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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI INTRODUÇÃO À FILOSOFIA GUARULHOS - SP SUMÁRIO 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA ................................................................................................................... 3 2 A FILOSOFIA............................................................................................................................................ 4 2.1 O que é Filosofia ............................................................................................................................ 5 2.2 Surgimento da Filosofia .................................................................................................................. 7 2.3 A Filosofia para alguns filósofos .................................................................................................. 10 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA ................................................................................................................... 19 3.1 A Filosofia Antiga ......................................................................................................................... 25 3.2 As principais características da Filosofia ..................................................................................... 27 3.3 A importância de ensinar Filosofia ............................................................................................... 29 3.4 Questões de estudo da Filosofia .................................................................................................. 34 3.5 Empirismo..................................................................................................................................... 37 3.6 Ceticismo ...................................................................................................................................... 39 3.7 Liberalismo ................................................................................................................................... 41 3.8 Dialética ........................................................................................................................................ 43 3.9 Modernidade: Descartes e Hume ................................................................................................ 49 3.10 Transcendental: Kant ................................................................................................................... 52 3.11 Fase Contemporânea: Quine, Popper, Kuhn, Feyerabend ......................................................... 55 3.12 Contexto Histórico ........................................................................................................................ 61 3.13 Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino ................................................................................ 62 3.14 Nietzsche ...................................................................................................................................... 64 4 PRÉ-SOCRÁTICOS ............................................................................................................................. 65 4.1 Filosofia pré-socráticas ................................................................................................................ 67 4.2 Aristóteles ..................................................................................................................................... 69 4.3 Jean Jacques Rousseau .............................................................................................................. 71 4.4 Sofistas ......................................................................................................................................... 73 5 FILOSOFIA NO CÍRCULO DE VIENA ................................................................................................. 75 5.1 Início da Filosofia Contemporânea .............................................................................................. 78 6 FILOSOFIA NO BRASIL ...................................................................................................................... 79 6.1 História da Filosofia no Brasil ....................................................................................................... 82 7 FILOSOFIA POLÍTICA ......................................................................................................................... 83 8 NÃO SE ENSINA FILOSIFA, MAS A FILOSOFAR.............................................................................. 86 8.1 O pensamento crítico ................................................................................................................... 89 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ...................................................................................................................... 92 3 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA Fonte: slideplayer.com.br "A Filosofia contribui para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro" - Arthur Meucci. Desde 2006, Filosofia é disciplina obrigatória no Ensino Médio brasileiro. Para muitos, perda de tempo, pois exige maturidade intelectual que a maioria dos alunos não tem. Mas há defensores fervorosos de sua inclusão no currículo, caso do filósofo e psicanalista Arthur Meucci. "É a única disciplina da grade escolar que faz a ponte entre o português, a sociologia, a história e a matemática, além de contribuir para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro", destaca. 4 2 A FILOSOFIA A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. A filosofia é uma maneira de pensar e é também uma postura diante do mundo. Antes de mais nada, ela é uma forma de observar a realidade que procura pensar os acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para qualquer objeto: pode pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos; pode pensar sobre a religião, a arte; o seu cotidiano, o próprio homem em sua cultura e imagem. A filosofia em síntese não é tão somente uma interpretação do já vivido, daquilo que você possa estar objetivando, mais também a interpretação das aspirações e desejos do que ainda está por vir e do que está para chegar. Para iniciar o exercício de filosofa, a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles. Filosofia é inventariar os valores que explicam e orientam nossa vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. O segundo momento é o momento da crítica que é um modo de penetrar dentro desses valores, descobrindo -lhe a sua existência. A filosofia e educação estão vinculadas no tempo e no espaço. A pedagogia inclui mais elementos do que o pressuposto filosófico da educação, tais como os processos socioculturais, a concepção psicológica do educando e a forma do processo educacional. Para que possamos compreender ainda mais essa filosofia e como ela é parte de uma educação inteiramente possuída pela realidade e construção cultural, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve possuir as seguintes características: 5 2.1 O que é Filosofia Fonte: www.i.ytimg.com 6 A pergunta pelo que é a Filosofia é, em si, uma investigação filosófica cujas tentativas de resposta ocorrem desde Pitágoras, que cunhou o termo. O que é isto: a Filosofia? Se essa pergunta continua a ser feita é porque é um desafio a tentativa de respondê-la. Não há uma definição simples que consiga resolver a questão, pela própria extensão do conteúdo produzido que se convencionou chamar de “filosofia” e pelas diferentes respostas que os filósofos deram a elano decorrer da história, muitas vezes refutando as interpretações de outros. Ou seja, a própria questão “O que é Filosofia” é aquilo que chamamos de “problema filosófico”: problemas que só podem ser resolvidos por meio da investigação racional, pois não podem ser constatados por meio de uma experimentação, como faz a Matemática, através de cálculos, ou de análise de documentos, como faz a História, por exemplo. Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa noção aparece, em qual contexto, quais foram seus antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos, a Matemática pode nos ajudar a partir de cálculos. No entanto, se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar. Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos diversos problemas filosóficos e diversas respostas a cada um deles. Para os pré-socráticos: a physis; para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem; para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio; para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo, para a Filosofia Contemporânea,diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros. Temos também uma diversidade de formas literárias da filosofia: Parmênides escreveu em forma de poema; Platão escreveu diálogos; Epicuro escreveu cartas; Tomás de Aquinodesenvolveu o método “questio disputatio” em suas aulas que foram transcritas por seus alunos;Nietzsche escreveu em forma de aforismos. Por esses exemplos, que não esgotam a pluralidade da escrita e da atividade filosófica, podemos 7 compreender que as formas de se fazer filosofia vão muito além dos tratados e das dissertações. A compreensão que temos por vezes da Filosofia como uma atividade reservada a gênios e que, portanto, não precisa se preocupar em se fazer entendida aos demais humanos é baseada em uma compreensão da atividade do pensamento sendo superior à atividade da linguagem, como se elas estivessem dissociadas. Ora, não podemos ainda, por mais desenvolvidas que estejam as nossas tecnologias, expressar o pensamento sem linguagem e nem exercitar a linguagem sem que ela seja, antes, elaborada pelo pensamento. 2.2 Surgimento da Filosofia : Fonte: image.slidesharecdn.com 8 Como qualquer outra proposta educativa, a EAD tem diferentes perspectivas de opção filosófica, onde princípios e valores estão postos. Entre a individualização extremada e a massificação determinada pela padronização dos comportamentos, coloca-se uma terceira possibilidade, que se estabelece pela individualização voltada para a integração e cooperação social (KRAMER, 1999, p.34). A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia características favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas. A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para a Aristóteles é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos neoplatônicos e dos pitagóricos. A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso são Cícero e Diógenes Laércio. Vejamos o que escreve Cícero: “O doutíssimo discípulo de Platão, Heráclides Pontico, narra que levaram a Fliunte alguém que discorreu douta e extensamente com Leonte, príncipe dos fliúncios. Como seu engenho e eloquência tivessem sido apreciados por Leonte, este lhe perguntou que arte professasse, ao que ele respondeu que não conhecia nenhuma arte especial, mas que era filósofo. Admirado Leonte diante da novidade daquele termo, perguntou que tipo de pessoas eram os filósofos e o que os distinguia dos outros homens. 9 (...) [Pitágoras respondeu] Outrossim, os homens (…) comparam-se com os que vão da cidade a uma festa popular: alguns vão em busca de glória enquanto outros de ganho, restando, todavia, alguns poucos que desconsiderando completamente as outras atividades, investigam com afinco a natureza das coisas: estes se dizem investigadores da sabedoria - quer dizer filósofos - e como é bem mais nobre ser espectador desinteressado, também na vida a investigação e o conhecimento da natureza das coisas estão acima de qualquer outra atividade”. Percebe-se que por meio desse fragmento de Cícero que: 1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles. 2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior. Como se pode ver no fragmento, não havia na época uma “arte especial”. 10 2.3 A Filosofia para alguns filósofos Fonte: 1.bp.blogspot.co Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer- se ignorante." Epicuro (341 a . C. - 270 a . C.): "Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz." Edmund Husserl (1859-1938): "O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?" Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espécie de acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem fatal, em torno do 11 qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes”. (Para alémdo bem e do mal, p. 207) Kant (1724-1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. Ludwig Wittgenstein (1889-1951): "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): "A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo." Gilles Deleuze (1925-1996) e Félix Guattari (1930-1993): "A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." Karl Jaspers (1883-1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta” (Introdução ao pensamento filosófico, p. 140). García Morente (1886-1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…) Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”. (Fundamentos de filosofia, p. 33-34). NASCIMENTO DA FILOSOFIA Fonte: alunosonline.uol.com.br 12 Os historiadores da Filosofia situam o seu nascimento no final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E aquele a quem primeiro atribuiu-se esse título foi Tales de Mileto. Em seu nascimento a filosofia caracteriza-se como uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, de onde: cosmologia. Ainda dentro deste contexto podemos dizer que a Filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos, embora alguns autores defendam uma ruptura radical com os mitos. [...] o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional [...] homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modelo de reflexão concernente à natureza [...] da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos metereológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas (VERNANT, 2006, p. 109). O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de algo, como a origem dos deuses, dos astros, da Terra, dos homens, da água, do bem e do mal etc. e se opõe ao logos que é um tipo de raciocínio que “[...] procura convencer, acarretando no ouvinte a necessidade de julgar” (BRANDÃO, 1986, p. 13). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso diferente do logos pois é pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra: “Acredita-se nele ou não, à vontade, por um ato de fé, se o mesmo parece "belo" ou verossímil, ou simplesmente porque se deseja dar-lhe crédito” (BRANDÃO, 1986, p. 14). As narrativas míticas gregas nos foram relatadas sobretudo por Homero e Hesíodo, o primeiro, segundo a tradição, é autor de a Ilíada e a Odisséia, enquanto que o segundo é autor de Teogonia e Os trabalhos e os dias. 13 Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhes mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Como exemplo dessas narrativas temos o titã Prometeu, que roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens? Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo. Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt Já foi há muito tempo observado que o antecedente da cosmologia filosófica é constituído pelas teogonias e cosmogonias mítico-poéticas, das quais é muito rica a literatura grega, e cujo protótipo paradigmático é a Teogonia de Hesíodo, a qual, explorando o patrimônio da precedente tradição mitológica, traça uma imponente síntese 14 de todo o material, reelaborando-o e sistematizando-o organicamente. A Teogonia de Hesíodo narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do cosmo, além de teogonia ela se torna também cosmogonia, ou seja, explicação da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Hesíodo imagina ter tido, aos pés do Hélicon, na Beócia, uma visão das Musas, e ter recebido delas a revelação da verdade. Em primeiro lugar, diz ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gaia (a Terra), em cujo seio amplo estão todas as coisas, e das profundidades da Terra gerou-se o Tártaro escuro, e, por fim, Eros (o Amor) que, depois, deu origem a todas as outras coisas. Do Caos nasceram Erebo e Noite, dos quais se geraram o Eter (o Céu superior) e Emera (o Dia). E da Terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando-se com o Céu, a Terra gerou Oceano e os rios (cf. REALE, G. História da Filosofia, vol. I.) Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt O mito narra, assim, a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias. 15 Considera-se, portanto, que a Filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente. O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais: tendência à racionalidade: a razão é o critério de explicação da realidade; a Natureza opera obedecendo leis e princípios racionais e, portanto, pode ser conhecida pelo nosso pensamento e pela nossa razão; o Cosmo, entendido como ordem, é uma ordem racional; é a racionalidade deste mundo que o torna compreensível ao entendimento humano; daí, Cosmologia. A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem. Fonte: conscienciapolitica.webnode.pt 16 Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizeré que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir o pensamento, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas. Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir o pensamento que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos. Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. Portanto, a Filosofia surge quando alguns pensadores gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. A filosofia, enfim: [...] vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus métodos, em sua inspiração, aparentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito de segredo próprio das sei- tas e a publicidade do debate contraditório que caracterizava a atividade política [...] O filósofo não deixará de oscilar entre duas atitudes, de hesitar entre duas tentações contrárias. Ora afirmará ser o único qualificado para dirigir o Estado, e, tomando orgulhosamente a posição do rei-divino, pretenderá, em nome desse ‘saber’ que o eleva acima dos homens, reformar toda a vida social e ordenar soberanamente a cidade. Ora ele se retirará do mundo para recolher-se numa sabedoria puramente privada; agrupando em torno de si alguns discípulos, dese- jará com eles instaurar, na cidade, uma cidade diferente, à margem da primeira e, renunciando à vida pública, buscará sua salvação no conhecimento e na con- templação” (VERNANT, 2006, p. 64) Mas a cosmologia não é a única característica principal da filosofia grega. Se num primeiro momento a filosofia surge como compreensão racional do cosmos, não é menos exato dizer que com a emergência da polis grega (as cidades-Estado), a filosofia irá 17 mudar a sua ênfase de pesquisa, no sentido de que a problemática agora será o próprio homem, enquanto ser individual, ético e cidadão da polis. Nesse momento, diz Jean Pierre Vernant, a Grécia está centralizada na ágora, espaço comum, espaço público, onde são debatidos os problemas de interesse geral. “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis” (2006, p. 51) E mais adiante: O aparecimento da polis constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, só no fim alcançará todas as suas consequências; a polis conhecerá etapas múltiplas e formas variadas. Entretanto, desde seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII, marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos (id., ibidem, p. 53). Nesse novo contexto, Sócrates e os Sofistas inauguram um novo momento na filosofia grega. O pensamento de Sócrates é um marco na constituição da tradição filosófica ocidental. E pode-se dizer que inaugura a filosofia clássica dando maior ênfase a problemática ético-política e existencial, ao invés de uma maior preocupação centrada sobre a realidade natural, tal como encontramos nos filósofos pré-socráticos do período cosmológico. Essa mesma denominação, “pré-socráticos”, já reflete a importância da filosofia de Sócrates como um divisor de águas. Neste período da filosofia grega (séc. V e IV a.C.), o interesse dos filósofos gira não tanto em torno da natureza, como nos pré- socráticos, mas em torno do homem e do espírito; da cosmologia passa-se para a antropologia, a política e a moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior. Por outro lado, os Sofistas, contemporâneos de Sócrates, embora com visões diferentes, compartilham o interesse pela problemática ético-política, pela questão do homem enquanto cidadão da polis, que passa a se organizar politicamente no sistema que conhecemos como democracia. https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 18 Os Sofistas surgem no contexto da democracia grega e do apogeu das cidades-estados, onde as deliberações serão tomadas em reunião de cidadãos: as assembleias. Tais decisões devem ser tomadas por consenso, o que significa explicar, justificar, discutir, convencer, persuadir, além disso, o uso da linguagem, o modo de falar, do discurso, deve ser racional. Na medida em que a palavra passa a ser livre, ela se torna instrumento através do qual os indivíduos podem defender seus interesses, seus direitos e suas propostas. “O filósofo é alguém que usa a palavra. Então, o indivíduo que não se interessa pela palavra, que a utiliza de um modo apenas pragmático, do tipo ‘me passe o sal’, que se pode fazer com ele?” (CHÂTELET, 1994, p. 29). Surge a arte do discurso, a retórica e a oratória, e os Sofistas são, precisamente, os mestres de retórica e oratória. “O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento político por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comento e de domínio sobre outrem” (VERNANT, 2006, p. 53). E mais adiante: “Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político” (id., ibidem, p. 56). Na democracia ateniense, a função pública dos oradores torna-se fundamental e a palavra um instrumento utilizado não mais apenas por pensadores, mas também por políticos. É necessário preparar os indivíduos para a vida pública, torná-los capacitados para a virtude (aretê) política e para tal, é preciso adestrá- los na arte da persuasão através da palavra. “Na democracia, a palavra vai impor-se, e quem dominar a palavra dominará a cidade” (CHÂTELET, 1994, p. 16). Nesse período o pensamento filosófico terá como traços principais: As práticas humanas, a moral, a política, dependem da vontade livre e da escolha racional segundo valores estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposição divina ou sobrenatural; A ideia de lei como expressão da vontade humana ordenada pela razão; “A lei da polis [...] já não se impõe pela força de um prestígio pessoal ou religioso; devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética [do diálogo, em sentido am- plo]” (VERNANT, 2006, p. 56), e, mesmo que ainda concebida como sagrada, a lei se torna uma ordem racional, sujeita à discussão e modificável por decreto 19 O discurso político – a vida política grega –, ao valorizar o pensamento racional, cria condições para valorizar o discurso filosófico, enquantoarte retórica, oratória e objeto de debate público – um combate de argumentos cuja arena é a ágora, praça pública, lugar de reunião entre os cidadãos. 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com Sob vários aspectos pode a história da filosofia suscitar interesse. Quem quiser descortinar o ponto central, deve buscá-lo no nexo essencial que liga os tempos aparentemente passados com o grau atualmente alcançado pela filosofia. Tal nexo não é um fato exterior suscetível de ser descurado na história desta ciência; exprime, pelo contrário, o caráter íntimo da filosofia; e as vicissitudes desta história, perpetuando-se nos seus efeitos, como qualquer outro acontecimento, são produtivas de maneira que lhes é peculiar: outra coisa não pretendemos senão ilustrar isto mesmo o mais claramente que nos seja possível. 20 A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional. Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. Na história da filosofia, estas ações e acontecimentos, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencentes à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano. Como as artes da vida externa, o complexo de meios, de habilidades, de insti- tuições e de hábitos no convívio social e na vida política são o resultado da meditação e da invenção, das privações, ou de acidentes da sorte, da necessidade e da perícia, do querer e do poder da história na sua evolução até o presente atual. Se alguma coisa somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-lo à tradição, a qual, através do que é caduco, e por isso mesmo passado, forma, segundo a expressão de Herder, uma corrente sagrada que conserva e transmite tudo quanto o mundo produziu antes de nós. Mas esta tradição não é apenas uma ama que conserva fielmente o patrimônio recebido para o manter e transmitir invariável aos vindouros, como o curso da natureza que, através de infinitas variações e atividades de formas e funções, sempre se conserva fiel às suas leis originais sem progredir; não é estátua de pedra, mas é viva, e 21 continuamente se vai enriquecendo com novas contribuições, à maneira de rio que engrossa o caudal à medida que se afasta da nascente. O conteúdo desta tradição é formado por tudo quanto o mundo espiritual produziu, e o espírito universal nunca permanece estacionário. Ora, é do espírito universal que nos devemos ocupar aqui. É possível que em determinada nação se dê uma pausa na cultura, na arte, na ciência, nas capacidades intelectuaisem geral. Pareceter sido o que sucedeu com os chineses que, vai para dois mil anos, teriam estacionado no atual grau de desenvolvimento. Mas o espírito do mundo não pode cair neste repouso indiferente, como se deduz do simples conceito essencial do espírito, pois que o seu viver é o seu agir. Ora, a ação pressupõe uma matéria preexistente sobre a qual se exerça, não só a fim de a aumentar com o acréscimo de novos materiais, senão principalmente para a elevar e transformar. Deste modo, aquilo que todas as gerações produziram como ciência, como patrimônio espiritual, constitui uma herança acumulada pelo trabalho de todos os homens que nos precederam, um templo onde todas as gerações humanas, gratas e alegres, depuseram o que as ajudou a viver e o que elas conseguiram extrair da profundidade da natureza e do espírito. A recepção desta herança equivale ao exercício da posse dela. Ela forma a alma das sucessivas gerações, a sua substância espiritual e como que um hábito transmitido, os seus princípios, prejuízos e riquezas; e, ao mesmo tempo, tal herança degradou-se ao ponto de servir de matéria para ser transformada e elaborada pelo espírito. Desta maneira se vai modificando o patrimônio herdado, e simultaneamente se enriquece e conserva o material elaborado. É esta, precisamente, a posição e a função da nossa idade, como aliás de todas as idades: compreender a ciência existente, modelar por ela a nossa inteligência, e desse modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau superior; no ato de a convertermos em propriedade nossa e individual, juntamos-lhe algo de que até então carecera. Desta característica da produção espiritual, que supõe um mundo espiritual preexistente e o transforma no ato de se apossar dele, segue-se que a nossa filosofia só pode existir enquanto ligada à precedente, da qual é necessário produto; e o curso da história mostra, não o devir de coisas a nós estranhas, mas sim o nosso devir, o devir do nosso saber. 22 Da natureza da relação que expusemos dependem as ideias e os problemas que podemos propor, relativos ao âmbito da história da filosofia. Compreender devidamente esta relação permite alcançar como pelo estudo da história desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria ciência. As indicações que demos acerca do processo de tratar esta história são tomadas de tal relação, e a elucidação delas constitui uma das finalidades desta Introdução. Nesta altura, intervém o conceito do fim da filosofia, que deveria ser estabelecido como fundamento. Mas, visto não podermos fazer aqui uma exposição científica deste conceito, em vez de provar e fazer compreender a natureza do devir da filosofia, contentamo-nos com dar dele uma ideia preliminar. Este devir não é simplesmente um movimento passivo como imaginamos que seja o nascer do sol e da lua, movimento que se efetua sem contrariedade no espaço e no tempo. O que devemos representar ao espírito é a atividade do pensamento livre; devemos representar a história do mundo no pensamento, o processo do seu nascimento e produção. Segundo uma antiga opinião, a faculdade de pensar é o que separa os homens dos brutos. Aceitamo- la como verdadeira. O que o homem possui de mais nobre do que o animal, possui-o graças ao pensamento: tudo quanto é humano, de qualquer forma que se manifeste, é-o na medida em que o pensamento age ou agiu. Mas sendo o pensamento o essencial, o substancial, o efeitual, dirige-se a objetos muito variados; pelo que importa considerar como mais perfeito o pensamento voltado sobre si mesmo, ou seja, sobre o objeto mais nobre que pode buscar e encontrar. 23 Fonte: resumoescolar.com.br A história que nos propomos fazer é a história do pensamento que a si próprio se encontra; e por meio do pensamento acontece que ele se encontra na medida em que se produz; por isso só existe e é real na medida em que se encontra. As manifestações deste processo são as filosofias, e as séries das descobertas, de que o pensamento se vale para se descobrir, constituem o trabalhode dois mil e quinhentos anos. Se o pensamento, enquanto essencialmente pensamento, é em si e por si estante e eterno, e se o vero está contido só no pensamento — como é que este mundo intelectual consegue ter uma história? Na história apresenta-se o que é mutável, o que mergulha na noite do passado, o que já não existe; pelo contrário, o pensamento vero e necessário — e, aqui, só deste nos ocuparemos — não é suscetível de mudança. A questão, que surge aqui, é uma das primeiras sobre que deve incidir a nossa atenção. Em segundo lugar, apresentam-se à mente, além da filosofia, muitos outros objetos de importância, os quais, sejam embora produto do pensamento, ficam excluídos da nossa investigação, tais como a religião, a história política, as constituições dos Estados, as artes e as ciências. Ocorre perguntar: como distinguir estes produtos daqueles que formam o objeto do nosso estudo? Mais. Que relação medeia entre eles e a história? 24 Sobre estas duas questões precisamos dizer alguma coisa, o bastante para elucidar a maneira como entendemos tratar a história da filosofia. Além disso, em terceiro lugar, é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sob risco de deixar o todo pelos pormenores, a floresta pelas árvores, a filosofia pelas filosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidade do conjunto para saber a que deva consagrar-se. Do mesmo modo que se abarca num relance uma paisagem que se vai estreitando à medida que demoramos o olhar em cada uma das partes que a constituem, assim também o espírito deseja compreender a relação entre as filosofias particulares e a filosofia geral, porque o valor das partes singulares deriva principalmente da relação entre elas e o todo. Isto obtém-se, acima de tudo, por meio da filosofia e da história da filosofia. A necessidade desta visão de conjunto pode, com rigor, parecer menor para a história do que para uma ciência própria e verdadeira. De fato, à primeira vista, a história parece ser uma sucessão de fenômenos contingentes, isolados, e que só do tempo recebem o nexo que os prende. Todavia, já na história política não nos contentamos com esta maneira de ver: compreendemos, ou pelo menos pressentimos, uma conexão necessária que marca, a cada um dos fatos, a sua posição especial e a relação com uma finalidade, e com isso lhes marca também um significado. Tudo, na história, tem significado só pela sua relação com algum fato geral e em virtude da sua ligação com ele; descobrir este fato geral chama-se compreender o seu significado. Restam ainda os seguintes pontos que me proponho esclarecer nesta Introdução. Primeiramente, a que se destina a história da filosofia? Qual o seu significado, o seu conceito, o seu escopo? Da resposta a estas perguntas se deduzirá o modo de tratar o assunto. Resultará daí, como particularidade mais interessante, a relação entre a história da filosofia e a própria ciência da filosofia; ver-se-á que a história da filosofia não se limita a expor os fatos externos, os acontecimentos acidentais que formam o seu conteúdo, mas procura demonstrar como este mesmo conteúdo, embora pareça desenvolver-se historicamente, na realidade pertence à ciência da filosofia: a história da filosofia é, também ela, científica, e converte-se, pelo que lhe é essencial, em ciência da filosofia. Em segundo lugar, precisamos fixar com maior exatidão o conceito da filosofia, a fim de determinar, sobre a base de tal conceito, tudo quanto do infinito material e dos 25 múltiplos aspectos oferecidos pela cultura espiritual dos povos se deva excluir da história da filosofia. A religião e as ideias nela e acerca dela expressas, especialmente sob forma de mitologia, apresentam-se, pelo seu conteúdo, tão aparentadas com a filosofia, que os confins de uma e de outra se confundem. Outro tanto se pode afirmar das demais ciências: as ideias de cada uma delas sobre o Estado, sobre os deveres e sobre as leis, são tão parentes da filosofia pela forma, como a religião o é pela substância. Poder-se- ia supor que se deveriam tomar em consideração todas estas ideias na história da filosofia. Que coisa há que se não tenha chamado filosofia e filosofar? Por um lado, convirá considerar atentamente a íntima ligação da filosofia com as disciplinas afins, religião, arte, com as demais ciências, como também com a história política. Por outro lado, depois de bem delimitado o campo da filosofia, mediante a determinação do que é a filosofia e do que lhe pertence, teremos obtido um princípio para a sua história muito distinto dos inícios de ideias religiosas e de conjecturas mais ou menos ricas em ideias. Do conceito do âmbito e da finalidade, como resulta destes primeiros pontos de vista, importará passar à consideração de um terceiro ponto, isto é, ao exame geral e à divisão do curso da história da filosofia em momentos necessários. Esta divisão permitirá mostrar essa história como um todo orgânico em via de progresso, como um nexo racional. Só deste modo alcançará a dignidade de ciência. Não me demorarei noutras reflexões sobre a utilidade da história da filosofia e dos vários modos de a tratar: a utilidade é por si evidente. Por último, para me não afastar do costume tradicional, tratarei também das fontes da história da filosofia. 3.1 A Filosofia Antiga A Grécia (Hélade) nada mais foi do que um conjunto de cidades-Estados (Pólis) que se desenvolveram na Península Balcânica no sul da Europa. Por ser seu relevo montanhoso, permitiu que grupos de pessoas (Demos) fossem formados isoladamente no interior do qual cada Pólis desenvolveu sua autonomia. Constituída de uma porção de terras continental e outra de várias ilhas, bem como também em virtude da pouca fertilidade dos seus solos, a Grécia teve de desenvolver o comércio como principal atividade econômica. Assim, e aproveitando-se do seu litoral 26 bastante recortado e com portos naturais, desenvolveu também a navegação para expandir os negócios, bem como mais tarde sua influência política nas chamadas colônias. A sociedade grega era organizada segundo o modelo tradicional aristocrático, baseado nos mitos(narrativas fabulosas sobre a origem e ordem do universo), em que a filiação à terra natal (proprietários) determinava o poder (rei). Esse modo de estruturar a sociedade e pensar o mundo é comumente classificado como período Homérico (devido a Homero, poeta que narra o surgimento da Grécia a partir da guerra de Troia). Mas com o tempo, algumas contradições foram sendo percebidas e exigiram novas explicações. Surge, então, a Filosofia. Eis os principais fatores que contribuíram para o seu aparecimento: As viagens marítimas, pois o impulso expansionista obrigou os comerciantes a enfrentarem as lendas e daí constatarem a fantasia do discurso mítico, proporci- onando a desmitificação do mundo (como exemplo, os monstros que os poetas contavam existir em determinados lugares onde, visitados pelos navegadores, nada ali encontravam); A construção do calendário que permitiu a medição do tempo segundo as esta- ções do ano e da alternância entre dia e noite. Isso favoreceu a capacidade dos gregos de abstrair o tempo naturalmente e não como potência divina; O uso da moeda para as trocas comerciais que antes eram realizadas entre pro- dutos. Isso também favoreceu o pensamento abstrato, já que o valor agregado aos produtos dependia de uma certa análise sobre a valoração; A invenção do alfabeto e o uso da palavra é também um acontecimento peculiar. Numa sociedade acostumada à oralidade dos poetas, aos poucos cai em desuso o recurso às imagens para representar o real e surge, como substituto, a escrita alfabética/fonética, propiciando, como os itens acima, um maior poder de abstra- ção. A palavra não mais é usada como nos rituais esotéricos (fechados paraos inicia- dos nos mistérios sagrados e que desvendavam os oráculos dos deuses), nem 27 pelos poetas inspirados pelos deuses, mas na praça pública (Ágora), no confronto cotidiano entre os cidadãos; O crescimento urbano é também registrado em virtude de todo esse movimento, assim como o fomento das técnicas artesanais e o comércio interno, as artes e outros serviços, características típicas das cidades; A criação da Política que faz uso da palavra para as deliberações do povo (Demo) em cada Pólis (por isso, Democracia ou o governo do povo), bem como exige que sejam publicadas as leis para o conhecimento de todos, para que reflitam, criti- quem e a modifiquem segundo os seus interesses. As discussões em assembleias (que era onde o povo se reunia para votar) estimulava o pensamento crítico-reflexivo, a expressão da vontade coletiva e evidencia a capacidade do homem em se reconhecer capaz de vislumbrar a ordem e a organização do mundo a partir da sua própria racionalidade e não mais nas palavras mágico-religiosas baseadas na autoridade dos poeta inspirados. Com isso, foi possível, a partir da investigação sistemática, das contradições, da exigência de rigor lógico, surgir a Filosofia. 3.2 As principais características da Filosofia Fonte: image.slidesharecdn.com 28 A reflexão filosófica surge no século VI a. C., na Grécia, em contraposição à narrativa mítica. Um novo conceito de verdade sobre a realidade substitui, assim, o modelo baseado na tradição oral dos poetas, autoridades portadoras da vontade dos deuses. A Filosofia surge como espanto diante da possibilidade de estranhar o mundo e concebê-lo de forma racional. Esse espanto impulsiona a busca da compreensão do ser enquanto algo natural e capaz de ser apreendido pelo Lógos (razão, discurso, palavra) humano. Após esse primeiro passo, a Filosofia também nos aparece como admiração, isto é, a contemplação da verdade de modo absoluto e universal, válida para todos, independente de raça, nação, cultura, mito, etc. Assim, a Filosofia liberta o homem da insegurança e do temor proporcionados pelo Mito de que o destino dos homens era um joguete dos deuses. Para conhecer essa verdade, os filósofos se esforçaram para conhecer as causas e os princípios (arqué) de toda a realidade, descobrindo na multiplicidade de coisas e opiniões um princípio único. Vejamos quais são as principais características deste processo de compreensão: Tendência racional, em que somente a Razão é o critério de explicação sobre o mundo, segundo seus próprios princípios; Submissão dos problemas à análise, à crítica, à discussão, à demonstração, pro- curando oferecer respostas seguras e definitivas; O pensamento é a fonte do conhecimento e deve apresentar as regras de seu funcionamento para justificar suas bases lógicas (por exemplo: os princípios de Identidade, da Não Contradição e do Terceiro Excluído); Não aceitar as noções pré-concebidas, as opiniões já pré-estabelecidas, os pré- conceitos imediatos, mas investigar o real com o rigor exigido pelo pensamento e suas leis, não sendo passivo, mas sim ativo no processo do conhecer; Descobrir, a partir da análise das semelhanças e dessemelhanças entre as coi- sas, o princípio que promove a generalização, isto é, o que permite agrupar os vários casos particulares em uma classe geral de objetos. 29 Fonte: coladaweb.com 3.3 A importância de ensinar Filosofia Fonte: mundoeducacao.bol.uol.com.br Considerada indispensável ao currículo do Ensino Médio, a Filosofia e a Sociologia foram aprovadas, em julho de 2006, pela Câmara de Educação Básica do Conselho 30 Nacional de Educação (CNE), como disciplinas obrigatórias no currículo do Ensino Médio. Tal exigência se deu devido à percepção que educadores tiveram ao constatar os benefícios que a disciplina oferece aos alunos que trabalham com ela. A Filosofia em especial, leva o aluno à oportunidade de desenvolver um pensamento independente e crítico, ou seja, permite a ele experimentar um pensar individual. Sabe-se que cada disciplina apresenta suas próprias características, bem como auxilia a desenvolver habilidades específicas do pensamento que é abordado. No caso da Filosofia, essa permite e dá oportunidade de realizar o pensamento de maneira bastante pessoal. O Ensino Médio é geralmente considerado pelos educadores como uma fase de consolidação do aluno jovem, de sua personalidade e seus desejos, a Filosofia apresenta um papel importante e fundamental no sentido de colaboração. A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os educadores se conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais a ser ensinada. O ideal é que o professor que tem a responsabilidade de aplicar tal disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus alunos não fiquem dependentes de livros didáticos, não desmerecendo, mas no sentido de não tender para os tão famosos “decorebas” de ideias e autores. Aos educadores que se preocupam com a melhor forma de aplicar a Filosofia, não existe receita pronta. Recomenda-se a priorização de práticas que favoreça a formação de jovens capazes de desenvolver seu próprio pensamento e crítica, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem. 31 FILOSOFIA DA CIÊNCIA Fonte: 4.bp.blogspot.com Filosofia da ciência é a área da filosofia que pergunta sobre a ciência, de quais ideias parte, qual método usa, sobre qual fundamento e acerca de suas implicações. Apesar destes problemas gerais, muitos filósofos escreveram sobre algumas ciências particulares, como a física e a biologia. Não apenas se utiliza a filosofia para pensar sobre a ciência, como se utiliza resultados científicos para pensar a filosofia. Não existe determinada ciência que faça parte dos estudos da filosofia da ciência. As ciências naturais (ex.: biologia, química e física), formais (ex.: matemática, lógica e teoria dos sistemas), sociais (ex.: sociologia, antropologia e economia) e aplicadas (agronomia, arquitetura e engenharia) já foram objetos de estudos filosóficos. Historicamente, já na Grécia Antiga se pensava sobre a ciência. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, escreveu sobre a origem da vida, afirmando a possibilidade de existir vida a partir de algo inanimado. A teoria da abiogênese (geração espontânea) que ele defendia perdurou por diversos séculos. Além da origem da vida, Aristóteles também se preocupou em elaborar um meio de estudar as espécies, sendo ele o primeiro a propor uma divisão do reino animal em categorias. 32 No decorrer da história, a figura mais importante para a filosofia da ciência é Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês responsável pela base da ciência moderna, o método indutivo. A indução, método de a partir de fatos particulares chegar a conclusões universais, já existia, mas é Bacon o responsável por seu aprimoramento e divulgação. Após Bacon, muito se pensou e escreveu sobre a ciência, especialmente devido aos avanços e descobertas dos séculos seguintes. René Descartes desenvolveu seu método, houve as contribuições e discussões de Galileu Galilei, Isaac Newton, Gottfried Leibniz e outros. Deste aumento considerável de pensadores que detiveram tempo acerca do campo da filosofia da ciência pode-se escolher alguns para comentar suas importantes ideias. Entre eles, David Hume e Karl Popper. David Hume (1711-1776), filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou o empirismo, isto é, aideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência (nos cinco sentidos), até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros. Significa dizer que não há nada no mundo que garanta que as leis que regem o universo hoje serão as mesmas amanhã. Por mais que o homem observe há milênios o sol aparecer todos os dias, nada garante o seu aparecimento amanhã, e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas. No século XX, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou a forma de fazer ciência a partir da indução, o método defendido por Bacon. Para Popper, o método indutivo não garante a validade de suas conclusões. Afirmou isso, pois não é possível ter acesso a todos os fatos particulares para ser possível chegar a conclusões. Um cientista pode observar cisnes durante 20 anos e perceber que todos os cisnes observados são brancos, mas ele não pode concluir que “todos” os cisnes são brancos. Se ele concluir isto, bastará a existência de apenas um cisne negro para invalidar sua tese. Com isto, Popper defenderá que o papel da ciência é falsear as suas conclusões a partir do método dedutivo, partindo de conclusões universais para a verificação particular. O papel da ciência é verificar se suas conclusões são verdadeiras, tentando falseá-las com a experimentação. 33 Aproximando questões de metafísica, epistemologia e ontologia, quando estas tratam da relação entre ciência e verdade, a filosofia da ciência é o ramo da filosofia que trata das questões relativas a confiabilidade, previsibilidade e métodos da ciência. Questões acerca da ciência sempre estiveram presentes em filosofia, por muito tempo não houve distinção entre questões da filosofia e da ciência. No entanto, uma área da filosofia dedicada exclusivamente a compreensão das ciências só veio a surgir na metade do século XX, particularmente sob influência do positivismo lógico, que buscava desenvolver critérios para garantir o significado de afirmações filosóficas, mas também pela obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, de 1962, na qual o autor procurou apresentar uma nova visão de como se dá o progresso científico. Atualmente, existem ramos dentro da filosofia da ciência para todas as ciências existentes, desde a filosofia da física, que irá analisar, entre outros tópicos, questões relativas a natureza do espaço-tempo, até a filosofia da psicologia e ciência cognitiva. A filosofia da ciência, como área ampla, neste contexto, analisará ainda questões relativas a possibilidade de se reduzir uma ciência a outra (reducionismo), a validade do raciocínio científico e mesmo questões próximas a ética, como a morte na filosofia da medicina. Os principais tópicos de investigação para a filosofia da ciência são três: 1. O que se qualifica como ciência? 2. Qual o propósito da ciência? 3. A confiabilidade das teorias científicas. O primeiro tópico, que trata do que se qualifica como ciência, é conhecido como "problema da demarcação". De acordo com Karl Popper, a qualidade fundamental da ciência é a falseabilidade. Sabemos que estamos diante de uma pseudo-ciência quando esta não comporta mecanismos para mostrar que suas teses podem ser falsas. Ainda segundo Popper, esta seria a questão primordial da filosofia da ciência. Embora muitos filósofos concordem com Popper, um consenso ainda não foi estabelecido, chegando alguns filósofos a afirmar que devemos usar o padrão Potter Stewart, segundo o qual "eu sei o que é quando vejo". https://www.infoescola.com/filosofia/reducionismo/ 34 Quanto ao propósito da ciência, existem duas correntes mais proeminentes, realistas e instrumentalistas. Realistas irão defender que o mundo descrito pelas ciências é o mundo real, que o objetivo último da ciência é a verdade, e defenderão que entidades inobserváveis possuem o mesmo status ontológico que as entidades observáveis. Nesta corrente encontramos nomes como Ernan McMullin e Richard Boyd. Instrumentalistas, por outro lado, defenderão que as teorias científicas são ferramentas para identificar relações entre meio e finalidade úteis e confiáveis na experiência, mas sem afirmar a revelação de entidades para além da experiência. Entre os instrumentalistas os principais nomes são Karl Popper e John Dewey. Quanto à questão da confiabilidade das teorias científicas, trata-se de investigar como e por qual razão devemos confiar em uma teoria científica. Entre as possíveis respostas encontramos a tese do poder de predição de fenômenos, segundo a qual uma teoria é confiável quando ela é eficaz em prever fenômenos que se dispõe a prever. Outra abordagem, intimamente ligada a primeira, é a de que a teoria confiável oferece uma boa explicação para os eventos que ocorrem com regularidade, ou que já ocorreram. O critério pelo qual se poderia dizer que uma teoria explicou bem um evento, assim como o que significa dizer que uma teoria tem poder explicatório, ainda permanece sob discussão. Entre as questões importantes para a filosofia da ciência encontramos ainda, o reducionismo, que trata não apenas da possibilidade de se reduzir uma ciência a outra, mas também da possibilidade de reduzir todos os campos de estudo a explicações científicas; e a neutralidade política e social da ciência. 3.4 Questões de estudo da Filosofia Apesar do seu nome simples, o campo é complexo e continua a ser uma área de investigação atual. Filósofos da ciência estudam ativamente questões como: O que é uma lei da natureza? Há alguma em ciências não-físicas, como a biologia e a psicologia? http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-lei.php 35 Que tipo de dados pode ser usado para distinguir entre as verdadeiras causas e regularidades acidentais? Quanta evidência e que tipos de evidência precisamos ter antes de aceitar hipó- teses? Por que é que os cientistas continuam a confiar em modelos e teorias que sabem ser pelo menos parcialmente incorretos (como a física de Newton)? Embora possam parecer elementares, estas questões são na realidade muito difí- ceis de responder de forma satisfatória. As opiniões variam muito dentro do campo (e, ocasionalmente, vão contra as opiniões dos próprios cientistas — que usam o seu tempo mais a fazer ciência do que a analisá-la abstratamente). Apesar dessa diversidade de opinião, os filósofos da ciência em grande parte concordam num ponto: não há uma maneira única e simples de definir a ciência! Fonte: saberciencia.tecnico.ulisboa.pt Embora o campo seja altamente especializado, algumas ideias chave generaliza- ram-se. Aqui temos uma explicação curta de apenas alguns conceitos associados à filo- sofia da ciência, que você pode (ou não) já ter ouvido. Epistemologia — ramo da filosofia que lida com o que é o conhecimento, como aceitamos algumas coisas como verdadeiras, e como podemos justificar essa aceitação. http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-dados.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-evidencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-modelo.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teoria.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-aceitar.php 36 Empiricismo — conjunto de abordagens filosóficas para a construção do co- nhecimento que enfatizam a importância da evidência observável provinda do mundo natural. Indução — método de raciocínio em que uma generalização é defendida como verdadeira com base em exemplos individuais que parecem estar conformes à generalização. Por exemplo, depois de observar que as árvores, bactérias,anémonas do mar, moscas, e os seres humanos possuem células, pode-se in- ferir por indução que todos os organismos possuem células. Dedução — método de raciocínio em que a conclusão é alcançada logica- mente a partir de dadas premissas. Por exemplo, se conhecemos as posições relativas atuais da lua, do sol e da Terra, e se sabemos exatamente como se movem uns em relação aos outros, podemos deduzira data e o local do pró- ximo eclipse solar. Parcimónia/ navalha de Occam — ideia de que, sendo todas as outras condi- ções iguais, devemos preferir uma explicação mais simples a uma mais com- plexa. Problema da demarcação — o problema de distinguir com segurança a ciência da não ciência. Filósofos modernos da ciência concordam em termos gerais que não existe um critério único e simples que possa ser usado para demarcar as fronteiras da ciência. Falsificação — o ponto de vista, associado com o filósofo Karl Popper, que a evidência só pode ser usada para descartar ideias, e não para as apoiar. Po- pper propôs que as ideias científicas só podem ser testadas através de falsifi- cação, nunca através da procura de evidência corroborante. Mudanças de paradigma e revoluções científicas — uma visão da ciência, as- sociada com o filósofo Thomas Kuhn, que sugere que a história da ciência pode ser dividida em períodos de ciência normal (quando os cientistas incre- mentam, elaboram e trabalham com uma teoria científica central, geralmente aceite) e breves períodos de ciência revolucionária. Kuhn afirmou que durante http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-observar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-mundo-natural.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-deduzir.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teste.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php 37 os períodos de ciência revolucionária, anomalias refutando a teoria aceite acu- mularam-se a tal ponto que a teoria anterior é rejeitada e uma nova é constru- ída para tomar o seu lugar, numa assim chamada "mudança de paradigma". 3.5 Empirismo Fonte: pm1.narvii.com O empirismo é a posição filosófica que aceita a experiência como base para a aná- lise da natureza, procurando rejeitar as doutrinas dogmáticas. Usado pela primeira vez pela Escola Empírica, uma escola de praticantes da medicina na antiga Grécia, o termo empirismo deriva da palavra grega empeiría (ἐμπειρία), que designa conhecimento ou habilidade obtida por meio da prática, sendo também a origem da palavra "experiência", por intermédio do termo latino "experientia". Empiristas defendem que o conhecimento é primariamente obtido pela experiência sensorial, alguns empiristas radicais vão além afirmando que o conhecimento só é obtido pela experiência sensorial e por nenhuma outra forma. A posição empirista é frequentemente contrastada com o racionalismo, que esta- belece a razão como origem do conhecimento, independente dos sentidos. O conceito e a busca de evidências como fonte primária de conhecimento existiram durante toda a história da filosofia e ciência, desde a Grécia antiga, mas foi com o surgimento do cha- https://www.infoescola.com/historia/medicina-na-grecia-antiga/ https://www.infoescola.com/filosofia/racionalismo/ https://www.infoescola.com/historia/grecia-antiga/ 38 mado Empirismo Britânico, no século XVII, que se consolidou como uma posição filosó- fica especifica, sendo o filósofo John Locke considerado o fundador do empirismo como tal. Os principais filósofos do Empirismo Britânico foram John Locke, George Berkeley e David Hume. Locke é famoso por sua comparação da mente humana com uma folha em branco, tabula rasa, na qual as experiências derivadas das impressões dos sentidos são impres- sas. Desta forma, haveriam duas formas de surgimento de ideias, pela sensação e pela reflexão, com ideias podendo ser simples ou complexas. As ideias simples não são passíveis de análise, sendo referentes as qualidades primárias e secundárias dos objetos. Sendo as primárias aquelas que definem o que o objeto é essencialmente, por exemplo, uma mesa tem como qualidade primária o arranjo especifico de sua estrutura atômica, qualquer outro arranjo faria outro objeto e não uma mesa. As qualidades secundárias tratam das informações sensoriais acerca do objeto, definindo seus atributos (cor, sabor, espessura, etc). Ideias complexas combinam ideias simples e constituem substancias, modos e re- lações. Desta forma, segundo Locke, e discordando dos racionalistas, o conhecimento humano acerca dos objetos do mundo é a percepção de ideias que estão em concordân- cia ou discordância umas com as outras. Esta hipótese tornou-se a base da posição empirista. Preocupado que a posição de Locke levaria ao ateísmo, Berkeley formulou a hipó- tese de que as coisas só existiriam na medida em que são percebidas. Para além destas, existiriam as entidades que percebem, tendo sua existência garantida mesmo sem que outro as perceba. Exagerando a alegoriada tabula rasa, Berkeley defendeu que a ordem que vemos na natureza é a escrita de Deus. Por isto, sua posição é hoje conhecida como idealismo subjetivo. Na sequência desta discussão, o filósofo Hume moveu a posição empirista na dire- ção do ceticismo. Para Hume, a recusa de Berkeley se daria pelo fato de que o empi- rismo possui implicações que não são aceitas pela maioria dos filósofos, devido a con- vicções pessoais. https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ https://www.infoescola.com/biografias/david-hume/ https://www.infoescola.com/portugues/alegoria/ https://www.infoescola.com/filosofia/ceticismo/ 39 No campo conceitual, Hume utiliza a distinção de argumentos, proposta por Locke, entre demonstrativos e prováveis e a expande, dividindo os argumentos em demonstra- ções, provas e probabilidades. Sendo as provas, aqueles argumentos da experiência aos quais não se pode oferecer oposição. Hume afirma ainda que a razão por si mesma não poderia fazer surgir qualquer ideia original, ao mesmo tempo em que desafia a causali- dade, ao afirmar que a razão não seria capaz de concluir que a existência de uma causa seja um requisito absoluto. 3.6 Ceticismo Fonte: i2.wp.com/universocetico.com O Ceticismo é a doutrina do constante questionamento. O termo Ceticismo é de origem grega e significa exame, seu fundador foi Pirro, no século IV a.C.. Pintor nascido no Peloponeso, não deixou nenhum escrito filosófico sobre o assunto, mas desenvolveu um grande interesse por filosofia que o levou a fundar uma escola filosófica que garantiu sua reputação entre os contemporâneos. Pirro deixou como discípulo Tímon, que, por sua vez, produziu uma vasta obra escrita da qual só nos restaram alguns fragmentos. A escola cética criada por Pirro passa por um período de escuridão com a morte de seu fundador e renasce com Enesidemo, cujo período de vida não é muito bem determinado, 40 porém sua obra é muito conhecida. A partir daí aparecem com destaque os nomes de Agripa, Sexto Empírico e Antíoco de Laodicéia. Até que chega ao fim o período do chamado Ceticismo Antigo. Como corrente doutrinária, o ceticismo argumenta que não é possível afirmar sobre a verdade absoluta de nada, é preciso estar em constante questionamento, sobretudo, em relação aos fenômenos metafísicos, religiosos e dogmáticos. Com o passar do tempo, o Ceticismo se dividiu em duas linhas, o filosófico e o científico. O Ceticismo Filosófico é exatamente esse que começa com a escola de Pirro e que se expandiu pela chamada “Nova Academia” que ampliou as perspectivas teóricas, refutando verdadesabsolutas e mentiras. Seus seguidores alegavam a impossibilidade de alcançar o total conhecimento e adotaram métodos empíricos para afirmar seus conhecimentos. Assim, o Ceticismo Filosófico se dedicou a examinar criticamente o conhecimento e a percepção sobre a verdade. O Ceticismo Científico tem, naturalmente, ligação com o Ceticismo Filosófico, que é a base de tudo. Porém não são idênticos e muitos dos praticantes do Ceticismo Científico não concordam as proposições da corrente filosófica. A corrente científica é a contemporânea, as pessoas que se identificam como céticas são aquelas que apresentam uma posição crítica geralmente baseando-se no pensamento crítico e nos métodos científicos para constatar a validade das coisas. Assim, ganha muita importância a evidência empírica, o que não quer dizer que os céticos façam seu uso constantemente. A necessidade de evidências científicas é mais recorrente na área da saúde, onde os experimentos não podem colocar em risco a vida das pessoas. Entre os céticos há os chamados desenganadores que dedicam-se ao combate contra o charlatanismo, expondo suas práticas falsas e não-científicas. Os religiosos afetados por esses indivíduos, quando chamados a provar suas convicções, preferem atingir pessoalmente os céticos e não discutir suas práticas. Por outro lado, há também o pseudo-ceticismo, que, invés de manter o perfil de questionamento, partem logo para a negação. Assim, o Ceticismo pode levar a um ciclo vicioso e tornar seu praticante em um fanático tecnológico. https://www.infoescola.com/filosofia/pensamento-critico/ 41 3.7 Liberalismo Fonte; profigestaoblog.files.wordpress.com Liberalismo é uma teoria política e social que enfatiza fundamentalmente os valores individuais da liberdade e da igualdade. Para os liberais, todo indivíduo têm direitos humanos inatos. O governo tem o dever de respeitar tais direitos e deve atuar principalmente para resolver disputas quando os interesses dos indivíduos se chocam. De acordo com a filosofia política liberal, a sociedade e o governo devem proteger e promover a liberdade individual, em vez de impor constrangimentos; a pluralidade e a diversidade devem ser encorajadas e a sociedade deve ser igual e justa na distribuição de oportunidades e recursos. O liberalismo é, portanto, uma teoria individualista, pois entende que o indivíduo tem prioridade sobre o coletivo. As teorias liberais clássicas surgiram influenciadas pelo iluminismo europeu e revoluções burguesas, a partir do século XVII, para se oporem às formas de Estado absoluto. Elas defendem as instituições representativas e a autonomia da sociedade civil, do espaço econômico (mercado) e cultural (opinião pública) frente ao Estado. Nesse sentido, a história do liberalismo está intimamente ligada ao próprio desenvolvimento da democracia nos países do ocidente. Os sistemas democráticos assumem as premissas básicas do Estado liberal, no qual sua principal função seria o de garantir os https://www.infoescola.com/historia/iluminismo/ https://www.infoescola.com/historia/revolucoes-burguesas/ https://www.infoescola.com/historia/absolutismo/ https://www.infoescola.com/historia/absolutismo/ https://www.infoescola.com/politica/democracia/ 42 direitos do indivíduo contra o autoritarismo político e, para atingir esta finalidade, exige formas, mais ou menos amplas, de representação política. Entre os liberais, porém, não há consenso acerca da amplitude desejável da participação política dos cidadãos. Enquanto pensadores liberais como Locke, Montesquieu e Constant afirmavam que a participação dos cidadãos através das eleições e atuando em cargos representativos seria a melhor forma de liberdade política, Tocqueville defendia que a verdadeira ética liberal somente poderia se concretizar na atividade política ativa e no associativismo. Na história do pensamento ocidental, surgiram vários tipos de liberalismo. Em geral, os teóricos se diferenciavam por dar maior ênfase na liberdade ou na igualdade, ou divergiam ainda na forma com que propunham reconciliá-los. O liberalismo clássico tende a insistir que os direitos civis são fundamentais para os seres humanos, enquanto o liberalismo igualitário contemporâneo concentra-se mais na igualdade e argumenta que o governo ou a sociedade devem aumentar seu alcance de intervenção em áreas como saúde, educação e bem-estar social. Historicamente, os pensadores liberais defenderam a liberdade econômica contra o Estado: o Estado não deveria se intrometer no livre jogo do mercado, organizado por contratos entre particulares. Defendia-se um Estado pouco interventor, que não interferisse na resolução dos conflitos entre empregados e empregadores, entre as diferentes empresas, deixando a livre concorrência recompensar o melhor ator econômico. A liberdade econômica foi sintetizada na frase de “laissez faire, laissez passer”, que em francês significa “deixe fazer, deixe passar”. Na segunda metade do século XX, o liberalismo econômico clássico inspirou o surgimento de teorias conhecidas como neoliberalismo, que defendem uma diminuição drástica do Estado em favor do livre mercado. As principais críticas que recebem os liberais estão justamente na sua associação com o livre mercado e o capitalismo. https://www.infoescola.com/filosofos/john-locke/ https://www.infoescola.com/filosofia/montesquieu/ https://www.infoescola.com/sociedade/estado-de-bem-estar-social/ https://www.infoescola.com/economia/liberalismo-economico/ https://www.infoescola.com/historia/neoliberalismo/ https://www.infoescola.com/economia/capitalismo/ 43 3.8 Dialética Fonte: 4.bp.blogspot.com O Método Dialético, frequentemente referido apenas como Dialética, é uma forma de discurso entre duas ou mais pessoas que possuem diferentes pontos de vista sobre um mesmo assunto, mas que pretendem estabelecer a verdade através de argumentos fundamentados e não simplesmente vencer um debate ou persuadir o opositor. Embora o ato em si seja fundamental na formação da filosofia, o termo foi popularizado apenas com o advento dos diálogos socráticos de Platão. Para estabelecer a dialética, Sócrates encontrou na Verdade o maior valor, propondo que a verdade poderia ser descoberta através da razão e lógica em uma discussão. Desta forma, Sócrates se opôs a retórica como uma forma de arte que visa agradar os ouvintes e também a oratória, que convence por vias emocionais, não requerendo lógica ou prova. O propósito do método dialético é resolver os desacordos através de discussões racionais, e, em última análise, a busca pela verdade. A forma herdada de Sócrates para proceder tal discussão é mostrar que uma dada hipótese leva a contradições, então, forçar a retirada da hipótese como candidato a verdade. Desta forma, teríamos de https://www.infoescola.com/filosofos/platao/ https://www.infoescola.com/filosofia/socrates/ 44 encontrar outro candidato a verdade, para verificar se este também estaria comprometido com uma contradição, de tal forma que pudesse ser eliminado. Aquele candidato a verdade que por todos os meios não pudesse ser refutado, manter-se-ia como tal. Este proceder, herdado de Sócrates, levou Aristóteles a afirmar que a dialética é a lógica do provável, daquilo que parece aceitável a todos ou a maioria, mesmo quando não se pode demonstrar, já que exige apenas que não seja possível eliminar o candidato à verdade. Na mesma linha de análise que Aristóteles, Immanuel Kant, considerado o maior filósofo da era moderna, avaliou a dialética como nada mais que uma ilusão, tratando-se do que chamou de "lógica das aparências", por basear-se em aspectos subjetivos, recusando a explicação causal da realidade. A forma mais comum atualmente utilizada é a que foi apresentada por Johann Gottlieb Fichte, também adotada por Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que consiste em abordara questão a ser discutida na forma de tese e antítese, com objetivo de chegar- se a transcendência de ambas, na síntese, que seria uma terceira tese. Segundo estes autores, o objetivo da dialética não seria interpretar a realidade, mas refleti-la. A dialética Fichteana/Hegeliana é baseada em quatro conceitos: 1. Tudo existe em um tempo médio, ou seja, tudo é finito e transitório. 2. Tudo é composto de contradições – a palavra "contradição" é por vezes reinter- pretada pelos alguns estudiosos como "forças opositoras". 3. Mudanças graduais levam a crises, Fichte sugere uma estratégia que consiste em mudar o ponto defendido quando uma força sobrepõe sua força opositora – a ideia é que mudanças quantitativas levam a mudanças qualitativas. 4. A mudança é espiral (sobreposição) e não circular – não se trata apenas de um caso de negação da negação, mas a sublimação. Para além de Sócrates e Fichte, o conceito de dialética este presente na filosofia de Heráclito, conhecido por propor que tudo está em constante mudança, de tal forma que a história do método dialético se confunde com a história da filosofia. No século XX, a receptividade a dialética, especialmente a dialética de Fichte, afastou a filosofia anglo-americana daquela chamada "continental", referindo-se https://www.infoescola.com/filosofia/aristoteles/ https://www.infoescola.com/biografias/immanuel-kant/ 45 particularmente aos filósofos do continente europeu. No continente a dialética tem papel fundamental na estrutura filosófica, enquanto na Grã-Bretanha e Estados Unidos a dialética não possui papel claro na filosofia, sendo o positivismo mais relevante. Alguns filósofos como Karl Popper dedicaram-se a mostrar que a dialética levava a aceitação da contradição. Fundamentos sobre a filosofia da ciência A filosofia da ciência preocupa-se com os métodos científicos e com questões éticas das descobertas realizadas por esse campo do conhecimento. Com as inovações científicas das últimas décadas, passamos a considerar a ciência como uma forma de conhecimento infalível. Você já reparou que nós temos a tendência de valorizar mais um produto quando ele se anuncia como “cientificamente comprovado”? Vejamos a seguir uma lista de tópicos fundamentais para saber sobre a ciência e sobre como a filosofia se relaciona com ela. 1) Classificação da Ciência A palavra ciência deriva do latim “scientia” e significa “conhecimento”. A partir do momento em que as ciências tornam-se autônomas, passam a ser classificadas em ciências formais, ciências da natureza e ciências humanas. As ciências formais recebem esse nome porque seus objetos de estudo não têm existência concreta, como a matemática e a lógica. As ciências da natureza são aquelas que estudam objetos que têm existência concreta, como a biologia, a química, a física e a geografia. As ciências humanas são aquelas que estudam aspectos relacionados com o comportamento humano. Essa classificação é didática, ou seja, ajuda-nos a compreender melhor os diferentes objetos de conhecimento e a diversidade de métodos à qual precisamos recorrer para investigá-los. No entanto, essa classificação é insuficiente, pois não se refere aos objetos de conhecimento que necessitam de métodos diversos. Também https://www.infoescola.com/sociologia/positivismo/ 46 temos que considerar as novas ciências que surgem e que apresentam traços das ciências humanas, das ciências da natureza e das ciências formais simultaneamente. 2) Diferenças entre senso comum e conhecimento científico: Nós entendemos que o senso comum é uma forma de conhecimento que não é bem fundamentada racionalmente. O senso comum, assim, basear-se-ia em afirmações feitas de forma acrítica e, mesmo assim, transmitidas como se fossem verdade, como é caso dos ditados populares. Mas também podemos ver isso, hoje em dia, nas análises políticas que fazemos sem considerar as outras faces da questão e a partir de generalizações. O conhecimento científico seria uma forma de conhecimento mais rigorosa, construída por meio de uma fundamentação e que se distingue do senso comum por não considerar apenas as primeiras observações. Para o surgimento de teorias científicas, o fato (ou um problema) é observado, depois se levantam hipóteses que passam por experimentações para, finalmente, estabelecer conclusões que podem ser refutadas. 3) O método científico experimental: O método científico experimental usado pelas ciências da natureza compreende as seguintes etapas: a) Observação: O cientista, ao analisar um fato, pode deparar-se com um problema que não pode ser solucionado a partir de pesquisas já feitas. Por exemplo: O cientista observa que as alfaces que nascem no lado esquerdo do seu quintal apresentam coloração roxa. b) Hipótese: Por ter feito leituras ou por acumular conhecimentos adquiridos em outras experiências, o cientista, ao analisar um problema que não tem uma resposta, levanta hipóteses. Por meio das hipóteses, ele tenta organizar os fatos observados e os recursos de que dispõe para explicá-los. Por exemplo: O cientista levanta a hipótese de que a coloração roxa foi causada por um mineral presente no solo. 47 c) Experimentação: Depois de levantadas as hipóteses, o cientista deve fazer uma observação dos fatos a partir de um controle, ou seja, a partir de condições determinadas por ele. Por exemplo: O cientista pode analisar o solo de seu quintal e examinar as diferenças entre a composição do lado esquerdo e do lado direito. Se ele identifica a presença de dois minerais diferentes no lado esquerdo, pode fazer duas amostras de solo, contendo em cada uma um dos minerais. A seguir, pode plantar alface para descobrir qual dos dois minerais é responsável pela coloração roxa. d) Generalização: Depois de observar a variação do fenômeno que estuda, o cientista deve analisar se suas hipóteses foram mantidas ou se elas foram derrubadas pela experimentação. Se foram derrubadas, ele deve recomeçar seu método, levantar uma nova hipótese e proceder a experimentação. Se comprovada, ele deve observar uma constante que o permita generalizar, ou seja, criar uma “lei” que pode ser aplicada. Por exemplo: Se o cientista viu que, mesmo na presença dos minerais no solo, as alfaces mantêm coloração normal, ele precisa levantar outra hipótese que o permita analisar o surgimento da coloração roxa, como a temperatura do solo, e fazer um novo experimento. Se ele constata que, na presença de um mineral no solo, as alfaces adquirem coloração roxa, ele pode generalizar e dizer: “Toda alface plantada em um solo com a presença do mineral citado apresentará coloração roxa”. Depois disso, pode continuar a pesquisa e analisar se a alface roxa tem o mesmo sabor da alface com coloração normal e se a presença do mineral no solo traz riscos à saúde de quem a ingerir. 4) Leis empíricas e Leis Teóricas: As generalizações podem ter duas formas. As Leis Empíricas, também chamadas de leis particulares, são aquelas que foram criadas a partir de casos particulares, como no nosso exemplo da alface no tópico anterior. O cientista, quando procede assim, corre o risco de não conseguir estabelecer uma universalização que se aplica, de fato, a tudo aquilo que pretende abarcar. As Leis Teóricas, que podem ser chamadas apenas de teorias, são mais abrangentes e possuem um caráter unificador, que corresponde à aplicabilidade da teoria a casos particulares, e um caráter heurístico,que se refere à possibilidade de novas descobertas a partir de determinada teoria. 48 5) O que é Filosofia da ciência? A Filosofia da ciência é o campo de estudo acerca da ciência e de seus métodos, ou seja, a Filosofia da ciência responde a questões como “Qual é o método de investigação científica?”, “Como podemos classificar a ciência?”, “Qual a natureza das teorias científicas?”,“Uma determinada teoria explica de alguma forma a realidade?”. Além disso, a pergunta acerca da relação entre ética e ciência também pode ser feita por filósofos da ciência. Alguns pensadores importantes dessa área são Imre Lakatos, Karl Popper, Paul Feyerabend e Thomas Khun. 6) Relação entre ética e ciência Com o avanço tecnológico e com a disposição de recursos para a implementação de pesquisas, a ciência pode ser questionada em relação aos seus valores éticos. Experimentações em animais são constantemente questionadas: até que ponto a ciência pode dispor dos animais, causar dor, desenvolver em animais saudáveis alguma doença para a descoberta de alguma droga? A obtenção de células-tronco a partir de embriões e a possibilidade de clonagem são outros tópicos científicos constantemente debatidos. A neutralidade e a autonomia da ciência, ou seja, o fato de o conhecimento científico não ter outro valor a não ser o cognitivo e a liberdade de proceder pesquisas, não a eximem de um debate ético. 49 3.9 Modernidade: Descartes e Hume Fonte: 4.bp.blogspot.com A partir da filosofia elaborada por Descartes, foi instalado o estranhamento entre razão e mundo, que passaram a ser compreendidos como duas instâncias absolutamente distintas, no qual a natureza passa a ser mediada pela razão. É a razão que representa o real. O conhecimento, para o pensamento cartesiano, não procede da contingência, da mutabilidade das coisas extensas ou da experiência oriunda dos sentidos, mas somente da razão. No entanto, qual a “natureza” da razão, em outras palavras, o que é razão? Aqui cumpre considerar que, a partir das mudanças operadas pela filosofia de Descartes, não há mais um critério de verdade externo, extrínseco e anterior no qual a razão encontra seu ponto de referência e sua causa. Ao contrário, verdade passa a ser aquilo que é constituído, construído e reconhecido pela razão. Não é gratuito, pois, que para Descartes, era plausível e matematicamente demonstrável o ideal de uma ciência universal, no qual se efetivaria o tríplice ideal: da ciência, do método e da certeza, porquanto a razão passa a ser compreendida como essencialmente una e, por consequência, uno também o entendimento que produz a ciência. Para tanto, o método de Descartes é exposto, sumariamente, no Discurso do método, e se compõe por quatro passos. O primeiro era não aceitar jamais alguma coisa como verdadeira que não se conhecesse evidentemente como tal, isto é, evitar com todo o cuidado a precipitação e a prevenção, e nada incluir em meus julgamentos senão o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito que eu não tivesse nenhuma ocasião para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse 50 examinar em tantas parcelas possíveis e necessárias para melhor resolvê-las. O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para, gradativamente, como por degraus, chegar ao conhecimento dos mais complexos (compostos), e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros. E o último, em fazer em cada passo, enumerações tão gerais que me assegurasse de nada ter omitido. Por consequência, o critério de verdade se desloca do objeto para o sujeito consciente, no qual o fundamento da verdade encontra-se, latente, no intelecto do agente, e do qual a correta aplicação do método permitiria o acesso à razão segundo a pureza de sua natureza. Esse deslocamento epistêmico, e seus desdobramentos posteriores, modificaram a perspectiva relativa ao conhecimento, porquanto a teoria cartesiana não parte das coisas, tais como são apreendidas pelos sentidos, para chegar à verdade, senão desta para chegar ao conhecimento das coisas. Portanto, se, antes, a razão era o efeito da verdade, e por esta avaliada, com Descartes há uma inversão do processo: a verdade passa a ser o efeito da razão; noutras palavras: a razão passa a ser a causa da verdade. Esse princípio cartesiano é levado às últimas consequências pela filosofia de Immanuel Kant, no processo que este denomina “revolução copernicana” do conhecimento. Quanto a Hume, para ele a origem do conhecimento ocorre com as percepções; elas são divididas em impressões (vivências atuais) e ideias (representações). Aqui cumpre salientar que, segundo Hume, se têm muito mais ideias do que impressões. As ideias ou representações são elaboradas por meio da memória, da imaginação ou da associação de ideias. A impressão, por sua vez, é aquilo que é dado; elas não acarretam nenhum problema metafísico; em contrapartida as ideias, sim. A questão surge quando é perguntado de que impressões as ideias provêm, já que essas constituem aquilo que é dado. Se a ideia é simples como, por exemplo, a cor, isso não acarreta problemas, tendo em vista que ela tem uma realidade correspondente. No entanto, se ela for complexa como, por exemplo, a ideia de substância, então, tem-se que analisá-la para se constatar quais são as suas impressões correspondentes. Mas, se ela não tiver algo assim, não se justifica, pois, para Hume, tudo é impressão. Assim sendo, a ideia de substância, para Hume, é algo que não tem uma impressão correspondente na realidade, algo que não é 51 uma soma de impressões, porquanto ela é um “não sei o quê” que está subjacente às impressões; logo, como ela não tem uma impressão que a fundamente, é uma ideia da imaginação do homem. A ideia de existência, por sua vez, também, não tem qualquer impressão na realidade, pois se é afirmado a existência de um corpo, o que se encontra, ao analisá-lo, são as características do próprio corpo, isto é, as impressões dele próprio e, sendo assim, não se encontra impressão da existência. Logo, a existência é uma ideia imaginada pelo homem. E assim Hume argumenta da mesma forma sobre a ideia do eu; o que se constata são vivências das pessoas e não algo real que remeta ao eu. Desta forma, a substância pensante, também, é uma imaginação. Hume, paulatinamente, causa uma ruptura com o racionalismo dogmático, questionando e demonstrando a implausibilidade dos seus princípios. Neste sentido, um dos princípios fundamentais metafísicos é o da causalidade, o qual Hume, também, analisa: Todos os nossos raciocínios que se referem aos fatos parecem fundar-se na relação de causa e efeito. Apenas por meio desta relação ultrapassamos os da- dos da nossa memória e de nossos sentidos. Se tivéssemos que perguntar a alguém por que acredita na realidade de um fato que não se constata efetiva- mente (...) ele vos diria uma razão, e esta seria um outro fato (...) Todos os nos- sos raciocínios sobre os fatos são da mesma natureza. E constantemente supõe- se que há uma conexão entre o fato presente e aquele que é inferido dele. Se não houvesse nada que os ligasse, a inferência seria inteiramente precária. (...). Portanto, se quisermos satisfazer-nos a respeito da natureza desta evidência que nos dá segurança acerca dos fatos, deveremos investigar como chegamos ao conhecimento da causa e do efeito... Então, mediante o acima exposto, Hume apresenta a causalidade como um problema e constata a necessidade de se obter informação sobre o conhecimento da relação de causa e efeito. Convém ressaltar que ele não nega a importância de tal relação; o que ele objetiva é saber de onde esta procede, se ela pode ou não ser legitimada, se ela é necessária e em que bases isto pode ser feito. Nesta perspectiva, a experiência, para ele, é a origem de todos os raciocínios. No entanto, nem a razão nem a experiência conseguem legitimar a necessidade do princípio de causalidade; prová-la. Segundo Hume, a relação de causa e efeito ocorre na experiência; porquanto ela não acontece na razão, sendo assim, esta não pode legitimá-la. A experiência, por sua vez, não tem o poder decolocar tal relação como algo necessário, pois os dados empíricos 52 são contingentes. Portanto, nem a razão, nem a experiência podem demonstrar a necessidade do princípio de causalidade. No entanto, se é constatado que há efeitos que remetem a causas, por que isto ocorre? Por que ao ver fumaça relaciona-se a fogo? Hume responde: por causa da crença que advém do hábito ou costume; da associação de ideias, pois; Todas as vezes que a repetição de um ato ou de uma determinada operação produz uma propensão a renovar o mesmo ato ou a mesma operação, sem ser impelida por nenhum raciocínio ou processo do entendimento, dizemos sempre que esta propensão é o efeito do costume (...). Portanto, todas as inferências tiradas da experiência são efeitos do costume e não do raciocínio...2 3.10 Transcendental: Kant Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com Com Kant se inicia uma nova maneira de propor os problemas filosóficos referentes ao conhecimento científico; o caráter transcendental das coisas. Nesta perspectiva, nota-se que após a filosofia kantiana, foi elaborada uma nova definição para ciência. Mas de onde advém, para Kant, a preocupação com o conhecimento científico? 53 O problema geral kantiano é aquele que pergunta sobre a possibilidade do a priori. A grande inquietação de Kant sempre foi com a razão. Nos textos pré-críticos, esta preocupação já era vista. Nos Sonhos de um visionário explicados pela metafísica, datado de 1766, por exemplo, Kant já parece ter uma diretriz para alcançar a solução da possibilidade da razão quando ele afirma, nesse livro, a impossibilidade de se explicar a relação entre a alma e o corpo. Nos Sonhos, ele compara o sistema leibniz-wolffiano com os resultados alcançados por Swedenborg. Este acreditava que via e falava com espírito. Ele dizia que os espíritos moviam objetos e que lhe transmitiam mensagens sobre catástrofes e pessoas. Nos Sonhos, Kant qualifica as conclusões swedenborguianas de loucuras dos sentidos e as relaciona com as conclusões de Leibniz e Wolff, chamando as de loucuras da razão. Nestes termos, Kant critica todos os neocartesianos e afirma, veementemente, que nunca vamos poder solucionar os problemas da relação entre a alma e o corpo. Logo, o problema kantiano sempre foi relacionado com a razão. Com a publicação da Crítica da Razão Pura (1781), tal inquietação pôde ser constatada através de quatro perguntas: 1ª. A metafísica é possível como ciência? 2ª. Como são possíveis a física e a matemática como ciência? 3ª Como são possíveis os juízos sintéticos a priori? 4ª É possível a razão pura conhecer? Em outras palavras, Kant objetivava perguntar como o conhecimento a priori é possível na matemática e na física e não na metafísica. A preocupação kantiana com a possibilidade do a priori é indicada até mesmo pela forma como Kant elabora as perguntas: para a matemática e a física, Kant fornece um tratamento diferente daquele da metafísica; para esta é perguntado sobre a sua possibilidade e para aquelas é afirmado serem elas conhecimento científico, portanto o que ele indaga é sobre o modo de efetuar tal conhecimento. É conveniente lembrar que, para a filosofia kantiana, ciência é conhecimento universal e verdadeiro. Logo, ele não poderia ser a posteriori, pois este é baseado, 54 unicamente, na experiência, aspecto que não garante a universalidade nem a necessidade de nenhum conhecimento. Então, o conhecimento científico só pode ser a priori. Por que o conhecimento a priori é possível na matemática e na física e não na metafísica? Saber a resposta sobre a questão é se fazer a pergunta sobre a possibilidade de juízos sintéticos a priori, ou seja, juízos que têm uma necessidade diferente daquela da lógica formal e, por conseguinte, não se baseiam no princípio de não-contradição. Portanto, essa é a constatação de Kant da existência de juízos universais e necessários, mas que também são juízos de ampliação. E Kant afirma: “[...] a experiência nos ensina que uma coisa é isto ou aquilo, mas não que tal coisa pode ser de outro modo”. E acrescenta: “[...] não conhecemos a priori nas coisas senão aquilo que nós mesmos nelas colocamos”. Com isso, nós vimos que o sujeito só pode conhecer a priori algo que ele representa. O que ele conhece da natureza é o modo como a realidade lhe aparece, isto é, ele só pode conhecer os fenômenos e não os noumênos . Neste sentido, a física e a matemática vão se restringir a fenômenos. É na parte da Crítica da Razão Pura intitulada Dialética Transcendental (que trata de assuntos sobre o mundo) que Kant vai abordar a questão da liberdade, mostrando as antinomias cosmológicas, ou seja, aquelas que sustentam que o problema cosmológico é o da causalidade, e afirma: “A causalidade, segundo as leis da natureza, não é a única donde possam derivar-se todos os fenômenos do mundo. Para explicá-los, é necessário admitir-se, ainda, uma causa livre.” Como também: “Não há liberdade, mas tudo se dá, no mundo, exclusivamente segundo as leis da natureza.” Logo, com o acima exposto, o que Kant detecta é que a metafísica consegue demonstrar, para um só tema, respostas contraditórias. A contradição sobre o determinismo e a liberdade põe Kant em dificuldades, pois se ele recusa a causalidade, não há lei para a natureza e nem a ciência; se Kant refuta a liberdade, não há ética. Caso ele não dissolvesse tal questão, nós teríamos que abrir mão do pensamento racional incluindo o ético. A solução de Kant para o impasse acima mencionado tem como fundamento aquilo que ele denominou de inversão copernicana, isto é, o conhecimento fundado na 55 análise do sujeito cognoscente, onde este é parte ativa no processo, impondo as suas intuições puras de espaço e tempo e os seus conceitos. 3.11 Fase Contemporânea: Quine, Popper, Kuhn, Feyerabend Na fase contemporânea relacionada aos pressupostos teóricos e metodológicos do conhecimento científico, poder-se-á destacar, no nível de amostragem, quatro momentos fundamentais: 1) o empirismo lógico; 2) a teoria de Quine; 3) a crítica de Popper ao empirismo lógico; 4) as críticas à teoria popperiana (Kuhn, Feyerabend). Quanto ao positivismo lógico, ele surge no século XX representado pelo Círculo de Viena. Como exemplo, tem-se o atomismo lógico10 de Bertrand Russell. Este defende que a tarefa da filosofia se esgota na análise lógica da linguagem da ciência, do discurso científico. O argumento russelliano consiste em afirmar que, com o advento da geometria não-euclidiana, o conteúdo da estética transcendental kantiana não se sustentava, igualmente, também, aquilo que foi afirmado como: a continuidade do espaço; o tempo e o movimento. Segundo Russell, após Frege ter demonstrado detalhadamente como a aritmética pode deduzir-se da lógica pura, sem necessidade de ideias nem axiomas novos; a filosofia kantiana que demonstrava que 7 + 5 = 12 era um juízo sintético foi refutada. Assim, constatando isto, Russell seguindo Frege, considera a necessidade de uma linguagem artificial; de uma linguagem a partir de sua estrutura, em que os efeitos da linguagem ordinária sejam remediados e, desta forma, possam ser entendidos todos os fatos sobre a realidade. Tomando Russell como amostragem significativa, em ampla medida, pode-se afirmar que os pensadores que participavam do movimento do Círculo de Viena acreditavam que a filosofia se restringia à lógica – sentenças com valor de verdade podem ser tanto empíricas quanto analíticas. Eles tinham como preocupação epistemológica a enunciação de fatos empiricamente verificáveis. Portanto: o positivismo lógico apresentou-se como uma tentativa de cientificar a filosofia unindo aspectos do 56 racionalismo e do empirismo num projeto epistemológico comum. Em uma visão geral, eles tinham como princípios: 1) os métodos da ciência são aúnica via para o conhecimento válido; 2) proposições que não podem ser verificadas experimentalmente não têm significado para a ciência; 3) elementos a priori, metafisicamente dados, devem ser rejeitados; 4) os cientistas devem ter procedimentos intersubjetivamente verificáveis; 5) o conhecimento tem uma ligação necessária com a lógica; 6) a demarcação do conhecimento científico em relação ao senso comum ocorre por meio do uso do método indutivo. No entanto, embora o positivismo lógico tenha como princípio subjacente à sua teoria o ideal de certeza e verificabilidade, isso não impossibilitou o fato de ele sofrer inúmeras críticas. Nesta perspectiva, tem-se Quine, cuja preocupação reside, essencialmente, em aspectos metaepistemológicos. Quine foi um crítico do chamado empirismo-lógico, fornecendo uma nova forma de pensar às relações entre o conhecimento e as crenças; assim: O que o naturalismo faz é compreender a ciência como um empreendimento humano, falível por certo, mas que, por não haver uma filosofia primeira ou tri- bunal superior, deve ela resolver seus próprios problemas, suas próprias ques- tões, com os recursos que lhe são disponíveis. Faltando um árbitro superior, a ciência decide sobre os seus problemas e respostas, sobre seus métodos para resolvê-los bem como sobre a confiabilidade relativa deles. Concebendo-se, desde o ponto de partida, como falível, a ciência nessa visão naturalista, não pretende obter justificações e garantias absolutas. Desta maneira, Quine abandona uma filosofia primeira e constata que se tem que examinar a ciência a partir do seu interior; a pergunta não é mais aquela que diz: o que permite que as crenças científicas sejam tidas como conhecimento? Agora, o questionamento é o seguinte: se a ciência é verdadeira, como se poderia conhecê-la? Assim sendo, a pergunta relativa ao conhecimento científico é feita no âmbito do hipotético e, se ela for assumida como verdadeira, os seus resultados também o serão. 57 Conforme isto, estudar a forma segundo a qual se passa dos fatos às crenças é denominado de epistemologia naturalizada quineana. Sendo assim, não importam as justificações, mas só as questões causais, isto é, o estudo das formas, e caberia à ontologia descrever a relação entre evidência e teoria, tendo a aprendizagem linguística um papel motivador para a epistemologia. Assim sendo, o importante na filosofia quineana são as questões que tratam sobre a relação entre teoria e evidência e aquelas sobre a aquisição de crenças. Para tanto, sua tese é holística. O holismo é a tese segundo a qual a justificação das crenças não se faz atomisticamente, frase por frase, mas em conjunto. Em geral, são teorias como um todo que são justificadas pelas evidências, e não as frases isoladas que as compõem. Assim sendo, em se tratando de uma frase isolada, ela só é aceita se a teoria da qual faz parte também o é. Uma consequência do holismo é aquela que afirma que nenhuma afirmação está imune à revisão. O que isto significa é que, em Quine, há um antirreducionismo, uma rejeição da verdade analítica e do conhecimento a priori. Assim, segundo Quine, o projeto empirista que tem como fundamento expressar enunciados sobre objetos físicos em termos puramente observacionais, fracassou. Então, sobre a teoria de Quine, pode-se afirmar: A concepção da filosofia como análise conceitual foi seriamente desafiada pela assim chamada “virada naturalista”, promovida especialmente por W. V. O. Quine. Para ele, a filosofia é mais do que uma mera questão de investigação linguístico-conceitual, posto que ela não é algo essencialmente distinto da ciência empírica. Não há efetivamente nenhuma distinção real a ser traçada aqui: a filosofia forma um continuum com a ciência, e as distinções que podem ser traçadas são meramente artificiais, algo como as fronteiras entre os diversos estados de um mesmo país. Dentre as críticas à teoria de Quine, podem-se incluir as de Popper. Segundo ele, Quine dizia não haver necessidade de acrescentar alguma coisa a mais, uma vez que a existência das coisas físicas era suficiente. Segundo Popper, Quine está equivocado, porquanto argumentar, apreender e compreender o mundo não pode ser considerado como mera coisa física. Quanto à teoria de Popper, seus dois grandes problemas, são eles: O problema da indução (problema de Hume): como aprendemos a partir da experiência? 58 O problema da demarcação (problema de Kant): quais os limites da experiência possível? Aqui cumpre mencionar que a partir dessas duas problemáticas, inaugura-se o problema de Popper, propriamente dito. Em outras palavras: O problema de Popper é aquele que se pergunte: como é possível o progresso do conhecimento? Em linhas gerais, pode-se afirmar que a teoria da ciência de Popper pode ser caracterizada como anti-indutivista e falsificacionista. Quanto ao anti-indutivismo popperiano, pode-se considerar: a) a indução é comprovadamente um modo logicamente inválido de inferência; b) qualquer outra forma de justificar a indução, ou seja, mostrar que podemos racionalmente formar as nossas expectativas sobre o futuro com base em nossas experiências passadas, é obrigado a ser circular. Nessa perspectiva da crítica da indução, Popper foi além de Hume quando admitiu que a indução é um mito. A ciência do real não deve empregar indução. Contudo, embora Popper tenha efetuado um processo de questionamento das formas de se caracterizar a ciência e, com isso, iniciou um processo de revisão da metodologia científica, seus alunos, Thomas Kuhn e Paul Feyerabend consideraram tímidas as críticas que Popper dirige aos princípios organizadores do paradigma clássico da metodologia científica. Sob essa ótica, a teoria da ciência de Kuhn pode ser vista como o resultado de dois fatores: a) uma reflexão sobre a prática científica, bem como o desenvolvimento histórico real de uma sucessão de teorias científicas e b) uma reação ao empirismo lógico e à teoria popperiana do crescimento científico como um processo cumulativo. Contrapondo-se a isso, Kuhn acredita em uma dinâmica do crescimento científico que pode ser representado da seguinte forma: 1. Na ciência normal há um paradigma; 2. O paradigma entra em crise; 3. Vem a revolução; 4. E a partir daí há uma eleição de um novo paradigma. 59 E por fim, será considerado na disciplina Filosofia da Ciência a teoria de Feyerabend, mais precisamente, aspectos concernentes ao seu livro Contra o Método. Nesta perspectiva, o intitulado “anarquista epistemológico” afirma que não existem regras e exceções metodológicas as quais possam reger o progresso da ciência ou o crescimento do conhecimento. Para Feyerabend, tanto os empiristas quanto o racionalismo crítico de Popper terminam por inibir o progresso científico através da aplicação de condições restritivas sobre novas teorias. Para demolir tais obstáculos, o autor de Contra o Método afirma ter escrito tal livro com o objetivo de libertar o povo da tirania dos conceitos abstratos como "verdade", a "realidade", ou "objetividade". Sob essa ótica, afirma Feyerabend: É claro que a ideia de um método estático ou de uma teoria estática da racionalidade funda-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de sua circunstância social. Os que tomam do rico manancial da história, sem a preocupação de empobrecêlo para agradar a seus baixos instintos, a seu anseio de segurança intelectual (que se manifesta como desejo de clareza, precisão, ‘objetividade’, ‘verdade’), esses veem claro que só há um princípio que pode ser defendido em todas os estágios do desenvolvimento humano. É o princípio: tudo vale. E para reforçar o “tudo vale”, o autor de Contra o Método argumenta: Unanimidade de opinião pode ser adequada para uma igreja, para vítimas teme- rosas ou ambiciosas de algum mito (antigoou moderno) ou para os fracos e conformados seguidores de algum tirano. A variedade de opiniões é necessária para o conhecimento objetivo. E um método que estimule a variedade é o único método compatível com a concepção humanitarista. 60 FILOSOFIA DA RELIGIÃO Fonte: guiadafilosofia.com.br Podemos entender a religião, de uma forma ampla, como um sistema de crenças e as práticas a elas referentes. Em quase todas as culturas há pelo menos uma expressão que possamos chamar de religiosa. Essas expressões diferem entre si, quanto à origem e conceitos principais, mas costumam partir da tentativa do homem de encontrar respostas a problemas para os quais a razão humana não seria suficiente. Uma pergunta bastante inquietante e que ainda não podemos responder precisamente por meio da ciência é a respeito da vida após a morte. As religiões espiritualistas, ou seja, que acreditam na existência de um corpo mortal e de uma alma imortal, podem enfrentar esse problema criando teorias baseadas em algum livro que se considera escrito a partir de uma revelação de Deus, como o Alcorão para os muçulmanos, o Bhagavad Gita para os hindus e a Bíblia para os cristãos, por exemplo, ou por meio da transmissão oral de revelações individuais feitas a alguém que se considera capaz de se comunicar com o plano sagrado, como são os profetas, médiuns e babalorixás. 61 Ou seja, na esfera da religião, não se necessita de uma demonstração racional para aquilo que se professa como verdade, mas a fé não é necessariamente oposta à razão. O termo “filosofia da religião”, que aparece a partir do século XIX, é a parte da filosofia que se ocupa de examinar racionalmente as explicações religiosas. A existência ou não de Deus foi uma questão que movimentou o pensamento de muitos filósofos desde a Antiguidade, como Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona e Nicolau de Cusa. 3.12 Contexto Histórico O cenário histórico que serve de pano de fundo para a discussão desses pensadores é o desenvolvimento e ascensão do Cristianismo e grande influência da Igreja Católica como instituição social. Se o Império Romano se esfacelava, a Igreja acumulou grande riqueza material. Se o Império Romano sofria ataques de povos bárbaros, a Igreja desempenhava o papel de conciliadora entre a nobreza feudal. A fé cristã, segundo a doutrina da Igreja Católica, era a verdade mais elevada. Qualquer ato que discordasse do postulado pela Igreja era considerado uma heresia. Todas as investigações filosóficas e científicas tinham que partir do pressuposto de que a verdade já havia sido revelada pelo próprio Deus. A única tarefa possível à ciência e à filosofia era a comprovação racional da fé. Muitos pensadores cristãos investiram nesse trabalho e tentaram, a partir da filosofia grega ou contra ela, convencer os descrentes. Entre esses pensadores, podemos incluir os “padres apologistas”, ou seja, aqueles padres que mostravam a superioridade da fé cristã em relação ao paganismo ou politeísmo. Esses padres, como Orígenes, Justino e Tertuliano, rejeitavam o recurso às filosofias gregas. Importante lembrar que, nessa época, as obras de Platão e Aristóteles estavam desaparecidas e o conhecimento que se tinha delas passava pelo prisma dos filósofos estoicos e neoplatônicos e, por isso, apresentavam elementos místicos ou comportamentos que a Igreja considerava “imorais”. 62 3.13 Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino Fonte: i.ytimg.com No entanto, as obras de maior destaque são as de Santo Agostinho, que pertencia à Patrística, e as de Santo Tomás de Aquino, que pertencia à Escolástica. A Patrística é o nome que se dá ao conjunto das produções intelectuais a respeito da revelação cristã, a maior parte delas de autoria de padres que perceberam a necessidade de argumentação racional para consolidar os preceitos cristãos entre as autoridades e o povo. Santo Agostinho, seu principal expoente, estabelece que a principal diferença entre a fé e a razão é que, pela fé, conseguimos compreender coisas inalcançáveis por meio da razão. Mas isso não torna fé e razão contraditórias: para o filósofo, a fé revela verdades de forma intuitiva, verdades que são confirmadas pelo exercício racional. A alma humana só poderia conhecer a verdade das coisas se iluminada por Deus. A Escolástica é o nome que se dá à reunião das obras filosófico-teológicas escritas a partir do século IX por consequência do projeto de organização do ensino promovido por Carlos Magno no século VIII, projeto esse conhecido como “renascença carolíngia”. Nas escolas fundadas por Carlos Magno eram ensinadas as seguintes matérias, 63 submetidas à teologia: gramática, retórica e dialética (a reunião das três era conhecida como trivium); e geometria, aritmética, astronomia e música (reunião conhecida como quatrivium). A cultura Greco-romana passou a ser divulgada e isso permitiu que o pensamento aristotélico pudesse ser considerado nas investigações filosóficas da época. O período escolástico pode ser dividido em 3 períodos ou fases: Primeira fase: do século IX ao século XII – caracterizada pela harmonia entre fé e razão; Segunda fase: do século XII ao século XIV – considera-se que harmonia entre fé e razão pode ser parcialmente obtida. Terceira fase: do século XIV ao século XVI – caracterizada pela percepção das diferenças fundamentais entre fé e razão. A obra de Santo Tomás de Aquino pertence à segunda fase e pretendia retomar os pensamentos de Aristóteles para explicar os pontos principais da fé cristã. Ao fazer isso, no entanto, criou um sistema próprio, dentro do qual conseguiu elaborar cinco provas racionais da existência de Deus. Por esse motivo foi proclamado Doutor Angélico e o Doutor por Excelência pela Igreja Católica. Sua extensa obra foi considerada, inclusive, um argumento a favor de sua canonização. A importância dos argumentos de Tomás de Aquino, apesar de serem refutados, para a questão da conciliação entre fé e razão é que eles negam 1) a possibilidade de se conhecer a Deus sem passar pelo mundo sensível, ou seja, por meio de uma experiência direta; e 2) que só se pode conhecer a Deus pela fé. A busca científica encontra legitimidade também na filosofia tomista, pois, se o Criador deixa suas marcas em tudo o que cria, o interesse pela investigação corresponde à necessidade intrínseca ao homem de conhecê-lo. 64 3.14 Nietzsche Para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, o cristianismo reforçou uma moral dotada de submissão, pecado e culpa. A própria moral, dirá o filósofo, é um instrumento para o enfraquecimento dos fortes. Por esse motivo, a tradição ocidental, resultado desse processo de enfraquecimento, é tão distinta do Estado Grego que reunia, pelo espírito guerreiro de seu povo e de uma religião que não o tentava domesticar, as condições para o aparecimento da tragédia, maior expressão artística dos helenos. Sobre a religião grega, Nietzsche sublinha no parágrafo 114 de “Humano, Demasiado Humano” que os helenos não se referiam aos deuses como se fossem acima de si, ou seja, não tinham uma relação de submissão em relação a eles. Os deuses serviam como um exemplo do melhor que os humanos poderiam alcançar, um ideal, diferente do cristianismo que, em suas palavras “esmagou e alquebrou completamente o homem, e o mergulhou como que em um profundo lamaçal”. Um aspecto relevante da religião grega era a inexistência de um livro sagrado. As crenças eram difundidas com uma visão não dogmática e sem uma autoridade que teria o direito de proteger os dogmas. Fonte: http2.mlstatic.com 65 4 PRÉ-SOCRÁTICOS Fonte: i1.wp.com/cultura.culturamix.com No estudo da história da filosofia, os primeiros filósofos são chamados de pré- socráticos. Apesar de passar a ideia de que existiram antes de Sócrates, o termopré- socrático indica uma tendência de pensamento, estando relacionado também com filósofos que viveram na mesma época de Sócrates e até mesmo depois dele. Aquilo que une os filósofos pré-socráticos é a preocupação em perguntar e compreender a natureza do mundo (a physis). Queriam entender a origem, aquilo que originou todas as coisas, o princípio delas. Os filósofos pré-socráticos são divididos em escolas do pensamento: Escola Jônica, Escola Itálica, Escola Eleática, Escola Atomística; de acordo com o local e problemas discutidos por seus pensadores. A Escola Jônica recebe este nome por se desenvolver na colônia grega Jônia, na Ásia Menor, local onde hoje é a Turquia. Seus principais filósofos foram: Tales de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Anaximandro de Mileto e Heráclito de Éfeso. Pensavam sobre o elemento primeiro, chegando a conclusões diferentes. Para Tales, o elemento que forma todas as coisas é a Água. Para Anaximandro, o elemento é o Ápeiron, aquilo que é 66 ilimitado e que possibilita a união e separação dos diferentes corpos. Para Anaxímenes, o elemento é o Ar. De acordo com Heráclito, o elemento que representa a natureza das coisas é o fogo. Apesar das diferenças sobre qual seria o elemento primeiro, os filósofos da Escola Jônica pensavam o mundo como algo em movimento, a água que congela e evapora, o ápeiron que não pode ser determinado e não é estático, o ar nada palpável e o fogo que está sempre em movimento e transformando o que queima. A Escola Itálica se desenvolveu no sul da Itália. O filósofo principal desta escola foi Pitágoras de Samos. Nascido na ilha de Samos, foi na península itálica, na cidade de Crotona, onde ele desenvolveu suas ideias. Pensou serem os números as essências das coisas. Suas investigações da física e matemática eram misturadas com misticismo. São atribuídos aos discípulos de Pitágoras, os pitagóricos, diversas descobertas matemáticas. Foi Pitágoras o responsável pela criação da palavra filosofia (amizade pela sabedoria) ao chamar a si mesmo de filósofo (amigo da sabedoria). A Escola Eleática se desenvolveu na cidade de Eleia, ao sul da Itália. Seus principais filósofos foram Xenófanes de Cólofon, Parmênides de Eleia e Zenão de Eleia. Apesar de não ter nascido em Eleia, Xenófanes se estabeleceu na cidade após levar uma vida andando de povoado em povoado. A ideia principal ensinada por Xenófanes e posteriormente trabalhada por Parmênides é a ideia de Um. Xenófanes pensava no Um a partir de um pensamento mais voltado à religião, dizendo que Deus é Um, não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Em oposição à Escola Jônica, Parmênides pensa que o mundo é formado por um Ser-Absoluto, que não foi feito, é eterno, perfeito e não se modifica. Contra a ideia de movimento, Zenão desenvolveu argumentações que foram e são muito discutidas. Entre elas está a ideia de que uma flecha em voo sempre ocupa o seu espaço de flecha, logo a flecha está em repouso e todo movimento é uma ilusão. A Escola Atomística, ou atomismo, desenvolveu-se a partir da ideia de que são vários os elementos que formam as coisas. A ideia de átomo (a = negação e tomos = divisão, ou seja, aquilo que não pode ser dividido) foi desenvolvida por Leucipo de Mileto e depois trabalhada por Demócrito de Abdera e Epicuro de Samos. Para Leucipo, o mundo é formado a partir do choque aleatório e imprevisível de infinitos átomos. 67 Embora diversos destes filósofos tenham escrito mais sobre outros assuntos do que sobre a natureza das coisas, como é o caso de Demócrito, que escreveu sobre ética, é o questionar-se sobre a natureza das coisas que os une neste período. 4.1 Filosofia pré-socráticas Como o nome implica, os filósofos pré-socráticos, cuja linhagem inicia em torno do século VI a.C. Na Grécia Antiga, são aqueles que surgiram antes do desenvolvimento dos trabalhos de Sócrates, mestre de Platão. Estes filósofos não apenas são agrupados por uma data, mas por uma linha de desenvolvimento de seu trabalho, esta linha de pensamento, ou corrente filosófica, é frequentemente referida como Filosofia Pré- Socrática. De fato, alguns filósofos da corrente pré-socrática são contemporâneos e até mesmo posteriores a Sócrates, a divisão se dá na medida em que Sócrates, pelo que nos dá a conhecer Platão, alterou o curso da filosofia em uma direção mais voltada para a ética e a política. Iniciando com Tales de Mileto, a quem Aristóteles considerou o primeiro filósofo, os pré-socráticos foram os responsáveis pela primeira empreitada no sentido de afastar a explicação da natureza da visão mítica de mundo, aquela que considerava que por traz de todos os fenômenos naturais haviam causas sobrenaturais, oriundas dos deuses, heróis e outros elementos. O principal objetivo destes filósofos e sua corrente era entender o universo e os fenômenos da natureza, a partir dos elementos que a própria natureza nos dava a conhecer, eliminando assim a necessidade de recorrer a explicações sobrenaturais. Por esta razão, considera-se que a filosofia pré-socrática foi a responsável pelo surgimento não apenas da filosofia como a conhecemos hoje, mas também das ciências naturais, considerando que o trabalho do filósofo era o estudo e observação da natureza. Com o foco no cosmos, e muitas vezes buscando explicar a origem do nosso universo, estes filósofos entendiam a arche, ou natureza dos objetos, não apenas como um princípio, algo anterior, mas como algo que lhes é originador. Diferentes filósofos entenderam diferentes elementos como cumprindo este papel, Tales, por exemplo, https://www.infoescola.com/historia/grecia-antiga/ https://www.infoescola.com/filosofia/socrates/ https://www.infoescola.com/filosofos/platao/ https://www.infoescola.com/filosofia/tales-de-mileto/ https://www.infoescola.com/filosofia/aristoteles/ 68 acreditava que tudo se originava da água, enquanto Anaximandrodesenvolveu o conceito de ápeiron, o ilimitado e indefinido, como a origem de todos os objetos no mundo. Destes, por composição ou dissolução, os objetos do mundo tomariam suas propriedades. Posteriormente, o foco da escola mudou do cosmos como um todo para o homem, mas ainda com uma abordagem de observação e estudo da natureza e suas leis. A maior parte do conhecimento que hoje temos acerca da filosofia pré-socrática é derivada dos trabalhos de Platão, Aristóteles e alguns historiadores gregos, estes tiveram acesso tanto aos trabalhos publicados dos filósofos desta corrente, quanto aos próprios filósofos ou seus discípulos, apenas fragmentos dos trabalhos publicados sobreviveram até o nosso tempo. Embora não seja um lista exaustiva ou unânime, nesta corrente destacam-se os seguintes filósofos e escolas: Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro e Heráclito, que constituem a chamada Escola Jônica, estes filósofos, embora tenham relações de proximidade, inclusive como mestre e discípulo, divergiam em muitos aspectos, a ponto de alguns estudiosos não os considerarem como membros de uma mesma escola, Aristóteles no entanto os classifica como physiologoi, ou "aqueles que discursavam sobre a natureza", já que seu principal trabalho era explicar a natureza da matéria. Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômena, Leucipo e Demócrito de Abdera, da Escola da Pluralidade, uma escola de medicina focada nos pontos mais prováveis de cada escola. Pitágoras, Filolau e Árquitas, constituem a Escola Itálica, embora sejam dos mais importantes para o desenvolvimento da matemática grega, manifestavam ao mesmo tempo tendências místico-religiosas e científicas. Arquelau e Diógenes, da Escola Eclética, que propunha a existência de várias arche, para resolver as questões relativas ao movimento. Xenófanes, Parmênides de Eleia, Zenão de Eleia e Melisso de Samos, considerados parte da Escola Eleática, cujo fundamento era unidade, imutabilidade e necessidade doSer. https://www.infoescola.com/filosofia/anaximandro/ https://www.infoescola.com/filosofia/anaximenes/ https://www.infoescola.com/filosofos/heraclito/ https://www.infoescola.com/biografias/anaxagoras/ https://www.infoescola.com/filosofos/leucipo/ https://www.infoescola.com/filosofos/democrito/ https://www.infoescola.com/filosofos/pitagoras/ https://www.infoescola.com/filosofos/parmenides/ 69 4.2 Aristóteles Fonte: infoescola.com Entre os principais filósofos antigos está Aristóteles (384 - 322 a.C.), nascido na cidade de Estagira, na Macedônia, hoje pertencente à Grécia. Seus escritos discorrem sobre uma grande variedade de assuntos como biologia, física, lógica, ética, política e arte. Filho do médico do rei da Macedônia, Amintas III, Aristóteles foi para Atenas para prosseguir com seus estudos. Naquela cidade, que era o centro da produção do 70 conhecimento na época, escolheu a escola de Platão para estudar, a Academia. Estudou ali cerca de vinte anos e deixou a cidade e a escola após a morte de Platão. Poucos anos após deixar Atenas, Aristóteles recebeu um convite do então rei da Macedônia, Filipe II, filho de Amintas III. O convite de Filipe II era para que Aristóteles fosse preceptor de Alexandre, que ficaria conhecido na história como o Grande. Aristóteles foi professor do adolescente Alexandre até este subir ao trono. Com a ascensão de seu aluno, Aristóteles deixou a Macedônia e retornou para Atenas. Ali fundou sua própria escola, o Liceu. Com a morte de Alexandre, doze anos após fundar sua escola, Aristóteles resolveu deixar a cidade, pois era macedônio e temia que os atenienses o matassem. Foi para a ilha de Eubeia e faleceu ali dois anos depois. Apesar de existirem diversos escritos de Aristóteles, muito do que ele escreveu se perdeu. Foi a partir de alguns fragmentos de seus escritos que sua obra foi organizada. Foram juntados textos por assunto para compor o corpo de seus escritos. É certo que a forma de compreender e juntar seus escritos tem sido debatida por estudiosos. Do que restou de seus escritos, podemos encontrar Aristóteles investigando o “ser enquanto ser”. Tal investigação sobre o que são e como são as coisas é fundamental para poder compreender o mundo. Nesse sentido, a sua metafísica discorre sobre princípios que garantam a realidade das coisas, como: o princípio de identidade, da não contradição e do terceiro excluído. Além dos princípios, Aristóteles aponta quatro causas que fazem as coisas serem o que são: material, formal, eficiente e final. É interessante notar que Aristóteles visa superar Platão, seu mestre. Assim como pensa que a essência das coisas está nas próprias coisas, diferente de Platão que pensa nas coisas como cópias de ideias perfeitas, Aristóteles pensa de modo diferenciado assuntos como ética e política. Em ética, Aristóteles discorda da ideia platônica que via as paixões humanas como negativas e que precisavam ser controladas pela razão. Para ele, as paixões humanas não são nem boas e nem ruins. Ruim é quando as paixões são viciosas, isto é, quando estão em excesso ou em falta. Ter raiva de alguém não é ruim, por exemplo, pois ruim é aplicar em determinada situação mais raiva do que o necessário ou menos raiva do que o necessário. Nesse sentido, Aristóteles pensa que virtude é encontrar uma justa medida 71 entre o excesso e a falta das paixões. Agir corretamente é um treino constante de dosar corretamente as paixões. No campo político, Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade ideal e mais com um estudo dos sistemas políticos e leis existentes em sua época. Assim, diferente de Platão, que teorizou uma cidade ideal, Aristóteles pensou uma sociedade que não fosse nem totalmente democrática e nem totalmente aristocrática: a política permitiria que os conflitos entre ricos e pobres pudessem ser amenizados. 4.3 Jean Jacques Rousseau A filosofia de Jean-Jacques Rousseau tem como essência a crença de que o Homem é bom naturalmente, embora esteja sempre sob o jugo da vida em sociedade, a qual o predispõe à depravação. Para ele o homem e o cidadão são condições paradoxais na natureza humana, pois é o reflexo das incoerências que se instauram na relação do ser humano com o grupo social, que inevitavelmente o corrompe. Fonte: infoescola.com https://www.infoescola.com/filosofia/jean-jacques-rousseau/ 72 Rousseau, um dos principais filósofos do Iluminismo. Pintura de Maurice Quentin de La Tour. É assim que o Homem, para Rousseau, se transforma em uma criatura má, a qual só pensa em prejudicar as outras pessoas. Por esta razão o filósofo idealiza o homem em estado selvagem, pois primitivamente ele é generoso. Um dos equívocos cometidos pela sociedade é a prática da desigualdade, seja a individual, seja a provocada pelo próprio contexto social. Nesta categoria ele engloba desde a presença negativa dos ciúmes no relacionamento afetivo, até a instauração da propriedade privada como base da vida econômica. Mas Rousseau acredita que há um caminho que pode reconduzir o indivíduo a sua antiga bondade, o qual é teorizado politicamente em sua obra Contrato Social, e pedagogicamente em Emílio, outra publicação essencial deste filósofo. Ele crê que a carência de igualdade na personalidade humana é algo que integra sua natureza; já a desigualdade social deve ser eliminada, pois priva o Homem do exercício da liberdade, substituindo esta prática pela devoção aos aspectos exteriores e às normas de etiqueta. Em sua obra Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau discorre sobre a questão da maldade humana. Para melhor analisar esta característica, ele estabelece três etapas evolutivas na jornada do Homem. O primeiro estágio refere-se ao homem natural, subjugado pelos instintos e pelas sensações, sujeito ao domínio da Natureza; o segundo diz respeito ao homem selvagem, já impregnado por confrontos morais e imperfeições; segue-se, então, a condição do homem civilizado, marcada por intensos interesses privados, que sufocam sua moralidade. É neste processo que o indivíduo se converte em um ser egoísta e individualista, convertendo sua bondade natural, gradualmente, em maldade. O Homem abre mão de sua liberdade e assim se desqualifica enquanto ser humano, pois se vê despojado do principal veículo para a realização espiritual. A solução apontada por Rousseau para esta situação é enveredar pelos caminhos do autoconhecimento, através do campo emotivo da Humanidade. Na esfera da educação, exposta no Emílio, ele teoriza filosoficamente sobre o Homem. Sua principal inquietação, neste ponto, é saber se educa o indivíduo ou o https://www.infoescola.com/filosofia/contrato-social/ https://www.infoescola.com/sociologia/desigualdade-social/ 73 cidadão, já que, para ele, estas duas facetas não podem conviver no mesmo ser, por serem completamente opostas. Rousseau defende a formação do homem natural no seu lar, junto aos familiares, por constituir um ser integral voltado para si mesmo, que vive de forma absoluta. Já o cidadão deve ser educado no circuito público proporcionado pelo Estado, pois é tão somente uma parte do todo, e por esta razão engendra uma vida relativa. O aprendizado social, segundo o filósofo, não produz nem o homem, nem o cidadão, mas sim um híbrido de ambos. Aliar os dois implica investir no saber do ser humano em seu estágio natural – por exemplo, a criança –, e o cidadão só terá existência a partir desta condição, a qual tem como fonte a Natureza e como fio condutor a trajetória individual. 4.4 Sofistas Conforme nos reporta Platão, a profissão de sofista foi criada por Protágoras, discípulo de Demócrito. Sofistas foram um tipo especifico de professor na Grécia antiga e no império romano, que deveriam ensinar a arete, termo grego que traduz o conceito de "excelência"ou "virtude", aplicado a áreas como música, política, matemática e atleticismo. Entre os principais sofistas conhecidos estão Protágoras, Górgias, Pródico, Hípias, Trasímaco, Antifonte e Crátilo. O termo "sofista" tem sua origem no idioma grego, a partir da palavra "sophistēs", derivada de "sophia" e "sophos", significando "sabedoria" e "sábio" respectivamente. O termo Sophistēs foi originalmente utilizado por Homero, para descrever alguém habilidoso em uma determinada atividade. Com o tempo a palavra passou a designar a sabedoria nos assuntos tipicamente humanos, em oposição aos assuntos da natureza, até chegar a designar um tipo especifico de profissional, o sofista. Embora os sofistas não sejam considerados filósofos pela tradição, sua importância se dá na medida em que estão entre os primeiros a desafiar a ideia de que a sabedoria seria recebida dos deuses, baseando-se na hipótese de que, assim como nas atividades físicas, a prática da virtude, por meio da retórica e da oratória, poderia melhorar os estudantes, tornando-os mais sábios e virtuosos. https://www.infoescola.com/filosofos/platao/ https://www.infoescola.com/biografias/protagoras/ https://www.infoescola.com/filosofos/democrito/ https://www.infoescola.com/historia/grecia-antiga/ https://www.infoescola.com/historia/imperio-romano/ https://www.infoescola.com/biografias/homero/ 74 O foco de seus ensinamentos era prático, direcionado a estratégias de argumentação e oratória, para que os estudantes atingissem o ápice da excelência em suas atividades, independente de quais fossem estas atividades. Como os sofistas são conhecidos por meio das criticas de seus oponentes, alguns elementos de suas posições são difíceis de se confirmar. Uma das principais criticas aos sofistas era a de que sua posição baseava-se apenas em verossimilhança, quando um argumento parece verdadeiro, mesmo que não o seja. O objetivo dos sofistas seria, pela visão de filósofos como Aristóteles, apenas o de vencer o debate, sem preocupar-se com a busca pela verdade. Por esta razão, a expressão "sofisma" existe hoje para identificar uma argumentação rebuscada, porém sem fundamentação sólida. Como foi o primeiro sofista, a posição relativista atribuída a Protágoras é normalmente identificada como a posição geral que iniciou o movimento, que se tornaria a profissão de sofista. Protágoras é lembrado pela controvérsia acerca de sua afirmação "o homem é a medida de todas as coisas", aparentemente manifestando uma forma de relativismo, o que era repudiado por filósofos como Platão e Aristóteles, seus maiores críticos. Como aconteceu com a maioria dos filósofos pré-socráticos, as citações de Protágoras sobreviveram sem o contexto no qual foram apresentadas, o que mantém abertas as possibilidades de interpretações diferentes. Uma destas interpretações possíveis para a afirmação de Protágoras é a de que o uso da palavra "chremata", significando "coisas usadas", ao invés da palavra mais geral "onta", que significaria "entidades", para se referir ao que é traduzido como "coisas", indica que Protágoras não falava da realidade objetiva do mundo como um todo, mas daquelas coisas especificas dos seres humanos. Desta forma entende-se que os sofistas não davam atenção a busca pela compreensão da natureza, do universo e da origem dos objetos do mundo, pois concentravam seus esforços na demonstração de que seriam capazes de tornar os estudantes melhores nas atividades humanas que poderiam auxiliá-los a prosperar na sociedade grega. Era comum que sofistas viajassem em grupos pelas cidades gregas e romanas, para assim poderem realizar elaborados discursos e acalorados debates públicos, demonstrando suas habilidades na expectativa de atrair estudantes para suas escolas. https://www.infoescola.com/filosofia/aristoteles/ https://www.infoescola.com/filosofia/filosofia-pre-socratica/ 75 Em particular, nobres, homens de estado e jovens que pudessem pagar pelos estudos. Os sofistas foram muito criticados por Platão e Aristóteles por só ensinarem aos que podiam pagar pela educação. 5 FILOSOFIA NO CÍRCULO DE VIENA Fonte; 2.bp.blogspot.com O Círculo de Viena foi um importante movimento intelectual que surgiu em 1920, depois da nomeação de Moritz Schlick como Professor de Filosofia da Ciência, e reuniu pensadores de diversas áreas do conhecimento. Esses pensadores formularam o princípio de verificabilidade e baseavam-se em uma noção de Filosofia estreitamente relacionada com a ciência. Vejamos dezessete pontos fundamentais sobre o Círculo de Viena: 1) O Círculo de Viena foi formado na década de 1920 depois da nomeação de Moritz Schlick para Professor de Filosofia da Ciência em Viena. 2) Entre os estudiosos do Círculo de Viena, estavam o físico alemão Moritz Schlick(1882-1936), os matemáticos alemães Hans Hahn (1979-1934) e Rudolf Carnap(1891-1970) e o sociólogo e economista austríaco Otto Neurath (1882-1945). 76 3) As reflexões desse grupo de estudiosos versavam a respeito da importância da lógica, linguagem, matemática e física teórica na construção de teorias científicas. 4) O Círculo escreveu um manifesto, em 1929, motivado pela discussão promovida em um congresso em Praga. O manifesto, redigido por Schlick, Hahn e Neurath, atacava a metafísica como ultrapassada. 5) As pesquisas desenvolvidas pelos pensadores do Círculo de Viena eram divulgadas na revista Erkenntnis, fundada em 1930 e dirigida por Carnap e Hans Reichenbach. 6) Os interesses intelectuais do grupo partiam do positivismo de Ernst Mach e Auguste Comte, da lógica de Russell, Whitehead, Peano e Frege e de teorias físicas, principalmente as de Einstein. A partir da leitura da obra fundamental de Wittgenstein, o Tractatus Logico-Phylosophicus, o grupo enveredou pelo desenvolvimento de uma lógica incorporada a uma verificação empírica dos fundamentos do conhecimento. 7) O Círculo de Viena pertencia a um movimento intelectual conhecido como neopositivismo, também chamado de positivismo lógico e empirismo lógico. Segundo esse movimento, era preciso retomar o ideal clássico e partir da base empírica para se construir uma teoria do conhecimento. 8) O projeto neopositivista do Círculo de Viena encontra-se nas seguintes linhas de Schlick em “O fundamento do conhecimento”: “As proposições fatuais são, pois, o fundamento de todo saber, mesmo que elas precisem ser abandonadas no momento de transição para afirmações gerais. Estas proposições estão no início da ciência. O conhecimento começa com a constatação dos fatos” (p. 46)¹. 9) Pela interpretação do trecho acima de Schlick, entendemos que o conhecimento parte de proposições fatuais. Em outras palavras, o conhecimento deve partir de uma observação dos fatos. Aquilo que não pode ser verificado é considerado desprovido de sentido, como a afirmação “A alma é imortal” e outras de ordem metafísica, religiosa e estética. Nisso consiste o princípio de verificabilidade. 10) O positivismo lógico dos pensadores do Círculo de Viena postulava que, para uma teoria ser considerada “ciência”, ela deveria ser unificada em linguagem e fatos que 77 a fundamentassem. As proposições científicas, assim, são apenas aquelas que se referem à experiência e podem ser verificadas. 11) O papel da Filosofia seria interpretar as proposições científicas – ou seja, a Filosofia deveria ser uma “Filosofia da Ciência”, que, inclinada para a objetividade e mediada por uma linguagem provida de sentido, encerraria os debates metafísicos e a atenção a proposições não passíveis de verificação. 12) Isso (a interpretação das proposições científicas) está de acordo com o pensamento de Ludwig Wittgenstein em suas Investigações Filosóficas (1975, p. 112)²: "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." 13) Podemos perceber que, para os pensadores do Círculo de Viena, só é possívelconhecer o sentido de uma proposição se for possível determinar se ela é verdadeira ou falsa, e isso só é possível se ela for verificável. Aquelas proposições que não podem ser verificadas também não têm significação. É o que diferencia afirmações como “Existe petróleo em Marte” e “Depois da morte, as almas evoluídas habitam em Marte”. 14) Assim como os relatórios protocolares de uma experiência laboratorial, há proposições que são feitas a partir da experiência e expressam um fato. A essas proposições, os pensadores do Círculo de Viena referiam-se como “proposições de base”. 15) As proposições de base descrevem casos particulares de fenômenos observáveis, como enviar uma nave até Marte para investigar se há petróleo. 16) A partir de um número considerável de proposições de base encadeadas logicamente e aplicando o método indutivo, é possível estabelecer uma teoria científica, ou seja, uma proposição geral. 17) A ascensão do nazismo repercutiu na formação do Círculo de Viena: Carnap e outros membros mudaram-se para os Estados Unidos; Hahn, Neurath e Schlick morreram, esse último assassinado por um aluno. Mesmo com o fim do Círculo em 1939, as teorias desses pensadores ainda são discutidas. Entre os pensadores que apresentaram contestações às teses do Círculo de Viena, destaca-se Karl Popper. 78 5.1 Início da Filosofia Contemporânea Fonte: cms.lichngaytot.com O Círculo de Viena surgiu por uma necessidade de fundamentar a ciência a partir das concepções ou acepções que a Filosofia da Ciência ganhou no século XIX. Até então, a filosofia era vinculada à Teoria do Conhecimento, mas, a partir de Hegel, este vínculo se desfez. O Círculo de Viena era composto por cientistas que, apesar de atuarem em várias áreas como física, economia, etc., buscaram resolver problemas de fundamento da ciência, problemas estes levantados a partir do descontentamento com os neokantianos (seguidores de Kant) e os fenomenólogos (seguidores de Hegel). Schlick, por exemplo, tentou mostrar o vazio dos enunciados sintéticos a priori, de Kant. E por duas vias: - Se os enunciados têm uma verdade lógica, então eles são analíticos e não sintéticos; - Se a verdade dos enunciados depende de um conteúdo factual, eles são, portanto, a posteriori e não a priori. 79 Dessa maneira, Schlick (juntamente com seus companheiros) tentou formular um critério de cientificidade que pudesse ou que tivesse uma correspondência com a Natureza. Por isso, o Círculo de Viena adotou uma forma de empirismo indutivista que se utiliza de instrumentos analíticos como a lógica e a matemática para auxiliar na formação dos enunciados científicos. Tal critério seria, então, o de verificabilidade. Para os pesquisadores do Círculo de Viena os enunciados científicos deveriam ter uma comprovação ou verificação baseada na observação ou experimentação. Isto era feito indutivamente, ou seja, estabeleciam-se enunciados universais (pois a ciência tem pretensão de universalidade) a partir da observação de casos particulares. O resultado do estabelecimento deste critério surgiu também a partir da concepção de linguagem de Wittgestein que os membros do Círculo de Viena utilizaram. Para ele, o mundo era composto de “fatos” atômicos associados e, assim, expressariam sua realidade. Daí os enunciados gerais poderem ser decompostos em enunciados elementares referentes ou congruentes à Natureza, o que exclui os enunciados metafísicos do processo de conhecimento. Portanto, a indução foi o método utilizado porque, além de proceder experimentalmente, proporcionava um caráter de regularidade que permitia que se emitissem juízos universais. Isto também atesta o caráter antimetafisico do Círculo de Viena, bem como afirma o procedimento de observação. 6 FILOSOFIA NO BRASIL Fonte: filosofiadocotidiano.org 80 Após um primeiro contato com o universo filosófico é inevitável perguntar se existe ou existiu algum filósofo brasileiro. Fala-se muito dos pensadores gregos antigos, do eixo europeu Alemanha-França-Inglaterra e, recentemente, de pensadores da América do Norte, mas há a visão de que nada novo e original é produzido por aqui. É certo que a história da filosofia não está finalizada. A todo instante, novas ideias surgem e no Brasil não poderia ser diferente. A existência de intelectuais no Brasil não é algo recente. Dentre as diversas mentes brasileiras é possível destacar alguns nomes. Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), paulista, tem uma grande obra publicada em mais de cem volumes. Em seu pensamento, formado pela pluralidade de influências, destaca-se o que chamou de Filosofia Concreta, em um livro com o mesmo nome. Para ele, é preciso superar a abstração filosófica que resultou da fragmentação do conhecimento. Após a análise dos diversos pedaços do conhecimento, como matemática, ética, política, economia, ciência, metafísica, existência, etc. era preciso reunir este conhecimento num conjunto. Assim, é preciso através do método dialético concreto observar os objetos de perto e depois se afastar para chegar a uma ideia do todo concreto. Miguel Reale (1910-2006), paulista, inovou o pensamento acerca da Filosofia do Direito com a Teoria tridimensional do direito. Após séculos de discussões no campo do Direito, com argumentos retóricos e pouca profundidade na discussão, a obra de Reale delimita a discussão e apresenta uma nova forma de pensar. Para ele, é preciso pensar o direito a partir de três dimensões: a do fato, a do valor e a da norma. Com isso, o fato visa pensar a partir do aspecto histórico e social, o valor se relaciona com o que se pretende defender e a norma é o que faz a relação entre fato e valor. Plano organizacional define todas as estratégias para o desenvolvimento de programas de EAD. Para construir um plano organizacional, precisa-se de estar em sintonia com o seguinte diagrama da equipe transdisciplinar: Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), padre mineiro, pensou sobre questões humanistas. Influenciado por Tomás de Aquino (1225-1274) e Hegel (1770-1831), Lima Vaz pensa a antropologia moderna como uma síntese da visão cosmocêntrica grega e teocêntrica medieval, isto é, deixa-se de pensar a partir da ideia de que o universo (kósmos) é o centro, como também 81 Deus (theos) deixa de ser o centro, para um novo momento de colocar o homem (anthropos) no centro, pensar o mundo a partir do homem. Gerd Bornheim (1929-2002), gaúcho, foi um dos que ajudaram na introdução e disseminação da filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) no Brasil. Escreveu sobre diversos temas e entre eles acerca do que é filosofar, defendendo que filosofar é algo que pertence ao interior do sujeito e não a estar presente em determinado meio ou cultura. Sobre uma “filosofia à brasileira”, era crítico com relação à ideia de uma filosofia nacional. No livro A filosofia contemporânea no Brasil (1997), de Antônio Joaquim Severino, outros nomes recebem destaque como: Fernando de Arruda Campos (1930-atual), José Arthur Giannotti (1930-atual), Rubem Alves (1933-atual), Sérgio Paulo Rouanet (1934- atual) e Hilton Ferreira Japiassu (1934-atual). Outros nomes da filosofia brasileira podem ser lembrados, como: Marilena Chauí (1941-atual), Roberto Romano, Olavo de Carvalho (1947-atual) e Paulo Ghiraldelli Jr. (1957-atual). A filosofia conheceu certa popularização no Brasil, pois canais de televisão veicularam programas de filosofia, como o quadro Ser ou Não Ser, com Viviane Mosé, no Fantástico, da Rede Globo. O canal GNT manteve a filósofa Márcia Tiburi (1970-atual) por cinco anos em seu programa Saia Justa. 82 6.1 História da Filosofia no Brasil Fonte: universoracionalista.org A Filosofia no Brasil não é um assunto muito falado forados círculos acadêmicos (e muitas vezes nem dentro). Quando se fala em Filosofia se lembra de Sócrates, Kant, Nietzsche e Sartre, mas nunca de nenhum filósofo brasileiro. Não creio que isso se dê por conta de algum preconceito ou por que filósofos Brasileiros não possuem trabalhos relevantes. Acho, sim, que o que acontece é que a Filosofia sempre foi predominantemente europeia e, salvo exemplo dos EUA, raros foram os países do Ocidente que tiveram Filósofos que ficaram para a posteridade. Isso não significa que os filósofos brasileiros ou a história da Filosofia no Brasil seja desprezada; o que acontece é que, quando se fala de Filosofia, existem inúmeros Filósofos, e é preciso estabelecer prioridades, ou seria impossível ensinar e aprender Filosofia. Eu não posso me considerar um nacionalista; acho que reconhecimento deve ser dado a quem merece, sem distinção geográfica. Não fico perdendo tempo para analisar se um pensador é francês, alemão, americano, português ou brasileiro, se não para efeitos didáticos. Mas acredito que escrever, ainda que um pouco, sobre a trajetória da 83 Filosofia no país é um bom serviço para aqueles que se interessam por Filosofia, por História ou simplesmente são curiosos a respeito do Brasil. Então achei que seria uma boa ideia discorrer um pouco sobre isso, até por que estudar Filosofia é sempre, de certa forma estudar história: E estudar a história da Filosofia no Brasil abre caminho para muitas percepções que nos permitem entender os rumos que país tomou, da época do descobrimento até os dias de hoje (e até por que não se fala tanto em Filosofia no Brasil). Antes de mais nada, eu preciso deixar bem claro que não sou profundo conhecedor da história da Filosofia no Brasil e de seus pensadores, e minha pesquisa sobre o assunto foi relativamente superficial. No entanto, creio que para efeitos de conhecimento geral, o que estará nesta matéria poderá servir pelo menos para despertar o interesse ou saciar a curiosidade. Ao fim desta série de matérias vocês encontrarão as referências e sugestões de leitura se quiserem se aprofundar no assunto. 7 FILOSOFIA POLÍTICA Fonte: conceitos.com Entre as diversas questões que a filosofia visa investigar, pode-se perguntar sobre como é e como deveria ser o convívio em sociedade. Se for investigada a palavra política, que vem do grego, será compreendido que politika refere-se aos assuntos da cidade (pólis). É neste sentido que, em filosofia política, pergunta-se sobre a natureza das leis, a natureza do governo, a origem da organização social e sobre qual seria a melhor forma 84 de convívio entre os indivíduos. Todos estes temas nos levam a pensar sobre o espaço público, que é o espaço da política. O primeiro filósofo a sistematizar uma ideia política foi Platão (428-7 – 348-7 a.C.). Ele escreveu sobre o assunto principalmente em dois livros, A república e As leis. Nestes livros, apresenta a ideia de que uma sociedade bem ordenada é aquela onde cada indivíduo desempenha a função na qual é mais habilidoso. Os hábeis com as mãos deveriam ser artesãos, os fortes devem proteger a cidade e os sábios devem governá-la. Platão pensa também sobre como deve ser a educação nesta cidade ideal, para conseguir desenvolver em cada criança o seu potencial a fim de que possa executar melhor a sua função. Cada indivíduo, para ele, será livre enquanto estiver cumprindo as leis, criadas com o intuito de melhor conduzir a cidade. Ainda no mundo grego, Aristóteles (384 – 322 a.C.) vai discordar de Platão. Em Política, Aristóteles pensa que a cidade ideal de Platão, onde há prioridade daquilo que é público sobre aquilo que é privado, não funcionaria muito bem. Para ele, as pessoas dão mais valor ao que pertence a si mesmo, do que ao que pertence a todos. Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade perfeita e mais em compreender a realidade política de seu tempo, estudando as leis de diferentes cidades e as formas de governo existentes. A melhor forma de organização política, defendida por ele, é um sistema misto de democracia e aristocracia, chamado política, para evitar os conflitos de interesses entre os ricos e pobres. É dele também a ideia de que o homem é um animal político, isto é, que faz parte da natureza humana se organizar politicamente. A ideia de que é natural se organizar politicamente perdurou até o séc. XVII. Thomas Hobbes (1588 – 1679), conhecido por ter escrito Leviatã, propôs a ideia de que a sociedade se organiza a partir de um contrato social. Pensou assim, pois é possível imaginar uma hipótese sobre o convívio humano antes da formação das sociedades. Hobbes via esse momento como uma guerra de todos contra todos, onde, em liberdade, cada indivíduo iria apenas pensar em sua conservação. Deste momento, no qual o homem é o lobo do homem, a racionalidade faz o homem perceber que a melhor forma de conservar a sua vida é perdendo um pouco de liberdade. É neste instante que os homens assinam um contrato fictício de convívio social. A partir desta origem da sociedade, Hobbes pensa no melhor governo para evitar o retorno para um estado de 85 natureza caótico. Com isto, vê a garantia da vida como função vital do Estado, que deve defendê-la mesmo que use de seu poder para coagir a liberdade dos cidadãos. Pensando na ideia de um contrato social, John Locke (1632 – 1704), em seus dois tratados políticos, escreveu que antes da formação das sociedades os indivíduos não viviam em guerra, pois estavam debaixo de leis naturais. Para ele, é natural a garantia da vida e os homens racionais respeitariam esta lei. A formação das sociedades ocorre pela necessidade da garantia da propriedade. O melhor governo, para Locke, é aquele que garanta os direitos à vida, liberdade, propriedade e de se revoltar contra governos injustos e leis injustas. Ainda pensando sobre a noção de contrato, Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) via o homem vivendo antes da formação das sociedades de forma bem otimista. Para Rousseau, havia terra e alimento para todos e não haveria motivos para que guerreassem entre si. Via no surgimento da propriedade o surgimento da desigualdade, de onde resultam diversos males sociais, como os roubos e os assassinatos. Neste sentido, sendo impossível retornar a um estado de natureza, o melhor governo é aquele que esteja de acordo com a vontade da maioria. A forma de pensar dos contratualistas (Hobbes, Locke e Rousseau) foi retomada no século XX por John Rawls (1921 – 2002). Para ele, a sociedade deve basear-se em princípios de justiça escolhidos na fundação da sociedade. Em igualdade, ele pensa, os indivíduos escolheriam dois princípios de justiça, o de liberdades iguais para todos e o de que as desigualdades devem trazer maior benefício para os menos favorecidos e serem acessíveis a todos por igualdade de oportunidade. 86 8 NÃO SE ENSINA FILOSIFA, MAS A FILOSOFAR Fonte: cidadaocultura.com.br A afirmativa de Kant “Não se ensina Filosofia, mas a filosofar”, enseja uma série de questionamentos acerca do ensino de filosofia. A assertiva coloca uma questão importante, ou seja, se não se ensina filosofia, mas a filosofar, como se ensina a filosofar? Nesse sentido, há um ponto de partida importante que, por analogia, pode conduzir o raciocínio a partir da ideia de que em educação só se aprende “fazendo”. O ato de aprender está vinculado ao ato de fazer, ou seja, de inserir os conteúdos teóricos nas práticas em torno do objeto que se deseja conhecer. O raciocínio pode ser transportado analogicamente para o ensino de filosofia para concluir, pelo menos provisoriamente, de que se ensina a filosofia “filosofando”, daí poder-se inferir, por extensão de raciocínio, que “não se ensina a filosofia, mas a filosofar”. O problema que se apresenta, a princípio, é o fato de que a filosofia não se definepor um objeto e método próprios como na ciência. A ideia de que a filosofia abarca conhecimentos difusos e que também se ressente de um método próprio faz que alguns pensem que o filosofar não é seguro. A ideia difusa do conhecimento filosófico faz surgir um outro questionamento: em que consiste, então, essa ação que o filosofar aponta? O que deve caracterizar o filosofar? 87 A ação que o filosofar aponta é a exigência de um método na forma de um exercício, além de uma atitude que deve ser filosófica LUCKESI (1992). A atitude filosófica requer o afastamento de diversos preconceitos, entre eles, aquele que leva as pessoas a pensarem que o filosofar é inútil, difícil e complicado, como se fosse tarefa para gente ultra-especializada. No entanto, a atitude filosófica requer uma postura diferenciada, mesmo diante da constatação do alto grau de saber de alguns filósofos, deve-se entender que o filosofar não está fechado somente aos filósofos consagrados ou com formação acadêmica relevante. A filosofia não se restringe ao campo limitado da ciência, embora possa ser uma reflexão sobre a ciência. A filosofia é um corpo de entendimentos que compreende e dá significado ao mundo e à existência. Nesse sentido, importa saber como é que se constitui a filosofia, como é que se constrói esse corpo de entendimentos, que se pode assumir criticamente como aquele que se quer para o direcionamento da própria experiência e das questões fundamentais que envolver o ser, os valores, a realidade e as práticas. O exercício do filosofar proposto por LUCKESI (1992), no capítulo denominado “o exercício do filosofar”, demanda a execução de três passos didaticamente sequenciais, num processo dialético. O primeiro passo do filosofar é inventariar valores que explicam e orientam a própria vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. Deve-se, portanto, perguntar quais são os valores que dão sentido e orientam à vida familiar; se se está analisando a família, quais valores compreendem e orientam a vida econômica, se se estiver questionando a economia; quais valores compreendem e orientam a educação, se se estiver questionando a educação, ou seja, se esta for o objeto de estudos e assim por diante. O objetivo de questionamentos dessa natureza é levar o sujeito a tomar consciência das ações, do lugar para onde se está e da direção que toma a vida. Direção que nasce tanto da consciência popular como da sedimentação do pensamento filosófico e político que se formulou e se divulgou na sociedade com o passar do tempo. O segundo passo do filosofar é o momento da crítica. Depois de realizado o inventário de valores é preciso submetê-los à crítica, questioná-los por todos os ângulos 88 possíveis para verificar se são significativos, e se compõem o sentido que se quer dar à existência. O terceiro passo do filosofar é o memento da construção crítica de valores que sejam significativos para compreender e orientar as vidas individuais e dentro da sociedade como guia da ação na direção mais correta. Destarte, LUCKESI (1992), sintetiza três passos do filosofar: (i) inventariar os valores vigentes; (ii) criticá-los; (iii) reconstrui-los. É um processo dialético que vai de uma determinada posição para a sua superação teórico-prática. Na medida em que se está inventariando os valores vigentes, está-se, ao mesmo tempo, criticando-os e reconstruindo-os. Os momentos descritos como passos do filosofar são apropriados para uma exposição didática, contudo esses momentos não são seccionados, pois um nasce dentro do outro. O exercício do filosofar exige, pois, inventariar conceitos e valores; estudar e criticar valores; estudar e reconstruir conceitos e valores, e para que isso ocorra, é preciso olhar não só o dia-a-dia, mas ler e estudar o que disseram os outros pensadores, os outros filósofos. Eles poderão auxiliar para que se atinja níveis superiores de entendimento, enfim, outras categorias de compreensão. O exercício do filosofar pode ser o fio condutor para que se aprenda filosofia, sem, contudo, que a filosofia seja propriamente ensinada. A sua apreensão deverá decorrer mais de uma relação que tenha no aluno o ponto de partida dos questionamentos infinitos que a filosofia proporciona, mediado pelo professor, auxiliado pelos pensadores, suas ideias, enfim pelas principais correntes de pensamento de um passado distante no tempo, mas próximo na história. Eles têm uma contribuição a oferecer. É o auxílio no trabalho de construir o entendimento filosófico do mundo e da ação. A consciência do professor determina que, precipuamente, sua tarefa é ensinar filosofia, essa é a meta, no entanto, didaticamente, a filosofia deverá ser utilizada como meio no exercício do filosofar, para, então, de forma oblíqua e indireta o professor realize os fins do seu labor: ensinar filosofia, por mais paradoxal que seja essa assertiva em face da expressão kantiana, sob análise. A frase de Kant “Não se ensina filosofia, mas a filosofar” inserida nos processos de aprendizagem revela uma verdade da filosofia como corpo de entendimentos, mas se 89 distancia de uma verdade absoluta nos confins da terminalidade genérica, que exige apreensão de conteúdos expressos nas ideias filosóficas e nas principais correntes de pensamento, e permita ao aluno, ao final, dizer que aprendeu filosofia. 8.1 O pensamento crítico Fonte: slideplayer.com.br Pensamento crítico, no sentido de ter vontade de aprender e de saber o que está acontecendo, um alerta em que a nossa vontade esteja pulsante, o desejo de tornar as coisas fáceis de serem entendidas e de entendê-las, de não ficar dúvidas, no máximo ficarem questões que não temos respostas, porque era necessário por enquanto apenas perguntar. Sabemos que a nossa vida já mudou pra melhor em muitos aspectos. Imagina; 90 hoje voamos, tomamos banho quente, carregamos fogo e luz (isqueiro, caixa de fósforos, lanterna) no bolso. Hoje em dia temos textos sobre milhares de assuntos em nossa disposição via internet. Acessamos com um celular todo esse conteúdo. Temos também violão a um preço razoavelmente barato, temos, sim, em programas (softwares) de produção e arranjo musical, uma orquestra inteira nas mãos, detalhes últimos esses, sabidos por quem gosta de fazer música. Afinal, temos até hoje a filosofia. E será que sabemos que a vida também se tornou pior em outros aspectos. Bem, ficou pior ou melhor? Uma ótima pergunta, creio, mas não pretendo respondê-la. Fica para o próximo ensaio. O que pretendo indagar o título. E não prometo que concretizarei meu objetivo de indagação, mas tentarei. Essa pulsação de vontade que citei acima, que se encontra em meu pensamento em forma de desejo. Filosofia para mim é estudar o que pensadores através da literatura falaram. É ler a produção literária de escritores que procuraram entender como funciona o nosso corpo para entender como aprendemos, como conhecemos as coisas. Como eles e elas chamaram nossa atenção para a observação do mundo, a observação do nosso comportamento e atitudes. Filosofia pra mim é o registro de toda essa observação. A observação da observação. Opa, a observação da observação? Opa de novo. Estou percebendo que quanto mais tento definir o que é filosofia, amplio o que foi pensado por agentes que denominamos filósofos, e entramos num campo sem fronteira, de elementos que pertencem a dois conjuntos ao mesmo tempo (filosofia e filosofar). Filosofar é se intrometer nesse assunto do que é a filosofia e do que foi pensado em seu nome, do assunto filosófico, das coisas que se encontram nela, dessa produção toda que encontramos através de textos. Filosofar é assumir essa vontade pulsante em nosso pensamento, essa vontade ‘louca’ de decifrarmos o mundo e a nós mesmos. Será que é isso, mesmo? Estou cheio de perguntas. Perguntas, insisto,que podem ou não ser respondidas. Estética, teoria do conhecimento, ciência política, linguagem, lógica, metafísica, antropologia. Meu deus, quanta coisa. Filosofar é pulsar (parece com a vontade que citei lá em cima deste texto). Filosofia é saber que podemos pulsar. Será? Filosofar é esse desejo de entender e trazer para o foco de nossa atenção. Filosofar cada um tem seu 91 jeito, estou achando. Mas precisamos da filosofia e ela precisa da gente pra referenciarmos nosso mar de questões. É bem possível que questões que levantamos atualmente tenham sido levantadas anteriormente. Vamos tentar responder e comparar as respostas? E se não conseguirmos responder, então vamos procurar na filosofia, pois isso também é filosofar. Que felicidade tê-la em minha companhia. Quanta gente que a levou adiante, Hegel, Marx, Sócrates, Platão, Nietzche, Russerl, Rousseau, Wittgenstein, Kant, Demócrito, Heráclito, Frege, Heidgger, Schopenhauer. Opa, novamente. Esqueci gente. Mas não esqueci da questão principal, na escola não se ensina filosofia, mas a filosofar. Tanto não esqueci que até falei o que penso sobre. Que desejo! Essa vontade me tomou de maneira que só descansei quando percebi que estava quase no fim da segunda lauda. E com mais rigor, percebi que o título é uma afirmação, mas, leitores, de quem será tal proposição? Kant. A resposta é essa. Segundo Édison Martinho da Silva Difante, Kant questionou o ensino da filosofia, chegando à conclusão do filosofar através da razão. Para Kant não é possível ensinar filosofia sem pensar em desenvolver no aluno o ato de filosofar. De certa maneira vejo nele, neste momento a intersecção que cito. Filosofia e filosofar fazem parte do mesmo conjunto, estão diretamente ligados pelo conjunto filosófico de se posicionar diante do mundo. Tomando pra mim, concordo com Kant nesse sentido, e o alerta que citei no início do texto, se aproxima da razão que Kant diz, mas dando ênfase para a vontade, onde Schopenhauer diz ser, ela, respectivamente precedente da razão. 92 9 BIBLIOGRAFIA BÁSICA BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia, Gregav.1. Petrópolis: Vozes, 2004. CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: Dos pré-socráticos a Aristóte- les. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. NIETZSCHE, Friedrich. Os pré-socráticos. Em: Para ler os fragmentos dos pré-socráti- cos. Tales de Mileto. [Trad. R. R. Torres Filho]. São Paulo: Nova Cultural, 2000. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ADORNO, Theodor & HORK HEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Rio de Ja- neiro: Jorge Zahar,1984. ARISTÓTELES. Política. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1997. CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem: Introdução a uma filosofia da cultura hu- mana. São Paulo, Martins Fontes,2001. GIOVANNI Reale, ANTISERI Dario: História da Filosofia. Vol1. São Paulo: Paulus, 1990. VAZ, Henrique C. Lima. Antropologia Filosófica. Vol. I. Rio de Janeiro: Loyola, 1991