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!# Hu JNIV . Col%ze/brary % } //elaco Oe 9aeroge%óctro N s # Oe Sotomayor%2/melôa Y • ela concellow> Ganz 9/6anta Óu/a/a | e%ha 93&ecion4nior >{ � �� � ■ ■■ ■ ■ ■ ** |22#J - S. MATTHEUS PERFIL DE JESUS CHRISTO Desenhadopor Perret segundouma terra-cocta encontradanas catacumbas de Santa Ignez FADRE SANTANNA O EVANGELHO SEGUNDO"." S. MATTHEUS (Com gravuras, mappas e plantas) G>==>==>) LISEOA Tipographia º EDITORA) Largo Conde Barão, 5o 19OQ Ei º 2 q o \/ HARVAND COLLEGE LIBRARY O COUNT OF SANTA EULALIA COLLECTION GIFT OF 10hn a srETse", li , 00T 4 1922 Com approvação d a auctoridade ecclesiastica PRE FA CIO A presente obra não é um commenta rio em forma, philologico e historico-critico, sobre o Evangelho de s. Mattheus. As suas aspirações são muito mais mo destas. E apenas uma traducção despre tenciosa do texto evangelico, acompanhada da analyse do mesmo texto e d'algumas notas explicativas. Ainda assim nunca me resolveria a publicá-la, se a larga conva lescença da operação, que me prostou a IO de maio do anno findo, me não tivesse dado vagar para isso, e se fortes instancias de amigos do Evangelho me não tivessem forçado a pegar na penna para este genero de trabalhos. A traducção, sem ser verbalmente servil, é singela, fiel e literal. Serve-lhe de base o texto latino da Vulgata, editado por Ver cellone, por Brandscheia e tambem, com al VI PREFACIO guns melhoramentos, por Hetznauer, sem descurar a grande edição critica de llor asworth. Mas este texto latino, como o leitor poderá verificar, foi constantemente com parado com o texto grego, com a authen ticidade grega, como diria s. Xeronymo. Servi-me para isso, ordinariamente, das edições manuaes de Brandscheia, de Hetz nauer, de Nestle e de Balyon. A analyse vai sufficientemente indicada nas notas, divididas em paragraphos, se gundo as diversas secções indicadas na Introducção. • Quanto ás notas, tive unicamente em vista facilitar ao leitor a intelligencia literal do texto, indicando aqui e ali uma ou outra applicação pratica. Vão sem apparato cri tico e Scientifico, sem as discussões e dis sertações proprias dos grandes commen tarios, mas nem por isso parecerão inuteis. São apenas um subsidio para a leitura e meditação intelligente do texto evangelico; por isso quiz que fossem sobrias, breves, claras e substanciosas. Tal é o fim, bem modesto, que tive em vista; se o attingi ou não, vê-lo-ha o leitor, PREFACIO • VII Quem desejar mais e melhor, poderá con sultar os grandes commentarios de Fillion, de Schanz, de Maas, e o do meu sabio mestre, amigo e collega o Padre Knaben bauer, um dos meus iniciadores nos estu dos biblicos. Lisboa, 1 de janeiro de 1909. * | INTRODUCÇÃO § 1º — S. Mattheus No primeiro Evangelho (9, 3-13) fala-se da voca ção d'um certo publicano, por nome Mattheus (M25325%, nos codices mais antigos; Mz=32ão, nos codi ces posteriores), que mais adeante (1o,3) vem con tado entre os apostolos, onde occupa o oitavo lo gar, depois de Thomé, e é tambem denominado Mattheus, o publicano. Os outros catalogos dos apos tolos omittem o epitheto pouco honroso de publica no, e nomeam no, o dos Actos (1, 13) em oitavo logar, os de s. Marcos (3 , 18) e d e s. Lucas (6 , 15) n o setimo. Este publicano, que só se denuncia pela sua humildade, é o auctor d o primeiro Evange lho. A historia da sua vocação vem narrada nos tres Synopticos (Mt. 9 , 3-13. Mc. 2 , 13-17. Lc. 5 , 27-32), cujas narrações concordam plenamente em tudo, menos n o nome d o publicano, que em s. Marcos (2 , 14) e em s. Lucas (5, 27) é chamado Levi. Esta pequena divergencia bastou para que alguns pro testantes e racionalistas, aliás contraditados por * X INTRODUCÇÃO muitos outros, negassem a identidade de Mattheus e de Leví, contra o parecer unanime da alta anti guidade christã. A existencia de individuos com dois nomes dif ferentes não era coisa rara entre os Judeus, nos tempos posteriores; comtudo não se pode averiguar se o publicano, chamado por Jesus Christo, já en tão era conhecido pelos dois nomes de Mattheus e de Leví, ou se só mais tarde, em memoria talvez da sua conversão ou vocação, adoptou o nome de Mattheus (r= ou "sne, dom de Iáhve, ou nes o fiel), pelo qual era conhecido no collegio apostolico e na christandade primitiva. Os publicanos— cobradores ou arrematadores dos direitos de barreira— constituiam uma classe á parte, devidamente organizada, e eram detestados pelos Judeus, que os tinham na conta de peccado res publicos e escandalosos, cuja convivencia devia ser evitada pelos zeladores da le i e amigos d a na ção. As injustiças e vexames, que elles commet tiam n o exercicio d a sua profissão, aliás licita, e a sua contínua convivencia com gentios, a cujas idéas e costumes facilmente se amoldavam, explicam o desprezo geral em que eram tidos. Em Capharnaúm, centro do apostolado de Jesus na Galiléa, teve Mattheus muitas occasiões de ver e ouvir a Jesus, e a sua alma estava-lhe tão affei çoada e tão bem disposta, que, mal o Senhor o cha mou para ser seu discipulo, abriu logo mão do oficio, e seguiu a Jesus, dando-lhe em sua honra um grande banquete, em que tomaram parte, além INTRODUcÇÃO XI dos outros discipulos de Jesus, muitos dos seus col legas. Desde esta epoca a vida de s. Mattheus confun de-se com a dos outros apostolos, e nada se sabe que lhe seja especial. Pela narração evangelica e pelo cargo que exercia, vê-se que era homem de certos haveres, conhecedor das linguas grega e ara maica, e com certa facilidade de as escrever. O primeiro Evangelho revela-o um espirito meditativo, profundo, versado no Antigo Testamento, particu larmente no estudo das prophecias messianicas. Segundo Clemente Alexandrino, evangelizou a Pa lestina durante 15 annos, assignalando-se pela aus teridade da sua vida, pois só se alimentava de her vas e de legumes. Ignora-se qual fo i o seu campo de actividade fóra d a Palestina. Os escriptores ecclesiasticos e os apo cryphos trazem informações tão discordantes que nem vale a pena mencioná-las. O Breviario romano, seguindo a Rufino e a Socrates, diz que evangelizou a Ethiopia, nome que nestes auctores deve designar a região a o sul d o mar Caspio. As egrejas latina e grega veneram-no como martyr, mas não se sabe onde e com que genero d e morte faleceu. § 2.° —0 auctor do primeiro Evangelho O primeiro Evangelho é conhecido desde a mais alta antiguidade pela designação d e segundo Mat theus, xxx? Masºzio». Era assim que os Evangelhos eram conhecidos e allegados em todas as commu XII INTRODUCÇÃO nidades christãs pelo meado do segundo seculo, uns 5o annos portanto depois da morte do ultimo apos tolo, s. João. Na grecidade posterior a preposição xzcz, segundo, com accusativo, equivalia ao genetivo (725 M.) de auctor, e era neste sentido que estes titulos foram impostos aos Evangelhos. (*) Neste tempo já a palavra sºzinº, evangelho, ti nha o sentido de livro onde se contem a doutrina (*) Evangelho, sòz}}<Xºy é uma palavra grega, que tendo si gnificado, no periodo classico, desde Homero até Plutarco, alviçaras ou sacrificio em acção de graças por uma boa nova, veio por fim, no grego post-classico, a ter o sentido etymolo gico de boa nova. EÕzysXºy é composto de -5 , bem, e de  , mensageiro, o u 3##XXo, annunciar. Assim define Suidas a pa lavra n o seu Lexicon: sòzyyé).tow r% x%XXtarz &##Xoy. E sempre neste ultimo sentido de boa nova que a palavra se encontra n o Novo Testamento, quer d'um modo generico, talvez em Eph. 1 , 3 , quer no sentido especifico de doutrina d a redempção por meio de Jesus Christo, doutrina que é real mente, entre todas, a boa nova por excellencia. A caracteris tica d’esta boa nova é o ter sido annunciada pelo proprio Jesus Christo (Heb. 2 , 3 ). \, Só mais tarde, quando a doutrina da redempção, depois de ter sido ensinada de viva voz, foi posta por escripto, é que se deu tambem o nome de evangelho aos livros em que o s apos tolos e o s seus discipulosnos transmittiram por escripto a doutrina da redempção, que o collegio apostolico foi encar regado de annunciar a todas as gentes. E ' só neste sentido de livro escripto que a palavra evange lho se emprega no plural, para designar o s livros de s. Mat theus, de s. Marcos, de s. Lucas e de s. João, o s unicos, neste genero, que a Egreja venera como canonicos desde a epoca apostolica. INTRODUCÇÃO XIII da redempção prégada por Jesus Christo. Como nos livros do Novo Testamento o genetivo depois de sòzmáxº designa o auctor da boa nova da redem pção, que é Deus ou Jesus Christo, o objecto d’ella ou a sua destinação, não pareceu bem adoptar o genetivo de auctor e preferiram-lhe a circumlocução mais appropriada — segundo Mattheus, (…: M.). O evangelho é um só, embora os que o annunciaram de palavra ou puzeram por escripto sejam muitos. E um facto hoje scientificamente estabelecido que o nosso Evangelho (o mesmo vale dos outros tres), pelo meado do segundo seculo, era conhecido em todas as communidades christãs, que o venera vam e allegavam como Escriptura, e como obra ge nuina de Mattheus, o publicano, que vem nomeado em todos os catalogos dos apostolos. Os homens mais eminentes d'esta epoca estão todos d'accordo sobre este ponto, e fundam-se, não em conjecturas, mas na tradição certa que lhes fo i legada por aquel les que conheceram pessoalmente o s apostolos o u o s seus discipulos immediatos. Basta citar, como exemplo, o nome d e s. Ireneu, bispo d e Lyão, e discipulo, na Asia menor, de s. Polycarpo, discipulo do apostolo s. João. E nesta epoca admittia-se, como principio fundamental, para o qual se appelava em todas as controversias, que só se devia admittir como genuinamente christã a doutrina communicada á Egreja pelos apostolos. Tudo o mais era novidade profana ou heresia. O testemunho explicito mais antigo sobre o Evan gelho escripto pelo apostolo s. Mattheus é o d e XIV INTRODUcÇÃo s. Papias, bispo de Hierapolis, contemporaneo e amigo de s. Polycarpo. Conheceu tambem e tratou pessoalmente com Aristion e o apostolo s. João, de que s. Ireneu o chama discipulo (Ioá…º 3x2977), e é provavel que tambem conhecesse o apostolo s. Phi lippe, cujas filhas viu em Hierapolis. • Da sua obra, em cinco livros, intitulada A2}{ow xºcºxõw &#íase, «Explanação dos oraculos do Senhor», só nos restam alguns fragmentos, citados por Euse bio na sua Historia Ecclesiastica. Falando do apos tolo s. Mattheus diz: Mz=52ão: viv 05 , #228 32Xíxtº r? X&Y… awaye%zz: «Mattheus escreveu em lingua hebraica o s oraculos» do Senhor. No grego ecclesiastico, modelado pelo grego bi blico, X&Y…», não tem o sentido restricto de dito ou sentença, mas significa a palavra de Deus escripta, o s oraculos divinos contidos nos livros sagrados. Assim em s. Clemente romano, discipulo dos apos tolos, r? X#2:35 Oscº, «os oraculos d e Deus», são a sa grada Escriptura. O mesmo s. Papias falando de s. Marcos diz que elle escreveu aówrx㺠rõ w xºçaxõw XoYíow «uma coordenação dos oracnlos dó Senhor», na qual se continham r? O n º rçõXçarç5 # Xey.5évrzi rçz%3évrz, «as coi sas o u ditas ou feitas pelo Christo». Ora este é o argumento d e todos o s Evangelhos; e quadra-lhes bem o nome de **, porque nelles os discursos de Jesus Christo constituem a sua parte principal. Erraram pois os que, apoiando-se em s. Papias, pretenderam afirmar que s. Mattheus escreveu, não o nosso Evangelho, mas uma simples collecção de ditos de Jesus, coisa absolutamente desconhecida INTRODUCÇÃO XV de toda a antiguidade, que nunca teve noticia d'ou tro escripto de s. Mattheus, distincto do nosso Evan gelho. A estes testemunhos explicitos, accrescem os tes temunhos indirectos dos escriptores anteriores (dos fins do primeiro e principios do segundo seculo), onde se encontram frequentes allusões e citações textuaes, sem nome do auctor (como era costume da época), que só se encontram no Evangelho de s. Mattheus. A Didaché, 8,32% ou Doutrina dos doze apostolos, opusculo escripto na segunda metade do primeiro seculo, em 8o 9o, o monumento mais an tigo da literatura christã, está cheia de ditos de Je sus, e a maior parte, taes com vem no Evangelho de s. Mattheus. Estes são allegados com as clausulas: «como ordenou o Senhor no seu Evangelho», ó: êx#avasy & xópio; º riº sºzymexíº zºr:#, ou «como tendes no Evangelho», ó: #re º riº sºziyº, que só podem refe rir-se a um texto escripto conhecido por todos. A Didaché é o documento mais antigo onde a pala vra sºzni)…», evangelho, se encontra n o sentido d e livro escripto. Encontram-se egualmente citações de s. Mattheus n a Epistola de Barnabé, attribuida ao apostolo d’este nome, e escripta n o tempo d e Nerva (96-98) o u d e Domiciano (8o-96), n a Epistola aos Corin thios d e s. Clemente romano, terceiro successor d e s. Pedro, do anno 9o 99, nas Cartas de s. Ignacio, bispo d e Antiochia, discipulo dos apostolos, marty rizado em Roma no tempo de Trajano (98 117), na Carta de s. Polycarpo, bispo de Smyrna, discipulo B XVI INTRODUCÇÃO # do apostolo s. João e mestre de s. Ireneu, martyri zado em 155 ou 156, no Pastor de Hermas, es cripto em Roma pelo anno 14o- 155. S. Justino, philosopho pagão, convertido, na Asia menor, antes de 132 e martyrizado pelo anno 165, que tambem emprega a palavra sºziné?…» no sentido de livro, nas suas duas Apologias, escriptas pelo anno 15o, e no Dialogo com o Judeu Tryphon, com posto antes de 161, cita com frequencia as Memo rias dos Apostolos, que se chamam Evangelhos, os quaes foram escriptos pelos apostolos e seus disci pulos. Encontram-se nelle numerosas citações de s. Mattheus, contendo doutrinas e factos da vida de Jesus Christo. Taciano, discipulo de s. Justino em Roma, que veio depois a ser o chefe dos Encratitas, deixou no seu Diatessaron (? ? & & !soa%ço" — o Evangelho com os quatro) uma harmonia evangelica, onde se encontra o Evangelho de s. Mattheus. Até os herejes d’estes primeiros tempos conhe ciam e citavam o nosso Evangelho. Basilides escre veu, pelo anno 125-13o, um commentario em 2 4 li vros sobre o Evangelho. Um dos Evangelhos nelle citados era o d e s. Mattheus. Cerintho e Carpocra tes, n o começo, e o s Valentinianos, pelo meado do segundo seculo, tambem se serviam de s. Mattheus. Celso, philosopho pagão, chamado «o Voltaire do segundo seculo», n a obra que escreveu contra o christianismo cita o s nossos Evangelhos, e nomea damente certos factos que só se encontram n o Evan gelho d e s. Mattheus. INTRODUCÇÃo XVII Estes dados da critica externa são confirmados pelos da critica interna, que, só por s i, é bastante deficiente, subjectiva e variavel. O exame philolo gico d a linguagem (vocabulario e syntaxe), o s conhe cimentos geographicos e historicos que o auctor sup põi o u manifesta, a situação religiosa, politica e social dos Judeus, que representa, o modo como fala de Jesus Christo, etc., tudo isto demonstra suf ficientemente que o primeiro Evangelho fo i escripto para o s judeo-christãos por um homem, inteira mente esquecido d e si mesmo e devotado a Jesus Christo, judeu de nação, que vivia na Palestina, e fo i contemporaneo dos factos que refere, e que elle mesmo observou pessoalmente o u lhe foram referi dos por testemunhas oculares. A critica interna não pode ir mais além. Comtudo é nella que se fundam os racionalistas para porem em duvida a origem apostolica d o pri meiro Evangelho. Cada um, segundo o seu feitio e mentalidade, construe a priori um typo do que de veria ser o primeiro Evangelho se fosse realmente obra d'um apostolo, e não achando depois n o Evan gelho esses caracteres imaginarios e presuppostos, rejeita o livro como espurio, attribuindo o a um re dactor desconhecido que impoz a sua obra a toda a Egreja sob o pseudonymo de Mattheus! Holtzmann, por exemplo, condemna o livro: 1 .º porque não segue a ordem chronologica, 2. º por que emprega com frequencia expressões vagas e indeterminadas; 3. º porque narra milagres, que reputa contos fabulosos,indignos d'um apostolo! XVIII INTRODUCÇÃo B. Weiss, Jülicher e outros alegam razões de egual valor scientifico, que tambem são, pela sua inepcia, uma confirmação da verdade historica, scientifica mente demonstrada, que elles, com desdoiro do seu saber e talento, pretendem em vão invalidar. § 3.° — Lingua original e destinação do primeiro Evangelho No testemunho de s. Papias, citado no § 2º, diz se que s. Mattheus escrevera o seu Evangelho no dialecto hebraico, 3çz!$ 3,2%ixº; e s. Papias accres centa que a principio, emquanto não houve traduc ção grega universalmente reconhecida, cada qual procurava interpretá-lo como podia, %víwsuas 3'zºr &; ?» Swx”, fazato. Os escriptores ecclesiasticos antigos são unanimes sobre este ponto. Basta citar, para exemplo, os nomes de s. Ireneu, de s. Epiphanio, de Origenes, de Eusebio de Cesaréa, de s. Jeronymo de s. Cyrillo de Jerusalem, e de s. Chrysostomo. Este consenso unanime, que não é um simples echo do dito de s. Papias, como pretendem alguns racionalistas, representa a tradição bem averiguada da Egreja primitiva sobre a origem do primeiro Evangelho. A despeito das afirmações em contrario de Eras mo, do cardeal Caetano e de mais alguns moder nos, ainda hoje é quasi universalmente seguida, havendo apenas divergencia sobre o que deve en tender-se por lingua hebraica, se o hebreu antigo, que no tempo de Christo só era conhecido pelos INTRODUcÇÃo XIX rabbinos, ou o aramaico, que, depois do exilio ba bylonico, ficou sendo a lingua popular da Palestina, e na qual o evangelho fo i prégado por Jesus Christo e pelos apostolos. Como todos os antigos concordam em que o pri meiro Evangelho fo i escripto para uso dos judeo christãos, e o exame do livro assim o demonstra claramente (*), é pouco provavel que s. Mattheus, (*) Basta enumerar, entre outros, os seguintes indicios de que o primeiro Evangelho foi escripto na Palestina, para os judeo christãos e na lingua popular do paiz: 1 . — As numerosas citações do Antigo Testamento, que no primeiro Evangelho é allegado mais vezes do que em todos OS OUltrOS trêS. - 2 . — As referencias á historia antiga de Israel como figura do Messias, realizada em Jesus Christo. 3 . — As palavras aramaicas, e costumes judaicos menciona dos sem explicação alguma, que elucide o leitor; devendo a s raras explicações que se encontram n o Evangelho ser attri buidas a o traductor grego. 4 . — A insistencia e força com que realça a perversidade do povo judaico e dos seus chefes. 5 . — A insistencia com que se refere á lei, no Sermão do mOnte. • • 6 . — A genealogia de Jesus Christo, desde Abrahão e David, como synthese da historia d o povo judaico. 7 .— A omissão da missão dos 72 discipulos. • 8 . — A ausencia de palavras latinas, com raras excepções faceis de explicar. 9 . — A frequencia das expressões reino dos ceos e Filho d'homem. 1o. — O cuidado com que realça a predilecção de Jesus pelo povo judaico. - XX INTRODUCÇÃO que os instruira em aramaico, fosse legar-lhes, como recordação do seu ensino, um livro escripto numa lingua que elles ignoravam, e em que ninguem naquelle tempo escrevia. As razões internas allega das em contrario nada provam, e se tivessem força probante iriam mais longe do que isso, provariam até, o que já veio á cabeça d'algum, que o proprio Jesus Christo prégou o Evangelho em latim! Quanto ao original aramaico, esse teve a sorte da egreja palestinense, e desappareceu juntamente com ella, depois das guerras de Tito e Adriano (132-137). Dos christãos, uns emigraram, e fundiram-se com as communidades gregas, cujos textos, lingua e usos adoptaram, outros vieram a cahir na seita dos Ebio nitas, onde o Evangelho aramaico se conservou, bem como entre os Nazareus, até aos principios do quinto seculo, mas já desfigurado com varias alterações e interpolações. • Este Evangelho era conhecido na antiguidade christã pelo nome de Evangelho segundo os Hebreus, segundo os Navareus ou segundo os Ebionitas. Os proprios Nazareus de Beroé, na Syria, mostra ram um exemplar a s. Jeronymo (+ 42o), que o co piou e traduziu para grego e latim. A bibliotheca de Cesaréa, pelos fins do quarto seculo, tambem possuia um exemplar. S. Panteno, fundador da ce lebre escola de Alexandria, onde floresceram Cle mente, seu discipulo, collega no ensino e successor, e Origenes, evangelizando a Arabia, achou tambem ali uma antiga christandade, fundada por s. Bar tholomeu, que ainda conservava o Evangelho aramai INTRODUcção xx1 co, que d’elle recebera. Panteno faleceu pouco antes do anno 2oo, com universal reputação de homem eminente na sciencia das Escripturas. Hoje causa nos certa extranheza que estes homens eminentes não fizessem mais diligencias para recons tituir e nos conservar o texto aramaico primitivo, o que para nós seria um subsidio de immenso valor. Mas esta extranheza dissipa-se facilmente, se con siderarmos que a traducção grega actual, a unica que apparece citada nos documentos mais antigos, remonta á epoca apostolica, e portanto tem todo o valor e força d'um texto original. O primeiros christãos tinham o culto da idéa, mas estavam muito longe d'aquella superstição da palavra, que, materialmente considerada, era me ramente humana e não inspirada por Deus. Por isso não tinham duvida, na transcripção dos codi ces, em substituir palavras desconhecidas por outras mais inteligiveis, e até de lhes introduzir aqui e alli certas glossas explicativas, que a sciencia critica pode facilmente discernir. Esta, como é sabido, é, além dos erros proprios dos copistas, uma das cau sas principaes das variantes, que se encontram nos codices, e cuja origem, longe de ser posterior, re monta aos primeiros tempos do christianismo. § 4.° — Fontes do primeiro Evangelho Não é possivel, hoje, por falta de documentos, averiguar como é que s. Mattheus escreveu o seu Evangelho e quaes os subsidios de que se serviu. XXII INTRODUCÇÃo Visto que só fo i chamado mais tarde, quando Jesus já estava estabelecido em Capharnaúm, que veio a ser a sua cidade, não poude, como o s primeiros discipulos, ser testemunha ocular de todos os factos d a vida d e Jesus, desde o baptismo de João até á sua morte e resurreição. Dos factos posteriores á sua vocação não preci sava elle d'outras fontes d e informação porque tinha sido testemunha ocular de quasi todos elles, menos d a resurreição d a filha de Jairo (9 , 18-26), d a trans figuração (17,1-9), d a agonia d e Jesus (26, 36-46) e d e mais algumas particularidades, que podia saber pelos outros apostolos, que d’ellas foram testemu nhas. Estes mesmos o podiam informar dos factos que precederam a sua vocação, porque os primeiros discipulos sahiram da escola o u dos ouvintes d o Ba ptista, e seguiram a Jesus logo depois do seu ba ptismo. • • Da infancia de Jesus é que nenhum apostolo foi testemunha, mas, depois d a resurreição e ascenção d e Jesus, todos elles conviveram com a Mãe de Je sus, que lhes podia dar todos o s esclarecimentos necessarios. Complemento de todas estas fontes é o Espirito Santo, cuja assistencia permanente foi promettida por Jesus aos apostolos, para lhes ensinar toda a verdade (Jo. 16, 13), que Jesus desejava communi car á sua Egreja, e suggerir-lhes tudo quanto elle mesmo, em vida, lhes tinha ensinado (Jo. 14, 26). Só resta a genealogia que, como documento official achava-se, parte n a Biblia, parte nos archivos publi INTRODUCÇÃO XXIII cos e particulares, pois não havia judeu que não pudesse provar, com documentos á vista, a familia e tribu a que pertencia. Como os apostolos, antes de se dispersarem, se conservaram durante alguns annos na Palestina, trabalhando juntos na conversão dos Judeus, na or ganização e instrucção da Egreja nascente, e só muito mais tarde é que dois d'elles, por motivos particulares, escreveram o Evangelho, é provavel que ou elles mesmos ou antes muitos dos seus dis cipulos escrevessem, para as conservarem, as dou trinas de Jesus e os factos da sua vida, que consti tuiam o objecto dacatechese apostolica. S. Lucas (1 , 2 ) diz-nos que realmente foram muitos o s que, desde o principio, procuraram coordenar em narra ções seguidas o s factos e ensinamentos ouvidos nas prégações apostolicas. S . Mattheus não precisava d’estes documentos, mas tambem não repugna que o s utilizasse, pois ninguem melhor do que elle po dia verificar a sua exactidão e corrigi-los onde por ventura se desviassem da verdade. Se de facto se serviu d'elles o u não, é coisa que nós não podemos determinar, nem h a n o Evangelho indicio algum d’isso. § 5.° — Data do primeiro Evangelho * E ' impossivel determinar com exactidão a epoca em que fo i escripto o Evangelho de s. Mattheus. Pode dizer-se com certeza que fo i escripto antes d a ruina d e Jerusalem (anno 7o), que vem prophetizada n o capitulo XXIV, sem o mais leve indicio do seu XXIV INTRODUCÇÃo cumprimento. Por outra parte o modo como fala do nome imposto ao cemiterio comprado com as moe das de Judas (27, 8 ), e d o boato falso espalhado pelos synedristas sobre o roubo d o corpo d e Christo pelos apostolos (28, 15), d á bem a entender que já tinham decorrido alguns annos depois d a morte d e Jesus, e bastantes para estas circumstancias pare cerem dignas d e nota. S e nos fosse possivel precisar este numero d e annos, teriamos juntamente com o anno 7 o dois limites extremos dentro dos quaes de veriamos colocar a data da composição do Evan gelho. Os racionalistas não reconhecem estes limites, mas é por motivos d'ordem subjectiva, inteira mente alheios a estas questões d e critica historica. Como entendem que não pode haver milagres nem prophecias, e veem em s. Mattheus a prophecia da ruina de Jerusalem, sustentam que o vaticinio fo i arranjado depois do acontecimento, e dizem que o Evangelho, cuja authenticidade não admittem, fo i escripto, Hilgenfeld e Holtzmann pouco depois do anno 7o, Weiss e Harnack em 7o-75, Renan depois d e 85, Réville em 69 96, Jülicher em 81-90, Volkmar pelo anno 11o, Baur em 13o-134! Na falta pois de indicios internos suficientes, é mais prudente consultar o s dados externos, o s tes temunhos d a antiguidade christã. Estes testemunhos porém não estão d'accordo em tudo. Concordam todos, sem a mais leve discrepancia, em que s. Mat theus escreveu o seu Evangelho para os judeo-chris tãos palestinenses, o que suppõi que o Evangelho INTRODUCÇÃO XXV fo i tambem escripto n a Palestina (*), como opinam o s antigos exegetas e a maior parte dos modernos. E tambem sentir commum da alta antiguidade que o primeiro Evangelho escripto foi o de s. Mattheus. Clemente Alexandrino, citado por Eusebio, diz que o s Evangelhos, que conteem genealogias (Mt. e Lc.) são anteriores aos outros (Mr. e Jo.). Não o afirma por conjectura propria, mas basean do-se n a tradição dos antigos presbyteros, ro w 2,5225= resogorspoº. Outros, como s. Ireneu, Origenes, Eusebio, s. Epiphanio e s. Jeronymo, são ainda mais expli citos, e dizem terminantemente que s. Mattheus foi o primeiro que escreveu o Evangelho. Todos estes testemunhos se baseiam na tradição antiga, a come çar da epoca apostolica. Quanto á data da composição do Evangelho, já não h a nestes investigadores das origens christãs o mesmo accordo, nem a mesma precisão. O sentir mais commum, quasi geral até, d a antiguidade é que s. Mattheus escreveu o seu Evangelho pouco antes dos apostolos deixarem de vez a Palestina para irem, segundo a ordem de Christo, levar a boa nova aos outros paizes d o mundo. Mas a data da dispersão o u d o exodo dos apostolos, como lhe chama s. Ireneu, é incerta. Uns, com Eusebio, seguido por (*) Esta circumstancia é expressamente afirmada por s. Ireneu em um fragmento conservado por Eusebio. Diz que s. Mattheus é , roi: "E6%2íziz,«estando entre os Hebreus», escre veu o Evangelho y ri . !Síz x}röw & x}ézzº, «na propria lingua d'elles». XXVI INTRODUcÇÃO Theophylacto e Euthymio Zigabeno, colocam-na no anno S." depois da ascensão de Christo, outros, com Nicephoro Callisto, dão-lhe o anno 15.", ao passo que o martyr Apollonio, citado por Eusebio, prefere o anno 12.°, que vem a corresponder ao anno 41 ou 42 da nossa era. S. Jeronymo optou pelo anno 41. Nestes dados se fundam os que sustentam que o primeiro Evangelho fo i escripto em 36-39 (Patrizzi), em 4o-5o (Cornely"), em 42-5o (Kaulen), etc. Aberle escolheu o anno 37; outros attribuem o anno 4 o á redacção d o texto hebraico, e o anno 6o á versão grega. Não faltam porém escriptores, mesmo catholicos, que attribuam a o Evangelho uma data posterior, preferindo o anno 6o-67 (Feilmoser, Hug, Meier, Schanã, Rose). Zahn, protestante, segue esta opinião escolhendo o anno 62. Estes ultimos fundam-se na auctoridade de s. Ire neu, segundo o qual o Evangelho de s. Mattheus parece ter sido escripto a o tempo em que s. Pedro e s. Paulo fundavam juntos a egreja romana, o que succedeu em o 1 , data da primeira vinda de s. Paulo a Roma. Convem porém observar que o texto em questão d e s. Ireneu chegou até nós truncado, parte em latim, parte em grego, e que este ultimo fra gmento, ta l como está, não faz sentido perfeito. E ' mister pois reconstitui-lo, e depois interpretá-lo. Não é portanto d e extranhar que auctores, como Cor nely e Belser, não vejam nesse texto um obstaculo serio á opinião dos que attribuem uma data mais antiga á composicão d o Evangelho de s. Mattheus. INTRODUCÇÃo XXVII § 6.° — Fim do primeiro Evangelho Escripto originariamente em aramaico, e desti nado principalmente aos judeo-christãos, o pri meiro Evangelho devia necessariamente correspon der as necessidades e circumstancias especiaes da egreja da Palestina, fundada e cathechizada pelos apostolos. Segundo Eusebio, s. Mattheus quiz sup prir pela sua palavra escripta a falta da sua pala vra oral. O Evangelho por elle escripto deve ser considerado como a fixação do Evangelho por elle prégado aos Judeus. Ora quaes eram as necessidades especiaes dos judeo-christãos, cuja fé devia ser confirmada e escla recida? Quaes tambem as circumstancias dos Ju deus ainda não convertidos, no meio dos quaes vi viam os christãos, e aos quaes tambem convinha levar a luz da verdade ? A suprema aspiração dos Judeus, em todas as epocas da sua historia, mormente nesta de que es tamos falando, era a vinda do Messias, do redem ptor promettido, do filho de David. Os Psalmos sa lomonicos, escriptos pelos annos 63-48 antes de Christo, os oraculos sibyllinos, o livro de Henoch, o da Assumpção de Moysés, o dos Jubileus, numa palavra toda a literatura Judaica da epoca im mediatamente anterior e posterior á de Christo, está cheia destas esperanças, que, neste tempo, eram conhecidas até dos proprios gentios. E portanto evidente que o primeiro cuidado dos apostolos, quer para converter os Judeus, quer para XXVIII INTRODUcÇÃO confirmar na fé os já convertidos, devia ser mos trar-lhes claramente que aquelle mesmo Jesus que elles tinham visto e ouvido, e depois rejeitado e cru cificado, esse mesmo era o Christo, o Messias promettido aos patriarchas Abrahão, Isaac e Jacob, e depois a David, e annunciado pelos prophetas. «Saiba pois com a maior certeza toda a casa de Israel que a este Jesus, a quem vós crucificastes, a esse mesmo, Deus o fez Senhor e Christo» (Act. 2, 36). Assim terminava s. Pedro o primeiro discurso que fez aos Judeus no dia de Pentecostes, quando o Espirito Santo desceu sobre o collegio apostolico. Por elle e por outros discursos semelhantes conser vados nos livros dos Actos podemos fazer idéa do que era então a prégação apostolica, e do modo como mostravam aos Judeus a messianidade de Je sus Christo. Allegavam as prophecias messianicas nele cumpridas, expunham a sua doutrina, conta vam os seus milagres, a sua morte e sobretudo a sua resurreição, de que elles mesmos tinham sido testemunhas. (cf. Act. 2, 14-36; 3, 12 26; 4, 8-12; 5, 29-32; 7, 2-53; Io, 34 43, etc.) E exactamente o que se observa em s. Mattheus. Começa pela genealogia de Jesus Christo (I, I-17), para mostrar que é descendente de Abrahão e de David, demonstra o seu nascimento virginal (1 , 18-25), e assim vai mostrando nos successos d a sua vida e d o seu apostolado o cumprimento das pro. phecias messianicas, que allega constantemente, e mais vezes d o que nenhum dos outros Evangelistas. A parte principal do seu Evangelho (4 , 12-13, 58), INTROLUCÇÃo XXIX aquella em que se aparta da ordem chronologica dos factos, para os coordenar segundo uma ordem logica, appropriada ao seu intento, é consagrada especialmente á demonstração quasi systematica da messianidade de Jesus Christo, pela sua doutrina (5, 1-7, 27), pelos seus milagres (8 , 1-9, 34), pelo novo reino por elle fundado (Io, I-13, 58). Mas não bastava provar que Jesus era o Mes sias, e que todas a s circumstancias d a sua vida, gloriosa, sim, mas ao mesmo tempo pobre, humilde, obscura e padecente, estavam annunciadas nos va ticinios messianicos, era tambem necessario dar aos Judeus uma verdadeira idéa do reino messianico, o u d a realeza d e Deus, por que elles tão ardente mente esperavam. Como os Evangelhos e a litera tura judaica o demonstram, a idéa da realeza de Deus era então a mais popular na Palestina, a que mais enthusiasmava a alma religiosa e patriotica dos Judeus. Veja-se o alvoroço com que os povoados acudiram a o Jordão, quando nelle appareceu um propheta annunciando a proxima inauguração d o reino dos céos ou do reinado de Deus, e a vinda já imminente do Messias. Mas a idéa biblica da salvação messianica estava então, geralmente falando, inteiramente pervertida pelas doutrinas pharisaicas e pelos livros apocryphos e apocalypticos. Basta ler o Psalmo XVII dos Sa lomonicos, obra d'um phariseu tão religioso como patriota, para ver quaes eram neste tempo as con cepções messianicas dos Judeus. A idéa do Deus creador, supremo portanto, unico \ XXX INTRODUCÇÃO e universal, definitivamente fixada na alma judaica, o conhecimento mais vasto do mundo greco-romano e a correspondente dilatação do horizonte politico, agora tão vasto como o mundo conhecido, tinham modificado profundamente as idéas e as aspirações da nação judaica. Os inimigos de Israel já não eram, como nos tempos primitivos, os bandos de beduinos da Idumea, de Moab e de Amon. Os des potas de Ninive, de Babylonia e de Susa tinham opprimido duramente o povo judaico. Alexandre Magno, destruindo o imperio dos Persas, nem por isso tinha dado plena autonomia aos Judeus, que, depois d’elle, cahiram sob o dominio dos Ptolemeus do Egypto e dos Seleucidas da Syria. A insurreição dos Machabeus levantou momentaneamente os brios nacionaes, mas esse estado de coisas durou pouco, e não tardou que o jugo de ferro dos Romanos se fizesse sentir sobre toda a nação por meio do idumeu Herodes. Roma estava pois senhora da Palestina, e a alma nacional estava sedenta de desforra e de vingança. A fibra religiosa e nacional estremecia ao ver o sacerdocio, a gloria de Israel, vendido pelos oppressores aos sadduceus, impios, materialistas e gosadores. «Iáhve, exclama o nosso phariseu, tu és o nosso rei, para sempre e eternamente!» E conti nuando neste tom pede a Iáhve que lhes suscite, segundo as promessas feitas a seus paes, um rei, filho de David, que restaurando a monarchia de Israel, purifique Jerusalem de pagãos, e os exter mine. Em torno d'este rei agrupar-se-ha um povo santo, as tribus de Israel santificadas por Deus; INTRODUCÇÃO XXXI ele as julgará, e não consentirá que a injustiça ha bite na terra santa. As tribus antigas serão de novo reconstituidas; nenhum colono ou extrangeiro habi tará entre os Judeus. Os proprios pagãos servirão a Deus, submettendo-se ao seu jugo, e virão em grandes romarias dos extremos do mundo a Jeru salem, para ver a gloria do Senhor, trazendo-lhe como ofertas seus filhos extenuados. • Tal será o rei-Messias, o ungido do Senhor. Iáhve é o seu rei, por isso não porá a sua confiança nos cavallos nem nos cavalleiros; a sua força é o espi rito de Iáhve, o Espirito Santo, e com uma só pa lavra da sua bocca ferirá a terra para sempre. Não haverá mais injustiças, nem impurezas. O auctor termina protestando o seu lealismo, e pedindo a Deus que se dê pressa a usar de miseridordia com o seu povo. • • • Taes eram, em substancia, as idéas messianicas correntes entre os Judeus. O antigo reino de Israel será restaurado; as tribus dispersas pelo mundo greco-romano regressarão á Palestina. Jerusalem com o seu templo, com o seu culto e com a le i an tiga, será o centro d'uma nova theocracia; a realeza humana, fóra d e Israel, e os proprios pagãos se tornarão vassallos de láhve e do seu rei. Os Alexandrinos são mais universalistas do que o s Palestinenses, que, opprimidos pelos Romanos, se comprazem nos terriveis castigos com que Deus os vingará dos seus oppressores. Os santos conquista rão o mundo, não pelas armas, mas, como diz Philo, pela sua dignidade, beneficencia e força. Toda C XXXII INTRODUCÇÃo a terra, sob o governo dos prophetas, será um jar dim de delicias; tudo nella será paz, sinceridade e amor. As proprias feras mudarão de natureza. A vida humana recuperará a longevidade das eras pri mitivas, não haverá velhice, nem aborrecimento da vida, nem dores de parto para as mulheres. Esta revolução prodigiosa far-se-ha subita e ma ravilhosamente. Uma intervenção gloriosa de Deus libertará o seu povo da tyrannia romana, e restau rará o antigo reino de Israel, que será um reino ao mesmo tempo de virtude e de immensa felicidade material, sem mistura de vicios e de males. Os pagãos maravilhados virão então constituir-se vas sallos dos Judeus e seus provedores, para attrahir sobre si com seus ricos presentes as bençãos de Iáhve. • Eis o ideal de felicidade que então occupava as mentes e os corações dos homens. O proprio Jesus Christo não conseguiu dissipá-lo, e reduzi-lo ás de vidas proporções. Do mesmo modo que o Precur sor, Jesus fez do reino dos céos ou da realeza de Deus a idéa central da sua prégação, mas explicou melhor a sua natureza, e sobretudo distinguiu me lhor as duas phases d'esse reino, uma inicial e ter restre, outra final e celeste. O reino messianico não se oppõi aos outros rei nos temporaes; não ha incompatibilidade em ser-se ao mesmo tempo subdito de Cesar e de Deus, com tanto que se dê a cada um o que de direito lhe per tence (22, 21). No Evangelho, Jesus Christo não re conhece senão dois inimigos: o demonio e o peccado. INTRODUCÇÃO XXXIII O demonio é o soberano d'este mundo (Jo. 14, 3o), o valente que tinha captivado o genero humano (12, 29), e Jesus Christo veio ao mundo para o lançar fóra d’elle (Jo. 12, 31; 16, 11). Foi contra satanás que elle travou o seu primeiro combate (4, 1- 1 1); a sua obra é a destruição d a suzerania de satanás (12, 22-29), e o s proprios demonios assim o reco nhecem (8, 28-34). Cuidavam o s Judeus que o reino dos céos havia d e vir com grande gloria e majestade, que a sua inauguração seria tão maravilhosa como a da theo cracia antiga n o monte Sinai; Jesus declara-lhes que o reino dos céos não vem com pompa, que já está n o meio d'elles (Lc. 18, 2o-21), e condemna os phariseus que nem entram nelle, nem deixam o s ou tros entrar (23, 13). A le i e o s prophetas duraram até João Baptista (11, 13); desde então está inau gurada a epoca messianica, que durará até a o fim do mundo. Não menos erronea era a idéa que os Judeus fa ziam d a natureza d o reino dos céos, representando-o como um reino d e justiça e d e santidade, sim, mas a o mesmo tempo como um reino d e toda a sorte d e delicias d'ordem material e temporal. Basta ler o Sermão do monte (5 , 1-7, 28), particularmente as bemaventuranças ( 5 , 3-Io), para se ver quanto se melhantes ficções são contrarias a o espirito d e Je sus Christo. O espirito de pobreza, de renuncia e d e abnegação é a base d o evangelho; quem o não tem, não é digno d o reino dos céos, não pode ser disci pulo de Jesus Christo. (6 , 19-23; 8 , 18-22; 19, 16-3o). XXXIV INTRODUCÇÃOE quanto á propria santidade e justiça, quão dif ferentes são os ensinamentos de Jesus Christo das concepções judaicas! A justiça messianica será muito diferente, da justiça da le i antiga, e muito mais ainda d a justiça dos mestres religiosos d e Israel, os escribas e phariseus, successores de Moysés ( 5 , 17"); e o mundo messianico, longe d e ser uma sociedade formada só d e justos, é representado como uma sociedade com posta de justos e de peccadores, e este estado de coisas h a d e durar até a o fim d o mundo (cf. 13, 24-3o. 36-43. 47-5o; 25, 1-13). A sorte tambem reservada, neste mundo, aos discipulos de Christo está muito longe d'aquelle es tado geral e permanente de paz, sem guerras, nem injustiças, nem intrigas, que os messianistas phan tasiavam. A condição dos discipulos de Christo será a mesma que a d o Mestre. Judeus e gentios hão de conspirar contra elles, perseguindo-os universal e constantemente, como se fossem o s maiores malfei tores d a humanidade (cf. 5 , 11. 12; 1o, 16-42). Es tas tribulações, que constituem, para assim dizer, o estado ordinario do reino messianico na terra (24, 4-13), tomarão n o fim dos tempos tal incremento, que se Deus não as abreviasse ninguem se salvaria (24, 22). Nada disto porém ha de impedir a pro pagação e dilatação d o reino messianico, que h a d e crescer, prosperar, fructificar e espalhar-se por todo o mundo a despeito d e todas as tribulações e perseguições (13, 31-33. 24, 14). Não menos notavel é a opposição entre o univer salismo de Jesus Christo e o universalismo judaico. INTRODUCÇÃO XXXV Este, apesar de admittir os gentios ao goso das venturas messianicas, mantem-se sempre no terreno da theocracia antiga. O reino messianico será um reino nacional, com territorio proprio na Palestina, com Jerusalem por capital, com o seu templo, a sua le i e o seu sacerdocio. Os gentios serão apenas admiradores, vassallos e tributarios dos Judeus. Nada d’isto subsiste no reino dos céos, prégado por Jesus. Os proprios Judeus que se denominavam os fi lhos do reino, serão lançados fóra d’elle (8 , 11-12. 21, 43), e excluidos dos seus bens até que reconhe çam a messianidade d e Jesus Christo (23, 37-39), o que só succederá n o fim dos tempos (17, 11). Jeru salem e o templo serão destruidos (24, 1-2. 15-21); a le i antiga será substituida pela nova lei; ao sa cerdocio levitico, com o s seus sacrificios de ani maes, succederá um novo sacerdocio com o sacrifi cio eucharistico; aos escribas e phariseus, succes sores d e Moysés, succederá o collegio apostolico com o triplice poder de reger, santificar e ensinar a Egreja de Jesus Christo, contra a qual não prevale cerão jamais as portas do inferno. Tal é o reino dos céos na sua origem, e nas pha ses successivas d a sua existencia terrestre, até se es palhar por todo o mundo. Só então será a parusia o u vinda gloriosa d o Messias, não para instituir na terra uma theocracia universal, mas para julgar o mundo, separando definitivamente o s bons dos maus, e dando a uns e outros o destino eterno correspon dente a o merito d e suas obras. E o assumpto do XXXVI INTRODUCÇÃO grande discurso eschatologico de Jesus Christo (24, 1-25, 46). Esta idéa christã do reino messianico, em oppo sição ás concepções erroneas dos Judeus, é a se gunda idéa fundamental do Evangelho de s. Mat theus. Penetra-o inteiramente, desde o Sermão do monte até ao grande discurso eschatologico, e é a chave principal para a sua interpretação. Serve-lhe de necessario complemento a idéa posi tiva e absoluta do reino dos céos, ou a exposição da constituição, propriedades e signaes caracteristicos da nova sociedade religiosa, fundada por Jesus Chris to. Nenhum dos Evangelhos é tão explicito, nem tem dados tão abundantes sobre estes pontos fundamen taes, como o de s. Mattheus. Essa sociedade é a Egreja, % Exxxxaíz, nome que ficará substituindo o de reino dos céos ou de reino de Deus. É uma socie dade visivel, una, indestructivel e jerarchica, fun dada sobre o collegio apostolico, sob o primado de Pedro, a quem Jesus deu as chaves do reino dos céos (16, 13-2o). O collegio apostolico que ha de durar até á consummação dos seculos, está inves tido dos poderes messianicos de Jesus Christo, para ensinar (28, 18-20), reger (16, 13-2o; 18, 15-2o) e santificar os fieis por meio de ritos sacramentaes (26, 26-29; 28, 19), e será infallivel no desempenho da sua missão (18, 17; 28, 2o). Não ha ponto im portante sobre a natureza, propriedades e caracte res da Egreja de Jesus Christo que não venha indi cado em s. Mattheus. Esta é pois a terceira idéa fundamental e caracteristica do seu Evangelho. Se INTRODUcção XXXVII elle insiste tanto sobre ella, mais do que os outros, é porque os christãos palestinenses, por causa das idéas judaicas, precisavam de ser particularmente esclarecidos sobre este ponto, muito mais ainda do que os convertidos do paganismo, e inteiramente li vres dos falsos preconceitos messianicos. Ficava por fim um ponto capital por esclarecer, que era uma grande pedra de escandalo para os Judeus não convertidos, e que, não sendo bem com prehendido, poderia fazer vacillar na fé os proprios neophytos: era a reprovação do Messias por parte do seu proprio povo, e a exclusão d'esse mesmo povo do reino messianico por parte do Messias! Se Jesus era o verdadeiro Messias, como é que os Ju deus, que tão ardentemente o desejavam, não só não o receberam, mas até o rejeitaram e crucifica ram? Como é que são excluidos do reino messia nico, sendo chamados em seu logar os gentios? Esta difficuldade está constantemente presente a s. Mattheus desde o princípio do seu Evangelho. Ninguem como ele nos faz penetrar tão a fundo no estado moral e religioso da nação judaica, para nos revelar a causa intima e profunda d’este mysterio. A indiferença religiosa, e a hostilidade positiva para com o Messias manifestam-se logo desde a infancia de Jesus, que, mal nascido, teve logo de refugiar-se em terras extranhas. Herodes e toda Jerusalem fi caram sobresaltados com a nova do nascimento do Messias ( 2 , 3)! Quando voltou da Egypto, a Judéa, sua patria, era-lhe tão hostil, por causa de Arche lau, que teve de retirar-se para a Galiléa, onde v i XXXVIII INTRODUCÇÃo veu, humilde e desconhecido, até dar principio ao seu ministerio. O proprio Baptista deu testemunho da perversi dade dos chefes religiosos de Israel, denunciando lhes a ruina total e irreparavel que os esperava, se não fizessem penitencia e mudassem de vida ( 3 , 1-12). Longe de se emendarem, obstinaram-se cada vez mais em sua malicia, e perseguiram constante mente a Christo. O capitulo XII é consagrado d'um modo especial á demonstração d'esta perversidade, que o s levou á resolução extrema d e darem a morte a Christo (12, 14). Grande parte do Sermão do monte é dirigida contra elles. Outros exemplos em 14, 34-15, 2o; 16, 1-12; 21, 12-17, e sobretudo nos ultimos dias do seu apostolado em Jerusalem, na sua paixão e resurreição. E ' mister ter presente o odio d e satanás contra Christo para se comprehen der a existencia de tanta maldade e obstinação em corações humanos. E o povo não era muito melhor-do que os seus chefes. Vemo-lo, é verdade, acudir pressuroso a ou vir os ensinamentos de Christo, mas a fé não abre brécha naquelles corações inconstantes, interessei ros, fascinados pelas falsas esperanças das glo rias e venturas temporaes d o reino messianico. A sua indole vem pintada ao vivo em 11, 16-24, e em 13, 53-58. Os proprios gentios, como se viu no centurião d e Capharnaúm (8, 5-13), e na cananéa (15, 21-28), estavam melhor dispostos d o que elles para receber o reino messianico. Finalmente, quando o s chefes conspiraram contra Christo, e instaram INTRODUCÇÃo XXXIX com Pilatos para que o condemnasse, apesar de o reconhecer e proclamar innocente, o povo, que pou cos dias antes o tinha acclamado, esqueceu todos os seus milagres e beneficios, e preferiu que lhe sol tassem a Barabbás; quanto a Jesus pediuque o cru cificassem, e que o seu sangue cahisse sobre elles e sobre os seus filhos (27, 25)! Esta terrivel sentença cumpriu-se. O sangue do Messias cahiu sobre aquelle povo deicida, que fo i jus tamente excluido d o reino messianico; e não de vez, mas até ao fim dos tempos, em que a misericordia divina h a d e fazê los regressar á fé e obediencia de seus paes. - Estas quatro idéas fundamentaes constituem o fim d o Evangelho de s. Mattheus, e dão a chave, o fio conductor, para a sua genuina intelligencia e inter pretação. § 7.° — Analyse do primeiro Evangelho As considerações precedentes sobre o fim do Evangelho de s. Mattheus revelam-nos claramente a indole do livro. Seria erro considerá-lo, e inter pretá-lo como uma biographia ou historia d a vida d e Jesus Christo, nem o livro corresponde a este intento. O Evangelho, do mesmo modo que a pré gação apostolica, é uma obra catechetica e doutri nal, destinada a instruir os christãos e a confirmá los na fé, d'um modo accommodado á sua indole especial, e á s difficuldades d o meio em que viviam. A historia é apenas a fonte aonde o Evangelista vai buscar o s argumentos necessarios a o seu intento. XL INTRODUCÇÃO Esses argumentos são os ensinamentos de Jesus Christo, e os diversos factos da sua vida, paixão e resurreição. Nenhum destes factos é descripto in dividuadamente, como o faria um historiador; são apenas allegados summariamente, tanto quanto basta para o fim que o Evangelista pretende. Attendendo pois ás fontes, donde o Evangelista tira os seus argumentos, o Evangelho de s. Mat theus pode dividir-se em 4 partes, muito desiguaes na sua extensão: a infancia messianica de Jesus Christo; a sua vida publica; a sua paixão e morte; e a sua resurreição. Destas quatro partes, a ultima é a mais breve, a segunda, a mais extensa de todas. As tres ultimas são communs a todos os Evange lhos, a primeira é propria de s. Mattheus e de s. Lucas. PRIMEIRA PARTE Infância messlanica de Jesus Christ0 (1 , 1-2, 23) Mostra como Jesus Christo é filho de David e de Abrahão, e como na sua origem virginal, e nos pri meiros successos d a sua vida se cumpriram nelle as prophecias messianicas. 1 . Genealogia de Jesus Christo................... 1, 1 -17. 2 . Nascimento de Jesus Christo.................. 1, 1825. 3 . Adoração dos Magos......................... 2, 1-12. 4 . Fugida para o Egypto ................. - - - - - - - 2, 13-15. 5 . Morte dos Innocentes ........................ 2, 16-18. 6 . Regresso do Egypto. Nazareth................. 2, 19-23. INTRODUCÇÃo XLI SEGUNDA PARTE Ministºrio public0 de Jºsus Christ0 (3, 1-25, 46.) Esta segunda parte, consagrada ao ministerio pu blico de Jesus Christo na Galiléa e na Judéa, pode dividir-se em varias secções: — 1. ° Preparação para o ministerio publico de Jesus Christo (3 , 1-4, 1 1); — 2.° Ministerio de Jesus na Galiléa (4, 12-2o, 34); — 3.° Ministerio de Jesus em Jerusalem (21, 1-25, 46). PRIMEIRA SECÇÃO Preparação messianica (3,1-4, 11.) Mostra como o ministerio publico de Jesus Christo fo i precedido d'um Precursor, que o annunciou a Israel, e o introduziu solemnemente no seu minis terio, que fo i inaugurado por uma victoria de Jesus contra o demonio, o adversario d o reino messianico. 1 . O Precursor................................. 3, 1-12. 2 . Baptismo de Jesus Christo.................... 3, 13-17. 3 . Tentações de Jesus Christo. ................. 4, I - II. SEGUNDA SECÇÃO Ministerio de Jesus na Galiléa (4,12-2o, 34) Depois d'algumas indicações breves e summarias sobre o começo d o apostolado d e Jesus (4, 12-22), XLII INTRODUCÇÃO mostra-nos a Jesus Christo revelando-se como mes tre e legislador do povo no Sermão do monte (5, 1-7, 29), como thaumaturgo (8, 1-9, 38), e fundador do collegio apostolico, destinado a substituir os an tigos chefes religiosos de Israel (1o, 1-42). São os primeiros fundamentos do reino messianico, do qual Israel será excluido por causa da incredu lidade do povo (11, 1-3o), e da obstinação e perver sidade dos seus chefes (12, 1-5o), faltos de verda deira religiosidade, e preoccupados com idéas falsas sobre o reino messianico, cuja natureza e eficacia explica em uma serie de parabolas (13, 1-58). Até aqui s. Mattheus teve principalmente em vista mostrar que Jesus Christo pela sua nova lei, pelos seus milagres, e pela fundação e destino do collegio apostolico é o Messias promettido, funda dor d'um novo reino. Trata-se portanto de estabele cer a messianidade de Jesus Christo, e não é de extranhar que o Evangelista se aparte da ordem chronologica dos factos, e os coordene d'um modo systematico, segundo o fim especial que se pro põi. A partir d’este ponto Jesus começa a subtrahir-se ao povo para se dedicar mais particularmente á instrucção e formação do collegio apostolico. Assim, depois d'uma breve digressão sobre a morte do Baptista (14, 1-12), s. Mattheus representa-nos a Jesus Christo instruindo os apostolos sobre a op posição entre o seu espirito e o dos phariseus (14, 13-16, 12), promettendo o primado a Pedro (16, 13-2O), preparando os apostolos para a sua paixão INTROIUcçÁo XLIII (16, 21-17, 26) e para o exercicio das suas funcções apostolicas (18, 1-3o, 34). 1.— Jesus, legislador, thaumaturgo, fundador d'um novo reino (4, 12— 13, $8) A.—4, 12-15. Principios do seu apostolado Omittindo o primeiro regresso de Jesus para a Galiléa, depois do baptismo, e a sua ida a Jerusa lem por occasião da Paschoa, e tudo o que lá se passou até regressar novamente para a Galiléa (cf. Jo. 1, 19-4, 54), apresenta-nos logo a Jesus em Galiléa, reunindo discipulos, que o sigam d'um modo permanente, e dá-nos uma idéa geral do seu apos tolado. 1. Volta para a Galiléa.......................... 4, 12-17. 2. Vocação dos primeiros discipulos.............. 4, 18-22, 3. Percorre a Galiléa... ........................ 4, 23-25. B. —5, 1-7, 29. Sermão do monte E o maior dos discursos de Christo conservados no Evangelho, e o que tem mais unidade de pensa mento. E ao mesmo tempo uma revelação sublime da dignidade messianica de Jesus Christo, que nelle se manifesta como propheta, legislador supremo e mestre. O plano do discurso é o seguinte: — 1º As bemaventuranças, em que se mostra o caracter e as condições dos cidadãos do reino messianico, cuja XILIV INTRODUCÇÃO espiritualidade é fortemente realçada (5 , 1-1o). Os versos 1 e 2 são d o Evangelista, e servem junta mente com 4 , 23-25 de introducção historica ao Sermão. — 2.º Relações geraes entre os discipulos d e Christo e o mundo (5, 1 I-16).—3.º Jesus Christo e a le i antiga: não vem aboli-la, senão aperfeiçoá la , completá-la, e dar-lhe pleno cumprimento; mos tr a numa serie de exemplos a superioridade d a sua le i sobre a le i antiga, e a opposição entre a sua jus tiça e a justiça dos escribas e phariseus ( 5 , 17-48). — 4. º Passa depois ás disposições e meios necessa rios para se alcançar a perfeição messianica, recom mendando a rectidão de intenção ( 6 , 1-18), o desapego dos bens d a terra ( 6 , 19-34), o espirito d e caridade (7 , 1-6), a oração (7, 7-11), o espirito d e mortifica ção (7, 12-14), e que se evitem o s falsos prophetas 7 , 15-23). — 5.º Conclue, mostrando em um con traste sublime a solidez e estabilidade d o edificio moral edificado sobre a sua doutrina, e a ruina to tal e irreparavel dos que a ouvem, mas não a pra ticam ( 7 , 24-29). Os versos 28 e 29 juntamente com 8,1 são uma especie d e conclusão historica, accres centada por s. Mattheus para declarar os efeitos do Sermão no povo. 1 . As bemaventuranças................... . . . . . . 5 , 1—1o. 2 . Os discipulos de Christo e o mundo.......... 5 , 11—16. 3 . Jesus Christo e a lei.................... .... 5, 17-2o. 4 . O quinto mandamento....................... 5, 21-26. 5 . O sexto mandamento...... • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 27—3o. 6 . O divorcio......... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 31-32. 7 . O segundomandamento............... ...... 5, 33-37. INTROLUCÇÃO XLV 8. A lei de talião .................. •••••••• •••• 5, 38-42. 9. O amor dos inimigos........................ 5, 43–48. ro. A esmola................................ ... 6, 1-4. 11. A oração. O Padre Nosso... ................ 6, 5-15. 12. O jejum.................................... 6, 16 18. 13. Os verdadeiros thesoiros..................... 6, 19-23. 14. Os dois senhores......... ..... • • • • • • • • • • • • • 6, 24-34. 15. Não julgar...... .. .. ...................... 7, 1-6. 16. Pedir instantemente......................... 7, 7 II. 17. A porta estreita ............................. 7, I ?- 14. 1 8 . Os falsos prophetas ................... ..... 7, 16-23. 19. Contraste final ............................. 7, 24-29. C.—8, 1-9, 38. Milagres de Jesus Christo Cita alguns exemplos das obras messianicas de Jesus Christo, pelas quaes se manifesta o seu poder sobre a s doenças e a morte, que são consequencias d o peccado, sobre a s leis geraes e o s agentes d a natureza, e sobre os demonios, cujo imperio vinha destruir. Estas são as obras do Christo, porque dão testemunho d e quem elle é , pois são obras manifes tamente divinas, que Jesus opera por virtude pro pria, e não por simples intercessão ou mediação, como o podem fazer o s santos e até os simples fieis. Encontram-se intercalados nestes milagres o episo dio dos aspirantes a o discipulado (8 , 18-22), a vo cação d e s. Mattheus (9, 9-13), uma controversia com o s discipulos d o Baptista (9, 14-17), e a lamen tação d e Jesus sobre o abandono do povo (9 , 3638), que serve de introducção á parte seguinte. 1 . Cura um leproso............................ 8, 1-4. 2 . Cura o servo d'um centurião........... • • • • • • • 8,5-13. XLVI INTRODUcÇÃo 3. Cura a sogra de Pedro.................. .... 8, 14-17. 4. Condições do discipulado............. ...... 8, 18-22. 5. Acalma a tempestade.......... .............. 8, 23-27. 6. Os possessos gadarenos....... •••••••••••••••• 8, 28-34. 7. Cura um paralytico.......................... 9, 1-8. 8. Vocação de s. Mattheus.......... : : : : : : : : : : : : 9, 9-13. 9. Os discipulos de João...... ••••• ••••••••••••• 9, 14-17. 1o. Resuscita a filha de Jairo.................. ... 9, 18.26. 11. Dá vista a dois cegos........................ 9, 27-31. 12. Cura um possesso mudo... .. ............... 9, 32.34. 13. Lamenta o abandono d o povo............... . 9, 35-3S. D . — 1o, I-13, 58. Jesus fundador d'um novo reino Esta parte pode subdividir-se em quatro paragra phos distinctos: — 1. º constituição e destino d o col legio apostolico (Io, 1-42); — 2. º incredulidade d o povo (II, 1-3o); — 3. º obstinação dos chefes d o povo (12, 1-5o); — 4º parabolas do reino messianico (13, 1-58). a . — Io, 1-42. O collegio apostolico Compadecido do lamentavel estado moral e reli gioso a que o povo estava reduzido, por culpa dos seus chefes, que se mostravam cada vez mais con trarios ao reino de Deus, pensa em prover a grei d o Senhor d’outros pastores, mais segundo o cora ção d e Deus. A fundação do collegio apostolico im porta a abolição da le i antiga, baseada sobre o sa cerdocio levitico. Reune pois o s doze, e, armados dos seus poderes sobrenaturaes, manda os em missão, dando-lhes largas instrucções, que revelam o seu grande destino até á consummação dos seculos. INTRODUcção XLVII 1. Constituição do collegio apostolico......... . . . IO, 1-4. 2. Missão dos apostolos. Primeira serie de instruc ções ..... • •••••••••••• •• ••••••••••••• •... 1o, 5-15. 3. Missão dos apostolos. Segunda serie de instruc ções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 1 o , 16-42. b . — 11, 1-3o. Incredulidade do povo Toma Jesus occasião d’uma embaixada do Ba ptista para revelar mais claramente a sua dignidade messianica, e dar um bello testemunho em favor de João. Argue depois a teimosia caprichosa do povo judaico, e amaldiçôa a s cidades incredulas e impe nitentes onde fizera em vão tantas maravilhas. Admira e louva os insondaveis juizos de Deus no modo de trazer o s povos á fé , e compadecido d e tamanha cegueira, abre a todos, com palavras d e misericordia, o seu bondoso e amante coração. 1 . Legação d o Baptista ..................... • • • II, 1-6. 2 . Elogio do Baptista................. • • • • • • • • . II, 7-15. 3 . Indole do povo judaico.......... • • • • • • • • • • • • II, 16-19. 4 . Amaldiçôa as cidades incredulas ............. II, 20-24. 5 . Palavras de misericordia.................. ... I I, 25-3o. c. — 12, 1-5o. Obstinação dos chefes do povo Peores do que o povo eram os seus chefes reli giosos. S . Mattheus dá-nos aqui alguns exemplos d a sua perversidade e d o odio systematico com que perseguiam a Jesus Christo. Como não querem ser esclarecidos, e continuam sempre a desviar o povo d a fé , Jesus confunde-os perante o povo, pela sua D XLVIII INTRODUCÇÃO doutrina e pelos seus milagres. Elles porém obsti nam-se cada vez mais, e resolvem matá-lo, o que dá occasião a um bello contraste entre a indole de Jesus e, a dos phariseus, que chegam a attribuir os milagres de Christo ao demonio! Prediz a sua re surreição ao terceiro dia, a ruina do povo ju daico, e, a proposito d’uma visita de sua Mãe e ir mãos, declara que no reino messianico o parentesco natural com o Messias de nada vale, mas sómente o parentesco espiritual, proveniente do cumprimento da vontade de Deus. 1. A questão das espigas....................... 12, 1-8. 2. Cura um aleijado de mão......... ••••••••••• 12, 9- I 4. 3. Indole de Jesus........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12, 15-21. 4. Cura um possesso. — A questão de Beelzebub. 12, 22-37. 5. O signal de Jonas....... •• •••••••••• ••• ••... 12, 38-42. 6. Ruina do povo judaico....................... 12,43-45. 7. A Mãe e os irmãos de Jesus........... ....... 12, 46-50. c.— 13, 1-58 Parabolas do reino messianico Não podendo falar claramente do reino messianico por causa da incredulidade do povo e da obstinação dos chefes, começa a envolver a sua doutrina em parabolas, o que causa grande admiração aos seus discipulos. Nas sete parabolas d’este capitulo de clara Jesus a natureza do reino messianico, a sua eficacia e preciosidade, lançando lu z sobre o mys terio d a incredulidade judaica, sobre a origem d o mal no reino messianico e sobre a sorte final dos bons e dos maus. Vai por fim a Nazareth, INTRODUcÇÃo XLIX mas nem d'esta vez acha fé entre os seus conheci dos e parentes. 1. Parabola do semeador.......... •••••••••••• 13, 1-9. 2. Porque fala em parabolas................... 13, 1o. 17. 3. Explica a parabola do semeador............. 13, 18-23. 4. Parabola do joio..... •••••••••••••••••••••• 13, 24-3o. 5. Parabolas do grão de mostarda e do fermento 1 3 , 31-33. 6 . Outra razão do seu modo de ensinar......... 13, 34-35. 7 . Explica a parabola do joio.................. 13, 36-43. 8 . Parabolas do thesoiro e da perola............ 13,44-46. 9 . Parabola da rede.......................... . 13, 47-52. 1o. Jesus em Nazareth............. * • • • • • • • • • • • • 13, 53-58. 1 1 . — Jesus, mestre e doutor do collegio apostolico > (14, 1-2o, 34) Comprehende, além do episodio da morte do Baptista (14, 1-12), e d a gloriosa confissão d e Pedro em Cesaréa d e Philippe, o que lhe mereceu a pro messa d o primado (16, 13-20), tres partes mais ex tensas onde Jesus, depois de esclarecer os apostolos sobre a opposição entre o seu espirito e o dos pha riseus (14, 13-16, 12), lhes dá instrucções espe ciaes em vista d a sua paixão (16, 21-17, 26), e d a missão que hão d e desempenhar n o reino messia nico (17, 27-2o, 3o). A . — 4 , 1-12. Morte do Baptista E uma especie de parenthesis, introduzido no meio d a narração para explicar os receios que a Herodes Antipas começava a inspirar o apostolado L INTRODUCÇÃO de Jesus na Galiléa. Até aqui esta provincia tinha sido para Jesus um campo livre e seguro d'acção; mas os phariseus, vindos daJudéa, tinham excitado os seus collegas da provincia contra Jesus, e como tambem na côrte de Antipas já havia inquietações, Jesus achou prudente retirar-se para o territorio de Philippe, na Palestina transjordanica. B. — 14, 13-16, 12 . O espirito de Jesus e o dos phariseus Continúa Jesus Christo a fazer bem ao povo, mas procura subtrahir-se aos seus enthusiasmos e ás in sidias dos phariseus, que o perseguem constante mente. Por isso não pára em parte nenhuma, mas anda em excursões continuas como se só esperasse pelo tempo d a Paschoa para ir a Jerusalem, e con summar lá o grande sacrificio. 1 . Primeira multiplicação dos pães............. 14, 13-21. 2 . Acalma a tempestade..................... . 14, 22-33. 3 . Passa por Genmesar.................. ...... 14,34-36. 4 . Hypocrisia dos phariseus................... 15, 1-9. 5 . A verdadeira santidade.......... • • • • • • • • • • • • 15, 1o-2o. 6 . Jesus e a cananéa........................... 15, 21-28. 7 . Volta para o mar de Galiléa................ . 15, 29-3o. 8 . Segunda multiplicação dos pães.............. 15,32-39. 9 . Os signaes dos tempos...................... 16, 1-4. 1o. O fermento dos phariseus e dos sadduceus... 16, 5-12, C . — 16, 13-2o. O Primado de Pedro E uma das passagens mais importantes do pri meiro Evangelho, e a que melhor nos revela a in INTRODUCÇÃo LI dole da verdadeira Egreja de Jesus Christo. Parece mesmo que Jesus, desde a eleição do collegio apos tolico não teve outra coisa em vista senão levar os apostolos ao conhecimento da sua dignidade de Messias e de Filho de Deus, e de estabelecê-los de finitivamente nesta fé . Tal é a significação e a im portancia d a confissão d e Pedro. D . — 16, 2 I-17, 26. Prepara os discipulos para a sua paixão Assegurada pela confissão de Pedro a fé do col legio apostolico, começa Jesus a predizer claramente aos seus discipulos o mysterio da sua paixão, para que entendessem bem que tudo era ordenação su perior de Deus, que assim o queria glorificar, e que, se ia a padecer, não era por ignorancia o u fraqueza, mas com pleno conhecimento d e tudo, e d e sua livre vontade. 1 . Primeira predicção da paixão ............ .. 16, 21-28. 2 . Transfiguração de Jesus............. • • • • • • • • 17, 1-9. 3 . João e Elias................. • • • • • • • • • • • • • • . 17, 1o-13. 4 . Cura um lunatico....... • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . 17, 14-2O. 5 . Segunda predicção da paixão......... • • • • • • • • 17, 21-22. 6 . Paga o tributo ao templo.................... 17, 23-26. E . — 18, 1-2o, 34. Instrucções dadas ao collegio apostolico Grande parte d’estas instrucções sobre os deve res apostolicos pertencem á ultima viagem que Je LII INTRODUCÇÃo sus fez a Jerusalem, passando pela Peréa, para a cele bração da festa da Paschoa, em que padeceu e morreu. 1. Quem é o maior?.......................... 18, 1-5. 2. Do escandalo.............. •••••••••••• •••• 18, 6-9. 3. Valor das almas. A ovelha perdida...... ..... 18, 1o-14. 4. A correcção fraterna..... ………… ......... 18, 15-22. 5. Parabola do mau servo.................... . 18, 23-35. 6. Sobre o divorcio......... •••••••••••••. . . . . 19, 1- 12. 7. Abençôa os meninos...... • ••• •••• ....... 19, 13-15. 8. Perigos das riquezas... ..................... 19, 16-31. 9. Parabola dos obreiros......... ••••••••••... 2o, I-16. 1 o . Terceira predicção da paixão............... 2o, 17-19. 11. Os filhos de Zebedeu...... • • • • • • • .......... 2o, 2o-28. 12. Os cegos de Jericó......................... 2o, 29-34. TERCEIRA SECÇÃO Ministerio de Jesus em Jerusalem (21, 1-25, 46) Reduz-se á entrada solemne de Jesus em Jerusa lem, ás controversias que se lhe seguiram com o s escribas, phariseus e sadduceus, e ao grande dis curso eschatologico d e Jesus Christo. Taes são as duas partes em que esta secção pode subdividir-se. I.—Entrada em Jerusalem e controversias com os synedristas (21, 1-23, 39.) Entra Jesus em Jerusalem, onde os Galileus lhe fazem uma solemne e modesta recepção, perante a qual a cidade se conservou indiferente ou hostil, e vai a o templo, onde se revela como Messias e ma INTRODUCÇÃo LIII nifesta o seu poder. Voltando novamente ao templo, amaldiçôa uma figueira esteril, symbolizando assim a repudiação do povo judaico, onde não achou fé . Indignam-se o s sacerdotes d o procedimento d e Christo e pedem-lhe os titulos da sua auctoridade, mas como se obstinassem em não querer responder lhe a uma questão previa, Jesus não lhes dá res posta nenhuma, apresentando-lhes tres parabolas destinadas a pôr em evidencia a sua perversidade, e a justiça com que hão d e ser excluidos d o reino messianico. Enfurecem-se elles cada vez mais, e ten tam successivamente por tres vezes apanhá-lo em alguma palavra compromettedora, mas nada con seguem, sendo reduzidos a silencio por uma per gunta que Jesus lhes faz ácerca da natureza do Christo. Foi então que Jesus os desmascarou solemne mente perante todo o povo, pronunciando contra e l les oito maldições, e lamentando a ruina d'aquella cidade, que elles perverteram e levaram a dar a morte ao Messias. 1 . Entra em Jerusalem.............. ......... 21, 1-11. 2 . Lança fóra d o templo os profanadores....... 21, 12-17. 3 . A figueira esteril........................... 21, 18-22. 4 . D'onde lhe vem o poder.................... 21, 23-27. 5 . Parabola dos dois filhos........... ......... 21, 28-32. 6 . Parabola da vinha.......... ................ 21, 33-46. 7 . Parabola do banquete nupcial............... 22, 1-14. 8 . A questão do tributo............. • • • •••• • ... 22, 15-22. 9 . A resurreição dos mortos................... 22, 23-33. 1o. O primeiro mandamento.................... 22, 34 4o. 11. Natureza do Christo........................ 22, 41-46. LlV INTRODUCÇÃO 12. Indole dos escribas e phariseus....... •••• ••• 23, 1-12. 1 3 . Maldições contra os escribas e phariseus..... 23, 13-32. . 14. As ultimas graças.......................... 23, 33-36. 15. Lamenta Jerusalem........................ 23,37-39. II . — Discurso eschatologico de Christo (24, 1:25,46) Deixando o povo, a o qual não tornou mais a fa lar, volta-se para os seus discipulos, dando-lhes instrucções como se hão de haver n a ruina d e Jerusalem, que será o primeiro acto do juizo solemne d o Messias, e como se devem preparar para o juizo final, exhortando-os por meio de tres parabolas á v i gilancia. Termina descrevendo a scena do juizo final. 1 . Prediz a ruina do templo.................... 24, 1-3. 2 . Previne o s discipulos contra os seductores.... 24, 4-14. 3 . Ruina imminente da cidade.................. 24, 15-21. 4 . A segunda vinda do Christo................. 24, 22-28. 5 . Como ha de vir o Christo ....….............. 24, 29-35. 6 . Incerteza d o tempo. O servo fiel.............. 24, 36-51 7 . Parabola das dez virgens..................... 25, 1 - 13. 8 . Parabola dos talentos....................... 25, 14-3o. 9 . O juizo final..... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ..... 25, 31-46. TERCEIRA PARTE Paixão e morte d e Jesus Christ0 (26, 1-27, 66.) Narra os acontecimentos que precederam im mediatamente a paixão de Jesus, e como Jesus fo i INTRODUCÇÃO LV preso, julgado e condemnado á morte de cruz a instancias de toda a nação, cumprindo-se assim as prophecias messianicas, e consummando-se a apos tasia do povo de Israel, sobre o qual cahiu O san gue innocente de Jesus. 1. A ceia de Bethania............... •••••••••• 26, 1-16. 2. A ceia paschal............…………… . 26, 17-25. 3. A Eucharistia ............................. 26, 26-29. 4. O escandalo dos discipulos................. 26, 3o-35. 5. A oração no horto......................... 26, 36-46. 6. Prisão de Jesus............................ 26, 47-56. 7. Jesus perante Caiphás...................... 26, 57-68. 8. Negações de Pedro......................... 26, 69-75. 9. Morte de Judas........... ................ 27, 1-1o. 1 o . Jesus perante Pilatos....................... 27, 1 1-26. 11.Jesus coroado de espinhos.................. 27, 27-31. 12. Jesus crucificado.......... • • • • • • • • • • • • • • • • . 27, 32-44. 13. Morte de Jesus................. . . . . . . . . . . . 27, 45-56. 14. Sepultura de Jesus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27, 57-66. QUARTA PARTE Resurreição d e Jesus Christo (28, 1-2o.) Narra brevissimamente como Jesus resuscitou ao terceiro dia, e appareceu á s piedosas mulheres que o acompanharam desde Galiléa até Jerusalem e ao Calvario, ao passo que os Judeus, obstinados e ce gos até á ultima, tentam iludir o milagre calum niando o s discipulos d e impostura. Apparece tam bem aos seus discipulos, e manda-os prégar o evan LVI INTRODUcÇÃo gelho por todo o mundo, promettendo-lhes a sua assistencia até á consummação dos seculos. 1. Jesus resuscitado .............. ............ 28, 1- 1o. 2. Ultima hypocrisia dos Judeus.............. ... 28, 1 1 - 15. 3 . Missão dos apostolos............ ........... 28, 16-2o. § 8.° — Particularidades do primeiro Evangelho E opinião bastante commum entre protestantes e racionalistas que o Evangelho canonico de s. Mat theus, ta l como chegou até nós, depende d e duas fontes: d a supposta collecção dos ditos (…) de Je sus, feita pelo apostolo Mattheus, e d o Evangelho de s. Marcos, talvez numa fórma primitiva (o Urmarcos dos racionalistas) mais reduzida e distincta d a forma actual. Esta opinião funda-se numa falsa interpretação d o texto d e Papias, e suppõi que o Evangelho de s. Mattheus, ta l como existe n a Egreja, não é obra d o apostolo deste nome, nem, segundo a ordem d o tempo, o primeiro dos quatro Evangelhos. Não é necessario insistir mais sobre estas opi niões, porque nos paragraphos precedentes já a l legamos a s razões pelas quaes se deve admittir a authenticidade e a prioridade do primeiro Evange lho, que é tambem o primeiro que se encontra ci tado nos monumentos mais antigos d a literatura christã. Não é tambem intenção nossa entrar aqui no exame d a linguagem d o primeiro Evangelho, por que esse exame philologico só interessa o estudo INTRODUcÇÃO LVII directo do texto grego, e mal poderia ser tratado aqui, no limitado ambito d'esta introducção. Os tres primeiros Evangelhos teem todos um ca racter commum, que os relaciona intimamente entre si , e o s distingue d o quarto Evangelho, intitulado de s. João. Este, que veio muito tempo depois dos ou tros, é uma obra complementar destinada a uma chris tandade adulta, para a confirmar na fé da divindade d e Jesus Christo, e premunir contra as heresias nas centes. Escolheu pois por argumento o apostolado d e Jesus na Judéa, sobretudo em Jerusalem, e as suas sublimes controversias com o s sabios d a capi tal theocratica, sobre a natureza do Christo e a sua filiação divina. Outra é a indole dos tres primeiros Evangelhos. Estes, tirando a historia da infancia, que vem só em s. Mattheus e em s. Lucas, teem por argumento principal, além da paixão e da resurreição (o que é commum a todos o s Evangelistas), o apostolado d e Jesus na Galiléa. Os factos e as doutrinas moraes prégadas á po pulação simples, morigerada, religiosa e laboriosa d a Galiléa eram mais appropriados para a catechi zação dos primeiros fieis. Não é portanto de admi rar que os apostolos os escolhessem de preferencia para as suas catecheses, que deviam necessaria mente revestir uma certa uniformidade de fundo e d e fórma, sem excluir a diversidade propria dos tempos, logares, ouvintes, fins particulares, e d a in dividualidade e feitio pessoal d e cada um. Estes caracteres reflectem-se nos tres primeiros LVIII INTRODUCÇÃO Evangelhos, que fixaram pela escripta a catechese apostolica. Quadra-lhes pois bem o nome de paral lelos ou de synopticos, porque desde o baptismo até á resurreição, caminham a par uns dos outros nar rando, quasi do mesmo modo, os mesmos factos, doutrinas e discursos de Jesus Christo. Nem podia ser d'outro modo, se attendermos á indole e missão dos apostolos, e ao fim dos Evan gelistas. Os apostolos, sem cultura literaria e phi losophica, eram meras testemunhas da vida de Je sus Christo, e a sua missão era dar testemunho do que tinham visto e ouvido, e que todos elles tinham bem presente na memoria e no coração. Durante alguns annos conservaram-se juntos na Palestina, evangelizando os Judeus, até se dispersarem depois por todo o mundo. Formou-se pois, desde o principio, um evange lho oral, prégado pelos apostolos e aprendido, con. servado e transmittido pelos primeiros fieis, sub stancialmente identico em todas as communidades fundadas pelos apostolos, e contendo um certo nu mero de factos e de doutrinas de Jesus Christo. - Este evangelho oral representava a idéa de Jesus Christo, ta l como existia n a mente dos apostolos, e elles a transmittiram á s communidades que succes sivamente fundaram. E facil reconstitui-lo pelos discursos conservados n o livro dos Actos, e pe las epistolas dos apostolos, sobretudo pelas de s. Paulo. Os tres Synopticos, considerados como simples documentos historicos, e dependentes, o primeiro INTRODUcÇÃo LIX da catechese apostolica na Palestina, o segundo da prégação de s. Pedro em Roma, o terceiro do apos tolado de s. Paulo em Antiochia e nas egrejas por ele fundadas, demonstram que essa idéa era sub stancialmente a mesma em todas as communidades christãs. Dos tres Synopticos, o mais importante é o Evan gelho de s. Mattheus. Alem de ser o mais abun dante em factos, em doutrinas e discursos de Jesus Christo, cuja especialidade lhe pertence, tem a pre rogativa de representar a catechese não só de s. Mat theus, mas de todo o collegio apostolico em Jerusa lem e nas outras cidades da Palestina. Sobre isto, como era destinado aos contemporaneos de Jesus Christo, muitos dos quaes o tinham visto e ouvido, não tinha tanta necessidade de adaptar a sua nar ração á indole e disposição dos leitores; bastava lhe apontar os factos, que já sabiam, e narrar os ensinamentos e discursos de Jesus Christo como elle os tinha proferido. Tudo isso tinha para os seus leitores, o mais subido interesse, e era por el les plenamente comprehendido. Compare-se para exemplo, o Sermão do monte em s. Mattheus (5 , 1-7, 29) e em s. Lucas (6 , 2o-49). No Evangelho de s. Mattheus sente-se a grandeza e majestade d o Antigo Testamento, illuminado pe los clarões que sobre ele projecta a sublime figura d e Christo. Quem, conhecendo suficientemente a geographia e a historia da Palestina, as condições sociaes, religiosas, civis e politicas da epoca, ler, comprehendendo-o bem, o Evangelho de s. Mat LX INTRODUCÇÃO theus, pode julgar-se contemporaneo de Jesus Chris to, e contar-se entre os ditosos que o seguiram passo a passo, quando andava evangelizando a Ga liléa. • Assim se comprehende e se explica a physiono mia particular do Evangelho de s. Mattheus, com parado com os de s. Marcos e de s. Lucas. Es tes são mais methodicos, mais individuados nas suas narrações, e ateem-se mais á ordem chronolo gica dos factos. Não são testemunhas oculares, que – narram o que viram e ouviram, são investigadores conscienciosos, que se informaram bem de tudo (cf. Lc. 1, 1-3), e procuraram ordenar o que outros COntaram. S. Mattheus segue outra ordem, que dá ao seu Evangelho uma fórma mais literaria. Nelle as dou trinas e os factos subordinam-se ás idéas fundamen taes que tem em vista; são allegados vagamente e d'um modo summario, quanto o exige a idéa domi nante em cada secção, e coordenam-se segundo uma ordem systematica, propria das obras didacticas e dogmaticas. Descripta a physionomia geral do primeiro Evan gelho, cumpre-nos indicar o que ha nelle de espe cial, que não se encontra em nenhum dos outros Synopticos. A. — Milagres 1. Cura de dois cegos.......................... 9, 27-31. 2. Cura d'um possesso mudo................... 9, 32-34. 3. O estatér na bocca do peixe.................. 17, 24-27. INTRODUCÇÃO LXI B. — Parabolas 1. O joio... ........................ . •• •••••• 13,24-3o. 2. O thesoiro escondido....................... 13, 44. 3. A perola preciosa ................. ••••••••. 13,45-46. 4. A rede varredoira..... ••••••••• •••••••••••• 13, 47-5o. 5. O mau servo ........ * - - - - - - - - - - - . . . . . . . . . . 18, 23-35. 6. Os obreiros chamados para a vinha.......... 2O, I - IO. 7. Os dois filhos........ ....... ............. 21, 28-32. 8. O banquete nupcial ..... .................. 22, I - I.4. 9. As dez virgens ........................ . . . . . 25, 1-13. 1o. Os talentos .......................... •••••• 25, 14-3o. C. — Discursos 1. Grande parte do Sermão do monte ..... . . -... 5, 1-7, 29. 2. O convite aos opprimidos.................... 11, 28-3o. 3. As palavras ociosas......................... 12, 36-37. 4. A felicitação a Pedro...... **••••••••••••••• •• 16, 17-19. 5. A maior parte do cap. 18º sobre a humildade e o perdão............................. ••• 6. A reprovação dos Judeus......, ... ••••••º••• 21.43. 7. O discurso de condemnação contra os escribas e phariseus ...... .............. ••••• ••• •• 23, 1-36. 8. A descripção do juizo final..... ............. 25, 31-46. 9. A promessa de assistencia ao collegio apostolico 28, 18-2o. D. — Varias particularidades . Todo o capitulo 2.º: a) Os Magos.............................. 2, I-12. b) A fugida para o Egypto................. 2, 13-15. c) A morte dos Innocentes................. 2, 16-18. d) O regresso do Egypto................... 2, 19-23. . A vinda dos phariseus e sadduceus ao baptismo de João............... •••••••• •• •• ••••••• 3, 7. LXII INTRODUCÇÃo 3. O episodio de Pedro caminhando sobre as ondas 14, 28-31. 4. O pagamento do tributo sagrado............. I7, 24-27. 5. Relativamente á paixão: a) O contracto de Judas................... 26, 14-16. b) A morte do traidor...................... 27, 3-1o. c) A intervenção da mulher de Pilatos...... 27, 19. d) As apparições dos santos resuscitados.... 27, 52. 6. Relativamente á resurreição: a) Os guardas postos ao sepulcro..... •••••• 27, 62-66. b) O terramoto ...... ..... • •••••••••••••• 28, 2. c) O suborno dos soldados................. 28, 11-15. Todas as outras passagens do Evangelho de s. Mattheus são-lhe communs ou com ambos ou com algum dos outros dois Synopticos, havendo entre elles, alem de frequentes coincidencias ver baes, harmonia geral de fundo e de forma. 0 EVANGELHO SEGUNDO S. MATTHEUS CAPÍTULO I | Livro da geração de Jesus Christo, filho de Da vid, filho de Abrahão. * Abrahão gerou a Isaac; Isaac gerou a Jacob; I, 1-17. — Genealogia de Jesus Christo. (Cf. Lc. 3, 23-38) Tem por fim mostrar como Jesus Christo pertencia ao povo de Israel e á tribu de Judá, por ser descendente de Abrahão e de David. Cumpriram-se pois nelle todas as pro. phecias relativas á origem humana do Messias. S. Mattheus traz a genealogia natural, e S. Lucas a genealogia legal de Jesus Christo. Esta, por causa da le i d o levirato (cf. Deut. 25,5), era diferente da primeira. As duas genealogias differem ainda na ordem, descendente em s. Mt., e ascendente em s. Lc., e no numero de gerações, 42 (= 14 ><3) em s. Mt., desde Abrahão até Jesus, e 77 (= 1 i ><7) em s, Lc, desde Jesus até Adam e Deus, o creador d o genero humano. 1 . — E o titulo da genealogia, que serve como de introdu cção a o livro do Evangelho. — Livro da geração (33%; Yevgostºs, cf . Gen. 5 , 1 ) é o mesmo que genealogia o u relação dos pro genitores de Jesus Christo. Os Hebreus dão o nome de livro ("=e) a qualquer documento escripto. (cf. Deut. 24, 1. Is . 37, 14.) Christo é propriamente um nome appellativo (cf. 1 , 16); aqui porém, juntamente com Jesus (cf. 1 , 21) constitue o nome proprio pelo qual o Redemptor era conhecido entre os judeo christãos. • 2-5. — Primeira serie de progenitores. Corresponde ao es- 2 S. MATTITEUs, 1, 3-1 I. Jacob gerou a Judas e a seus irmãos; º Judas ge rou a Phares e a Zarão de Thamar; Phares gerou a Esron; Esron gerou a Arão; º Arão gerou a Ami nadab; Aminadab gerou a Naasson; Naasson gerou a Salmon; º Salmon gerou a Booz de Rahab; Booz gerou a Obed de Ruth; Obed gerou a Jessé; Jessé gerou a David, o rei. º E David, o rei, gerou a Salomão da que foi mu lher de Urias; º Salomão gerou a Roboão; Roboão gerou a Abias; Abias gerou a Asa; º Asa gerou a Josaphat; Josaphat gerou a Jorão; Jorão gerou a Ozias; º Ozias gerou a Joatham; Joatham gerou a Acaz; Acaz gerou a Ezechias; º Ezechias gerou a Manassés; Manassés gerou a Amon; Amon gerou a Josias; ** Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos, no tempo da transmigração para Babylonia. tado patriarchal do povo judaico.— Thamar, viuva de Her, primogenito de Judas, era d'origem cananéa. — Rahab e Ruth eram tambem extrangeiras, e ambas se assignalaram, uma pela fé , outra pela sua piedade filial. Todos os nomes d’esta serie vem em s. Lc. 6-11. — Segunda serie de progenitores. Corresponde ao es tado real d o povo. — Entre Jorão e 0zias omitte s. Mt. os tres reis Ochosias, Joas e Amasias, attingidos pela maldição divina contra a casa de Acab. Entre os Hebreus o verbo "i" (ialád), gerar, pode designar uma geração immediata o u me diata. E por isso que estas lacunas não são raras nas genealo gias biblicas. — Jeconias, filho de Joachim, era neto de Josias. Como não consta que Joachim tivesse outros filhos, por irmãos de Jaconias devem entender-se o s tres irmãos - de Joachim (l Par. 3 , 15), tios portanto de Jeconias. Os s. MAT THEUS, I, 12-16. 3 º E depois da transmigração para Babylonia, Je conias gerou a Salathiel; Salathiel gerou a Zoroba bel; º Zorobabel gerou a Abiud; Abiud gerou a Eliacim; Eliacim gerou a Azor; "Azor gerou a Sa doc; Sadoc gerou a Achim; Achim gerou a Eliud; ** Eliud gerou aº Eliazar; Eliazar gerou a Matham; Matham gerou a Jacob; º Jacob gerou a José, o marido de Maria, da qual nasceu Jesus, o que se chama Christo. Hebreus, como é sabido, chamam irmãos aos parentes. Todos os nomes d’esta serie, desde Salomão até Jeconias, faltam em s. Lc., que, a partir de David, segue a linha de Nathan, ascen dente legal de s. José, por Heli, irmão de Jacob, seu pae. 12-16. — Terceira serie de progenitores. Corresponde ao estado sacerdotal do povo, e representa a decadencia da casa de David. Jeconias, como rei, termina a segunda serie, e como simples particular, captivo em Babylonia, começa a terceira. Os nomes d’esta serie, tirando Salathiel, Zorobabel, José e Jesus, faltam em s. Lc. Zorobabel é o ultimo ascen dente illustre do Messias. Os nomes que se lhe seguem até José são de pessoas obscuras e inteiramente desconhecidas. O tronco da arvore de David estava pois escondido na terra, e fo i d'elle que brotou, qual tenro germen, o Messias. Assim estava prophetizado. — Da qual, e não dos quaes, o que é muito para notar, porque Jesus, emquanto homem, é filho exclusivamente de Maria, que tambem era d'origem davidica. Comtudo estava inscripto na genealogia de José, porque o julgavam filho d'elle, e o Evangelista faz o mesmo, porque entre José e Maria havia um verdadeiro matrimonio, e o fructo com que Deus o abençoou pertencia a José. — Christo, d e Xptard; (de Zçíº, ungir) é a traducção grega d o nome hebraico nºvº, ungido, d’onde vem a palavra Messias = Paaíz; (da forma aramaica snºve). Designa propriamente a 4 s. MATTHEUS, 1, 17-19. " São pois todas as gerações, desde Abrahão até David, quatorze gerações; e desde David até á transmigração para Babylonia, quatorze gerações; e desde a transmigração para Babylonia até o Chris to, quatorze gerações. 18 Ora o nascimento do Christo foi assim: Estando desposada Maria sua mãe com José, achou-se, sem terem ainda cohabitado, ter ella con cebido do Espirito Santo, º José, o seu marido, como era justo e não a queria infamar, resolveu dignidade ou o oficio de Jesus, como rei, sacerdote e pro pheta da nova alliança. 17. — Epilogo ou resumo da genealogia. Forma um quadro symetrico e mnemonico de 3 series de 14 (= 7>< 2) gera ções, tomando por base o numero 7, que, em razão da semana religiosa, era sagradopara os Hebreus. I, 18-25. — Nascimento virginal de Jesus. (Cf. Lc. 1, 26-38.) Explica o modo miraculoso como Jesus nasceu só de Maria (1 , 16), cumprindo-se assim nelle a celebre prophe cia de Isaias (7, 14) sobre a origem virginal d o Messias. 18. — Do Christo, ou do Messias (cf. 1 , 16), que é o Un gido, por excelencia. A uncção, entre os Judeus, era uma consagração religiosa. — Desposada, como tem o grego, pywarzuºsíons, e não casada, como pretendem alguns. Convem porém notar que entre o s Hebreus os esponsaes davam desde logo direitos matrimoniaes aos noivos, embora a desposada continuasse a viver em casa de sua familia. O casamento pu blico, solemne, que consistia na conducção da esposa para casa do esposo, costumava celebrar-se um anno depois dos espon saes. Não é portanto de extranhar que, antes d’esta solemni S. MATTHEUS, 1, 20-24. 5 deixá-la secretamente. " E pensando ele nisto, eis que um anjo do Senhor lhe appareceu durante o somno, dizendo: José, filho de David, não temas receber a Maria, a tua mulher; porque o que nella se gerou é obra do Espirito Santo. " E dará á luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus; porque elle salvará o seu povo dos peccados. * Ora tudo isto aconteceu, para se cumprir o que o Senhor tinha annunciado pelo Propheta, qu disse: ** Eis que a Virgem conceberá e dará á luz um filho, E chamarão o seu nome Emmanuel — que significa Deus comnosco. * E José levantan do-se do somno, fez como lhe ordenou o anjo do dade, s. Mt. chame a José marido de Maria (1, 19), e á Vir gem, mulher de José (1, 2o). 2o. — Durante o somno, em sentido temporal, e não em sonhos, como geralmente se traduz. A expressão grega xz:'292; deveria traduzir-se inter (ou per) somnium, e não in somnis, como tem a Vulgata. — Receber, rzºz)26siº, i. é, conduzir so lemnemente para tua casa, como fica explicado no vers. 18. 21. — Jesus, do grego 'Iza05, é a transcripção do nome he braico "v" ou e ºvº, significa Iáhve (Deus) é salvação. Caracteriza a natureza divina do Menino, e o que elle será para Israel, e para todo o genero humano. 23. —Emmanuel, ou Immanuel, i. é, comnosco El (Deus). E' composto de "2ez, comnosco e de ºs, Deus. Emmanuel é pois o proprio Deus que vem pessoalmente salvar-nos. Jesus e Emmanuel são dois nomes identicos quanto á significação. 6 S. MATTHEUs, 1, 25. Senhor, e recebeu a sua mulher. * E não a conhe ceu até que deu á luz o seu filho primogenito; e lhe poz o nome de Jesus. 25. — Até que, porque a intenção do Evangelista é real çar o nascimento virginal de Jesus, e não a virgindade per petua de Maria. Diz o que não succedeu até ao nascimento de Jesus, sem nada insinuar sobre o que succedeu depois. Os proprios protestantes e racionalistas reconhecem, hoje, que d'aqui nada absolutamente se pode inferir contra a virgindade perpetua de Maria. Essa, attestam na, além da tradicção ec clesiatica antiquissima, a santidade de José, a dignidade da Mãe, e a honra do Filho. — Primogenito (lição incerta) é aquele antes do qual não nasceu outro, e não aquelle depois do qual nasceu mais algum. O primogenito pode ser ao mesmo tempo unigenito. Adoração dos Magos (Hofmann) * CAPITULO II 1. Tendo pois nascido Jesus em Belem de Judá, nos dias do rei Herodes, eis que uns Magos vin dos do Oriente chegaram a Jerusalem, º dizendo: II , 1-12. — Os Magos. — Nasce Jesus, pobre e obscuro, e sendo desconhecido e desprezado pelos seus, é buscado de longe, reconhecido e adorado pelos extranhos. Começa a en trever se a universalidade o u catholicidade da salvação mes sianica, e a repudiação d o Messias por parte de Israel. 1 . — Em Belem de Judá, i. é , situada no territorio da tribu d e Judá, e por isso distincta d'outra Belem na tribu de Zabu lon. Era uma pequena aldeia, umas 2 leguas ao sul de Jerusa iem. O seu nome em hebraico, quer dizer casa do pão. Era a patria de David. — Herodes, cognominado o grande, idu meu d'origem, reinou na Palestina, desde o anno 714 de Roma até a o anno 75o, quatro annos antes da era christã, que, por engano de Dionysio, o pequeno, começa n o anno 754 de Roma. Christo deve ter nascido no anno 748 ou 749 d e Roma, sendo impossivel precisar o mez e o dia d o seu nascimento. — Magos, personagens illustres, dados ao estu do dos phenomenos celestes, tidos em grande consideração em todo o Oriente. O nome, entre o s Romanos, era mal soante, por causa da magia, mas o s Magos d o Evangelho são varões eminentemente religiosos e tementes a Deus. Vinham provavelmente da Persia. Não eram reis, como o s represeu. tam o s pintores, nem é possivel fixar com certeza o seu nu IT]CTO. • 2 . — O rei dos Judeus, i. é , o Messias, cuja realeza era 8 s. MATTHEUS, II , 3-7. Onde está o recem-nascido re i dos Judeus? por que vimos a sua estrella n o Oriente, e viémos ado rá-lo. * E ouvindo isto o rei Herodes, turbou-se, e toda Jerusalem com elle. " E convocando todos os prin cipes dos sacerdotes e escribas d o povo, inquiria d'elles onde havia de nascer o Christo. ° E elles disseram-lhe: Em Belem de Judá; porque assim está escripto pelo Propheta: º E tu, Belem, terra de Judá, De nenhuma sorte és a minima entre os principes Porque de ti ha de sahir um chefe, [de Judá, Que regerá o meu povo de Israel. 7 . Então Herodes, chamados secretamente os Ma gos, soube d’elles com exactidão o tempo d a estrel até conhecida dos gentios, que tinham conhecimento das es peranças de Israel. Só o s gentios davam este nome a o Mes. sias, 4 . — Principes dos sacerdotes, i. é , o pontifice, e o s que já tinham gerido o summo pontificado, e , provavelmente, o s chefes das familias pontificaes. — Os escribas, i. é , o s dou tores e interpretes da lei. Uns e outros, juntamente com o s anciãos o u chefes de familia, constituiam o sanedrin o u senado judaico, corporação aristocratica, de 71 membros, com juris dicção sobre todo o povo. Não se pode averiguar se Herodes convocou uma reunião total ou parcial do sanedrin. 6 . — O texto de Micheas (5 , 1 ), onde se celebra o reino pa cifico d o Messias-rei é allegado quanto ao sentido, e não ver s. MATTHEUS, II , 8-12. 9 la , que lhes appareceu; º e mandando-os para Be lem, disse: Ide, e informae-vos bem do menino; e quando o achardes, avisae-me, para que tambem eu indo o adore. º E tendo eles ouvido o rei, partiram; e ei s que a estrella, que tinham visto n o Oriente, ia deante d'elles, até que chegando parou sobre onde estava o menino. " E vendo elles a estrella alegraram-se com muito grande alegria. " E entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e pros trando-se o adoraram; e abertos os seus thesoiros, ofereceram-lhe dadivas, oiro, incenso e mirra. * E balmente. O original hebraico realça a pequenez da cidade e a grandeza d o seu destino. A expressão entre os chefes, à s rok in mukay, é uma personificação da cidade. Eis o texto hebraico em ver naculo: E tu, Belem, Ephrata, É s pequena para contada entre as chiliades de Judá, Contudo de ti me sahirá O que ha de ser dominador em lsrael, Cuja origem vem dos tempos antigos, Desde os dias da eternidade. Ephrata (a fertil) é o nome primitivo de Belem (cf. Gen. 35, 16; 48, 7). As chiliades, grupos de 1ooo familias, eram as# divisões das tribus, governadas por um aluph ou chiiarcha. • 11. — Na casa, e não na gruta o u estabulo, onde nasceu o Menino. (cf. Lc. 2 , 1-7). Vê-se pois que a este tempo já s. José tinha achado casa em Belem, onde, provavelmente, se tinha estabelecido. Conformemente ao uso oriental offerecem os | O s. MATTHEUS, II , 13-15. tendo sido avisados durante o somno que não tor nassem a Herodes, voltaram por outro caminho para a sua terra. 1 3 E tendo eles partido, eis que um anjo do Se nhor apparece durante o somno a José, dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para o Egypto, e fica lá até eu te dizer. Porque ha de acontecer que Herodes busque o menino para o ma tar. " E elle levantando-se, tomou o menino e sua mãe, d e noite, e retirou-se para o Egypto;º e ficou lá até á morte d e Herodes; para se cumprir o que o Senhor tinha annunciado pelo Propheta, que dis se: Do Egypto chamei a meu filho. Magos a o Menino preciosidades da sua terra, e que sym bolizam, o oiro a realeza, o incenso a divindade, a mirra a morte e sepultura de Jesus Christo. II , 13-15. —Fugida para o Egypto. O Egypto era nesta epoca uma provincia romana, onde Herodes não tinha juris dicção alguma. Foi em todo o tempo o logar mais perto, mais facil e mais seguro de refugio para os Israelitas, que em Ale xandria e em outras cidades do Delta tinham colonias flores centes e hospitaleiras. 14. — Ignora-se em que cidade do Egypto a Sagrada fami lia se estabeleceu, e quanto tempo lá se demorou. Tudo leva a crer que foi poucos mezes. • • • 15.—0 meu filho, i. é, o povo de Israel, que, como na ção, é chamado filho de Deus. O texto de Oséas (11, 1) allude á sahida d e Israel d o Egypto sob o commando de Moysés. Como o Antigo Testamento era uma preparação e tambem uma sombra e figura d o Novo, vê-se que na ida de Israel para o Egypto e na sua sahida quiz Deus representar a sorte futura do Messias. -- -- � = 5 Fugida para o Egypto )(Hofmann → ===—— ———— - —=-=-=--— —— •••*\---- | s. MATTHEUS, 1 1 , 16-17. I I 1 6 Então Herodes, vendo que tinha sido illudido pelos Magos, irou-se muito, e mandou matar todos o s meninos que havia em Belem, e em todos o s seus arredores, d e dois annos para baixo, segundo o tempo que averiguara dos Magos. " Então se cumpriu o que fo i annunciado pelo propheta Jere mias, que disse: I! , 16-18. — Morticinio dos Innocentes. Recebe Is rael o primeiro castigo da sua indiferença para com o Mes sias. A perseguição do Messias será a causa da ruina do povo. 16. — Sendo Belem uma pequena aldeia, e os seus arredo res mal povoados, o numero das victimas de Herodes não podia ser muito grande. Umas 2o ou 3o creancinhas eram nada para o monstro que mandava matar as suas proprias mulheres e filhos. 1 7 . —Cf. Jer 31 , 1 5 . O texto hebraico, completo, d iz (15-17): 15. Assim fala Iáhve: Ouviu-se uma voz em Ramá, Lamentações e amargo pranto Rachel chorando seus filhos; E não quer ser consolada, Porque seus filhos já não são. 16. Assim fala Iáhve: Reprime os teus gemidos, E enxuga os teus olhos, Porque a tua obra será recompensada, diz Iáhve; Elles tornarão do paiz do inimigo. 1 7 . Ha esperança para o s teus ultimos dias, diz Iáhve, Teus filhos voltarão para as suas fronteiras. Na segunda parte h a uma promessa de consolação, que se cumpriu n o regresso d o povo d o exilio. Tambem Israel, nos ultimos tempos, h a d e regressar á fé de seus paes e prestar homenagem ao Messias. | 2 s. MATrHEUs, II , 18-2o. º Ouviu-se uma voz em Ramá, Choro e grande pranto; Rachel pranteando os seus filhos, E não quiz ser consolada, porque já não são! 1 9 Morto porém Herodes, eis que um anjo do Senhor apparece durante o somno a José, no Egy pto, º dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e vae para a terra de Israel; porque são mor 1 8 . — Ramá, hoje er-Ram, duas leguas ao norte de Je rusalem. Foi alli que Nebukadmezer reuniu os Judeus que le vou captivos para Babylonia (terceira deportação, 4 Rg. 25,7), depois de haver tomado Jerusalem, saqueado e abrasado o templo. O pranto das mães dos Innocentes é para assim dizer a continuação o u reproducção d o pranto de Rachel, a esposa predilecta de Jacob, e mãe de José e de Benjamim, sepultada á entrada de Belem. Todas ellas choram a ruina de seus filhos — da nação judaica — em consequencia da infidelidade do povo á aliança com Deus. — Já não são mais o povo de Deus! lI, 19-23. — Regresso do Egypto. Nazareth. De volta a Israel, deixa Jesus a Judéa, sua patria, e retira-se para Na zareth, na Galiléa. São altos designios de Deus para nelle se cumprirem as prophecias messianicas. 19. — Herodes morreu em Jericó, na primavera do anno 75o d e Roma, pouco antes da Paschoa. Apodreceu em vida, emor reu desesperado, tendo tentado varias vezes suicidar-se. O proprio Josepho v ê n a morte horrorosa d o tyranno um cas tigo de Deus. * * * 2o. — São mortos é um plural de categoria, como em Ex. 4 , 19; por isso não h a aqui allusão nenhuma á morte d'outros perseguidores de Jesus, embora Herodes tivesse cumplices n o seu crime contra o Messias. S. MATTHEUS, II , 21-23. 13 tos os que buscavam a vida d o menino. " E ele levantando-se, tomou o menino e sua mãe, e veio para a terra d e Israel. * Mas ouvindo que Arche lau reinava n a Judéa em vez de Herodes, seu pae, temeu ir para ali, e avisado durante o somno, re tirou-se para a s partes d e Galiléa.º? E fo i habitar numa cidade, que se chama Nazareth, para se cum prir o que fôra annunciado pelos Prophetas: Será chamado Nazareno. • 22. — Archelau, filho de Herodes e da samaritana Mal tace, succedeu a seu pae, com o titulo de ethnarcha, no go verno da Judéa, Samaria e Iduméa. Reinou no annos, sendo deposto e desterrado para a Gallia, em castigo dos seus cri mes. Seu irmão, Herodes Antipas, o matador do Baptista, herdou a Galiléa e a Peréa com o titulo de tetrarcha. O resto d a Palestima transjordanica coube a Herodes Philippe (II), filho de Cleopatra de Jerusalem. Herodes Philippe (I), filho d e Mariamne, filha d o summo sacerdote Simão, e casado com a famosa Herodias (cf. Mt. 14, 3-11), foi desherdado por seu pae, e vivia como simples particular em Roma. Desde a depo sição de Archelau (6 depois de Christo), a Judéa começou a ser governada por um procurator romano, subordinado ao prefeito da Syria. Coponius foi o primeiro que desempenhou este cargo. 22. — Nazareno foi de facto um dos nomes que os Judeus deram a Jesus em signal de desprezo. Não significa nagireu, mas natural de Nazareth, na Galiléa inferior. A região é ame nissima, e a cidade, sobretudo na primavera, tem um aspecto gracioso e encantador. O nome antigo da cidade era ºs: (= Nétser ou Néçer, com ç emphatico) que significa germen, renovo. E ' uma denominação que o s prophetas dão ao Mes sias, o germen que brotou d o tronco de David. (cf. Is . 53, 2 . Jer, 23, 5, Zach. 3 , 8.) CAPITULO III | Naquelles dias apparece João o Baptista, pré gando no deserto da Judéa, º e dizendo: Fazei pe nitencia, porque está proximo o reino dos céos. º Porque este é o que fo i annunciado pelo propheta Isaias, que disse: • Voz do que brada no deserto: Preparae o caminho do Senhor, Endireitae as suas veredas. III, 1-12. — Missão do Baptista. (Cf. Mc. 1, 2-8. Lc. 3 , 3-17.) Tende a mostrar como o ministerio de Jesus foi pre cedido e annunciado por um propheta, segundo as prophecias relativas á primeira vinda d o Messias. Trata da pessoa e mis - são d o Baptista (1-6), da sua prégação aos escribas e phariseus (7-1o), e d o testemunho que elle deu de Christo (11-12). 1 . — Naquelles dias, i. é , quando Jesus vivia ainda oc culto e desconhecido em Nazareth. S . Lc. (3 , 1-3) determina o tempo com mais exactidão, i. é , n o anno 15º d o imperio d e Tiberio Cesar, sendo governador da Judéa Poncio Pilatos (anno 26-36). Tiberio foi associado ao governo do imperio por Augusto n o anno 11 o u 1 2 (764 o u 765 d e Roma), e reinou só desde 19 de agosto d o anno 14 (767 de Roma). O 15.º anno d o seu governo cai entre 26 e 27 o u entre 28 o u 2 9 d a era vulgar. 2 . — O reino dos céos, (expressão caracteristica do pri meiro Evangelho) o u reino de Deus é o reino messianico, s. MATTHEUS, II I, 4-6. 15 * Este João tinha um vestido de pêlos de camelo, e um cinto d e coiro a o redor dos rins; e o seu ali mento eram gafanhotos e mel silvestre. º Então sa hiam a ter com elle Jerusalem, e toda a Judéa, e todo o paiz vizinho do Jordão; º e confessando os reino espiritual de santidade, annunciado pelos prophetas (cf. Dan. 2 , 44; 7 , 13-14), que o Messias veio instituir na terra, onde teve principio, para depois se continuar e consummar gloriosamente no céo. A penitencia é uma disposição necessa ria para se entrar nelle.3 . — Em Isaias (4o, 3) o arauto manda preparar o caminho a o proprio Iáhve, e como este oraculo se cumpriu em Christo, é evidente que Jesus Christo é Iáhve (Deus). Eis a traducção do texto hebraico: 3 . Uma voz brada: abri no deserto O caminho de Iáhve, Aplanae n a solidão Uma estrada ao nosso Deus! 4 . Alteiem-se todos o s valles, E abatam-se todos os montes e oiteiros; Que as alturas se tornem em pianicies, E os rochedos escarpados em valles! 5 . Então apparecerá a gloria da Iáhve, E toda a carne sem excepção a verá; Porque a bocca d e Iáhve falou. 4 . — Mel silvestre, é um succo nutritivo e adocicado, dis tillado de plantas agrestes, que servia de alimento aos po bres. O mel de abelhas era considerado um regalo. O s gafa nhotos torrados ainda hoje servem de alimento aos pobres, 6 .— Confessando publicamente (igou%270ópºvo), pelo menos, alguns dos seus peccados. — Baptizados, i. é , immergidos no ri o Jordão. Era um rito novo, introduzido pelo Baptista. Sym 16 s. MATTHEUS, III, 7-11. seus peccados eram por elle baptizados no Jor dão. • -? E vendo a muitos dos phariseus e sadduceus, que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: Raça de viboras, quem vos ensinou a fugir á ira por vir? º Fazei pois fructo digno de penitencia. º E não di gaes dentro de vós: Temos por pae a Abrahão ! Pois eu vos digo que poderoso é Deus para d’estas pedras suscitar filhos de Abrahão. " Porque o ma chado já está posto á raiz das arvores. Toda arvore pois, que não dá bom fructo, é cortada e lançada no fogo. • { " Eu por mim baptizo-vos em agua para o arre. pendimento; mas aquelle que ha de vir depois de mim, é mais forte do que eu, e eu nem sou digno bolizava a purificação interna da alma, e movia os peccado res á penitencia. • 7. — Raça de viboras, i. é, maus filhos de maus paes, nos quaes a malicia e a perversidade são como hereditarias. Peccavam a sangue frio, como se estivessem certos da impu nidade | 9. — Filhos de Abrahão, no reino messianico, são os que imitam a fé e a obediencia do grande patriarcha, e não os seus descendentes segundo a carne. 1 o . — Denuncia-lhes a ruina total e irreparavel, que os es pera n o juizo de Deus, que começará a exercer-se com a vinda d o Messias. O juizo final será apenas o ultimo acto, solemne e universal, d'esse juizo. • 11. — Julga-se indigno de ser contado entre o s servos mais infimos d o Messias, cujo baptismo não será meramente sym bolico, como o seu, mas terá o poder de conferir a santidade interna. O fogo é a imagem da eficacia purificadora do Es s. MATTHEUS, III, 12-15. 17 de lhe apresentar o calçado. Elle é o que vos baptizará no Espirito Santo e em fogo. º Tra; elle na mão a sua pá; e alimpará bem a sua eira; e recolherá o seu trigo no celleiro, e queimará a palha com fogo inextinguivel. 13 Então veio da Galiléa Jesus a ter com João no Jordão, para ser baptizado por elle. " Mas João o impedia dizendo: Eu sou o que devo ser baptizado por ti , e tu vens a mim?! º Jesus porém respon dendo, disse-lhe: Deixa por agora; porque assim pirito Santo. Sendo o Espirito Santo uma pessoa divina, e sendo proprio d o Messias communicá-la pelo seu baptismo, é manifesto que o Messias é Deus, e não puro homem. 1 2 . — Annuncia o Messias como juiz. Separará os bons dos maus, dando a uns e outros o que lhes é devido, segundo as suas obras. Note-se a intimação do supplicio eterno d o fogo inextinguivel... O proprio Christo, aliás tão benigno e mise ricordioso, renová-la-ha muitas vezes. III, 13-17. — Baptismo de Jesus Ohristo. (Cf. Mc. 1 , 9-11. Lc. 3 , 21-22.) A narração de s. Mc. é mais breve, porém mais viva e individuada. Consta por s. Lc. que Jesus tinha a este tempo cerca de 3o annos. 1 3 . — Então, i. é , depois de ter sido annunciado pelo Baptista. E ' uma particula de transição muito frequente em S . Mt. 14. — Devo, ou, tenho necessidade, Zºsízº yº! A humildade d o Baptista dá realce á dignidade de Christo, que, sendo a propria innocencia e santidade, se dignou tomar a forma de peccador! 15. — Por agora! fala como quem tem plena consciencia d a sua dignidade. — Justiça é tudo o que é recto e santo, o 2 18 s. MATTHEUS, III, 16-17. nos convem a nós cumprir toda a justiça. Então o deixou. " E tendo sido Jesus baptizado, subiu logo da agua. E eis que se lhe abriram os céos, e viu o Espirito de Deus descendo em figura de pomba, e vindo sobre si. " E eis uma voz dos céos dizendo: Este é o meu filho, o amado, em quem me agradei. que é conforme com a vontade de Deus, que é a norma su prema da rectidão moral. . • 16. — Falando do Messias e descrevendo o seu reino paci fico escreve Isaias (11, 1-2): 1 . Um renovo sahirá do tronco de Jessé, E das suas raizes brotará um germen. 2 . Sobre ele repousará o Espirito de Iáhve, Espirito de sabedoria e de intelligencia, Espirito de conselho e de força, Espirito de sciencia e de temor de Iáhve. E ' assim realmente que Jesus se revela nesta theophania. 1 7 . — O amado ? 2)araré, ou o unico, o unigenito. N a lingua gem dos Setenta a expressão 2 3727mró; corresponde á palavra hebraica Tºrº, unico, unigenito. O Pae compraz-se n o Filho, que é o esplendor da sua gloria e a imagem perfeita da sua substancia (Hebr. 1 , 3 ), pelo modo como elle cumpre n a terra a sua vontade. As tentações (Hofmann) CAPITULO IV 1 Então foi Jesus levado pelo Espirito ao deser to , para ser tentado pelo demonio. " E tendo je juado quarenta dias e quarenta noites, teve depois fóme. ? E chegando-se o tentador, disse-lhe: Se és filho IV, 1-11, — Tentações de Jesus Christo. (Cf. Mc. 1 , 12-13. Lc. 4 , 1-13). S . Mc. apenas menciona o facto, sem especificar as tentações. S . Lc. inverte a ordem das suas ultimas tentações, não sendo facil determinar de que lado está a ordem historica. 1 . — Foi levado, como por um principio interno, que o dirigia e movia, e para ser tentado, iniciando assim o grande combate que vinha travar com o adversario (o demo nio) de Deus e dos homens. A victoria presente preludía a victoria final. O deserto ou ermo de que fala s. Mt. deve ser o d a Judéa (cf. 3 , 1 ). Formava a parte oriental da provincia até a o mar Morto. Era uma região arida, inculta, e deshabitada, onde apenas na primavera estacionavam alguns pastores nomades com os seus rebanhos. 2 . — Moysés, o fundador da antiga alliança, e Elias, o seu restaurador e grande zelador, tambem jejuaram 4o dias. O Messias, fundador da nova alliança, segue o seu exemplo, santificando o s exercicios de penitencia usados dos santos. O jejum, entre o s Hebreus, consistia numa abstinencia com pleta de comida e de bebida. O numero 4o era sagrado para o s Judeus, que peregrinaram durante 4o annos n o deserto, antes de entrarem na terra da promissão. 3 . — Pretende o demonio explorar se Christo é realmente 2O s. MATTHEUS, IV, 4-6. de Deus, diz que estas pedras se convertam em pão. * Mas ele respondendo disse: Está escripto: 0 homem não vive só de pão, mas de toda palavra, que procede da bocca de Deus. º Então o leva o demonio á cidade santa, e o poz sobre o pinnaculo do templo, º e diz-lhe: Se és fi lho de Deus, deita-te abaixo; pois está escripto: Aos seus anjos ordenou a teu respeito, E elles te tomarão nas mãos, § Para que não magoes o teu pé nalguma pedra. o filho de Deus, e ao mesmo tempo subtrahi-lo á direcção do Espirito Santo. 4. — Responde, com o Deut. 8, 3, que o pão não é o unico meio de conservar a vida; quando Deus quer, bem pode com servá-la mesmo sem alimento. Assim o tinha feito até alli; sendo portanto desnecessario recorrer a tal expediente. A palavra de Deus, é tambem um alimento superior e d'outra especie, com poder creador e conservador. O texto.com pleto do Deut. 8, 3, onde se fala de Israel no deserto, é a melhor declaração das palavras de Christo: Iahve «humi lhou-te, fez-te passar fome, e sustentou-te com o maná, que tu não conhecias, nem o tinham conhecido teus paes, para te mostrar que o homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boccade Deus». 5. — A cidade santa, i. é, a Jerusalem. Assim denomi navam os Judeus a capital do reino theocratico, onde estava o templo, que era a casa de Deus. — Sobre o pinnaculo, i. é, sobre uma das beiras dos tectos dos porticos que rodeavam os atrios do templo. • 6. — Suggere o demonio a Christo um modo facil e mara vilhoso de inaugurar a sua missão, cahindo de repente no meio do povo, como homem descido do céo! O texto citado s. MATTHEUS, Iv, 7-11. 2 I 7 Disse-lhe Jesus: Tambem está escripto: Não tentarás o Senhor, o teu Deus. º Outra vez o leva o demonio a um monte muito alto, e mostra-lhe todos os reinos do mundo, e a gloria d'elles. º E disse-lhe: Todas estas coisas te darei, se prostrando-te me adorares. " Então diz lhe Jesus: Vae-te, Satanás! pois está escripto: Ado rarás ao Senhor, o teu Deus, e só a elle servirás. " Então o demonio o deixou; e eis que chegaram anjos, e o serviam. vem no Ps. 9o, 11-12. Era porém pelo caminho da humildade e da cruz que elle devia entrar na sua gloria (Lc. 24, 26). 7. —Cf. Deut. 6, 1o. As promessas de Deus são o motivo e a norma da nossa confiança; os que as ultrapassam porte Ameridade, ou não as attingem por pusillanimidade, tentam a Deus e provocam a sua ira. Querem explorar se sim ou não elle os pode e quer ajudar em condições indevidas, e em certo modo obrigá-lo a isso ! 8. — Mostra-lhe em um panorama aereo e ficticio; não na realidade. • 9. — Propõi a Christo um meio facil e immediato para conseguir aquella dominação universal que estava promettida ao Messias. (cf. Ps, 2, 8; 71, 8 11.). As riquezas e as honras apparecem aqui como o premio que o demonio dá aos que o SCTVCIm. 1o. —Cf. Deut. 6, 13 . — Servirás, i. é , prestarás culto. 1 1 . —0 deixou, não definitivamente, mas até certo tempo (Lc. 4 , 13), pois tornou a dar-lhe o ultimo assalto na paixão, levando Judas a entregá-lo aos Judeus. (cf. Jo. 13, 2 e 27.) IV, 12-17. — Volta para a Galiléa. Os successos que se passaram depois d o baptismo de Christo até este seu regresso para a Galiléa (que é o segundo depois d o baptismo) vem em s. Jo. 1 , 19-4, 54. Foi na Galiléa que Jesus passou a maior 22 s. MATTHEUS, IV, 12-15. 12E tendo Jesus ouvido que João tinha sido en carcerado, retirou-se para a Galiléa; º e deixada a cidade de Nazareth, passou a habitar em Caphar naúm, cidade maritima, nos confins de Zábulon e de Nephthalim, º para se cumprir o que fo i an. nunciado pelo propheta Isaias: º Terra de Zabulon, e terra de Nephthalim, Região para a banda do mar, Terra d'alem do Jordão, Galiléa dos gentios, parte da sua vida publica. A partir d'este ponto 4, 12, até 13, 58, s. Mt. aparta-se da ordem chronologica. 12. — Retirou-se, 3vs/6ças», como para um logar mais se guro e tranquillo. A opposição anti-messianica já tinha come çado a manifestar-se na Judéa. D'esta retirada de Christo fa lam s. Mc. 1 , 1 4 e s. Lc. 4 , 14. S . Jo. 4 , 1-3 attribue o facto á inveja dos phariseus. A causa da prisão de João, mencio nada aqui incidentemente, será explicada mais tarde, em 14, 1-12. 13. — Veja-se em s. Lc. 4 , 16-3o o attentado dos Naza rethanos contra a vida de Christo. — Capharnaum, impor tante povoação da costa occidental d o lago de Tiberias para o lado do norte, onde hoje ficam as ruinas d e Tell-Hum ou d e Chan Minye. Era muito frequentada de gentios, de varias nacionalidades, e portanto um bello centro de irradiação para o apostolado. • • 1 4 . —Cf. Is . 9 , 1-2; n o texto hebraico: 8 , 23-9, 1 . 15. — Descripção geographica d o paiz evangelizado pelo Messias. Comprehende: a parte maritima d o territorio das antigas tribus de Zábulon e de Nephthalim, a Peréa, além d o Jordão, e a Galiléa superior, confinante com a Syria e a Phenicia. s. MATTHEUS, IV, 10-18. 23 º 0 povo sentado nas trevas Viu uma grande claridade; E aos sentados na região das sombras da morte, Raiou-lhes a luz. " Desde então começou Jesus a prégar, e dizer: Fazei penitencia, porque está proximo o reino dos céos. 18 E caminhando Jesus ao longo do mar de Gali. léa, viu a dois irmãos, Simão, o que se chama Pe dro, e André, seu irmão, deitando a rede ao mar 16. — Descreve o lamentavel estado moral e religioso dos habitantes da região, onde os Judeus habitavam de mistura com arabes, gregos, syros e phenicios. • 1 7 . — Argumento geral da prégação de Christo. S. Mt. re presenta-a como um pregão (…ruz) solemne e auctorita tivo. • • IV, 18-22. — Os primeiros discípulos. (cf. Mc. 1, 16-2o. Lc. 5 , 1-1 1 ) A primeira vocação d'estes discipulos vem em s. Jo. 1 , 35-52. S . Mc. concorda inteiramente com s. Mt.; s. Lc. porém narra o milagre que precedeu o chamamento d'estes discipulos e os preparou para obedecer á voz de Christo. 1 8 . O mar de Galiléa (ou de Tiberias), chamado tambem simplesmente mar e lago de Gennesareth, era uma oval irregular de uns 21 kilometros de comprimento por 12 d e largura. Fica uns 2o3 metros abaixo d o nivel d o Mediterra neo, e attinge uns 48 metros de profundidade. O Jordão atravessa-o de norte a sul. — Pedro ou melhor ,Pedra, (tra ducção da palavra aramaica s==, estado emphatico de ==, pedra, rochedo) nome mysterioso, que Jesus prometteu (Jo. 1,42) e impo; (Mc 3 , 16) a Simão. Tanto ele como André, 24 s. MATTHEUS, IV, 19-24. (porque eram pescadores)." E diz-lhes: Vinde apôs mim, e vos farei ser pescadores d'homens. " E el les, deixadas logo as redes, o seguiram. * E proseguindo d’alli viu a outros dois irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, na barca com Zebedeu, seu pae, concertando as suas redes; e chamou-os. * E elles, deixadas logo as redes e o pae, seguiram-no. 23 E percorria Jesus toda a Galiléa, ensinando nas synagogas d’elles, e prégando o evangelho do reino; sarando toda doença e toda enfermidade no povo. " E correu a sua fama por toda a Syria, e discipulo do Baptista (Jo. 1, 35°), eram naturaes de Bethsaida (Jo. 1, 45), na costa occidental do Lago, perto de Caphar naúm. 19 — João era discipulo do Baptista (cf. Jo. 1, 35), e jun tamente com Tiago, socio de Simão na pesca. IV, 23-25, — Percorre a Galiléa. Serve de introducção historica ao Sermão do monte, e dá ao mesmo tempo uma idéa geral do apostolado de Jesus, em que ele se manifestou como mestre e legislador do povo, como thaumaturgo, e como fundador d'um novo reino. • 23. — D’elles, i é, dos Judeus. S. Mt. considera-os já como extranhos e separados da communidade religiosa formada pelos discipulos de Christo. A separação entre o judaismo e o christianismo era a este tempo um facto consummado. — O evangelho do reino, i. é, a boa nova, cujo objecto é a fun dação do reino messianico, tão annunciado pelos prophetas. 24. — Lunaticos, i. é, epilepticos ou atacados d'outras doen ças nervosas, mais ou menos influenciadas pelas variações da lua. (cf. 17, 14-21.) s. MATTHEUS, Iv, 25. 25 apresentaram-lhe todos os doentes, e atormentados de varias enfermidades e padecimentos, e posses sos, e lunaticos, e paralyticos; e elle os curou. * E seguiram-no muitas turbas da Galiléa, e da Decá pole, e de Jerusalem, e da Judéa, e d'alem do Jordão. 25. — Decápole, confederação de 1o cidades, ao norte da Palestina, quasi todas além do Jordão. Predominava em todas ellas a influencia grega. CAPITULO V ! E vendo Jesus as turbas, subiu ao monte, e tendo-se assentado chegaram-se a elle os seus dis cipulos, º e abrindo a sua bocca, ensinava-os, di zendo: • • • • | * Bemaventurados os pobres pelo espirito, porque d'elles é o reino dos céos. V, 1-1o. — As bemaventuranças. (Cf. Lc. 6, 2o -21. 24-25.) Indica as disposições d'alma, as condições necessa rias para se pertencer ao reino messianico, pondo em evi dencia a sua espiritualidade e santidade. Os versos 1 e 2 pertencem propriamente ao final do capitulo precedente. 1.— Ao monte, i. é, ao highland do noroeste do Lago, assim chamado em opposição á região baixa do litoral, onde Jesus já tinha estado evangelizando as turbas (cf. Mc 3, 7*.) Chamam-lhe, e com razão, o Sinai da nova lei, porque nelle Jesus se reveloucomo mestre e legislador do povo, como estava annunciado nos vaticinios messianicos. (cf. Deut. 18, 15".) - 2. —Abrindo a sua bocca, expressão oriental e solemne. (cf. Job, 3, 1. Ez. 29, 21.) Até então Deus tinha falado pela bocca dos prophetas; agora vai ensinar-nos pela bocca do seu proprio Filho. (Hebr. 1, 1-2) Jesus fala ás turbas (Mt. 7, 28), mas tem principalmente em vista os seus discipulos. (cf. Lc. 6, 2o.) Na manhã d’este mesmo dia tinha elle eleito os doge, e fundado o collegio apostolico. (cf. Lc. 6, 12-19.) 3. — Bemaventurados, uaxácio, ditosos! felizes! Correspon de ao hebraico "vs (= aschré), por onde começa o Ps. Sermão do Monte (Hofmann) s. MATTHEUS, V, 4-5. * Bemaventurados os mansos, porque elles pos suirão a terra. • * Bemaventurados os que choram, porque elles serão consolados. 1. — Nem toda a pobreza é beatitude, mas tão somente aquella que é efeito da acção do Espirito Santo na alma. Espirito, Tvsjuz, aqui, não é o Espirito Santo, nem a alma humana com siderada em opposição ao corpo, mas a alma emquanto eleva da e confortada pela graça, que é um dom do Espirito Santo. O complemento pelo espirito ou quanto ao espirito, tã º ry=$uzz. (falta em s. Lc., que traz só º Troyº em opposição aos r%20aízt;, ricos) indica a que especie de pobreza se refere, e qual é a sua origem. E ' um desapego de bens temporaes que reside n o cora ção corroborado pela graça d o Espirito Santo, e é tanto maior quanto maior é o desejo dos bens messianicos. Este desapego, que é voluntario, pode ser afectivo ou efectivo. A recompensa destes pobres é o reino dos céos, i. é , todos o s thesoiros d e graça e de beatitude contidos n o reino messianico. Como este desapego sobrenatural e voluntario suppõi a humildade, e é tambem obra d o Espirito, não é de extranhar que alguns por pauperes spiritu entendam os humildes, e outros o s pobres por inspiração do Espirito Santo. - - 4 . —Mansos, rºzais, os aflictos, os miseros e opprimidos, mas humildes, pacientes e resignados, e portanto mansos e piedosos no meio das suas tribulações. Correspondem aos ="27 d o Antigo Testamento. A mansidão, nos vaticinios messianicos, é uma caracteristica d o Messias (cf. Zach. 9 , 9 ) e d o seu povo (cf. Soph. 3 , 12). A recompensa dos mansos é a posse, por titulo de herança, xxxcoyovíscuay, da terra de pro missão (cf. Ps. 36, 11), i. é , d o reino messianico, por elia re presentado. • • 5 . — O s que choram, aí revºoyri, o s que andam de lucto; o que suppõi um estado de consternação intensa e perma mente, mas religiosa, i. é , causada pelo temor o u amor de Deus. 28 s. MATTHEUS, V, 6-8. º Bemaventurados os que teem fome e sêde de justiça, porque elles serão fartos. " Bemaventurados os misericordiosos, porque el les alcançarão misericordia. º Bemaventurados os limpos de coração, porque elles verão a Deus. Estes receberão a consolação messianica. Os Judeus davam ao Messias o nome de consolador, en:…, e viam na salvação messianica a consolação de Israel (Lc. 2, 25). Isaias (51, 1-3) tambem o annuncia como consolador. (cf. Lc. 5, 16-21.) — Muitos codices invertem a ordem destas duas ultimas beatitu des, e o mesmo fazem algumas edições modernas do Novo Testamento. 6. — Ter fome e sêde designa, em sentido metaphorico, um desejo ardente, intenso e permanente da alma. A satisfa ção da fome e da séde antepõi-se á de quaesquer outros de sejos naturaes de riquezas, honras e gloria. — Justiça, i. é, a rectidão moral proveniente da conformidade da nossa vonta de livre com a vontade de Deus. E', nos prophetas, uma das caracteristicas do reino messianico. (cf. Is . 4 , 2-4) 7 . — Misericordiosos 2: #sópºvic, os que se compadecem (= que padecem com) dos males alheios e procuram remediá los pelos meios a o seu alcance. A misericordia é o attributo divino mais celebrado na Biblia, e é tambem, uma nota carac teristica d o Messias. (cf. Ps, 71, 12-14. Is . 11, 4.) A recompen sa é a salvação messianica, que é um dom gratuito das mise ricordiosas entranhas de Deus. (Lc. 1 , 78.) 8 . — Limpos de coração, o xx3ago: rã xx#3íz, aquelles cujo coração (considerado como séde da vida moral) está isento d e culpas, sobretudo graves. A santidade messianica é interna, e não externa e apparatosa como a dos phariseus. (cf. Mt. 23, 25.26.)A pureza d o coração, considerada como um dos mais bellos ornamentos d o verdadeiro israelita (cf. Ps. 24, 4 ; 5o, 12; 72, 1), é tambem uma das bençãos proprias da epoca s. MATTHEUS, V, 9-11. 29 º Bemaventurados os pacificos, porque elles se rão chamados filhos de Deus. º Bemaventurados os que padecem perseguição por amor da justiça, porque d’elles é o reino dos CCOS, 11 Bemaventuaados sois quando, por meu respeito, vos injuriarem, e vos perseguirem, e disserem falsa messianica. (cf. Ez. 11, 19 . Jer, 24, 7. ) A recompensa é um conhecimento mais intimo, sentido e penetrante de Deus e das coisas divinas. 9 . — Pacificos, não em sentido passivo — mansos e paca tos —, mas em sentido activo — os pacificadores (º signyoro…) dos homens entre si e com Deus. O Messias é chamado pa; (Mich, 5, 5) , e principe da paí (Is. 9 , 6), e como ta l o canta ram o s anjos (Lc. 2 , 14). — Serão chamados, i. é , serão de facto e como taes denominados e reconhecidos. — Filhos d e Deus, como se a divina caridade o s tivesse gerado á sua imagem e semelhança, de tal modo imitam as obras e reproduzem em si a indole de Deus! 1 o . — Por amor da justiça (como no vers. 6), que é o summo bem do reino messianico. Como Jesus é o auctor d’esta justiça, ser perseguido por causa d’ella é sofrer por elle e pelo evangelho. A recompensa é, como na primeira beatitude, o reino dos céos, mas a titulo de conquista. V , 11-16. — Os discipulos de Christo e o mundo. Insiste sobre a ultima bemaventurança, a mais difficil d e todas, preparando o s seus discipulos para as perseguições que o s esperam por parte do mundo, de que elles são o sal e a luz. 1 1 . — Sois, desde já , e não só na vida futura! Enumera o s males: injurias por palavras e por obras, e calumnias. — Pal: samente, porque o s seus inimigos hão de attribuir-lhes toda a sorte de crimes e infamias ! 3o s. MATTHEUS, v, 12-15. mente contra vós todo o genero de mal. º Alegrae vos e exultae, porque a vossa recompensa nos céos é grande. Pois assim perseguiram elles os prophetas que foram antes de vós. " Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se des virtuar, com que outro sal será salgado? Para nada mais serve, senão para ser lançado fóra, e pi sado pelos homens. ** Vós sois a luz do mundo. Uma cidade situada sobre um monte não pode es conder-se. º Nem se accende uma luz para se pôr debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, para 12. — Alegrae-vos! Assim o fizeram e recommendaram os apostolos. (cf. Act. 5, 41. 2 Cor. 7, 4. Jac. 1, 2. I Petr. 4, 15.) — Recompensa, merces (4 via$3;) a remuneração do trabalho, e portanto devida a titulo de justiça. — Grande : é um peso eterno de gloria ! (Rom. 8, 11. 2 Cor. 4, 17.) — Anima-os com o exemplo dos prophetas, de que serão assim dignos imitadores. 1 3 . — O sal preserva da corrupção, e dá sabor aos alimen tos. Se perde a sua energia, não ha outro sal com que a possa recuperar. Assim o s que rejeitam a doutrina de Christo pri vam-se d o unico meio d e salvação. Não ha para elles outro meio de recuperar a justiça perdida. São pois excluidos d o reino messianico e tornam-se o objecto d o desprezo º dos homens. 1 4 — A luz, que dissipa as trevas e dá côr, formosura e esplendor aos corpos. O Messias foi annunciado como luz (Is. 42, 6 ; 49, 6.), e como ta l se manifestou. (cf. Is . 1 , 9 ; 8 , 12; 9 , 5 ). O mesmo devem ser os seus discipulos (Phil. 2 , 1 5 . Eph 5, 8. ) — A imagem da cidade realça a visibili dade d o reino messianico. E ' uma verdade annunciada pelos prophetas (Is. 2 , 2 . Mich, 4 , 1 ), mas negada pelos protestam tes ! " … s. MATTHEUS, V, 16-19. 3 I illuminar a todos os que estão em casa. 1º Assim brilhea vossa luz deante dos homens; para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem o vosso Pae, que está nos céos. • 17 Não julgueis que vim abolir a le i o u o s pro phetas; não vim abolir, senão cumprir. º Pois em verdade vos digo, até que passem o s céos e a terra, um só iota o u um só ápice não passará d a lei, até que tudo se cumpra. º Portanto quem abolir um só d’estes mandamentos minimos, e assim ensinar 16. — Não basta o brilho da doutrina; é ainda mais neces sario o das boas obras, a que o texto grego chama obras bellas (r º xxxx #72). São ellas realmente que nos tornam bel los aos olhos de Deus. V , 17-2o. — Jesus Christo e a lei antiga. Defende-se contra as calumnias dos phariseus, que o accusavam de violar a lei de Moysés. Parte apologetica do Sermão. 17. — Vim, expressão que indica uma missão especial. — A lei, ó vºuo;, a lei moysaica contida no Pentateucho. — O s prophetas, i. é , o s outros livros d o Antigo Testamento. Jesus Christo vem precisamente dar pleno cumprimento ao A . T., que todo elle era uma preparação, figura e prophecia do Messias. • 18. — Até que passem... i. é , até que sejam transforma dos (cf. 2 Petr. 3 , 13), até á consummação dos seculos. O iota era a letra mais pequena d o alphabeto hebraico qua dratico, já em uso n o tempo de Christo. O apice é propria. mente um pequenissimo signal orthographico, que servia d e distinguir umas das outras as letras semelhantes. 19. — Será minimo, i. é , occupará o infimo logar, (cf. 1 . Cor. 3 , 12). — Será grande, pois terá a gloria e o premio de doutor. • 32 S. MATTHEUS, V, 20-22. aos homens, será minimo nos reino dos céos. 2º Por que eu vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e phariseus, não entrareis no reino dos céos. 21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e quem matar, será réo no tribunal. * Eu porém vos digo: todo aquelle que se irar contra o seu ir mão, será réo no tribunal. E quem chamar ao seu 2o. — Toma a offensiva contra os seus adversarios, cuja justiça era apenas hypocrisia, baseada em meras exteriorida des e convenções humanas. E comtudo esses homens eram considerados pelo povo como ideaes de perfeição! V, 21-26. — Sobre o quinto mandamento. Começa a mostrar, em exemplos concretos, a perfeição da nova le i so bre a le i antiga, e quanto ella excede a justiça dos escribas e phariseus. 21. — Ouvistes (Ex. 2o, 13 . Deut. 5 , 17), mas synanogas, onde aos sabbados se fazia a leitura e explicação da le i a o povo. — Aos antigos, aos Israelitas que assistiram á pro mulgação da lei. — Fala do tribunal local, a cuja alçada per tenciam os crimes ordinarios e menores. 22. — Eu porém! fala com plena auctoridade, oppondo a sua propria le i á le i antiga, que aliás era divina. S e não fosse Deus, seria um demente ou blasphemo. A lei, emquanto civil, prohibia apenas o facto externo — o homicidio —; Christo vai mais além; ataca o mal na sua propria fonte, condemnando a causa d o homicidio, — a ira cujo peccado é tão grave como o proprio homicidio e digno de egual pena. Mais ainda, ha injurias de palavras, que são ainda mais graves d o que o pro prio peccado de homicidio!—Raca (palavra aramaica s=… que significa vagio, occo) é uma afronta á dignidade intellectual do homem que é taxado de estupidez com irrisão e desprezo. E ' s. MATTHEUS, V, 23-25. 33 irmão «raca», será réo perante o sanedrin. E quem o chamar louco, será réo da «gehenna» do fogo. ** Portanto se estás offerecendo a tua oferenda ao pé do altar, e ahi te recordares que o teu irmão tem qualquer coisa contra t i; ** deixa ahi a tua of ferenda deante d o altar, e vae primeiro recon ciliar-te com teu irmão; e depois vem oferecer a tua offerenda. ** Compõi-te depressa com o teu adversario, emquanto vais com elle d e caminho; para que o teu adversario não te entregue a o juiz, e o juiz te entregue ao oficial, e sejas mettido no crime tão grave que deve ser levado a o supremo tribunal ju daico, o sanedrin! — Louco, utºpé, em sentido moral, i. é , scelerado, impio, atheu, o que involve uma injuria contra o bem moral d o proximo. Equivale a o hebr. 523, de que é a traducção. Como neste mundo já não ha tribunal nem pena para tal crime, condemna-o ao supplicio eterno do fogo in fernal. Gehenna, em aramaico ==na, n o Antigo Testamento E2m " 2 , «valle de Hinnomº ou «valle do filho (E) ou dos filhos (22) de Himnom era um valle ao sul d e Jerusalem infamado pelas abominações d o culto de Moloch, em cuja honra o s Judeus apostatas immolavam o s seus proprios filhos e filhas, queimando-os vivos! (cf. 4 Reg. 23, 1o . Jer, 7 , 32.) Passou depois a designar o inferno, como logar de summo horror e abominação. 23. — Vai insistir sobre a necessidade da reconciliação e da reparação dos aggravos, condemnado até o proprio resenti InentO. 25. — O adversario, 6 àsríSixos, é o offendido ou o cre dor, que leva o ofensor ou devedor ao tribunal, onde se julga segundo o rigor da justiça, 3 34 s. MATTHEUS, v, 26-29. carcere. * Em verdade te digo, não sahirás de lá emquanto não pagares o ultimo ºquadrante». 27 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não commet terás adulterio. * Eu porém vos digo: Todo aquelle que olhar para uma mulher, para a desejar, já adul terou no seu coração. ºº Se o teu olho direito te es candaliza, arranca-o, e lança-o para longe de t i; por que melhor te é que pereça um só dos teus mem bros do que ser todo o teu corpo lançado na «ge 26. — O credor tinha o direito de fazer encarcerar o de vedor insoluvel. O quadrante, quarta passe d o «asse» ro mano, era uma moeda insignificante. O «denario», que vale ria hoje uns 2oo reis, equivalia a 16 «asses». A parabola con tida nos versos 25 e 26 mostra a necessidade de ajustarmos a s nossas contas com Deus, nosso credor, emquanto vamos d e caminho para a eternidade, e é tempo de misericordia. V , 27-3o. — Sobre o sexto mandamento. — Não é só por obras, é tambem por pensamentos e por desejos que se pode peccar contra o sexto mandamento. Insiste sobre a necessidade de evitar as occasiões perigosas o u proximas de peccado. 27. —Cf. Ex. 2o, 14 . 28. — Para uma mulher qualquer, solteira, casada ou viu va. O que olha porém maliciosamente é considerado como casado. S e este é adultero, neste caso, o celibatario, que fizesse o mesmo, commetteria um peccado grave contra a castidade. 29. —Te escandaliza, te faz tropeçar e cahir, i. é , é para ti occasião proxima de ruina espiritual. Trata-se de pessoas cuja convivencia é perigosa, embora nos sejam tão caras como os nossos proprios membros direitos, olhos o u mãos, s. MATTHEUS, v, 3o-32. 35 henna». 30 E se a tua mão direita te escandaliza, corta-a, e lança-a para longe de t i; porque melhor te é que pereça um só dos teus membros d o que ir todo o teu corpo para a «gehenna». 3 1 Tambem se disse: Todo aquelle que despedir a sua mulher, dê lhe libello de repudio, º Eu porém digo-vos: Todo o que despedir a sua mulher, exce Custe o que custe é mister tornar essas relações innofensi vas ou cortar por ellas, como se corta um membro gangre nado para salvar a vida de todo o corpo. — Sobre a gehenna veja-se a nota a 5 , 22. V , 31-32. — Sobre o divorcio. — O mesmo argumento vem mais largamente tratado em 19, 1-9. 31. —Cf. Deut. 24, 1. A le i tolerava o divorcio para evitar o uxoricidio, mas procurava difficultá-lo restringindo-o a certos casos, e prescrevendo certas formalidades, que davam logar á reflexão. Uma d’ellas era o attestado o u libello de repudio No tempo de Christo, a escola de Hillel auctorizava o divorcio por qualquer motivo de desagrado ! A escola de Schammai era mais rigorosa. 32. — A le i condemnava a mulher infiel a o supplicio da lapidação. Christo não fala na pena de morte, mas auctoriza o marido a divorciar-se d’ella para sempre, mas sem quebra d o vinculo conjugal. — Faz que ella adultere; i. é , o adul terio, que a mulher assim despedida venha porventura a commetter, ser-lhe-ha imputado, por ser causad'elle. S e o peccado da mulher despedida é adulterio, é evidente que o vin culo conjugal subsiste. — E quem se casar com uma despedida (d'um modo generico e sem restricção alguma de causas) é adultero; o que suppõi que o vinculo conjugal subsiste, ainda quando o divorcio é motivado por adulterio, aliás seria necessaria a clausula restrictiva: excepto em caso de adulterio. 36 s. MATTHEUs, v, 33-37. pto em caso de adulterio, faz que ella adultere; e quem se casar com uma mulher despedida, é adul tCTO. • 33 Ouvistes mais que fo i dito aos antigos: Não ju rarás falso; e pagarás ao Senhor as tuas promessas juradas. * Eu porém digo vos: não-jurar de modo nenhum; nem pelo céo, porque é o throno de Deus; º nem pela terra, porque é o estrado dos seus pés; nem por Jerusalem, porque é a cidade do grande rei. º Nem jurarás pela tua cabeça, porque não po des tornar um só cabello branco o u preto. " Seja pois o vosso falar, sim, sim; não, não; e tudo o que passa disto, procede do mal. V , 33-37.—Sobre o segundo mandamento. Condem n a o juramento sem verdade, justiça e necessidade, e reco nhece como legitimas certas formulas de juramento, de que os Judeus abusavam. • 33. —Não jurar... Este preceito (Ex. 2o, 7. Lev. 19, 12. Deut. 5 , 11; 23, 21) é tão absoluto como o de não matar. As sim como pois em certos casos é licito matar, do mesmo modo h a casos em que é licito jurar, quando o juramento, justo e verdadeiro, é moralmente necessario. O habito de jurar, e por coisas de nenhuma importancia, era frequente entre o s Judeus. — Mostra depois como os juramentos pelo céo... eram ju ramentos por Deus, e portanto legitimos. Como a lei só manda pagar o s juramentos feitos a Deus, o s Judeus não se julgavam obrigados a cumprir taes juramentos, e d’este modo engana vam os incautos e simples, que o s acreditavam. 37. — Procede do mal, e não: é mau; porque se não fosse a maldade humana, nem o s homens desconfiavam uns dos outros, nem faltariam á verdade e á palavra dada. s. MATTHEUS, v, 38-42. 37 38 Ouvistes que se disse: 0lho por olho, e dente por dente. º Eu porém digo vos: não resistir ao mau; mas se alguem te ferir na tua face direita, oferece-lhe tambem a outra. " E se alguem quer demandar-te em juizo, e tirar-te a tua tunica, lar ga-lhe tambem a capa. " E todo aquelle que te constranger a andar mil passos, vae com elle dois mil. " A quem te pede, dá-lhe; e a quem te quer pedir emprestado, não voltes a cara. V, 38-42. — Sobre a lei de talião. Condemna o espirito da vingança, e ensina-nos a desarmar pela bondade os nossos inimigos. 38. — Cita a lei de talião (Ex. 21, 24. Lev. 24, 2o. Deut. 19, 21), que inspirava o codigo penal judaico. Era uma norma judicial para os tribunaes, não para as relações particulares dos Israelitas entre si . E ' só d’estas que fala Christo, dando normas de perfeição heroica, e não das relações sociaes, con dicionadas pelo bem commum e pela manutenção da ordem. 39. — Ao mau, rā , nowrºń, a quem nos causa prejuizo ou aggravo. Ha casos porém em que a resistencia é não só licita, mas até obrigatoria. Veja-se o procedimento de Christo pe rante Annás (Jo. 18, 22-23), e o de s. Paulo em Philippos (Act 16, 35-39) e em Jerusalem (Act. 23, 1-5). Em todo o caso, antes padecer todas as injurias d o que ceder a o odio e espi rito de vingança. 4o. —Tunica, veste interior, de linho ou de algodão. Era menos estimada d o que a capa, que, durante a noite, servia d e agasalho aos pobres. (cf. Ex. 22, 26. Deut. 24, 13.) 41. — Allude ao costume dos Persas, que eram obrigados a fornecer cavallos e auxilio aos correios e mensageiros reaes. A propria palavra angariar é d’origem persica. 42. — A quem te pede, injustamente, ou sem poder ou vontade de restituir. Este paragrapho não fala senão d e vexa 38 S. MATTHEUS, V, 43.46. 43 Ouvistes que fo i dito: Amarás ao teu proximo, e terás odio a o teu inimigo. “Eu porém digo-vos: Amae aos vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam; e orae pelos que vos perseguem e vos ag gravam; º para que sejaes filhos do vosso pae, que está nos céos, que faz nascer o seu sol sobre bons e maus, e chove sobre justos e injustos. º Porque mes e aggravos injustos. Não fala tambem de emprestimos a juros, o que a lei não permittia entre Israelitas. (cf. Ex. 22, 22.) V , 43-48. — O amor dos inimigos. Não basta reprimir o desejo de vingança, e sofrer com paciencia as injurias; é mister ir mais além, amar e fazer bem aos nossos proprios inimigos! Este preceito é a corôa da perfeição evangelica. 43. — A primeira parte d’este preceito vem no Lev. 19, 18; a segunda, que não vem na Biblia, deve ser um additamento dos escribas. Para o s Judeus a palavra proximo, x ", com prehendia só o s que eram da mesma nação ou proselytos. Todos os mais eram para elles extranhos e inimigos — por que eram idolatras —, e, como taes, objecto do mais pro fundo odio de raça. D'este odio nacional eram apenas exce ptuados os Idumeus e o s Egypcios. (cf. Deut. 23, 7.) As pas sagens da lei, que preceituam o amor dos inimigos, referem se só ás relações sociaes dos Judeus entre si . O christianis mo, como religião universal, exige necessariamente outro espi rito. 45. — Filhos, porque imitam as suas obras e reproduzem em si a sua indole, como se participassem da sua natureza. (cf. 5 , 9.) • • 46. — Os publicanos, considerados como peccadores pu blicos e escandalosos! Eram os cobradores dos direitos de portagem, e geralmente odiados, tanto pelos seus vexames e extorsões, como pela dominação extrangeira de que eram considerados instrumentos e fautores. s. MATTHEUS, V, 47-48. 39 se amaes aos que vos amam, que recompensa te reis? porventura não fazem o mesmo tambem os publicanos ? " E se saudardes só aos vossos irmãos, que fazeis nisso de especial? porventura não fazem o mesmo tambem os gentios? º Sêde pois vós per feitos, como tambem o vosso Pae celeste é perfeito. 47.— Os vossos irmãos, no sentido nacional, segundo o uso dos Judeus. Saudar, 27r2.safiz, indica as demonstrações ordinarias de cortezia e de amizade entre parentes e co nhecidos. — De especial, rí rectaa%, de insigne, que vos dis tinga dos gentios e publicanos! — Os gentios, que não conhecem a Deus e adoram os idolos ! 48. — Perfeitos, não em tudo, mas no amor do proximo, como o exige o contexto. O amor do christão deve ser abso lutamente universal, como a religião que professa. CAPITULO VI 1 Guardae-vos, não façaes as vossas boas obras deante dos homens, para serdes vistos por elles; aliás não tereis recompensa junto do vosso Pae, que está nos céos. * Assim pois quando deres esmola, não toques VI, 1-4 — Sobre a esmola. Para que o homem se eleve a tal grau de perfeição no amor, que reproduza em si a indole do Pae celeste, é necessario que se habitue a proceder com recta intenção em todas as suas coisas, tendo unicamente em vista o agrado de Deus. Enunciado o principio, applica-o a tres casos particulares: á esmola (6, 2-4), á oração (6, 5-15) e ao jejum (6 , 16-18). São obras de religião altamente recom mendadas na Escriptura, mas a o mesmo tempo são as que dão mais nas vistas dos homens e as que conciliam maior opinião de santidade. Eram por isso mesmo as que o s phari seus mais praticavam e as de que mais abusavam. 1 . — Não condemna as boas obras feitas em publico (cf. 5 , 16), o que em certos casos é necessario, mas sómente a intenção viciosa de agradar aos homens. 2 . — A esmola (exemplosów,misericordia, compaixão) é uma das principaes obras de justiça, e talvez a mais encarecida e recommendada na Biblia. — Não toques..., irrisão hyper bolica da v ã ostentação dos phariseus. Chama-lhes hypo critas, porque simulavam virtudes que não tinham. — Nas ruas, y raig éáuzig, nas ruas com casas d'um e d'outro lado, onde portanto havia muita gente que o s pudesse ver! A sua recompensa! a unica que elles buscavam. s. MATTHEUS, vi, 3-6. 4 I trombetas adeante de t i, como fazem o s hypocritas nas synagogas, e nas ruas, para serem honrados doshomens; em verdade vos digo, já receberam a sua recompensa. º Mas quando dás esmola, não saiba a tua esquerda o que faz a tua direita; º para que a tua esmola fique secreta, e o teu Pae, que vê o que fazes em secreto, te recompensará. 5 E quando fazeis oração, não sejaes como os hy pocritas, que gostam de orar em p é nas synagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos dos ho mens; em verdade vos digo, já receberam a sua recompensa. º Tu porém, quando quizeres orar, entra n o teu aposento, e fechada a porta, invoca a teu Pae em secreto, e o teu Pae, que vê o que fa zes em secreto, te recompensará. 3 . — Modo proverbial de condemnar a ostentação phari saica, inculcando um modo de proceder inteiramente opposto. VI, 5-16. — Sobre a oração. — 0 Padre nosso. Condemna a ostentação pharisaica, e a v ã loquacidade dos gentios, vi cios que se devem evitar na oração, ensinando ao mesmo tempo como devemos orar, e que coisas devemos pedir a Deus. 5 . — Gostam, pixojaw, o que indica especial complacencia e affectação. — De pé, como era costume dos Judeus (cf. Mc. 11, 25. Lc. 18, 11 . 13), voltados para Jerusalem, como prescreve o Talmud, e a horas fixas, ao meio dia, e á hora do sacrificio matutino e vespertino (cf. Ps, 54, 18). Em circums tancias mais graves tambem oravam de joelhos o u prostados. (cf. 3 Reg. 8 , 54. Dan. 6 , 1o. Lc. 22, 41. Act. 9 , 4o). 6 . — Fala da oração privada, não d a oração oficial e ritual. E só neste caso que cada qual, quanto possivel, deve bus 42 s. MATTHEUS, VI, 7-9. " E na oração não faleis muito, como os gentios; pois imaginam que serão ouvidos pela sua loquaci dade. * Não sejaes pois como eles, porque bem sabe o vosso Pae celeste o que vos é necessario, antes de lh'o pedirdes, º Vós pois orae assim: car a Deus por unica testemunha das suas obras. O silencio e o retiro são bons companheiros e amigos da oração. 7 e 8. — Condemna outro vicio da oração pharisaica, a lo quacidade supersticiosa, como se a oração fosse um arrazoado com o fim de instruir e persuadir a Deus! — Não faleis muito, um 32:TC)~aore, de 82rroxoyéo (palavra onomatopaica), palrar, charlatear. Este negocio da oração trata-se mais com gemidos e suspiros do coração, do que com palavras. Oramos para abrirmos o nosso coração a Deus, para tratarmos fa miliarmente com elle, para professarmos a nossa dependen cia, e o reconhecermos como auctor e dispensador de todo o bem. 9.° — Vós, os meus discipulos, que nem sois gentios, nem da escola dos phariseus. Segue-se (9b-13) a Oração dominical ou do Senhor, que tambem vem em s. Lucas (11, 1-4), porém mais abreviada, e em outra occasião, pois bem pode ser que Jesus a ensinasse duas vezes, ou que s. Mattheus a inserisse neste logar por vir a proposito da doutrina de Christo sobre o modo de orar. Consta de duas partes que tratam, a 1. ° (b-1o) dos interesses de Deus, a 2. º (11-13) dos nossos inte resses temporaes e espirituaes, indicando, juntamente com as coisas que se devem pedir, a ordem e o modo da petição. 9.b — E ' uma especie de proemio destinado a excitar em nós sentimentos de confiança e de caridade, e a conciliar a benevolencia divina, pelo louvor e reconhecimento da bon dade (Padre nosso), e do poder e excellencia de Deus (que estás nos ceos). — Padre ou pae caracteriza o estado de filia ção divina adoptiva, em que Jesus Christo nos reintegrou S. MATTHEUS, VI, IO-II. 43 Padre nosso, que estás nos céos; santificado seja o teu nome. º Venha o teu reino. Faça-se a tua vontade, assim na terra como no céo. " O pão (cf. Rom. 8, 15. Gal. 4, 6); nosso representa a fraternidade christã com a respectiva communhão de interesses. — Nos céos, porque embora Deus esteja presente em toda a parte, comtudo segundo a linguagem da Biblia (cf. Job 22, 12 . Ps. 2 , 4 ; 1o2, 2o), tem d'um modo especial o seu throno nos céos. E ' uma imagem da majestade e grandeza de Deus, que nos enche d e respeito e de humildade. 9 .° — 1º petição: a gloria de Deus, que é o fim ultimo de todas a s coisas, e portanto o que, antes e acima de tudo, devemos ter a peito, como filhos de Deus. — Santificado, 3%zafrizo, i. é , seja glorificado. — O nome de Deus é o pro prio d e Deus tal como se dignou manifestar-se-nos. A gloria e honra d e Deus deve corresponder a esta manifestação. 1o.° — 2. º petição: o estabelecimento do reino de Deus n a terra como meio para Deus ser glorificado. E o reino mes sianico o u a Egreja catholica. Chama-se de Deus, porque elle é que é o seu auctor. Como os Israelitas evitavam pronunciar a palavra "nº — Iáhve, substituindo-lhe a palavra ='cv, ceos, tambem se chama reino dos céos (='evn nº="e). lo.b — 3.º petição: o cumprimento da vontade de Deus, porque misto é que consiste o reino de Deus em nós. Para isso é preciso que ella se cumpra na terra com aquella mes ma promptidão, plenitude e perfeição com que a cumprem nos céos os anjos, ministros de Deus. 1 1 . — 4. º petição: a conservação da nossa vida corporal pelo sustento necessario. Na Biblia, pão designa, d'um modo geral, o alimento. (cf. Eccl. 9 , 1 1 ; 1o, 19. Nenh. 5 , 14, 18). — Pão nosso é o sustento que Deus em sua providencia nos tem destinado. — Quotidiano como vinha na antiga versão latina chamada Itala, e como ainda vem na Vulgata em S . Luc. II, 3, correspondendo a grego ºrtojato", que os gregos 44 s. MATTHEUS, VI, 12-13. nosso quotidiano nos dá hoje. "? E perdôa-nos as nossas dividas, como tambem nós perdoamos aos nossos devedores. º E não nos mettas em tentação. Mas livra-nos do mal. interpretaram ê?íuscº, o pão «quotidiano», i. é, o pão neces sario para o nosso sustento de cada dia. A Vulgata tem, aqui, supersubstantialem, (= sobresubstancial), que se pode tomar no sentido de pão necessario á nossa substancia (como se èriojato; fosse composto de ir i + 2aíz = 5xx##1), Como Jesus Christo a si mesmo se chamou pão da vida (Jo. 6 , 48), instituindo para este fim o pão eucharistico, a applica ção d'esta petição á eucharistia é uma accomodação obvia e solidamente fundada. 12. — 5. º petição: a vida da alma, pelo perdão dos pecca dos. A palavra dividas, dºs XYuarz, caracteriza bem a nossa posição, como peccadores, relativamente a Deus. O peccado involve um duplo debito, de culpa e de pena, e como ninguem o pode satisfazer é necessario reccorrer á misericordia e cle mencia de Deus. A parabola proposta em 6 , 25-26 mostra-nos a necessidade de ajustarmos as nossas contas com Deus emquanto é tempo de misericordia e de clemencia. — Per doamos. = 22(suev, no presente (em s. Lc. 3%yev, da forma à vío); mas a lição criticamente preferivel é 24 izzus», per doámos (no aoristo). Em vez de como tambem, s. Lc. (1 1 , 4 ) tem xx 7xº zºroí, «porque tambem nós.» Assim o perdão con cedido aos nossos devedores é condição previa, medida e motivo do perdão que pedimos a Deus. (cf. 7 , 2 e Mc. 4 , 24.) A parabola do mau servo (18, 21-35) pode servir de commen tario a esta petição. 13.° — 6º petição: a conservação da vida da alma pelo afas tamento das tentações. Tentação é tudo o que nos solicita a peccar ou nos põi em perigo d’isso. E ' tal a nossa fraqueza que devemos pedir a Deus que não nos ponha em circums tancias onde nos vejamos tentados. E o mesmo que pedir-lhe s. MATTHEUS, v i, 14-15. 4 5 * Porque se vós perdoardes aos homens os seus peccados, tambem o vosso Pae celeste vos perdoará o s vossos peccados. º Se porém não perdoardes aos homens, tambem o vosso Pae celeste vos não perdoará o s vossos peccados. que afaste de nós todas as occasiões o u perigos de peccar. A tentação propriamente dita está na sollicitação para o mal, o que só provem das nossas paixões, dos outros homens ou do demonio, e nunca de Deus. (cf. Jac. 1 , 13-16.) Como porém neste mundo nada acontece sem previsão e permissão ou orde nação d e Deus, que tudo subordina e ordena aos fins de sua providencia, e a Biblia costuma attribuir a Deus tudo o que acontece d’este modo, por isso fala Jesus Christo como se o proprio Deusnos mettesse o u introduzisse (= sig=y#xx) em tentação. 13.º — Epilogo em que se resume a Oração domínical, pedindo a Deus, d'um modo generico, que nos livra de tudo o que é mau, tanto em sentido corporal como espiritual. A Vulgata accrescenta: amen. E o hebrico Tes, adjectivo ver bal (derivado de tes, firmar, sustentar,) transformado em adverbio de asseveração ou d e confirmação. No principio do discurso equivale a o profecto, certo dos latinos, e vem com frequencia (ordinariamente repetido em s. João) nos ditos e falas de Jesus Christo. (cf. 5 , 1 8 26.6, 2.5.) No final equivale a Yévoiro, assim é , assim seja, assim se faça! Quando n a synagoga se fazia a leitura o u explicação da Biblia, ou se recitava alguma oração em nome da communidade, o s cir cumstantes respondiam amen. Este uso conservou-se n a Egreja. 1 4 e 1 5 . — Torna á quinta petição, para inculcar mais e mais a necessidade d o perdão dos aggravos, como condição sem a qual não h a alcançar perdão de Deus, (cf. 18, 33, 35, Mc. 11, 25). 46 s. MATTHEUS, v i, 16-18. 1 6 E quando jejuais não andeis tristes, como os hypocritas, pois desfiguram o proprio rosto, para mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade vos digo, já receberam a sua recompensa. " Tu porém, quando jejuas, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, º para não mostrares aos homens que jejuas, senão a o teu Pae, que está occulto, e o teu Pae, que vê o que fazes em occulto, te recompensará. VI, 16-18. — Sobre o jejum. A le i prescrevia o jejum uma só vez n o anno, n o dia da expiação, e enumera o entre a s boas obras, que podiam ser objecto de voto ou promessa. Nas grandes calamidades publicas e particulares (mesmo em recordação d’ellas) era um meio de applacar a colera divina." Os phariseus, que professavam austeridade e estricta obser vancia, costumavam jejuar duas vezes por semana, ás segun das e quintas feiras. 16. — Tristes, axos corroí, tetricos, de rosto sombrio e car regado, como quem está sob o peso de uma enorme tribula ção! Desfiguram, 222,fooow, tornam invisivel, deformam, omit tindo a toilette ordinaria, e cobrindo o rosto e a cabeça com cinza. O povo que os via andar assim pelas ruas, admirava a austeridade d'aquelles varões! 17.— Unge, segundo o costume da toilette oriental. Não deixes por isso a toilette ordinaria. Quanto está em nós, de vemos subtrahir ás vistas dos homens as nossas obras parti culares de piedade. Devem ser segredos entre nós e Deus. VI, 19-24 — Sobre o desapego dos bens da terra. Condemna o apego desordenado aos bens da terra, 1) pela sua inutilidade, *) pelos cuidados vãos com que enchem o cora ção, *) pela desordem que imprimem á nossa vida, 4) pela im possibilidade de alliar o serviço de Deus com o das riquezas. A avareza era um dos grandes vicios pharisaicos. s. MATTHEUS, v i, 19-23. 47 1 9 Não enthesoireis para vós thesoiros na terra, onde ferrugem e traça destroem, e onde ladrões desenterram e furtam. 2º Enthesoirae antes para vós thesoiros n o céo, onde nem ferrugem nem traça destroem, e onde ladrões não desenterram nem fur tam. * Porque onde está o teu thesoiro ahi está o teu coração. • * A lampada do teu corpo são os teus olhos. S o s teus olhos forem simples, todo o teu corpo terá luz. **Se porém os teus olhos forem maus, todo o 1 9 — Thesoiros na terra, i. é , consistentes em bens ter renos e que ficam na terra. A ferrugem destroi os metaes, a traça roi os vestidos preciosos, os ladrões arrombam as casas e levam as riquezas accumuladas com tantos trabalhos, e escondidas ! 2o. — Os thesoiros no céo são as boas obras, cujo valor e merito são realçados. 21. — O teu thesoiro, i. é , aquilo que estimas como o teu maior bem e felicidade. A avareza captiva o coração, prendendo-o á terra e inutilizando a para a virtude. E por tanto necessario conservá-lo puro e simples, i. é , orientado para o céo e livre de affeições terrenas (22-23). 22. —Simples, 2r).65;, sem mistura de maus humores, sãos. —Terá luz, porstv% (em sentido passivo), i. é , todos os teus membros serão illuminados, para poderem desempenhar bem a s suas funcções. Os olhos sãos representam a intenção pura & TCCta. - 23. — Maus, morrº%, doentes, cheios de maus humores. — A luz que ha em t i, i. é , o que em ti deve servir de luz a todo o corpo, cujos membros veem pelos olhos. — Que grandes..., i. é , em que densas e espessas trevas não ficarás tu envolto! Triste imagem d o homem, cujo coração se perverteu por afeições desordenadas e terrenas. 48 s. MATTHEUS, v i, 24-26. teu corpo será tenebroso. S e pois a luz que h a em ti são trevas, que grandes não serão essas trevas? * Ninguem pode servir a dois senhores; porque ou h a d e ter odio a um e amor a outro, ou sofrerá um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e á riqueza. 25 Por isso vos digo: não vos dê cuidado a vossa vida, que comereis, nem o vosso corpo, que vesti reis. Porventura não é a vida mais do que o sus tento, e o corpo, mais d o que o vestido? ** Consi 24. — Servir como escravo, $ou)sósty, a dois senhores, quando são oppostos entre s i, e além d’isto, exigem submissão plena e absoluta de todo o homem. — A riqueza; (no grego e no la tim: mamona, = s="ce — de "== —, palavra aramaica, que si gnifica riqueza, lucro) é representada como um idolo, ao qual o avarento presta culto, immolando-se todo em seu obsequio. Uma coisa é usar o u servir-se da riqueza, outra é ser esravo d’ella. VI, 25-34. — Condemna a solicitude demasiada. Não basta evitar a avareza; é tambem necessario conservar o coração livre de cuidados angustiosos e inquietadores por causa dos bens temporaes necessarios á vida, pondo os olhos e a confiança em Deus. 25. — Por isso, i. é , em vista d o que fica dito n o paragrapho precedente, particularmente no verso 24. Não condemna o cuidado moderado, mas o cuidado absorvente, angustioso, in quieto. Quem nos deu o mais — a vida e o corpo, não nos ne gará o menos — o alimento e o vestido. 26. — Aponta para os passarinhos, que andavam talvez es voaçando pelo a r o u saltitando pelo campo, em quanto Jesus estava falando. A imagem não podia ser mais singela e gra ciosa! S. MATTHEUS, VI, 27-34. 49 derae as aves do ar, que não semeiam, nem segam, nem recolhem em celleiros; e comtudo o vosso Pae celeste as sustenta! Porventura não valeis vós mais do que ellas??? E quem de vós poderá com todos os seus cuidados accrescentar um só covado á sua vida? ** E quanto ao vestir, porque andaes inquie tos? Considerae como crescem os lirios do campo; não trabalham; nem fiam! º Ora eu vos digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, se vestiu como um d’estes. 30 E se Deus assim veste o feno do campo, que hoje é e ámanhã se lança no forno, quanto mais a vós, gente de pouca fé?! ** Não andeis pois solicitos dizendo: que havemos de co mer, ou que havemos de beber, ou com que nos cobriremos? º Porque todas estas coisas buscam os gentios. º Buscae pois primeiramente o reino de Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas se vos accrescentarão. * Por isso não vos dê cuidado o dia de ámanhã. O dia de ámanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu trabalho. 27. — A sua vida, i. é, á duração da sua vida, si ; riy Kºtzía» airoi. Os nossos cuidados são pois inuteis. A Biblia representa a vida como uma grandeza cuja extensão se mede a palmos. (Ps. 39,6), covados, etc. 32. — I. é , esses cuidados são proprios de gentios, que não creem em Deus, nem na sua providencia paternal. 33. —Não condemna pois todo o cuidado dos bens tempo. raes; o que exige é que se não inverta a ordem das coisas, que se subordine esse cuidado, aliás moderado, aos interesses superiores da alma e de Deus. Aos que procedem assim pro mette Deus a sua assistencia. |- 4 CAPITULO VII 1 Não julgueis, para não serdes julgados. * Por que como julgardes, sereis julgados; e como me dirdes a outrem se vos medirá, º E porque vês o argueiro no olho do teu irmão, e na trave, que tens no teu, não advertes?" Ou como dizes ao teu irmão:deixa-me tirar o argueiro do teu olho; e eis uma trave no teu?! " Hypocrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás como tirar o argueiro do olho do teu irmão. " Não deis as coisas santas aos cães, nem deiteis VII, 1-6. — Não julgar. Condemna o espirito de critica e o gelo indiscreto, dois grandes vicios do pharisaismo; oppon do-lhes o espirito de caridade e de benevolencia. 1.— Não julgueis, um zoíwers, não sejaes rigidos e injustos censores das acções alheias, para que Deus vos julgue com misericordia. O verso 2 enuncia a mesma doutrina, mas d'um modo proverbial. | • 3. — O argueiro, os mais pequeninos defeitos! 5. — Hypocrita! pois simulas virtudes e zelo que não tens. O oficio de emendar os outros só pode ser exercido com fructo por pessoas benevolas e virtuosas. Por isso é necessa rio que cada um comece primeiro por se emendar e aperfei çoar a si mesmo. 6. — Além da virtude e da benevolencia, é tambem neces saria a prudencia. Antes de corrigir um homem, é mister conhecê-lo bem, e prever como receberá a correcção. Dar s. MATTHEUS, VII, 7-11. 5 I as vossas perolas aos porcos; não succeda que el les as calquem aos pés, e virando-se, vos despeda CCITT, • 7 Pedi, e dar-se-vos-ha; buscae e achareis; batei e abrir-vos-hão. º Porque todo o que pede, recebe; e todo o que busca, acha; e ao que bate, abre-se. º Ou algum homem entre nós, pedindo-lhe o seu fi lho pão, dar-lhe-ha uma pedra? " E se lhe pedir peixe, porventura dar-lhe-ha uma cobra? " Se pois vós, com serdes maus, sabeis dar dadivas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pae, que está nos céos, dará bens aos que lhe pedirem. bons conselhos a obstinados no mal e recalcitrantes é deitar perolas a porcos, e expor-se até a ser maltratado por elles. Os cães e os porcos representam os peccadores impudentes e contumazes. (cf. Prov. 11, 22; 26, 1 1. ) VII, 7-11. — Pedir instantemente. Como ninguem pode por suas proprias forças naturaes, elevar-se a tão alta perfei ção, manda-nos implorar o auxilio divino por meio da ora ção. E ' um meio facil, infallivel e a o alcance de todos. A mesma doutrina vem em s. Lc. 11, 9-13, e podem servir-lhe de com mentario as parabolas d o amigo importuno (Lc. 11, 5-8) e da viuva (Lc. 18, 1-8). 7 . — A accumulação de palavras declara bem a importan cia da oração, e com quanta assiduidade, constancia e fervor devemos perseverar nella até conseguirmos a graça desejada. Note-se a gradação ascendente dos verbos pedir, zi-siy, buscar, *#r=#, bater, xº%sº, e como cada recommendação é acompa nhada da sua promessa. O verso 8 repete e confirma a mesma idéa. - 1 1 . — Maus, i. é , peccadores, porque, sem previlegio ex 52 s. MATTHEUS, VII, 12-14. 12 Tudo aquillo pois que quereis que vos façam os homens, fazei-o tambem vós do mesmo modo a elles; porque isto é a le i e o s prophetas. * Entrae pela porta estreita, porque é larga a porta e espaçoso é o caminho, que conduz á perdi ção, e são muitos o s que entram por ella. " Quão estreita é a porta e apertado o caminho que conduz á vida! e são poucos os que o encontram! traordinario de Deus, ninguem, por mais santo que seja, está isento de peccado. (cf. Ps. 115, 1 1 , 1 Jo. 1o8) — Bens, i. é , dons verdadeiramente uteis e convenientes. VII, 12-14 — A porta estreita. Expõi a famosa doutrina das duas portas e dos dois caminhos, cujos termos respectivos são a vida e a morte. Começa aqui a conclusão d o Sermão. 12. — Resumo synthetico e pratico de toda a doutrina ex posta no Sermão. Contem a norma positiva da caridade, syn these de todos os ensinamentos contidos na lei e nos pro phetas, i. e , em todo o A . T . A norma negativa consiste em não fazermos aos outros o que não quereriamos que se fizesse a nós. 13. — A porta estreita é a santidade messianica, que exige espirito de abnegação e amor á cruz. Em s. Lc. 13, 4: 37ºví{ssºs ela=X6siº,luctae (como o s athletas) por entrar! Este espirito de lucta e de combatividade é necessario para vencer os grandes obstaculos internos e externos que se encontram no caminho d a perfeição. 14. — São poucos! assim o era no tempo de Christo, e ainda hoje o estado de coisas não é muito melhor. O caminho da verdade e da justiça é trilhado por muito poucos. VII, 15-2o. — Os falsos prophetas (cf. Lc. 6, 43-46.) Previne os seus contra o perigo d e perversão moral por parte d'aquelles que, a exemplo dos escribas e phariseus, procuram seduzir o s incautos com falsas apparencias de zelo e de justiça. s. MATTHEUS, viI, 15-21. 53 15 Guardae-vos dos falsos prophetas, que vem a vós com vestidos de ovelhas, mas por dentro são lobos roubadores. º Pelos seus fructos os conhe cereis. Porventura colhem-se uvas de silvas, ou fi gos de abrolhos?" Assim toda arvora boa dá fru ctos bons; e a arvore má dá fructos maus. º Não pode a arvore boa dar fructos maus, nem a arvore má dar fructos bons. º Toda arvore, que não dá bom fructo, é cortada e lançada no fogo. º Pelos seus fructos portanto os conhecereis. 21 Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! en trará no reino dos céos: mas o que faz a vontade do 15. — De ovelhas, i. é, como se pertencessem ao rebanho de Christo, e fossem os seus mais dedicados e genuinos disci pulos. Mas que contraste entre o que parecem por fóra e o que são por dentro! 16.— Dá um signal infallivel para os reconhecermos e dis tinguirmos. A vida e as obras, conformes com o evangelho, são a pedra de toque com que se conhecem os discipulos de Christo. E moralmente impossivel que os hypocritas occultem por muito tempo a sua indole interna. E' observá-los bem e de perto. Os versos 17 e 18 repetem e declaram mais a dou trina contida na comparação precedente. 19. — Os orientaes não estimam nem cultivam as arvores se não pelo fructo. Arvore infructifera é arvore inutil, e portanto cortada (cf. 3, 1o). VII, 21-23. —Não basta crer. Cuidavam os phariseus que lhes bastava o serem filhos de Abrahão, para se salvarem (cf. 3, 9); ninguem julgue pois que só por crer em Christo será salvo. A fé sem obras é morta. 1.— Senhor! Senhor! profissão affectada de fé na mes 54 S. MATTHEUS, VII, 22-24. meu Pae, que está nos céos, esse entrará no reino dos céos. * Muitos me dirão naquelle dia: Senhor! Se nhor! não prophetizámos nós em teu nome, e em teu nome não expulsámos demonios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? ** Então lhes decla rarei: Nunca vos conheci a vós; Apartae-vos de mim, obreiros da iniquidade. 24 Todo aquelle pois que ouve estas minhas pa lavras, e as cumpre, será semelhante a um varão prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha. sianidade de Jesus Christo. Fala com plena consciencia da sua divindade, como arbitro do destino ultimo dos homens. 22. — Naquelle dia, i. é, no grande dia do juizo, que é cha mado d'um modo especial o dia do Senhor, o dia de Christo, porque nelle se revelará com todo o esplendor e gloria a sua divindade. Note-se a emphase com que repetem as palavras em teu nome! (cf. Lc. 13, 25-27.) 23. — Então, naquelle momento final, solemne e terrivel! Declarar-lhe-ha publica e solemnemente, po%20Yao, como juiz supremo dos homens, que nunca os teve na conta de seus verdadeiros discipulos. As ultimas palavras são tiradas do Ps. 6, 9. VII, 24-27. — Contraste final. (cf. Lc. 6, 47-49.) Termina por um rasgo sublime de eloquencia pondo em contraste a solidez do edificio moral edificado sobre a sua doutrina, e a ruina total e irreparavel d'aquelles, cujas obras não concor davam com a fé. 24 — Estas minhas palavras, que conteem a verdadeira doutrina do reino de Deus. Refere-se á doutrina exposta em todo o Sermão. — Será semelhante, ou, como vem em alguns codices, assemelhá-lo-hei, o que é ainda de maior efeito até # | T r: ## # § # S# # T s. MATTHEus, vii, 25-29. 55 * E desceu a chuva, e vieram os rios, e assopraram o s ventos, e accometteram contra aquella casa, e não cahiu; porque estava fundada sobre a rocha. * E todo o que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, será semelhante a um homem in sensato, que edificoua sua casa sobre areia. * E desceu a chuva, e vieram o s rios, e assopraram o s ventos, e arremetteram contra aquella casa, e cahiu, e a sua ruina foi grande! | * E aconteceu, tendo Jesus acabado estas pa lavras, admiravam-se as turbas da sua doutrina. * Porque os ensinava como tendo auctoridade, e não como os seus escribas e phariseus. pelo anacolutho da phrase. — Sobre a rocha, i. é , sobre um fundamente firme e inabalavel! 25. — Imagem das tribulações que hão de vir sobre os dis cipulos de Christo. Todos os elementos hostís hão de com jurar e cahir de impeto sobre elles. 26. — Insensato, vºç%, estulto, sem juizo, louco, que attende só a o presente e não prevê as consequencias futuras d o seu modo d e proceder! • 27. — Grande, no final da phase, para maior efeito! Nos versos 2 8 e 2 9 declara o Evangelista os efeitos do Sermão no povo. Estavam como pasmados, gerXiao.wro, e fóra de si de admiração, não só pela santidade e sublimidade da doutrina, mas tambem pela auctoridade de Christo. Não era como o s escribas e phariseus, que apenas declaravam e allegavam tex tos e ditos dos antigos, mas falava-lhes como legislador das consciencias e juiz supremo do genero humano. As suas pa lavras tinham o accento da Divindade. CAPITULO VIII ! E tendo descido do monte, muitas turbas o fo ram seguindo. ? E eis que vindo um leproso o ado rava, dizendo: Senhor, se queres, podes purificar VIII, 1-4. — Cura um leproso. (Cf. Mc. 1, 4o-45. Lc. 5, 12-14.) S. Marcos e s. Lucas colocam a narração depois d'um sabbado, e s. Lc. diz que foi «numa certa cidade». Das tres narrações a mais breve é a de s. Mt., o que mostra bem o erro dos que pensam que s. Mc. é apenas um abreviador de s. Mt. Disse o Evangelista (4 , 23) que Jesus percorria a Ga liléa ensinando e sarando. Na parte precedente (5, 1-7, 29) mostrou como elle exercera o oficio de ensinar, nesta (8, 1-9, 34) vai mostrar como exercitou o de sarar, e como tam bem nelle se revelou como Messias. 1 . — Do monte em que prégara o Sermão acima referido (5, 1-7, 29). Este 1 º verso ainda pertence a o final d o capitulo precedente, onde se narra o efeito do Sermão nas turbas. 2 . — Eis, particula frequente em s. Mattheus para chamar a attenção para um acontecimento inesperado e digno de pon deração. Uma le i d e salvação publica, severa e minuciosa (cf. Lev. 13 e 14) isolava o s leprosos do consorcio humano, sendo lhes prohibida a approximação dos outros homens (Lev. 13, 14). Este leproso porém não tem receio de se approximar de Jesus, tão viva era a sua fé . — Adorava-o, ajoelhando-se (Mc. 1 , 4o) e prostrando-se a seus pés com o rosto em terra (Lc. 5 , 12). Jesus nunca rejeitou esta homenagem devida á sua dignidade. O leproso professa que a sua cura depende só d a vontade de Jesus Christo, o que manifesta a sua fé messia nica. (cf. 7 , 22. Jo. 13, 13.) — Purificar-me, xx0apíaz, porque a s. MATTHEUS, VIII, 3-4. 57 me. º E extendendo Jesus a mão, tocou nelle, di zendo: Quero, fica purificado. E ficou purificado da sua lepra. " E diz-lhe Jesus: Vê, não digas a nin guem; mas vae, apresenta-te ao sacerdote, e ofe rece a oblação, que ordenou Moysés, e seja uma prova para elles. lepra era ao mesmo tempo uma especie de macula moral, que tornava o homem profano ou legalmente immundo. 3. — Approva e confirma por um milagre a fé do leproso. Os santos operam milagres por intercessão; Jesus por von tade propria, o que manifesta a sua omnipotencia e divindade, de que a sua natureza humana era instrumento visivel. 4. — Recommenda-lhe o silencio, não por motivo de mo destia e humildade, mas por prudencia, para evitar abalos no povo, tão propenso a enthusiasmos messianicos, alheios á in tenção de Jesus Christo e á indole do reino de Deus, que não era um reino d'este mundo. (cf. Mc. 1, 45.) Não é este o unico exemplo d'esta recommendação. (cf. 16, 2o. Mc. 5, 43; 7, 24; 8, 26.) O homem porém, tomando por modestia as palavras de Christo, não guardou o segredo (Mc. 1, 45).— Mas vae...; manda-o cumprir as prescripções da le i (Lev. 24, 2 ) relativas á cura da lepra e a o modo d o leproso ser resti tuido á communhão d'Israel. Ao mesmo tempo quer que o milagre seja para os sacerdotes e chefes religiosos do povo uma prova, um testemunho, uzerúgio», da messianidade de Je sus Christo. VIII, 5-15. — Cura o servo do centurião. (Cf. Lc. 7 , 1-Io e tambem 13, 28-3o.) A narração de s. Lc. é mais com pleta. O caso deu-se logo depois do Sermão do monte, tendo o centurião enviado primeiro uma legação a Christo. S. Mc. põi principalmente em realce a fé d o centurião, oppondo-a á incredulidade dos Judeus. O milagre representa para elle a vocação dos gentios á fé e a reprovação dos Judeus. 5S s. MArmEUs, viu, 5-1o. 5 E tendo entrado em Capharnaúm, veio ter com ele um centurião, rogando-o, º e dizendo: Senhor, o meu servo jaz em casa paralytico, e é muito ator mentado. " E diz-lhe Jesus: Eu irei, e cura-lo-hei. º E respondendo o centurião, diz: Senhor, não sou digno que entreis em minha casa; mas diz de pa lavra, e o meu servo será curado, º Porque eu sou um homem sujeito á auctoridade, e tenho soldados sob o meu commando; e digo a este: Vae, e vae; e a outro: Vem, e vem; e ao meu servo: Faz isto, e faz. " E Jesus ouvindo, admirou-se, e disse aos 5. — Centurião, oficial romano que commandava cem sol dados. Tratando-se porém da Galiléa, deve designar um oficial do exercito de Antipas, modelado sem duvida pelo exercito romano. Pelo modo como d'elle falam os anciãos (cf. Lc. 7, 4-5) vê-se que era um homem digno, affeiçoado á nação judaica, e provavelmente um proselyto do judaismo. 6. — O meu servo, um escravo (ô05%; Lc. 7, 2) que lhe era precioso (Lc. 7, 2) . 8 . — Grande exemplo de humildade e de fé em um homem gentio ! Nem elle é digno de hospedar a Jesus Christo, nem a presença de Christo é necessaria. Basta que elle o mande de palavra e a doença obedecerá á sua voz ! A palavra de Christo é tão eficaz como a palavra creadora de Deus. 9 — Prova por uma comparação, que é um argumento de menos para mais, como não é necessaria a presença de Christo. S e a s ordens d'elle, que é um puro homem, e oficial subal terno, são immediatamente cumpridas, como não o hão de ser as ordens de Christo ? 1o. — Admirou-se como deante d’uma coisa nova, insolita e inesperada! Tudo lhe estava presente na sua presciencia, mas esta não lhe impedia o conhecimento experimental das s. MATTHEUs, vul, 11-13. 59 que o seguiam: Em verdade vos digo, não achei tão grande fé em Israel. " Ora eu vos digo que vi rão muitos do Oriente e do Occidente, e recostar se-hão com Abrahão, Isaac e Jacob, no reino dos céos; º mas os filhos do reino serão lançados nas trevas exteriores; ahi será o chorar e o ranger dos dentes. " E disse Jesus ao centurião: Vae, e faça se-te, como tu crêste. E naquella mesma hora ficou o servo curado. coisas e os efeitos que ele naturalmente produz na alma, e que se manifestam sensivelmente. — Em Israel, i. é, no povo de Israel, desde que o tinha começado a evangelizar. 1 1 . — Prediz a vocação dos gentios, de todas as partes do mundo (do Oriente e do Occidente) á fé (cf. Lc. 13, 28"). O seu reino será pois universal o u catholico: Jesus representa-o sob a imagem d'um banquete offerecido por Deus aos seus amigos. O banquete celeste é presidido por Abrahão, Isaac e Jacob, como representantes da antiga alliança, que continúa n o Novo Testamento e tem o seu complemento final na bemaventurança celeste. 1 2 . — Prediz a ruina do povo judaico. Os filhos do reino são o s Judeus, que, como nascidos na theocracia antiga e con sagrados a Deus pela circumcisão, tinham direitos de prece dencia no reino messianico, como herdeiros, por nascença, das promessas feitas a Abrahão, Isaac e Jacob. Serão lam çados fóra da sala illuminada do convivio, i. é , fóra do reino messianico, e ficarão envoltos nas trevas da noite es cura d a incredulidade, d o peccado e da condemnação. O cho rar e o ranger dos dentes são imagensda eterna dor e des esperação. VIII, 14-17. — Cura a sogra de Pedro. (Cf. Mc. 1, 20-34. Lc. 4 , 38-41) E um milagre operado em favor e honra d e Pedro, a rogo dos discipulos (Lc. 4 , 38). Succedeu em 6o S. MATTHEUS, VIII, 14-17. 14 E tendo chegado Jesus a casa de Pedro, achou a sogra d’elle de cama, e com febre. " E tocou-lhe na mão, e a febre a deixou, e levantou-se, e poz-se a serví-los. 4° E ao fim da tarde, apresentaram-lhe muitos possessos, e expulsava com a palavra os es piritos, e curou a todos os doentes; " para se cum prir o que fo i annunciado pelo propheta Isaias, que disse: Elle tomou sobre si as nossas enfermidades, e carregou com os nossos padecimentos. Capharnaúm, em um sabbado, depois de Jesus ter sahido da synagoga, e pouco depois d o segundo regresso de Jesus para a Galiléa. (Cf. Mc. 1 , 29. Lc. 4 , 3 8 e Jo. 4 , 3.) A narração d e s. Mt. é mais concisa e elegante que a de s. Mc.; a de s. Lc., que era medico, distingue-se pela exactidão technica dos termos. 1 4 . — Pedro e André, seu irmão, eram naturaes de Bethsaida (Jo. 1 , 44), mas Pedro tinha casa em Capharnaúm, e era nella que Jesus habitava. Convem notar estas preferencias com que Jesus honrava e distinguia o que havia de ser a pedra funda mental da sua Egreja. — Com febre ou, como tem s. Lc , «com grande febre», Tuparãºusy%X@. 15. — Tocou-a e , segundo s. Lc., imperou tambem á febre, que lhe obedeceu. Bella imagem dos ritos sacramentaes, onde ha sempre estes dois elementos, uma acção sensivel e uma formula oral. 16. — Ao fim da tarde, i. é , depois de terminado o sabbado, que acabava a o pôr d o sol. O dia civil judaico durava do pôr a o pôr d o sol. O povo pois, alvoroçado com o milagre ope rado na synagoga (cf. Mc. 1 , 21-28. Lc. 4 , 32-37), esperou que passasse o tempo do repouso sabbatino, para trazer a Christo os doentes. 17. — O texto de Isaias 53, 4 , refere-se aos males e dores que são penas devidas aos nossos peccados, e que nós deve s. MATTHEUS, VIII, 18-2o. O I 18 E vendo Jesus muitas turbas em roda de si; mandou ir para além o lago. " E chegando se um escriba, disse-lhe: Mestre! seguir-te-hei para onde quer que fôres, º E diz-lhe Jesus: As raposas teem riamos sofrer. Como Jesus Christo tomou sobre si as nossas culpas para as expiar, tem por isso mesmo o poder de nos li vrar tambem dos sofrimentos e males que, na ordem actual da Providencia, são efeitos e consequencias do peccado. A citação amolda-se ao texto hebraico. VIII, 18-22. — Condições do discipulado. (Cf. Lc. 9, 57-6o.) S. Lucas cita tres exemplos, todos succedidos em Sa maria, durante a ultima viagem de Jesus para Jerusalem. O segundo de s. Mt. (8 , 2 1 e 22) é identico ao segundo de s. Lc. (9 , 5 9 e 6o); não se pode dizer o mesmo dos dois primeiros casos (Mt. 8 , 18-2o e Lc. 9 , 5 7 e 58), em tudo semelhantes, menos na circumstancia d o tempo, que talvez possa ser se parada da narração de s. Mt. 1 8 . — Além do lago, para a margem oriental do lago de Gennesareth. Quiz subtrahir-se ao alvoroço do povo. 1 9 . — Um = sk , n o sentido de r í; (pronome indefinido), á maneira d o hebraico Tris (cf. Dan. 8 , 3 . Gen. 22, 13). — Mestre, 334axz},2;, corresponde ao hebraico "2", rabbi (de =", grande, senhor), «meu senhor» (cf. monsieur, monseigneur). Era a ap pelação honorifica com que o s Judeus saudavam o s seus dou tores religiosos. 2o. — Põi-lhe deante dos olhos a sua vida de privação e de pobreza absoluta, como condição sine qua non para o seguir. Foi quanto bastou para fazer arrefecer o enthusiasmo do es criba. A renuncia e a pobreza são o primeiro passo no ca minho da perfeição evangelica. — O Filho d'homem (e não « o Filho do homem», como geralmente se traduz seguindo demasiado á lettra o texto grego: é vio; ro 5 290çónoo) é um nome, que Jesus Christo se attribue com frequencia (78 vezes) nos Evangelhos. E tomado de Daniel 7, 13 . 14: «Estava eu pois 62 S. MATTHEUS, VIII, 21. tocas, e as aves do ar ninhos; mas o Filho d'ho mem não tem onde reclinar a cabeça. * E outro, dentre os seus discipulos, disse-lhe: Senhor! Dá-me primeiro licença de ir sepultar meu contemplando estas coisas numa visão nocturna, e ens um como filho d'homem que vinha nas nuvens do céo e chegou até ao Antigo dos dias (i . é, a o Eterno), a quem foi apresentado. E elle (o Eterno) lhe deu o poder, a honra e o reino; e todos os povos, tribus e linguas o servirão. O seu poder é um poder eterno, que não lhe será tirado, e o seu reino tal que não será jámais destruido.» Quando Jesus respondeu a Caiphás (26, 64): «Cedo vereis o Filho d'homem sentado á direita do po der de Deus, e vindo nas nuvens do céo » , alludia a este vati cinio de Daniel, e dava bem a entender em que sentido to mava a expressão — o Filho d'homem. Como na lingua he braica ETs, homem, é propriamente um nome collectivo (cf. Ps. 57, 12), a ponto de ser muitas vezes traduzido pelo plural (cf. Ps. 16, 4 ; 21, 7 ; 35, 7), o s Hebreus servem-se da expres são ETS-1=, filho d'homem, para designar um individuo hu mano, mas indeterminado. Com o artigo — o Filho d'homem — a expressão designa um individuo determinado, aquelle que apparece n o vaticinio de Daniel em forma humana, sim, mas a quem se prestam honras divinas, e a quem o Eterno d á o imperio sobre todo o genero humano. Este Filho d'ho mem é o Messias, e assim o entendiam o s Judeus no tempo d e Christo. O segundo artigo, antes de homem (r . 390çóx2) indica a especie determinada a que pertence o Filho, e realça a sua origem da especie humana. Corresponde ao hebraico =Tsm = (em aramaico, a lingua falada por Jesus Christo, I=) sv:s. Convem porém notar que, no singular, esse artigo nunca se encontra no hebraico do A . T . nem no grego dos Lxx. 21. — O modo como este fala suppõi um chamamento pre vio de Jesus Christo. Como os Judeus costumavam sepultar o s mortos, quanto possivel, n o mesmo dia d o falecimento, a s. MATTHEUS, vIII, 22-25. 63 pae. * E diz-lhe Jesus: Segue-me, e deixa os mor tOS CIltCTT3 T OS SCUlS IY1OTtOS. 23 E tendo elle entrado na barca, seguiram-no os seus discipulos. ** E eis que se levantou grande tormenta no mar, de modo que a barca se alagava, e ele entretanto dormia. * E chegaram-se a elle os seus discipulos, e o despertaram, dizendo: Senhor! demora pedida é bem pequena, e fundada num motivo de pie dade filial. • 22. — Não lhe concede a demora pedida, tanta é a prompti dão e força com que exige que se obedeça ao seu chama mento! E evidente que só Deus pode falar assim, e exigir taes sacrificios. A resposta joga com a palavra mortos: deixa os mortos á vida espiritual (os que não creem em Jesus Christo ou vivem no peccado) enterrar os mortos á vida tem poral. — A ordem absoluta de Christo não ficou sem efeito. VIII, 23-27. — Acalma a tempestade. (Cf. Mc. 4, 35-4o. Lc. 8, 22-25.) S. Mc. e s. Lc. narram o milagre depois do en sino parabolico, e no mesmo dia em que Jesus esteve ensi nando o povo da barca. A narração do primeiro é mais in dividuada que a de s. Mattheus. 23. — Na barca, si ; to 7x2ãow, com o artigo como leem a maior parte dos codices unciaes o u maiusculos e s. Chryso stomo. Refere-se á barca de que Jesus costumava servir-se ou a uma barca que estava prestes para a partida. — O s seus dis cipulos; expressão que no primeiro Evangelho designa, ordi nariamente, o s 12, que em s. Mt. só uma vez (Io, 2) são cha mados apostolos. 24. — Estas tormentas subitas e impetuosas são frequentes no lago e nas regiões vizinhas, por causa da posição geogra phica e da configuração d o terreno, montanhoso e arido. 2 5 . — A linguagem incisiva dos discipulos pinta ao vivo o O ! s. MATTHEUS, VIII, 26-28. salva-nos: estamos perdidos!" E diz-lhes: Porque estais assustados, homens de pouca fé? Então er guendo-se, imperou aos ventos e ao mar, e fez-se grande bonança.” E ficaram os homens assombra dos, dizendo: Quem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem ? 28 E tendo chegado á outra banda, ao paiz dos Gadarenos,vieram-lhe ao encontro dois possessos, sahidos dos sepulcros, muito bravos, de modo que estado de perturbação do seu espirito. Entretanto Jesus, ex hausto de fadiga, dormia tranquillamente na pôpa, encostado sobre a almofada! (cf. Mc. 4, 38). 26. — Tranquiliza-os primeiro para poderem perceber me lhor o milagre que ia operar. Note-se a attitude serena e ma jestosa de Jesus imperando aos ventos e ao mar ! Na lingua gem biblica o dominio sobre os ventos e o mar é um attri buto da Divindade. (Cf. Ps. 17, 16; So, Io; 1o 3, 7; 1o5, 9. Nah. 1, 4. Is . 51, 1o) 27. — Effeitos do milagre. — O s homens, i. é , o s discipulos e a gente que ia nas outras barcas (Mc. 4 , 36). Todos corre ram egual perigo, e todos foram salvos pelo imperio de Jesus Christo. — Quem, Tororó;. E o mesmo que Troio, qual, de que especie ? O milagre applica-se admiravelmente ás persegui ções da Egreja no decurso dos tempos, e tambem ás tribula çõcs internas e externas que afligem o s justos. VIII, 28, 34 — Os possessos do Gadara. (Cf. Mc. 5, 1-17. Lc. 8 , 2 6 37.) A narração de s. Mc. é a mais extensa e particularizada. Tanto elle como s. Lc. falam apenas d'um possesso. No milagre antecedente manifestou-se o poder de Christo sobre a natureza; neste revela-se o seu imperio sobre os demonios. • 28. — Ao paiz dos Gadarenos, assim denominado por causa s. MATTHEUS, VIII, 29-32. 65 ninguem podia passar por aquelle caminho." E eis que bradaram, dizendo: Que ha entre nós e ti , Jesus, filho de Deus?! Vieste aqui atormentar-nos antes d o tempo? " Ora longe d'elles andava pastando um grande rebanho d e porcos. " E os demonios rogavam-lhe, dizendo: Se nos expulsas d'aqui, man da-nos para o rebanho dos porcos. * E disse-lhes: d a cidade de Gadara (hoje Umm Keis), metropole importante d a Peréa. Quanto a o logar onde aportaram, identificam-no com as ruinas de Gersa (Kersa, Kursi), nas proximidades do lago. Abundam alli o s despenhadeiros. — Determinado o lo gar, descreve o triste estado dos endemoninhados. 29. — Estremecem os demonios com a presença de Jesus Christo naquelle paiz gentilico, que consideravam como seu. Que h a entre nós e t i, i. é , que tens agora comnosco? Sabem que Jesus é o Messias, o juiz dos vivos e dos mortos, e que, depois d o juizo final, hão de ser encerrados no abysmo (2 Petr. 2 , 4), por isso temem que venha já lançá-los n o abysmo (Lc. 8 , 31), privando-os da liberdade de vaguear pelo mundo, fazendo mal aos homens. 3o. — Onde a Vulgata tem não longe, o texto grego tem longe (waxº%). A distancia é uma idéa relativa, que pode ser chamada grande o u pequena, conforme o termo de compara ção. 31. — Que profunda a degradação, a que chegaram esses espiritos sublimes! São verdadeiramente espiritos immundos, e tão fracos, que imploram por favor uma habitação immunda! Vê-se tambem como, neste mundo, o s demonios nada podem fazer sem permissão de Deus, 32. — Efeitos terriveis da possessão diabolica! Causou ta l panico e furor nos porcos, que, contra o instincto da propria conservação, se despenharam rocha abaixo n o lago. Eram cerca d e 2ooo (Mc 5 , 13). Este caso demonstra a falsidade 6 66 s. MATTHEUS, VIII, 33-34. Ide! E eles sahindo entraram nos porcos, e ei s que todo o rebanho se precipitou da rocha abaixo no mar; e morreram afogados. * Então os pastores fugiram; e chegando á cidade, contaram tudo, e o caso dos possessos. " E eis que toda a cidade sahiu a o encontro d e Jesus; e tendo-o visto, rogavam-lhe que se retirasse dos seus confins. dos que pretendem identificar as possessões diabolicas com a loucura ou nevroses. Não ha doença que, sahindo d'um ho mem á voz d'outro, vá produzir taes efeitos! 34. — Descreve o triste estado moral d'aquelles gentios, que rejeitaram a graça de salvação que Jesus lhes oferecia. A perda dos seus porcos, e talvez o receio d’outras perdas tem poraes, impediram que a boa semente da graça germinasse nos seus corações. Só lhes entrou nas almas o terror, que o s impediu de protestarem e de se irritarem contra Jesus. CAPITULO IX ! E tendo entrado na barca, atravessou o lago, e veio para a sua cidade." E eis que lhe apresenta ram um paralytico deitado num leito. E vendo Je sus a fé d’elles, disse ao paralytico: Tem confiança filho! são-te perdoados os teus peccados. " E eis • IX, 1-8 — Cura um paralytico. (Cf. Mc. 2, 3-12. Lc. », 18-26.) As narrações de s. Mc. e de s. Lc. são mais cir cumstanciadas. Um e outro realçam a multidão de povo api nhada em torno de Jesus, e descrevem o modo como os car regadores conseguiram depor o enfermo aos pés de Jesus. 1.— Para a sua cidade, i. é, para Capharnaúm, onde, de pois de deixar Nazareth (4, 13), estabelecera a sua morada. 2.— O facto deu-se estando Jesus ensinando em casa de Pedro, e era tanta a gente, que não cabia nem ainda á porta, Como não pudessem chegar com o paralytico aos pés de Je sus, subiram ao eirado, e tendo feito uma abertura, arrearam por ella a maça em que jazia o enfermo (Mc 2, 4).— A fé d'elles, i. é, do paralytico e dos quatro que o traziam. A pre sença de Jesus excitou no coração do enfermo a contricção de seus peccados, o que lhe mereceu a saude da alma antes da do corpo. — São-te perdoados, 32(swrzt, no presente. Alguns codices porém leem 2çãowrz (preterito dorico), que pode pro vir de Lc. 5, 23. 3, — Achavam-se alli muitos phariseus e escribas, vindos de Jerusalem, da Judea, e de todas as povoações da Galiléa (Lc. 5, 17), mais para o observarem e espiarem do que para ou 68 S. MAT II I EUs, 1X, 4-0. que alguns dos escribas disseram dentro d e si : Este diz blasphemias!" E como Jesus lhes visse os pen samentos, disse: Porque fazeis maus juizos em vossos corações? " Qual é mais facil, é dizer: São te perdoados o s teus peccados; ou dizer: Levanta te , e anda? º Ora para que saibais que o Filho d'ho mem tem n a terra poder d e perdoar peccados, então diz ao paralytico: Levanta-te, toma o teu virem a sua doutrina. — Dentro de s i, è w ázoroig, i. é , a sós com sigo, nos seus corações. Corresponde ao hebr. "="=. (Cf. Ps. 4 , 5 .) Argúem-no de blasphemo, porque sabem que só Deus pode perdoar peccados, e julgam que Jesus é um puro ho mem. Ora Jesus falava em seu proprio nome, e não como Nathan, quando declarou a David que Deus lhe tinha perdoado o seu peccado (2 Reg. 12, 13). 4 . — Manifesta-se como conhecedor dos segredos intimos d o coração humano, o que é tambem um attributo da Divin dade. (Cf. Jer, 17, 1o . Ps, 7 , 1 o . 2 Par. 6 , 3o.) Ao mesmo tempo revela a culpabilidade (maus juizos) dos pensamentos dos es cribas. • 5 . — Dizer, já se vê, com efeito, de modo que as palavras, á maneira dos ritos sacramentaes, effectuem o que significam. As duas obras são egualmente impossiveis a o homem, e egual mente faceis a Deus. Quem pode pois, por virtude propria, curar o paralytico só com uma palavra, tambem pode per doar peccados. O primeiro poder, que é visivel, manifesta e demonstra o segundo. 6 . — O Filho d'homem, como em 8 , 2 o . Este titulo messia nico apparece em tres series de textos: — 1. º naquelles em que Jesus fala da sua vida humana e do seu apostolado; — 2. º nos que se referem aos seus padecimentos e paixão;—3º quando fala da parusia, i. é , d a sua vinda gloriosa a o mundo para o julgar. • • s. MATTHEUS, IX, 7-1o. 69 mf. f3; U?" rk, } lá: # } n º; # leito, e vae para tua casa! " E levantou-se, e foi? p % para sua casa. º E as turbas vendo, temeram, e glorificaram a Deus, que deu ta l poder aos homens. 9 E proseguindo Jesus d’alli, viu um homem sen tado n o telonio, por nome Mattheus. E diz-lhe: Se gue-me! E levantou-se, e seguiu-o. º E succedeu estando ele na casa recostado á mesa, eis que muitos publicanos e peccadores vindo 8 . — Efeitos do milagre nas turbas. Em quanto os escribas e phariseus ficam mais obstinados em sua maldade, o povo, como mais bem disposto, louva e glorifica a Deus. O terror que d’elles se apodera é proprio das manifestações sobrena turaes da Divindade.— N’este passo do Evangelho está um dos fundamentos da confissão sacramental. Jesus Christo, que tinha o poder de perdoar peccados, bem podia commu nicá-lo aos apostolos. (Cf. Jo, 2o, 22.23. Mc. 16, 19; 18, 18.) 9 , 9-13. — Vocação de s. Mattheus. (Cf. Mc. 2 , 14-17. Lc. 5 , 27-32.) Este discipulo em s. Mc. e s. Lc. tem o nome de Levi, mas as º circumstancias das tres narrações são tão identicas que é impossivel não ver nellas o mesmo personagem com dois nomes differentes, o que não era desusado entre o s Ju deus. • 9 . — D’alli, i. é , d o logar onde curára o paralytico (9, 1-8). Mattheus, Mzrºzio; ou Mz=>zio;, como vem nos codices mais antigos (s B e D). Os publicanos formavam uma classe devi damente organizada, com seus respectivos chefes. (Cf. Lc. 19, 2 .) Eram, como todos o s agentes d o fisco, abominados pelos Judeus, que o s tinham na conta de peccadores publicos e es candalosos, cuja convivencia devia ser evitada. 1 o . — Mattheus, em signal de gratidão, deu um grande ban quete (Lc. 5 , 29) em honra de Jesus, para o qual convidou o s seus collegas. 7o S. MATTHEUS, IX, II-14 se recostavam á mesa com Jesus e os seus disci pulos. " E vendo isto os phariseus, diziam aos seus discipulos: Porque come o vosso mestre com publi canos e peccadores? º Mas Jesus tendo-os ouvido, disse: Não precisam os sãos de medico, senão os enfermos. " Ora ide aprender o que quer dizer: Mi sericordia quero e não sacrificio. Porque não vim cha mar justos, senão peccadores. 14 Então se chegaram a elle os discipulos de João, dizendo: Porque é que nós e os phariseus jejuamos com frequencia, e os teus discipulos não jejuam? - 11. — S. Mc. (5, 16) e s. Lc. (5, 3o) falam dos escribas e phariseus. Uns e outros fugiam, como de leprosos, dos ho mens que não guardavam a lei. Atacam os discipulos porque não ousam dirigir-se directamente ao Mestre. 12.—Dá razão do seu proceder. E medico e pastor das almas, por isso não pode deixar de tratar com peccadores para lhes fazer bem. A resposta corresponde á imagem do Messias delineada por Ezechiel em 34, 16. 13. — Ora ide..., fórmula de remetter um interlocutor para o estudo d'um texto, onde se continha a solução d’uma ques tão. A passagem allegada (Os. 6, 6) não reprova como inutil o sacrificio, mostra apenas d'um modo emphatico que antes, e acima do culto externo, em que os phariseus tanto se esme ravam, estão as obras de misericordia e de caridade. · IX, 14-17. — A questão do jejum. (Cf. Mc. 2, 18-22. Lc. 5,33-38) Este caso e os dois precedentes são narrados pelos tres Synopticos na mesma ordem. Aqui apparecem tambem como hostís a Christo os discipulos do Baptista, ciosos sem duvida da gloria do seu mestre, e escandalizados do banquete dado por Mattheus em honra de Christo. 14 — Notas. Mc. 2, 18 que os phariseus tambem tomaram s. MATTHEUS, 1 x , 15-17. 71 lº E disse-lhes Jesus: Porventura podem os filhos d o esposo chorar, emquanto está com elles o espo so? Dias virão em que lhes será arrebatado o espo so; e então jejuarão. º Ninguem deita um remendo d e panno novo num vestido velho; porque o re mendo puxa pelo vestido, e o rasgão torna-se ainda maior. " E ninguem deita vinho novo em odres ve parte nesta questão. O dito não jejuam deve tomar-se em sentido relativo, em comparação com o s frequentes jejuns dos phariseus e dos discipulos do Baptista. 1 5 . — Cada coisa tem seu tempo; o jejum quadra bem aos tempos de tristeza e de lucto, mas fica mal em tempo d e festa. Ora a nova alliança é representada na Biblia (cf. Os. 2 , 19) como um desposorio de Deus com o seu povo, que é chamado a esposa do Senhor (Jer. 2 , 2 , Ez. 16, 3). Jesus, que o proprio Baptista reconheceu como Messias, e a quem deu o nome de esposo (Jo. 3 , 29), está realizando na terra esse enlace espiritual, e os discipulos são o s seus paranymphos. — Filhos do esposo, na Galiléa, são os amigos e convivas do esposo, encarregados d e preparar e promover as festas nu pciaes. A expressão será arrebatado, 272:53, allude á morte violenta de Jesus. 1 6 . — Outra razão, tirada d’uma comparação usual, e que mostra a necessidade de fazer distincção entre as instituições d o Antigo e as d o Novo Testamento. O espirito das duas epo cas não é o mesmo, como cuidavam o s discipulos de João. — O panno novo (&#vzvo:) é o panno não apisoado, que se con trai com a humidade, e assim rasgaria ainda mais o vestido que com elle fosse remendado. O vers. 17 repete a mesma idéa e confirma-a com outra comparação. • IX, 18-26. — Cura a hemorrhoissa e resuscita a fi lha de Jairo. (Cf. Mc. 5, 22-43. Lc. 8 , 41-56.) As duas mar rações cruzam-se nos tres Synopticos, sendo a mais breve menos individuada a de s. Mt. 2 72 s. MATTHEUS, Ix, 18-22. lhos, d’outra sorte os odres arrebentam, e o vinho derrama-se, e os odres perdem-se. Mas o vinho novo deita-se em odres novos; e ambos se conser V3 II]. 18 Dizendo-lhes elle estas coisas, eis que chega um principal, e o adorava, dizendo: A minha filha acaba de falecer; mas vem, impõi a tua mão sobre ella, e viverá. º E Jesus levantando-se ia com elle e os seus discipulos. º E eis que uma mulher que havia doze annos padecia um fluxo de sangue, se chegou por detraz e lhe tocou a franja do vestido. * Pois dizia dentro de si : S e lhe toco apenas n o vestido serei salva. * Mas Jesus voltando-se, e vendo-a, disse: Tem 1 8 . — Um principal, i. é , um presidente o u chefe de syna goga. (cf. Mc. 5 , 22. Lc. 8 , 41.) — Adorava-o, i. é , prostava-se d e joelhos a seus pés. A palavra Senhor, que vem na Vulga ta, falta n o grego. 2o. — S . Mc. e s. Lc. accrescentam que a mulher padecera muito de muitos medicos, com o s quaes gastara todos o s seus haveres, e sem resultado algum. A doença era d'aquelas que implicavam immundicia o u macula legal (Lev. 15,25"). Era tam bem vergonhosa; é por isso que a mulher se approxima furti vamente de Christo, sem ousar declarar-lhe o seu mal. — A franja, xº%arsôow, i. é , o s fios de lã torcida que o s Judeus tra ziam pendentes das extremidades inferiores da capa, em me moria d a le i (cf. Num. 15, 38-4o). Chamavam-lhes n'xx. 22. — S. Mc. (5, 29-34) e s. Lc. (8 , 45-48) narram melhor esta scena commovente, em que Jesus manifestou a sua omniscien cia. Tanto neste, como em todos os outros casos, Jesus attri s. MATTHEUS, Ix, 23-26. 73 confiança, filha; a tua fé salvou-te. E desde aquella hora ficou a mulher salva. * E tendo Jesus chegado a casa do principal, e visto os tocadores de flauta, e o tumulto da gente, dizia: ** Retirae-vos, porque a menina não está morta, mas dorme. E escarneciam d'elle. ** E lan çada fóra a gente, entrou, e pegou-lhe da mão, e a menina levantou-se. " E correu esta fama por toda aquella região. bue sempre a graça concedida á fé da supplicante, o que mos tra claramente quanto ella é meritoria. 23. — Omitte s. Mt. o recado vindo de casa do archisyna gogo, participando-lhe a morte da filha, para que não incom modasse mais a Jesus (Mc 5, 35-36. Lc. 8. 49-5o). A morte era tão certa que, quando Jesus chegou a casa, já estavam pranteando a defuncta com musica funebre e lamentos de car pideiras, segundo o uso oriental. 54. — Manifesta o seu dominio sobre a vida e a morte. A morte da menina, que tinha doze annos (Mc. 5, 42), não era definitiva, mas temporaria; por isso lhe chama somno. E'-lhe tão facil resuscitar um morto como acordar uma pessoa que dorme. — Escarneciam d'elle, porque «sabiam que estava morta» (Lc. 8, 53). 2 5 . —Conservou apenas, para testemunhas do milagre, além dos paes da menina, os tres discipulos Pedro, Tiago e João (Mc 5 , 37). S . Mc. (51, 41) conservou-nos as proprias palavras aramaicas com que Jesus a mandou levantar: Tali thá cúmi (= '="? Nnºº), «menina, levanta-te». E mandou que lhe dessem de comer, para se certificarem bem de que real mente estava viva. IX, 27-31. — Dá vista a dois cegos. Vem só em s. Mt. que narra mais dois milagres d’este genero em 12, 22.° e 2o, 2O.º 74 s. MATTHEUS, I x , 27-31. 27 E partindoJesus d’alli, seguiram-no dois ce gos, clamando e dizendo: Compadece-te de nós, fi lho de David!" E tendo chegado a casa, approxi maram-se d’elle o s cegos. E diz-lhes Jesus: Credes que vos posso fazer isso? Dizem-lhe: Sim, Senhor! º Então lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se-vos, segundo a vossa fé." E os olhos se lhes abriram ; e Jesus os ameaçou muito, dizendo: Vêde que nin guem saiba! " Elles porém sahindo divulgaram o caso por todo aquelle logar. 27. — Filho de David é uma confissão messianica (cf. 22, 42. Jo. 7 , 42), o que mostra que a este tempo (segundo anno do ministerio de Jesus), já havia quem suspeitasse o u cresse que Jesus era o Messias. Todos os cegos por elle curados ma nifestam esta fé , que Jesus approva e confirma com seus mi lagres. • 28. — Deve entender-se, segundo todas as probabilidades, a casa d e Pedro, em Capharnaúm onde Jesus habitava (cf. 8 , 14; 9 , 1 ). Não o s interroga para saber; mas para o s consoli dar mais na fé, e realçar o merito d’ella. 3o. —Ameaçou muito, y=3otuxazro, i. é , ordenou-lhes com palavras graves e severas. Não é humildade o u modestia, mas desejo de evitar a inveja e o odio dos escribas e pha riseus (cf. 8 , 4). - 31. — A gratidão poude mais com os cegos do que as amea ças d e Jesus, que elles naturalmente lançaram á conta de hu mildade. IX, 32-34 — Cura um possesso mudo. (Cf. Lc. 11, 14-15.) Mais adeante, em 12, 22-37, vem um caso semelhante, com a mesma blasphemia dos phariseus, que deu logar a uma replica vehemente de Jesus Christo. s. MATTHEUS, Ix , 32-35. 7 5 32 E tendo elles sahido, eis que lhe apresentaram um homem mudo e possuido d o demonio. º E lan çado fóra o demonio, falou o mudo, e admiraram se a s turbas dizendo: Nunca tal se viu em Israel! * Os phariseus porém diziam: Pelo principe dos demonios é que elle expulsa o s demonios. 35 E ia correndo Jesus todas as cidades, e aldeias, ensinando nas synagogas d’elles, e prégando o evangelho d o reino, e curando todas as doenças e 32. — Vê-se pelo verso 33 que a mudez êra efeito da pos sessão diabolica, que pode causar doenças physicas o u andar acompanhada d’ellas. Erram pois o s que pretendem reduzir a s possessões do Evangelho a casos pathologicos. 33. — Havia exorcistas entre os Judeus (12, 27), que expulsa vam o s demonios por meio de longas fórmulas e conjuros, que nem sempre sortiam efeito. Jesus porém expulsa os demo nios com uma só palavra, por virtude propria, e como quem tinha poder e imperio sobre o s espiritos malignos. E este modo nunca visto de exorcizar que enchia as turbas de admi ração. 34. — Perversidade dos phariseus! Querem impedir o bom efeito do milagre no povo, insinuando calumniosamente que Jesus tinha pacto com o principe dos demonios (cf. 1o, 25; 12, 24). E de suppor que esta blasphemia fosse dita em au sencia de Christo, aliás não teria ficado sem resposta. IX, 35-38. —Compadece-se das turbas. O presente paragrapho é destinado a mostrar a necessidade de prover o povo de Deus d'outros chefes e pastores, mais zelosos da glo ria de Deus e d o bem das almas. Serve portanto de introdu cção á nova secção (to, I-13, 58), em que Jesus vai lançar o s fundamentos do reino messianico. 35. — Descreve o modo do apostolado de Jesus Christo, e 76 s. MATTHEUS, 1x, 36-38. todos os achaques. " E vendo as turbas, condoeu se d’ellas, porque estavam opprimidos e prostrados como ovelhas sem pastor. "Então diz aos seus dis cipulos: A messe de certo é muita, mas os obreiros poucos! º Rogae pois ao Senhor da seara, que mande obreiros para a sua messe. assim a occasião que teve de observar de perto a miserrima condição moral e religiosa do povo, abandonado pelos seus chefes e pastores. (Cf. 4, 23.) 36. — Rebanho do Senhor e ovelhas da sua pastagem são imagens frequentes na Biblia para designar o povo de Deus. — Condoeu-se, arX2YKyícôm, o que indica um sentimento intimo e profundo de commiseração, que abala o homem até ás entra nhas (ar).37.wow). As nossas palavras condoer-se, compadecer-se, indicam a participação activa e sentida nos males alheios. — 0pprimidos, axo).vévo, i. é, dilacerados, esfolados. E' um ge nero de crueldade que os prophetas lançam em rosto aos pastores de Israel (Mich. 3, 2) . —Acha a grei do Senhor no mesmo estado em que já a tinha encontrado o propheta Eze chiel (34, 3-6). :7 e 38. — Desabafa com os discipulos para os mover á compaixão e ao zelo apostolico. Ao mesmo tempo mostra a necessidade d'uma missão divina para se exercer o apostolado n a messe d o Senhor. Quem não tem esta missão, não pode ser apostolo o u reformador d o povo de Deus. Não o entendem porém assim o s protestantes. CAPÍTULO X 1 E convocados os seus doze discipulos, deu lhes poder sobre os espiritos immundos para os expulsa rem, e para curarem todas as doenças e todos os achaques. * Ora os nomes dos doze apostolos são estes: Si mão, que se chama Pedro, o primeiro, e André, seu irmão; º Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Philippe e Bartholomeu; Thomé e Mattheus, O publicano; Tiago, filho de Alpheu, e Thaddeu; º X, 1-4 — O Collegfo apostolico. A fundação do colle gio apostolico vem propriamente em s. Mc. 3, 13-19, e em s. Lc. 6, 12-17. S. Mt., que suppõi essa fundação, traz apenas aqui um catalogo dos apostolos, por causa da missão que Je sus lhes confiou e que passa logo a narrar (1o,5°). Além d’es ta , o Novo Testamento tem mais tres relações dos apostolos: duas em s. Mc. e s. Lc., e outra nos Actos 1 , 13. Pedro occupa sempre o primeiro logar, e Judas o ultimo, menos nos Act. 1 , 13, onde já não é nomeado. S . Mt. põi-se a si mesmo n o 8 º logar (como nos Act. 1 , 13), accrescentando a o seu nome o de pu blicano; s. Mc. e s. Lc. dão-lhe o 7º 1 . — Confere aos seus discipulos o poder de operar mila gres, para lhes conciliar auctoridade e respeito no desempe nho da missão que lhes ia confiar. Não é portanto de extra nhar que este poder persevere n a Egreja, e como um signal caracteristico e visivel dos verdadeiros discipulos de Christo. (cf. Mc. 16, 17-18.) Comtudo esta graça, inherente ao aposto lado, não o está aos cargos ecclesiasticos, em razão d o oficio. 2 a 4 . — Nomeia o s doze aos pares, sendo este o unico lo 78 s. MATTHEUS, X, 5. Simão Cananeu, e Judas o Iscariotes, o que veio a ser traidor. 5 A estes doze enviou Jesus dando-lhes instru cções, dizendo: Não ireis a terras de gentios, e não gar em que os chama apostolos. Ora apostolo, do grego 3x377%; (de 372-7:5779, enviar) significa legado, mensageiro, mandado com ordens ou instrucções. Corresponde, quanto ao sentido, ao hebraico nºvº e ao rabbinico nºv, de nºv, mandar, enviar. Os apostolos portanto são legados de Jesus Christo para o des empenho d’uma missão especial, que elle lhes confiou. — Pri meiro, em razão do logar proeminente que occupa no colle gio apostolico, de que é o chefe. Não designa a ordem no ca talogo, porqme faltam os ordinaes seguintes, segundo...; nem a prioridade de vocação ao discipulado, porque André veio primeiro que Simão. Sobre o nome Pedro cf . 4 , 1 8 . André e Philippe são nomes gregos; Bartholomeu é o mesmo que «fi lho de Tolmai»; Thaddeu chamava-se tambem Lebbeu, «o co rajoso» (de =", coração); Cananeu, em aramaico "-N-7 (em he breu s-7) significa «o zeloso» da le i e honra de Deus. E ' um cognome honroso (cf. Num. 25, 7. Gal. 1 , 1 4 . Act. 21, 2o), que nada tem que ver com a seita dos zelotas, que tanto sangue derramaram durante a guerra judaica. Iscariotes, em hebraico r"… vºs é o «homem de Kerioth», cidade da tribu de Judá. X, 5-15 — Missão dos apostolos. — Primeira serie d'instrucções. Envia Jesus os apostolos em missão dando lhes para isso as devidas instrucções. Determina-lhes, nesta serie, o campo e o fim da presente missão ( , o, 5-7), que é tem poraria e particular, e para que a possam exercer dignamente, confere-lhes o seu poder sobrenatural, mandando-lhes que imitem a sua vida de pobreza (1o, 8-1o), e ensinando-lhes como se hão de haver com os que o s receberem o u repellirem (1o, 11-15). • 5 . — Determina o logar onde não devem ir , recommendan s. MATTILEUs, x, 6-8. 79 entrareis em cidade de Samaritanos; º mas idean tes ás ovelhas perdidas da casa de Israel." E indo prégae, dizendo: Está proximo o reino dos céos. º Curae enfermos, resuscitae mortos, purificaele do-lhes que não saiam para fóra da Palestina, i. é, da Judéa e da Galiléa, nem entrem na Samaria, encravada entre estas duas provincias. Gentios, 50%, são os povos alheios ao culto do verdadeiro Deus, os =": (ghoim) do A. T. Onde a Vulgata lê civitates, o grego tem só r?)…», cidade, no singular. Os Sa maritanos adoravam o verdadeiro Deus, mas no monte Gari zim, e não em Jerusalem; além d’isto só reconheciam como sagrados os livros de Moysés. Eram uma população mista, composta de Judeus, restos do antigo reino de Israel des truido pelos Assyrios, e de colonos enviados para ali de Ba bylonia, de Cutha, de Ava, de Hamath e de Sepharvaim. Os Judeus chamavam-nos Cutheus, e evitavam todo o trato e commercio com elles (Jo. 4. 9). 6.— A missão temporal e visivel de Jesus Christo foi cir cumscripta ao povo de Israel (15, 24), depositario da palavra revelada e das promessas messianicas. Tinham pois, como fi lhos do reino (8, 12), o direito de precedencia. Os apostolos guardaram depois esta mesma ordem na prégação do evan gelho (Act. 13, 46. Rom. 1, 16), como o proprio Jesus lhes indicou (Act. 1, 8) . — Da casa, i. é , d a familia de Israel. Israel é o segundo nome de Jacob a partir do Gen. 32, 28, em me moria da lucta que sustentou com o anjo d o Senhor. Casa o u familia de Israel são o s descendentes de Jacob, o povo judaico. • 7 . — Determina o argumento geral da prégação, a proxima instauração do reino messianico (cf. 3 , 2 ; 4 , 17.) Prégae, xzºócairi, o que indica uma intimação solemne, publica e au ctoritativa, como a que fa z o pregoeiro (cãº). 8 . — Dá-lhes o poder de fazer milagres para com elles com firmarem a divindade da sua doutrina e missão, e ao mesmo 8o S. MATTHEUS, X, 9-11. prosos, expulsae demonios; dae de graça o que de graça recebestes, º Não procureis adquirir oiro, nem prata, nem cobre para os vossos cintos; º nem al forge para o caminho, nem duas tunicas, nem cal çado, nem bordão; porque o operario é digno do SeU SUlStGITtO. " Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes, perguntae quem nella seja digno e ahi hospedae-vos – ——---- r-- tempo conciliarem por beneficios absolutamente gratuitos a benevolencia dos Judeus. E pela caridade, pelos beneficios materiaes que o apostolo deve abrir caminho para chegar ás almas. 9 e 1o . — Sobre 9-15 cf . Mc. 6 , 8-11 e Lc. 1o, 4-12. Recom menda-lhes o mais absoluto desinteresse, promettendo-lhes a assistencia divina, que não lhes faltará com o necessario para a vida. Esta doutrina é capital sobretudo nesta epoca agitada em que muitos não veem na separação da Egreja e d o Estado outro mal senão a ruina d o clero por falta de con grua dotação ! Não está ahi o mal; seja o clero o que deve ser, vá ao povo, como Jesus fez e ensinou, cumpra com o seu dever, que Deus o sustentará. O bom clero não é o clero rico e sustentado pelo Estado, mas o clero zeloso, e tão aposto lico como desinteressado. Este é o espirito; quanto á letra essa pode variar conforme as circumstancias, e seria erro transformar estas normas de Christo em regras universaes e invariaveis. Os proprios apostolos não se conformaram sem pre com elas (cf. 1Cor. 9 , 5 ), e s. Paulo ensinou que o s mi nistros d o altar devem viver d o altar, e que o dever de sus tentá-los incumbe aos fieis. (cf. 1Cor. 9 , 7-14. Gal. 6,6. Rom. 15,27.) 11. — Regra pratica de prudencia sobre a escolha de hos pitalidade. Tem por fim pôr em salvo o bom nome e a digni dade dos apostolos. s. MATTHEUS, x, 12-15. 81 # {-\} lº 0$ :: até sahirdes. " E ao entrardes nalguma casa, sau dae-a dizendo: A paz seja nesta casa. º E se real mente essa casa fôr digna, virá sobre ella a vossa paz; se porém não fôr digna, a vossa paz tornará para vós." E se alguem vos não receber, nem ou v ir a s vossas palavras, sahindo para fóra d'essa casa o u povoação, sacudi o p ó dos vossos pés. " Em verdade vos digo: a terra de Sodoma e de Gomorrha, n o dia de juizo, será tratada com menos rigor d o que essa povoação. 1 2 . — Como se hão de haver para com as casas onde en trarem. Nalguma casa (cf. Lc. 1o. 5), o que é melhor do que n a casa, embora o grego tenha s i; riº oixízº. O singular com o artigo pode tomar-se em sentido generico. A paz invocada sobre a casa é a paz messianica, o conjuncto de todas as graças e bençãos que Jesus veio trazer á terra. 1 3 . — Bençãos reservadas ás familias dignas, que receberem bem e hospedarem o s apostolos. — Tornará para vós, i. é , fi cará sem efeito. 1 4 e 15. — Ameaça com os mais terriveis castigos as fami lias o u cidades que fizerem mau acolhimento aos apostolos. Compara-os aos gentios, julgando-os ainda peores que o s ha bitantes de Sodoma e de Gomorrha, «homens abominaveis, e excessivamente peccadores aos olhos de Deus» (Gen. 13, 13).— Sacudi o pó... contra elles, em signal de que não quereis ter parte ou communhão alguma com gente tão abominavel e votada a o exterminio. Assim o faziam o s Judeus, quando subiam á collina de Sião onde estava o templo, o u entravam n a Palestina, que era a terra de Iáhve, vindos de terras de gentios. X , 16-42. — Missão dos apostolos. Segunda serie de instru cções. Passando depois ámissão futura, universal e permanente, O 82 s. MATTHEUS, x, 16-18. 16 Eis que eu vos mando como ovelhas entre lo bos. Sêde portanto prudentes como as serpentes, e simples como as pombas. " Acautelae-vos porém dos homens. Porque hão de entregar-vos aos sane drins, e vos hão de açoitar nas suas synagogas; º e sereis levados por meu respeito á presença de que hão de exercer no mundo até á consummação dos seculos, declara-lhes antes de tudo os grandes perigos a que hão de andar continuamente expostos, recommendando-lhes a pru dencia e a simplicidade (1o, 16-2o) Descreve individuada mente esses perigos, que são exactamente os mesmos por que elle passou (to, 21-25), por isso não devem temer os ho mens, mas confiar na protecção do céo (Io, 26-33). São dis cipulos de Christo e continuadores da sua obra; hão de ser portanto tratados como o seu Mestre. Ai d'aquelles que os não ouvirem; ditosos porém os que os receberem (1o, 34-42). 16. — Eu vos envio, expressão solemne e de auctoridade ! O collegio apostolico recebe immediatamente de Christo a sua missão, que é universal, e independente das auctoridades civis ou temporaes. Não diz que os envia aos lobos, mas que andarão como ovelhas entre lobos; tantos serão os perigos que os hão de rodear no desempenho da sua missão. — Pru dentes como as serpentes é uma phrase proverbial. E o mesmo que recommendar-lhes cautela, precaução e sabedoria pratica. — Simples = 2xéçzio, i. é, sinceros, sem astucia nem dobrez, sem resentimento nem espirito de vingança. • 1 7 . — Sobre 17-22 cf . Mc. 13, 9-13 e Lc. 21, 12-17. Prediz lhes as perseguições por parte dos Judeus. — Dos homens, i. é , dos inimigos d o reino de Deus e da verdade. São o s re presentados pelos lobos. 18. — Perseguições por parte dos gentios. — A elles, i. é , aos Judeus. Tanto elles como os gentios hão de ser testemu * s. MATTHEUS, X, 19-23. 83 governadores e reis, em testemunho de mim a elles e aos gentios. º E quando vos entregarem, não vos dê cuidado como ou o que haveis de dizer, º Por. que não sois vós os que falaes, mas o espirito do vosso Pae, que fala em vós. ** E ha de um irmão entregar seu irmão á morte, e um pae seu filho; e levantar-se-hão filhos contra paes, e lhes darão morte; ** e sereis aborrecidos de todos por causa do meu nome; mas aquelle que perseverar até ao fim, esse será salvo. * E quando vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra. Em verdade vos digo, não acabareis de percorrer as ci nhas da fé , coragem e constanciados apostolos, e até nos tribunaes hão de ouvir a fé e doutrina de Christo. 1 9 e 2o. — Promette-lhes a assistencia do Espirito Santo, que o s tornará invenciveis e irrefutaveis. 21. — Divisões e luctas intestinas excitadas pelo odio contra Christo, que nem respeitará os laços mais intimos da familia! 22. — De todos o s homens inimigos da verdade e do bem. — Até ao fim das perseguições. Perseverar, Úrcuíwsw (= sub manere) suppõi a permanencia paciente e constante sob o peso das tribulações. 23. — Recommenda-lhes comtudo que evitem com pru dencia as tribulações e perseguições, e que saibam ceder-lhes a tempo. — As cidades de Israel não são as cidades da Pa Palestina, mas as cidades em que Israel habita, e que estão espalhadas por todo o mundo. Quando Christo vier a julgar o mundo h a d e encontrar o s apostolos no desempenho da sua missão. Estas palavras seriam vans, se o collegio aposto lico não fosse uma corporação viva e permanente na Egreja até á consummação dos seculos, O protestantismo desconhece esta verdade. 84 s. MATTHEUS, x, 24-28. dades de Israel até vir o Filho d'homem. * Não é o discipulo superior ao mestre, nem o servo supe rior ao seu senhor, º Basta ao discipulo que seja como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor. Se ao pae de familia chamaram Beelzebub, quanto mais aos de sua casa ? * Portanto não tenhaes medo d'elles; porque não ha nada encoberto que não venha a descobrir-se, nem occulto que não venha a saber-se." O que vos digo ás escuras, dizei-o ás claras; e o que ouvis á puridade, publicae-o dos eirados. * E não tenhaes 24 e 25. — Anima-os com o seu proprio exemplo. Beelzebub ou Beelgebul (cf. Bab el mandel e Bab el mandeb) é um nome de Satanás, o principe dos demonios. Parece ser composto de *>=, beel, (não ºzz, baal como teem alguns), senhor, e "=" (em vez de ="=") mosca. Beelzebub é portanto o senhor das moscas, o deus que as afasta ou afugenta, semelhante as s ò ; 27óvoto; dos Gregos, e a o deus myagrus dos Romanos. No 4 Reg. 1 , 2 *?= ="=" é o deus dos Accaronitas, e é provavel que o s Judeus, em odio e desprezo da idolatria, dessem este nome a Satanás. No texto presente Jesus allude a o commercio o u trato com Beel zebub que o s phariseus lhe exprobraram (cf. 12, 24"). 26. — Sobre 26-23 cf . Lc. 12,2-9. Portanto! visto que sofrem por amor Jesus, em união com elle e pela mesma causa. Tempo virá em que a santidade dos apostolos e a perversidade dos seus inimigos hão de ser manifestas a todos. 2 7 e 2 8 — Exhorta-os a prégar animosamente o evangelho, sem receio nem temor algum. — A puridade, i. é , nas ins trucções particulares. —No verso 28 ensina-os a não temer os males temporaes, pondo-lhes deante dos olhos a gehenna (cf. 5 , 29, 3o), i. é , o supplicio d o fogo eterno. Até os apostolos precisam d o amparo d o temor de Deus para perseverar n o bem ! sãº" s. MATTHEUS, x, 29-36. S5 medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquelle, que pode lançar a alma e o corpo na «gehenna». * Não se vendem dois pardaes por um «asse»? E comtudo nem um só d’elles cahirá sobre a terra sem permissão do vosso Pae. 3º Ora em vós até os cabellos da cabeça estão todos contados. "Portanto não temaes; mais do que muitos pardaes valeis vós. * Todo aquelle pois que me confessar deante dos homens, tambem eu o confessarei deante do meu Pae que está nos céos. * Mas quem me negar deante dos homens, tambem eu o negarei deante do meu Pae que está nos céos. * Não julgueis que vim metter paz na terra; não vim metter paz, mas espada. *Porque vim separar o homem contra seu pae, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra. " E os inimigos do ho 29 a 31. — Providencia natural que Deus tem dos seus (cf. , 6, 26-31). — Por um «asse», i. é, por um nada, por um ceitil. O «asse» ramano (os rabbinos chamam-lhe ==s) equivalia, no tempo de Christo, á 16.º parte do «denario» (originariamente = Io «asses»), que valia em francos o,85, approximadamente. 32 e 3 3 . — A me confessar (Vulgata) corresponde no grego *p2X27 (ast y ºu% (= in me), o que deve referir-se á união moral (como o em Christo de s. Paulo) dos discipulos e confessores com Jesus Christo, união que é essencialmente mutua (cf. Jo. 15, 4). Outros veem em y sucí, em mim, um aramaismo. 3 4 a 36. —Cf. Lc. 12, 51-53. Divisões e odios que hão de resultar da necessidade de abraçar a fé , e d e confessar a Christo. Não é um fim, que Jesus tenha em vista, mas um resultado d a maldade dos homens, que ele não deixará viver em paz com 86 S. MATTHEUS, X, 37-4o. mem serão os de sua casa. " Quem ama a seu pae ou a sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim, e quem ama a seu filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim. * E quem não toma a sua cruz, e me segue, não é digno de mim. º Quem salvar a sua vida, perdê-la-ha; e quem a perder por meu respeito, achá-la-ha. " Quem vos seus vicios. O amor de familia ha de converter-se em odio, perseguindo o filho infiel o pae fiel, e os fieis hão de encon trar perseguidores entre os que com elles habitam debaixo do mesmo tecto familial. • 37. — Necessidade de amar a Christo sobre todas as coisas: Ao modo hebraico s. Mt. tambem poderia dizer, como s Lc. (14, 26): «Quem não tem odio ao pae e á mãe, não é digno de mim». Na linguagem hebraica «ter odio» (sentido relativo) a uma pessoa, é o mesmo que amá-la menos do que outra. (cf. Rom. 9, 13 e Mal. 1, 2. ) Nesta passagem Christo exige para si um amor que so é devido a Deus. Fala pois com plena cons ciencia da sua divindade. 5 8 e 3 9 . — Exige que o amemos mais d o que a nós mesmos, preferindo o s seus interesses á nossa propria vida. Na expressão me segue h a uma allusão ao genero de morte que Jesus havia d e padecer. Os cruciarios levavam aos hombros o instrumento d o seu supplicio. No verso 39 ha, no grego e no latim, um trocadilho elegante n a palavra ko/á (= anima, alma) que é tomada successivamente como principio de vida temporal, e como informada de vida eterna e immortal. Quem lucra a vida temporal negando a Christo, perde a vida eterna e immortal. 4 o a 42. — Bençãos promettidas aos que derem hospitalidade aos apostolos e o s ajudarem n o desempenho da sua missão. São enviados de Jesus Christo, como elle o é do Pae celeste Quem pois o s recebe, como apostolos e por serem taes, recebe a o proprio Christo! —Terá recompensa do propheta, porque S. MATTHEUS, X, 41-42. 87 recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquelle que me enviou. " Quem recebe um pro pheta, a titulo de propheta, terá recompensa de pro pheta; e quem recebe um justo, a titulo de justo, terá recompensa de justo. "E todo aquelle que der de beber a um destes pequeninos, mas que seja um copo d'agua fresca, a titulo de discipulo, em ver dade vos digo, não perderá a sua recompensa. se torna seu auxiliar e cooperador. — Os pequeninos aponta dos com o dedo no verso 42 são os apostolos e discipulos de Christo. São taes aos olhos do mundo (1 Cor. 1, 27), mas no bres e illustres aos de Deus. O mais pequenino obsequio feito aos discipulos de Christo terá sua remuneração deante de Deus. CAPITULO XI ! E aconteceu tendo Jesus acabado de instruir os seus doze discipulos, passou d’alli para ensinar e prégar nas cidades d’elles. * João porém tendo ouvido na prisão as obras do Christo, mandando dois dos seus discipulos, º dis se-lhe: Tu és o que ha de vir, ou esperamos por XI, 1-6. — Os enviados do Baptista. (Cf. Lc. 7, 18-23.) Envia João uma delegação a Jesus propondo-lhe a questão messianica, não porque ele hesitasse ou duvidasse, mas para lhe proporcionar occasião de manifestar mais claramente a sua messianidade. O fim do Baptista era levar os seus disci pulos, morosos e hesitantes, ao reconhecimento da messiani dade de Christo. A narração de s. Lc. é mais individuada. 1.— D’alli, i. é, do logar onde estava, quando disse aos seus discipulos: «a messe de certo é muita, mas os obreiros, poucos» (9, 37). — D’elles, i. é, dos Galileus. 2. — Na prisão da fortalezade Macheronte (hoje Mkhaur, na fronteira meridional da Peréa, na costa oriental do Mar morto), onde Herodes Antipas o tinha encerrado. — As obras de Christo são os seus milagres (cf. Lc. 7, 8 e Jo. 5, 36), que manifestavam claramente que elle era realmente o Christo, o Messias. • 3. — O que ha de vir, 4 e/ºusyoz, é um dos nomes do Messias, como objecto da expectação de todo o povo judaico. Os rabbinos tambem chamavam á epoca messianica s2n ="">n, o seculo futuro. (Cf. Hebr. 6, 5; 9, 11.) s. MATTHEUS, x1, 4-S. 89 outro? " E respondendo Jesus disse-lhes: Ide e con tae a João as coisas que ouvis e vedes. º Cegos veem, coxos andam, leprosos são purificados, sur dos ouvem, mortos resuscitam, pobres são evange lizados. " E ditoso o que se não escandalizar em mim. 7 E indo-se elles começou Jesus a falar de João ás turbas: Que sahistes a ver ao deserto? uma canna agitada pelo vento? º Mas que sahistes a ver? um 4.— Dá-lhes uma resposta indirecta, appellando para os seus milagres, que davam testemunho de quem elle era. (cf. Jo. 5, 36; 1 o , 25, 28; 14, 12; 15, 24.) O presente ouvis e vedes, 3x2úsrs x z 3xérsrs, refere-se aos numerosos milagres operados por Jesus em presença dos discipulos de João. (cf. Lc. 7 , 21.). S . Lucas 7 , 2 2 emprega o preterito. 5 . — Enumera os seus milagres com palavras de Isaias (35, 5°; 61, 1 ), para lhes mostrar como nelles se estavam cum prindo o s vaticinios. — Pobres, em hebraico =">, são o s mi seros e aflictos, que suspiram e esperam pela salvação pro mettida por Deus. 6 . — Em mim, i. é , n a minha pobreza, humildade e paixão. Tal fo i com efeito a pedra em que tropeçaram os Judeus, como já o tinha prophetizado Isaias (53, 1 , 4), e tambem o velho Simeão (Lc. 2 , 34). Estas ultimas palavras são uma grave advertencia para o s discipulos de João, que tambem estavam imbuidos dos preconceitos judaicos relativos ás gran dezas temporaes d o Messias. XI, 7-15, — Faz o elogio do Baptista. (Cf. Lc. 7 , 24. 28) Elogia a firmeza, a austeridade e a dignidade mais que prophetica d o Baptista; declara acabado o tempo de prepa ração, e inaugurada a epoca messianica. 7 a 9 . — O elogio d o Baptista involve ao mesmo tempo 90 S. MATTHEUS, XI, 9 1 1. homem regaladamente vestido? Eis os que se ves tem com regalo estão nos palacios dos reis. º Mas que sahistes a ver? um propheta ? Sim, vos digo, e mais que propheta. " Porque este é aquelle do qual está escripto: Eis que eu envio o meu anjo adeante de t i, E preparará o teu caminho deante de ti . " Em verdade vos digo, entre os nascidos d e mulheres, nenhum surgiu maior d o que João o Baptista; entretanto o mais pequeno no reino dos uma vigorosa e ironica increpação das turbas, que tendo rece bido o Baptista com tanto alvoroço, e reconhecido nelle um propheta de Deus, não quizeram crer n o testemunho que elle deu em favor da messianidade de Jesus. A palavra canna (v . 7 ) pode ser tomada em sentido proprio, o que torna a arguição mais vehemente e ironica; comtudo a maior parte tomam-na em sentido metaphorico, como symbolo d o homem leviano e inconstante. Um e outro sentido, o primeiro sobretudo, con trastam singularmente com o verbo Oszczadz, contemplar" — Mas (v . 8 e 9) corresponde a 3XX%,que, depois de interroga ções negativas, involve uma negação implicita: «certamente que não, mas...». (cf. Jo. 7 , 49, 1 Cor. 6 , 6 ) 1o. — Explica em que sentido João é mais que propheta: porque é o precursor immediato d o Messias, e foi tambem previamente annunciado por um propheta. No vaticinio de Malachias (3, 1) é Deus Pae que fala a o Messias. —0 meu anjo, i. é , o meu mensageiro o u legado ( =TNºr). 11. — Não surgiu, ou melhor, não foi suscitado por Deus (2öx &###ç72) outro (subentende-se) propheta. Entretanto o reino messianico é tão excellente, que o infimo dos seus cida S. MATTHEUS, XI, 12-14. O I céos é maior do que elle. " Ora desde João Bap tista até agora, o reino dos céos padece força, e os violentos arrebatam-no. º Porque todos os prophe tas e a le i prophetizaram até João, " e se o quereis dãos, que são todos filhos adoptivos de Deus, é maior em dignidade sobrenatural do que o proprio Baptista como pro pheta. O charisma prophetico, por mais excellente que seja, não é um dom santificante, nem confere ao homem uma digni dade tão elevada como a de christão e filho adoptivo de Deus. 12. — Contraste entre a missão d o Baptista e o efeito da sua prégação! O reino messianico cuja proxima instauração elle annunciou, longe de ser estimado e buscado com avidez, padece força, 6:2-rz, i. é , é fortemente impugnado, e o s violentos (escribas, phariseus...) que o impugnam, arreba. tam-no aos que nelle desejam entrar. Esta explicação é a que meihor quadra á forma passiva de 62%, ao contexto, que suppõi um contraste, e á historia da prégação evangelica. 13. — Dá razão da annunciação e instauração da nova ordem d e coisas. E ' porque terminou com João o tempo da annun - cieção prophetica d o Messias contida na lei (no pentateucho) e nos prophetas (nos outros livros do A.T.). O verso 13 re fere-se aos versos precedentes Io, 11 e 12, não sendo neces sario, por causa d o nexo logico, alterar a ordem dos versicu los (11, 13 e 12). 1 4 . —Tira a conclusão da doutrina exposta relativa á digni dade e missão de João. A Biblia fala de duas vindas do Messias, uma gloriosa, outra pobre, humilde e padecente, cada uma d’ellas precedida do seu precursor. Elias é o precursor da se gunda vinda d o Messias (17, 11), e d’elle fala Malachias em 4 , 5-6. Em 3 , 1 fala d o precursor da primeira. Como o s Judeus confundiam estas duas vindas, esperavam um só precursor. E por isso que Jesus, alludindo a esta confusão, e distinguindo o s dois precursores um d o outro, lhes diz que João é Elias, 92 s. MATTHEUS, x1, 15-19. receber, elle é Elias, o que ha de vir, º Quem tem ouvidos de ouvir, oiça. 16 E a quem assemelharei eu esta geração? E' semelhante aos meninos sentados na praça, que bradando aos seus eguaes, " dizem: Tocámos flauta, e não dançastes: Entoámos lamentações, e não chorastes! º Porque veio João não comendo, nem bebendo, e dizem: E' um endemoninhado! "º Veio o Filho d'ho não em pessoa, mas em dignidade e oficio. Como propheta e precursor João é typo de Elias. 1 5 . — Exhorta-os a ponderar attentamente o que tinham ouvido, para o entenderem e tirarem as conclusões praticas. Em substancia tinha-lhes dito que era chegado o tempo me nianico, e que ele mesmo, que alli estava, era o Messias. XI, 16-19. — Increpação do povo. (Cf. Lc. 7, 31-35.) Reprehende a contumacia e obstinação dos Judeus, que não comprehenderam o Baptista nem a elle, o Filho d'homem, escandalizando-se egualmente da vida solitaria, austera e pe nitente d'um, e da vida commum e ordinaria do outro! 1 6 e 1 7 . — Admira-se de tamanha obstinação! São seme lhantes em teimosia aos rapazes vadios e ociosos que passam o dia na praça, e não são capazes de concordar para instituir um jogo commum em que todos tomem parte. Uns tocam arias alegres, mas o s outros não bailam; entoam então melo dias funebres, mas elles não pranteiam, como as carpideiras, em signal de lucto! - 1 8 e 19. — Applica a parabola aos Judeus. — A sabedoria, (vers. 19) é o decreto sapientissimo d e Deus relativo ao modo S. MATTHEUS, XI, 20-21. - 93 mem comendo e bebendo, e dizem: Eis ahi um glu tão e bebedor de vinho, um amigo de publicanos e de peccadores. Mas a sabedoria fo i justificada pelos seus filhos. 20 Então começou Jesus a lançar em rosto ás cidades, onde fizera o s mais dos seus milagres, o não terem feito penitencia. ** A i d e ti , Corozain! d a vinda d o Messias, em pobreza, humildade e sofrimento. Este designio de Deus, que os prudentes e sabios do mundo não comprehendem, foi reconhecido e approvado como santo, justo e sabio por aquelles cujo espirito e coração estavam ajustados com o pensar de Deus. Filhos da sabedoria são aquelles que ella forma e em certo modo gera á suaimagem e semelhança. Outros codices comtudo leem 27%=öyép?owz}=7:, pelas suas obras. Neste caso são as obras de João e de Jesus, que abonam de justo e sabio o designio de Deus. XI, 2o-24. — Amaldiçôa as cidades incredulas. (Cf. Lc. 1o, 13-15.) Em s. Lucas as tres maldições fazem parte das intrucções dadas aos 72 discipulos enviados em Missão, quando Jesus estava para terminar o seu ministerio em Galiléa. Aqui são o justo castigo da contumacia e obstinação do povo. 2o. — O adverbio então pode ser aqui, como em tantas outras passagens, uma simples fórmula de transição, sem significação chronologica. Comtudo bem pode ser, e a pala vra começou, Yçzzro, parece indicá-lo, que Jesus repetisse mais vezes a s ameaças contidas neste paragrapho. — O s seus mi lagres, z? Sováust; 2):25, as obras manifestativas d o seu poder sobrenatural e divino. 21. — Corozain (no talmud I">), pequena cidade da mar gem occidental d o lago, na vizinhança de Capharnaúm. Iden tificam-na com as ruinas hoje chamadas Kerâyeh, a uma hora d e Tell-Hum. — Bethsaida (o logar da pesca) era a patria de 94 S. MATIHEUS, X1, 22-24. ai de t i, Bethsaida! porque se em Tyro e Sydonia tivessem sido feitos o s mesmos milagres que em vós, h a muito teriam feito penitencia em cinza e ci licio. * Por isso vos digo: Tyro e Sydonia, no dia d o juizo, serão tratadas com menos rigor do que vós. ** E tu, Capharnaúm, acaso has de elevar-te até o céo? Até o inferno descerás; porque se em Sodoma tivessem sido feitos o s mesmos milagres que em t i, ainda hoje existiria. ** Digo-vos emfim: a terra de Sodoma, no dia do juizo, será tratada com menos rigor do que tu. André e de Pedro (Jo. 1 , 44); ficava perto de Capharnaúm. — Tyro, hoje Sür, e Sidonia, hoje Saida ou Syaida, eram os dois grandes emporios da Phenicia, amaldiçoados na Escriptura por causa da sua idolatria e profunda corrupção de costumes. Pois os habitantes de Corozain e Bethsaida eram ainda muito peores e mais culpados d o que elles! Que vergonha para o povo de Deus! — Em cinza, i. é , sentados no chão e com a cabeça coberta de cinza. (cf. Jo. 3 , 6.). O cilicio ou sacco, à y azxxó, era uma vesta aspera e lugubre. 2 2 — Fala como juiz supremo do genero humano, e no conhecimento dos segredos d o coração, até de coisas mera mente hypotheticas, como a penitencia dos Tyrios e Sido mios, manifesta a sua divindade. 23. —Capharnaúm, a cidade de Jesus (cf. 4 , 13; 9, 1) , o centro do seu apostolado na Galiléa, a primeira capital d o mundo christão, peor do que o s infames habitantes de Sodoma! A Vulgata é menos exacta, quando traduz fusivey & w por forte mansissent. A º pertence á apodose das enunciações hypotheticas; não tem sentido dubitativo, nem h a n a lingua latina particula que lhe corresponda. XI, 25-3o. — Palavras de misericordia. Louva e s. MATTHEUS, x 1 , 25-27. 95 2 5 Naquelle tempo respondendo Jesus disse: Eu te glorifico, ó Pae, Senhor do céo e da terra, por que occultaste estas coisas aos sabios e prudentes, e a s revelaste aos pequeninos. **Sim, Pae, porque ta l fo i o teu beneplacito. 2 7 Todas as coisas me foram dadas por meu Pae. E ninguem conhece ao Filho senão o Pae, nem a l guem conhece a o Pae senão o Filho, e a quem o Filho quizer revelar. admira o s altos designios de Deus na manifestação d o reino messianico (25-26), e compadecendo-se da obstinação dos Judeus, exhorta-os a virem a s i, abrindo-lhes o seu coração e promettendo-lhes a felicidade (27-3o). 25. — Respondendo, i. é , tomando a palavra. E ' uma expres são hebraizante. Esta parte (25-26) vem tambem em s. Lc. 1o, 21-22, depois do regresso dos 72 discipulos enviados em missão. Aos sabios e prudentes do mundo os mysterios do reino messianico parecem ignorancia, superstição e insensatez! Deus entrega-os á demencia d'um orgulho que pretende aferir tudo pelas normas deficientes da propria razão. Outra é a sorte dos humildes, que buscam sinceramente a verdade. 26. — Confirma o que disse no vers. 25. Deus, que repelle d e si o s suberbos, agrada-se e compraz-se em que o s peque ninos recebam o evangelho. 27. — Todas as coisas, sem limite algum. (cf. 28, 18 . Jo. 13, 3 ; 16, 15, 1 Cor. 15, 24). O Filho é portanto egual ao Pae, que, juntamente com a natureza divina, lhe deu tudo o que lhe pertencia. E é tal a dignidade e excellencia do Filho que ninguem o conhece bem (irtytváaxi) senão o Pae, e vice versa. Jesus é na terra o medianeiro visivel de Deus, e como nelle estão depositados todos o s thesoiros da sabedoria e do poder de Deus Pae, é ele a unica fonte de salvação para todo o genero humano. 90 s. MATTHEUS, XI, 28-3o. * Vinde a mim todos os que viveis em trabalhos, e estaes opprimidos, e eu vos confortarei. º Tomae sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e achareis des canso para as vossas almas. º Porque o meu jugo é suave, e a minha carga é leve. Estas palavras sublimes, echo fiel dos discursos theologicos do quarto Evangelho, seriam absurdas se Christo não fosse Deus e filho de Deus. 28. — Chama benignamente a todos para junto de s i, por que o Filho é a unica fonte de salvação e de beatitude para todo o genero humano. O vers. 28 é consequencia do vers. 27. O trabalho e a oppressão representam aqui todos o s males d a vida, tanto physicos como moraes. Para todos elles tem a salvação messianica lenitivo, conforto e libertação final. — Confortar = 2Wazzís.», i. é, fazer cessar alguem do trabalho ou movimento, para lhe restaurar as forças, e portanto, dar descanso, recrear. 29. — Aprendei de mim, i. é , fazei-vos meus discipulos, sujeitando-vos á minha doutrina e aos meus preceitos. — Descanso = 2,4nzoat:, como no vers. 28. — Para as vossas almas, i. é , para vós mesmos. Os Hebreus servem-se de v=>, alma, para exprimir o pronome pessoal o u reflexo. (Cf. Jer. 6 , 16, d’onde são tomadas estas palavras, e Ps, 77, 18. Is , 46, 2.) CAPITULO XII | Naquelle tempo passou Jesus por uns semea dos em dia de sabbado, e os seus discipulos com fome começaram a arrancar espigas e a comer. * E os phariseus, vendo, disseram-lhe: Eis que os teus discipulos estão fazendo o que não é licito fa XII, 1-8. — A questão das espigas. (Cf. Mc. 2, 23-28. Lc. 6, 1-5.) O capitulo precedente foi especialmente consa grado a manifestar a obstinação do povo, o que lhe mereceu a exclusão do reino messianico; no capitulo X II reunes. Mt. uma serie de acontecimentos que vão pôr em realce a per versidade e contumacia dos chefes religiosos do povo, o s es cribas e o s phariseus. Os dois primeiros referem-se á obser vancia d o sabbado, um dos pontos capitaes e dos mais cara cteristicos do judaismo. 1 . — Naquelle tempo, como em 11, 1. 25. Designa d'um modo vago o tempo em que Jesus andava evangelizando à Galilea. S. Lucas determina melhor a epoca, que foi o segundo anno da vida publica de Jesus, depois d o seu regresso de Je rusalem, onde tinha ido á (2.°) festa da Paschoa. O caso nar. rado, e que mostra a grande pobreza de Jesus e dos seus apos tolos, estava previsto e auctorizado pela le i (Deut. 23, 25), por isso não involvia lesão da propriedade alheia. 2 . — A casuistica pharisaica via na acção dos discipulos uma violação da le i que prohibia ceifar ao sabbado (Ex. 34, 21), e talvez tambem da lei que prohibia cozinhar alimentos (Ex 35, 3)! 7 9S s. MATTHEUS, XII, 3-7. zer em dia de sabbado. º Elle porém disse-lhes: Não lestes o que fez David, quando sentiu fome e os que com elle estavam; º como entrou na casa de Deus, e comeu os pães da proposição, que nem a elle, nem aos que com elle estavam era licito co mer, mas sómente aos sacerdotes ? " Ou não lestes na le i que, aos sabbados, o s sacerdotes, n o templo, não guardam o sabbado, e ficam sem culpa ?" Ora e u vos digo que maior que o templo é este." E se • 3 e 4 . — Lança-lhes em rosto a ignorancia da lei, cuja exa cta observancia zelavam. As leis positivas são para bem do homem; ora h a casos em que a necessidadee a caridade exi mem o homem da observancia da lei. Prova-o com o exem plo de David. — Na casa de Deus, i. é , no tabernaculo da a l liança, que neste tempo estava em Nobe (1 Reg. 21, 1.°). Pães d a proposição, em hebraico, «pães de face» o u «da ordena ção», eram os 12 pães de flor de farinha, que a le i mandava colocar na presença do Senhor ou da arca da aliança, em memoria perenne das 12 tribus de Israel. Removavam-se cada sabbado, e só os sacerdotes os podiam comer, e no logar santo. (cf. Lev. 24, 5.") 5 . — Outra causa justa de dispensa: um bem d'ordem supe rior, qual é, no caso presente, o culto publico no templo, que exigia dos sacerdotes trabalhos aliás qualificados de servis. Uma coisa pois é a letra, outra o espirito da lei. 6 . — Terceiro motivo: a dignidade de Jesus, em obsequio d o qual estavam occupados os apostolos, passando por isso tantas privações. S e pois é licito quebrar o descanso sabba tino por causa d o serviço d o templo, muito mais o será por amor de Jesus que é mais que o templo. Esta ultima clausula involve uma afirmação implicita da divindade de Christo, 7 . — Pói-lhes o dedo na chaga que os faz apodrecer, a du reza d o coração e a falta de caridade e de misericordia, Tal s. MATTHEUS, XII, 8-1o. O9 soubesseis o que quer dizer: Misericordia quero, e não sacrificio, nunca condemnarieis os innocentes. º Porque o Filho d'homem é senhor do sabbado. 9 E tendo partido d’alli, veio para a synagoga d'elles. " E eis um homem com a mão resequida, e interrogavam-no, dizendo: Se é licito curar ao é a causa intima que lhes inspira as criticas systematicas e acerbas das acções alheias. Sobre o texto de Oseas, 6, 6, cf . 9 , 1 3 , onde já o explicámos. 8 .— Razão ultima e decisiva: o Filho d'homem é o senhor d o sabbado, e pode dispor d’elle, como bem lhe apraz; se não reprehende os apostolos, é signal que estão innocentes e não procedem mal. E o mesmo que dizer que é Deus, porque o sabbado é o dia do Senhor. (Ex. 2o, 1o.) XII, 9-14 — Cura um homem com a mão resequida. (Cf. Mc. 3 , 1-6. Luc. 6 , 6-11.) E ' um caso analogo a o prece dente, mas em que se manifesta ainda mais claramente a mal dade e obstinação dos phariseus, que d'esta vez começaram a conspirar contra a vida de Jesus. S . Mc. e s. Lc. descrevem a scena com maior viveza e com mais particularidades. 9 . — Para a synagoga, porque era um dia de sabbado, mas diferente d o precedente (Lc. 6 , 6 ). — D’elles, i. é , dos Gali leus. O Evangelista fala dos Judeus como de gente separada dos discipulos de Christo. 1o. —E provavel que o homem fosse propositadamente trazido para alli pelos phariseus com o fim de armarem uma cilada a Christo. Como esperavam resposta affirmativa (cf. 12, 3 º. Jo, 5, 11") queriam accusar a Christo de violar a le i d o sabbado, o que para o s Judeus era uma especie de apostasia. Segundo as tradições rabbinicas não era licito curar ao sab bado, senão em caso de perigo de vida! Não só sacrificavam tudo á letra da lei, mas aggravavam-na com prescripções ri IOO S. MATTHEUS, XII, II - 14. sabbado? para o accusarem. " Elle porém disse lhes: Que homem ha entre vós que, tendo uma ovelha, se ela cahir ao sabbado numa cova, não pegue nella e a tire ? " E quanto mais vale um ho mem do que uma ovelha? Portanto licito é fazer bem em dia de sabbado, º Então diz ao homem: Extende a tua mão! E extendeu, e ficou sã como a outra. " Os phariseus porém sahindo tomavam conselho contra Jesus, para o matarem. diculas e em extremo onerosas, ás quaes davam mais im portancia do que á propria lei. Quanto á caridade, que é a alma e o fim da lei, d'essa nada sabiam. 11 e 12.— Confunde os seus adversarios com um argu mento ad hominem, que põi bem em evidencia a sua avareza e crueldade, pois não tinham escrupulo de fazer aos brutos o que, por motivo do sabbado, não ousavam fazer aos homens. — Fazer bem, porque ha obras boas, como a de curar um en fermo, cuja omissão equivale a fazer mal; ora nunca é licito fazer mal para se guardar o sabbado. Esta resposta de Christo torna-se mais inteligivel tendo presente a pergunta prévia que elle tinha feito aos phariseus, se era licito em dia de sab bado fazer bem ou mal. (cf. Mc. 3, 4. Lc. 6, 9. ) 12. — Confirma por um milagre a doutrina ensinada. 14. — Effeitos d o milagre nos phariseus Longe de se com verterem, encheram-se de furor (Lc. 6 , 11), e unindo-se com o s partidarios de Herodes, seus inimigos politicos e religio sos, começaram a tramar contra a vida de Jesus, a cuja dou trina e auctoridade não podiam resistir. A graça de Deus não melhora o peccador obstinado, antes o cega e endurece mais. Deus abandona-o á depravação de seus sentimentos (Rom. 1 , 28). — Para, e não: como ou de que modo. A Vulgata tem quomodo, mas bro; com conjunctivo deve traduzir se por ut em sentido final. s. MATTHEUS, XII, 15-18. IO I 15 E Jesus sabendo retirou-se d’alli; e seguiram no muitos, e curou-os a todos; º e ordenou-lhes que não manifestassem quem elle era, 17 para se cumprir o que fo i annunciado pelo propheta Isaias, que disse: º Eis o meu servo, a quem escolhi, O meu predilecto, no qual a minha alma se agradou. Porei sobre elle o meu espirito, E annunciará o direito ás nações. XII, 15-21. — Mansidão e humildade de Jesus. Em quanto o s phariseus deliberam, Jesus, manso e humilde, es quiva se-lhes, para deixar acalmar a tempestade. Evita o con ficto, porque não era chegada ainda a sua hora. Continúa a fazer milagres em favor dos desgraçados, mas recommenda lhes silencio, e que o não descubram, nem a elle nem o seu logar de refugio. Que bem lhe quadra o retrato d o Messias, esboçado por Isaias (42, 1-4) na celebre prophecia d o servo de Deus! 16. — Ordenou-lhes com palavras severas e ameaçadoras (*rsruxas). — Quem elle era, i. é , que elle era o Messias. Era o que irritava sobremaneira os phariseus. 17. — O servo de Deus. Isaias descreve-o como um eleito de Deus, um predilecto de Iáhve, ungido com a plenitude do Espirito Santo, e destinado a annunciar a verdade divina a s nações. — O meu servo, 4 rai, uzo, é o Messias, que é por excellencia o servidor de Iahve (Triº T=>), o executor fiel de seus decretos. — Porei, síno, os Setenta e o hebraico teem dei, n o preterito. — O direito, zoía; = c=v-, é o direito divino, norma surprema d o justo e recto, qual é o Evangelho, e tam bem a norma segundo a qual todos hão de ser julgados. — A's nações, ri, Sweaty, i. é, aos pagãos ou gentios (=":). 18.— Passa a descrever o modo como o Messias des empenhará a sua missão. E pela mansidão, humildade e pa. IO 2 s. MATTHEUS, XII, 1922. º Não porfiará, nem clamará, Nem se ouvirá nas praças a sua voz. *º Uma cana rachada não a acabará de quebrar, Uma torcida que ainda fumegue não a apagará, Até fazer triumphar o direito. ** E no seu nome esperarão as gentes. 22 Então lhe apresentaram um endemoninhado, ciencia que elle triumphará. — Nem clamará, i. é, não armará disputas, rixas e contendas, como os apaixonados e domina dos por espirito de partido. • 19. — Será misericordioso, benigno e clemente para com todos os miseros e afflictos, aproveitando todos os germens de bem que ainda houver nelles, para os fazer crescer, pros perar e fructificar. — Rachada, ouvrerotuuévoy,i. é, confractum, contritum. A cana cahida no chão, já pisada e rachada, é a imagem do homem fraco, cahido e prestes a arruinar-se in teiramente. — Até..., resultado final da acção do Messias: o triumpho definitivo do bem sobre o mal, do direito divino sobre a iujustiça e iniquidade. Esta victoria começa com o apostolado do Messias, mas só será plena e definitiva no dia do juizo. 2 1 . — A s gentes, n o hebraico: as ilhas, i. é , a s regiões e povos longinquos, extranhos ao povo de Deus. Annuncia pois a universalidade do reino do Messias. XII, 22-37. — Cura um possesso cego e mudo. A questão de Beelzebub. (Cf. Mc. 3, 22-3o. Lc. 11, 14-23.) O caso é bastante parecido com o de 9 , 32-34, mas nem por isso se confunde com elle. Alli tratava-sed'um possesso mudo, aqui d'um possesso cego e mudo; aqui as turbas come çam a manifestar a sua fé no Messias, o que alli se não dá; finalmente a blasphemia dos phariseus, ali apenas mencionada, aqui é vigorosa e largamente rebatida. 2 2 . — Então não indica a ordem d o tempo; serve apenas d e s. MATTHEUS, XII, 23-27. 1o3 cego e mudo, e o curou de modo que falava e via. ** E pasmavam todas as turbas, e diziam: Porven tura será este o filho de David? ** Os phariseus po rém, ouvindo, disseram: Este não expulsa os demonios senão por Beelzebub, principe dos demonios. * Mas Jesus sabendo os pensamentos d’elles, disse-lhes: Todo o reino dividido contra si mesmo será desola do, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma não subsistirá. 2º Ora se satanás expulsa a satanás, está dividido contra si mesmo, como subsistirá en tão o seu reino??? E se eu expulso os demonios por Beelzebub, por quem os expulsam os vossos filhos? ligar a presente narração á precedente. Este caso involve tres milagres. 23. — Pasmavam, é3íaTavro, estavam como fóra de si , toma das d e assombro e de admiração. — Porventura = wärt, par ticula que suppõi dúvida em quem pergunta. — O filho de Da vid, i. é , o Messias. (cf. 9 , 2 7 e 22,42.) 24. Perversidade dos phariseus. Lançam mão da calumnia para alienar o povo de Christo, e afogar aquelle tenro ger men d e fé messianica lançado pelo milagre n o povo ! — Sobre Beelzebub cf . 1o, 25. 25. — O s pensamentos, i. é , a calumnia atroz que contra elle espalhavam n o povo, e a intenção damnada com que o faziam. Refuta-os primeiro (25 e 26) com um argumento ab absurdo. S e Christo expulsasse o s demonios em virtude de satanás (cf. 4 , 1 ), o proprio satanás lhe daria poder contra si e contra o seu proprio reino, pois a obra de Christo é absolu tamente opposta á de satanás! 27. — Segundo argumento, e ad hominem. Havia exorcistas entre o s Judeus, e o s proprios phariseus sabiam que a sua eficacia vinha de Deus. Como pódem pois attribuir agora a o IO4 s. MATTHEUS, XII, 28-3o. Por isso elles mesmos serão vossos juizes. * Mas se eu expulso os demonios pelo Espirito de Deus, logo chegou a vós o reino de Deus, º Ou como pode alguem entrar em casa do valente, e saquear-lhe as alfaias, sem ligar primeiro o valente? E então lhe saqueará a casa. " Quem não está comigo é contra mim; e quem não ajunta comigo espalha. demonio, obras que nos seus filhos, i. é, nos seus discipulos, attribuiam a Deus? Os seus proprios discipulos os condem narão! 28. — Tira a conclusão dos argumentos precedentes. Christo expulsa os demonios em virtude do Espirito de Deus, que nelle reside, e a sua obra é a destruição do imperio de sata más, destruição reservada ao Messias, logo é chegado o tempo messianico. — Chegou a vós, #5aaav º bv.2;, chegou a vos mais cedo do que pensaveis (434vo = praevenio, anteverto). 29. — Confirma a doutrina precedente (v. 38), mostrando como elle é realmente o vencedor de satanás e o destruidor do seu reino. —0 valente é satanás, que entrou no mundo pelo peccado e o sujeitou á sua escravidão e tyrannia. Por isso é chamado o principe d'este mundo (Jo. 12, 31 ; 14, 3o: 16, 11) peccaminoso e decahido. — As alfaias, r% oxzón, i. é, os uten silios destinados ao uso domestico. Representam as almas que Jesus arrebata das garras do demonio. 3o. — Condemna a neutralidade. Desde o momento que está no mundo o vencedor de satanás, e que já começou a inaugu rar o seu reino, que é a unica fonte de salvação para todo o genero humano, ninguem pode permanecer indiferente ou neutral perante Jesus Christo. Esta doutrina de Christo não está em opposição com a de s. Lc. 9, 5o: «quem não é contra vós, é por vós», onde se reprime a emulação dos discipulos, que prohibiram a um que cria em Jesus, mas não andava com elle, de fazer milagres em seu nome. s. MATTHEUS, XII, 31-34. IO5 * Por isso vos digo: Todo o peccado e blasphe mia será perdoado aos homens, mas a blasphemia contra o Espirito não será perdoada. * E todo aquelle que disser uma palavra contra o Filho d'ho mem, ser-lhe-ha perdoada; mas quem a disser con tra o Espirito Santo, não se lhe perdoará nem neste mundo nem no outro." Ou supponde a arvore boa, e o seu fructo bom; ou supponde a arvore má, e o seu fructo mau; porque pelo fructo se conhece a arvore. * Raça de viboras, como podeis falar bem, 31 e 32. — O peccado contra o Espirito Santo. — Por isso, refere-se á doutrina exposta desde 25 a 3o. Blasphemia contra o Espirito Santo era a dos phariseus, que attribuiam ao demonio obras manifestamente divinas. E' um peccado de pura malicia e odio, que não tem comparação com as inju rias proferidas contra Christo pelos que ignoravam a sua dignidade, e o tinham na conta de puro homem, como qual quer outro.—Nem neste mundo nem no outro, i. é, «não al cançará perdão eternamente, mas será réo d'um delicto eterno» (Mc 3, 29), não por falta de poder, na Egreja, para perdoar taes peccados, mas por causa da obstinação e impenitencia de peccadores tão perversos, que, salvo um verdadeiro mila gre moral, nunca se arrependem nem imploram devidamente o perdão. Uma coisa é a possibilidade, que não se nega, outra é o facto da conversão. • 3 3 . — Propõi uma parabola. — Suppor toma-se aqui em sen tido declarativo, como expressão d'um juizo. Os orientaes não apreciam as arvores senão pelo fructo. Para elles pois toda a arvore é necessariamente boa ou má, conforme o fructo. 3 4 — Applica a parabola aos phariseus. Dão fructos maus, porque são arvores más, São uma raça de viboras (3 , 7)! 1o6 s. MATTHEUS, XII, 35-38. ••· sendo maus? Pois do que abunda no coração fala a bocca. 3º O homem bom do bom thesoiro tira coi sas boas; e o homem mau do mau thesoiro tira coi sas más. " Ora eu vos digo que toda a palavra ociosa, que os homens houverem proferido, d’ella darão conta no dia do juizo. " Porque pelas tuas palavras serás justificado, e pelas tuas palavras se rás condemnado. 38 Então lhe responderam alguns dos escribas e phariseus, dizendo: Mestre, queremos ver-te fa 36. — Conta que o homem ha de dar de todas as suas palavras, porque são fructos do coração, e manifestam a indole interna de cada um (v. 35). — Palavra ociosa é a pala vra inutil para quem a profere e para quem a ouve. 3 7 . — Porque as palavras manifestam o thesoiro que cada qual tem n o seu coração. Os homens serão pois julgados por ellas d o mesmo modo que pelas obras. E doutrina frequen temente inculcada na Biblia. XII, 38-42. — Pedem-lhe um signal. (Cf. Lc. 11, 16. 29-32.) Mais uma prova da malicia e obstinação dos escribas e phariseus. Não contentes com os milagres operados por Jesus Christo, que julgam provas insuficientes da sua missão pedem-lhe um signal mais explicito e decisivo. Jesus repelle o s com justa indignação, promettendo-lhes apenas o signal da sua morte e ressurreição, e lançando-lhes em rosto a sua obs tinação e perversidade. 3 8 . — Responderam, como em 1 1 , 2 5 . Estes alguns, como se colhe de s. Lc. 11, 15, são differentes dos que blasphema ram contra o Espirito Santo (12, 24). Como veem a Christo falar com tanta auctoridade, pedem-lhe um signal da sua missão. Mas querem um signal vindo d o céo (Luc. 1 1 , 16), um s. MATTHEUS, XII, 39-41. Io7 zer um signal. º E ele respondendo disse-lhes: Esta geração má e adultera pede um signal; e não se lhe dará signal senão o signal de Jonas, o pro pheta. º Porque assim como Jonas esteve no ven tre do cetaceo tres dias e tres noites, assim tambem estará o Filho d’homem no coração da terra tres dias e tres noites. ** Os Ninivitas levantar-se-hão no dia do juizo com esta geração, e condemná-la hão; porque fizeram penitencia com a prégação de trovão ou voz celeste, que lhes atteste da parte de Deus a missão divina de Jesus Christo, como se os milagres por elle operados na terra não dessem testemunho suficiente de quem elle eral (cf. Jo. 6,32; 15, 24.) 39. — Adultera, i. é, apostata e infiel á alliança feita com Deus, no Sinai, alliança que a Biblia, na sua linguagemfigurada e mystica, considera como uma especie de enlace espiritual de láhve com o seu povo. (cf. Is . 1 , 21. Jer. 2 , 2 . Ez. 16, 8. Os. 2 , 5º.) — O signal de Jonas é um signal de que Jonas em sua pessoa e historia foi o symbolo prophetico. 4o. — Explica em que consiste o signal de Jonas. A ex pressão tres dias e tres noites não designa um espaço de 72 horas, porque o s Judeus costumavam contar uma parte do dia civil pelo dia inteiro (cf. Esth. 4 , 1 6 e 5 , 1 ) e assim o en tenderam o s proprios phariseus. (cf. 27,63-64). — No coração d a terra, i. é , no meio, n o centro d a terra. Refere-se á des cida de Christo ao Scheol ou habitação dos mortos, que a Biblia representa como um logar subterrameo situado nas profundezas. Outros, com menos propriedade, entendem a expressão d a sepultura de Christo. 41. — Argúe a obstinação dos Judeus, mostrando quão bem lhes quadra o estigma de geração má e adultera. — Levantar S e hão, como accusadores ou testemunhas contra elles. Diz com..., porque nos juizos ambas as partes estavam de pé, ..…… " - ** IO8 S. MATTHEUS, XII, 42-44 Jonas; e eis mais que Jonas é este! " A rainha do Meio dia levantar-se-ha no dia do juizo com esta geração, e condemná-la-ha; porque veio dos confins da terra ouvir a sabedoria de Salomão; e eis mais que Salomão é este! 43 O espirito immundo tendo sahido do homem anda por logares aridos, em busca de descanso, e não o encontra. “Então diz: Tornarei para a mi 42. — Do Meio-dia, i. é, de Sabá, na Arabia feliz (cf. 3 Reg. 1o, 14).— Dos confins da terra é uma phrase hyperbolica. XII, 43-45. — Ruina espiritual do povo judaico. (cf. Lc. 11, 24-26) Prediz o que ha de succeder á geração má e adultera, que nem ainda com o signal de Jonas ha de crer em Jesus Christo e fazer penitencia. Serão abandonados por Deus, e entregues ao demonio. 43. — Allude ao caso da possessão diabolica (12, 22"). O de monio expulso vai-se para as solidões, onde habitam os espi ritos immundos (Apoc. 18, 2 ), mas não acha alli logar onde repousar. Estava acostumado a habitar no homem, e esta ha bitação é-lhe mais agradavel. Por isso (verso 44) resolve-se a atacá-lo de novo. Volta pois é sua antiga morada, d’onde fôra expulso, e acha o infeliz recahido n o peccado, mais obstinado no mal do que antes, e abandonado de Deus. E ' como se en contrasse a sua antiga habitação devoluta, bem varrida e or nada como convem a tal hospede! Vai pois (vers. 45) em busca d e companheiros e vem com elles estabelecer-se no in feliz, que vem a tornar-se uma morada de demonios, entre gue a todas as miserias da obcecação e obstinação moral. O final do vers. 45 applica a parabola aos Judeus comtem poraneos de Jesus Christo, rebeldes a todos os meios que Deus empregou por meio d o Baptista, de Jesus e dos apos tolos para o s trazer á fé messianica, s. MATTHEUS, XII, 45-48. 100 nha casa donde sahi. E voltando acha-a deshabitada, varrida e ornada. º Então vai, e traz comsigo mais sete espiritos, mais perversos ainda do que elle, e entrando habitam nella; e o estado final d'aquelle homem torna-se peor do que o primeiro. Assim acontecerá tambem a esta geração depravada. 46 Emquanto elle estava falando ás turbas, eis que sua mãe e irmãos estavam fóra, querendo fa lar-lhe. " E disse-lhe alguem: Eis que tua mãe e teus irmãos estão fóra, e procuram-te. º Elle porém XII, 46-5o — A Mãe e os irmãos de Jesus. (cf. Mar. 3, 31-36. Lc. 8, 19-21.) A geração má e adultera confiava no seu parentesco carnal com Abrahão (3 , 9); mostra Jesus Christo que, n o reino messianico, o s vinculos naturaes d o sangue nada valem, mas somente os vinculos espirituaes d a submissão á justiça de Deus. Só o s que obedecem a Deus são verdadeiros filhos de Abrahão e parentes do Messias. 46. — S. Lucas 8 , 1 9 determina melhor a occasião em que o s parentes de Jesus o vieram buscar. Como o s Judeus dão o nome d e irmãos não só aos irmãos germanos e uterinos, mas tambem aos parentes e consanguineos, não h a aqui funda mento para se afirmar que os irmãos de Jesus eram filhos d e José e de Maria, o que, hoje, até o s protestantes reconhe cem. Os irmãos de Jesus, Tiago, José, Simão e Judas, eram filhos de Maria, irmã da mãe de Jesus e mulher de Cleophas. (cf. 27, 56. Mc. 15, 4o, 47; 16, 1. Jo. 19, 25.) 48. — Não desconhece o s laços e obrigações de familia, mas como Messias e n o desempenho da sua missão, só está sujeito á vontade d o Pae celeste (cf. Lc. 2 , 49), por isso não pode interromper a sua obra messianica para attender aos seus parentes segundo o sangue. l I O s. MATTHEUS, XII, 49-5o. respondendo ao que lh'o disse, diz: Quem é a mi nha mãe, e quem são os meus irmãos? º E exten dendo a mão para os seus discipulos, disse: Eis a minha mãe, e os meus irmãos!" Pois todo aquelle que fizer a vontade do meu Pae que está nos céos, esse é meu irmão, e irmã e mãe. 49. — Declara quem são os verdadeiros parentes do Mes sias, aquelles dos quaes tem agora de occupar-se, segundo a vontade do Pae: são os seus apostolos e discipulos, que lhe estão unidos pelos laços da fé , d a obediencia e do amor. 5o. — Explica em que consiste o parentesco espiritual no reino messianico. A obediencia á vontade do Pae é tudo para Jesus Christo; os que nella se parecem com elle são verda deiramente filhos de Deus, e portanto irmãos e parentes de Jesus. Ninguem nisto se pareceu tanto com elle como sua Mãe, por isso ninguem como ella estava tão perto d o seu coração. Jesus considera aqui o parentesco pelo seu lado me ramente natural; por isso esta doutrina em nada prejudica o que os theologos dizem da excellencia da maternidade divina d e Maria, que é a fonte de todas as suas grandezas e privi legios. # ..." # # CAPITULO XIII \ | Naquelle dia tendo sahido Jesus da casa, estava sentado á beira do mar. * E juntaram-se em redor d'elle muitas turbas, de modo que subindo a uma XIII, 1-9 — Parabola do semeador. (Cf. Mc. 4, 1-9. Lc. 8, 4-8.) Depois de ter mostrado em Jesus o fundador do reino mes sianico, e quanto os Judeus estavam indispostos para entrar nelle, passa a explicar numa série de sete parabolas os mys terios do reino messianico, os obstaculos que encontra por parte dos homens, a sua indole e natureza, a sua condição terrestre, o seu valor e eficacia maravilhosa para transformar as almas. 1.— Naquelle dia, i. é, provavelmente, no mesmo dia em que sua Mãe e parentes o vieram procurar a Capharnaúm. — Da casa, com o artigo, x rik oxíz;; o que deve referir-se á casa de Pedro, onde Jesus costumava assistir, quando estava em Capharnaúm, a sua cidade (9 , 1 ). 2 . — A uma barca, si ; rxotov, sem artigo; mas talvez lhe seja preferivel a lição e i; to rotow, com artigo, referindo-se á barca d e que Jesus costumava servir-se, quando andava pelas mar gens do lago (cf. 8 , 23; 9 , 1 ), — Ao longo da praia, ir i rº w ziyuz%w, pela praia além. Nos tempos antigos o s ouvintes assistiam de p é á s lições d o mestre, mas n o tempo de Christo já se tinha introduzido o costume de se assentarem. A scena, ta l como a descreve s. Mt., é encantadora. 1 12 s. MATTHEUS, XIII, 3. # barca se assentou, ficando todo o povo ao longo da praia. " E falou-lhes muitas coisas em parabolas, dizendo: 3. — Parabola, em grego raç232Xx (de Trzcz%XXery, juxtapor, comparar) é o mesmo que semelhança, comparação. Corres ponde no A. T. á palavra hebraica maschal, ºve, que os Se tenta traduzem ordinariamente por raç232Xá e a Vulgata por parabola, e uma ou outra vez por proverbium, similitudo, comparatio, fabula. Designa, d'um modo geral, um dito breve e sentencioso, exprimindo uma verdade geral de applicação pratica, podendo assim tornar-se uma phrase proverbial, ás vezes até picante e mordaz. Maschal, é tambem um discurso mysterioso e enigmatico, que, além do sentido vulgar, acces sivel a todos, involve um sentido occulto e mais profundo, cujo alcance exige especial penetração e reflexão. Tal é por exemplo o famoso cantico da vinha em Isaias 5, 1-7 e as comparaçõesde Ezechiel (17, 2. ° e 24, 3.°). Os seus ele. mentos essenciaes são : — 1.º um discurso breve e aca bado, fazendo, só por s i, um sentido perfeito; — 2.º um sentido recondito, que tem de ser achado por meio de refle xão, como a solução d'um enigma; — 3 º (de ordinario) uma comparação tirada da natureza o u d a vida humana, destinada a esclarecer e representar a verdade occulta, que se de seja inculcar. No N.T, a palavra naç252xá encontra-se 48 vezes nos Syno pticos (s . João emprega 4 vezes a palavra raçatuía, proverbium) e 2 vezes n a epistola aos Hebreus (9 , 9 ; 1 1 , 19). Além de breves comparações e ditos proverbiaes (cf. Lc. 4 , 23), designa prin cipalmente, como neste capitulo de s. Mt., uma forma espe cial da eloquencia de Christo, analoga aos meschalim d o A . T . São sempre discursos") breves e independentes, ?) que exprimem uma verdade sobrenatural, º) d'um modo figurado, e frisante, *) pela contraposição da verdade occulta e da imagem sensivel, que a representa. Estes quatro caracteres s. MAT THEUS, XIII, 4-6. I 13 Eis que sahiu O semeador a semear!" E ao se mear, parte das sementes cahiram á beira do tami nho, e vieram as aves do a r, e devoraram-nas." Ou tras cahiram em terreno pedregoso, onde não ti nham muita terra, e nasceram logo, porque não ti nham altura de terra. º Mas nascido o sol, encal maram-se; e como não tinham raizes, seccaram. distinguem a parabola de qualquer outro modo congenere de eloquencia. As parabolas dos Evangelhos podem reduzir-se a tres classes distinctas, segundo tratam do reino dos céos, !) quer em si mesmo, i. é , n a sua origem, natureza, valor e eficacia; *) quer nos seus membros, quanto ás suas condições, relações mutuas e deveres; 3) quer n o seu chefe, considerado relativa mente aos membros d o reino. As 7 parabolas d’este capitulo pertencem todas á primeira d’estas classes. | Quanto a o numero das parabolas evangelicas, uns contam apenas 3o, outros 72 outros mais de 1oo. Estas divergencias provem da difficuldade que ha, á s vezes, em distinguir a para bola da simples comparação, e sobretudo da alegoria. 3 . — O semeador, ó artígow, com o artigo, para o distinguir dos aradores, e outros trabalhadores do campo, como um homem cujo oficio e profissão é o semear. 4 . — Cahiu, Éras», contra a intenção e vontade do semea dor. A parabola refere-se ao que costuma acontecer em casos semelhantes. — As aves do ar; no grego simplesmente r% xérayz (sem o genetivo 70 5 20çzvoj, como em 6 , 26; 8, 2o), os volateis. — Devoraram-na, xxxépxysy, como em 3 Reg. 18, 38. 5 . — Em terreno pedregoso, ºr r? rsrçóòn, sobre a parte rochosa d o campo, coberta apenas com uma tenue camada de terra vegetal. 6 . — Raizes profundas, que aspirassem humidade e força das profundezas d o solo. S II4 s. MATTHEUS, XIII, 7- I 1. 7 E outras cahiram sobre os espinhos; e subiram os espinhos, e afogaram-nas. º E outras cahiram so bre a terra boa; e davam fructo, uma cem, outra sessenta, e outra trinta, º Quem tem ouvidos de ou vir, oiça! 10 E chegando-se os discipulos, disseram-lhe: Por que lhes falas em parabolas?" E ele respondendo, disse-lhes: Porque a vós foi dado conhecer os mys 7. — Sobre os espinhos, ºr r}; 2x%932;, i. é, sobre as semen tes dos espinhos, que jaziam na terra. Estas germinaram jun tamente com as boas sementes, subiram (2ys3mazº)rapidamente para cima, e privando-as de luz e ar, impediram-nas de fru ctificar. 8. — Boa, xxxxy, bella, como em 12, 23, i. é, fructifera e sem impedimentos alguns, por isso não houve grão que não germinasse e fructificasse, qual mais qual menos, segundo a sua vitalidade e a energia de cada parte do solo. 9. — Recommenda-lhes que ponderem bem a parabola, para a entenderem e applicarem. XIll, 1o-17 — Porque fala por parabolas (Cf. Mc. 4, 1o-12. Lc. 8, 9".) Em s. Marcos e s. Lucas os discipulos pedem o sentido ou explicação da parabola do semeador; em s. Mattheus perguntam a Jesus porque fala por parabolas. Este novo modo e insolito de ensinar causa-lhes admiração e extranheza. 1 o . — A pergunta fo i feita quando Jesus estava a sós com o s discipulos (Mc. 4 , 1o). Extranham que Jesus, prégando ao povo, se sirva agora tanto de parabolas, e mais ainda que as proponha sem declaração alguma, nem insinuação que ajude o povo a decifrar o enigma ! Porque razão envolverá ele a sua doutrina em sombras ? 1 1 — A resposta de Jesus distingue duas classes de ouvin s. MATTHEUS, XIII, 12-13. 1 15 {'. ef. *# # terios do reino dos céos; a elles porém não fo i dado. * Pois a quem tem, dar-se-lhe-ha, e abunda rá; mas a quem não tem, até o que tem se lhe ti rará. º Por isso lhes falo em parabolas, porque tes. Os que depois de suficientemente esclarecidos creem em Jesus Christo, e se fazem seus discipulos, são dignos de que elle lhes fale sem enigmas e lhes proponha claramente os mysterios do reino dos céos, i. é , a natureza, indole, etc. do reino messianico, que estava em tamanha opposição com as opiniões tradicionaes e preconceitos populares dos Judeus. Outros ha porém que não se satisfazem com coisa nenhuma, nem acabam de render-se ao testemunho de tantos e tão estupendos milagres em confirmação da messianidade d e Jesus Christo (cf. 1 1 , 7-24; 12 , 1-45). Estes são o s indignos. Jesus não o s abandona inteiramente; dá-lhes apenas a luz que elles ainda podem supportar, mas, em castigo da sua maldade, somega-lhes a manifestação mais clara da verdade, que, dada a sua obstinação, os tornaria ainda peores. E ' d'este modo que Deus cega e endurece o s peccadores, abandonam do-os á perversidade d e seus juizos e paixões. 12. — Confirma o dito no vers. 1 1 com uma comparação tirada da vida ordinaria. Quem é rico, augmenta facilmente a sua fortuna, tornando-se cada vez mais rico; pelo contrario, o pobre, que não tem meios, longe de melhorar, torna-se cada vez mais pobre e indigente. O mesmo se passa na ordem sobrenatural da graça. Tudo pois depende do modo como se corresponde á graça de Deus. Esta le i cumpriu-se á letra nos Judeus que perderam o que já tinham, e não entraram para o reino de Deus! 13. — Explica a obstinação dos Judeus. São cegos e surdos voluntarios, que não querem ver, nem ouvir, nem entender! Veem os milagres, mas não querem ver em Jesus o Messias; ouvem a sua doutrina, mas não acreditam nella, nem querem ver na obra de Jesus a realização das prophecias messianicas 1 16 S. MATTHEUS, XIII, 14-17. vendo, não veem, e ouvindo, não ouvem, nem en tendem. " E está-se cumprindo neles a prophecia de saias, que diz: Ouvireis com os ouvidos, e não entendereis; E olhareis com os olhos, e não vereis. º Porque o coração d’este povo está engrossado, E ouviram mal com os ouvidos, E fecharam os seus olhos, Para que não vejam com os olhos, E oiçam com os ouvidos, •• E entendam com o coração, E se convertam, e eu os sare. " De vós porém ditosos os olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem! " Porquanto em verdade vos digo: Muitos prophetas e justos de 14 e 1 5 . — Succede assim aos contemporaneos de Christo o que já succedeu aos contemporaneos de Isaias. Não é por tanto de extranhar que, sendo uns tão obstinados e perversos como o s outros, recebam egual castigo. Em Isaias (6 , 9.") é Deus que fala ao propheta, mandando-o prégar ao povo embora a sua prégação, por causa da malicia do mesmo povo, haja de ficar sem efeito e até seja contraproducente, con correndo para elles se obstinarem mais e mais em sua mal dade. O texto hebraico é ainda mais energico: cega o cora ção d'este povo... ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os olhos, etc. — Coração engrossado, i. é , pingue, gordo, o que, n a linguagem hebraica, é o mesmo que estupido, insensivel. 1 6 e 1 7 . — Felicidade dos apostolos! Para que a estimem e apreciem convenientemente põi-lhes deante dos olhos o s s. MATTHEUS, XIII, 18-19. 117 sejaram ver o que estaes vendo, e não viram; e ou v ir o que estaes ouvindo, e não ouviram. 1 8 Vós pois ouvi a parabolado semeador. "Todo o que ouve a palavra d o reino, e não a entende, vem o mau, e arrebata o que fo i semeado n o seu coração. Este é o que foi semeado á beira do ca ardentes desejos dos antigos patriarchas, reis theocraticos e prophetas, que tão ardentemente suspiraram pelos tempos messianicos. (cf. Jo. 8 , 56, 1 Petr. 1 , 1o-12.) • XIII, 18-23. – Explica a parabola do semeador. (Cf. Mc. 4 , 13-2o. Lc. 8 , 11-15.) Identifica a palavra de Deus com a semente (Lc. 8 , 11), o que mostra que o reino de Deus se funda e propaga pela prégação, e que produz muito, pouco o u nenhum fructo nas almas, segundo as disposições de cada uma d’ellas. Nesta parabola Jesus tem principalmente em vista o seu ministerio, e quer remover o escandalo que natu ralmente se originava por causa d o pouco fructo dos seus trabalhos apostolicos entre o s Judeus. Vai pois revelar as causas intimas porque a palavra de Deus, sendo de si tão bella e eficaz, parecia esteril, e fructificava tão pouco no povo judaico. 1 8 . — Vós pois, os que tendes a dita de conhecer o s mys terios do reino messianico ! 19. — Primeiro impedimento á palavra de Deus: a acção do demonio. — Não a entende, i. é , não a aprecia e estima devi damente, por isso não a guarda cuidadosamente n o seu cora ção, para a meditar, comprehender e pôr em pratica. — Este é... i. é , este é o que recebe a palavra como o caminho a semente, que as aves d o a r logo arrebatam. A explicação no original, que a traducção reproduz, é concisa e embrulhada, identificando os ouvintes com a semente cahida á beira do caminho. I 18 s. MATTHEUS, XIII, 20-23. minho. " E o que foi semeado em terreno pedre goso, esse é o que ouve a palavra, e logo a recebe com alegria; º porém não tem raiz em si , mas é tem porario; e em sobrevindo tribulação e perseguição por causa d a palavra, logo se escandaliza. * E o que fo i semeado entre espinhos, esse é o que ouve a palavra mas a solicitude d’este mundo, e a falla cia das riquezas afogam a palavra, e torna-se sem fructo. * E o que foi semeado em terra boa, esse 2 o e 2:. — Segundo impedimento: a inconstancia e a volubi lidade dos homens. — E o que..., i. é, o que recebe a pala vra como semente em terreno pedregoso, ou aquella onde a palavra tem a mesma sorte que a semente cahida em terreno pedregoso. São espiritos superficiaes, levianos, inconstantes; deixam-se levar das impressões de momento, e a palavra de Deus não lança raizes profundas e vigorosas nos seus cora ções. Não ha nelles verdadeira comprehensão das coisas da fé , convicções profundas, vida seriamente christã. — Ao mesmo tempo dá a entender que o reino messianico h a d e estar su jeito a varias tribulações e contrariedades, que servirão d e prova aos seus discipulos. 22. —Terceiro impedimento: o amor do mundo e das ri quezas. — E o que..., i. é, o que recebe a palavra como a terra cheia de espinhos e abrolhos recebe a semente. — Sol licitude d’este mundo é a expressão complexa de todos os cuidados da vida presente, pelos quaes o s homens se deixam absorver e apartar do reino de Deus. — A fallacia das rique zas, i. é , a s riquezas fallazes, enganadoras e mentirosas, que promettem ao homem uma felicidade que não lhe podem dar. 23. — Fructos da palavra nos que são terra boa, i. é , des embaraçada de impedimentos, convenientemente preparada e disposta para receber a semente. Estes guardam-na cuidado samente n o seu coração, procuram aperfeiçoar-se mais e mais s. MATTHEUS, XIII, 24-25. I19 é o que ouve a palavra, e entende, e dá fructo, e produz um cem, e outro sessenta, e outro trinta. 24 Outra parabola lhes propoz, dizendo: O reino dos céos tornou-se semelhante a um homem, que semeou boa semente no seu campo. * Mas em no conhecimento das coisas da fé , e pô-la em obras, confor mando a sua vida com o s seus principios e convicções. Nem todos porém dão egual fructo, porque nem todos recebem as mesmas graças, nem lhes correspondem d o mesmo modo. Haverá, portanto, no reino messianico diversidade de virtudes, d e meritos e de gloria. (cf. 1 Cor. 15, 41.42.) XIII, 24-3o. — Parabola do joio. Vem só em Mt., e tem por fim mostrar que n o reino messianico, até á consummação dos seculos, ha de haver sempre bons e maus, por instigação d o demonio, que nunca deixará de armar ciladas aos homens. Erravam pois os Judeus quando imaginavam que o reino mes sianico seria um reino de summa e inalteravel felicidade tempo ral e espiritual, onde tudo seria abundancia, sinceridade, paz e amor! Erravam tambem o s que mais tarde cuidaram que o s peccadores não podiam ser membros da egreja de Jesus Christo. Uma é pois a condição presente, temporaria e pro visoria, outra a condição futura, eterna e definitiva, d o reino de Deus. 2 4 — Tornou-se semelhante, i. é , no reino messianico ha de succeder o mesmo que a um homem, que tendo semeado boa semente no seu campo, sobreveio depois um inimigo seu, e sobresemeou nelle joio. 2 5 . — Emquanto dormiam os homens, i. é , durante a noite (cf. Job 4 , 13; 33, 15), como tempo mais opportuno para fazer o mal ás occultas e insidiosamente. — Sobresemeou, porque o erro vem depois da verdade, e o intento do inimigo é cor romper o bem já começado e estabelecido. — – Joio (o lolium I2O s. MATTHEUS, XIII, 26-31. quanto dormiam os homens, veio o seu inimigo, e sobresemeou joio no meio do trigo, e foi-se. "Tendo porém crescido a herva, e dado fructo, então appa receu tambem o joio." E chegando-se os servos do pae de familia, disseram-lhe: Senhor, não semeaste boa semente no teu campo ? D’onde pois lhe veio o joio??? E disse-lhes: Um homem inimigo fez isso. E os servos disseram-lhe: Queres que vamos, e o apanhemos?" E diz: Não! não seja que apanhando o joio, arranqueis juntamente com elle o trigo. *" Deixae crescer um e outro até á ceifa, e no tempo da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhae primeiro o joio, e atae-o em molhos para o fogo; mas o trigo, recolhei-o no meu celleiro. 31 Outra parabola lhes propoz, dizendo: O reino dos céos é semelhante a um grão de mostarda, que temulentum) planta narcótica que nasce entre o trigo e é muito parecida com elle, excepto na semente que é negra. Pertence á familia das gramineas. 26. — O lolium temulentum ou joio narcótico só se distingue bem do trigo quando começa a espigar. 28. — Não argúe os seus guardas e servos de falta de vigi lancia e de cuidado, mas attribue o caso á astucia e odio do seu inimigo. Nem todo mal que ha no reino messianico se deve attribuir á incuria e vigilancia dos pastores. 29. — As raizes do joio entrelaçam-se com as do trigo; é portanto impossivel arrancá-lo, sem arrancar tambem o trigo. Deve-se pois tolerar o mal por amor do bem, e é em attenção aos bons que Deus conserva e tolera os maus. XIII, 31-33. — Parabolas do grão de mostarda e do s. MATTHEUS, XIII, 32-33. l 2 I um homem tomando semeou no seu campo; º o qual por certo é a mais pequena das sementes, mas depois de crescido torna-se maior do que todas as hortaliças, e faz-se arvore, de modo que as aves do ar vem habitar nos seus ramos. * Outra parabola lhes falou: O reino dos céos é semelhante a um fermento, que uma mulher to. mando esconde em tres «satas» de farinha, até que fermentou toda a massa. fermento. A primeira vem em s. Mc. 4, 3o 32 e em s. Lc. 1 3 , 1 8 , 1 9 . A segunda em s. Lc. 13, 2o. 21. Uma e outra decla ram a eficacia e virtude maravilhosa do reino messianico para transformar e santificar as almas. 32. — Compara a grandeza futura e a expansão do reino messianico com a pequenez e humildade dos seus princi pios. Quem diria que d'uma semente tão pequenina como a da mostarda havia de sahir um arbusto tão grande! — O modo d e falar é proverbial. Na linguagem rabbinica o grão de mos tarda serve para designar qualquer coisa minima. — Faz-se arvore relativamente ás hortaliças, que se cultivam nas hor tas. A mostardeira (sinapis nigra) attinge, na Syria, 8 a 12 pés d e altura. — Nesta parabola ha uma allusãoá celebre prophecia d e Ez. 17, 2 , onde egualmente se descreve a origem humilde e a evolução maravilhosa d o reino messianico. 3 3 . — Sata, do aramaico Snse (em hebr. Rise), é uma me dida d e capacidade, para solidos, equivalente a 1o litros 514. A enumeração de tres d’estas medidas é , provavelmente, uma reminiscencia biblica. (cf. Gen. 18, 6 Jud. 6 , 19. 1 Reg 1 , 24) A parabola do grão de mostarda declara a expansão externa e visivel d o reino messianico; a d o fermento realça a sua energia interna e transformadora, e o seu destino universal para todo o genero humano. XIII, 34-35. — Outra razão do ensino parabolico. I 22 s. MATTHEUs, xIII, 34-35. 34 Todas estas coisas falou Jesus em parabolas ás turbas; e sem parabolas não lhes falava; º para se cumprir o que fôra annunciado pelo Propheta: Abrirei em parabolas a minha bocca; Proferirei enigmas desdê a fundação do mundo. (Cf. Mc. 4, 33-34). A linguagem parabolica é uma das formas da sabedoria oriental, em particular do ensino prophetico. Convinha pois que o Messias, como doutor dos doutores e principe dos prophetas, tambem adoptasse este modo de ensinar, embora, para castigo da obstinação do povo, não lhes explicasse a significação das parabolas. | 34. — O verso 34 não se refere a todo o tempo que durou o magisterio de Christo, mas sómente á epoca em que adoptou este novo modo de ensinar, como se colhe de 13, 1o." 35. — Este propheta é Asaph, auctor do Ps. 77, chamado vidente (tr), i. é, propheta, no 2 Par. 29, 3o. Na linguagem biblica, propheta não é só aquelle que prediz o futuro, mas, d'um modo mais geral, todo aquelle que fala sob a inspiração de Deus. O Ps, 77 canta a historia do povo judaico desde a sahida do Egypto até David. Esta narração tem o nome de Eve, parabola, porque, além do sentido historico, tem tam bem um sentido moral; é uma série de nºtºr, enigmas, por causa dos ensinamentos occultos e mysteriosos que contem sobre as leis da Providencia no governo do mundo. O texto hebraico não diz desde a fundação do mundo, mas sómente =TE-':2 (2x' 32/73), desde o principio. • XIII, 36-43. — Explica a parabola do joio. E' um exem plo dos entretenimentos de Jesus a sós com os seus discipu los, nos quaes elle lhes explicava individuadamente o que ensinava ás turbas por parabolas (Mc. 4, 34). O Evangelista é conciso, tocando apenas em alguns dos pontos explicados por Jesus, e dando especial realce á intervenção de Deus no fim do mundo. s. MATTHEUS, XIII, 36-43. 123 36 Então, despedidas as turbas, voltou para a casa; e chegaram-se a elle os seus discipulos di zendo: Explica-nos a palavra do joio do campo. " E ele respondendo, disse-lhes: O que semeia a boa semente é o Filho d'homem. * E o campo é o mundo. A boa semente, esses são os filhos do rei no. O joio são os filhos do perverso. º E o inimi go, que o semeou, é o demonio. A ceifa é o fim do mundo. E os ceifeiros são os anjos. º Assim como pois se apanha o joio, e se queima com fogo; assim será no fim do mundo.*"Mandará o Filho d'homem os seus anjos, e apanharão do meio do seu reino todos os escandalos, e os obradores da iniquidade, º e lançá-los-hão na fornalha do fogo. Ahi será o chorar e o ranger dos dentes. ** Então os justos 36.— Para a casa (com o artigo), como em 13, 1. O que preoccupa os discipulos é a existencia de joio no reino mes sianico: porque razão ha nelle joio ? quanto tempo ha de durar? que sorte terá ele no reino messianico ? 3 8 . — O mundo, e não só a terra de Israel, o que mostra a universalidade d o reino messianico. — Do perverso, rç 5 Rovnº3, i. é , d o demonio, porque fazem as suas obras e imitam a sua maldade. (Cf. Jo. 8 , 41. 44.) 41. — Apanharão e removerão. — Todos os escandalos, i. é , todos aquelles que pela sua má vida são occasião de ruina para outros. A conjuncção e pode tomar-se em sentido expli cativo isto e , a saber. — Iniquidade, vo u íz , acção contra a lei (váuo;) d a vida moral. 42. — Na fornalha do fogo, i. é , no inferno (cf. Lc. 16, 24. Apoc. 19, 2o; 2o, 9), logar de tormentos (o chorar) e de desesperação (o ranger dos dentes), como em 8 , 12. 43. — A descripção dos justos todos refulgentes da gloria é 124 S. MATTHEUS, XIII, 44-45. resplandecerão como o sol no reino de seu Pae. Quem tem ouvidos de ouvir, oiça. 44 O reino dos céos é semelhante a um thesoiro escondido no campo; que um homem tendo achado encobre, e de contente, vai, e vende tudo quanto tem, e compra aquelle campo. ** E tambem semelhante o reino dos céos a um tomada de Dan. 12, 3. (Cf. Sap. 3, 7, 1 Cor. 15, 41.) A luz é a imagem da gloria e da felicidade. XIII, 44-46. — Parabolas do thesoiro e da perola. Vem só em S. Mt., e teem por fim mostrar a preciosidade, o alto valor e a belleza incomparavel do reino messianico. 44. — A palavra thesoiro designa tanto a camara ou cofre onde se guardam objectos de valor (2, 11), como as preciosi dades nelle guardadas, e d'um modo mais geral um cumulo quasi incommensuravel de riquezas. Aqui toma-se neste ul timo sentido. O reino messianico, com todos os seus bens sobrenaturaes, presentes e futuros, é pois um thesoiro, do mesmo modo que a sabedoria ou doutrina divina (cf. Ps. 18, 11; 118, 127. Prov. 8, 11 . 1 9 . Job. 2S, 15-19. Sap. 7 , 9 ), mas este thesoiro está escondido na terra, e poucos são os que ati nam com elle e o sabem apreciar! Os poucos que o acham e sabem deveras apreciar, esses renunciam de bom grado a todos o s bens d’este mundo para adquirir a perfeição messianica. O processo empregado pelo homem para adquirir o thesoiro para si não é approvado pela parabola, mas é conforme com o direito antigo. A intenção de Jesus é tirar uma lição moral d o que fazem ordinariamente o s homens d o mundo, quando estão dominados pela ambição e cubiça de riquezas. 45. — Um homem de negocio, e portanto um profissional, entendido na arte e justo apreciador das coisas. — Boas, no grego: xxxo%;,bellas. s. MATTHEUS, XIII, 46-5o. 125 homem de negocio que anda em busca de boas pe rolas. " E tendo achado uma perola de muito pre ço, foi, e vendeu tudo quanto tinha e comprou-a. 47 Outro-sim é semelhante o reino dos céos a uma rede varredora lançada no mar, e que apanha toda a casta de peixes. ** A qual em estando cheia, tiraram para fóra, e sentados ao longo da praia, es colheram os bons para as celhas. e deitaram fóra os maus. º Assim será no fim do mundo; sahirão os anjos e separarão os maus do meio dos bons, " e lançá-los-hão na fornalha do fogo. Ahi será o chorar e o ranger dos dentes. 46. — Uma fºz, i. é, uma unica, e de tanto valor, que não ti nha egual. Tal é realmente o reino messianico, cujo summo valor e unicidade são assim fortemente realçados. — O pre terito mérçzxsy, vendeu, exprime a promptidão e rapidez da transacção. Tudo quanto tinha foi logo por elle vendido! XIII, 47-52. — Parabola da rede. Tem por fim mostrar que o reino messianico, neste mundo, não é uma sociedade composta só de santos, mas uma mistura de bons e de maus. Este estado de coisas durará até á consummação dos seculos, em que se fará a separação completa e definitiva de bons e maus. A dignidade de cidadão do reino messianico, por si só, não é garantia segura de salvação. 47. — O mar, onde se lança a rede é a imagem do mundo, ao qual os apostolos serão enviados como pescadores de ho mens. (cf. 4, 19. Mc. 1, 17. Lc. 5, 1o.) 48. — O reino messianico só estará cheio, quando a pleni tude dos gentios tiver entrado nelle, e tambem Israel, que só então será salvo (Rom. 11, 25. 26). — Os bons, r% xxx%, i. é, os bellos. — Os maus, r% corp%, i. é, os podres. 5o. —Cf. 1 3 , 42. E muito para notar a insistencia com que 126 s. MATTHEUS, XIII, 51-53. º Tendes entendido todas estas coisas? Dizem lhe: Sim. "? E elle disse-lhes: Por isso todo o dou tor instruido nas coisas do reino dos céos, é seme lhante a um homem pae de familia, que tira da sua despensa coisas novas e antigas. 53 E aconteceu tendo Jesus acabado estas para Jesus fala do fogo do inferno, para inculcar e gravarbem nas almas o temor de Deus, base solida e segura da vida e perfeição christãs. (cf. 5, 29, 8, 12; 1o, 28; 12, 32 e 13, 42. 5o.) 51. — Note-se a familiaridade com que Jesus trata os apos tolos e o empenho com que procura que elles entendam bem os mysterios do reino, conformemente ao que lhes tinha dito (13, 11). 52. — Por isso, i. é, porque tendes entendido estas parabo las. Nas coisas ou pelo reino dos céos, como tem a lição mais auctorizada: uz3zorst; Tă Baat)=íz röy ºpçawów.Personifica o reino dos céos em um mestre, em cuja escola se formam os douto res christãos, que não são discipulos de Moysés, nem dos rabbinos, mas do proprio Deus. — Da sua despensa, onde tem abundante e variada provisão de mantimentos para poder satisfazer ao gosto e paladar de todos XIII, 53-58. — Jesus em Nazareth. (Cf. Mc. 6, 1-6.) Não se confunda esta viagem de Jesus a Nazareth com outra, narrada por s. Lc. 4, 16-3o, na qual os Nazarethanos attentaram contra a vida de Jesus. E provavel que a vinda da Mãe e dos irmãos de Jesus a Capharnaúm fosse para convidá-lo a ir outra vez a Nazareth, onde esperavam fosse agora melhor recebido do que na visita precedente. 53. — Vejam-se em s. Mc. 4, 35-6, 1 os acontecimentos que se passaram entre o ensino parabolico e a vinda de Jesus a Nazareth. • s. MATIII EUs, XIII, 54-57. 127 bolas, partiu d’alli." E tendo passado á sua patria, ensinava-os na synagoga d'elles; de modo que se admiravam, e diziam: D’onde a este esta sabe doria, e os milagres? " Não é este o filho do ar tífice? Não se chama a sua mãe Maria, e os seus irmãos, Tiago, e José, e Simão, e Judas? " E as suas irmãs não vivem todas ellas entre nós? D'onde pois lhe vieram todas estas coisas? " E es candalizavam-se d’elle. Jesus porém disse-lhes: Não 54. — Sua patria, não porque tivesse nascido alli (2, 1 ), mas porque nella tinha vivido desde menino, e porque nella tam bem tinha a sua familia e parentes. Os que ignoravam o nas cimento de Jesus em Belem, julgavam-no natural de Naza reth (Jo. 1 , 45.46). — Na synagoga, no singular, como tem o grego. O caso passou-se em um sabbado. — A este, que nós conhecemos tão bem, homem de humilde condição, igno rante e rude! Falam como vilões invejosos, que não podem sofrer que um dos seus eguaes, se eleve acima dos mais, e queira impor se lhes. O despeito é tal que nem o nomeiam pelo seu nome ! • ! 5 5 . — O filho do artifice, fo i rixto…, d o carpinteiro o u fer reiro. O modo de falar indica um oficial conhecido de todos, talvez o unico d o logar. S . Mt. pode servir-se desta expres são que traduzia a opinião d o vulgo, sem induzir em erro o s seus leitores, que já conhecem a origem virginal de Jesus (2 , 18-25). S . Mc., que não fala da conceição virginal, tem apenas: não é este o artifice, o filho de Maria ? Sobre os irmãos de Jesus cf . 1o, 4 . 57. — Escandalizavam-se d’elle, i. é , levavam a mal que, sendo de tão humilde condição, quizesse agora fazer-se mes tre de todos e arrogar-se auctoridade de Messias! — Na sua patria, i. é , entre o s seus concidadãos; e entre os seus, i. é 128 S. MATTHEUS, XIII, 58. ha um propheta desconsiderado senão na sua patria, e entre os seus." E não fez alli muitos milagres por causa da incredulidade d’elles. entre os seus parentes, amigos e conhecidos. A sentença de Christo é um dito proverbial. (cf. 1 Reg. 16, 11; 17, 28) 58. — A fé foi sempre uma condição exigida por Jesus Christo antes de operar qualquer milagre em favor d'alguem. CAPITULO XIV 1 Naquelle tempo ouviu Herodes, o tetrarcha, a fama de Jesus, º e disse aos seus cortesãos: Este é João o Baptista; é ele mesmo que fo i resuscitado dos mortos, e por isso obra milagres. º Porquanto Herodes prendera a João, e o puzera XIV, 1-12. — Morte do Baptista. (Cf. Mc. 6, 14-29.) A morte d o Baptista, que é tambem um prenuncio da morte d e Jesus, é narrada aqui apenas incidentemente, para explicar o s receios de Herodes, e a retirada de Jesus, da Galiléa para o territorio de Philippe. 1 . — S . Mc. determina melhor o tempo, relacionando o s receios de Herodes com a fama da prégação e milagres dos apostolos, enviados em missão por toda a Palestina, emquanto Jesus continuava evangelizando os povos (11, 1) . O abalo foi ta l que chegou a causar perturbação e receios na côrte d e Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande e de Maltace, tetrarcha da Galiléa e da Peréa, homem voluptuoso, ambi cioso e irresoluto. 2 . — Remorsos de Herodes, e homenagem por elle prestada á santidade d o Baptista. — Obra milagres, ou, como tem o grego, a í ôováust:, a s energias sobrenaturaes, obradoras demi lagres, vigºroñaw y zörð, operam nelle, i. é , manifestam-se nelle, exercem nelle a sua actividade. Como João em vida não fez milagre algum (Jo. 1o, 41), imagina que voltou ao mundo para operar coisas maiores. 3 . — Segue-se o episodio da morte do Baptista, para explir car o dito e o s receios de Herodes. — Herodes Antipas estava 9 13o S. MATTHEUS, XIV, 4-6. em ferros, e encarcerára por causa de Herodias, mulher de seu irmão. * Porque João lhe dizia: Não te é licito tê-la. " E querendo matá-lo, teve medo do povo; porque o tinham em conta de propheta. º Mas no dia d'annos de Herodes, dançou a filha casado com uma filha de Aretas, rei dos Arabes, mas tendo se enamorado de Herodías (filha de seu irmão Aristobulo e de Berenice), mulher de seu irmão Philippe, que vivia como particular em Roma (e não deve ser confundido com Phi lippe, o tetrarcha de Ituréa), amancebou-se incestuosamente com ella, ainda em vida de seu irmão. 4 — Tê-la, subentende-se, por mulher. Tal matrimonio estava expressamente prohibido na le i (cf. Lev. 18, 16; 2o, 21). Como o Baptista em suas prégações falasse contra tamanho escandalo, houve quem o fosse delatar a Herodes e a Hero días, o que deu em resultado ser elle encarcerado na forta leza de Macheronte, na fronteira meridional da Peréa. Tudo isto se fez por instigação de Herodías (vers. 3), que desde então começou a tramar contra a vida d o Baptista (Mc. 6 , 19. 2o). • 5 . — Querendo matá-lo, por suggestão de Herodías. Herodes respeitava a João, tendo-o na conta de varão justo e santo, e ouvia de bom grado o seu conselho em materias de governo (Mc. 6 , 2o). Matá-lo, está no aoristo, 3roxrsiva, «tê-lo morto», o que mostra que o s planos de Herodes já vinham de longe. Os tyrannos não costumam ter descanso emquanto vivem o s que julgam seus adversarios. —Ter na conta de, #w rivá to c, não exprime a simples opinião o u juizo que o povo fazia de João, diz mais d o que isso, que estavam a o lado d'elle, como seus partidarios e defensores. E ' por isso que Herodes tinha medo do povo. Esta mesma expressão vem em 21, 26, e fóra d’estes logares, só se encontra nos Actos de Pilatos. n ; portanto equivale aqui a 3yros, realmente. • 6 . — A celebração festiva do anniversario natalicio (rkyswéolz, s. MATTHEUs, xiv, 7-8. 13 1 de Herodías no meio, e agradou a Herodes. ? Por onde lhe prometteu com juramento dar-lhe tudo o que lhe pedisse. º Mas ella incitada por sua mãe: Dá-me, diz, aqui mesmo num prato a cabeça de o termo classico era r% Yews3%iz, que na linguagem christã significa o anniversario da morte dos martyres, como dia do seu nascimento para o céo) era um costume gentilico. A Biblia menciona apenas dois d’estes anniversarios: o de Hero des Antipas, e o de Pharaó, (Gen. 4o, 2o). — A filha de Hero dias, i. é, Salomé, filha de Philippe, que deixou o pae para seguir a mãe infiel e adultera, que aspirava a ser rainha. Casou mais tarde com seu tio Herodes-Philippe, o tetrarcha, e, por morte d’este, com Aristobulo, neto de Herodes o Grande. — Dançou uma dança pantomimica e voluptuosa. Era um cos tume oriental (Babylonios, Persas e Gregos), introduzido mais tarde entre os Romanos, na epoca da decadencia (Horacio, Od. 3, 6, 21). «Ninguem baila, diz Cicero, estando sobrio, a não ser que esteja louco.» Os santos Padres, s. Ambrosio, s. Jeronymo e s. Chrysostomo, recommendam ás virgens chris tãsque se abstenham de bailes. «Onde se baila, diz o ultimo, ahi está o demonio», évºa Y&º 3º/netz, exs: , St%32X2;.— No meio, não do festim, como entendem alguns, mas no meio da sala do banquete. - 7. — Tudo..., ainda que fosse a metade do seu reino (Mc, 6, 23)! E uma promessa d'homem semi-ebrio, alardeador de liberalidade e magnificencia. • 8. — Incitada a ir mais além do que queria, 792318275=faz; Tç23:3%sw significa fazer que alguem vá para deante, mais além do que quer, portanto compellir, incitar. A adultera não quiz perder tão bella occasião de ver-se livre do denunciador austero e inflexivel do seu crime. — Aqui mesmo! Receia que o rei, passado o estonteamento da festa e do vinho, caia em si , e não lhe satisfaça o desejo de vingança. 132 s. MATTHEUS, XIV, 9-13. João o Baptista. º E ficou o rei contristado; com tudo por causa do juramento, e dos convivas man dou que se lhe desse. " E mandou degollar a João no carcere. " E foi trazida a sua cabeça num prato, e dada á donzella, que a levou a sua mãe. * E chegando-se os seus discipulos levaram o corpo, e o sepultaram; e vindo contaram a Jesus. 13 E tendo Jesus ouvido, retirou-se d’alli numa barca para um logar deserto, a sós; o que tendo ouvido as turbas foram das cidades a pé em seu se XIV, 13-21. — Primeira multiplicação dos pães. (Cf. Mc. 6, 34-44. Lc. 9, 12-17. Jo. 6, 1-13.) O milagre succedeu pouco antes da festa da paschoa (a terceira na vida publica de Jesus). E o unico milagre de Christo narrado por todos os Evangelistas. A partir deste ponto s. Mt. segue de ordinario a ordem chronologica dos factos, tendo principalmente em vista representar a Jesus como mestre e instituidor dos apos tolos (14, 1-2o, 28). • 13.— Ouvido, não o caso da morte de João, mas que Hero des julgava que elle era o Baptista resuscitado. Refere-se ao vers. 2, e não ao vers. 12, como cuidaram os que não adver tiram na indole parenthetica da narração da morte do Ba ptista (13, 3-12). — Retirou-se para um logar mais seguro (3vs/ógras»), perto de Bethsaida Julias (Lc. 9, 1o), na costa oriental do lago de Gennesareth, perto da foz do Jordão, no territorio pertencente á tetrarchia de Philippe. E' uma me dida de prudencia, para evitar alvoroços no povo e qualquer perseguição de Herodes. — O Jordão é vadeavel perto de Be thsaida; é por isso que as turbas vão a pé de Capharnaúm e outras cidades da costa occidental para a região deserta da margem oriental. s. MATTHEUS, XIV, 14-19. I33 guimento. " E sahindo viu grande multidão, e com padeceu-se d’elles, e curou os enfermos. * E sobre a tarde chegaram-se a elle os seus dis cipulos, dizendo: O logar é deserto, e a hora já passou; despede as turbas, para que indo ás aldeias comprem suas comidas. º Jesus porém disse-lhes: Não precisam ir; dae-lhes vós de comer. " Res ponderam-lhe: Não temos aqui senão cinco pães, e dois peixes, º E disse: Trazei-mos aqui." E tendo mandado sentar as turbas sobre o feno, tomados os cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao 14. — Sahindo, não da barca, como entendem alguns, mas da solidão, onde se tinha internado com os seus discipulos. (cf. Jo. 6, 3) 5). — Compadeceu-se, $ar)zyyyíaba, o que indica uma com paixão intima e profunda, que abala as entranhas. Curou pois todos os enfermos, e poz-se a ensiná-los (Mc. 6, 34), falando lhes do reino de Deus (Lc. 9, 11). 15. — Sobre a tarde, i. é, quando o sol já declinava. En tende-se, segundo o uso judaico, a primeira tarde, as 3 horas immediatas antes do pôr do sol (da 9. ° á 2.º hora d o dia, i. é , das 3 ás 6 da tarde). A segunda tarde era o tempo imme diato a o pôr d o sol, que, por ficar entre uma e outra, era cha mado =="y" fºz, entre as duas tardes (cf. Ex. 12,6; 16, 12).— Dae-lhes..., recorda-lhes o poder sobrenatural, que lhes deu (8, 1o), e de que já tinham feito uso (cf. Mc. 6 , 13. Lc. 9 , 6), para ver até onde chegava a sua fé . Veja-se em s. Jo. 6 , 5 ° o que a este respeito se passou entre Jesus e Philippe. 1 7 . — Os cinco pães de cevada e os dois peixes nem per tenciam aos apostolos, mas a um rapaz, que provavelmente o s trouxera para vender a o povo (cf. Jo. 6 , 9). 1 9 . — Sentar, por grupos ou ranchos de cincoenta homens 134 S. MATTHEUS, XIV, 20-2 I. céo, bem disse, e partiu, e deu aos discipulos os pães, e os discipulos os deram ás turbas." E comeram todos, e ficaram fartos. E levantaram as sobras, doze cabazes cheios de pedaços. * Ora o numero dos que comeram fo i cinco mil homens, sem contar mulheres e creanças. cada um (Lc. 9 , 14). — Bemdisse, sº%yras», i. é , louvou a Deus e deu-lhe graças. E…> corresponde ao hebraico T=, e signi. fica louvar, quando empregado com accusativo de pessoa. Em sentido absoluto, significa pronunciar uma oração de acção d e graças. Não se refere aqui á beracá ">"=, que o pae de fa milia costumava pronunciar antes da comida: «Bemdito é s tu, Senhor, o nosso Deus, rei d o mundo, que produziste o pão d a terra», mas a uma oração solemne de acção de graças, como a que vem em s. João, 11, 41-42, onde manifesta a sua communhão e união intima com o Pae, de que o presente milagre será uma prova sensivel. — Dá os pedaços aos disci pulos, para que o pão se lhes multiplique nas mãos, e assim sejam a o mesmo tempo instrumentos e testemunhas do mila gre. 2o. — Cabazes, os «cophinos» ou cestos de vime ou de verga em que o s Judeus levavam as provisões de viagem. Cada apostolo tinha o seu «cophino» (n='=2), e encheu-o de peda ços. Era, para elles, mais uma prova da realidade do mi lagre. XIV, 22-33. — Caminha sobre as ondas. (cf. Mc. 6 , 45-52. Jo. 6 , 15-21) No milagre precedente manifestou Jesus o seu poder creador, neste manifesta que está em suas mãos o isentar o seu proprio corpo das leis ordinarias da natureza. E por isso que os dois milagres, em s. João, servem de in troducção ao celebre discurso em que Jesus prometteu o pão eucharistico (Jo. 6 , 22"). Em s. Mt. os dois milagres visam principalmente á instrucção e confirmação dos discipulos n a fé . s. MATTHEUS, XIV, 22-27. 135 22 E obrigou logo Jesus os discipulos a embar car, e ir adeante d’elle para além do lago, emquanto despedia as turbas. * E despedidas as turbas, su biu sósinho ao monte a orar. E sendo já noite acha va-se alli só. ** Entretanto a barca estava no meio do mar em lucta com as ondas, porque o vento era contrario. * E na quarta vigilia da noite veio ter com elles caminhando sobre o mar. * E como o vissem caminhando sobre o mar, assustaram-se, dizendo: E' um phantasma! E gritaram de terror. * Mas logo Jesus lhes falou, dizendo: Animo! sou 22. — Obrigou, #w#xzaev, porque o povo andava alvoroçado com o milagre dos pães, e pensava em apoderar-se de Christo e acclamá-lo rei (Io. 6, 15). Quer pois evitar qualquer agita ção politica, em que os discipulos, ainda fracos na fé , pode riam facilmente tomar parte. 23. — Sendo já noite, 29íz: Yevºusyn: Neste verso &#íz designa a segunda tarde ou véspera (cf. 13, 15), i. é , a s primeiras 3 horas depois d o sol posto, que constituiam a primeira vigilia da noite. 24. — Em lucta..., 3xaayºusyo», batida fortemente pelas on das, e por ellas arrastada para um lado e para outro. A prova é que se achavam no meio d o lago, em frente da planicie de Gennesareth, sendo que se dirigiam para Capharnaúm, que ficava muito acima, perto da embocadura d o Jordão. 25. — Na quarta..., i. é , pela madrugada. Os Judeus dividiam a noite, desde o pôr a o nascer do sol, em tres vigilias, mas de pois da conquista romana, começaram a contar quatro vigi lias. A quarta vigilia era pois o tempo que ia desde a 9.° á 12.º hora da noite, ou das 3 á s 6 horas da manhã. D’onde se v ê que Jesus deixou os apostolos luctar com as ondas quasi toda a noite. • 27. — Animo, bagasirs, bono animo estote. Corresponde nos Setenta a s"Frºs, não hajaes medo. I36 s. MATTHEUs, xiv, 28-33. eu, não temaes. * E respondendo Pedro, disse: Senhor, se és tu, manda-me ir ter comtigo por cima das aguas, º E elle disse: Vem! E saltando Pedroda barca, caminhava por cima das aguas para che gar a Jesus. "º Vendo porém um vento rijo, ame drontou-se; e tendo começado a afundir-se, bradou, dizendo: Senhor, salva-me! ** E logo Jesus exten dendo a mão, agarrou d’elle, e diz-lhe: Homem de pouca fé , para que duvidaste??? E tanto que subi ram á barca, cessou o vento. ** Então vieram os que estavam n a barca, e o adoraram, dizendo: Ver dadeiramente és Filho de Deus! 28. — Este episodio de Pedro vem só em s. Mt. Pinta ao vivo o caracter impulsivo, ardente e generoso de Pedro, que, com a mesma promptidão e facilidade com que se elevava ás culminações d o heroismo, tambem descia aos abysmos da duvida e até da negação! Jesus deixa-o passar por estas al ternativas, para o ensinar a confiar menos em si e mais em Deus. 3o. — Amedrontou-se, e vacillou na fé e confiança, e por isso começou logo a abysmar-se. Bella imagem da fragilidade humana! 31. — Para que, si ; ri , a d quid ? quorsum ? quem in finem? A Vulgata tem, com menos exactidão, quare, porque. Não foi portanto a força do vento, nem o impeto das ondas, mas tão sómente a falta de fé , o que ia sendo causa da ruina de Pedro. 33. — Adoraram-no, i. é , prostraram-se deante d’elle, em signal de respeito e de submissão. Refere-se aos apostolos. A confissão Filho de Deus, vem só em s. Mt. Não é facil dizer se o s discipulos a tomaram em sentido proprio e natural, o u só em sentido theocratico, como designação antonomastica d o Messias. Comtudo a expressão 23:35, verdadeiramente s. MATTHEUS, XIV, 34-36. 137 34 E atravessado o lago, chegaram á terra de Gennesareth. * E tanto que os homens d'aquelle logar o reconheceram, mandaram por toda aquella região, e apresentaram-lhe todos os enfermos. * E rogavam lhe que os deixasse tocar sequer na franja do seu vestido. E quantos tocaram, ficaram salvos. parece indicar mais alguma coisa, sobretudo tendo s. Mattheus já plenamente estabelecido o caracter messianico de Jesus Christo. Se assim foi, é mister confessar que este progresso dos discipulos no conhecimento mais intimo de Jesus foi em certo modo passageiro, e não teve a importancia da gloriosa confissão de Pedro (16, 13-2o). XIV, 34-36. — Jesus em Genn esareth. (cf Mc, 6, 53-56.) A narração de S. Mc. é mais viva e circumstanciada. 34. — A terra de Gennesareth, ou melhor á terra, a Gen nesareth, si ; ri º Yºy , si; Tawnazgér. O nome provinha-lhe da antiga cidade d e Kinnereth (nn>), que deu o seu nome á pla nicie e ao lago. Hoje chama-se el Guyveir. Era uma fertil e bella planicie entre Magdala (el Mejdel) e Bethsaida (et Ta bigah) um verdadeiro jardim formoso plantado á beira do lago. Tinha, segundo Josepho, 3o estadios (1 est. = 185 me tros) de comprimento e 2o de largura. 35. — Estado moral da gente. Cuidam pouco da doutrina de Christo, e só pensam em aproveitar o ensejo da sua presença para alcançarem d'elle beneficios temporaes! D e facto o in teresse proprio, mais do que a piedade e a religião, era um dos motivos que levava ás vezes tantas turbas em seguimento d e Christo. Elle mesmo assim lh'o lançou em rosto pouco de pois, na synagoga de Capharnaúm. (cf. Jo. 6 , 26-27). 36. — Na franja (cf. 9 , 2o). Era, como já se disse, um sym bolo religioso, e em certo modo sagrado; por isso fazia mais devoção á gente. CAPITULO XV | Então se chegaram a elle os escribas e phari seus de Jerusalem, dizendo: º Porque transgridem os teus discipulos a tradição dos antigos? pois não XV, 1-9. — A tradição dos antigos. (Cf. Mc. 7, 1-13.) A narração de s. Mc. é mais extensa e circumstanciada. Como escrevia para convertidos do gentilissimo, accrescenta expli cações que eram desnecessarias para os leitores de s. Mattheus. 1.— De Jerusalem, da capital do reino theocratico. Trata se provavelmente d'uma deputação do sanedrin, enviada com o fim de observar a Jesus Christo Como tinham mais auctoridade que os da provincia, eram mais proprios para arredar o povo de Jesus Christo. O proprio Evangelista repre senta-os como formando uma classe á parte, o 3x2 TeçoaoXºutov, distincta dos escribas e phariseus da Galiléa. 2.— Accusam os discipulos, porque não ousam atacar de frente o Mestre. — A tradição (raçzôoat:) era um conjuncto de preceitos sobretudo rituaes, destinados a assegurar melhor a exacta observancia da lei, em torno da qual constituiam como uma especie de sebe. Os Judeus faziam remontar a sua origem até Moysés, que os confiára oralmente aos anciãos, e por estes passaram successivamente á posteridade. Tinham-nos em tanta conta que chegavam a dizer que «as palavras dos anti gos eram mais graves que as dos prophetas»! — Não la vam...; derivavam este rito do Lev. 15 , 1 1 , julgando a sua transgressão um peccado tão grave como o adulterio! — Comer pão, na linguagem biblica, é uma expressão generica, equivalente a comer, tomar alimento. Corresponde ao hebraico Eriº ->N. s. MATTHEUS, XV, 3-7. 139 lavam as mãos quando comem pão. " E ele res pondendo, disse-lhes: Porque transgredís vós tam bem o mandamento de Deus, por causa da vossa tradição? Porquanto Deus disse: Honra a teu pae e a tua mãe; e : Quem injuriar a seu pae ou a sua mãe, morra de morte. " E vós dizeis: Quem disser ao pae ou á mãe: E' oblata isso com que te poderia aju dar; º já não está obrigado a honrar a seu pae ou a sua mãe; e annullastes o mandamento da le i d e Deus por causa da vossa tradição. " Hypocritas! bem prophetizou de vós Isaias, dizendo: 3 . — Põi de parte a accusação dos phariseus, e confunde-os, fazendo-lhes uma accusação muito mais grave, qual era a d e anteporem tradições humanas á propria le i d e Deus, a qual elles invalidavam e adulteravam ! 4 . — A primeira citação é tomada do Ex. 2o, 12, a segunda vem no Ex. 21, 17. A honra de que fala o texto, ruxy = "==, é a que se manifesta por obras, como se suppõi no verso 5 (cf. 1 Tim. 5 , 3 . 17). — Injuriar, dirigindo-lhes imprecações, in sultos. No dialecto hellenistico xxx2707=iwcorresponde a o he braico "?", imprecar, rogar pragas. — Morra de morte, i. é. morra de morte certa, sem remissão alguma. Tal era a pena com que a lei sanccionava a honra devida aos paes. 5 e 6 . — Sophisma inventado pelos phariseus para invalidar a le i que obrigava o s filhos a soccorrer os paes em necessi dade.—E' oblata, 8õçow (E^2 = qorbán); i. é, é coisa consa grada a Deus o u destinada aos pobres. Bastava, segundo o s phariseus, pronunciar esta palavra sobre o objecto de que o s paes tivessem necessidade, para esse objecto se tornar sa grado, e ser sacrilegio usar d’elle. Assim o era para qualquer outra pessoa, menos para o offerente! D'esta sorte tornaram elles nullo e irrito o mandamento da lei de Deus. 7 . — Hypocritas! é o nome que melhor lhes quadra, pois 14O s. MATIHEUS, XV, 8-II. º Este povo honra-me com os labios; Mas o seu coração está longe de mim, º E em vão me prestam culto, Ensinando doutrinas e mandamentos humanos. 10 E tendo chamado para junto de si o povo, disse-lhes: Ouvi, e entendei: "O que entra pela bocca não mancha o homem; mas o que sai da bocca, isso mancha o homem. - fingem uma virtude e zelo que não tinham. — Bem prophe tizou de vís, i. é, quadra-vos bem o que Isaias (29, 13), fa lando sob a inspiração divina, disse dos seus contemporaneos. Parece que vos tinha em vista! 9. — Em vão, i. é, sem resultado, sem proveito nenhum. O grego tem u%Try, que não tem córrespondente no original he braico, e pode significar em vão (frustra), sem proveito, sem merecimento (cf. Jac. 1, 26: vana religio, p.4tato: 0pxaxsíz), ou sem fundamento, sem motivo, temere, sine causa (Vulgata), denotando a falta de religiosidade interna. O culto que prestam a Deus, consistindo em ritos e exterioridades meramente hu manas, substituidas aos actos essenciaes da religião, não lhes conciliava o favor e a benevolencia divina, antes os apartava cada vez mais de Deus. XV, io-2o. — Esclarece as turbas e os discipulos. (Cf. Mc. 7, 14-23.) Prediz a ruina dos phariseus, e explica em que consiste a verdadeirapureza e santidade. 1o. —0 povo, que se tinha afastado por motivo de respei to, emquanto Jesus respondia aos escribas e phariseus. O modo de falar dá já a entender a gravidade e importancia do assumpto. 11. — Náo mancha, 2) xovoi, i. é, não torna o homem com mum, profano e immundo aos olhos de Deus, creador de to das as coisas, e portanto tambem dos alimentos (cf. 1 Tim. S. MATTHEUS, XV, 12-14. 141 * Então chegando-se os seus discipulos, disseram lhe: Sabes que os phariseus, ouvida aquella pala vra, ficaram escandalizados ? " E ele respondendo, disse: Toda plantação, que o meu Pae celeste não plantou, será arrancada. " Deixae-os; são cegos a guiar outros cegos; ora se um cego guia a outro, ambos cáem na cova. 4, 4). Se o homem pecca comendo d'um alimento prohibido, é porque desobedece a Deus ou cede águla, não porque o ali mento, considerado em si mesmo, seja puro ou impuro. Ora se o alimento de si não contamina o homem, muito menos se contaminará ele por comer sem lavar as mãos. • 12. — A ultima palavra de Christo (vers. 11) era uma novi dade tão grande, e ia tanto contra os usos recebidos e acredi tados, que não só os phariseus ficaram com ella escandaliza dos, mas até nos proprios discipulos causou certo abalo. Dese jam pois ser melhor esclarecidos, e interrogam o Mestre. Este colloquio de Jesus com os discipulos teve logar em casa, quando estavam a sós (Mc. 7, 17), 13. — Por plantação, por:íz, extranha e adventicia, verda deiro escalracho no meio da seara de Deus, entende a seita e doutrinas dos phariseus. São arvores más, que serão arranca das e lançadas no fogo, quando o Messias, como juiz, purifi car o seu reino. A Biblia compara o povo de Deus a uma plantação ou vinha cultivada por Iáhve. (cf. Is . 5 , 7 ; 6o, 21.) 14. — Deixae-os, i. é , não vos importeis com elles, nem vos dê cuidado que elles se escandalizem. Não peccam por igno rancia ou fragilidade, mas por acinte e pura malicia. A Vul gata tem : caeci sunt, et duces caecorum, «são cegos, e guido res de cegos». O grego porém omitte a conjuncção e: Tuçxo; sisty &&Yºi tu?Xõy, «cegos são guias de cegos» o u são cegos a guiar cegos. Estes cegos, que se deixam guiar pelos phari seus, são o povo. Tão bons eram uns como outros, por isso 1 42 s. MATTHEUS, xv, 15-19. * E respondendo Pedro, disse-lhe: Explica-nos esta parabola. º E elle disse: Tambem vós estaes ainda agora sem intelligencia?" Não vedes que o que entra pela bocca, vai ter ao ventre, e segue depois o seu caminho? º Mas as coisas que sáem da bocca, procedem do coração, e essas mancham o homem. "Porque do coração sáem maus pensa a todos espera egual ruina e exterminio. E' a cova em que o povo judaico ha de cahir, em castigo da sua obstinada mali cia e perversidade. 15. — Esta parabola, i. é, a comparação proposta no vers. 1 1 . Como não a tinham entendido, Pedro, que era «a bocca dos discipulos e o corypheu d o côro» apostolico, (s . Chyr sostomo), pede a explicação d o enigma. 16. — Vós, com emphase, em opposição aos phariseus e ao povo, depois de tantas instrucções e tão longa aprendizagem! — Ainda agora, %xprów(= $rº, etiam nunc). 18. — O coração, segundo a psychologia popular dos He breus, é o centro da vida intellectual e moral. O que sai do coração, procede pois da vontade livre do homem; por isso pode contaminá-lo. Quanto a o alimento, esse concorre apenas para a vida corporal, e não attinge a alma. — Mancham, x2,y2i, i. é , tornam commum, profano, improprio para os usos sagrados. 19. — Enumera diversos peccados, por pensamentos, pala vras e obras, contra o 5º, 6.°, 7.° e 8º mandamentos. O em prego d o plural d á mais força á phrase, e denota as diversas especies de peccados dentro de cada classe. Por blasphemias, 9%20gruízº entendem alguns o s peccados de maledicencia e de difamação d o proximo, outros as palavras injuriosas quer contra Deus quer contra o proximo. No N . T . a palavra em prega-se com frequencia para designar as blasphemias pro priamente ditas, que nunca faltam quando o s falsos testemu nhos são confirmados por juramentos. S. MATTHEUS, XV, 20-2 I. 143 mentos, homicidios, adulterios, impudicicias, furtos, falsos testemunhos, blasphemias.*º Estas coisas são as que mancham o homem. O comer porém com as mãos por lavar não mancha o homem. • 21 E tendo Jesus sahido d’alli, retirou-se para as 2o. — Estas coisas...; repetição emphatica da doutrina ensinada nos versos , 7-19. O alimento, de s i, não contamina o homem, nem o comer sem lavar as mãos. Pode haver nisso rusticidade, mas não peccado. XV, 21-28. — Jesus e a Cananéa. (Cf. Mc. 7, 24-3o.) E' um caso extranho, que contrasta singularmente com a narra ção precedente. Jesus, recebido desde o principio com hosti lidade na Judéa, retirara-se para a Galiléa, mas aqui mesmo não acha fé , nem encontra já aquella segurança que exigia o seu ministerio. Vai pois até á Phenicia, e alli lhe sai ao en contro, cheia de fé , e crendo n a sua messianidade, uma mulher extrangeira, gentia e descendente dos adoradores d e Baal! Que contraste entre o s gentios e o povo de Deus! S. Mc. narra este caso com mais individuação d o que s. Mt. 21. — D’alli, i. é , d a casa onde estivera instruindo o s disci pulos. — Retirou-se para deixar acalmar a ira dos phariseus, que Jesus confundira e desmascarara na terra de Gennesareth (15, 1-9), — De Tyro e de Sidonia, i. é , d a Phenicia, que neste tempo pertencia á provincia romana da Syria. Tyro e Sidonia eram a s suas cidades principaes, que, em diversas epocas ex cederam prodigiosamente a todas as outras em importancia e gloria. Os Phenicios, celebres na antiguidade pela sua marinha e commercio, eram um povo engenhoso e emprehendedor, vindo, como o s Hebreus e o s Egypcios, das planicies da Cal déa. Viviam em cidades independentes a o longo d’uma estreita facha d e terra, arrimada aos flancos escarpados d o Libano. A s suas cidades e portos principaes eram Arad, Byblos, Bey routh, Sidonia, Tyro e Acre. Cada cidade tinha o seu Baal, 144 S. MATTHEUS, xv, 22-26. partes de Tyro e Sidonia. * E eis que uma mulher cananéa, tendo sahido d'aquelles confins, bradou, dizendo-lhe: Compadece-te d e mim, Senhor, filho de David! a minha filha é cruelmente atormentada pelo demonio. " E ele não lhe respondeu palavra. E chegando-se os seus discipulos rogavam-lhe, dizen do: Despede-a, porque vem gritando atraz de nós. * E ele respondendo, disse: Não fui enviado senão á s ovelhas perdidas d a casa d e Israel. * Mas ella chegou se, e o adorou, dizendo: Senhor, vale-me! * E ele respondendo, disse: Não convem tomar o e ao lado d'elle uma divindade feminina chamada Baalit ou Astarte. 22. — Observa s. Mc. 7 , 2 4 que Jesus não queria ser conheci do, mas não o conseguiu, porque a sua fama era já conhecida fóra de Israel, na Phenicia (Lc. 6 , 17) e em toda a Syria (4,24). — Filho de David (9 , 27) é a denominação messianica pela qual Jesus começava já a ser conhecido e saudado pela gente d o povo, sobretudo pelos infelizes que imploravam a sua mi sericordia. 23. — Pedem os discipulos a Christo que despache a mulher, mais para se verem livres dos seus clamores importunos, d o que por espirito de compaixão. 24. — Predilecção de Jesus por Israel. Apesar de tamanha ingratidão e obstinação, não esquece o seu povo e as promes sas feitas aos antigos patriarchas. Os gentios não estão ex cluidos da salvação messianica, mas a missão temporal e pes soal d o Messias só tem por objecto a familia de Israel. (cf. 1o, 6 . Jo. 1o, 3.) 2 5 . — Adorou, i. é , prostou-se-lhe aos pés (cf. Mc. 7 , 25). Bello rasgo de constancia e de fé , inspirado pelo amor materno. 26. — Não convem, cºz Sary xxxó, não é bello. Na casa ou s. MATTHEUS, XV, 27-28. 145 # # lº { } à: } |[$. <r"# 01: {}; pão dos filhos, e deitá-lo aos cães. * Ella porém disse: Assim é, Senhor; pois os cães comem das migalhas, que cáem da mesa dos seus donos.*En tão respondendo Jesus, disse-lhe: O mulher, grande é a tua fé! faça-se-te comoqueres. E desde aquella hora ficou salva a sua filha. familia de Deus os Israelitas vivem como filhos; os gentios porém, que adoram os idolos, não podem occupar o logar de filhos, nem sequer de servos; vivem tambem nella, como creaturas de Deus que são, mas occupam o logar dos cães. (cf. Is . 56, 1o, 11) O cão, para o s Judeus, era um animal im mundo e profano, por isso chamavam cães aos idolatras. — Aos cães o u aos cachorrinhos, toi; zwzgízt; como tem o grego, tanto neste verso como no seguinte, a o contrario da Vulgata, que tem o positivo num e o diminutivo noutro. Este uso da forma di minutiva em vez da positiva é proprio da grecidade posterior, e não tem especial significação. Comtudo bem pode ser que Jesus, falando em aramaico, empregasse de preferencia uma expressão diminutiva para attenuar a dureza d o qualificativo que o s Judeus costumavam applicar aos gentios. 27. — Resposta cheia de humildade e de fé . Reconhece a justiça da resposta de Christo. Como gentia que é , não lhe cabe o pão dos filhos, nem ousa pedi-lo. Mas isto não impede que lhe deixem cahir da mesa algumas migalhas, e assim re nova, indirecta e implicitamente a sua petição. A nam et cor responde no grego xz} Y%, que melhor se traduziria por ete nim. 28. —Cf. 8, 1o, onde Jesus admirou tambem a fé d'um ho mem gentio. Nenhum israelita lhe mereceu semelhante elogio. Bem se vê aqui como a oração perseverante e humilde penetra o s céos. (cf. Eccli, 35, 21 e Ps. 1o1, 18.) XV, 29-31. Volta para o mar de Galiléa. (Cf. Mc. 7 , 31-37) — O milagre operado em favor de cananéa foi um l O 146 s. MATTHEUS, XV, 29-3o. 29 E tendo Jesus partido d’alli, fo i para junto do mar de Galiléa, e tendo subido ao monte, estava as sentado alli. "E chegaram a elle muitas turbas tendo comsigo mudos, cegos, coxos, tolhidos, e outros muitos; e os lançaram aos seus pés, e elle os curou. episodio de excepção n o apostolado de Jesus Christo, mas por isso mesmo já não lhe era possivel permanecer incognito n a Phenicia. O milagre era até d'aquelles que mais excitavam a curiosidade e o concurso do povo. Voltou pois para a Galiléa, onde operou logo no seu regresso grande numero de mila gres em favor dos filhos, que fazem contraste com as miga lhas deitadas aos gentios. Foi nesta occasião que Jesus curou o surdo-mudo, cuja cura vem narrada em s. Marcos. 29. — Para junto..., não para a costa occidental do lago, como cuidam alguns, mas para as terras da margem oriental, como vem expressamente em s Mc. 7 , 31, e tambem o sup põi o caso da multiplicação dos pães, que vem narrado logo adeante em s. Mattheus. — A o monte, com o artigo, s i; # %; como em 5 , I. 3o. — Muitas turbas; cujo numero se pode avaliar pelos 4ooo homens, sem contar mulheres e creanças, que foram mi lagrosamente saciados (15, 38). Este concurso de gente era devido á ausencia de Christo. — Mudos, no grego xoço%, que pode designar indistinctamente mudos e surdos. Deriva-se de x3rro, tundo, e significa propriamente embotado, boto, tusus, obtusos. Nos Setenta corresponde a vinn, surdo, e diz-se, em sentido translato, dos que não querem ouvir e obedecer á le i d e Deus. — Tolhidos, xoXX%;, encurvados, entrevados. Parece designar os aleijados de mãos ou braços, não por falta d’estes membros, mas por causa de atrophiamento e paralysia. — Lançaram-nos, cevay, arremessaram-nos! o que realça o fer vor da gente e o receio que tinham de que Jesus se lhe esca passe, e perdessem tão boa occasião. O interesse temporal é sempre o que mais os preoccupa. s. MATTHEUS, XV, 31-33. 147 ** De modo que as turbas se maravilhavam, vendo mudos falar, coxos andar, cegos ver; e engrande ciam o Deus de Israel. • * E Jesus, convocados os seus discipulos, disse: Compadeço-me do povo, porque ha já tres dias que permanecem comigo, e não teem nada que comer; e não os quero despedir em jejum, para que não des falleçam pelo caminho. ° E dizem-lhe os discipu 31. — Efeitos dos milagres no povo: admiram-se, e louvam a Deus, mas não acabam de abrir os olhos á luz messianica que os inundava. Como esta obtusidade do povo judaico constrasta com a fé da mulher cananéa. XV, 32-39 — Segunda multiplicação dos pães. (Cf. Mc. 8, 1-1o.) E uma nova e bella manifestação da misericor dia de Jesus Christo, e do seu poder creador. Houve quem pretendesse fazer d'esta narração uma simples duplicata da precedente, mencionada em 14, 13.27. Tal confusão é im possivel. Não só os dados são differentes numa e noutra, mas até o proprio Christo se refere a ellas como a dois milagres differentes, operados em diversas occasiões. (cf. 16, 9-1o. Mc. 8, 2o.) Semelhança não é o mesmo que identidade. 32. — Chama os seus discipulos para os ensinar a compade cerem-se dos males do povo, e a procurarem remediá-los. Este interesse carinhoso pelos males que afligem o povo é essen cial ao espirito christão, e erram grandemente os que julgam que a religião christã só se interessa pelo bem espiritual e eterno das almas. E' mister pois que os discipulos de Christo imitem misto o seu Mestre. — Compadeço-me, orxz}}{çouz, como em 14, 14 . E ' a bella e carinhosa expressão da caridade d e Jesus Christo. — Pelo caminho, pois alguns d'elles tinham vindo de longe. (Mc. 8 , 3 ). Demoraram-se mais d o que pen savam, e as suas provisões tinham-se acabado! 33. — A resposta dos discipulos revela bem a sua obtusi 148 s. MATTHEUs, xv, 34-38. los: E onde acharemos nós no deserto pães bastan tes para saciar tamanha multidão ? " E diz-lhes Jesus: Quantos pães tendes? E elles disseram: Sete, e poucos peixinhos. * E tendo mandado á gente que se assentassem sobre a terra, º tomou os sete pães e os peixes, e tendo dado graças, partiu, e deu aos discipulos, e os discipulos ao povo. " E todos comeram e ficaram fartos. E dos pedaços que so bejaram, levantaram sete cestos cheios. "º Ora os dade. Nem se lembram da primeira multiplicação dos pães, nem lhes vem á mente o poder de Christo, e o poder que elle mesmo lhes tinha conferido de operar milagres! — No deserto, expressão que, tratando-se das margens do lago, só pode referir-se á costa oriental, arida e montanhosa. — Para saciar, ódre Zºgráaz, i. é, que cheguem para saciar. E uma expressão correlativa, e não final. 36. — Dado graças, s%2çaríaz:, tendo pronunciado uma ora ção solemne de louvor e acção de graças. (cf. 14, 19. Jo. 11, 41-42.) Como na primeira multiplicação dos pães, tambem nesta os discipulos são intermediarios entre Jesus e o povo, e é nas mãos d’elles que os fragmentos se multiplicam. Assim ha de succeder no reino messianico relativamente á instrucção e santificação das almas. 37. — Na primeira multipliceção levantaram 12 «cophinos», tantos quantos eram os discipulos; nesta recolhem 7 cestos, azuç{3a; (= sportas ou sportulas, cestos de esparto ou de junco, e tambem cabazes ou cestos de vime), tantos quantos eram os pães. Ambos os numeros eram sagrados para os Judeus. 39. — Magadan (na Vulgata: Magedan) é uma povoação incerta na costa occidental do lago, que alguns identificam com Meggido, o que é pouco provavel. Outros veem na pala vra, que não é semitica, uma pronuncia diferente de Magdala, s. MATTHEUS, XV, 39. 149 que comeram eram quatro mil homens, afóra crean ças e mulheres. º E despedidas as turbas, entrou na barca, e passou ao territorio de Magadan. uns 5/4 d’hora acima de Tiberias. Magdala, hoje Medschel ou Medjdel, insignificante e pobrissima aldeia musulmana, era a antiga Torre de El, es":= (= Migdal El), cidade fortificada na tribu de Nephthalím. O talmud de Jerusalem chama-lhe *":= (Magdal ou Migdal). — S. Mc, 8, 1o tem Dalmanutha, que deve ser o nome d'alguma povoação, hoje inteiramente desconhecida, perto de Magdala. \ \, -- >{ CAPITULO XVI ! E chegando-se os phariseus e sadduceus a ten tá-lo, pediram-lhe que lhes fizesse ver um signal do céo, º Mas ele respondendo disse-lhes: Ao fim da tarde dizeis: Bom tempo! pois o céo está aver XVI, 1-4 — Pedem-lhe um signal no céo. (Cf. Mc. 8, 19-13. Lc. 12, 54-56) D'estavez entram tambem em scena os sadduceus (cf. 22, 23-33). Eram, religiosa e politicamente, inimigos irreconciliaveis dos phariseus, mas uns e outros entendiam-se bem contra o inimigo commum, Jesus Christo. A Egreja ha de offerecer atravez dos seculos este mesmo espectaculo, signal evidente da sua verdade, de ver conjura dos e unidos contra si todos os erros. A verdade é uma só, e oppõi-se egualmente a todos os erros, cujas fórmas e varia ções não teem numero. 1.— A tentá-lo, i. é, para o apanharem em alguma palavra, por onde o pudessem accusar. Se fossem sinceros e quizes sem crer, excusavam de pedir milagres operados nas regiões celestes; bastavam-lhe os que Jesus tinha operado na terra. — Pediram ou melhor requereram, pretenderam, impºrnozy, pois s. Mc. 8, 11, representa-os altercando audaciosamente com Jesus. A pretensão d'um signal do céo, ix ro5 o%2v65,pode ser uma reminiscencia da proposta de Isaias, 7, 11 a Acab. 2. — Ao fim da tarde; refere-se, como em 14, 15, á primeira tarde, quando começa a approximar-se o pôr do sol. — Bom tempo, sòòíz! exclamação de quem prognostica o estado do tempo pelo aspecto do céo. Os Judeus eram em extremo saga zes neste genero de conjecturas. s. MATTHEUS, xvI, 3-5. 15 I melhado, º E de manhã: Hoje mau tempo! pois o céo está tristemente afogueado. º Sabeis pois discernir o cariz do céo, e não podeis discernir os signaes dos tempos? Esta geração má e adultera pede um signal; e não se lhe dará signal, senão o signal de Jonas, o propheta. E deixando-os, reti TOUl-SC, 5 E indo os discipulos para a banda d’além, es 3. — Mau tempo, Zetuáy, invernia ! vento impetuoso acom panhado de aguaceiros. — Tristemente, Gruyváçov, coberto de nuvens, com aspecto triste (aruyv4|o, estar ou parecer triste). Os versos 2 e 3 faltam em alguns codices, mas como são sup postos pelo contexto, não podem ser eliminados a titulo de interpolação tomada de Lc. 12, 54-55. 4. — Os signaes dos tempos messianicos são os milagres de Christo, os vaticinios dos antigos prophetas, que nelle se estavam cumprindo, a missão e o testemunho do Baptista, etc. Mas estes, elles não os queriam ver, porque não quadra vam com a idéa falsa que tinham formado das grandezas tem poraes e nacionaes do reino messianico. 5.—Cf. 12, 39", onde se declara em que consiste o signal de Jonas. XVI, 5-12. —O fermento dos phariseus e saddu ceus. (Cf. Mc. 8, 14-21. Lc. 12, 1. ) S . Lucas menciona só o s phariseus, gente religiosa e ritualista, e s. Marcos associa-lhes o s Herodianos, homens politicos, partidarios dos Herodes, e inimigos acerrimos dos phariseus. Os sadduceus, a principio partidarios d e Herodes, adheriram mais tarde á dominação d e Roma. Estes ultimos eram materialistas, o que o s não im pedia d e exercer os altos cargos sacerdotaes !. 5 . — Para a banda d’além, passando dos confins de Magadan o u d a terra de Gennesareth (15,39) para a margem oriental. 152 S. MATTHEUS, XVI, 6-1o. queceram-se de levar pão. º E disse-lhes Jesus: Olhae, e acautelae-vos do fermento dos phariseus e sadduceus! " E elles discorriam entre si , dizendo: E porque não trouxemos pão. º E Jesus conhecendo, disse: Porque estaes discorrendo entre vós, homens d e pouca fé , que não tendes pão ? º Não entendeis ainda, nem vos lembraes dos cinco pães para cinco mil homens, e quantos cabazes levantastes? º Nem dos sete pães para quatro mil homens, e quantos Esta era deserta e quasi despovoada, por isso era necessario levar provisão de mantimentos. E ' a terceira vez que Jesus faz esta viagem por causa das insidias e importunações dos phariseus. (cf. 14, 13; 15, 29.) O fermento, épº, imagem da decomposição e corrupção, representa bem as doutrinas pharisaicas, e o que ellas eram relativamente á lei, sobre e contra a qual elles as edificaram. São um virus de corrupção moral e religiosa, por isso recom menda Jesus aos seus discipulos que se acautelem d’ellas. 7 . — Discorriam entre s i, ôts)o%vro y Szorok, que a Vulgata, com menos exactidão, traduz por cogitabant intra se, «pen savam dentro de si». —E", i. é , fala assim o u diz isto. Tomam a o p é d a letra as palavras de Christo, como se ele os preve nisse contra o pão dos phariseus e sadduceus. Os phariseus effectivamente não se tinham esquecido de regulamentar o uso do pão. 8 .—Cf. Mc. 8, 17-18, onde Jesus argúe os discipulos de tar dios e obcecados na intelligencia da sua linguagem e dou trina. Não estavam ainda inteiramente livres do ascendente que sobre o povo exerciam o s phariseus, tão grande é a força das apparencias de santidade e de austeridade. 9 . —Cf. 14, 17-21. 1o.—Cf. 15, 34-38. s. MATTHEUS, XVI, 11-13. 153 cestos levantastes? "Porque não entendeis que não vos disse do pão: Acautelae-vos do fermento dos phariseus e sadduceus? º Então entenderam que não dissera que se deviam acautelar do fermento do pão, mas da doutrina dos phariseus e sadduceus. 13 E veio Jesus para as partes de Cesaréa de Philippe; e interrogava os seus discipulos, dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho d'homem? 12. — Da doutrina, i. é, das tradições meramente humanas, que elles inventavam e impunham ao povo como mandamen tos divinos (cf. 15, 3-9). Na linguagem rabbinica a palavra fermento designa as affeições desordenadas, a concupiscencia e a maldade do coração. XVI, 13-2o — Promette o primado a Pedro. (Cf. Mc. 8, 27-3o. Lc. 9, 18-21) E uma das passagens mais importam tes do primeiro Evangelho para o conhecimento da verda deira indole da Egreja e do collegio apostolico. Em s. Jo. 21, 15-23 vem o cumprimento d'esta promessa de Christo a Pe dro. 13.— Cesaréa de Philippe, a antiga Paneas (hoje Banias) reedificada por Herodes-Philippe, e chamada por ella Cesa réa em honra de Tiberio Cesar. Ficava na Gaulonite junto ás faldas de Hermon. Agrippa II deu-lhe mais tarde o nome de Neronias, em memoria de Nero. Diz-se de Philippe para não ser confundida com Cesaréa da Palestina, construida por Herodes o Grande, no sitio da antiga torre de Strotão. É um magnifico porto de mar, e servia de residencia habitual ao go vernador romano. — Os homens, i. é, a gente do povo, não os escribas e phariseus. Quer em certo modo dar balanço ao seu ministerio, avaliando, pela idéa que d’elle faziam, até onde tinham chegado no conhecimento da sua pessoa, que fructo tinham tirado das suas prégações e milagres. • 154 S. MATTHEUS, XVI, 14-16. * E elles disseram: Uns, João o Baptista, outros, Elias, outros, Jeremias ou algum dos prophetas. " Diz-lhes: E vós quem dizeis que eu sou? º Res. pondendo Simão Pedro disse: Tu és o Christo, o 14. — Dos antigos prophetas, que resuscitou. Os preconcei tos populares do Messias glorioso estavam tão profunda mente arraigados no povo, que, apesar do testemunho do Baptista e dos milagres de Christo, ninguem se resolvia a crer na messianidade de Christo. Tal é a força das opiniões preconcebidas! Vê-se pelas respostas que os phariseus não tinham conseguido ainda alienar o povo de Jesus Christo; ainda menos de um anno e a apostasia será consummada. — Das respostas, a primeira é tambem a opinião de Antipas, já mencionada (14, 2), as outras indicam algum precursor do Messias. Como ta l era esperado Elias (11,15. Mal. 4.6. Eccli. 48, 1o . 11). Não se sabe por que motivo esperavam a vinda de Jeremias; talvez por ter escondido a arca da alliança, que desde então não tornou mais a apparecer. (cf. 2 Mach. 2 , 1-12; 15, 13-16) 1 5 . — E vós, com emphase, vós a quem eu escolhi, vós que sois o s meus discipulos, que andais sempre comigo... Sonda o s como quem quer saber que fructo tambem elles tinham tirado d o seu magisterio. Era de esperar que fizessem d'elle melhor opinão. 16. — Gloriosa e emphatica confissão de Pedro. Como nou tros casos semelhantes, é elle o primeiro a entrar em scena, traduzindo na sua resposta, fortemente accentuada, empha tica e concisa, a indole espontanea, ardente e generosa do seu caracter. Uma caracteristica d o primeiro Evangelho é este realce e importancia dada á pessoa dePedro. Confessa pois que Jesus é — 1º o Messias %%paró;;2.º o filho verdadeiro ou natural de Deus, e portanto que é Deus d o mesmo modo que o Pae. O epitheto o filho de Deus, i. é , d o unico e verda deiro Deus, á vio; ro ñ fiscj, com o artigo, não podendo ser to • s. MATTHEUS, XVI, 17. 155 Filho do Deus vivo. " E respondendo Jesus, disse lhe: Ditoso de t i, Simão, filho de João, porque não fo i a carne e o sangue que to revelou, mas o meu mado aqui em sentido moral, como convinha aos prophetas, aos reis theocraticos, e a o proprio povo de Israel, chamados filhos de Deus por adopção, deve tomar-se no seu sentido proprio e natural. Pedro accrescenta esta segunda confissão, para declarar bem em que sentido confessava que Jesus era o Messias. Não o julgava, como o s Judeus esperavam, um puro homem, como qualquer outro descendente natural de David, embora filho de Iáhve e objecto da sua mais amorosa e especial protecção, mas muito mais d o que isso, Deus, e filho verdadeiro de Deus. Este epitheto exclue portanto as falsas interpretações, que, entre Judeus, podia ter a primeira confissão. E ' por isso que é propria do primeiro Evangelho es cripto para Judeus. — S . Mc. tem só: Tu és o Christo (8 , 29), e s. Lc.: O Christo de Deus (18, 2o). Tanto um como outro es crevem para os christãos alheios a o judaismo, e representam logo a Christo como filho de Deus, e demonstrado ta l pelas suas obras. — O ultimo epitheto: do Deus vivo, (r . 55vro:, tam bem com o artigo — do vivo) realça a verdadeira natureza d o unico e supremo Deus, em opposição aos deuses mortos dos pagãos, e esclarece ainda mais a filiação divina d o Chris to. Só seres vivos podem gerar. — Respondeu Pedro só em seu nome o u em nome de todos, como em s. Jo. 6 , 69-7o? Não é facil determinar qual fosse a intenção de Pedro; o que é certo porém é que Jesus, na sua resposta, não se dirige senão a Pedro individualmente considerado (cf. vers. 17 . 18. 19). 17. — A resposta de Christo suppõi que Pedro confessou a sua divindade, o u que era o filho de Deus, não em sentido adoptivo e theocratico (cf. 14, 13), mas em sentido proprio e natural. Só assim se explica a grande felicitação de que elle é objecto por parte de Jesus Christo.—Ditoso! feliz! pºx%io, como em 5 , 3 .° Compraz-se em admirar e proclamar a grande 156 S. MATTHEUS, XVI, 18. Pae, que está nos céos. " E eu te digo a ti que tu és Pedra, e sobre esta mesma pedra edificarei a minha Egreja, e as portas do inferno não prevalece dita e feliz sorte de Pedro. A linguagem reveste uma forma solemne e poetica, accrescentando ao nome de Simão o do pae Bar Ioná, «filho de João», o que é proprio do estylo so lemne oriental. — Bar, "= (em hebraico Ben, I=) é uma palavra aramaica, que, no hebraico, só tem emprego no estylo poe tico. — A carne e o sangue, =Tº "v=, i. é, a natureza humana com os seus proprios recursos naturaes, em opposição á re velação de Deus. A confissão de Pedro, suppõi nelle um conhecimento de Christo tão elevado que Pedro, por si só, não o poderia adquirir. Só o Pae lh'o poderia communicar (cf. 11, 27). E portanto evidente que a confissão de Pedro tem o sentido que lhe attribuimos, que afirma mais alguma coisa do que a simples messianidade de Jesus Christo. 18. — Note-se bem a emphase das palavras de Jesus, con trapondo-se a Pedro: eu — a ti — tu. Vai remunerá-lo pela sua gloriosa profissão de fé , e revelar-lhe a grande dignidade que lhe tem destinada no seu reino. —Eu te digo, é aquelle mesmo accento de auctoridade, que encheu de pasmo as turbas n o Sermão do monte. — Que tu és verdadeiramente o que o teu nome significa. Pedra o u rochedo, que isto significa o nome aramaico Kepha (s="2 estado emphatico d e Fºz), primeiro pro mettido (Jo. 1 , 42), e mais tarde dado a Simão por Jesus Christo, e de que as palavras gregas xérox ou Térço; (d’onde vem Petrus, Pedro) são mera traducção. — Note-se bem que quem é pedra é a pessoa, e não, como pretendem o s protestan tes, a fe de Simão. A fé é apenas a ragão ou causa porque Simão é escolhido para pedra o u base solida do edificio que Christo, como sabio architecto, vai levantar sobre elle (cf. 7 , 24°). A base de um edificio é o principio da sua firmeza e es tabilidade. Ora a base d'um corpo moral o u sociedade reli giosa, qual é a Egreja de Christo, é a auctoridade suprema que s. MATTHEUS, XVI, 19. 157 rão contra ella, º E eu te darei as chaves do reino dos céos. E tudo o que ligares sobre a terra será tambem ligado nos céos: e tudo o que desligares a governa. Essa auctoridade suprema e visivel, mas subordi nada a Christo, é Simão. — A esta sociedade religiosa, já co nhecida pelo nome de reino dos céos ou de Deus, chama Christo xx\raíz (de xx)xt:;, evocatus, de xxxxío, evoco), porque é uma sociedade de chamados por Deus para o reino de seu Filho. O povo messianico será pois a Egreja de Christo, assim como, no A. T., o povo de Israel era a egreja de Deus (Neh. 13, 1) ou do Senhor (Num. 16, 3). Chamava-se tambem a casa de Deus (Num. 13,7), o que explica a metaphora de edificar ap plicada á fundação do reino messianico, — Sobre esta mesma pedra, com muita emphase, como vem no grego: ri Tajr r; rérez. A pessoa de Simão é pois o rochedo firme, o fundamento solido e inabalavel sobre o qual Jesus vai levantar um gran dioso edificio, que por isso mesmo ha de resistir indestructi velmente a todos os assaltos do inferno. As portas do inferno, róxz 33oo, i. é, o poder infernal, repre sentado tambem como uma casa, cidade ou reino aggressivo e opposto á casa, cidade ou reino de Christo. Na linguagem oriental porta designa a cidade ou cidadela real. Assim o im perio dos turcos ainda hoje se chama a porta ou a sublime porta. Nos monumentos egypciacos o Pharaó tambem é cha mado Pir-aa, a «Grande casa». — O inferno, 3ôz:, "se (scheól) é propriamente o mundo subterraneo, para onde iam as almas depois da morte. E representado como um poder invencivel, ao qual ninguem escapa, pois todos hão de morrer, e quem uma vez lá desce não tem mais esperança de voltar a esta vida (cf. Job, 1 o , 2o-22). Ora a morte entrou n o mundo pelo pec cado e pelo demonio, invejoso da feliz condição destinada a o genero humano. Não é pois de admirar que o scheol seja re presentado como o imperio proprio de satanás, e que este ap pareça n o evangelho como o adversario de Jesus Christo, que veio libertar o genero humano d o seu captiveiro, d o peccado 158 S. MATTHEUS, XVI, 2o. sobre a terra será tambem desligado nos céos. * Então ordenou aos seus discipulos que não dis. sessem a ninguem que elle era o Christo. e da morte. Ora bem esse poder infernal ha de levantar-se furioso contra a Egreja (cf. 7, 24-25), mas aº xaria/gooway aprik, não será mais forte do que ella, não conseguirá jámais derri bá-la e anniquilá-la. A Egreja de Jesus Christo será pois in destructivel, e triumphará finalmente do demonio, do peccado. e da morte. E esta solidez provem-ihe do rochedo, sobre o qual Jesus Christo a fundou, porque onde está Pedro, ahi está Jesus Christo, o vencedor do demonio, do peccado e da morte. 19. — As chaves do reino, i. é, o poder supremo de o gover nar e administrar. E o que significa a acção de entregar as chaves d’uma casa, fortaleza ou cidade a alguem. Possuir as chaves é ter o supremo poder. (cf. Apoc. 1, 19; 3,7) — Ligar, àsly (na linguagem aramaica e rabbinica asar, "EN), e desligar, Xósw (em aram. scherá, Nºv = hebr. "Fr) é o mesmo que de clarar illicito on licito, prohibir ou permitir. Pedro fica pois constituido interprete authentico da doutrina de Christo, com poder de legislar, e como as suas decisões são ratificadas no céo, é evidente que Pedro, no desempenho d'esta missão, deve ser infallivel. — Pedro será pois o chefe visivel da Egreja, com plenos poderes para a governar e administrar, e como a Egreja de Jesus Christo ha de durar, neste mundo, até á com summação dos seculos, o primado de Pedro, que é o seu fun damento inconcusso, a base solida da sua firmezae estabili dade, deve necessariamente ser nella uma instituição visivel e permanente, do mesmo modo que o collegio apostolico. E como não era manifestamente intenção de Christo prolongar indefinidamente a vida de Pedro e dos outros apostolos, segue se que um e outros hão de ter successores legitimos e visiveis, para que todos possam conhecer bem qual é a verdadeira Egreja de Jesus Christo, e distingui-la de qualquer outra com - munidade religiosa, que se arrogue falsamente esse titulo au gusto. Esse successor de Pedro é o Pontifice romano. S. MATTHEUS, XVI, 21-22. 159 21 Desde então começou Jesus a mostrar aos seus discipulos como lhe cumpria ir a Jerusalem, e padecer muito dos anciãos, e dos escribas, e dos principes dos sacerdotes, e ser morto, e ao terceiro dia ser resuscitado. * E tomando-o Pedro á parte, começou a increpá-lo, dizendo: Para longe de ti , 2o. — Precaução necessaria para não irritar mais os phari seus, e evitar alvoroços no povo (cf. 8 , 4 ). XVI, 21-23. — Prediz a sua paixão. (Cf. Mc. 8, 31.33. Lc. 9 , 22.) Começa Jesus a preparar o s seus discípulos para o grande escandalo de sua paixão e morte (16, 21 — 17, 26). 21. — Desde então, com emphase, i. é , depois da gloriosa confissão de Pedro, garantia segura da fé d o collegio aposto lico na messianidade e divindade de Jesus Christo. Foi para assim dizer o ponto culminante que Jesus quiz attingir em todo o seu ministerio, e , assegurado elle, parece que nada mais lhe resta senão consummar n o Calvario a sua obra, pela voluntaria immolação de si mesmo. — Cumpria ou era neces sario (às), segundo os designios da Providencia, annunciados nos vaticinios messianicos (cf. 26, 54. Lc. 24, 25-27. Jo. 3 , 14). O s que hão de perseguir e matar o Messias são: — 1º os an ciãos, i. é, os magistrados civis do povo judaico; — 2. º o s es cribas, i. é , o s doutores da le i e mestres d o povo; — 3. º o s principes dos sacerdotes. i. é , a auctoridade religiosa. — Ser resuscitado, yeç3ivx, pelo Pae. (cf. Act. 2 , 24-32; 3, 15; 4, 1o etc.) 22. — Não se conforma Pedro com a predicção de Christo. Parece-lhe coisa indigna que o Messias passe por tamanha humilhação, insinuando, sem duvida, que elle e o s mais dis cipulos estão promptos para defendê-lo. — Tomando-o á parte, rpoo%29ópºvo; zörów, i. é , deitando-lhe a mão e puxando-o para si , como fazem em taes casos o s amigos. — Increpâ-lo com vivo empenho e zelo ardente, intrºv㺠(enixe admoncre), nas IOO S. MATTHEUS, XVI, 23-24. Senhor! não te acontecerá isso. 2° E elle voltando se, disse a Pedro: Arreda-te de mim, satanás! que me serves de escandalo, porque não percebes as coisas que são de Deus, mas as dos homens. 24 Então disse Jesus aos seus discipulos: Se al guem quer v ir após de mim, negue-se a si mesmo, cido d e estima e amor. — Longe de t i, Xso; az, subentende-se: si m º SE3;, i. é , Deus te seja propicio ! Deus tal não permitta ! Corresponde á expressão hebraica Tº nººn. 23. — Voltando-se, arçz, s í, d'elle em signal de desagrado. — Satanás, i. é , adversario. E ' a palavra aramaica Neee, estado emphatico de ree (em hebr. Tev). Toma-se aqui em sentido appellativo, mas com allusão a o demonio que tambem tentou desviar a Christo do caminho, que o Pae lhe traçou para realizar a sua obra (4 , 3-9). — De escandalo, i. é , d e tropeço, d e obstaculo a o cumprimento da vontade d e Deus. Declara em que sentido lhe chama satanás, attenuando a o mesmo tempo a dureza d’aquella forte increpação. —Não percebes, não te interessas. O verbo "pov㺠rárvo; significa alicujus rebus seu commodis studere, tomar a peito as coisas o u o s inte resses d e alguem, dedicar-se a elles. Pedro não pensa nos interesses superiores de Deus, cuja justiça devia ser appla cada, mas nos interesses dos homens que só desejam felici dades e prosperidades temporaes sem trabalho e sofrimento. XVI, 24-28. — Necessidade da propria abnegação. (Cf. Mc. 8 , 34-39. Lc. 9 , 23-27.) O caminho da cruz não é só para Christo, mas condição necessaria para todos os que o queiram seguir. O espirito de renuncia e de abnegação é essen cial ao christianismo. 24. — Vir após de mim, i. é, ser meu discipulo. Diz se quer, porque não faz força a ninguem. Deus respeita a liberdade d o homem, para que ele seja em certo modo auctor do seu des s. MATTHEUS, XVI, 25-27. 161 e tome a sua cruz, e siga-me. * Porque quem qui zer salvar a sua vida, perdê-la-ha; e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-ha." Pois de que servirá a um homem lucrar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma? Ou que resgate dará um homem pela sua alma??? Por que o Filho d'homem tino. —Negue-se a si mesmo, i. é, ponha o seu pensamento e empenho nas coisas que são de Deus e não nas dos homens; ordene o seu pensar, querer, sentir e operar (i . é, toda a sua vida) pela vontade de Deus, e não pelas proprias paixões e inclinações desordenadas.— Tome a sua cruz (allusão a o genero de morte que Jesus havia de padecer), i. é , tome ás suas costas a sua cruz e carregue com ella como um cruciario, que leva aos hombros o instrumento do seu supplicio. —E siga-me, i. é , e imite-me, disposto a morrer comigo se fôr preciso. — Estas admiraveis e breves palavras de Jesus Christo podem ser consideradas como uma breve summa de toda a perfeição christã. Os verdadeiros discipulos de Christo devem trazê-las constantemente presentes e vivamente gravadas no coração, como norma de vida. - 25. —Cf. 1o, 38. Lc. 14 , 27. Salvar, i. é , conservar a sua vida, negando a Christo para a não perder. 26. — Servirá, no futuro, àç=XYSíazrat; lição que parece pre ferivel á da Vulgata. Não ha bem que possa compensar a perda da vida immortal. E ' um damno incommensuravel e irreparavel, — Resgate, &wr%)}zyuz, o que se dá em troca d'alguma coisa, para a adquirir, conservar o u resgatar. Quem, por amor d'algum bem temporal, perde a propria alma, não lhe fica nada com que a possa depois recuperar no dia do juizo. O damno sofrido é eterno e irreparavel. Christo joga com a palavra jogá, alma. No vers. 25 toma-se pela vida temporal, de que a alma é o principio intimo; no vers. 26 toma-se pela vida eterna e bemaventurada. • 27. — Confirma a doutrina precedente com a certeza d o juizo I I 162 s. MATTHEUS, XVI, 28. ha-de v ir n a gloria de seu Pae, com os seus anjos; e então dará a cada um segundo a s suas obras. ** Em verdade vos digo, alguns ha dos aqui pre sentes que não provarão a morte até que vejam o Filho d'homem vindo no seu reino. final, em que elle mesmo será o juiz. Propõi a norma infalli vel segundo a qual h a d e julgar. — N a gloria..., i. é, com aquella gloria eterna, esplendor e majestade que é propria d e Deus Pae; na gloria da Divindade (cf. Jo. 17, 5) . Em s. Mt. 24, 3o: «com grande poder e majestade.» — Segundo as suas obras, riº rç2#w zircã, segundo o seu proceder. Eis o que o homem tem de apresentar ao juiz supremo para receber d’elle o que lhe é devido, o u tribulação e angustia pelo mal, o u honra e gloria pelo bem (Rom. 2. 2 , 9 , 1o). Mas se alguem, para lucrar, mas que fosse o mundo inteiro, perder a sua alma, a vida eterna e feliz, — que lhe ha de apresentar? 28. — Este juizo é absolutamente certo, e não está longe. Começará com o triumpho do Filho d'homem, posto que o seu acto final só tenha logar na consummação dos seculos. Ora esse triumpho está tão perto que muitos dos seus ouvin tes hão de ser d’elle testemunhas oculares. — Provar a morte (em aramaico sn'> Eye, o s Hebreus dizem ver a morte, risº nºr), i. é , morrer. Os gregos tambem usam expressões seme lhantes: (súsa Szt révºou;, xxxów). — No seu reino, i. é , n a majes tade e gloria d o seu reino. A acção judicial, a que o Evange lista allude, deve ser a ruina de Jerusalem, que é preludio e principio d o munus judicial d o Messias. A Biblia dá o nome d e vinda de Deus á sua especial manifestação e intervenção, como juiz, nas coisas humanas. (cf. Is . 3 , 14; 3o, 2 7 . Hab. 3, 3 .) … . …?" CAPITULO XVII 1 E seis dias depois tomou Jesus a Pedro, e a Tiago, e a João, seu irmão, e levou-os a um alto monte a sós. " E transfigurou-se deante d’elles. E XVII, 1-13. — Transfiguração de Christo. (Cf. Mc. 9, 1-9. Lc.9, 28-36.) Manifesta Jesus a sua gloria aos discipulos para os confirmar na fé , e prepará-los para o grande escandalo d a cruz. Em Moysés e Elias apparecem a le i e o s prophetas, i. é , todo o Antigo Testamento dando testemunho em favor de Jesus Christo. 1 . — Seis dias depois, como em s. Mc. 9 , 1 , a o passo que s. Lc. 9 , 2 8 tem óasi áuíça 2xró, «cerca d'oito dias». Esta deter minação exacta d o tempo, o que é raro em s. Mt., mostra a importancia que elle liga a o facto, succedido depois da glo riosa confissão de Pedro, e da primeira predicção da paixão. — Pedro, Tiago e João, os seus tres discipulos predilectos, tes temunhas da resurreição da filha de Jairo (Mc 5 , 37. Lc. 8 , 51), e que tambem o haviam de ser da sua agonia n o horto (26, 37). Como Jesus subiu ao monte para orar (Lc. 9 , 28), e des ceu d o monte no dia seguinte (Lc 9, 37), é provavel que a transfiguração succedesse durante a noite, o que explica o somno dos discipulos (Lc. 9 , 32). Uma antiga tradição, men cionada por s. Cyrillo de Jerusalem e por s. Jeronymo diz que o monte da transfiguração fo i o Tabor, Djebel-et-tur, na Galiléa, uns 1o kilometros a o oriente de Nazareth. Eleva-se, em forma de come, com as encostas cobertas de arvores, 78o metros acima d o lago d e Tiberias, 595 acima d o Mediterra neo, e 4oo acima da planicie de Esdrelom, e termina numa 164 s. MATTHEUS, XVII, 3-4. resplandeceu o seu rosto como o sol; e os seus ves tidos tornaram-se brancos como a luz. * E eis que lhes appareceram Moysés e Elias, falando com elle. * E respondendo Pedro, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos nós aqui! se queres, faremos aqui tres tendas, uma para t i, outra para Moysés, e outra plataforma, onde havia, no tempo de Antiocho, uma fortaleza, inteiramente arruinada no tempo de Christo. Do cume d o monte descobre-se um vasto e bello panorama de toda a Ga liléa. Ao p é d o Tabor fica a pequena aldeia de Daburieh, onde os discipulos, que não foram testemunhas da transfigu ração, ficaram á espera do Mestre. 2 . — Transfigurou-se, usrepoç945m, assumindo momentanea mente o aspecto d'um corpo glorioso. Esta gloria não era meramente externa, como a de Moysés, ao descer do Sinai (Deut. 34, 29"), mas derivava da gloria da sua divindade, até então occulta sob o véo da sua humanidade. Foi uma anteci pação da gloria que havia de ter depois da sua resurreição. — Deante d’elles, para que fossem testemunhas do milagre e não duvidassem da identidade da pessoa. Depois de enunciar o facto, descreve o modo da transfiguração. — Como a luz, ó ; r% põg. A Vulgata tem : como a neve. 3 . — Moysés é o fundador da theocracia antiga, e o legisla dor do povo judaico; Elias é o maior dos prophetas, o res taurador da lei, e o grande zelador da gloria e honra Deus. O objecto da conversação é o genero de morte que Jesus ha d e padecer em Jerusalem (Lc. 9 , 31), para que o s apostolos ficas sem entendendo que a paixão do Messias era disposição pro videncial de Deus. 4 . — Respondendo, i. é , tomando a palavra por occasião d o que via e ouvia (cf. 11, 25). — E' bom, xxxów igriv, é bello, é delicioso! — Faremos, torícousy, ou, como teem alguns codices, Torino, farei, o que se harmoniza bem com a indole impul s. MATTHEUS, XVII, 8-9. 165 para Elias. º Falando ele ainda, eis que uma nu vem os envolveu. E eis uma voz do meio da nuvem dizendo: Este é o meu Filho, o amado, em quem me agradei; ouvi o a elle. "E os discipulos ouvindo cahiram de rosto por terra, e ficaram muito assom brados. " E chegou-se Jesus, e tocando-os, disse: Erguei-vos, e não temaes. º E levantando elles os olhos não viram a ninguem, senão a Jesus só. º E ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus, dizen do: A ninguem contareis a visão, até que o Filho d'homem seja resuscitado dos mortos. siva, ardente e generosa de Pedro. Não pensa senão em asse gurar o goso permanente de tão delicioso espectaculo (cf. 2 Petr. 1, 17-18). Estava fóra de s i, e , como observa s. Lc. 9 , 33, não sabia o que digia ! 5 . — O s envolveu, a Jesus, Moysés e Elias, subtrahindo os á s vistas dos apostolos. A nuvem luminosa é um symbolo da presença da Divindade. (cf. Ex. 16, 1o. 3 Reg. 8 , 1o.) E Deus Pae que vem confirmar com o seu proprio testemunho a gloriosa confissão de Pedro (16, 16), e approvar a paixão e morte de Jesus. —0 amado, como em 3, 17 . — Ouvi-o a elle, 3x2ósrs abro5 (cf. Deut. 18, 15), i. é , recebei com fé a sua dou trina, e obedecei-lhe. 6 .—Cf. Is . 6 , 5 . Ez. 2 , 1 . Dan. 7 , 15; 1o, 8, Lc. 1 , 29. A pre sença sensivel da Divindade faz tremer o s mortaes, fracos e peccadores. • 7 . — Tocando-os, para os tranquillizar e fazer tornar a si . (cf. Dan. 1o, 1o.) O tacto de Jesus tem uma especie de vir tude sacramental, que produz logo o efeito desejado. 9 .—Cf. 16, 2o, onde vem uma prohibição semelhante e pelo mesmo motivo. — A visão, º ºxuz, o visto, o espectaculo que tinham contemplado, I66 S. MATTHEUS, XVII, Io-13. 10 E interrogaram-no os discipulos, dizendo: Por que dizem logo os escribas que Elias deve vir pri meiro ? " E elle respondendo, disse: Elias certa mente que ha de vir, e restaurará todas as coisas, * Entretanto digo-vos que Elias já veio, e não o re conheceram, senão que fizeram d'elle tudo o que quizeram. Assim tambem o Filho d'homem ha de padecer da parte d’elles. º Então entenderam os discipulos que lhes falava de João o Baptista. XVII, lo-13. — Elias e o Baptista. (Cf. Mc. 9, 1o-12.) A pergunta dos discipulos é motivada pelo vers. 9, que elles entenderam da proxima glorificação e manifestação trium phante do Messias, e não da sua morte e paixão. Jesus escla rece-os distinguindo duas vindas diversas do Messias, e dois precursores differentes, o Baptista da primeira, e Elias da segunda. 1o. — Primeiro, i. é, como diz Mal. 4, 5-6, «antes que venha o dia grande e terrivel do Senhor». Elias virá pois antes do juizo universal para reconduzir os Judeus á antiga fé , piedade e obediencia de seus paes. No cap. 3.º vers. 1. º fala Malachias d'outra vinda d o Messias, e d o anjo que será enviado adeante d'elle a preparar-lhe o caminho. Os escribas confundiam estas duas vindas uma com a outra, e por isso consideravam Elias como unico precursor d o Messias. Os discipulos vendo que Elias se tinha apartado (17, 8 ), e que Jesus lhes mandava guardar segredo sobre o apparecimento de Elias até (como elles erradamente entendiam) á sua manifestação gloriosa, cuidam que o s escribas estão em erro, e pedem explicações. 11. — Approva, em parte, o parecer dos escribas, que é ver dadeiro relativamente á ultima vinda do Messias. • 12. — Refere-se ao Baptista, que na sua qualidade de pre cursor, é outro Elias. O sujeito de reconheceram e fizeram são o s escribas, que tambem tiveram parte na prisão d o Baptista, S. MATTHEUS, XVII, 14-17. 167 14 E tendo elles vindo para junto do povo, che gou a elle um homem, ajoelhando-se deante d’elle, e dizendo: Senhor, tem compaixão do meu filho, porque é lunatico, e padece muito; pois muitas ve zes cai no fogo, e muitas na agua." E apresentei-o aos teus discipulos, e não o puderam curar. " E respondendo Jesus, disse: O geração incredula e perversa, até quando estarei comvosco? até quando vos sofrerei? Trazei-m’o aqui! " E Jesus o incre facilitando a sua entrega a Herodes, o que levou Jesus a reti rar se da Judéa para a Galiléa (4 , 12. Jo. 4 , 1 ). XVII, 14-2o. — Cura um lunatico. (Cf. Mc. 9, 13-28. Lc. 9 , 37-43) A narração de s. Marcos é mais completa que a de s. Mattheus. E ' um dos milagres em que mais se revela a me cessidade e o poder maravilhoso da fé . A impotencia dos apos tolos realça o poder de Jesus Christo. 1 4 — Elles, como tem o grego. A Vulgata emprega o singu lar — Lunatico, i. é, epilepticoou sofrendo de doença mais o u menos sujeita ás variações da lua. A esta doença accrescia o mal da possessão diabolica. E sobre tudo isto era tambem mudo (Mc 9 , 16). — O caso deve ter-se dado na Galiléa, e não n o territorio de Philippe, como se collige da presença dos escribas (Mc 9 , 13). • 15. — Não puderam, apesar de já terem expulsado demonios em nome de Jesus (cf. Mc. 6 , 13). E provavel que a presença dos escribas causasse certa perturbação nos discipulos, e o s acovardasse. 16. — Quando Jesus chegou alli, achou muito povo em torno dos discipulos e o s escribas altercando com elles (Mc 9 , 13). A dura increpação de Christo attinge-os a todos. — Incredula, ártaros, sem fé , cf . Deut. 32, 5. — Perversa, Sizarçzuuém, i. é , transviada d o recto caminho, corrompida, impia (cf. Ex. 32,5 nos Setenta, e Phil. 2 , 15). 1 7 . — O increpou, não ao mancebo, que padecia aquele mal I68 s. MATTHEUS, XVII, 18-2o. pou, e sahiu d’elle o demonio, e ficou o moço cu rado desde aquella hora. º Então chegando-se os discipulos a Jesus em se gredo, disseram: Porque não o pudémos nós ex pulsar? " E elle diz-lhes: Por causa da vossa pouca fé . Pois em verdade vos digo, se tiverdes fé , como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa d'aqui para alli, e ele passará, e nada vos será im possivel. º Mas esta casta não se expulsa senão por meio d a oração e d o jejum. desde a infancia (Mc 9 , 21), mas a o demonio, a que chama «espirito surdo e mudo». (Mc 9 , 24). A scena da cura vem descripta com grande viveza em s. Mc. 9 , 17-26. 18. — Em segredo, i. é , quando, despedido o povo, entrou em casa, e estava a sós com os discipulos. Estavam envergo nhados do mau successo, e receosos de terem offendido o Mestre. 19. — Pouca fé, 27t%xtaría». O textus receptus tem 3rtaría», «incredulidade». que é a lição da Vulgata. A fé e a confiança, que d’ella depende, são condições ordinariamente exigidas por Jesus Christo antes de operar qualquer milagre. (cf. 13, 58. Mc. 6 , 5 ; 9,22). — A este monte, ao monte da transfigu ração. O modo de falar é proverbial. Os rabbinos chamavam arranca montes (="r "pºz) ao homem que vence grandes obs taculos, que emprehende coisas arduas e difficeis. Quer pois dizer que a fé sincera, por pequenina que seja, basta para vencer as maiores difficuldades. (cf. 1Cor. 1 , 25.) 2o. — Outra causa da impotencia e tambem da pouca fé dos apostolos: a falta de oração e de penitencia, que são meios indispensaveis para alcançar a fé dos milagres, e para luctar contra demonios tão extraordinariamente furiosos. XVII, 21-22. — Torna a predizer a sua paixão. (Cf. Mc 9 , 29-31. Lc 9,44-55.) Vem no mesmo logar, e é narrada s. MATTHEUS, XVII, 21-23. 169 21 E andando elles ainda na Galiléa, disse-lhes Jesus: O Filho d'homem ha de ser entregue nas mãos dos homens; ** e hão de matá-lo, e ao ter ceiro dia será resuscitado. E ficaram sobre-modo contristados. 23 E tendo vindo para Capharnaúm, chegaram se a Pedro os cobradores da «didrachma», e disse ram: O vosso mestre não paga a «didrachma»? quasi pelos mesmos termos pelos tres Synopticos. A primeira predicção da paixão (16, 21-28) relaciona-se com a confissão de Pedro, esta com a transfiguração (17, 1-9) e com a mani nifestação do poder de Jesus sobre o demonio (17, 14-2o). 21. — Disse-lhes, com palavras de grande encarecimento: «Guardae vós nos vossos corações estas palavras» (Lc. 9, 44). Quer inculcar-lhes bem que vai a padecer voluntaria e es pontaneamente, não por fraqueza ou surpresa. — A expressão ser entregue nas mãos dos homens, s i; /<içz; 399pózov, n a lin guagem dos prophetas (cf. Mich. 7 , 6), designa uma extrema infelicidade. Realça pois o u o horror da sua paixão, ou a sua indignidade para o Filho de Deus. 22. — As palavras de Christo eram bem claras; comtudo o s discipulos não a s entenderam claramente (Mc 9 , 31. Lc. 9 , 45); ficaram porém presagiando qualquer adversidade, e pelo amor que tinham a Christo, não ousavam interrogá-lo, receo sos de saber a verdade. XVII, 23-26. — Paga o tributo. Vem só em s. Mattheus. Refere-se a o tributo sagrado (meio siclo de prata = 1 fr. 5o), que todos o s Israelitas, a partir dos 2o annos, deviam pagar a o templo em signal de vassalagem. E ' evidente que o Mes sias, como filho de Deus, não estava obrigado a pagar tal tributo. 2 3 , — O siclo de prata (ºrv = schéquel) valia quatro dra 17o s. MATTHEUS, XVII, 24-26. * Diz: sim! E ao entrar em casa Jesus o preveniu, dizendo: Que te parece, Simão? De quem recebem os reis da terra tributo ou censo? dos seus filhos ou dos extranhos? " E dizendo elle: Dos extranhos, disse-lhe Jesus: Logo os filhos estão isentos. ** Com tudo, para os não escandalizarmos, vae ao mar, e lança o anzol, e o primeiro peixe que subir, toma-o, e abrindo-lhe a bocca, acharás um º estatér»; tiran do o, dá-o a elles por mim e por ti . chmas atticas (= 3 frs). A «didrachma» (= duas drachmas) pois era uma moeda de prata equivalente a meio siclo. A ori gem deste tributo remonta a Nehemias (1o, 33). A principio era apenas 1/ 3 d e siclo; mais tarde porém elevou-se a 1/ 2 siclo. No tempo de Christo todos os Judeus concorriam com este tributo para o templo, tanto o s d a Palestina. como os que v i viam fóra d’ella, na Diáspora o u Dispersão. Depois da destrui ção do templo o tributo passou para o imperador romano. 2 4 — Sim, inadvertidamente, porque Jesus, como ele bem sabia (16, 16), era o Filho de Deus. E entrou em casa para dar aviso a Jesus. — Preveniu, para lhe mostrar a sua omni sciencia e o interesse que tomava por todas as coisas, particu larmente pelo que dizia respeito a Pedro. — Tributo ou censo, ré%; ? xiyazz, i. é , o tributo indirecto e directo. 2 6 — Como os cobradores ignoravam a filiação divina de Jesus, seria um escandalo para elles se recusasse o tributo, o que seria um signal de apostasia. — O «estatér» valia quatro drachmas. Paga o tributo por si e por Simão para mostrar que o futuro chefe d o collegio apostolico, e pedra fundamen tal da sua Egreja, faz uma só pessoa moral comsigo. CAPITULO XVIII | Naquella mesma hora se chegaram os discipu los a Jesus, dizendo: Quem é pois o maior no reino dos céos?? E tendo chamado um menino, pô-lo no meio d'elles, º e disse: Em verdade vos digo, se vos não converterdes, e vos fizerdes como meninos, não XVIII, 1-5. — Quem é o maior. (Cf. Mc. 9,32-36. Lc. 9, 46-48). Reprime a ambição dos discipulos, pondo-lhes deante dos olhos a humildade das creançinhas, que recommenda d'um modo especial ao seu cuidado. 1.— Pela promessa feita a Pedro (16, 17-18) entendem que nem todos hão de ser eguaes no reino messianico, cuja inaugu ração gloriosa suppunham proxima (cf. 1 7 , 9-1o), por isso houve entre elles controversia sobre qual seria o maior (cf. Mc. 9 , 32-36), e pedem agora a Christo que a decida. — A interrogação — quem pois, tí ; &çz, allude á questão havida entre elles durante o caminho, sobre qual seria o maior em dignidade e poder. Ainda estavam imbuidos dos preconceitos judaicos sobre as grandezas temporaes do reino messianico. Em s. Lucas é o proprio Jesus Christo que interroga primeiro o s discipulos, enchendo-os de confusão pelos seus pensamen tos ambiciosos. • 2 . — Um menino, Tratôíov, uma creancinha, innocente, sim ples e sem aspirações terrenas. Taes devem ser o s membros do reino messianico • 3 . — Parte negativa da resposta á pergunta dos discipulos: o que não devem ser. —Se vos não converterdes, êx º u m arcaçõrs, i. é , se não mudardes de sentimentos, renunciando a esse 172 s. MATTHEUS, XVIII, 4-7. entrareis no reino dos céos. " Todo aquelle pois que se humilhar, como este menino, esse é o maior no reino dos céos. " E quem se encarregar d'um me nino d'estes, por causa do meu nome, encarrega-se de mim. 6 Mas quem escandalizar um destes pequeninos, que creem em mim, merece que se lhe pendure uma mó de atafona ao pescoço, e seja lançado no abysmo do mar. " Ai do mundo por causa dos escandalos!Por espirito de ambição e de preeminencia. — Como meninos, humildes e despretenciosos. O que estes são por condição, devem os apostolos ser por virtude. O humilde não se pre fere a ninguem, escolhe para si o infimo logar, e reputa-se o servidor de todos. 4. — Parte positiva da resposta: o que devem ser. — Como este menino, subentende-se, «é humilde». 5. — Se encarregar, i. é, tomar á sua conta, para o susten tar, educar e formar, por amor de Jesus, e para Jesus. — En carrega-se de mim, que magnifica recompensa ! XVIII, 6-9. — Do escandalo. Ameaça com os mais terri veis supplicios os corruptores da infancia, e deplorando a origem e os males do escandalo, insiste sobre a necessidade de evitá-lo, ainda á custa dos maiores sacrificios. 6. — Cf. Mc. 9, 41. Lc. 17,2. — Escandalizar, fazendo-o per der a fé (que creem em mim) ou a innocencia. As chamadas escolas neutras ou leigas, verdadeiras escolas de corrupção da infancia, teem aqui a sua condemnação. — Merece, auvººps zirãº, convem-lhe como justo castigo. O genero de supplicio, que era extraordinario e desusado entre os Judeus, mostra bem a gravidade da culpa. 7, — Ai! Expressão viva do abalo que lhe causou na alma o s. MATTHEUS, XVIII, 8-9. 173 quanto é necessario que haja escandalos; mas ai do homem pelo qual vem o escandalo, º Se a tua mão direita ou o teu pé te escandaliza, corta-o, e arre messa-o de t i; melhor te é entrar n a vida manco o u coxo, d o que tendo ambas a s mãos o u ambos o s pés, ser lançado n o fogo eterno." E se o teu olho te escandaliza, arranca-o, e arremessa-o de ti; me lhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo ambos o s olhos, ser lançado n a «gehenna» d o fogo. escandalo dos pequeninos. — A i d o mundo, não é uma ameaça, mas exprime um sentimento de viva compaixão pelas victimas dos escandalos. — E ' necessario, 3v%xº, i. é , é inevitavel, dada a malicia humana e os abusos da liberdade. — A i d'aquelle homem, já não é um grito de compaixão, mas uma ameaça d o terrivel castigo reservado a o homem que, pelo seu proce der, é causa de ruina espiritual para outros. 8 e 9. —Cf. 5 , 3o. Mc. 9 , 42. Promptidão e energia com que é necessario fugir o escandalo, e evitar as occasiões proximas d e peccado, por mais caras e uteis que aliás nos sejam. — Melhor te é , xxxó, a o arw, é bello para ti . — Para salvar a vida temporal sofre-se a amputação d'um membro; maiores sa crificios se devem fazer para se salvar a vida eterna, e não se perder para sempre corpo e alma. E para que a difficuldade d a empresa não nos aterre, põi-nos deante dos olhos os hor rores d o fogo eterno. Jesus é manso e benigno, mas, perante o peccado, é tão inflexivel e inexoravel como a justiça de Deus. XVIII, 1o-14. Valor d’uma alma aos olhos de Deus. A ovelha perdida. Incita os apostolos ao zelo das almas, mostrando-lhes a alta estima em que Deus as tem, e quanto está azendo por ellas. 174 S. MATTHEUS, XVIII, IO-12. · - 10 Olhae não desprezeis um só destes pequeni nos; pois eu vos digo que os seus anjos nos céos estão sempre vendo a face do meu Pae, que está nos céos. " Porque o Filho d'homem veio salvar o que estava perdido. * Que vos parece? Se alguem tiver cem ovelhas, «º *** * 1 o . —Torna ao vers. 6 , insistindo de novo sobre a gravidade d o escandalo dos pequeninos. — Pois eu vos digo, para dar maior realce á gravidade do crime, pela summa dignidade dos pe queninos. Lá teem elles no céo os seus anjos, aí &#xo zöröy, i. é , o s anjos encarregados por Deus de o s guardarem e pro tejerem. Approva pois a doutrina dos anjos da guarda, tão inculcada nos ultimos livros d o Antigo Testamento. Segundo o s rabbinos cada homem tinha dois anjos, que eram ao mesmo tempo seus protectores, e testemunhas, perante Deus, das suas acções. Quem escandalizar pois uma creancinha terá contra si esses intimos amigos e familiares de Deus. No Oriente só são admittidos á presença dos monarchas o s seus amigos e familiares, que por isso são chamados «os que veem a face do rei», Tºe" = > "N"". (cf. 3 Reg. 1o, 8. Tob, 12, 15.). Até aqui o primeiro motivo para estimular os apostolos ao zelo das almas. 11. — Segundo motivo. Desprezar os pequeninos seria frus trar a missão de Jesus, que veio a o mundo tambem para o s salvar. A authenticidade d’este verso 11, que poderia tal vez provir de Lc. 19, 1o, é incerta, e por isso é omittido pelas edições criticas de Lachmann, Tischendorf e Westcott-Hort. Falta é verdade nos codices » , B , L", nalguns cursivos, nas versões sahidica, coptica, e sinaitica (de Agnes Lewis), e em Origenes, Eusebio e s. Hilario; mas vem na maior parte dos codices e das versões, e quadra bem a o contexto, embora não contenha uma razão especial em favor dos pequeninos. 1 2 . — Chama-lhes a attenção (cf. 17, 25) para a parabola s. MATTHEUS, XVIII, 13-14. 175 e uma d’ellas se desgarrar, porventura não deixa as noventa e nove pelos montes, e vai buscar a que se desgarrou ? " E se tiver a dita de achá-la, em ver dade vos digo, mais gosa por ella do que pelas no venta e nove que não se desgarraram. " Assim não é vontade perante o vosso Pae, que está nos céos, que pereça um só destes pequeninos. que lhes vai propor. Tem por fim mostrar o cuidado e solli citude com que Deus busca os peccadores, do mesmo modo que o bom pastor busca as ovelhas extraviadas. E o terceiro motivo para lhes inculcar o zelo das almas. — Cem ovelhas, para a Palestina, era um pequeno rebanho, mas este numero pequeno convem á parabola. Quem tem um pequeno numero de ovelhas pode cuidar melhor de cada uma em particular, e sente mais a perda d’uma só d’ellas. — Pelos montes, ir i rá 3px, imagem viva das ovelhas deitadas a pasto. 13.—Mais gosa, i. é , a alegria que então lhe invade a alma é mais intensa d o que o contentamento ordinario que lhe causam as noventa e nove ovelhas restantes. E ' um pheno meno psychologico ordinario e bem conhecido. Experimen tam-no todos o s que acham coisas perdidas e estimadas. 14. — Perante o vosso Pae, iurgoa Sev To5 març3;. A vontade, Sixouz, de que ninguem se perca, mas todos se salvem, adul tos e pequeninos, é representada como uma coisa que está fixa e assente perante Deus. Portanto a vontade salvifica d e Deus é absolutamente universal. Ninguem nasce predestina d o para o mal, antes, quanto é da parte de Deus, todos são destinados á salvação, e teem o s meios necessarios e suficien tes para isso. • XVIII, 15-22. — O poder do collegio apostolico. Constitue o s apostolos juizes dos fieis, dando-lhes para isso jurisdicção sobre todos elles, e mandando considerar como excluidos d o reino messianico o s que resistirem á auctoridade d a Egreja. • 176 s. MATTHEUs, xvIII, 15-17. \ 15 E se o teu irmão peccar contra ti , vae, e ad moesta-o entre ti e elle só. Se elle te ouvir, terás lucrado a teu irmão. º Se porém não te ouvir, leva comtigo ainda um o u dois, para que tudo se confirme pela bocca de duas o u tres testemunhas. " Porém se o s não ouvir, diz á Egreja. E se elle não ouvir a Egreja, seja para ti como o gentio ou o publicano. 15. — Nos primeiros versos (15-17) trata do dever da cor recção fraterna, e das normas, que nella se devem observar. — O teu irmão, 4 33s)ç3: Goo,não é um homem qualquer, mas um membro da mesma communidade religiosa, d o reino messia nico. Trata-se d'um irmão que já tem praticado o mal ou dado escandalo, peccando gravemente, º áuzºríai). A clausula contra ti falta em varios codices e a sua authenticidade é duvi dosa. Effectivamente o offendido é , d e ordinario, o menos com petente para admoestar com fructo o offensor.—Entre ti e elle só (expressão hebraizante) porque assim o exigem a cari dade e o bom nome do delinquente, que não se suppõi ser um peccador publico e escandaloso. —Terás lucrado para a Egreja, para a vida eterna, e em certo modo para ti . 16. — Passa ao segundo grau da correcção fraterna. — Não te ouvir, i. é , se não quizer reconhecer a sua falta, repará-la e emendar-se. — Para que...,i. é, para que, pelo testemunho de dois o u tres elle se convença mais facilmente e se submetta. No Deut. 19, 15, cujas palavras são allegadas por Jesus Christo, o testemunho de dois o u tres é um testemunho juridicamente valido. Diz assim: «Não se levantará contra alguem uma só testemunha, seja qual fôr o delicto ou crime; mas tudo será confirmado pela bocca de duas o u tres testemunhas.» 17. — Processo judicial. — A Egreja, não á communidade dos fieis, mas á auctoridade ecclesiastica, como se deduz dos versos seguintes, onde Christo suppõi que a sentença da Egreja é nem mais nem menos d o que a sentença dos apos s. MATTHEUS, XVIII, 18-2o. 177 ** Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes so bre a terra, será tambem ligado no céo; e tudo o que desligardes sobre a terra, será tambem desli gado no céo. º Outro-sim vos digo que se dois d'entre vós concordarem sobre a terra para pedirem qualquer coisa, ser-lhes-ha concedida por meu Pae, que está nos céos. 2º Porque onde estão dois ou tres reuni dos para o meu nome, ahi estou no meio d'elles. tolos, cujo chefe é Pedro. — O gentios e os publicanos eram tidos como separados da communidade religiosa formada pelo povo judaico. Do mesmo modo os rebeldes ao juizo da Egreja devem ser tidos por excommungados ou excluidos do seu seio, o que é o mesmo que excluidos da salvação messia nica. Assim procedeu s. Paulo contra o incestuoso de Co rintho (1 Cor. 5). 18. — Dirige-se ao collegio apostolico. O recalcitrante deve ser tido por excluido do reino messianico, porque a sentença dos apostolos é ratificada no céo. Concede aos apostolos o mesmo poder que concedeu a Pedro em 16, 19, mas em vir tude do poder das chaves e da prerogativa de pedra funda mental da Egreja, a auctoridade dos outros apostolos é subor dinada á de Pedro. 1 9 . — Outra razão em confirmação do que disse no verso 18. S e Deus promette ouvir a oração concorde de dois dos apostolos, muito mais attenderá e confirmará a sentença d a Egreja, que é a sentença de todo o collegio apostolico. 2o. — Dá razão da eficacia da oração dos apostolos. E ' devida á presença invisivel de Christo no meio d'elles, pre sença promettida a todos os que se reunirem sinceramente para o seu nome, e i; to êuby &yºuz, i. é , para promoverem o s seus interesses e a sua gloria. XVIII, 21-35, — Sobre o perdão das injurias. Para 12 178 S. MATTHEUS, XVIII, 21-22. 21 Então chegando-se Pedro, disse-lhe: Senhor, quantas vezes peccará o meu irmão contra mim, e lhe perdoarei? até sete vezes??? Diz-lhe Jesus: Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete VCZCS. bola do mau servo. — Depois de ter dado a norma de pro ceder para com os peccadores renitentes, ensina como se hão de haver com os irmãos arrependidos. Quer que se use com elles de misericordia, qualquer que seja o numero das suas faltas, porque quem não usa de misericordia, não a alcançará tambem para si do Pae celeste. A parabola do servo immise ricordioso illustra e confirma esta doutrina. 21. — Entra Pedro em scena como o mais interessado em comprehender bem a doutrina do Mestre. E' «o mais desejoso de aprender», º gºou 20ágraros,como lhe chama Euthymio. — Até sete vezes? E o limite extremo até onde julga que pode che gar a sua grandeza d'alma. E com isto julgava ter dito al guma coisa grande, ué… ri XéYew (s . Chrysostomo), e ter dado prova de grande magnanimidade, vovíkow pawiyz usyaxcyo%órzro; (Euthymio)! E provavel que escolhesse o numero sete por ser sagrado para o s Judeus. Ainda assim vai mais além do que alguns rabbinos, que só perdoavam até á terceira vez. 22. — Setenta..., i. é , sem numero nem medida, sempre que o peccador se arrepender sinceramente e pedir perdão. A expressão é3ôounºvr%xt; êrro pode ser traduzida de dois mo dos: 77 vezes o u 49o (= 7o ><7) vezes. O primeiro é o nu mero de vezes da vingança de Lamech (Gen. 4 , 24), e foi preferido por Origenes e s. Agostinho, seguidos por alguns modernos; o segundo é mais appropriado para designar um sem numero de vezes, e , como inclue o quadrado de 7 (490 = 7*>< 1o), amolda-se mais ao uso dos Judeus, que pre feriam o quadrado para indicar numeros grandes (cf. Dan. 7 , 1o). E tambem o da versão syriaca Peschito. *•, s. MATTHEUS, xvIII, 23-26. 179 ** Por isso é semelhante o reino dos céos a um rei, que quiz tomar contas aos seus servos. * E tendo começado a tomar contas, apresentou-se-lhe um que lhe devia dez mil talentos. * E como não tivesse com que pagar, mandou o seu senhor que o vendessem a elle, e a sua mulher, e os filhos, e tudo quanto tinha, para se pagar. * E lançando-se 23. — Por isso, i. é, para que esta doutrina não vos pareça ardua e difficil. E' a indole do reino messianico que assim o exige. — A um rei ou, melhor, «a um homem real», porque 8zaixaú; era originariamente um adjectivo, com formas com parativa (Baaixtóriço;) e superlativa (32a}=4razo;). Este homem real ou rei humano é o que os rabbinos chamam, em oppo sição a Deus, «um rei de carne e sangue», i. é, fragil e mor tal (=T "v= T%2). 24 — Dez mil talentos, i. é, mais de 2 milhões de libras esterlinas, se se tem em vista o talento attico de prata, então usado na Palestina. O talento hebraico valia quasi o dobro d'elle. Esta somma enorme, superior ao rendimento annual de toda a Palestina, representa o muito que devemos a Deus, e que elle benignamente nos perdôa. - 25. — Não tendo..., lembra-nos a impossibilidade em que nos achamos de pagar a Deus as nossas dividas. — Ven dessem..., applicação do direito oriental, que, em punição de certos delictos, exterminava a familia inteira do crimino so. (cf. Dan. 6, 24. Esth. 16, 17.) O direito romano tambem auctorizava o credor a vender o devedor insoluvel, a encar cerá-lo ou a faze-lo em postas! Nenhuma d’estas deshumani dades era sanccionada pelo direito judaico. Os textos em con trario, allegados por Rose, não provam o que elle pretende. 26. —Tem paciencia, u2x^20%w.saovà=' Suoí, i. é, «sê longamine comigo». — E tudo... A necessidade leva-o a fazer promes sas que mal poderá cumprir, mas esta promptidão de von 18o s. MATTHEUS, XVIII, 27-31. por terra o ta l servo, lhe rogava, dizendo: Tem pa ciencia comigo, e tudo te pagarei." E compade cido o senhor d’aquelle servo, deixou-o ir , e per doou-lhe a divida. * E tendo sahido aquelle servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e agarrando-o, afogava-o, dizendo: Paga o que deves!?" E lançando-se por terra o con servo, rogava, dizendo: Tem paciencia comigo, e (tudo) te pagarei. º Elle porém não quiz, mas foi, e metteu-o n a cadeia, até que pagasse a divida. * E vendo os outros conservos o que se passava, ficaram muito contristados, e foram contar a o seu tade sincera serviu-lhe para alcançar o perdão. E ' pelas dis posições presentes d o peccador, e não em vista da execução futura dos seus bons propositos que Deus perdôa a o pecca dor. 27. — Perdoou-lhe, rasgo de generosidade, que não repugna á prodigalidade oriental, e até occidental. Nero, durante a sua visita ao principe Tiridates, offereceu-lhe cada dia 2oo:ooo drachmas, e na despedida, entregou-lhe mais 5o milhões ! 28. — Cem dinheiros, uns 9o francos! O que o proximo nos deve é nada em comparação d o que nós devemos a Deus. — Afogava-o, #wysy. Que contraste neste modo de proceder! — O que deves; mas a lição preferivel é s! Ti 2ç=íAst;, si quid debes, paga «se algo deves», o que suppõi a confissão prévia d a divida por parte d o devedor, e realça a inexoravel dureza do credor. 29. — Faz-lhe a mesma supplica que ele tinha feito ao seu senhor. — O omnia (r%yra) da Vulgata falta na maior parte dos codices. 3o. — Mas foi ter com o juiz, levando comsigo preso o seu credor. Assim o permittia o direito. • s. MATTHEUs, xvIII, 32-35. 18I senhor tudo o que era passado. * Então o chamou o seu senhor, e diz-lhe: Servo perverso, perdoei-te toda a divida porque me pediste. * Não convinha pois que tu tambem te compadecesses do teu con servo, como tambem eu me compadecide ti? ** E irado o seu senhor entregou-o aos algozes, até que pagasse toda a divida. ** Assim vos fará tambem o meu Pae celeste, se não perdoardes cada um ao seu irmão do intimo do coração. 34. — Aos algozes ou «atormentadores» vai: 6xaaytarzi, o que allude ao logar de tormentos (Lc. 16. 28), para onde vão os condemnados. — Até que..., i. é, para sempre, pois é mani festamente impossivel que um homem sem meios e encarce rado possa libertar-se de tamanha divida. 35. — Applica Jesus Christo a parabola. A misericordia de Deus para comnosco é a norma e o modelo da misericordia que devemos usar para com o proximo. Sem o perdão sincero e generoso das ofensas recebidas ninguem alcançará miseri cordia de Deus. CAPITULO XIX 1 E aconteceu tendo Jesus acabado estes discur sos, partiu de Galiléa, e veio para os confins da Ju déa, por além do Jordão. * E seguiram-no muitas turbas, e curou-os alli. * E chegaram-se a elles uns phariseus tentando-o, e dizendo: Se é licito a um homem repudiar a sua XIX, 1-9 — Condemna o divorcio. (cf. Mc. 1o , 1-12.) Contrariamente á lei, que em certos casos tolerava o divor cio, e á doutrina relaxada de muitos rabbinos que o auctori zavam por qualquer motivo de desagrado, restitue Jesus o matrimonio á sua perfeição primitiva, declarando-o uno e in dissoluvel. 1 . — E aconteceu..., é a formula ordinaria de transição em s. . Mattheus. (cf. 7 , 28; 11, 1 ; 13, 53.) Está terminado o ministerio de Jesus na Galiléa, e só lhe resta subir a Jerusa lem, para lá padecer e morrer. Deixou pois a Galiléa, e foi dirigindo-se para a Judéa, mas em vez de seguir o caminho ordinario, atravez da Samaria, fez caminho pela Peréa, paiz além do Jordão, réçzy To5 'I2:3%voo. 2 . — Alli, i. é , além do Jordão ou na Peréa. 3 .—Tentando-o, querendo ver se o envolviam nas luctas que dividiam as suas grandes escolas rabbinicas de Hillel e Schamai. — Por qualquer motivo, xxxx rºazy airíxy! Tal era de facto o modo como a escola de Hillel interpretava o texto do Deut. 24, 1-4. Bastava que a mulher deixasse a panella crear esturro, ou que o marido encontrasse outra mais bonita! Esta s. MATTHEUS, XIX, 4-5. I83 mulher por qualquer motivo? " E ele respondendo disse: Não lestes que quem fez o homem desde o principio, creou-os varão e mulher? e disse: º Por isso deixará o homem a seu pae e a sua mãe, e jun tar-se-ha com a sua mulher, e serão dois numa só car doutrina relaxada, absolutamente contraria á Escriptura (cf. Mal. 2, 13-16. Eccle. 7, 21), tinha então muitos partidarios entre os Judeus. E como não era de suppor que esperassem resposta afirmativa de Christo, os phariseus, que entram em scena devem ser da escola de Hillel. Queriam, como diz s. Chry sostomo, excitar contra Christo a turba multa dos homens relaxados. A escola de Schamai, mais severa, só admittia o divorcio por motivos de ordem superior, devidamente verifi cados, relativos á honestidade e decencia conjugal. 4. — Não lestes?! lança-lhes logo em rosto a sua ignorancia sobre a origem e a natureza do matrimonio, ta l como Deus o instituiu. A expressão desde o principio, 27' 3875; remet te-os para a historia da creação, tal como vem no livro do Genesis, que começa pelas palavras «no principio» y 23/5, nºvs"= (Gen, 1 , 1 .) A distincção de sexos remonta á primeira origem d o genero humano. Foi nesse estado que Deus os creou, em vista da propagação d o genero humano, sendo por tanto o matrimonio uma instituição divina. Tal é a sua ori gem. Sendo pois Deus o seu auctor, tambem é o seu legisla dor. 5 . — Cita as palavras d o Gen. 2 , 24, onde se contem a lei fundamental d o matrimonio, o u a sua natureja e condição. São palavras proferidas por Adam, mas sob a inspiração di vina, por isso podem ser attribuidas a o proprio Deus. — Por isso, i. é , porque Deus assim o s creou, de sexos differentes. O Genesis allude especialmente ao modo como Deus formou Eva de Adam. — Dois numa só carne, $úo si ; a ágzz uízº, i. é , num só corpo (cf. 1 Cor. 6 , 16), formando ambos um só principio completo em ordem á reproducção d o genero humano. O ma 184 S. MATTHEUS, XIX, 6-9. ne? º Assim que já não são dois, mas uma só car ne. Não separe pois o homem o que Deus ajuntou. " Dizem-lhe: Porque mandou então Moysés dar carta de desquite, e repudiar? º Diz-lhes: Foi por que Moysés, em razão da dureza do vosso coração, vos permittiu repudiar as vossas mulheres, mas desde o principio não fo i assim. º Ora eu vos digo trimonio portanto, tal como Deus o instituiu, é uno, i. é , é a união de dois, d'um só homem com uma só mulher. Os dois assim unidos constituem um só corpo o u carne; dissolver pois o matrimonio, seria o mesmo que dividir um corpo vivo ! 6 .— Tira a conclusão da le i divina, mencionada no verso precedente, mostrando como o divorcio é contrario á natu reza, e á le i positiva do Creador. —0 que, 3, e não os que para realçar mais a união intima effectuada pelo matrimonio. — Ajuntou, aowskeuºs,conjungiu, em uma união indissoluvel. 7 . — Admittem a argumentação de Christo. Assim está es cripto no Genesis, mas seja como fôr, no livro d o Deutero nomio, 24, 1, Moysés, que tambem é o auctor d o Genesis, prescreve outra coisa! E nisto que se fundam, mas erram porque a le i não prescreve o divorcio; tolera-o apenas e dif ficulta-o, sujeitando-o a certas formalidades e condições le gaes. E ' só sobre estas que recai a prescripção da lei. 8 . — Explica a origem do divorcio. Apesar do divorcio ser contrario á natureza e á instituição divina d o matrimonio, comtudo Moysés julgou prudente tolerá-lo, e o proprio Deus o auctorizou a isso, attendendo (rç%) á dureza d o coração ju daico. Achou que esse mal era menor do que expor as mu lheres a serem assassinadas ou brutalmente tyrannizadas por maridos de corações tão odientos e rancorosos. O divorcio era pois uma dispensa da lei. 9 . — Eu vos digo, como em 5 , 22. 28. 32.34.39.44. E ' a expressão solemne com que Jesus afirma os seus direitos de legislador, oppondo a sua lei, como mais perfeita, á le i an s. MATTHEUs, xix, Io. 185 que todo aquelle que repudiar a sua mulher, a não ser por adulterio, e casar com outra, é adultero; e quem se casar com uma repudiada é adultero. 10 Dizem-lhe os discipulos: Se assim é a condi ção do homem com a sua mulher, não convem ca tiga. Seria bem absurdo suppor que Jesus tolera o divorcio. Neste caso a sua lei seria mais imperfeita que a le i primitiva d o matrimonio, opposta por elle aos Judeus! Se desde o prin cipio não foi assim, não o será d’aqui por deante, depois de promulgada a lei messianica. O divorcio é pois licito em caso d e adulterio, e neste caso são eguaes o s direitos d o marido e da mulher, quando qualquer dos dois falta á fidelidade conjugal. Mas o vinculo subsiste; por isso nem o marido, que repudia pode casar com outra sem adulterio, nem homem algum pode casar-se legitimamente com uma repudiada. As leis civis, que pretendem dissolver o vinculo matrimonial, são impotentes contra a le i d e Christo. Legalizam apenas o concubinato, dando-lhe civilmente direitos eguaes aos d o matrimonio! So bre a doutrina christã relativa ao matrimonio cf . Mt. 5 , 32, onde este texto já foi explicado, Mc. 1o, 11. Lc. 16, 18 e 1. Cor. 7 , 1o. 17. XIX, Io-12. — Sobre o celibato. O matrimonio é uma instituição santa e divina, mas ha um estado, que lhe é pre ferivel e mais perfeito do que elle, quando é abraçado livre mente e por amor da perfeição messianica. Louva pois, e recommenda o celibato aos que se sentirem com animo e forças para o abraçarem. • 1 o . — Entendem os discipulos (este colloquio entre elles e o Mestre passou-se em casa, cf . Mc. 1o, 1o) que Jesus, embora permitta o divorcio, não tolera a dissolução d o vinculo con jugal, e concluem d'aqui que, sendo essa a nova le i d o ma trimonio, melhor é não casar. — Condição, ziriz, causa, motivo, O que allude á pergunta dos phariseus, sobre se era licito 186 s. MATTHEUS, XIX, II-12. sar. " E elle disse-lhes: Nemtodos comprehendem essa palavra, mas só aquelles a quem é dado. * Porque ha eunucos de nascença; e ha eunucos feitos pelos homens; e ha eunucos que o são por amor do reino dos céos. Quem pode comprehender, comprehenda. repudiar a propria mulher «por qualquer causa» ou «motivo», xxxx rãozº zirizy (19, 3) . S e tal é pois a causa (o motivo de queixa) d o homem com sua mulher; se depois da separação não se podem contrahir outras nupcias... 11. —Essa palavra, ro w X&Yowrońrow, a palavra proferida pelos discipulos: «não convém casar», cujo alcance elles estavam talvez muito longe de attingir. Vai porém servir de occasião a Christo para ensinar uma doutrina nova, caracteristica do reino messianico, — Comprehendem, yºçoãow, em sentido intel lectual e ethico a o mesmo tempo. Nem todos comprehendem a excellencia do celibato sobre o matrimonio de tal modo que julguem que esse estado é exactamente o que mais lhes convem abraçar. Esta comprehensão pratica é um dom espe cial de Deus. Os protestantes servem-se d’esta passagem para impugnar o celibato, imposto pela Egreja latina a todos o s ecclesiasticos em ordens sacras (subdiaconos, diaconos e presbyteros). Mas ninguem é obrigado pela Egreja a abraçar o estado ecclesiastico. Antes de dar esse passo todos teem tempo para reflectir, e o s que não se sentem com forças para o celibato podem e devem retirar-se. A continencia immunda não agrada a Deus nem á Egreja, nem ella precisava que os protestantes lh'o lembrassem. 12. — Eunucos, i. é , incapazes de contrahir matrimonio, e portanto obrigados a guardar perfeita continencia. Distingue tres classes: uns que já nascem assim, ix xoxíz; um rç%, «do seio materno», por um defeito qualquer de conformação; outros que são feitos taes pelos homens, o que era frequente nas côrtes orientaes e tambem se praticou no Occidente, s. MATTHEUS, XIX, 13-14. 187 13 Então lhe apresentaram uns meninos para que lhes impuzesse as mãos, e fizesse oração. Mas os discipulos increpavam-nos. ** Jesus porém disse outros emfim que voluntaria e livremente, mas sem mutila ção do proprio organismo, se colocaram no estado celibata rio, não para fugirem aos trabalhos do matrimonio, nem para levarem uma vida mais livre, mas por amor da santidade e perfeição messianica, por amor do reino dos céos, &à ri º Baaixaíay röy oùçavöw, o que vem admiravelmente explicado em s. Paulo (1 Cor. 7 , 25-35). Esses motivos superiores são: maior facilidade e independencia para um homem se consa grar inteiramente ao serviço de Deus e a o bem d o proximo; a imitação da vida virginal de Jesus e de sua Mãe santissima; a antecipação na terra da vida dos bemaventurados e dos anjos no céo. Faz espanto que o s protestantes aborreçam tanto o celibato e a virgindade, quando até o s pagãos tinham por ella tanta estima e admiração! — Quem pode..., i. é, quem entende que este estado lhe convem, e se sente com forças para isso, que o abrace. Ao mesmo tempo realça a difficuldade e a elevação d’este estado de vida. Mas a graça d e Deus tudo pode. XIX, 13-15. -- Abençôa os meninos. (cf. Mc. 1o, 13-16. Lc. 18, 15-17.) Ensina, por seu proprio exemplo, os discipu los a estimar as creancinhas e a tratá-las com amor e carinho. 13. — Meninos, ratôíz, expressão que designa as creanças d e tenra edade, até aos doze annos. Eram as mães que a s traziam a Christo. Queriam que tocasse (Mc. 1o, 13) com suas mãos o s seus filhinhos, e o s abençoasse, impondo-lhes a s mãos. — Increpavam-nos, não as creancinhas, mas as pessoas que a s traziam, arredando-as de Christo com maus modos e palavras asperas, para o não importunarem e molestarem. Apesar d o que já tinham ouvido (18, 1-5. 1o-14), não compre hendiam ainda a dignidade d’aquellas almas innocentes, e o muito que valiam aos olhos de Deus. 1 4 — Reprehende os discipulos. E o salvador de todos, 188 s. MATTHEUS, XIX, 15-17. lhes: Deixae os meninos, e não queiraes impedi-los de vir a mim; porque de taes é o reino dos céos. º E tendo-lhes imposto as mãos, partiu d’alli. 16 E ei s que chegando-se um, disse: Bom Mestre, que boas obras devo fazer, para alcançar a vida eterna? " E elle disse-lhe: Porque me interrogas a qualquer que seja a sua edade e condição; além disto tem especial predilecção pelas creancinhas, cuja simplicidade e innocencia as tornavam tão caras a o seu coração. Recebeu-as pois com demonstrações de ternura, fazendo o que as mães lhe pediam, e abraçando o s seus filhinhos (Mc. 1o, 16). — De taes, i. é , d'elles e dos que se parecem com elles na humil dade, innocencia e confiança. Vê-se pois que até as crean cinhas, quando offerecidas a Christo por seus paes, podem pertencer a o reino messianico. Ninguem pode pois censurar a Egreja por mandar baptizar as creancinhas. (cf. Jo. 3 , 4.) XIX, 16-26. — Dos perigos das riquezas. (cf. Mc. 1o, 17-27. Lc. 18, 18-27.) Mostra-se em um exemplo typico como o apego desordenado ás riquezas, ainda em pessoas virtuosas e tementes a Deus, é um obstaculo á perfeição evangelica. A narração de s. Mc. é mais circumstanciada e completa do que a de s. Mattheus. 16. — Um, em s. Lc. «um principal» (Xgyº»rt:), i. é , um mem bro d o sanedrin o u um presidente de synagoga. E ' um man cebo bom e piedoso (vers. 2o), que sente em sua alma desejos intimos de perfeição, um vácuo profundo, que não sabe como h a d e encher. Que bem especial (r . 37.26%) deverá fazer para isso ? Como poderá assegurar melhor a vida eterna ? 1 7 . — Deus é o bem por essencia, e a causa eficiente, exem plar e final de todo o bem, por isso quem conhece a Deus, não pode ter duvidas a respeito d o bem, e d o que deve fazer para lhe ser agradavel. Esse bem que Deus exige de nós é a guarda dos seus mandamentos, i. é , o cumprimento da sua vontade. s. MATTHEUS, XIX, 18-21. 189 respeito do bem? Um só é bom, Deus. Mas se que res entrar na vida guarda os mandamentos. º Diz lhe: Quaes ? E Jesus disse: Não matarás; não com metterás adulterio; não furtarás; não levantarás falso testemunho; º honra a teu pae e a tua mãe, e: ama rás ao teu proximo como a ti mesmo. º Diz-lhe o mancebo: Todas essas coisas tenho guardado desde a minha puericia; que me falta ainda? ** Disse-lhe 18 e 1 9 . — Quaes? i. é , que mandamentos especiaes e parti culares? E ' isto o que o mancebo tem em vista, mas Jesus, que deseja esclarecê-lo bem sobre o seu estado interior e as moções da graça que o impellem, não lhe responde ainda á pergunta. A enumeração dos mandamentos (da segunda taboa) é tomada do Ex. 2o, 12-16. O ultimo, relativo ao amor do proximo, vem no Lev. 19, 18 . No texto grego a enumeração dos mandamentos é precedida do artigo: To aº goveúast;,«O não matarás»..., i. é , aquelles mandamentos bem conhecidos. Omitte o s mandamentos da primeira taboa, relativos ao amor d e Deus, que nunca falta onde h a amor d o proximo, porque a existencia d’este é mais facil de ser verificada. Na linguagem biblica o amor do proximo é considerado como signal e prova segura do amor de Deus. 2o. — Que me falta ainda, rí ir jariçõ? O verbo 0Graç㺠si gnifica ficar atraz em alguma coisa, sofrer falta d’ella. A luz começa a penetrar-lhe na alma; tem consciencia de ter guar dado a le i d e Deus, mas, apesar d’isso, não se sente bem, nem satisfeito; o seu coração aspira a coisas maiores. Accrescenta s. Mc. 1o, 21 que Jesus, ao ouvir a resposta d o mancebo, olhou para elle com amor e complacencia. Erraram portanto o s que disseram que o mancebo mentiu! 2 1 . — Descobre-lhe agora o verdadeiro estado da sua alma, e o que Deus d'elle quer com aquelas aspirações que o tor turam, mas deixa-lhe plena liberdade e iniciativa — se queres, I9o S. MATTHEUS, XIX, 22-24. Jesus: Se queres ser perfeito, vae, vende o que tens, e dá aos pobres, e terás um thesoiro no céo; e vem, segue-me. * E o mancebo, ouvido isto, foi-se tris te , porque tinha muitos haveres. ** E disse Jesus aos seus discipulos: Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos céos.