava-se luterano. Esse luteranismo 
vinculado ao pietismo desenvolve um antiinteleetualismo baseado na noção de que a 
fé é privilégio dos simples e faz ressurgir o velho milenarismo escatológico que cria a 
temática da "destruição da razão", na qual a providência divina retoma a direção dos 
eventos acima do egoísmo individual. Sem falarmos em Fichte, Kant e Hegel como 
filósofos da "razão de Estado". Enquanto o romantismo francês realizava a crítica 
social, o romantismo alemão idealizava a razão de Estado. Até os dias de hoje não há 
em alemão nenhuma nomenclatura que se aproxime do conceito anglo-saxão de 
"ciências sociais", encontramos sim uma Enciclopédia de Ciências do Estado. Weber, 
oriundo de uma burguesia que não realizou sua revolução burguesa, de um 
liberalismo iliberal, de um iluminismo vinculado ã franco-maçonaria e ao misticismo 
rosa-cruz, viu-se cingido a analisar os "dilemas" germânicos, a beatice ante o "culto 
do Estado", como conciliar Direitos Humanos e um Estado Nacional "de potência". 
Como impedir que o racionalismo instrumental a serviço do cálculo econômico não se 
transforme numa "jaula de ferro" que aprisione o homem? Como reagir ante a 
 
66 
 
burocracia como "destino" não só alemão, mas também universal? No plano das 
ideias, os manuais de sociologia ressaltam a influência de Dilthey, Simmel, Rickert e 
Windelband como significativa para a compreensão de Weber. Em que medida isso 
se dá? Dilthey pertence ã tradição do historicismo alemão e constitui uma reação ao 
positivismo dominante na sua época. Daí a dialética burocracia tersus carisma, em 
que a dominação burocrática significa a obediência a cargos, a hierarquização das 
pessoas e dos saberes, a aposta na estabilidade; de outro lado, a apatia dos sujeitos 
como nota dominante, o desinteresse para o que vá além da vida privada, a ênfase 
na homogeneização e na uniformização massificante. O carisma significa a irrupção 
da emoção, o questionamento da; valores, a ascensão do niilismo, a transitoriedade 
das formas de sentir, pensar e agir de pessoas e grupos. 
A dualidade burocracia tersus carisma é sem solução. Os institutos jurídicos, as 
formas de dominação fundadas em quadra; administrativos estáveis, para Weber, são 
"rotinizações" do fenômeno carismático original, que, "contaminado" com a 
burocracia, transforma-se em carisma de cargo, carisma de "sangue" hereditário ou 
carisma institucional. A fragmentação da visão do mundo, a multiplicidade das esferas 
socioculturais, sua autonomia crescente e o relativismo como valor definem, para 
Weber, os parâmetros da mcx:lernidade. Especialmente nesta altura do século XX, 
com o desmantelamento da URSS e a crise do Leste Europeu, estamos sob a égide 
do "Deus que faliu", cuja morte fora anunciada no século passado por Nietzsche e se 
conclui na; dias de hoje. Reagindo ao positivismo, Dilthey trabalha para a 
compreensão do significado da experiência simbólica; Weber, com a compreensão do 
sentido da ação social, trabalha para a compreensão do significado do sujeito. 
Diferentemente de Weber, em que a; fenómenos da "vida" ou da "vivência" tendem a 
ser submetida; a uma inteligibilidade de seu andamento ou processo, Dilthey concede 
ao conceito vida um valor metafísico, na medida em que é indefinível. Preso a este 
conceito irracionalista de vida está Simmel, que trabalha com conceitos como vida e 
forma. Para ele, as ações de cada indivíduo teriam certa permanência em que a forma 
criada pela vidase converte numa esfera autônoma, obediente às leis do "fetichismo 
da mercadoria". Simmel deve ter sofrido influência de Bergson na valorização do 
conceito vida quando equipara ao conceito de substância, da filosofia grega, a noção 
cristã medieval de Deus e a ideia de natureza do Renascimento. O trágico da noção 
de "vida" é que para esta se realizar deve se converter em "não-vida"; essa é a grande 
 
67 
 
tragédia da cultura, aduz Simmel. Simmel aproxima-se de Weber na negação da ideia 
de "uma totalidade", que se revela como impossibilidade de conhecimento. Ele se 
atém às perspectivas específicas do sujeito. Weber escreve sobre "tipos ideais", 
Simmel sobre "tipos de forma". Sociólogo que também influiu em Weber foi Ferdinand 
Tónnies, cujos conceitos de "comunidade" e "sociedade" se aproximam dos "tipos 
ideais" daquele. A "sociedade", segundo Tónnies, é a base da civilização racionalista, 
pragmática, urbana e industrial. São estruturas históricas, na medida em que 
nenhuma sociedade que existe deixará de ser precedida pela comunidade. Por outro 
lado, para Tónníes, esses conceitos são transitórios já que coexistem em instituições 
como a farru1ia, a igreja, o Estado. 
Observa-se em Tónnies a preocupação de fundir o orgânico (comunidade) ao 
mecânico (sociedade), preocupação que na sociologia de Durkheim tomaria a 
denominação de solidariedade orgaruca (sociedades primitivas) e solidariedade 
mecânica (sociedades industriais). Georg Simmel é um autor do "círculo de Weber" 
que irá influenciá-lo. Sua contribuição à sociologia inicia-se com a introdução da; 
conceitos de "relação" e "função". Para ele, a sociedade consiste numa "função" que 
aparece nas relações dinâmicas interindividuais; só há ações e relações entre 
indivíduos que formam uma unidade em interação. Simmel se coloca uma questão na 
forma de Kant: É possível a sociedade? Para ele, a pergunta fundamental de Kant 
fora a seguinte: A natureza é passível de ser objeto da ciência? Segundo Simmel, 
Kant poderia ter adiantado uma resposta, já que a natureza era vista como 
representação da natureza. A natureza é a maneira com que nosso intelecto recebe 
e ordena as percepções da; sentidos, é uma espécie de cognição. Esta é a razão de 
Simmel propor idêntica pergunta em relação à sociedade: quais são as condições a 
priori que tomam a sociedade possível? Há elementos individuais, são sintetizadas; 
na unidade do social mediante um processo de consciência que coloca a existência 
individual de vária; elementos numa relação definitiva através das formas, conforme 
leis definidas. Porém, há uma diferença entre a unidade da natureza e a unidade da 
sociedade. Enquanto a unidade na natureza se realiza pela contemplação do sujeito, 
a unidade da sociedade é realizada pelos rnernbros que a compõem O processo de 
socialização se realiza através das experiências do indivíduo. Não é através da 
mediação de um observador externo que a sociedade adquire uma unidade objetiva, 
não o necessita. Ela é uma unidade direta entre observadores. Diz Simmel: "A 
 
68 
 
sociedade é minha representação no processo de atividade da consciência". A 
resposta à pergunta - como é possível a sociedade? - é fornecida por um a priori que 
está contido nos sujeitos sociais. Descobertos a; apriorismos sociológicos, enuncia 
Simmel, teremos condições de pesquisar a socialização como associação consciente 
de pessoas. Para Simmel, inicialmente, a associação representa a intersecção de dois 
domínios. Ingressar na sociedade é participar de um coletivo; ao mesmo tempo, o 
homem possui um núcleo individual. Partindo da completa singularidade da 
personalidade, tema; uma representação dela não idêntica à realidade específica e 
que tão pouco corresponde a uma tipologia generalizante. O diálogo com a sombra 
de Marx se dá, para Max Weber, através de Economia e Sociedade, que indica a 
intenção do autor de submeter a um exame a tese sociológica marxista. 
Em primeiro lugar, Weber pretende mostrar que a; problemas sociológicos; da 
economia, da religião e do Direito dependeram de alguma maneira de processa; 
económico-sodais. Ele insiste no fato de que todos os grupos sociais possuem 
dinâmica própria e autonomia específica, além das influências económicas. Weber 
procura refutar o determinismo como algo não comprovado pela pesquisa científica, 
procura pesquisar o caráter específico do capitalismo ocidental, mais do que 
propriamente afirmar a supremacia das forças espirituais sobre os materiais. Segundo 
ele, o capitalismo ocidental é produto de circunstâncias históricas especificas, não 
deixando de mencionar também os obstáculos de caráter mágico que impediram o 
desenvolvimento do capitalismo industrial em várias civilizações. Por outro lado, 
procurou mostrar que tanto a religião quanto o Direito têm seu nível de autonomia 
relativa ante o económico, em que a transformação de "seita" em "Igreja" e a 
codificação jurídica vinculada a um saber especializado constituem momentos no 
processo de burocratização da religião e do Direito. Para Weber, a antinomia 
burocracia versus carisma é central na civilização moderna. "Burocracia" significa a 
rotina, a estabilidade, o estatuído, a obediência às regras, enquanto "carisma" significa 
a irrupção violenta de personalidades "exemplares" que se julgam portadoras de uma 
missão de salvação. O carisma constitui, no início, um fator revolucionário. Ele nega 
o existente, é com sua rotinização e integração no quotidiano que o carisma se torna 
hereditário, de sangue, "de cargo", deixa de ser atribuído a uma pessoa para ser 
transferido a uma instituição ou a um "cargo". O dualismo racionalismo e 
irracionalismo permeia Economia e Sociedade. O desenvolvimento de uma profissão 
 
69 
 
jurídica criou o racionalismo lógico e um pensamento sistemático como constitutivos 
do pensamento jurídico. Ao lado disso, persiste a justiça de cadi exercida por não 
especialistas, como, por exemplo, o júri no caso de julgamentos na área criminal. 
Weber não só se preocupou em analisar como o económico influi no social, no político, 
no religioso, mas também como estes reagem ao económico. Essa discussão com a 
sombra de Marx permite a Weber tornar-se o grande sociólogo das "superestruturas". 
8.2 Roscher e Knies e os problemas lógicos de Economia Política Histórica 
(1903/6) 
Neste texto, Weber submete a uma crítica os fundamentos lógicos da Escola 
Histórica da economia, ressaltando uma herança romântica no plano do seu método. 
Ele toma posição ante o debate metodológico sobre a classificação das ciências, ao 
qual participavam Dilthey, Windelband WUndt, Rickert, os positivistas e muitos outros. 
Weber procura mostrar que a chamada escola histórica não se constitui num núcleo 
de pesquisa histórica, mas sim num evolucionismo em que as categorias do 
romantismo estão presentes. O mérito dessa posição é permitir a emergência de 
pesquisas na área da história económica que possibilitariam conhecer as diversas 
formações econômicas XVI • micas. Essa posição já fora sustentada pelo economista 
Carl Menger no seu debate com os adeptos do historicismo, Weber critica a falácia da 
metodologia romântica que privilegia entidades metafísicas como sociedades 
"orgânicas"; apela a um improvável "espírito do povo", apelo este em que está contida 
a herança romântica na sociologia. A importância de Weber está exatamente na 
demolição desta sistemática. Weber vê a utilização, pela Escola Histórica, de 
entidades metafísicas mal alinhavadas, em que a referência a valores impede uma 
pesquisa objetiva. Crítica Lipps e Benedetto Croce mostrando a incompatibilidade em 
firmar a autonomia do conhecimento histórico na visão crociana da existência de uma 
realidade psíquica oposta à física ou que privilegia a intuição como elemento fundante 
da compreensão Preocupado em fundamentar o caráter objetivo das ciências sociais, 
Weber crítica tanto o intuicionismocomo a visão diltheana da classificação das 
ciências conforme seu objeto. Para ele, não é a distinção entre ciências da natureza 
e ciências do espírito o fundamental, nem a explicação pela "compreensão" ou 
"causalidade". Longe disso, o fator distintivo é a estrutura lógica das ciências sociais 
pelo seu caráter individualizante. Fundado em Rickert, Weber privilegia não o objeto 
 
70 
 
como tal, mas sim o fim e a elaboração conceitual, em que a compreensão se liga à 
verificação empírica vinculada a uma forma de causalidade. Através de Weber, Dilthey 
é reinterpretado e aproximado de Rickert. Para Weber, a compreensão não exclui a 
causalidade; ao contrário, acentua a prova do nexo causal individualizado. Através do 
processo interpretativo, estudam-se as relações causais entre fenómenos 
diversamente relacionados na sua especificidade. O problema central que preocupa 
Weber é o da fundamentação da objetividade das ciências sociais, daí a importância 
de sua polêmica contra o romantismo subjacente à Escola Histórica. Da crítica ao 
historicismo, ele deduz a noção da neutralidade axiológica e a necessidade da 
explicação causal da fundamentação de suas proposições. Weber dedica boa parte 
do texto da Metodologia... à obra de Knies, a quem sucederá na cátedra universitária, 
porém discutirá a contribuição de WUndt, lipps, Gottl e Simmel. 
Ele prometia dedicar uma parte do texto à análise da obra de Knies, porém isso 
jamais foi escrito. A impossibilidade de construir um sistema racional que dê conta da 
realidade deve levar-nos a aceitar as irrupções irracionalistas com suas metodologias 
intuicionistas? Knies procede a uma classificação das ciências conforme o objeto, pois 
pensa que este determina o método a ser empregado. Para ele, existem as ciências 
da história, do espírito e da natureza. Observa ele que se dá uma intervenção da 
natureza em obediência às leis e oposta à atividade humana, vista como livre, singular 
e irracional. A influência da natureza sobre a economia deveria produzir um 
crescimento económico sujeito a leis; se isso não ocorre, é porque as leis naturais 
continuam sendo assim, não são leis econômicas, pelo fato da ação da vontade 
humana que introduz a irracionalidade. O dilema que Knies enfrenta é a oposição 
entre a causalidade mecânica operante no mundo natural e a ação "criadora", devida 
à ação das pessoas na economia. Weber mostra como pertence ao passado o 
preconceito positivista, segundo o qual os fenômenos de massa seriam mais objetivos 
e menos singulares do que a ação de um indivíduo. Porém, o que chama a sua 
atenção é o emprego do termo "criador" por Knies, que Wundt introduz nas ciências 
humanas com o nome de "síntese crítica". Weber procura mostrar que esses conceitos 
nada mais são do que processos avaliativos, nos quais o termo "criativo" pouco 
significa para o entendimento de uma ação humana. Argumenta que os processos 
que permitiram a formação de um diamante no mundo natural são "sínteses criativas", 
como a formação de uma religião organizada em torno do seu profeta, porém o sentido 
 
71 
 
da ação que levou ao surgimento dos dois fenômenos é totalmente diferente devido 
às referências a valores diferenciais. Há um processo lógico que estabelece uma 
síntese na esfera das mudanças qualitativas. ·Quando isso ocorre, estamos em 
condições de atribuir um caráter causal a alguns elementos seledonados; procedemos 
a uma escolha. Portanto, o fator que diferencia as causas em importantes e 
desimportantes é obra do nosso conhecimento e não do curso "real" dos eventos. Em 
outros termos, uma ação causal formada por elementos desiguais depende das 
diferentes referências a valores a que estamos submetidos. Em si mesmos, os 
processos da natureza e da história não têm significação maior. É o homem pensando 
e agindo com referência a valores que constitui o elemento determinante da 
valorização de certos fenômenos e de vários tipos de causalidade que imputamos aos 
acontecimentos. 
Daí a razão pela qual Weber concebe a "síntese criativa" não como princípio 
imanente do devenir psíquico e histórico, mas como adaptação, progresso e muitos 
outros conceitos assemelhados, que se constituem numa introdução sub-reptída da 
referência a valores na análise científica. O que Weber procura demonstrar contra 
Wundt é que a finalidade da ciência é a pesquisa infinita e a luta pelo progresso do 
conhecimento. Os resultados têm veracidade vinculados às normas lógicas de nosso 
pensamento. Daí Weber deduz uma visão de processo histórico, na medida em que o 
processo da natureza e da história são em si mesmos destituídos de significação; 
nenhuma filosofia da história pode arvorar-se a falar em nome da ciência. Ao mesmo 
tempo, ao admitir que o desenvolvimento de referências a valores é infinito na medida 
em que não há um único absoluto sistema de valores, Weber rejeita o psicologismo, 
o historicismo e o naturalismo que pretendam passar por concepções do mundo. 
Como a realidade empírica é infinita, a ciência não pode abarcar a sua totalidade da 
realidade empírica. Quando o faz, transformam-na em entidade metafísica, prejudicial 
à filosofia e à pesquisa científica. Quanto à irracionalidade, Weber critica aqueles que 
atribuem à ação humana uma irracionalidade maior do que a dos fenômenos 
meteorológicos, estes, bem menos previsíveis. O comportamento humano, para 
Weber, pode ser inteligível através da compreensão e da revivescência, 
reconstruindo-se o nexo causal a que ele obedece. É o que chama o comportamento 
com referência a fins. O comportamento livre não é em si irracional, é passível de 
interpretação, porque obedece a uma teleologia. Weber analisa criticamente a visão 
 
72 
 
do psicólogo Mustenberg a respeito do papel da interpretação nas ciências, 
acentuando que o dentista é o juiz de seu trabalho. É ele quem avalia o nível de 
precisão dos conceitos, conforme as finalidades da pesquisa. Adverte ainda que a 
realidade é infinita, não cabendo à ciência transformar divisões meramente 
metodológicas em divisões do ser enquanto tal. A interpretação, para Weber, é um 
dos meios usuais de acesso ao conhecimento. Não nega a explicação por via indutiva 
ou pelo cálculo estatístico; são as necessidades da pesquisa que definirão a eleição 
de um método. A interpretação poderá ser um dos ângulos da relação causal, admitida 
a relação meios e fins ou a ação racional tendente a fins. Por sua vez, Simmel 
procurou desenvolver uma teoria da interpretação e compreensão, distinguindo a 
compreensão objetiva da compreensão subjetiva. A primeira procura o sentido de uma 
expressão; a segunda, os motivos de quem se exprime. 
A interpretação a partir dos A motivos, para Simmel, é incerta, na medida em 
que o motivo é ambivalente, podendo conduzir tanto ao amor como ao ódio. A 
compreensão objetiva do sentido tem mais espaço, porém é limitada na pesquisa 
científica pelo fato de o sentido definir-se no âmbito de uma unidade coerente 
logicamente. Admirando a fineza das análises de Simmel, Weber mostra que é 
artificial a distinção entre objetividade da compreensão e subjetividade da 
interpretação. Assim, segundo ele, sentimentos e práticas correntes podem ser 
submetidas à análise compreensiva, seja o sentido de uma ordem, seja um apelo 
direto à consciência e ao sentimento de dignidade. O apelo à interpretação teórica, 
quando determinado o conteúdo, não é compreendido de imediato; tem como fim 
compreender objetivamente o sentido de uma ordem ou apelo. Crítica idêntica Weber 
dirige à obra de Gottl. E, finalmente, dirige críticas a lipps e a Benedetto Croce, embora 
estes autores se situem no âmbito da estética. Para lipps, a compreensão de uma 
expressão de alguém transcende à simples intelectualidade, comporta uma 
entropatia, entendida como uma imitação interiorizada do comportamento alheio. Para 
Weber, a entropatia não se constitui como condição de conhecimento,nada na> indica 
que possamos identificá-la, pois o conhecimento, em razão de sua finalidade, opera 
uma seleção de aspectos do "vivido". O "eu", como fonte da coisificação, coloca a 
questão da natureza lógica do conceito "coisa", e isso já na> remete à sua crítica a 
Benedetto Croce. Para Croce, um conceito não é uma intuição, na medida em que por 
essência é geral e abstrato. As coisas são individuais, não passíveis de redução a 
 
73 
 
conceitos, mas podem ser captadas pela intuição. Não existe conceito do singular. A 
história, vista como conhecimento do singular e, portanto, do fenômeno artístico, é 
uma sucessão de intuição. Weber argumenta que o conhecimento só é válido 
definitivamente, caso possa ser controlado, verificado. A ciência exige a prova e a 
demonstração, do contrário, teríamos uma ciência sem problematizações ou 
pesquisa. A intuição tem um papel de exploração inicial, mas é a conceitualização a 
condição da clareza e validade das proposições. Weber define a história como ciência 
do real, não pelo fato de fotografá-lo, nem pelo fato de utilizar fórmulas matemáticas, 
mas sim pelo fato de trabalhar com conceitos definida> para compreensão da 
determinação da> acometimentos e de suas relações intrínsecas. Para ele, o "vivido" 
e a "experiência" não se negam; pelo contrário, a compreensão pressupõe a 
experiência, a evidência da primeira assertiva tem como base a segunda. O que muda 
é a qualidade da evidência, 
Weber alerta para se evitar a confusão entre evidência e validade, pois o que é 
percebido intuitivamente como evidente pode não ter validade para a ciência. A 
validade de uma proposição depende da lógica da verdade, enquanto uma relação 
pode na> parecer evidente ou hipotética, ou ainda na forma de tipo ideal. O passado 
continua vivo graças à relação com a> valores e à confrontação do historiador com o 
passado, o que permite que ele seja reescrito. A história se integra a novas 
interpretações do historiador, por isso, para Weber, ela é fecundada pela filosofia da 
história devido à referência a valores com que trabalha o historiador. A seleção da> 
fatos históricos> dá-se conforme a> valores do pesquisador e é expressa em 
julgamentos articulada> que permitem ao leitor controlar sua fundamentação. Assim, 
é possível, através da ação racional com vista a fins, procurar a inteligibilidade do 
comportamento humano. A ação racional pressupõe a racionalização daquela fatia da 
realidade que indica que expectativas devemos ter de um determinado 
comportamento. Deste modo, a racionalização teleológica pode construir formas de 
mentalização com grande valor heutístico na análise da causalidade histórica. Elas 
são ideais típicas, na medida em que permitem medir a distância entre a realidade e 
a racionalidade teleológica. Para Weber, as ciências humanas utilizam a categoria da 
causalidade plenamente. Procuram, através da abstração, descobrir nas relações 
causais regras de causalidade, como explicar as relações causais concretas por meio 
 
74 
 
de regras. Na área da História, Weber situa a explicação causal que se vincula à 
interpretação compreensiva. 
8.3 A objetividade cognoscitiva da Ciência Social e da Política Social 
Weber procurava garantir a objetividade das ciências sociais através de 
pressupostos que garantissem certa neutralidade valorativa e ao mesmo tempo, 
cobrava o rigor da explicação causal. Esta é a temática deste texto. Como fugir da> 
pressupostos que levam a valores? Weber recorre a Rickert, para o qual as ciências 
naturais implicam um conhecimento generalizante e a história um conhecimento 
individualizado. Isso pressupõe uma "relação de valor", pois significa determinar o 
objeto como indivíduo. O mundo histórico é o mundo da "cultura", dos valores. As 
ciências históricas-sodais organizam-se enquanto ciências culturais. Rickert irá admitir 
o conceito "compreensão" no esforço de entender o significado inerente às ciências 
culturais. Para ele, a abrangência das ciências naturais e culturais passa pela 
existência ou não de uma "relação de valor' Weber via nos fundamentos metafísicos 
da "Escola Histórica" um sentido político conservador, pois a visão da sociedade como 
"orgasmo" definia um ideário político estático como critério de referência a valores. É 
importante salientar que as analogias entre a sociedade e o organismo estão 
presentes no romantismo alemão; constituem-se em unidades de referência. É o 
termo de uma época inaugurada por Herder presente em Schelling e Goethe. É 
através do termo "organismo" que a unidade da forma em movimento adquire sua 
autoconsciência. Através de Schelling e Goethe, a "metáfora orgânica" incorporou-se 
ao romantismo alemão, cujas inconsistências Weber submete à crítica em sua 
metodologia. Por isso, as disciplinas que integram as ciências sociais estruturam-se 
segundo determinadas "visões". Assim, a cultura não está eternamente determinada, 
mas constitui-se através de áreas autônomas do conhecimento, redefinindo o 
problema da causalidade. No âmbito da esfera do agir, Weber ingressara no grupo 
dos "socialistas de cátedra", grupo de economistas interessados na "questão social" 
e preocupados com a "modernização" da Alemanha. Os problemas de política social 
estavam vinculados à metodologia da pesquisa, pois definir uma política agrária, por 
exemplo, implicava uma pesquisa de campo. Weber admitia que a sociologia devia se 
pronunciar ante fatos concretos. Porém, argumentava que a pesquisa devia ser 
 
75 
 
objetiva. As ciências sociais atuam no nível da existência objetiva de problemas e não 
cabe a elas definir os fins últimos; elas definem o que é, não o que será. As ciências 
sociais movem-se no mundo fatual e não no mundo ideal dos valores. Isso "terá 
implicações em sua visão sobre "neutralidade" e "compromisso": na ciência, a primeira 
categoria seria a dominante; na esfera da ação política, a segunda categoria seria 
dominante. Assim, ética e ciência podem funcionar em campos relativamente 
autônomos, enquanto ética e política quase sempre implicam a cumplicidade do 
sujeito ativo., 
8.4 Estudos críticas sobre a lógica das Ciências da Cultura 
A ciência natural faz referência a uma lei geral para explicar os fenômenos, 
enquanto as ciências sociais o fazem através da individualização, em que a forma de 
compreensão tem aspecto explicativo. Weber pergunta: quais são os recursos 
utilizados para chegar a este resultado? A seleção numa multiplicidade de fenômenos 
é condição prévia da explicação de um fenômeno histórico-social, ao mesmo tempo 
implica a análise das múltiplas relações que vinculam os fenômenos entre si. Na 
medida em que a pesquisa para compreender o conjunto das relações causais é 
infinita, o suceder de um fenômeno é inesgotável conceitualmente. A área de pesquisa 
que abrange a análise deve ser delimitada mediante uma seleção. A explicação 
abrange um número limitado de fenômenos que, na sua especificidade, sob uma certa 
visão, ' seguem uma direção nas relações fenomênicas. E o que Weber define como 
o ato de imputar um acontecimento a suas "causas", como é comum nas ciências 
históricas. Como verificar a imputação de forma empírica, à procura da relação causal 
que opera no fenômeno específico? Selecionado um conjunto de relações, como é 
possível saber se essas relações precisamente condicionaram o fenômeno a ser 
explicado? Weber propõe a construção de um processo o mais afastado do real, 
através da exclusão de vários elementos do mesmo, para uma comparação futura 
entre o processo objetivo e o construído por hipótese. Conforme a exclusão desse 
fator, desenvolve-se a visão de um processo hipotético relativamente diverso do real 
e é possível inferir-se que a importância do elemento excluído no processo tem maior 
ou menor peso. Para Weber a imputação de um elemento se dá indiretamente através 
de conceitos definidos por ele, de possibilidade objetiva graduadaentre duas 
 
76 
 
situações exteriores, ao qual denomina causação acidental, isto é, sua ausência ou 
não são indiferentes à análise do fenômeno. Onde o processo hipotético não leve aCl 
objeto que se pretende explicar, infere-se que o elemento excluído está vinculado ao 
objeto por uma relação de causação adequada, concluindo-se que o elemento 
excluído no conjunto de suas condições é necessário. A importância causal de certo 
elemento relacionado ao fenômeno a ser explicado aparece como produto da 
comparação entre o processo real e o hipotético. Essas causas o são enquanto 
"condições" especificadas seguindo um certo andamento de pesquisa. A causalidade 
em Weber percorre o trajeto da "acidental" à "adequada", produzindo uma explicação 
condicional que atenua a rigidez da explicação causal. Para Weber, quando as 
ciências histórico-sociais, através dos pontos de vista expressos nas pesquisas 
realizadas, delimitam um grupo específico de fenômenos do qual depende um 
fenômeno individualmente considerado, elas não estabelecem causas determinantes, 
mas determinam certas condições vinculadas a outras que permitem a emergência do 
fenômeno. 
Enquanto o modelo clássico de causalidade considerava certo fenômeno 
explicado desde que fosse enunciado o conjunto de fatores determinantes, na 
explicação condicionada há possibilidades de inúmeras explicações em relação às 
várias posturas diferençadas que definem o sentido e direção das relações 
analisadas. É por essa via que Weber procurou definir as condições básicas que 
garantem a objetividade das ciências histórico-sociais. Através da diferenciação entre 
pesquisa objetiva e juízo de valor, procurou de terminar a condição de objetividade do 
conhecimento; através da análise causal, ele pretendia chegar a uma determinação 
objetiva. As ciências histórico-sociais, na medida em que são condicionadas pelo 
ponto de vista do sujeito pesquisador, têm como ponto de partida a subjetividade, 
porém a estrutura lógica da explicação é a garantia da validade objetiva de suas 
assertivas. Rickert vê o conhecimento histórico constituído por diversas disciplinas 
que definem as ciências da cultura, fundadas em relações fixas, cada uma se 
constituindo num espaço objetivo de pesquisa. Weber vê a relação entre as matérias 
que constituem as "ciências da cultura" em termos problematizantes; as disciplinas 
podem variar com a emergência de problemas criados por situações originais. Podem 
surgir novas disciplinas, estabelecem-se novas relações entre elas e 00 limites entre 
as mesmas podem alterar-se no tempo. O que há de comum entre essas disciplinas 
 
77 
 
é a preocupação com 00 fenômenos do mundo histórico-cultural na sua especificidade 
e individualidade. Caberia discutir a posição doo conceitos e das regras gerais no 
âmbito do conhecimento histórico-social, ou como na economia formam-se conceitos 
abstratos que devem ser estudados pela função que exercem. Daí o surgimento do 
tipo ideal. Para Weber, o instrumento conceitual específico a ser utilizado na análise 
sorológica para apreender o elemento individualizante que qualifica a ação social no 
seu condicionamento histórico é o tipo ideal. A teoria do tipo ideal é o ponto terminal 
do processo de pesquisa, representa o momento maduro da metodologia weberiana, 
o instrumento de pesquisa utilizado por Weber nos seus mais importantes estudos, os 
tipos ideais são pontos de referência obrigatórios acentuando deliberadamente alguns 
aspectos da ação humana? Trata-se de conceito dado, dotado de uma rigorosa lógica 
interna? Se não é instrumento de trabalho, que lógica preside sua elaboração? Se por 
tipo entendermos sua repetibilidade e uniformidade, nesse contexto o que significa 
"ideal"? Poderá ser estudado como "racional" ou abstrato? 
Para Weber o aparato conceitual sociológico deverá captar a "tipicidade" ou a 
"homogeneidade" dos fenômenos históricos, tendo como finalidade conferir um 
tratamento científico aos mesmos ou o término de um processo de explicação ou 
imputação causal. Tal resultado não pode ser obtido através de uma "lógica dos 
conceitos" tributários da tradição aristotélica - genus praximum/differentia especifica - 
característica das matérias dogmáticas que empregam silogismos. Weber propõe a 
necessidade de estabelecer novo procedimento metodológico que garanta a 
qualificação científica às ciências histórico-sociais, particularmente à sociologia. E 
enfrenta essa tarefa através da construção doo tipos ideais. Os tipos ideais são 
estabelecidos convencional e abstratamente. São inteligíveis na medida em que na 
sua construção se dá ação entre compreensão e experimentação, sinônimo de 
"explicação" "valor" ou "conceito" entre o "devir" e o "ser' empírico. Para ele o tipo ideal 
constitui a síntese entre o objetivo e o subjetivo, o particular e o geral. Weber percebe 
dois. Sentidos do termo "ideal", um sentido lógico e outro normativo, qualificar ideal o 
conceito típico tem um sentido lógico, porém de caráter abstrato, ante a realidade da 
qual fazem parte .as "normas", os "valores" e o "dever-se'. 
Os tipos ideais definem, no plano empírico, o que é ou não o dever-se. Os 
valores que penetram em sua estrutura o fazem através do controle e da distância que 
Weber denomina "crítica interna do valor'. Em um sem número de textos Weber define 
 
78 
 
que cabe à consciência definir 00 critérios sem maiores especulações, em se tratando 
de juízos de valor. "Obtém-se um tipo ideal, acentuando unilateralmente um ou vários 
pontos de vista, encadeando uma multidão de fenômenos isolados difusos e discretos 
que se encontram ora em grande número ora em pequeno número até o mínimo 
possível, que se ordenam segundo os anteriores pontos de vista escolhido o 
unilateralmente para formarem um quadro de pensamento homogêneo." Desta forma, 
o tipo ideal define o conjunto de conceitos que o sociólogo constrói para fins de 
pesquisa. Weber não aceita a concepção clássica de ciência, segundo a qual ela pode 
abranger a "substância" das coisas integrando-as num sistema totalizante no qual o 
pensamento abranja a totalidade do real. Todo conhecimento é hipotético na medida 
em que nenhum sistema reproduz a realidade que é infinita. 
O tipo ideal constitui-se como um momento em que o sujeito cognoscente 
anahsa o real conforme as relações que seu ponto de vista mantém com 00 valores. 
Essa relação com 00 valores elimina o que deva ser desconsiderado; o rigor conceitual 
doo conceitos ainda está ausente. É o papel do tipo ideal. O tipo ideal aparece como 
um método das ciências histórico-sodais, cujo objeto é captar 00 fenómenos na sua 
singularidade. Daí a pergunta de Weber: Como conhecer a realidade na sua 
singularidade se não se pode recorrer a analogias com outras realidades, já que tal 
atitude submete 00 fenômenos a conceitos gerais que apagam o singular que 
caracteriza os fenômenos histórico-sociais? Para Weber, a solução está na 
construção do tipo ideal que pode tomar a forma de um tipo médio ou de uma pesquisa 
que mostre 00 traços específicos "típicos" de um sistema econômico (capitalismo) de 
uma organização peculiar do saber (a ciência ocidental) ou a vinculação entre 
ascetismo protestante e acumulação capitalista. A avareza é um conceito geral, porém 
O Pai Goriot de Balzac é um tipo, é um personagem que apresenta o que há de típico 
na avareza. Para Weber, uma das características da cultura ocidental é sua ênfase 
na racionalização da economia, do direito, da prática religiosa. Porém, a frequência 
de um elemento é menos importante para caracterizar a peculiaridade da civilização 
ocidental do que o elemento original que determina o específico e o singular na 
articulação da empresa capitalista fundada no cálculo racional; racionalização do 
direito e racionalização da vida através da disciplina do cotidiano. A acentuação 
unilateral de um dos componentes da realidade histórico-socialpermite a construção 
rigorosa de um tipo ideal, na medida em que amplia os traços distintivos de um 
 
79 
 
fenômeno e elabora um esquema intelectual unívoco sem contradições internas. O 
tipo ideal, em Weber, é contraposto aos conceitos substancialistas que pretendem 
ordenar os fenômenos hierarquicamente e, ao mesmo tempo, é uma representação 
de uma totalidade histórica singular. É através da historicização e da racionalização 
do singular que Weber procura ordenar a aparência "caótica" do mundo "vivido". O 
tipo ideal não é construído como reflexo do real; muito pelo contrário, é pelo seu 
afastamento do real concreto e através da acentuação unilateral das características 
de determinados fenômenos que ele chega a uma explicação mais rigorosa do caos 
existente no social. Na medida em que o tipo ideal é construído com referência a 
valores, a noção que temos de uma época histórica, de uma doutrina ou 
acontecimento não corresponde à visão que os contemporâneos tinham da época 
vista sob o ângulo do tipo ideal. 
O tipo ideal está longe de qualquer imposição normativa dos fenômenos que 
estuda, distante de qualquer pretensão valorativa. O único caminho para chegar ao 
conhecimento ideal típico, para Weber, consiste na preocupação com o máximo rigor 
conceitual, evitando os mal-entendidos, as falsas analogias e as falsas identificações. 
É sabido que o processo do conhecimento avança não somente pelo saber cumulativo 
herdado, como também pela construção de novos paradigmas de novos conceitos. 
Weber não construiu um sistema, sua obra é um ponto de vista que tem como ponto 
de partida a noção de que o real é infinito. Só pode ser aprendido através de conceitos 
que captam fragmentos deste real conforme nossos valores e nossos centros de 
interesse. O tipo ideal constitui-se como recurso metodológico para a compreensão 
do real, possui um valor heurístico, isto é, é criado conforme as exigências do 
andamento da pesquisa. O tipo ideal tem sentido por sua capacidade explicativa. Para 
Weber, ele tem utilidade ou não como qualquer outro instrumento. Na medida em que 
o processo de pesquisa é ilimitado, os conceitos tendem a auto superar-se quanto 
mais avançar o conhecimento, que é sempre aproximativo. O tipo ideal deve construir 
o conhecimento aproximativo de forma mais definida, através da seleção das relações 
típicas que configuram um panorama intelectual. Partindo de um ponto de vista 
"unilateral", acentuam-se "elementos" ou "traços", atribuindo a outros papéis 
secundários. O tipo ideal deve clarificar ao pesquisador o nível de exposição e de 
pesquisa. Assim, a imputação causal se dá através do tipo ideal na medida em que 
este fundamenta a elaboração de hipóteses através de uma mente disciplinada que 
 
80 
 
acentua a exigência de rigor. Muitos sociólogos não assumem os tipos ideais, 
correndo o risco de empregá-los inconscientemente, confundindo ciência e juízos de 
valor. Para Weber, o tipo ideal atua como elemento integrador da imputação causal e 
da causação adequada. Para ele, o processo histórico ocorre mediante fenômenos 
singulares, o que Rickert situa no âmbito das ciências ideográficas ou 
individualizantes. Os fenômenos de caráter coletivo intervêm na produção dos fatos - 
na economia, na política ou na religião, porém para o pesquisador sua importância 
varia ou, como dizia Machado de Assis: "A realidade é uma só, o que importa é a 
retina". Em outros termos, o que varia é o critério seletivo entre fatos e valores que o 
sujeito investigador utiliza para a compreensão do real. Weber pergunta: se os persas 
tivessem vencido os gregos nas batalhas de Marathon e Salamina, o que aconteceria 
com o destino da civilização ocidental? A tendência do pesquisador é eliminar uma 
causa destes sucessos, colocando-se a questão: com ou sem ela o que mudaria nos 
acontecimentos que se sucederam? 
O historiador Eduard Mayer, com quem Weber polemiza, admite que, caso a 
Grécia fosse derrotada pela Pérsia, a história da humanidade poderia ser diferente. 
Para Weber, é através da construção de causas irreais que se chega às causas reais. 
A possibilidade objetiva se funda na análise das fontes à disposição do pesquisador, 
nas quais, através da eliminação de uma causa, pode-se vislumbrar uma possibilidade 
do suceder histórico. Voltando à batalha de Marathon, a vitória da Grécia sobre a 
Pérsia, como de fato ocorreu, foi a vitória da cultura secular e racional. Caso ocorresse 
o oposto, os persas imporiam às regiões dominadas sua cultura teocrática. A 
objetividade desta visão radical no saber histórico e na sua construção racional. 
Através do tipo ideal a possibilidade objetiva constrói uma utopia com valor heurístico. 
Essa utopia tem como referência um conhecimento na experiência; ao se excluir um 
fenômeno do conjunto, o "antecedente" suprimido não seria a causa única, pois, para 
Weber, não existe unicidade causal. Voltando ao exemplo da guerra entre gregos e 
persas, caso a Pérsia fosse a vencedora, isso seria a realização de uma possibilidade, 
não de um destino. Para Weber, a causalidade é disciplinada através da 
probabilidade. Embora possamos dominar a maioria das variáveis de um fenômeno, 
a seleção pelo sujeito inevitavelmente implica uma atitude probabilística. Em Weber, 
o conceito de possibilidade objetiva realiza-se através da atribuição de significados a 
inúmeras causas de um acontecimento. Para ele, a causalidade adequada ocorre 
 
81 
 
quando a probabilidade é muito grande. Quando isso não se dá, estamos ante uma 
causalidade acidental. Como, para Weber, o futuro está prenhe de irracionalidades, 
ele utiliza o conceito adequado e não o necessário. É muito clara a sua posição contra 
a> determinismos e o naturalismo. Em suma, juízos probabilísticos formados 
objetivamente através de uma adequação causal, para Weber, constituem o 
fundamento do conhecimento histórico-social, isso apesar das irregularidades, do 
acaso e da contingência. Na medida em que são atividades humanas, tanto a história 
(individualização) quanto a sociologia (generalização) seguem o mesmo método. O 
sociólogo que procura rigor conceitual deve construir tipa> ideais (burocracia, 
capitalismo ou racionalidade) trabalhando com a adequação causal e a possibilidade 
objetiva. O portador do conhecimento histórico-social sempre julga a posteriori para 
saber se uma classe ou um grupo atingiu o fim que se propunha mediante a escolha 
de meios determinada>. 
Para Weber, o pesquisador deverá analisar determinada ação s0- dal mediante 
a adequação entre meia> e fins, consoante sua tipologia que predica um modelo de 
ação racional tendente à fins. Porém, isso passa pela construção do tipo ideal de ação 
social operando em três níveis: na consideração histórica, pensada na ação da 
sujeita> específica>; na consideração sociológica da massa, pensada em nível de 
média ou aproximativamente; e construída cientificamente pelo método tipológico para 
elaboração de um tipo ideal de um fenômeno frequente. Assim, é possível medir a> 
tipa> de afastamento da ação típica ideal e a empírica, desvendando a> elementos 
irracionais e emocionais existentes numa ação social. Para Weber, qualquer ação 
social, seja a racional em relação a fins ou a tradicional em obediência a mandatos 
milenares, implica uma relação causal. Weber considerava que a ação social tem 
como referência a expectativa de comportamento de outra>, o que leva o agente a 
construir, pelo imaginário com base na realidade, a ação ideal através da adequação 
da> meia> aos fins. 
8.5 Stammler e a superação da concepção materialista da História 
Para Stammler, a jurisprudência teórica trata o direito como um conjunto de 
normas que formulam os meios adequada para atingir objetivos humanos; estuda a 
meia através da quais se realizam a fins humanos e a justificação das normas para 
 
82 
 
consegui-los. O método "critico" de Stammler segue o trajetoda> procedimentos de 
Kant; estabelece uma distinção entre forma e conteúdo, procurando descobrir as 
formas "puras" do direito independentemente de seu especifico conteúdo material. 
Stammler estabelece uma distinção entre direito e justiça. O "direito" define a 
vinculação de meios e fins no exercício da vontade social; a "justiça" proporciona os 
critérios do direito justo. A percepção e a vontade são duas formas de introdução da 
ordem na consciência. A percepção trata as impressões sensoriais, conforme algumas 
categorias em objetos de uma ordem A vontade ordenam a> materiais, conforme o 
objetivo a alcançar no futuro. O direito é uma forma de vontade na qual existe a 
preocupação dos instrumenta> necessários para atingir um fim. Todo princípio jurídico 
formula um fim a ser atingido. Porém, esclarece Stammler, algumas formas de 
vontade não são jurídicas. Uma delas, a que se apresenta para alcançar a> fins da 
personalidade individual, é a "volição isolada". 
A volição isolada se distingue da obrigatória, que implica uma relação social em 
que a vontade de um utiliza a vontade de outro dirigidas a um fim para alcançar seus 
próprios fins. A sociedade resulta num grupo de vontades que atuam como meios e 
fins recíprocos. Mediante a cooperação, diz Stammler, a sociedade alcança a> fins 
comuns. O direito, como vontade com poder de obrigar, refere-se à forma externa dos 
atos do homem em suas relações sociais. No entanto, nem toda volição é direito, 
afirma Stammler. A juridicidade de uma volição é determinada de duas maneiras: 1) 
alguns meios podem ser essenciais para se conseguir atingir um fim ou realizar um 
desejo. 2) A pretensão de validade universal nasce da noção de justiça. 
Independentemente da validade condicional dos meios adequada, há um critério de 
validade incondicional e absoluta. A justiça baseia-se na harmonia do esforço e da 
vontade, o que exige de nós subordinarmos o particular ao universal e considerarmos 
todos 05 fins particulares em função da máxima harmonia possível com todos a fins. 
A diferença entre a vontade particular e a capaz de obrigar é a que situa o espaço da 
moralidade. Esta se refere à vida interna e à expressão da personalidade. O direito, 
no entanto, trata das relações externas dos homens e do caráter obrigatório que suas 
vontades possuem entre si. O ideal de justiça aplicado à moralidade, segundo 
Stammler, nos leva à ideia da "vontade pura", que exige sinceridade e honradez 
consigo próprio e o princípio da perfectibilidade. Na esfera do direito, a ideia de justiça 
é substituída pela ideia de "comunidade pura". Uma comunidade, segundo Stammler, 
 
83 
 
possui uma vontade pura quando sua ordem se baseia em principia de validade 
universal. Os princípios da "lei justa" são o respeito (as pessoas como fins em si 
mesmas) e a cooperação (ninguém pode ser arbitrariamente excluído da comunidade, 
se legalmente dela é parte integrante). Uma norma é lei justa ou da natureza quando 
passa por certas provas. Essas provas localizam-se numa vontade desprovida de 
subjetividade, em benefício de uma harmonia ideal representada por uma comunidade 
que se baseia em fins objetivos. Nessa comunidade de homens livres, cada um é livre 
e ao mesmo tempo vinculado a ela; cada pessoa é um fim em si mesma. Todos estão 
ligados pelo respeito aos fins dos outros, mas, ao mesmo tempo, ninguém está 
submetido ao capricho de alguém, nem pode ser excluído arbitrariamente dos 
benefícios advindes do fato de pertencer a uma sociedade A lei não se origina do 
Estado; pelo contrário, o Estado é um tipo de ordem legal que pressupõe a noção de 
direito em geral. 
 Assim, argumenta Stammler, as obrigações de direito internacional não se 
fundam na existência de uma liga de Estados, mas sim da ideia de justiça. O que 
existe é uma comunidade de homens que se articulam livremente, como expressão 
unitária que abrange os possíveis fins das pessoas unidas sob o Direito. É o que 
Stammler chama o ideal social. Stammler propõe ainda que todos os conteúdos de 
nossos princípios sejam eliminados, tudo que seja empírico e pertença ã esfera do 
material. Entre outras coisas, Stammler dá grande importância ao contraste entre 
moralidade e direito. Weber procura mostrar o quão longe está Stammler com o livro 
Economia e Direito conforme a concepção materialista da História de um trabalho de 
caráter rigoroso e científico. A abordagem que Stammler faz da obra de Marx, segundo 
Weber, é caricatural, não fazendo jus a um escrito que se pretenda de nível 
universitário. Quando Stammler atribui ao marxismo a ênfase no "económico" como 
fator único da vida social e suas mudanças e a cultura como reflexo da economia, 
"Weber acredita que revela um primarismo filosófico que a pergunta que fica no ar é 
a seguinte: Quem tenta enganar quem? A primeira exigência a ser feita a um autor 
que tem a pretensão de dissertar a respeito de questões lógicas e de metodologia, diz 
Weber, é a exigência do rigor conceituai. Esclarece Weber que a universidade 
metodológica não pode ser substituída pela univocidade terminológica. Stammler 
pratica essa confusão, diz Weber serve de exemplo a maneira com que Stammler usa 
o conceito "legalidade", não diferenciando a pesquisa nomotética (generalizante), que 
 
84 
 
procura leis gerais na base de experiências específicas e determinadas, e a pesquisa 
histórica, que procura e utiliza leis gerais na interpretação causal de relações 
singularmente definidas. Esta confusão leva Stammler a identificar legalidade e 
causalidade, confundindo leis da natureza e normas de pensar. Stammler define como 
"legalidade para designar" um ponto de vista uniforme que comandaria o 
conhecimento no seu conjunto. Ora, diz Weber, não somente cada disciplina - a 
matemática ou a física - representa um ponto de vista sobre a realidade, mas também 
a formação de disciplinas específicas representa um pluralismo de "pontos de vista", 
excluindo a definição incondicional e universalista que Stammler atribui ao conceito 
"legalidade" A confusão de Stammler é total, segundo Weber, pois confunde a noção 
de categoria às vezes como axioma, às vezes como proposição empírica. Stamm1er 
comete equívocos ao lidar com conceitos como "conteúdo", "forma", "matéria", 
"natureza", "social" e a "causalidade". 
A pretexto de promover um esclarecimento rigoroso de um conceito Weber utiliza 
o conceito regra para definir suas várias Significações: Diz que concelt regra. Pode 
proceda enunciados gerais a respeito de relação causais relativas ao ser; são as leis 
da natureza. A regra pode designar uma norma para medir, conforme os juízos de 
valor: acontecimentos passados, presentes e futuros. Há as regras determinadas 
máximas de ação, Weber exemplifica com Robinson Crusoé que, apesar de estar 
"fora" da sociedade, isolado numa ilha, comporta--se conforme regras - no dizer de 
Stammler, isso foi possível porque Viverá anteriormente em sociedade. Stammler 
defende o ponto de vista sendo. o qual a causalidade social não é indispensável para 
definir a essa regra, no entanto recorre à explicação causal para explicar Robi? Son 
Crusoê, mas na impossibilidade de seu comportamento ser explicado pelas ciências 
sociais, cabe ã ciência natural a explicação. É que ele vê a solidão absoluta de 
Robinson, sem qualquer contato social, corno um comportamento adequado ã razão 
técnica. Opondo técnica ã vida social, Stammler não contribui para esclarecer a:' 
relações existentes entre elas. Segundo Weber, a regra pode funcionar como uma 
construção típica-ideal, suscetível de ser checada pelos fatos. Para Stamm1er, a 
sociedade não é um organismo (Spencer) nem é algo oposto ã sociedade jurídica 
(Rumelin), pois a sociedade "é a convivência de homens submetidos a regras 
exteriormente obrigatórias. Regras que .se devem compreender num sentido 
amplíssimo, como tudo o que há os homens que convivem a algo que se satisfaça85 
 
com um cumprimento externo, mas se distinguem em duas grandes classes: as regras 
propriamente jurídicas e as regras de convenção, sendo as primeiras obrigatórias, 
sem necessidade de consenso dos submetidos, e as segundas (entre as quais se 
contam os preceitos do decoro e do costume, as formas de urbanidade, da moeda, do 
código de honra cavalheiresco e outros análogos) somente hipotéticas. O complexo 
das regras. Jurídicas e convencionais é designado por Stammler de forma social; e, 
sob essas regras, seguindo-as e determinando-as, ou também violando-as, os 
homens atuam para satisfazerem suas necessidades. Nisto consiste a vida humana. 
Os fatos concretos que levam a atuação coletiva de homens em sociedade são 
designados por Stammler matéria ou economia social. 
 Regras e ações submetidas regras: estes são os dois elementos em que 
consiste todo o fato social. Se faltassem as regras, estar-se-la fora da sociedade arrais 
ou deuses, segundo o antigo brocardo; se faltassem as ações, só se teria uma forma 
vazia, uma hipótese irrealizável em qualquer sítio. A lei do movimento das sociedades 
para Stammler deve ser procurada na vida social. Daí, segundo ele, ser errôneo s~ 
falar de ligação causal do direito com a economia e o inverso: a relação direito e 
economia não é uma relação de causa e efeito e a razão determinante dos 
movimentos sociais está na execução concreta das regras Sociais. Estas ações são 
submetidas a regras em produzir: a) transformações sociais somente quantitativas (na 
quantidade de fato> sociais de urna e outra espécie); b) transformações também 
qualitativas, que consistem na mutação das próprias regras. Daí se tem o círculo da 
vida social: regras, fato> sociais nascidos sob aquelas; ideias, opiniões, desejo, 
esforço nascido destes fatos; mudança de regras. Quando e como surgiu na terra a 
vida social é questão histórica que não interessa ao teórico, segundo Stammler. 
Forma e matéria da vida social entram em conflito, daí surge a transformação. Qual é 
o critério que nos permite determinar como pode ser resolvido o conflito? Ater-se ao 
fato, inventar urna necessidade causal? Deve haver urna lei de fins e ideais, uma 
teleologia social, segundo Stammler. O materialismo histórico identifica a causalidade 
e teleologia. Esta parte da obra de Stammler foi muito elogiada. Nela ele demonstra 
como o teologismo está continuamente subentendido no materialismo histórico em 
todas as afirmações de natureza prática. Porém cabe-nos observar que o centro de 
gravitação do marxismo é o problema prático e não a teoria abstrata e que a negação 
da finalidade formulada pelo materialismo é a negação da finalidade meramente 
 
86 
 
subjetiva e arbitrária. Cabe urna pergunta: qual é esta ciência social de Stammler em 
virtude da qual ele se. jacta de haver criado algo semelhante à Crítica da Razão Pura 
de Kant e da qual assinalamos os traços mais salientes? É facilmente perceptível ao 
leitor atento que a indagação a respeito da teleologia social não é outra coisa que uma 
modernizada Filosofia do Direito ou Direito Natural. Quanto à primeira indagação de 
Stammler, será a tão desejada Sociologia Geral? Ela não proporciona um conceito de 
sociedade novo e aceitável? A nós no parece claro que da primeira análise da 
sociedade não resulta senão uma ciência formal do direito ou doutrina geral do direito. 
Stammler estuda nela o direito como realidade e não pode achá-lo senão na 
sociedade submetida a regras que impõem obrigações exteriores. Na segunda, 
estuda o direito como ideal e estabelece a filosofia imperativa do direito. Quanto à 
investigação a respeito da teleologia, Stammler vem à nossa presença para atribuir o 
estabelecimento da teleologia social ao que ele denomina filosofia e que define como 
ciência da verdade e do bem, ciência do absoluto: à filosofia, como se entendia uma 
vez, a rainha de todas as ciências. 
 O professor Stammler fala com agrado do monismo da vida social, aceitando 
como certa a denominação de materialismo que se deu à concepção histórica de Marx 
Colocou este materialismo em relação com o materialismo metafísico e aplicou-lhe 
também o juízo de Lange: "que o materialismo é o primeiro grau e o mais baixo, mas 
também o mais sólido e firme da filosofia". Para ele, o materialismo histórico disse a 
verdade, ainda que não toda a verdade, pois considerou - segundo Stammler - só 
como matéria a realidade e não também a forma de vida social. Daí a pretensão de 
Stammler em fundir na unidade da vida social a relação forma e matéria. Stammler 
cria o termo "materialismo social" para entender o materialismo de Marx. Quanto ao 
grupo das ciências concretas, das que têm por objetivo as sociedades historicamente 
dadas, ninguém que se ocupe da classificação das ciências está disposto a conceder-
lhes caráter científico enquanto ciências autónomas e independentes aos estudos dos 
problemas práticos desta ou daquelas sociedades, nem à jurisprudência ou estudo 
técnico de direito. Esta última não é mais do que interpretação de um direito particular 
existente, atendendo a necessidades práticas. Contudo, o conceito apresentado por 
Stammler de economia social suscita objeções mais complexas que giram em torno 
dos seguintes pontos: se estamos realmente diante de uma nova concepção ou se se 
deve reduzir a algo já conhecido, ou, afinal, se ela não é totalmente errónea. O dilema 
 
87 
 
está entre a economia social apresentada por Stammler como portadora da 
característica das regras externas, nas quais as ações se envolvem; o dilema está 
entre a consideração tecnologia natural e a social. Não há uma terceira solução. Isso 
é repetido por Stammler à saciedade. No entanto, é sabido que o elemento social 
constitui um meio através do qual atua a influência do princípio económico, produzindo 
determinado> efeitos. Retomando a temática da regra, Weber explicita que não deve 
ser utilizado tal conceito visto como norma ideal de racionalidade designativa da 
máxima referente ao comportamento empírico, ao mesmo tempo que deve ser feita a 
distinção entre o sentido ideal da dogmática do sentido e o sentido concreto que os 
atares atribuem efetivamente a seu comportamento. Reafirma, assim, a noção que 
sem rigor conceitual não há estudo científico válido. É claro que a área jurídica pode 
ser vista do ponto de vista social, económico e político, porém erra o jurista que 
considere uma situação em seus aspectos> unicamente jurídico. Há determinadas 
situações em que os aspectos>socioeconómicos não se deixam anular pelos 
jurídicos, quando se estudar a situações dos trabalhadores de determinado ramo da 
produção industrial. Weber não pretende neste texto esgotar todo> os significados 
possíveis da noção de regra, porém, do ponto de vista da diferenciação lógica entre 
norma ideal e fato empírico, isso é irrelevante. 
8.6 A teoria sobre o limite do aproveitamento e a "Lei Fundamental da 
Psicofísica" 
Trata-se de uma dissertação a respeito da história da teoria do valor de 
Aristóteles que tomou a denominação "A Evolução da Teoria do Valor" do economista 
e historiador Lujo Brentano. Weber critica a tentativa de Brentano de estabelecer 
relações entre a teoria subjetiva do valor com certos conceitos> extraídos da 
psicologia experimental, como a chamada lei de Weber-Fechner. Weber faz uma 
crítica ao marginalismo e sua posição psicologista como fora exportada por Brentano. 
Contesta a posição de Brentano, segundo qual a lei Weber-Fechner será a base da 
teoria marginalista. Essa lei resumidamente diz o seguinte: toda vez que a sensação 
intervém, é possível constatar a validade da proposição que afirma a dependência d~ 
sensação em relação à excitação, no sentido exposto por ernoulh, na qual existiria 
uma relação de dependência entre a sensação de felicidade que nasce do 
crescimento de uma soma monetária e o valor global da fortuna. A felicidade, 
 
88 
 
argumenta.Weber, não é um conceito qualitativo unívoco; não é0020nem conceito 
puramente psicológico. Daí ser impossível identificar felicidade com sensação, mesmo 
a pretexto de uma analogia geral. Não cabe à economia receber diretivas da lei de 
Fechner ou da psicologia em geral, o marginalismo não tem fundamento psicológico 
como o diz Brentano. Weber argumenta que sua base e o pragmatismo 
intrinsecamente ligados à vinculação entre meios e fins. As proposições e as teorias 
econômicas para Weber nada mais são do que meios destinados à análise das 
relações causais da realidade empírica; não são cópias fotográficas do real. São tipos 
ideais, conclui Weber. Em Teorias culturais energéticas Weber resenha dois livros de 
W Ostwald Fundamentos energéticos da ciência cultural e Livraria filosófica 
sociológica. Critica Ostwald, l??"é no plano lógico absolutizou determinadas formas 
abstratas das ciências naturais como sendo o pensamento científico; achou que as 
formas heterogêneas exigidas pela "economia do pensar" nos problemas de outras 
atrasos, tendendo a enquadrar todo o futuro em termos de relações energéticas" e, 
finalmente, sua tendência a deduzir dos fatos soluções ético-políticas "patrióticas" é a 
transformação de uma "imagem do mundo" numa "visão do mundo".4 
9 PESQUISA EM COMUNICAÇÃO 
9.1 Teoria e filosofia da comunicação 
A teoria da comunicação possui raízes clássicas na história das ideias. Se a 
filosofia tradicionalmente debate a produção do conhecimento humano da realidade, 
a teoria da comunicação dedica-se à mídia, modalidades e mensagens em que 
humanos trocam, refletem e ordenam diferentes perspectivas dessa realidade. 
Revisando certas questões epistemológicas, éticas e políticas, enquanto responde à 
crescente influência da informação e tecnologias da comunicação na sociedade e na 
cultura no século XX, a pesquisa em comunicação desenvolve-se nos cruzamentos 
da filosofia social e teoria científica. A comunicação se estabeleceu como uma 
categoria particular da atividade humana a partir do desenvolvimento da mídia 
eletrônica durante a última metade do século XIX. Esse desenvolvimento encorajou 
 
4 Texto extraído: Título original: Gesammelte Aufsàtze zur Wissnschaftslehre Max Weber Prefácio do 
editor alemão Johannes Winckelmann.Disponivel: https://portalconservador.com/livros/Max-Weber-
Metodologia-das-Ciencias-Sociais-Parte-I.pdf.Acesso em 12/02/2019 às 18:46h. 
https://portalconservador.com/livros/Max-Weber-Metodologia-das-Ciencias-Sociais-Parte-I.pdf.Acesso%20em%2012/02/2019
https://portalconservador.com/livros/Max-Weber-Metodologia-das-Ciencias-Sociais-Parte-I.pdf.Acesso%20em%2012/02/2019
 
89 
 
pesquisadores e outros comentadores a pensar sobre as diversas práticas de 
interação social – face a face, através de fios, pelo ar – em termos de sua 
familiaridade. Na formulação oportuna de Peters (1999: 6), “a comunicação de massa 
se antecipou”, concedendo atenção especial e explícita às variantes da comunicação 
em pesquisas, assim como na sociedade como um todo. Até a invenção do telégrafo, 
“o transporte e a comunicação eram inseparáveis” (Carey, 1989: 15), uma vez que 
qualquer ato comunicativo dependia da presença física de bardos, manuscritos, livros, 
jornais, ou outra mídia impressa. Com as telecomunicações nasceram diferentes 
maneiras de interagir no tempo e no espaço. Já com as tecnologias digitais, cada vez 
mais presentes no cotidiano e na organização diária, chegaram novos meios de 
informação e comunicação, cujas implicações sociais provaram ser mais radicais que 
a imprensa e o telégrafo, mais uma vez exigindo que as pesquisas em comunicação 
revisassem os seus conceitos fundadores. Primeiramente, este artigo traça o perfil da 
comunicação como um «campo de estudos» de suporte prático na cultura e sociedade 
contemporâneas. As seções seguintes traçam as origens dos conceitos-chave da 
teoria da comunicação nas «tradições intelectuais» desde a Grécia clássica, passando 
por fontes modernas de «disciplinas» científicas humanísticas e sociais, assim como 
por pesquisas interdisciplinares. Essas forneceram diversos modelos de «processos 
comunicativos», que, por sua vez, influenciaram as diferentes abordagens de 
«processos de pesquisa». 
9.2 A Dupla Hermenêutica Da Pesquisa Em Comunicação 
Como perspectivas da realidade, podemos dizer que todos os campos 
acadêmicos são comprometidos com a hermenêutica, interpretando o mundo a partir 
de pontos de vista específicos. Melhor dizendo, a pesquisa em comunicação pertence 
àquelas esferas acadêmicas comprometidas com a hermenêutica dupla, interpretando 
as interpretações ou compreensões que as pessoas têm sobre como e por que elas 
se comunicam e restituindo essas interpretações de segunda ordem às pessoas em 
questão e à sociedade como um todo. Comparadas às ciências naturais e físicas, as 
ciências sociais e humanas estudam realidades pré-interpretadas. Nas palavras do 
antropólogo Cliford Geertz (1983: 58), grande parte das pesquisas em comunicação 
e cultura humana procuram determinar “do que os humanos são capazes”. A noção 
 
90 
 
de hermenêutica dupla é familiar desde as primeiras teorias culturais e sociais; 
podemos citar, por exemplo, a abordagem de Max Weber para compreender 
(Verstehen) os sentidos subjetivos como uma maneira de descrever (Erklären) 
eventos socialmente objetivos. A terminologia específica da dupla hermenêutica foi 
desenvolvida por Giddens (1979), que se baseou nos questionamentos de Winch 
(1963) às concepções científico-naturais predominantes nas ciências sociais pós-
1945. Por um lado, as ciências sociais encontram um mundo pré-interpretado em 
forma de afirmações, comportamentos e documentos fornecidos pelos atores sociais. 
Por outro, as intervenções e interpretações apresentadas pelas pesquisas sociais e 
culturais não podem deixar de fazer a diferença nos domínios estudados – desde 
reconsiderações respondentes, ainda que inapropriadas, de opiniões em pesquisas 
políticas, a preconcepções maiores, por exemplo, da natureza das transações 
econômicas ou da psicologia individual, instigadas pela disseminação dos trabalhos 
de Marx e Freud. 
A pesquisa em comunicação pode ser considerada dupla hermenêutica por três 
diferentes razões. Primeiramente, os estudos em comunicação se voltam para 
processos básicos em que a realidade social é interpretada e reinterpretada no 
cotidiano, na conversa diária e nas instituições especializadas, das escolas às novas 
mídias. Segundo, como um campo, a pesquisa em comunicação tem sido, a partir da 
articulação do século XIX de uma categoria denominada «comunicação», uma reação 
ao crescimento de um setor social de instituições dedicadas à informação e 
comunicação, as quais Beniger (1986) se refere como revolução do controle, que foi 
concluída no final dos anos 30 na alvorada da pesquisa moderna em comunicação. 
Das burocracias governamentais às pesquisas de mercado e a «mídia de massa», 
esse setor produz informações que permitem planejamento, coordenação e controle 
de âmbito social. Terceiro, as rápidas transformações das práticas comunicativas na 
sociedade do século XX e o vantajoso sucesso das tradições de pesquisas individuais 
que os explicam, levaram o campo a se tornar cada vez mais interdisciplinar, 
observando a comunicação por meio de diferentes perspectivas das ciências 
humanas, sociais e, em certo grau, das ciências naturais. Assim, a dupla 
hermenêutica da pesquisa em comunicação se desdobra simultaneamente no interior 
do campo acadêmico e em seu vínculo com o campo empírico de estudo A noção de 
dupla hermenêutica pode ser concretizada na referência à formulação de McQuail 
 
91 
 
(2005) sobre os cinco tipos de «teoria». A «teoria científica» é a concepção mais 
comum do termo, abrangendo conceitos explanatórios gerais e modelos aplicáveis a 
uma grande variedade de instâncias empíricas,associadas especialmente às 
tradições sócio científicas (e naturais científicas) de pesquisa quantitativa. A «teoria 
cultural» é um legado das artes e das humanidades, valendo-se de abordagens 
textuais e outras abordagens qualitativas, que têm contribuído significativamente para 
a pesquisa interdisciplinar contemporânea. A «teoria normativa» dedica-se a 
resultados legítimos e meios de organização de recursos da comunicação, 
especialmente a mídia de massa, da impressa à Internet. Enquanto a pesquisa em 
comunicação desenvolve-se na interface da filosofia social e da teoria científica, as 
teorias normativas também se desenvolvem como uma área isolada das atividades 
de pesquisa, particularmente considerando a imprensa, sustentando-se no 
planejamento e debate público. 
 A «teoria operacional» é o domínio dos profissionais da mídia e outros 
comunicadores e comunicólogos, representando as regras práticas e o conhecimento 
tácito, assim como as posições éticas e ideológicas a respeito da finalidade e status 
de seu trabalho. Dessa forma, a teoria operacional constitui tanto um objeto de 
pesquisa empírica, no caso de estudos de jornalistas e professores de comunicação, 
como também uma fonte de compreensão teórica em processos comunicacionais. Por 
fim, a «teoria do cotidiano» trata de interações individuais entre cidadãos, 
consumidores, fontes de informação e a mídia. Praticamente todos possuem uma 
noção de como a comunicação opera, e aos interesses de quem. Um denominador 
comum para os cinco tipos de teoria é que eles permitem às pessoas agirem – como 
estudiosos, reguladores, profissionais e usuários da comunicação. O que caracteriza 
o estudioso da comunicação é o seu potencial para auto reflexividade sistemática e 
sustentada em conclusões e ações fundamentadas. A pesquisa em comunicação 
considera teorias científicas normativas, operacionais, cotidianas e as outras teorias 
citadas; ela restitui teorias reconsideradas. Como em outros campos acadêmicos, a 
pesquisa em comunicação equivale a uma instituição pensante (Douglas, 1987), 
efetuando uma dupla hermenêutica contínua acerca das instituições e práticas 
contemporâneas de comunicação. Sendo assim, o campo foi constituído por uma 
grande variedade de tradições na história das ideias, e de disciplinas na pesquisa 
universitária moderna 
 
92 
 
9.3 Tradições Intelectuais Através Dos Século 
Sem dúvida, o mais antigo conjunto de ideias de grande influência nas teorias 
da comunicação vem da tradição retórica. Para Aristóteles, a retórica era fonte de um 
tipo particular de conhecimento provável e razoável, enquanto a lógica geraria um 
conhecimento exato ou “necessário” (Clarke, 1990: 13). O legado da retórica, então, 
é o reconhecimento da íntima relação entre saber qual é a circunstância e saber como 
comunicar sobre ela. O que sabemos, como indivíduos ou comunidades, depende 
crucialmente das capacidades mentais e dos recursos materiais disponíveis para 
articular tal conhecimento. Como a produção de conhecimento na ciência, a produção 
de significados na comunicação pode ser relacionada à ênfase relativa tanto nas 
entidades carregadas de insight intelectual quanto nos processos que resultam em tal 
insight. Essa distinção – entre o significado como «produto» pré-definido ou 
«processo» participativo – pode ser remontada em várias teorias da comunicação 
posteriores, descritas por James Carey (1989) como modelos rituais e de transmissão 
de comunicação. A retórica se constituiu a partir de recursos e convenções de 
tradições orais antigas, ainda que a retórica «clássica» tenha sido codificada e 
consolidada como uma parte de uma transição para a cultura literária (Havelock, 
1963). Além disso, o ponto de partida da retórica era a fala, especialmente em relação 
à realidade, e como argumentar sobre ela. Em comparação, a «hermenêutica» se 
desenvolveu fora de uma prática de leitura e compreensão de textos escritos ou 
narrativos. Considerando os textos originalmente pertencentes aos campos da religião 
e do direito, particularmente textos do início do século XIX em diante os princípios e 
procedimentos da hermenêutica foram aplicados às artes e a outros tipos de textos – 
sem dúvida, à experiência humana como tal. Não somente a Bíblia e os clássicos, 
mas as sociedades modernas e subculturas prestam-se às análises hermenêuticas. 
Uma contribuição da hermenêutica do século XX foi o que Paul Ricoeur identificou 
nos trabalhos de Marx, Nietzsche e Freud, e mais tarde desenvolveu como 
«hermenêutica da suspeita» (Ricoeur, 1981: 46). Seu propósito era descobrir 
princípios velados nos discursos e ações de pessoas e instituições sociais, expondo 
interesses e motivações que para elas podem estar igualmente veladas. Essa leitura 
nas entrelinhas da sociedade com propósitos reformatórios e terapêuticos tem sido de 
interesse central dos estudos críticos em comunicação. Desde a poética clássica na 
tradicional história da arte até o modelo moderno, a «estética» sempre permaneceu 
 
93 
 
como uma fonte de inspiração para o exame sistemático de como as expressões e 
experiências significativas ocorrem na comunicação humana. Além dos domínios 
isolados de descrença e contemplação desinteressada, a estética também serve para 
explicar como as formas específicas de representação relacionam-se com as funções 
do mundo real das mídias. Podemos dizer que a teoria estética recente re-enfatizar 
uma compreensão das artes como fenômenos materialmente fundamentados e 
práticas socialmente situadas (e.g., Summers, 2003). No caso das formas midiáticas 
digitais e interativas, a estética tem se voltado ao estilo e tem sido abordada por 
estudiosos e profissionais para justificar a reelaboração da mídia e dos gêneros 
familiares nas novas formas de representação e interação. 
As humanidades modernas tomaram forma por volta do início do século XIX 
como uma configuração inclusiva das tradições eruditas, incorporando a retórica, a 
hermenêutica, a estética e outras abordagens para o estudo da história, da cultura e 
da comunicação (para uma visão geral, ver Jensen 2002b) – ainda que a noção de 
comunicação estivesse em formação naquele século (Peters, 1999). O contexto era a 
reconcepção das universidades como instituições produtoras de conhecimento por 
meio da «pesquisa», associadas à tradição Humboldt Iana na Alemanha (Fallon, 1980; 
Rudy, 1984). Isso contrastava, nos domínios da história e da cultura, com concepções 
precipitadas de conhecimento como autoconsciência ou aprendizagem clássica, tal 
qual sancionada e administrada por uma categoria de eruditos (Kjorup, 2001: 20-22). 
Enfatizando procedimentos analíticos e estruturas conceituais para a pesquisa sobre 
cultura e consciência humana por meio de atenção detalhada às fontes históricas e 
outras fontes empíricas, as humanidades ajudaram a moldar as bases da pesquisa 
em comunicação moderna. Se o início do século XIX foi marcado pela 
institucionalização das humanidades como uma das correntes que mais tarde 
influenciaram as pesquisas em comunicação, no século XX presenciamos uma 
predisposição da Academia a uma segunda corrente das ciências sociais (para uma 
visão geral, ver Murdock, 2002). Respondendo a uma realidade de intensas e velozes 
mudanças sociais, várias disciplinas científico-sociais surgiram a fim de efetuar uma 
dupla hermenêutica da economia, da política e da cultura. É possível dizer que, 
introduzidas no campo da pesquisa em comunicação, as diversas disciplinas 
científico-sociais e seus especialistas posicionam-se em um eixo – simultaneamente 
epistemológico e político – que oscila do consenso ao conflito. A comunicação é parte 
 
94 
 
e parcela de um contínuo trabalho social de coordenação e confrontação, de 
processos macrossociais a estruturas macrossociais. Existe ainda um abismo nas 
conferências e publicações atuais entre as análises funcionais, de Spencer eDurkheim em diante, e a teoria crítica, de Marx, passando pela Escola de Frankfurt à 
«economia política da mídia, estudos feministas e de gêneros e teoria pós-colonial». 
Esse duplo legado das ciências sociais para a pesquisa em comunicação tem se 
complexificado e enriquecido em diversos aspectos. 
O mais importante, talvez, é que as abordagens interpretativistas e 
construtivistas serviram como uma lembrança constante de que a conduta da vida 
social depende crucialmente dos recursos simbólicos disponíveis. A comunicação 
antecipa ações sociais e configura a estrutura social. A «interação simbólica», que 
surgiu da grande tradição filosófica do «pragmatismo», exerceu grande influência nos 
estudos sobre a contribuição da comunicação ao senso de comunidade e de 
individualidade. Além disso, nas ciências sociais e humanidades, a fenomenologia 
reafirma a compreensão de consciência como um todo vivido e interpretado. Embora 
a fenomenologia possa ser interpretada no contexto social como uma reação 
defensiva contra o reducionismo dos moldes positivista e psicologista, ela se torna um 
ingrediente ativo da teoria social do século XX e da «metodologia qualitativa». Um 
exemplo característico, que sugere perspectivas disciplinares e interdisciplinares 
distintas da comunicação como um objeto de análise, é a «psicologia em processos 
sociais», que tem sido abordado de várias maneiras como uma questão de 
interpretação ou medida, explicação ou desenvolvimento 
9.4 Concepções Interdisciplinares Através Das Décadas 
O início do século XX marcou o surgimento de dois níveis de desenvolvimento 
no campo acadêmico que estimularam os estudos em comunicação pós-1945. Por um 
lado, as disciplinas acadêmicas especializadas se tornaram a ordem do dia, 
operacionalizando ideias intelectuais em conceitos explanatórios para a pesquisa 
empírica, enquanto cuidava das necessidades das profissões e burocracias na 
sociedade moderna. Considerando que a cultura nacional e a cultura acadêmica são 
diferentes (sobre o caso da Alemanha, ver Löblich, 2007), a autêntica e reconhecida 
história dos estudos em comunicação nos Estados Unidos (Dennis & Wartella, 1996) 
 
95 
 
é indicativa de uma visão abrangente de que a pesquisa em comunicação se sustenta 
de disciplinas científico-sociais específicas (para uma crítica ver Hardt, 1999). Embora 
Schramm (1997) descreva o seu desenvolvimento em referência aos seus 
«antepassados» (Lewin, Kurt; Lasswell, Harold D.; Lazarsfeld, Paul F.; Hovland, Carl 
I.), a substância conceitual e analítica é derivada de disciplinas impessoais (ciência 
política, sociologia, psicologia social e experimental). É importante dizer que uma 
história similarmente parcial dos estudos da comunicação poderia ser contada sob a 
perspectiva das humanidades. 
Além das tradições históricas e intelectuais já notadas, os candidatos a fontes 
disciplinares incluem história da arte, teoria literária, linguística e estudos fílmicos. É 
interessante notar que a segunda edição da obra amplamente divulgada de Lowery e 
DeFleur sobre o marco miliário (sócio científico) da pesquisa em comunicação de 
massa faz referência a um crescente “paradigma do significado” (Lowery e DeFleur, 
1988: 455), que poderia admitir um marco miliário humanístico. Apenas sete anos 
mais tarde, no entanto, na terceira edição, essa antecipação de uma possível 
convergência foi substituída por um retorno às múltiplas e paralelas “teorias 
centradas”, um explicando “conjuntos de eventos ou fenômenos de claras fronteiras” 
(Lowery e DeFleur, 1995: 397). O crédito de disciplinas relevantes e a definição de 
interdisciplinaridade permanecem, assim, contraditórios. Por outro lado, a pesquisa 
em comunicação sempre foi tendenciosamente interdisciplinar. Isso é evidente, não 
somente em histórias do Partido Whig a respeito das origens interdisciplinares do 
campo, mas também em algumas das mais influentes contribuições a seus conceitos 
e técnicas analíticas. Ao menos duas dessas fontes podem ser identificadas. Primeiro, 
a «semiótica» e o «estruturalismo», em múltiplas variantes e em combinação a outras 
tradições de pesquisa, como por exemplo, a retórica e a hermenêutica, forneceram 
estruturas detalhadas e rigorosas para o estudo do que Ferdinand de Saussure 
chamou, há um século, de «a vida dos signos na sociedade». 
Desenvolvendo-se nos estudos da lógica e da linguagem do século XIX, essas 
tradições inspiraram muitos linguistas e teóricos literários do período entre guerras, e 
consolidaram-se em uma corrente de estudos midiáticos humanísticos dos anos 60, 
embora tenham mais tarde também influenciado a pesquisa sócio científica sobre 
comunicação e cultura. A segunda família de tradições interdisciplinares é mais 
comumente associada às ciências sociais e às concepções técnicas e sistemáticas 
 
96 
 
da vida social. A cibernética, herdeira da engenharia e das ciências naturais, se tornou 
independente durante os anos 40 e 50 como uma ciência generalizada de controle da 
comunicação entre humanos e máquinas. A tradição semelhante da «teoria dos 
sistemas», tendo perdido seu sonho original de uma teoria de todos os sistemas, 
exerce hoje fraca influência. Enquanto isso, as teorias da «informação» como uma 
categoria lógica, estatística e algorítmica representavam a chave do projeto e do 
estudo das mídias de comunicação por todo o período pós-1945. Apesar da 
familiaridade entre as categorias analíticas, por exemplo, da semiótica e da 
cibernética, qualquer convergência dessas e outras fontes interdisciplinares em 
alguma teoria consensual da comunicação não está em progresso e talvez nunca 
ocorra, e pode não ser vantajosa. 
Ao invés disso, a convergência entre as ciências humanas, sociais, e em certo 
nível, das ciências naturais e exatas pode ser vista como uma expressão de um ethos 
profissional e uma agenda de pesquisa, em que devem refletir um grau de maturidade 
disciplinar que leve em consideração a tolerância intelectual e a curiosidade. Pelo 
menos desde a questão do «crescimento do campo» do Journal of Communication 
(1983), tal posição tem avançado amplamente – ainda que a tolerância possa se tornar 
indiferença entre os nichos. Além disso, o processo pode tomar a forma de 
convergências locais, mas não uma convergência global no campo. Para trazer à baila 
outros casos de linhas de estudo incompatíveis, podemos citar os «estudos culturais» 
e as «ciências cognitivas» que, cada uma à sua maneira, integraram elementos de 
diversas disciplinas das humanidades e ciências sociais. Elas constituem 
interdisciplinar por si mesmos e componentes de outras disciplinas e campos 
existentes, incluindo a pesquisa em comunicação. Ao passo que os estudos culturais 
trouxeram a hermenêutica clássica e outras estratégias analítico-discursivas bastante 
difundidas na sociedade moderna, investigando suas entrelinhas e fissuras, as 
ciências cognitivas revisitaram tardiamente a noção de inteligência artificial, 
desenvolvida anteriormente pela neurociência e pela antropologia. O propósito da 
teoria da comunicação, assim, não deve ser a construção de uma estrutura 
interdisciplinar a partir de blocos disciplinares, mas esboçar um plano de como 
estruturas múltiplas poderiam ser construídas e reconstruídas. A afirmação de Craig 
(1999) sobre a teoria da comunicação como uma prática meta discursiva é bastante 
sugestiva: a teoria da comunicação é constituída em e por meio de atos comunicativos 
 
97 
 
que se voltam a problemas práticos e questões de comunicação no mundo real, e que 
desenvolve soluções e reflexões diversas e concorrentes. A meta-perspectiva de 
Craig sobre o campo revelou sete tradições da teoria da comunicação: retórica, 
semiótica, fenomenologia, cibernética, psicologia social, teoria sociocultural e teoria 
crítica. Enquanto suas definições e delimitações permanecem contestáveis, esse é 
precisamente o ponto de um meta-modeloconstitutivo: a teoria da comunicação é uma 
prática comunicativa, e se desenvolve na relação com outras práticas e contextos 
comunicativos. São essas práticas que podem ser vistas, mais geralmente, como 
instâncias dos estudos da «dupla hermenêutica». 
 A pesquisa em comunicação é intertrans e multidisciplinar e tradicional; é tudo 
isso em resposta a uma realidade que se comunica infinitamente – ou o tenta fazer. A 
infraestrutura das instituições de pesquisa, jornais e conferências oferece evidências 
ainda mais antigas dessa dialética. Além das distinções disciplinares e sistemáticas, 
tais como «comunicação e a lei, economia midiática, produção e conteúdo midiático e 
efeitos midiáticos», o campo tem sido organizado de acordo com os domínios da 
relevância prática, por exemplo, da «comunicação educacional» e da «comunicação 
estratégica», e com vistas a noções contraditórias, tais como «comunicação popular». 
Novas configurações institucionais de uma herança teórica surgem; identidades 
disciplinares revisadas com uma posição direta sobre comunicação emergem, como 
no caso das ciências da informação (que em alguns cenários costumam ser 
conhecidos como biblioteconomia), cujas questões de pesquisa, com a digitalização, 
sobrepõem crescentemente as «interações homem-máquina». E, devido à 
centralidade da mídia e da comunicação na sociedade contemporânea, as pesquisas 
em comunicação são frequentemente 
9.5 O Processo De Comunicação 
Em relação às divergências disciplinares e intelectuais, a maioria das formas de 
pesquisa em comunicação compartilha ao menos uma compreensão em comum dos 
processos de comunicação. Diversos «modelos de comunicação» têm sido 
empregados desde os primórdios do campo como representações simplificadas, mas 
heuristicamente úteis, do domínio de estudo. Os termos «emissor-receptor, 
mensagem e canal» podem ser considerados relativamente unânimes, especialmente 
 
98 
 
se considerarmos a reversibilidade dos papéis e o feedback. No entanto, no que se 
refere ao «contexto» dessa interação, as abordagens das ciências humanas e sociais 
tendem à concordância. Considerando que o cientista social ideal e típico 
caracterizado por Lasswell (1948) considerará os contextos em termos de ambiente 
natural e cultural embutidos na comunicação e sendo representados por ela, o seu 
contraponto humanístico jakobsoniano (Jakobson, 1960) considerará literalmente 
contextos como textos, como sendo sempre estruturas discursivas 
 
 Fonte: essaseoutras.com.br 
E, embora esses dois modelos clássicos de comunicação possuam mais do que 
uma semelhança superficial, eles envolvem epistemologias alternativas. No 
paradigma de Lasswell, os comunicadores são indivíduos ou instituições reais que 
dizem algo intencionalmente por meio de um canal físico a alguém, induzindo certos 
comportamentos; no modelo jakobsoniano, comunicadores equivalem a funções 
imanentes ou traços em um texto. Esse recente foco nos veículos discursivos da 
comunicação é reenfatizado pela categoria de «código», tal como a língua e 
cinematografia inglesa, que complementa o canal físico (denominado por Jakobson 
de «contato») – no paradigma de Lasswell, os códigos não são elementos essenciais. 
Um terceiro modelo fundamental, que possui origem na engenharia, mas é 
 
99 
 
amplamente aplicado às ciências da comunicação, refere-se a qualquer coisa que se 
esteja transmitindo por meio de algum canal de comunicação como uma 
«mensagem», comunicação essa que pode ser malsucedida devido a um «ruído» 
(Shannon e Weaver, 1949). Em resumo, o «conteúdo» significativo do processo 
comunicativo pode ser definido tanto positivamente, como seleções e combinações 
no interior de um código de expressão, quanto negativamente, referindo-se àquela 
porção da mensagem que não sofre interferência de um ruído no canal de transmissão 
– assim como em termos indiretos das intenções e comportamentos dos emissores e 
dos receptores. A tradicional fronteira entre as abordagens das ciências humanas e 
sociais para o processo comunicativo pode ser traçada em duas concepções distintas 
de comunicação: como um modo de «representação» ou um «meio» de ação. Por um 
lado, as humanidades enfatizam as formas simbólicas por meio do qual os humanos 
re(a)presentam diferentes aspectos da realidade como parte de um processo 
intersubjetivo de cognição e reflexão. 
As teorias destacam a representação como uma «expressão» cognitiva e 
estética, como uma forma externa de «troca, e como uma fonte internalizável de 
«experiência». Por outro, as ciências sociais dão prioridade à comunicação como um 
meio de interação social coordenada, ou como um tipo de interação por si mesmo, 
desenvolvendo todas as formas de práticas sociais, culturais e psicológicas. Devido o 
seu foco em formas de representação na comunicação, as humanidades têm gerado 
um legado fértil de conceitos a respeito dos veículos de comunicação. Primeiro, os 
textos foram compreendidos, desde os anos 60, como portadores de cultura, incluindo 
tanto a mídia impressa quanto a audiovisual, ilustrações e artefatos do cotidiano. Os 
conceitos de «textualidade» e «intertextualidade», derivados da teoria literária do 
século XX, sugerem que não-textos são ilhas – textos que adentram em redes de 
configurações históricas ancestrais e contemporâneas. Muito antes dos hipertextos e 
do world wide web, as ciências humanas reconheceram a interconectividade dos 
textos como nós da comunicação e da cultura. Segundo o discurso refere-se ao uso 
da língua e de outros signos em contextos sociais, às vezes instantâneas concretos 
de um texto particular (e.g., um espetáculo de Hamlet). O discurso, assim, desloca a 
atenção de entidades textuais para os processos localizados em que a comunicação 
se desdobra. Em um sentido mais amplo, o discurso se refere ao uso de signos que 
articulam e testemunham visões de mundo, ideologias e formações culturais próprias. 
 
100 
 
Os discursos multiplicam-se na cultura por meio da comunicação. E também, de 
acordo com as «teorias de cultivo» como compreendidas pelos estudos midiáticos, a 
comunicação cultiva humanos, para melhor ou para pior, por meio das mídias 
historicamente disponíveis. Nas tipologias dos veículos de comunicação, as 
humanidades frequentemente concedem atenção especial ao gênero como um nível 
intermediário de análise de textos ou discursos específicos e suas estruturas 
institucionais e midiáticas. Enquanto a teoria literária tradicionalmente examina 
gêneros épicos, líricos e dramáticos e suas variantes culturais e históricas, os estudos 
da comunicação e da mídia se dedicam a uma grande variedade de gêneros (e 
subgêneros), muito além da «ficção» – gêneros que incluem o noticiário e as séries 
televisivas, e-mail e jogos de online, disputas amorosas e diálogos paciente terapeuta. 
Os gêneros são equivalentes textuais de uma grande variedade de práticas sociais, 
no público e no privado, ambientes online e offline, como explorado, por exemplo, na 
«comunicação organizacional» (e.g., Yates e Orlikowski, 1992) e no “contexto da 
comunicação mediada por computadores”. 
Apesar das diferentes concepções de «conteúdo» da comunicação, as ciências 
sociais e humanas concordam sobre o conceito performativo de «significado» ou o 
conceito contextual de «informação». As humanidades cada vez mais prestam contas 
ao sentido representacional em termos de sua contribuição para a contínua 
estruturação da cultura e da sociedade (Giddens, 1984); as ciências sociais, 
igualmente, tratam a informação como «uma diferença que faz a diferença» nas 
interpretações assim como nas ações em contextos sociais e culturais. A 
comunicação também pode ser definida como práticas de «interação» humana que 
dependem da «interatividade», não somente na nova mídia digital, mas também em 
toda a variedade de «mídias» e «modalidades»«programáveis» – é através de um 
conjunto de combinações extremamente complexas de materiais e recursos 
simbólicos disponíveis da comunicação que as representações humanas da realidade 
e as interações iterativas na e com essa realidade se tornam possíveis. A 
comunicação permite dúvidas e adiamentos – paradas, reflexões e representações 
antes de cada ação. A convergência de conceitos sobre «mídia» e «comunicação», 
como já indicado, foi facilitada pelas novas formas e contextos midiáticos de 
comunicação, que demandam pesquisas interdisciplinares. O ambiente midiático 
contemporâneo foi moldado pela «intermodalidade» em um sentido tecnológico, 
 
101 
 
estético e institucional. Nesse processo, a nova mídia confia e molda os repertórios 
da mídia antiga. Algumas das questões para a nova pesquisa interdisciplinar são: 
como as diversas práticas diárias de comunicação se relacionam com «a mídia» como 
instituições específicas dedicadas à comunicação sobre outras instituições na 
sociedade – políticas, econômicas e culturais? Quais são os propósitos e fronteiras 
dos diferentes processos de comunicação? E quais deveriam ser os propósitos e 
estruturas institucionais dos diferentes tipos de pesquisa em comunicação? 
9.6 O Processo De Pesquisa 
O processo de pesquisa pode ser visto como um caso especial no processo de 
comunicação, ainda que certamente seja contestável, como observou Craig (1999: 
155, nota 10), já que é muito questionada a afirmação de que a pesquisa em 
comunicação é “a disciplina fundamental que explica todas as outras disciplinas, 
[todas as quais] que são constituídas simbolicamente por meio da comunicação”. A 
pesquisa em comunicação é um tipo específico de prática comunicativa com 
propósitos e interesses sociais particulares. A concepção de “interesse no 
conhecimento” – explanatório, interpretativo ou emancipatório – sugere que os 
propósitos e interesses não são externos, mas aspectos constitutivos da ciência e da 
erudição. A distinção entre a pesquisa “administrativa” e “crítica” (Lazarsfeld, 1941) é 
baseada em premissas teóricas e procedimentos de pesquisa, e não em preferências 
políticas. Apesar da diversidade de abordagens de pesquisa que se inserem no campo 
da pesquisa em comunicação, é possível identificar certas posições prototípicas, 
fundamentadas em diferentes formas de inferência. No cenário acadêmico, duas 
autos concepções de pesquisadores do que eles acham que eles são capazes 
(Geertz, 1983: 58) são frequentemente colocadas em oposição umas às outras – 
raciocínio hipotético-dedutivo apoiado pelas metodologias quantitativas, e raciocínio 
abdutivo baseadas na metodologia qualitativa. (De fato, provavelmente grande parte 
dos estudos em comunicação, falando de maneira geral, baseia-se na indução – 
pesquisas do tipo descritivo, comercial e/ou confidencial que sustentam estratégias 
comerciais e planejamento público). Essas posturas adotadas nas pesquisas 
acadêmicas em comunicação estão ligadas às grandes tradições da epistemologia e 
da teoria da ciência, que historicamente representam culturas distintas de pesquisa 
 
102 
 
(Snow, 1964), apesar das várias propostas de reintegração (Brockman, 1995). De um 
lado, o «racionalismo crítico» desenvolve uma grande parte das pesquisas empíricas 
em comunicação, particularmente estudos quantitativos. Isso apesar do fato de que a 
pesquisa prática nem sempre corresponde às expectativas dos critérios estipulados 
por Popper, considerando a pesquisa em comunicação como um todo, como outros 
campos e disciplinas, e ainda assim ela continua a debater as definições e implicações 
da «objetividade nas ciências». 
De outro, o «construtivismo» exerce grande influência, especialmente nos 
estudos críticos, qualitativos e interpretativos em comunicação. Em suas versões mais 
radicais, podemos dizer que o construtivismo abandona uma noção moderna de 
erudição como representações intersubjetivamente validadas da realidade que as 
coletividades sociais produziriam, preferindo a narrativa ao argumento. 
Recapitulando, as duas abordagens prototípicas da pesquisa em comunicação podem 
ser relacionadas a diferentes aspectos ou níveis de estudos empíricos. Debates 
envolvendo a dicotomia qualitativo-quantitativo geralmente se concentram nesses 
níveis individuais, referindo-se especialmente aos níveis de coleta e análise de dados. 
É importante dizer que, no entanto, é o projeto ou «metodologia» de pesquisa, e não 
a teoria, que distingue as pesquisas quantitativas e qualitativas – embora as 
metodologias façam parte de um conjunto de estruturas teóricas e técnicas analíticas. 
As similaridades e diferenças entre essas duas correntes são provavelmente melhor 
compreendidas se notarmos como elas associam – ou separam – os diversos níveis 
de análise. Os estudos quantitativos em comunicação tendem a assumir que a 
separação dos momentos de conceitualização, projeto, compilação e análise de dados 
e interpretação é tanto possível quanto desejável. Já a pesquisa qualitativa defende 
que ao menos certos fenômenos comunicativos requerem um processo de pesquisa 
que se mova de forma livre em todos os níveis analíticos a fim de articular e diferenciar 
as categorias analíticas, para que análises detalhadas sejam parte constitutiva do 
processo. São essas diferenças que, sobretudo, justificam a resistência entre duas 
correntes, que resumem as grandes dicotomias conceituais na história da ciência 
moderna – idiográfico vs nomotético, verstehen vs erklären, êmica vs ética. A pesquisa 
em mídia e comunicação atual vem passando por um processo de convergência entre 
as tradições intelectuais e disciplinares desde os anos 80, explorando a 
complementaridade das versões científico-sociais qualitativa e quantitativa, 
 
103 
 
humanística e social do processo de pesquisa. Se definido negativamente, o campo é 
pré-paradigmático, carente de um conjunto consensual de premissas metodológicas, 
epistemológicas e ontológicas (Kuhn, 1970). Mas, se definido positivamente, o campo 
representa um lugar de diálogo entre, em um sentido frágil, «paradigmas» no plural. 
Uma vez que o processo é aberto, a evidência de publicações e conferências sugere 
que essa convergência pode desenvolver-se, e até poderia ser consolidado em 
estruturas epistemológicas e meta-teóricas que reconhecem o valor explanatório da 
pesquisa qualitativa e quantitativa; podemos citar, por exemplo, o realismo científico 
(Jensen, 2002a; Pavitt, 1999). Em cada turno da pesquisa dialógica, a teoria e a 
filosofia da comunicação, no sentido de uma epistemologia que implica compromisso 
ontológico e político, são imprescindíveis. 
O nível epistemológico retroage sobre os objetos empíricos de análise, 
assumindo definições e justificativas prévias do que constituem objetos relevantes de 
análise, e do que representam métodos analíticos admissíveis, permitindo inferências 
para além daqueles objetos. Algumas instituições de pesquisa internacionais em 
comunicação tendem a tratar a teoria e a filosofia como interesses distintos e temas 
desligados do núcleo das atividades de pesquisa. A título de exemplo, a Filosofia da 
Divisão da Associação de Comunicação Internacional foi formada em 1985 em torno 
de “elementos gêmeos: a teorização da comunicação e a politização da filosofia” (Erni, 
2005: 374). Na prática, a divisão representa “um lar para os estudos filosóficos, críticos 
e culturais” (Erni, 2005: 371), questionando explícita e implicitamente premissas 
teóricas e metodológicas em outras seções dessa associação. Um de seus dilemas 
era como estabelecer um nicho para reflexão teórica sem torná-lo um nicho para 
teorias particulares, repelindo uma hegemonia científica sobre seus «outros» no 
diálogo. Certamente, são necessárias duas partes para se comunicar, assim como 
reflexividade em ambas as partes para alcançar um diálogo. Um desafio importante 
para os futuros estudosem comunicação, nas divisões, nichos e tradições, é como 
acomodar e tratar a teoria e a filosofia da comunicação, não como práticas separadas 
ou autossuficientes, mas como condições necessárias da pesquisa em comunicação 
como tal. O esforço sobre as agendas de pesquisa, conceitos teóricos e 
procedimentos analíticos são, enfim, partes de uma dupla hermenêutica da pesquisa 
em comunicação. Os estudos em comunicação examinam a realidade contraditória 
das práticas comunicativas que os usuários e estudiosos da comunicação tanto se 
 
104 
 
preocupam. Uma outra razão para teorizar a comunicação no início do século XXI é a 
sua transformação nas estruturas tecnológicas e institucionais. A mídia – livros, 
imprensa, rádio e teledifusão, a Internet –sempre serviu como fontes de reflexão e 
deliberação em uma escala macrossocial, como instituições pensantes (Douglas, 
1987); a digitalização afeta cada componente e processo dessas instituições – quem, 
o que e como da comunicação. A pesquisa em comunicação cumpre o papel de 
instituição pensante de segunda ordem, sem garantias de que suas descobertas e 
insights possam ser adotados nos estudos ou prática diária da comunicação. A 
comunicação dos estudos da comunicação é, assim, uma questão incerta e 
inacabada5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS 
Bibliografia Básica 
ARAÚJO, Inês Lacerda. Introdução à filosofia da ciência. Curitiba: 
Editora UFPR, 2003. 
 
5 Texto extraído: JENSEN, Klaus Bruhn. Teoria e filosofia da comunicação. Disponível: 
file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/38207-Article%20Text-44973-1-10-20120814.pdf. Acesso em : 
13/02/2019 às 13:58h. 
file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/38207-Article%20Text-44973-1-10-20120814.pdf
 
105 
 
BUNGE, Mário. Epistemologia. 2. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 
1987. 
CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal?. São Paulo: Brasiliense, 
1993. 
CHRÉTIEN, Claude. A ciência em ação: mitos e limites. Campinas: 
Papirus, 1994 
 
Bibliografia Complementar: 
 
JAPIASSU, Hilton. Introdução ao Pensamento Epistemológico. 7. 
ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1992. 
DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de 
pesquisa em comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 
COORDENAÇÃO DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL 
DUTRA, Luiz Henrique de A. Introdução à teoria da ciência. 
Florianópolis: UFSC, 1998. 
GRANGER, Gilles Gaston. A ciência e as ciências. São Paulo: 
Universidade Estadual Paulista, 1994. 
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 6. ed. São 
Paulo: Perspectiva, 2001. 
LOPES, Maria Immacolata V. Pesquisa em comunicação. 5. ed. São 
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 MELO, José Marques de. Comunicação: teoria e pesquisa. 
Petrópolis: Vozes, 1998