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S. MATTHEUS
PERFIL DE JESUS CHRISTO
Desenhadopor Perret segundouma terra-cocta encontradanas catacumbas
de Santa Ignez
FADRE SANTANNA
O EVANGELHO
SEGUNDO"."
S. MATTHEUS
(Com gravuras, mappas e plantas)
G>==>==>)
LISEOA
Tipographia º EDITORA)
Largo Conde Barão, 5o
19OQ
Ei º 2 q o
\/
HARVAND COLLEGE LIBRARY O
COUNT OF SANTA EULALIA
COLLECTION
GIFT OF
10hn a srETse", li
,
00T 4 1922
Com approvação d
a
auctoridade ecclesiastica
PRE FA CIO
A presente obra não é um commenta
rio em forma, philologico e historico-critico,
sobre o Evangelho de s. Mattheus.
As suas aspirações são muito mais mo
destas. E apenas uma traducção despre
tenciosa do texto evangelico, acompanhada
da analyse do mesmo texto e d'algumas
notas explicativas. Ainda assim nunca me
resolveria a publicá-la, se a larga conva
lescença da operação, que me prostou a IO
de maio do anno findo, me não tivesse
dado vagar para isso, e se fortes instancias
de amigos do Evangelho me não tivessem
forçado a pegar na penna para este genero
de trabalhos.
A traducção, sem ser verbalmente servil,
é singela, fiel e literal. Serve-lhe de base o
texto latino da Vulgata, editado por Ver
cellone, por Brandscheia e tambem, com al
VI PREFACIO
guns melhoramentos, por Hetznauer, sem
descurar a grande edição critica de llor
asworth. Mas este texto latino, como o leitor
poderá verificar, foi constantemente com
parado com o texto grego, com a authen
ticidade grega, como diria s. Xeronymo.
Servi-me para isso, ordinariamente, das
edições manuaes de Brandscheia, de Hetz
nauer, de Nestle e de Balyon.
A analyse vai sufficientemente indicada
nas notas, divididas em paragraphos, se
gundo as diversas secções indicadas na
Introducção.
•
Quanto ás notas, tive unicamente em
vista facilitar ao leitor a intelligencia literal
do texto, indicando aqui e ali uma ou outra
applicação pratica. Vão sem apparato cri
tico e Scientifico, sem as discussões e dis
sertações proprias dos grandes commen
tarios, mas nem por isso parecerão inuteis.
São apenas um subsidio para a leitura e
meditação intelligente do texto evangelico;
por isso quiz que fossem sobrias, breves,
claras e substanciosas.
Tal é o fim, bem modesto, que tive em
vista; se o attingi ou não, vê-lo-ha o leitor,
PREFACIO • VII
Quem desejar mais e melhor, poderá con
sultar os grandes commentarios de Fillion,
de Schanz, de Maas, e o do meu sabio
mestre, amigo e collega o Padre Knaben
bauer, um dos meus iniciadores nos estu
dos biblicos.
Lisboa, 1 de janeiro de 1909.
*
|
INTRODUCÇÃO
§ 1º — S. Mattheus
No primeiro Evangelho (9, 3-13) fala-se da voca
ção d'um certo publicano, por nome Mattheus
(M25325%, nos codices mais antigos; Mz=32ão, nos codi
ces posteriores), que mais adeante (1o,3) vem con
tado entre os apostolos, onde occupa o oitavo lo
gar, depois de Thomé, e é tambem denominado
Mattheus, o publicano. Os outros catalogos dos apos
tolos omittem o epitheto pouco honroso de publica
no, e nomeam no, o dos Actos (1, 13) em oitavo
logar, os de s. Marcos (3
,
18) e d
e
s. Lucas (6
,
15)
n
o
setimo. Este publicano, que só se denuncia pela
sua humildade, é o auctor d
o primeiro Evange
lho.
A historia da sua vocação vem narrada nos tres
Synopticos (Mt. 9
,
3-13. Mc. 2
,
13-17. Lc. 5
, 27-32),
cujas narrações concordam plenamente em tudo,
menos n
o
nome d
o publicano, que em s. Marcos
(2
,
14) e em s. Lucas (5, 27) é chamado Levi. Esta
pequena divergencia bastou para que alguns pro
testantes e racionalistas, aliás contraditados por
*
X INTRODUCÇÃO
muitos outros, negassem a identidade de Mattheus
e de Leví, contra o parecer unanime da alta anti
guidade christã.
A existencia de individuos com dois nomes dif
ferentes não era coisa rara entre os Judeus, nos
tempos posteriores; comtudo não se pode averiguar
se o publicano, chamado por Jesus Christo, já en
tão era conhecido pelos dois nomes de Mattheus e
de Leví, ou se só mais tarde, em memoria talvez
da sua conversão ou vocação, adoptou o nome de
Mattheus (r= ou "sne, dom de Iáhve, ou nes o fiel),
pelo qual era conhecido no collegio apostolico e na
christandade primitiva.
Os publicanos— cobradores ou arrematadores
dos direitos de barreira— constituiam uma classe á
parte, devidamente organizada, e eram detestados
pelos Judeus, que os tinham na conta de peccado
res publicos e escandalosos, cuja convivencia devia
ser evitada pelos zeladores da le
i
e amigos d
a na
ção. As injustiças e vexames, que elles commet
tiam n
o
exercicio d
a
sua profissão, aliás licita, e a
sua contínua convivencia com gentios, a cujas idéas
e costumes facilmente se amoldavam, explicam o
desprezo geral em que eram tidos.
Em Capharnaúm, centro do apostolado de Jesus
na Galiléa, teve Mattheus muitas occasiões de ver
e ouvir a Jesus, e a sua alma estava-lhe tão affei
çoada e tão bem disposta, que, mal o Senhor o cha
mou para ser seu discipulo, abriu logo mão do
oficio, e seguiu a Jesus, dando-lhe em sua honra
um grande banquete, em que tomaram parte, além
INTRODUcÇÃO XI
dos outros discipulos de Jesus, muitos dos seus col
legas.
Desde esta epoca a vida de s. Mattheus confun
de-se com a dos outros apostolos, e nada se sabe
que lhe seja especial. Pela narração evangelica e
pelo cargo que exercia, vê-se que era homem de
certos haveres, conhecedor das linguas grega e ara
maica, e com certa facilidade de as escrever. O
primeiro Evangelho revela-o um espirito meditativo,
profundo, versado no Antigo Testamento, particu
larmente no estudo das prophecias messianicas.
Segundo Clemente Alexandrino, evangelizou a Pa
lestina durante 15 annos, assignalando-se pela aus
teridade da sua vida, pois só se alimentava de her
vas e de legumes.
Ignora-se qual fo
i
o seu campo de actividade fóra
d
a Palestina. Os escriptores ecclesiasticos e os apo
cryphos trazem informações tão discordantes que
nem vale a pena mencioná-las. O Breviario romano,
seguindo a Rufino e a Socrates, diz que evangelizou
a Ethiopia, nome que nestes auctores deve designar
a região a
o
sul d
o mar Caspio. As egrejas latina e
grega veneram-no como martyr, mas não se sabe
onde e com que genero d
e
morte faleceu.
§ 2.° —0 auctor do primeiro Evangelho
O primeiro Evangelho é conhecido desde a mais
alta antiguidade pela designação d
e segundo Mat
theus, xxx? Masºzio». Era assim que os Evangelhos
eram conhecidos e allegados em todas as commu
XII INTRODUCÇÃO
nidades christãs pelo meado do segundo seculo, uns
5o annos portanto depois da morte do ultimo apos
tolo, s. João. Na grecidade posterior a preposição
xzcz, segundo, com accusativo, equivalia ao genetivo
(725 M.) de auctor, e era neste sentido que estes titulos
foram impostos aos Evangelhos. (*)
Neste tempo já a palavra sºzinº, evangelho, ti
nha o sentido de livro onde se contem a doutrina
(*) Evangelho, sòz}}<Xºy é uma palavra grega, que tendo si
gnificado, no periodo classico, desde Homero até Plutarco,
alviçaras ou sacrificio em acção de graças por uma boa nova,
veio por fim, no grego post-classico, a ter o sentido etymolo
gico de boa nova. EÕzysXºy é composto de -5
,
bem, e de &#32;,
mensageiro, o
u 3##XXo, annunciar. Assim define Suidas a pa
lavra n
o
seu Lexicon: sòzyyé).tow r% x%XXtarz &##Xoy.
E sempre neste ultimo sentido de boa nova que a palavra
se encontra n
o
Novo Testamento, quer d'um modo generico,
talvez em Eph. 1
,
3
, quer no sentido especifico de doutrina d
a
redempção por meio de Jesus Christo, doutrina que é real
mente, entre todas, a boa nova por excellencia. A caracteris
tica d’esta boa nova é o ter sido annunciada pelo proprio
Jesus Christo (Heb. 2
,
3
). \,
Só mais tarde, quando a doutrina da redempção, depois de
ter sido ensinada de viva voz, foi posta por escripto, é que se
deu tambem o nome de evangelho aos livros em que o
s apos
tolos e o
s
seus discipulosnos transmittiram por escripto a
doutrina da redempção, que o collegio apostolico foi encar
regado de annunciar a todas as gentes.
E
'
só neste sentido de livro escripto que a palavra evange
lho se emprega no plural, para designar o
s
livros de s. Mat
theus, de s. Marcos, de s. Lucas e de s. João, o
s unicos, neste
genero, que a Egreja venera como canonicos desde a epoca
apostolica.
INTRODUCÇÃO XIII
da redempção prégada por Jesus Christo. Como
nos livros do Novo Testamento o genetivo depois
de sòzmáxº designa o auctor da boa nova da redem
pção, que é Deus ou Jesus Christo, o objecto d’ella
ou a sua destinação, não pareceu bem adoptar o
genetivo de auctor e preferiram-lhe a circumlocução
mais appropriada — segundo Mattheus, (…: M.). O
evangelho é um só, embora os que o annunciaram
de palavra ou puzeram por escripto sejam muitos.
E um facto hoje scientificamente estabelecido
que o nosso Evangelho (o mesmo vale dos outros
tres), pelo meado do segundo seculo, era conhecido
em todas as communidades christãs, que o venera
vam e allegavam como Escriptura, e como obra ge
nuina de Mattheus, o publicano, que vem nomeado
em todos os catalogos dos apostolos. Os homens
mais eminentes d'esta epoca estão todos d'accordo
sobre este ponto, e fundam-se, não em conjecturas,
mas na tradição certa que lhes fo
i
legada por aquel
les que conheceram pessoalmente o
s apostolos o
u
o
s
seus discipulos immediatos.
Basta citar, como exemplo, o nome d
e
s. Ireneu,
bispo d
e Lyão, e discipulo, na Asia menor, de
s. Polycarpo, discipulo do apostolo s. João. E nesta
epoca admittia-se, como principio fundamental, para
o qual se appelava em todas as controversias, que
só se devia admittir como genuinamente christã a
doutrina communicada á Egreja pelos apostolos.
Tudo o mais era novidade profana ou heresia.
O testemunho explicito mais antigo sobre o Evan
gelho escripto pelo apostolo s. Mattheus é o d
e
XIV INTRODUcÇÃo
s. Papias, bispo de Hierapolis, contemporaneo e
amigo de s. Polycarpo. Conheceu tambem e tratou
pessoalmente com Aristion e o apostolo s. João, de
que s. Ireneu o chama discipulo (Ioá…º 3x2977), e é
provavel que tambem conhecesse o apostolo s. Phi
lippe, cujas filhas viu em Hierapolis. •
Da sua obra, em cinco livros, intitulada A2}{ow
xºcºxõw &#íase, «Explanação dos oraculos do Senhor»,
só nos restam alguns fragmentos, citados por Euse
bio na sua Historia Ecclesiastica. Falando do apos
tolo s. Mattheus diz: Mz=52ão: viv 05
,
#228 32Xíxtº r?
X&Y… awaye%zz: «Mattheus escreveu em lingua hebraica
o
s oraculos» do Senhor.
No grego ecclesiastico, modelado pelo grego bi
blico, X&Y…», não tem o sentido restricto de dito ou
sentença, mas significa a palavra de Deus escripta,
o
s
oraculos divinos contidos nos livros sagrados.
Assim em s. Clemente romano, discipulo dos apos
tolos, r? X#2:35 Oscº, «os oraculos d
e Deus», são a sa
grada Escriptura. O mesmo s. Papias falando de
s. Marcos diz que elle escreveu aówrx㺠rõ
w
xºçaxõw XoYíow
«uma coordenação dos oracnlos dó Senhor», na qual
se continham r? O
n
º
rçõXçarç5 # Xey.5évrzi rçz%3évrz, «as coi
sas o
u ditas ou feitas pelo Christo». Ora este é o
argumento d
e
todos o
s Evangelhos; e quadra-lhes
bem o nome de **, porque nelles os discursos de
Jesus Christo constituem a sua parte principal.
Erraram pois os que, apoiando-se em s. Papias,
pretenderam afirmar que s. Mattheus escreveu, não
o nosso Evangelho, mas uma simples collecção de
ditos de Jesus, coisa absolutamente desconhecida
INTRODUCÇÃO XV
de toda a antiguidade, que nunca teve noticia d'ou
tro escripto de s. Mattheus, distincto do nosso Evan
gelho.
A estes testemunhos explicitos, accrescem os tes
temunhos indirectos dos escriptores anteriores (dos
fins do primeiro e principios do segundo seculo),
onde se encontram frequentes allusões e citações
textuaes, sem nome do auctor (como era costume
da época), que só se encontram no Evangelho de
s. Mattheus. A Didaché, 8,32% ou Doutrina dos doze
apostolos, opusculo escripto na segunda metade do
primeiro seculo, em 8o 9o, o monumento mais an
tigo da literatura christã, está cheia de ditos de Je
sus, e a maior parte, taes com vem no Evangelho
de s. Mattheus. Estes são allegados com as clausulas:
«como ordenou o Senhor no seu Evangelho», ó:
êx#avasy & xópio; º riº sºzymexíº zºr:#, ou «como tendes no
Evangelho», ó: #re º riº sºziyº, que só podem refe
rir-se a um texto escripto conhecido por todos. A
Didaché é o documento mais antigo onde a pala
vra sºzni)…», evangelho, se encontra n
o
sentido d
e
livro escripto.
Encontram-se egualmente citações de s. Mattheus
n
a Epistola de Barnabé, attribuida ao apostolo
d’este nome, e escripta n
o tempo d
e Nerva (96-98)
o
u
d
e
Domiciano (8o-96), n
a Epistola aos Corin
thios d
e
s. Clemente romano, terceiro successor d
e
s. Pedro, do anno 9o 99, nas Cartas de s. Ignacio,
bispo d
e Antiochia, discipulo dos apostolos, marty
rizado em Roma no tempo de Trajano (98 117), na
Carta de s. Polycarpo, bispo de Smyrna, discipulo
B
XVI INTRODUCÇÃO
#
do apostolo s. João e mestre de s. Ireneu, martyri
zado em 155 ou 156, no Pastor de Hermas, es
cripto em Roma pelo anno 14o- 155.
S. Justino, philosopho pagão, convertido, na Asia
menor, antes de 132 e martyrizado pelo anno 165,
que tambem emprega a palavra sºziné?…» no sentido
de livro, nas suas duas Apologias, escriptas pelo
anno 15o, e no Dialogo com o Judeu Tryphon, com
posto antes de 161, cita com frequencia as Memo
rias dos Apostolos, que se chamam Evangelhos, os
quaes foram escriptos pelos apostolos e seus disci
pulos. Encontram-se nelle numerosas citações de
s. Mattheus, contendo doutrinas e factos da vida
de Jesus Christo.
Taciano, discipulo de s. Justino em Roma, que
veio depois a ser o chefe dos Encratitas, deixou no
seu Diatessaron (?
?
&
&
!soa%ço" — o Evangelho com os
quatro) uma harmonia evangelica, onde se encontra
o Evangelho de s. Mattheus.
Até os herejes d’estes primeiros tempos conhe
ciam e citavam o nosso Evangelho. Basilides escre
veu, pelo anno 125-13o, um commentario em 2
4 li
vros sobre o Evangelho. Um dos Evangelhos nelle
citados era o d
e
s. Mattheus. Cerintho e Carpocra
tes, n
o começo, e o
s Valentinianos, pelo meado do
segundo seculo, tambem se serviam de s. Mattheus.
Celso, philosopho pagão, chamado «o Voltaire do
segundo seculo», n
a
obra que escreveu contra o
christianismo cita o
s
nossos Evangelhos, e nomea
damente certos factos que só se encontram n
o Evan
gelho d
e
s. Mattheus.
INTRODUCÇÃo XVII
Estes dados da critica externa são confirmados
pelos da critica interna, que, só por s
i,
é bastante
deficiente, subjectiva e variavel. O exame philolo
gico d
a linguagem (vocabulario e syntaxe), o
s conhe
cimentos geographicos e historicos que o auctor sup
põi o
u manifesta, a situação religiosa, politica e
social dos Judeus, que representa, o modo como
fala de Jesus Christo, etc., tudo isto demonstra suf
ficientemente que o primeiro Evangelho fo
i
escripto
para o
s judeo-christãos por um homem, inteira
mente esquecido d
e
si mesmo e devotado a Jesus
Christo, judeu de nação, que vivia na Palestina, e
fo
i
contemporaneo dos factos que refere, e que elle
mesmo observou pessoalmente o
u
lhe foram referi
dos por testemunhas oculares. A critica interna não
pode ir mais além.
Comtudo é nella que se fundam os racionalistas
para porem em duvida a origem apostolica d
o pri
meiro Evangelho. Cada um, segundo o seu feitio e
mentalidade, construe a priori um typo do que de
veria ser o primeiro Evangelho se fosse realmente
obra d'um apostolo, e não achando depois n
o Evan
gelho esses caracteres imaginarios e presuppostos,
rejeita o livro como espurio, attribuindo o a um re
dactor desconhecido que impoz a sua obra a toda a
Egreja sob o pseudonymo de Mattheus!
Holtzmann, por exemplo, condemna o livro:
1
.º porque não segue a ordem chronologica, 2.
º por
que emprega com frequencia expressões vagas e
indeterminadas; 3.
º
porque narra milagres, que
reputa contos fabulosos,indignos d'um apostolo!
XVIII INTRODUCÇÃo
B. Weiss, Jülicher e outros alegam razões de egual
valor scientifico, que tambem são, pela sua inepcia,
uma confirmação da verdade historica, scientifica
mente demonstrada, que elles, com desdoiro do seu
saber e talento, pretendem em vão invalidar.
§ 3.° — Lingua original e destinação
do primeiro Evangelho
No testemunho de s. Papias, citado no § 2º, diz
se que s. Mattheus escrevera o seu Evangelho no
dialecto hebraico, 3çz!$ 3,2%ixº; e s. Papias accres
centa que a principio, emquanto não houve traduc
ção grega universalmente reconhecida, cada qual
procurava interpretá-lo como podia, %víwsuas 3'zºr &;
?» Swx”, fazato. Os escriptores ecclesiasticos antigos
são unanimes sobre este ponto. Basta citar, para
exemplo, os nomes de s. Ireneu, de s. Epiphanio,
de Origenes, de Eusebio de Cesaréa, de s. Jeronymo
de s. Cyrillo de Jerusalem, e de s. Chrysostomo.
Este consenso unanime, que não é um simples
echo do dito de s. Papias, como pretendem alguns
racionalistas, representa a tradição bem averiguada
da Egreja primitiva sobre a origem do primeiro
Evangelho.
A despeito das afirmações em contrario de Eras
mo, do cardeal Caetano e de mais alguns moder
nos, ainda hoje é quasi universalmente seguida,
havendo apenas divergencia sobre o que deve en
tender-se por lingua hebraica, se o hebreu antigo,
que no tempo de Christo só era conhecido pelos
INTRODUcÇÃo XIX
rabbinos, ou o aramaico, que, depois do exilio ba
bylonico, ficou sendo a lingua popular da Palestina,
e na qual o evangelho fo
i
prégado por Jesus Christo
e pelos apostolos.
Como todos os antigos concordam em que o pri
meiro Evangelho fo
i
escripto para uso dos judeo
christãos, e o exame do livro assim o demonstra
claramente (*), é pouco provavel que s. Mattheus,
(*) Basta enumerar, entre outros, os seguintes indicios de que
o primeiro Evangelho foi escripto na Palestina, para os judeo
christãos e na lingua popular do paiz:
1
. — As numerosas citações do Antigo Testamento, que no
primeiro Evangelho é allegado mais vezes do que em todos
OS OUltrOS trêS.
-
2
. — As referencias á historia antiga de Israel como figura
do Messias, realizada em Jesus Christo.
3
. — As palavras aramaicas, e costumes judaicos menciona
dos sem explicação alguma, que elucide o leitor; devendo a
s
raras explicações que se encontram n
o Evangelho ser attri
buidas a
o
traductor grego.
4
. — A insistencia e força com que realça a perversidade do
povo judaico e dos seus chefes.
5
. — A insistencia com que se refere á lei, no Sermão do
mOnte. •
•
6
. — A genealogia de Jesus Christo, desde Abrahão e David,
como synthese da historia d
o povo judaico.
7
.— A omissão da missão dos 72 discipulos. •
8
. — A ausencia de palavras latinas, com raras excepções
faceis de explicar.
9
. — A frequencia das expressões reino dos ceos e Filho
d'homem.
1o. — O cuidado com que realça a predilecção de Jesus
pelo povo judaico.
-
XX INTRODUCÇÃO
que os instruira em aramaico, fosse legar-lhes, como
recordação do seu ensino, um livro escripto numa
lingua que elles ignoravam, e em que ninguem
naquelle tempo escrevia. As razões internas allega
das em contrario nada provam, e se tivessem força
probante iriam mais longe do que isso, provariam
até, o que já veio á cabeça d'algum, que o proprio
Jesus Christo prégou o Evangelho em latim!
Quanto ao original aramaico, esse teve a sorte da
egreja palestinense, e desappareceu juntamente com
ella, depois das guerras de Tito e Adriano (132-137).
Dos christãos, uns emigraram, e fundiram-se com as
communidades gregas, cujos textos, lingua e usos
adoptaram, outros vieram a cahir na seita dos Ebio
nitas, onde o Evangelho aramaico se conservou,
bem como entre os Nazareus, até aos principios
do quinto seculo, mas já desfigurado com varias
alterações e interpolações. •
Este Evangelho era conhecido na antiguidade
christã pelo nome de Evangelho segundo os Hebreus,
segundo os Navareus ou segundo os Ebionitas.
Os proprios Nazareus de Beroé, na Syria, mostra
ram um exemplar a s. Jeronymo (+ 42o), que o co
piou e traduziu para grego e latim. A bibliotheca
de Cesaréa, pelos fins do quarto seculo, tambem
possuia um exemplar. S. Panteno, fundador da ce
lebre escola de Alexandria, onde floresceram Cle
mente, seu discipulo, collega no ensino e successor,
e Origenes, evangelizando a Arabia, achou tambem
ali uma antiga christandade, fundada por s. Bar
tholomeu, que ainda conservava o Evangelho aramai
INTRODUcção xx1
co, que d’elle recebera. Panteno faleceu pouco antes
do anno 2oo, com universal reputação de homem
eminente na sciencia das Escripturas.
Hoje causa nos certa extranheza que estes homens
eminentes não fizessem mais diligencias para recons
tituir e nos conservar o texto aramaico primitivo,
o que para nós seria um subsidio de immenso valor.
Mas esta extranheza dissipa-se facilmente, se con
siderarmos que a traducção grega actual, a unica
que apparece citada nos documentos mais antigos,
remonta á epoca apostolica, e portanto tem todo o
valor e força d'um texto original.
O primeiros christãos tinham o culto da idéa,
mas estavam muito longe d'aquella superstição da
palavra, que, materialmente considerada, era me
ramente humana e não inspirada por Deus. Por
isso não tinham duvida, na transcripção dos codi
ces, em substituir palavras desconhecidas por outras
mais inteligiveis, e até de lhes introduzir aqui e
alli certas glossas explicativas, que a sciencia critica
pode facilmente discernir. Esta, como é sabido, é,
além dos erros proprios dos copistas, uma das cau
sas principaes das variantes, que se encontram nos
codices, e cuja origem, longe de ser posterior, re
monta aos primeiros tempos do christianismo.
§ 4.° — Fontes do primeiro Evangelho
Não é possivel, hoje, por falta de documentos,
averiguar como é que s. Mattheus escreveu o seu
Evangelho e quaes os subsidios de que se serviu.
XXII INTRODUCÇÃo
Visto que só fo
i
chamado mais tarde, quando Jesus
já estava estabelecido em Capharnaúm, que veio a
ser a sua cidade, não poude, como o
s primeiros
discipulos, ser testemunha ocular de todos os factos
d
a vida d
e Jesus, desde o baptismo de João até á sua
morte e resurreição.
Dos factos posteriores á sua vocação não preci
sava elle d'outras fontes d
e
informação porque tinha
sido testemunha ocular de quasi todos elles, menos
d
a
resurreição d
a
filha de Jairo (9
,
18-26), d
a trans
figuração (17,1-9), d
a agonia d
e Jesus (26, 36-46) e
d
e
mais algumas particularidades, que podia saber
pelos outros apostolos, que d’ellas foram testemu
nhas. Estes mesmos o podiam informar dos factos
que precederam a sua vocação, porque os primeiros
discipulos sahiram da escola o
u
dos ouvintes d
o Ba
ptista, e seguiram a Jesus logo depois do seu ba
ptismo. • •
Da infancia de Jesus é que nenhum apostolo foi
testemunha, mas, depois d
a
resurreição e ascenção
d
e Jesus, todos elles conviveram com a Mãe de Je
sus, que lhes podia dar todos o
s
esclarecimentos
necessarios.
Complemento de todas estas fontes é o Espirito
Santo, cuja assistencia permanente foi promettida
por Jesus aos apostolos, para lhes ensinar toda a
verdade (Jo. 16, 13), que Jesus desejava communi
car á sua Egreja, e suggerir-lhes tudo quanto elle
mesmo, em vida, lhes tinha ensinado (Jo. 14, 26).
Só resta a genealogia que, como documento official
achava-se, parte n
a Biblia, parte nos archivos publi
INTRODUCÇÃO XXIII
cos e particulares, pois não havia judeu que não
pudesse provar, com documentos á vista, a familia
e tribu a que pertencia.
Como os apostolos, antes de se dispersarem, se
conservaram durante alguns annos na Palestina,
trabalhando juntos na conversão dos Judeus, na or
ganização e instrucção da Egreja nascente, e só
muito mais tarde é que dois d'elles, por motivos
particulares, escreveram o Evangelho, é provavel
que ou elles mesmos ou antes muitos dos seus dis
cipulos escrevessem, para as conservarem, as dou
trinas de Jesus e os factos da sua vida, que consti
tuiam o objecto dacatechese apostolica. S. Lucas
(1
,
2
) diz-nos que realmente foram muitos o
s que,
desde o principio, procuraram coordenar em narra
ções seguidas o
s
factos e ensinamentos ouvidos nas
prégações apostolicas. S
.
Mattheus não precisava
d’estes documentos, mas tambem não repugna que
o
s utilizasse, pois ninguem melhor do que elle po
dia verificar a sua exactidão e corrigi-los onde por
ventura se desviassem da verdade. Se de facto se
serviu d'elles o
u não, é coisa que nós não podemos
determinar, nem h
a
n
o Evangelho indicio algum
d’isso.
§ 5.° — Data do primeiro Evangelho
*
E
'
impossivel determinar com exactidão a epoca
em que fo
i
escripto o Evangelho de s. Mattheus.
Pode dizer-se com certeza que fo
i
escripto antes d
a
ruina d
e Jerusalem (anno 7o), que vem prophetizada
n
o capitulo XXIV, sem o mais leve indicio do seu
XXIV INTRODUCÇÃo
cumprimento. Por outra parte o modo como fala do
nome imposto ao cemiterio comprado com as moe
das de Judas (27, 8
),
e d
o
boato falso espalhado
pelos synedristas sobre o roubo d
o corpo d
e Christo
pelos apostolos (28, 15), d
á
bem a entender que já
tinham decorrido alguns annos depois d
a
morte d
e
Jesus, e bastantes para estas circumstancias pare
cerem dignas d
e
nota. S
e
nos fosse possivel precisar
este numero d
e annos, teriamos juntamente com o
anno 7
o
dois limites extremos dentro dos quaes de
veriamos colocar a data da composição do Evan
gelho.
Os racionalistas não reconhecem estes limites,
mas é por motivos d'ordem subjectiva, inteira
mente alheios a estas questões d
e
critica historica.
Como entendem que não pode haver milagres nem
prophecias, e veem em s. Mattheus a prophecia da
ruina de Jerusalem, sustentam que o vaticinio fo
i
arranjado depois do acontecimento, e dizem que o
Evangelho, cuja authenticidade não admittem, fo
i
escripto, Hilgenfeld e Holtzmann pouco depois do
anno 7o, Weiss e Harnack em 7o-75, Renan depois
d
e 85, Réville em 69 96, Jülicher em 81-90, Volkmar
pelo anno 11o, Baur em 13o-134!
Na falta pois de indicios internos suficientes, é
mais prudente consultar o
s
dados externos, o
s tes
temunhos d
a antiguidade christã. Estes testemunhos
porém não estão d'accordo em tudo. Concordam
todos, sem a mais leve discrepancia, em que s. Mat
theus escreveu o seu Evangelho para os judeo-chris
tãos palestinenses, o que suppõi que o Evangelho
INTRODUCÇÃO XXV
fo
i
tambem escripto n
a Palestina (*), como opinam
o
s antigos exegetas e a maior parte dos modernos.
E tambem sentir commum da alta antiguidade que
o primeiro Evangelho escripto foi o de s. Mattheus.
Clemente Alexandrino, citado por Eusebio, diz que
o
s Evangelhos, que conteem genealogias (Mt. e Lc.)
são anteriores aos outros (Mr. e Jo.).
Não o afirma por conjectura propria, mas basean
do-se n
a
tradição dos antigos presbyteros, ro
w
2,5225=
resogorspoº. Outros, como s. Ireneu, Origenes, Eusebio,
s. Epiphanio e s. Jeronymo, são ainda mais expli
citos, e dizem terminantemente que s. Mattheus foi
o primeiro que escreveu o Evangelho. Todos estes
testemunhos se baseiam na tradição antiga, a come
çar da epoca apostolica.
Quanto á data da composição do Evangelho, já
não h
a
nestes investigadores das origens christãs o
mesmo accordo, nem a mesma precisão. O sentir
mais commum, quasi geral até, d
a antiguidade é
que s. Mattheus escreveu o seu Evangelho pouco
antes dos apostolos deixarem de vez a Palestina
para irem, segundo a ordem de Christo, levar a boa
nova aos outros paizes d
o
mundo. Mas a data da
dispersão o
u
d
o
exodo dos apostolos, como lhe chama
s. Ireneu, é incerta. Uns, com Eusebio, seguido por
(*) Esta circumstancia é expressamente afirmada por
s. Ireneu em um fragmento conservado por Eusebio. Diz que
s. Mattheus é
,
roi: "E6%2íziz,«estando entre os Hebreus», escre
veu o Evangelho y ri
.
!Síz x}röw & x}ézzº, «na propria lingua
d'elles».
XXVI INTRODUcÇÃO
Theophylacto e Euthymio Zigabeno, colocam-na
no anno S." depois da ascensão de Christo, outros,
com Nicephoro Callisto, dão-lhe o anno 15.", ao passo
que o martyr Apollonio, citado por Eusebio, prefere
o anno 12.°, que vem a corresponder ao anno 41 ou
42 da nossa era. S. Jeronymo optou pelo anno 41.
Nestes dados se fundam os que sustentam que o
primeiro Evangelho fo
i
escripto em 36-39 (Patrizzi),
em 4o-5o (Cornely"), em 42-5o (Kaulen), etc. Aberle
escolheu o anno 37; outros attribuem o anno 4
o
á
redacção d
o
texto hebraico, e o anno 6o á versão
grega.
Não faltam porém escriptores, mesmo catholicos,
que attribuam a
o Evangelho uma data posterior,
preferindo o anno 6o-67 (Feilmoser, Hug, Meier,
Schanã, Rose). Zahn, protestante, segue esta opinião
escolhendo o anno 62.
Estes ultimos fundam-se na auctoridade de s. Ire
neu, segundo o qual o Evangelho de s. Mattheus
parece ter sido escripto a
o tempo em que s. Pedro
e s. Paulo fundavam juntos a egreja romana, o que
succedeu em o 1
,
data da primeira vinda de s. Paulo
a Roma. Convem porém observar que o texto em
questão d
e
s. Ireneu chegou até nós truncado, parte
em latim, parte em grego, e que este ultimo fra
gmento, ta
l
como está, não faz sentido perfeito. E
'
mister pois reconstitui-lo, e depois interpretá-lo. Não
é portanto d
e
extranhar que auctores, como Cor
nely e Belser, não vejam nesse texto um obstaculo
serio á opinião dos que attribuem uma data mais
antiga á composicão d
o Evangelho de s. Mattheus.
INTRODUCÇÃo XXVII
§ 6.° — Fim do primeiro Evangelho
Escripto originariamente em aramaico, e desti
nado principalmente aos judeo-christãos, o pri
meiro Evangelho devia necessariamente correspon
der as necessidades e circumstancias especiaes da
egreja da Palestina, fundada e cathechizada pelos
apostolos. Segundo Eusebio, s. Mattheus quiz sup
prir pela sua palavra escripta a falta da sua pala
vra oral. O Evangelho por elle escripto deve ser
considerado como a fixação do Evangelho por elle
prégado aos Judeus.
Ora quaes eram as necessidades especiaes dos
judeo-christãos, cuja fé devia ser confirmada e escla
recida? Quaes tambem as circumstancias dos Ju
deus ainda não convertidos, no meio dos quaes vi
viam os christãos, e aos quaes tambem convinha
levar a luz da verdade ?
A suprema aspiração dos Judeus, em todas as
epocas da sua historia, mormente nesta de que es
tamos falando, era a vinda do Messias, do redem
ptor promettido, do filho de David. Os Psalmos sa
lomonicos, escriptos pelos annos 63-48 antes de
Christo, os oraculos sibyllinos, o livro de Henoch,
o da Assumpção de Moysés, o dos Jubileus, numa
palavra toda a literatura Judaica da epoca im
mediatamente anterior e posterior á de Christo, está
cheia destas esperanças, que, neste tempo, eram
conhecidas até dos proprios gentios.
E portanto evidente que o primeiro cuidado dos
apostolos, quer para converter os Judeus, quer para
XXVIII INTRODUcÇÃO
confirmar na fé os já convertidos, devia ser mos
trar-lhes claramente que aquelle mesmo Jesus que
elles tinham visto e ouvido, e depois rejeitado e cru
cificado, esse mesmo era o Christo, o Messias
promettido aos patriarchas Abrahão, Isaac e Jacob,
e depois a David, e annunciado pelos prophetas.
«Saiba pois com a maior certeza toda a casa de
Israel que a este Jesus, a quem vós crucificastes, a
esse mesmo, Deus o fez Senhor e Christo» (Act. 2,
36). Assim terminava s. Pedro o primeiro discurso
que fez aos Judeus no dia de Pentecostes, quando
o Espirito Santo desceu sobre o collegio apostolico.
Por elle e por outros discursos semelhantes conser
vados nos livros dos Actos podemos fazer idéa do
que era então a prégação apostolica, e do modo
como mostravam aos Judeus a messianidade de Je
sus Christo. Allegavam as prophecias messianicas
nele cumpridas, expunham a sua doutrina, conta
vam os seus milagres, a sua morte e sobretudo a
sua resurreição, de que elles mesmos tinham sido
testemunhas. (cf. Act. 2, 14-36; 3, 12 26; 4, 8-12;
5, 29-32; 7, 2-53; Io, 34 43, etc.)
E exactamente o que se observa em s. Mattheus.
Começa pela genealogia de Jesus Christo (I, I-17),
para mostrar que é descendente de Abrahão e de
David, demonstra o seu nascimento virginal (1
,
18-25), e assim vai mostrando nos successos d
a
sua
vida e d
o
seu apostolado o cumprimento das pro.
phecias messianicas, que allega constantemente, e
mais vezes d
o que nenhum dos outros Evangelistas.
A parte principal do seu Evangelho (4
,
12-13, 58),
INTROLUCÇÃo XXIX
aquella em que se aparta da ordem chronologica
dos factos, para os coordenar segundo uma ordem
logica, appropriada ao seu intento, é consagrada
especialmente á demonstração quasi systematica da
messianidade de Jesus Christo, pela sua doutrina
(5, 1-7, 27), pelos seus milagres (8
,
1-9, 34), pelo
novo reino por elle fundado (Io, I-13, 58).
Mas não bastava provar que Jesus era o Mes
sias, e que todas a
s
circumstancias d
a
sua vida,
gloriosa, sim, mas ao mesmo tempo pobre, humilde,
obscura e padecente, estavam annunciadas nos va
ticinios messianicos, era tambem necessario dar aos
Judeus uma verdadeira idéa do reino messianico,
o
u
d
a
realeza d
e Deus, por que elles tão ardente
mente esperavam. Como os Evangelhos e a litera
tura judaica o demonstram, a idéa da realeza de
Deus era então a mais popular na Palestina, a que
mais enthusiasmava a alma religiosa e patriotica dos
Judeus. Veja-se o alvoroço com que os povoados
acudiram a
o Jordão, quando nelle appareceu um
propheta annunciando a proxima inauguração d
o
reino dos céos ou do reinado de Deus, e a vinda já
imminente do Messias.
Mas a idéa biblica da salvação messianica estava
então, geralmente falando, inteiramente pervertida
pelas doutrinas pharisaicas e pelos livros apocryphos
e apocalypticos. Basta ler o Psalmo XVII dos Sa
lomonicos, obra d'um phariseu tão religioso como
patriota, para ver quaes eram neste tempo as con
cepções messianicas dos Judeus.
A idéa do Deus creador, supremo portanto, unico
\
XXX INTRODUCÇÃO
e universal, definitivamente fixada na alma judaica,
o conhecimento mais vasto do mundo greco-romano
e a correspondente dilatação do horizonte politico,
agora tão vasto como o mundo conhecido, tinham
modificado profundamente as idéas e as aspirações
da nação judaica. Os inimigos de Israel já não
eram, como nos tempos primitivos, os bandos de
beduinos da Idumea, de Moab e de Amon. Os des
potas de Ninive, de Babylonia e de Susa tinham
opprimido duramente o povo judaico. Alexandre
Magno, destruindo o imperio dos Persas, nem por
isso tinha dado plena autonomia aos Judeus, que,
depois d’elle, cahiram sob o dominio dos Ptolemeus
do Egypto e dos Seleucidas da Syria. A insurreição
dos Machabeus levantou momentaneamente os brios
nacionaes, mas esse estado de coisas durou pouco,
e não tardou que o jugo de ferro dos Romanos se
fizesse sentir sobre toda a nação por meio do idumeu
Herodes. Roma estava pois senhora da Palestina, e
a alma nacional estava sedenta de desforra e de
vingança. A fibra religiosa e nacional estremecia ao
ver o sacerdocio, a gloria de Israel, vendido pelos
oppressores aos sadduceus, impios, materialistas e
gosadores. «Iáhve, exclama o nosso phariseu, tu és
o nosso rei, para sempre e eternamente!» E conti
nuando neste tom pede a Iáhve que lhes suscite,
segundo as promessas feitas a seus paes, um rei,
filho de David, que restaurando a monarchia de
Israel, purifique Jerusalem de pagãos, e os exter
mine. Em torno d'este rei agrupar-se-ha um povo
santo, as tribus de Israel santificadas por Deus;
INTRODUCÇÃO XXXI
ele as julgará, e não consentirá que a injustiça ha
bite na terra santa. As tribus antigas serão de novo
reconstituidas; nenhum colono ou extrangeiro habi
tará entre os Judeus. Os proprios pagãos servirão
a Deus, submettendo-se ao seu jugo, e virão em
grandes romarias dos extremos do mundo a Jeru
salem, para ver a gloria do Senhor, trazendo-lhe
como ofertas seus filhos extenuados. •
Tal será o rei-Messias, o ungido do Senhor. Iáhve
é o seu rei, por isso não porá a sua confiança nos
cavallos nem nos cavalleiros; a sua força é o espi
rito de Iáhve, o Espirito Santo, e com uma só pa
lavra da sua bocca ferirá a terra para sempre. Não
haverá mais injustiças, nem impurezas. O auctor
termina protestando o seu lealismo, e pedindo a Deus
que se dê pressa a usar de miseridordia com o seu
povo.
• • •
Taes eram, em substancia, as idéas messianicas
correntes entre os Judeus. O antigo reino de Israel
será restaurado; as tribus dispersas pelo mundo
greco-romano regressarão á Palestina. Jerusalem
com o seu templo, com o seu culto e com a le
i
an
tiga, será o centro d'uma nova theocracia; a realeza
humana, fóra d
e Israel, e os proprios pagãos se
tornarão vassallos de láhve e do seu rei.
Os Alexandrinos são mais universalistas do que
o
s Palestinenses, que, opprimidos pelos Romanos, se
comprazem nos terriveis castigos com que Deus os
vingará dos seus oppressores. Os santos conquista
rão o mundo, não pelas armas, mas, como diz
Philo, pela sua dignidade, beneficencia e força. Toda
C
XXXII INTRODUCÇÃo
a terra, sob o governo dos prophetas, será um jar
dim de delicias; tudo nella será paz, sinceridade e
amor. As proprias feras mudarão de natureza. A
vida humana recuperará a longevidade das eras pri
mitivas, não haverá velhice, nem aborrecimento da
vida, nem dores de parto para as mulheres.
Esta revolução prodigiosa far-se-ha subita e ma
ravilhosamente. Uma intervenção gloriosa de Deus
libertará o seu povo da tyrannia romana, e restau
rará o antigo reino de Israel, que será um reino ao
mesmo tempo de virtude e de immensa felicidade
material, sem mistura de vicios e de males. Os
pagãos maravilhados virão então constituir-se vas
sallos dos Judeus e seus provedores, para attrahir
sobre si com seus ricos presentes as bençãos de
Iáhve. •
Eis o ideal de felicidade que então occupava as
mentes e os corações dos homens. O proprio Jesus
Christo não conseguiu dissipá-lo, e reduzi-lo ás de
vidas proporções. Do mesmo modo que o Precur
sor, Jesus fez do reino dos céos ou da realeza de
Deus a idéa central da sua prégação, mas explicou
melhor a sua natureza, e sobretudo distinguiu me
lhor as duas phases d'esse reino, uma inicial e ter
restre, outra final e celeste.
O reino messianico não se oppõi aos outros rei
nos temporaes; não ha incompatibilidade em ser-se
ao mesmo tempo subdito de Cesar e de Deus, com
tanto que se dê a cada um o que de direito lhe per
tence (22, 21). No Evangelho, Jesus Christo não re
conhece senão dois inimigos: o demonio e o peccado.
INTRODUCÇÃO XXXIII
O demonio é o soberano d'este mundo (Jo. 14, 3o),
o valente que tinha captivado o genero humano (12,
29), e Jesus Christo veio ao mundo para o lançar
fóra d’elle (Jo. 12, 31; 16, 11). Foi contra satanás
que elle travou o seu primeiro combate (4, 1-
1 1);
a sua obra é a destruição d
a
suzerania de satanás
(12, 22-29), e o
s proprios demonios assim o reco
nhecem (8, 28-34).
Cuidavam o
s Judeus que o reino dos céos havia
d
e vir com grande gloria e majestade, que a sua
inauguração seria tão maravilhosa como a da theo
cracia antiga n
o
monte Sinai; Jesus declara-lhes
que o reino dos céos não vem com pompa, que já
está n
o
meio d'elles (Lc. 18, 2o-21), e condemna os
phariseus que nem entram nelle, nem deixam o
s ou
tros entrar (23, 13). A le
i
e o
s prophetas duraram
até João Baptista (11, 13); desde então está inau
gurada a epoca messianica, que durará até a
o
fim
do mundo.
Não menos erronea era a idéa que os Judeus fa
ziam d
a
natureza d
o
reino dos céos, representando-o
como um reino d
e justiça e d
e santidade, sim, mas
a
o mesmo tempo como um reino d
e
toda a sorte d
e
delicias d'ordem material e temporal. Basta ler o
Sermão do monte (5
,
1-7, 28), particularmente as
bemaventuranças (
5
,
3-Io), para se ver quanto se
melhantes ficções são contrarias a
o espirito d
e Je
sus Christo. O espirito de pobreza, de renuncia e
d
e abnegação é a base d
o evangelho; quem o não
tem, não é digno d
o
reino dos céos, não pode ser disci
pulo de Jesus Christo. (6
,
19-23; 8
,
18-22; 19, 16-3o).
XXXIV INTRODUCÇÃOE quanto á propria santidade e justiça, quão dif
ferentes são os ensinamentos de Jesus Christo das
concepções judaicas! A justiça messianica será muito
diferente, da justiça da le
i
antiga, e muito mais ainda
d
a justiça dos mestres religiosos d
e Israel, os escribas
e phariseus, successores de Moysés (
5
,
17"); e o mundo
messianico, longe d
e
ser uma sociedade formada só
d
e justos, é representado como uma sociedade com
posta de justos e de peccadores, e este estado de
coisas h
a
d
e durar até a
o
fim d
o
mundo (cf. 13,
24-3o. 36-43. 47-5o; 25, 1-13).
A sorte tambem reservada, neste mundo, aos
discipulos de Christo está muito longe d'aquelle es
tado geral e permanente de paz, sem guerras, nem
injustiças, nem intrigas, que os messianistas phan
tasiavam. A condição dos discipulos de Christo será
a mesma que a d
o
Mestre. Judeus e gentios hão de
conspirar contra elles, perseguindo-os universal e
constantemente, como se fossem o
s
maiores malfei
tores d
a
humanidade (cf. 5
,
11. 12; 1o, 16-42). Es
tas tribulações, que constituem, para assim dizer, o
estado ordinario do reino messianico na terra (24,
4-13), tomarão n
o
fim dos tempos tal incremento,
que se Deus não as abreviasse ninguem se salvaria
(24, 22). Nada disto porém ha de impedir a pro
pagação e dilatação d
o
reino messianico, que h
a
d
e
crescer, prosperar, fructificar e espalhar-se por
todo o mundo a despeito d
e
todas as tribulações e
perseguições (13, 31-33. 24, 14).
Não menos notavel é a opposição entre o univer
salismo de Jesus Christo e o universalismo judaico.
INTRODUCÇÃO XXXV
Este, apesar de admittir os gentios ao goso das
venturas messianicas, mantem-se sempre no terreno
da theocracia antiga. O reino messianico será um
reino nacional, com territorio proprio na Palestina,
com Jerusalem por capital, com o seu templo, a sua
le
i
e o seu sacerdocio. Os gentios serão apenas
admiradores, vassallos e tributarios dos Judeus.
Nada d’isto subsiste no reino dos céos, prégado por
Jesus.
Os proprios Judeus que se denominavam os fi
lhos do reino, serão lançados fóra d’elle (8
,
11-12.
21, 43), e excluidos dos seus bens até que reconhe
çam a messianidade d
e Jesus Christo (23, 37-39), o
que só succederá n
o
fim dos tempos (17, 11). Jeru
salem e o templo serão destruidos (24, 1-2. 15-21);
a le
i
antiga será substituida pela nova lei; ao sa
cerdocio levitico, com o
s
seus sacrificios de ani
maes, succederá um novo sacerdocio com o sacrifi
cio eucharistico; aos escribas e phariseus, succes
sores d
e Moysés, succederá o collegio apostolico
com o triplice poder de reger, santificar e ensinar a
Egreja de Jesus Christo, contra a qual não prevale
cerão jamais as portas do inferno.
Tal é o reino dos céos na sua origem, e nas pha
ses successivas d
a
sua existencia terrestre, até se es
palhar por todo o mundo. Só então será a parusia
o
u
vinda gloriosa d
o Messias, não para instituir na
terra uma theocracia universal, mas para julgar o
mundo, separando definitivamente o
s
bons dos maus,
e dando a uns e outros o destino eterno correspon
dente a
o
merito d
e
suas obras. E o assumpto do
XXXVI INTRODUCÇÃO
grande discurso eschatologico de Jesus Christo (24,
1-25, 46).
Esta idéa christã do reino messianico, em oppo
sição ás concepções erroneas dos Judeus, é a se
gunda idéa fundamental do Evangelho de s. Mat
theus. Penetra-o inteiramente, desde o Sermão do
monte até ao grande discurso eschatologico, e é a
chave principal para a sua interpretação.
Serve-lhe de necessario complemento a idéa posi
tiva e absoluta do reino dos céos, ou a exposição da
constituição, propriedades e signaes caracteristicos
da nova sociedade religiosa, fundada por Jesus Chris
to. Nenhum dos Evangelhos é tão explicito, nem tem
dados tão abundantes sobre estes pontos fundamen
taes, como o de s. Mattheus. Essa sociedade é a
Egreja, % Exxxxaíz, nome que ficará substituindo o de
reino dos céos ou de reino de Deus. É uma socie
dade visivel, una, indestructivel e jerarchica, fun
dada sobre o collegio apostolico, sob o primado de
Pedro, a quem Jesus deu as chaves do reino dos
céos (16, 13-2o). O collegio apostolico que ha de
durar até á consummação dos seculos, está inves
tido dos poderes messianicos de Jesus Christo, para
ensinar (28, 18-20), reger (16, 13-2o; 18, 15-2o) e
santificar os fieis por meio de ritos sacramentaes
(26, 26-29; 28, 19), e será infallivel no desempenho
da sua missão (18, 17; 28, 2o). Não ha ponto im
portante sobre a natureza, propriedades e caracte
res da Egreja de Jesus Christo que não venha indi
cado em s. Mattheus. Esta é pois a terceira idéa
fundamental e caracteristica do seu Evangelho. Se
INTRODUcção XXXVII
elle insiste tanto sobre ella, mais do que os outros, é
porque os christãos palestinenses, por causa das
idéas judaicas, precisavam de ser particularmente
esclarecidos sobre este ponto, muito mais ainda do
que os convertidos do paganismo, e inteiramente li
vres dos falsos preconceitos messianicos.
Ficava por fim um ponto capital por esclarecer,
que era uma grande pedra de escandalo para os
Judeus não convertidos, e que, não sendo bem com
prehendido, poderia fazer vacillar na fé os proprios
neophytos: era a reprovação do Messias por parte
do seu proprio povo, e a exclusão d'esse mesmo
povo do reino messianico por parte do Messias! Se
Jesus era o verdadeiro Messias, como é que os Ju
deus, que tão ardentemente o desejavam, não só
não o receberam, mas até o rejeitaram e crucifica
ram? Como é que são excluidos do reino messia
nico, sendo chamados em seu logar os gentios?
Esta difficuldade está constantemente presente a
s. Mattheus desde o princípio do seu Evangelho.
Ninguem como ele nos faz penetrar tão a fundo no
estado moral e religioso da nação judaica, para nos
revelar a causa intima e profunda d’este mysterio. A
indiferença religiosa, e a hostilidade positiva para
com o Messias manifestam-se logo desde a infancia
de Jesus, que, mal nascido, teve logo de refugiar-se
em terras extranhas. Herodes e toda Jerusalem fi
caram sobresaltados com a nova do nascimento do
Messias (
2
,
3)! Quando voltou da Egypto, a Judéa,
sua patria, era-lhe tão hostil, por causa de Arche
lau, que teve de retirar-se para a Galiléa, onde v
i
XXXVIII INTRODUCÇÃo
veu, humilde e desconhecido, até dar principio ao
seu ministerio.
O proprio Baptista deu testemunho da perversi
dade dos chefes religiosos de Israel, denunciando
lhes a ruina total e irreparavel que os esperava, se
não fizessem penitencia e mudassem de vida (
3
,
1-12). Longe de se emendarem, obstinaram-se cada
vez mais em sua malicia, e perseguiram constante
mente a Christo. O capitulo XII é consagrado d'um
modo especial á demonstração d'esta perversidade,
que o
s
levou á resolução extrema d
e
darem a morte
a Christo (12, 14). Grande parte do Sermão do
monte é dirigida contra elles. Outros exemplos em
14, 34-15, 2o; 16, 1-12; 21, 12-17, e sobretudo nos
ultimos dias do seu apostolado em Jerusalem, na
sua paixão e resurreição. E
'
mister ter presente o
odio d
e
satanás contra Christo para se comprehen
der a existencia de tanta maldade e obstinação em
corações humanos.
E o povo não era muito melhor-do que os seus
chefes. Vemo-lo, é verdade, acudir pressuroso a ou
vir os ensinamentos de Christo, mas a fé não abre
brécha naquelles corações inconstantes, interessei
ros, fascinados pelas falsas esperanças das glo
rias e venturas temporaes d
o
reino messianico. A
sua indole vem pintada ao vivo em 11, 16-24, e em
13, 53-58. Os proprios gentios, como se viu no
centurião d
e Capharnaúm (8, 5-13), e na cananéa
(15, 21-28), estavam melhor dispostos d
o que elles
para receber o reino messianico. Finalmente, quando
o
s
chefes conspiraram contra Christo, e instaram
INTRODUCÇÃo XXXIX
com Pilatos para que o condemnasse, apesar de o
reconhecer e proclamar innocente, o povo, que pou
cos dias antes o tinha acclamado, esqueceu todos os
seus milagres e beneficios, e preferiu que lhe sol
tassem a Barabbás; quanto a Jesus pediuque o cru
cificassem, e que o seu sangue cahisse sobre elles e
sobre os seus filhos (27, 25)!
Esta terrivel sentença cumpriu-se. O sangue do
Messias cahiu sobre aquelle povo deicida, que fo
i
jus
tamente excluido d
o
reino messianico; e não de vez,
mas até ao fim dos tempos, em que a misericordia
divina h
a
d
e
fazê los regressar á fé e obediencia de
seus paes. -
Estas quatro idéas fundamentaes constituem o fim
d
o Evangelho de s. Mattheus, e dão a chave, o fio
conductor, para a sua genuina intelligencia e inter
pretação.
§ 7.° — Analyse do primeiro Evangelho
As considerações precedentes sobre o fim do
Evangelho de s. Mattheus revelam-nos claramente
a indole do livro. Seria erro considerá-lo, e inter
pretá-lo como uma biographia ou historia d
a
vida
d
e Jesus Christo, nem o livro corresponde a este
intento. O Evangelho, do mesmo modo que a pré
gação apostolica, é uma obra catechetica e doutri
nal, destinada a instruir os christãos e a confirmá
los na fé, d'um modo accommodado á sua indole
especial, e á
s
difficuldades d
o
meio em que viviam.
A historia é apenas a fonte aonde o Evangelista
vai buscar o
s argumentos necessarios a
o
seu intento.
XL INTRODUCÇÃO
Esses argumentos são os ensinamentos de Jesus
Christo, e os diversos factos da sua vida, paixão e
resurreição. Nenhum destes factos é descripto in
dividuadamente, como o faria um historiador; são
apenas allegados summariamente, tanto quanto basta
para o fim que o Evangelista pretende.
Attendendo pois ás fontes, donde o Evangelista
tira os seus argumentos, o Evangelho de s. Mat
theus pode dividir-se em 4 partes, muito desiguaes
na sua extensão: a infancia messianica de Jesus
Christo; a sua vida publica; a sua paixão e morte;
e a sua resurreição. Destas quatro partes, a ultima
é a mais breve, a segunda, a mais extensa de todas.
As tres ultimas são communs a todos os Evange
lhos, a primeira é propria de s. Mattheus e de
s. Lucas.
PRIMEIRA PARTE
Infância messlanica de Jesus Christ0
(1
,
1-2, 23)
Mostra como Jesus Christo é filho de David e de
Abrahão, e como na sua origem virginal, e nos pri
meiros successos d
a
sua vida se cumpriram nelle as
prophecias messianicas.
1
. Genealogia de Jesus Christo................... 1, 1 -17.
2
. Nascimento de Jesus Christo.................. 1, 1825.
3
. Adoração dos Magos......................... 2, 1-12.
4
. Fugida para o Egypto ................. - - - - - - - 2, 13-15.
5
. Morte dos Innocentes ........................ 2, 16-18.
6
. Regresso do Egypto. Nazareth................. 2, 19-23.
INTRODUCÇÃo XLI
SEGUNDA PARTE
Ministºrio public0 de Jºsus Christ0
(3, 1-25, 46.)
Esta segunda parte, consagrada ao ministerio pu
blico de Jesus Christo na Galiléa e na Judéa, pode
dividir-se em varias secções: — 1.
° Preparação para
o ministerio publico de Jesus Christo (3
,
1-4, 1 1);
— 2.° Ministerio de Jesus na Galiléa (4, 12-2o, 34);
— 3.° Ministerio de Jesus em Jerusalem (21, 1-25,
46).
PRIMEIRA SECÇÃO
Preparação messianica
(3,1-4, 11.)
Mostra como o ministerio publico de Jesus Christo
fo
i
precedido d'um Precursor, que o annunciou a
Israel, e o introduziu solemnemente no seu minis
terio, que fo
i
inaugurado por uma victoria de Jesus
contra o demonio, o adversario d
o
reino messianico.
1
. O Precursor................................. 3, 1-12.
2
. Baptismo de Jesus Christo.................... 3, 13-17.
3
. Tentações de Jesus Christo. ................. 4, I - II.
SEGUNDA SECÇÃO
Ministerio de Jesus na Galiléa
(4,12-2o, 34)
Depois d'algumas indicações breves e summarias
sobre o começo d
o apostolado d
e Jesus (4, 12-22),
XLII INTRODUCÇÃO
mostra-nos a Jesus Christo revelando-se como mes
tre e legislador do povo no Sermão do monte (5,
1-7, 29), como thaumaturgo (8, 1-9, 38), e fundador
do collegio apostolico, destinado a substituir os an
tigos chefes religiosos de Israel (1o, 1-42). São os
primeiros fundamentos do reino messianico, do
qual Israel será excluido por causa da incredu
lidade do povo (11, 1-3o), e da obstinação e perver
sidade dos seus chefes (12, 1-5o), faltos de verda
deira religiosidade, e preoccupados com idéas falsas
sobre o reino messianico, cuja natureza e eficacia
explica em uma serie de parabolas (13, 1-58).
Até aqui s. Mattheus teve principalmente em
vista mostrar que Jesus Christo pela sua nova lei,
pelos seus milagres, e pela fundação e destino do
collegio apostolico é o Messias promettido, funda
dor d'um novo reino. Trata-se portanto de estabele
cer a messianidade de Jesus Christo, e não é de
extranhar que o Evangelista se aparte da ordem
chronologica dos factos, e os coordene d'um modo
systematico, segundo o fim especial que se pro
põi.
A partir d’este ponto Jesus começa a subtrahir-se
ao povo para se dedicar mais particularmente á
instrucção e formação do collegio apostolico. Assim,
depois d'uma breve digressão sobre a morte do
Baptista (14, 1-12), s. Mattheus representa-nos a
Jesus Christo instruindo os apostolos sobre a op
posição entre o seu espirito e o dos phariseus (14,
13-16, 12), promettendo o primado a Pedro (16,
13-2O), preparando os apostolos para a sua paixão
INTROIUcçÁo XLIII
(16, 21-17, 26) e para o exercicio das suas funcções
apostolicas (18, 1-3o, 34).
1.— Jesus, legislador, thaumaturgo, fundador d'um novo reino
(4, 12— 13, $8)
A.—4, 12-15. Principios do seu apostolado
Omittindo o primeiro regresso de Jesus para a
Galiléa, depois do baptismo, e a sua ida a Jerusa
lem por occasião da Paschoa, e tudo o que lá se
passou até regressar novamente para a Galiléa (cf.
Jo. 1, 19-4, 54), apresenta-nos logo a Jesus em
Galiléa, reunindo discipulos, que o sigam d'um modo
permanente, e dá-nos uma idéa geral do seu apos
tolado.
1. Volta para a Galiléa.......................... 4, 12-17.
2. Vocação dos primeiros discipulos.............. 4, 18-22,
3. Percorre a Galiléa... ........................ 4, 23-25.
B. —5, 1-7, 29. Sermão do monte
E o maior dos discursos de Christo conservados
no Evangelho, e o que tem mais unidade de pensa
mento. E ao mesmo tempo uma revelação sublime
da dignidade messianica de Jesus Christo, que nelle
se manifesta como propheta, legislador supremo e
mestre. O plano do discurso é o seguinte: — 1º As
bemaventuranças, em que se mostra o caracter e
as condições dos cidadãos do reino messianico, cuja
XILIV INTRODUCÇÃO
espiritualidade é fortemente realçada (5
,
1-1o). Os
versos 1 e 2 são d
o Evangelista, e servem junta
mente com 4
,
23-25 de introducção historica ao
Sermão. — 2.º Relações geraes entre os discipulos
d
e Christo e o mundo (5, 1 I-16).—3.º Jesus Christo
e a le
i
antiga: não vem aboli-la, senão aperfeiçoá
la
,
completá-la, e dar-lhe pleno cumprimento; mos
tr
a
numa serie de exemplos a superioridade d
a
sua
le
i
sobre a le
i
antiga, e a opposição entre a sua jus
tiça e a justiça dos escribas e phariseus (
5
,
17-48).
— 4.
º
Passa depois ás disposições e meios necessa
rios para se alcançar a perfeição messianica, recom
mendando a rectidão de intenção (
6
,
1-18), o desapego
dos bens d
a
terra (
6
,
19-34), o espirito d
e
caridade
(7
,
1-6), a oração (7, 7-11), o espirito d
e mortifica
ção (7, 12-14), e que se evitem o
s
falsos prophetas
7
,
15-23). — 5.º Conclue, mostrando em um con
traste sublime a solidez e estabilidade d
o
edificio
moral edificado sobre a sua doutrina, e a ruina to
tal e irreparavel dos que a ouvem, mas não a pra
ticam (
7
,
24-29). Os versos 28 e 29 juntamente com
8,1 são uma especie d
e
conclusão historica, accres
centada por s. Mattheus para declarar os efeitos do
Sermão no povo.
1
. As bemaventuranças................... . . . . . . 5
,
1—1o.
2
. Os discipulos de Christo e o mundo.......... 5
,
11—16.
3
. Jesus Christo e a lei.................... .... 5, 17-2o.
4
. O quinto mandamento....................... 5, 21-26.
5
. O sexto mandamento...... • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 27—3o.
6
. O divorcio......... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 5, 31-32.
7
. O segundomandamento............... ...... 5, 33-37.
INTROLUCÇÃO XLV
8. A lei de talião .................. •••••••• •••• 5, 38-42.
9. O amor dos inimigos........................ 5, 43–48.
ro. A esmola................................ ... 6, 1-4.
11. A oração. O Padre Nosso... ................ 6, 5-15.
12. O jejum.................................... 6, 16 18.
13. Os verdadeiros thesoiros..................... 6, 19-23.
14. Os dois senhores......... ..... • • • • • • • • • • • • • 6, 24-34.
15. Não julgar...... .. .. ...................... 7, 1-6.
16. Pedir instantemente......................... 7, 7 II.
17. A porta estreita ............................. 7, I ?- 14.
1
8
.
Os falsos prophetas ................... ..... 7, 16-23.
19. Contraste final ............................. 7, 24-29.
C.—8, 1-9, 38. Milagres de Jesus Christo
Cita alguns exemplos das obras messianicas de
Jesus Christo, pelas quaes se manifesta o seu poder
sobre a
s
doenças e a morte, que são consequencias
d
o peccado, sobre a
s
leis geraes e o
s agentes d
a
natureza, e sobre os demonios, cujo imperio vinha
destruir. Estas são as obras do Christo, porque dão
testemunho d
e quem elle é
, pois são obras manifes
tamente divinas, que Jesus opera por virtude pro
pria, e não por simples intercessão ou mediação,
como o podem fazer o
s
santos e até os simples fieis.
Encontram-se intercalados nestes milagres o episo
dio dos aspirantes a
o discipulado (8
,
18-22), a vo
cação d
e
s. Mattheus (9, 9-13), uma controversia
com o
s discipulos d
o Baptista (9, 14-17), e a lamen
tação d
e Jesus sobre o abandono do povo (9
,
3638),
que serve de introducção á parte seguinte.
1
. Cura um leproso............................ 8, 1-4.
2
. Cura o servo d'um centurião........... • • • • • • • 8,5-13.
XLVI INTRODUcÇÃo
3. Cura a sogra de Pedro.................. .... 8, 14-17.
4. Condições do discipulado............. ...... 8, 18-22.
5. Acalma a tempestade.......... .............. 8, 23-27.
6. Os possessos gadarenos....... •••••••••••••••• 8, 28-34.
7. Cura um paralytico.......................... 9, 1-8.
8. Vocação de s. Mattheus.......... : : : : : : : : : : : : 9, 9-13.
9. Os discipulos de João...... ••••• ••••••••••••• 9, 14-17.
1o. Resuscita a filha de Jairo.................. ... 9, 18.26.
11. Dá vista a dois cegos........................ 9, 27-31.
12. Cura um possesso mudo... .. ............... 9, 32.34.
13. Lamenta o abandono d
o povo............... . 9, 35-3S.
D
. — 1o, I-13, 58. Jesus fundador d'um novo reino
Esta parte pode subdividir-se em quatro paragra
phos distinctos: — 1.
º
constituição e destino d
o col
legio apostolico (Io, 1-42); — 2.
º
incredulidade d
o
povo (II, 1-3o); — 3.
º
obstinação dos chefes d
o
povo (12, 1-5o); — 4º parabolas do reino messianico
(13, 1-58).
a
. — Io, 1-42. O collegio apostolico
Compadecido do lamentavel estado moral e reli
gioso a que o povo estava reduzido, por culpa dos
seus chefes, que se mostravam cada vez mais con
trarios ao reino de Deus, pensa em prover a grei
d
o Senhor d’outros pastores, mais segundo o cora
ção d
e
Deus. A fundação do collegio apostolico im
porta a abolição da le
i
antiga, baseada sobre o sa
cerdocio levitico. Reune pois o
s doze, e, armados dos
seus poderes sobrenaturaes, manda os em missão,
dando-lhes largas instrucções, que revelam o seu
grande destino até á consummação dos seculos.
INTRODUcção XLVII
1. Constituição do collegio apostolico......... . . . IO, 1-4.
2. Missão dos apostolos. Primeira serie de instruc
ções ..... • •••••••••••• •• ••••••••••••• •... 1o, 5-15.
3. Missão dos apostolos. Segunda serie de instruc
ções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... 1
o
,
16-42.
b
. — 11, 1-3o. Incredulidade do povo
Toma Jesus occasião d’uma embaixada do Ba
ptista para revelar mais claramente a sua dignidade
messianica, e dar um bello testemunho em favor de
João. Argue depois a teimosia caprichosa do povo
judaico, e amaldiçôa a
s
cidades incredulas e impe
nitentes onde fizera em vão tantas maravilhas.
Admira e louva os insondaveis juizos de Deus no
modo de trazer o
s povos á fé
,
e compadecido d
e
tamanha cegueira, abre a todos, com palavras d
e
misericordia, o seu bondoso e amante coração.
1
. Legação d
o Baptista ..................... • • • II, 1-6.
2
. Elogio do Baptista................. • • • • • • • • . II, 7-15.
3
. Indole do povo judaico.......... • • • • • • • • • • • • II, 16-19.
4
. Amaldiçôa as cidades incredulas ............. II, 20-24.
5
. Palavras de misericordia.................. ... I I, 25-3o.
c. — 12, 1-5o. Obstinação dos chefes do povo
Peores do que o povo eram os seus chefes reli
giosos. S
.
Mattheus dá-nos aqui alguns exemplos
d
a sua perversidade e d
o
odio systematico com que
perseguiam a Jesus Christo. Como não querem ser
esclarecidos, e continuam sempre a desviar o povo
d
a fé
,
Jesus confunde-os perante o povo, pela sua
D
XLVIII INTRODUCÇÃO
doutrina e pelos seus milagres. Elles porém obsti
nam-se cada vez mais, e resolvem matá-lo, o que
dá occasião a um bello contraste entre a indole de
Jesus e, a dos phariseus, que chegam a attribuir os
milagres de Christo ao demonio! Prediz a sua re
surreição ao terceiro dia, a ruina do povo ju
daico, e, a proposito d’uma visita de sua Mãe e ir
mãos, declara que no reino messianico o parentesco
natural com o Messias de nada vale, mas sómente
o parentesco espiritual, proveniente do cumprimento
da vontade de Deus.
1. A questão das espigas....................... 12, 1-8.
2. Cura um aleijado de mão......... ••••••••••• 12, 9- I 4.
3. Indole de Jesus........... . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12, 15-21.
4. Cura um possesso. — A questão de Beelzebub. 12, 22-37.
5. O signal de Jonas....... •• •••••••••• ••• ••... 12, 38-42.
6. Ruina do povo judaico....................... 12,43-45.
7. A Mãe e os irmãos de Jesus........... ....... 12, 46-50.
c.— 13, 1-58 Parabolas do reino messianico
Não podendo falar claramente do reino messianico
por causa da incredulidade do povo e da obstinação
dos chefes, começa a envolver a sua doutrina em
parabolas, o que causa grande admiração aos seus
discipulos. Nas sete parabolas d’este capitulo de
clara Jesus a natureza do reino messianico, a sua
eficacia e preciosidade, lançando lu
z
sobre o mys
terio d
a
incredulidade judaica, sobre a origem d
o
mal no reino messianico e sobre a sorte final
dos bons e dos maus. Vai por fim a Nazareth,
INTRODUcÇÃo XLIX
mas nem d'esta vez acha fé entre os seus conheci
dos e parentes.
1. Parabola do semeador.......... •••••••••••• 13, 1-9.
2. Porque fala em parabolas................... 13, 1o. 17.
3. Explica a parabola do semeador............. 13, 18-23.
4. Parabola do joio..... •••••••••••••••••••••• 13, 24-3o.
5. Parabolas do grão de mostarda e do fermento 1
3
,
31-33.
6
. Outra razão do seu modo de ensinar......... 13, 34-35.
7
. Explica a parabola do joio.................. 13, 36-43.
8
. Parabolas do thesoiro e da perola............ 13,44-46.
9
. Parabola da rede.......................... . 13, 47-52.
1o. Jesus em Nazareth............. * • • • • • • • • • • • • 13, 53-58.
1
1
.
— Jesus, mestre e doutor do collegio apostolico
>
(14, 1-2o, 34)
Comprehende, além do episodio da morte do
Baptista (14, 1-12), e d
a gloriosa confissão d
e Pedro
em Cesaréa d
e Philippe, o que lhe mereceu a pro
messa d
o primado (16, 13-20), tres partes mais ex
tensas onde Jesus, depois de esclarecer os apostolos
sobre a opposição entre o seu espirito e o dos pha
riseus (14, 13-16, 12), lhes dá instrucções espe
ciaes em vista d
a
sua paixão (16, 21-17, 26), e d
a
missão que hão d
e desempenhar n
o reino messia
nico (17, 27-2o, 3o).
A
. — 4
,
1-12. Morte do Baptista
E uma especie de parenthesis, introduzido no
meio d
a
narração para explicar os receios que a
Herodes Antipas começava a inspirar o apostolado
L INTRODUCÇÃO
de Jesus na Galiléa. Até aqui esta provincia tinha
sido para Jesus um campo livre e seguro d'acção;
mas os phariseus, vindos daJudéa, tinham excitado
os seus collegas da provincia contra Jesus, e como
tambem na côrte de Antipas já havia inquietações,
Jesus achou prudente retirar-se para o territorio de
Philippe, na Palestina transjordanica.
B. — 14, 13-16, 12
.
O espirito de Jesus e o dos phariseus
Continúa Jesus Christo a fazer bem ao povo, mas
procura subtrahir-se aos seus enthusiasmos e ás in
sidias dos phariseus, que o perseguem constante
mente. Por isso não pára em parte nenhuma, mas
anda em excursões continuas como se só esperasse
pelo tempo d
a Paschoa para ir a Jerusalem, e con
summar lá o grande sacrificio.
1
. Primeira multiplicação dos pães............. 14, 13-21.
2
. Acalma a tempestade..................... . 14, 22-33.
3
. Passa por Genmesar.................. ...... 14,34-36.
4
. Hypocrisia dos phariseus................... 15, 1-9.
5
. A verdadeira santidade.......... • • • • • • • • • • • • 15, 1o-2o.
6
. Jesus e a cananéa........................... 15, 21-28.
7
. Volta para o mar de Galiléa................ . 15, 29-3o.
8
. Segunda multiplicação dos pães.............. 15,32-39.
9
. Os signaes dos tempos...................... 16, 1-4.
1o. O fermento dos phariseus e dos sadduceus... 16, 5-12,
C
. — 16, 13-2o. O Primado de Pedro
E uma das passagens mais importantes do pri
meiro Evangelho, e a que melhor nos revela a in
INTRODUCÇÃo LI
dole da verdadeira Egreja de Jesus Christo. Parece
mesmo que Jesus, desde a eleição do collegio apos
tolico não teve outra coisa em vista senão levar os
apostolos ao conhecimento da sua dignidade de
Messias e de Filho de Deus, e de estabelecê-los de
finitivamente nesta fé
.
Tal é a significação e a im
portancia d
a
confissão d
e Pedro.
D
.
— 16, 2 I-17, 26. Prepara os discipulos
para a sua paixão
Assegurada pela confissão de Pedro a fé do col
legio apostolico, começa Jesus a predizer claramente
aos seus discipulos o mysterio da sua paixão, para
que entendessem bem que tudo era ordenação su
perior de Deus, que assim o queria glorificar, e que,
se ia a padecer, não era por ignorancia o
u fraqueza,
mas com pleno conhecimento d
e tudo, e d
e
sua livre
vontade.
1
. Primeira predicção da paixão ............ .. 16, 21-28.
2
. Transfiguração de Jesus............. • • • • • • • • 17, 1-9.
3
. João e Elias................. • • • • • • • • • • • • • • . 17, 1o-13.
4
. Cura um lunatico....... • • • • • • • • • • • • . . . . . . . . 17, 14-2O.
5
. Segunda predicção da paixão......... • • • • • • • • 17, 21-22.
6
. Paga o tributo ao templo.................... 17, 23-26.
E
. — 18, 1-2o, 34. Instrucções dadas ao collegio
apostolico
Grande parte d’estas instrucções sobre os deve
res apostolicos pertencem á ultima viagem que Je
LII INTRODUCÇÃo
sus fez a Jerusalem, passando pela Peréa, para a cele
bração da festa da Paschoa, em que padeceu e morreu.
1. Quem é o maior?.......................... 18, 1-5.
2. Do escandalo.............. •••••••••••• •••• 18, 6-9.
3. Valor das almas. A ovelha perdida...... ..... 18, 1o-14.
4. A correcção fraterna..... ………… ......... 18, 15-22.
5. Parabola do mau servo.................... . 18, 23-35.
6. Sobre o divorcio......... •••••••••••••. . . . . 19, 1- 12.
7. Abençôa os meninos...... • ••• •••• ....... 19, 13-15.
8. Perigos das riquezas... ..................... 19, 16-31.
9. Parabola dos obreiros......... ••••••••••... 2o, I-16.
1
o
.
Terceira predicção da paixão............... 2o, 17-19.
11. Os filhos de Zebedeu...... • • • • • • • .......... 2o, 2o-28.
12. Os cegos de Jericó......................... 2o, 29-34.
TERCEIRA SECÇÃO
Ministerio de Jesus em Jerusalem
(21, 1-25, 46)
Reduz-se á entrada solemne de Jesus em Jerusa
lem, ás controversias que se lhe seguiram com o
s
escribas, phariseus e sadduceus, e ao grande dis
curso eschatologico d
e Jesus Christo. Taes são as
duas partes em que esta secção pode subdividir-se.
I.—Entrada em Jerusalem e controversias com os synedristas
(21, 1-23, 39.)
Entra Jesus em Jerusalem, onde os Galileus lhe
fazem uma solemne e modesta recepção, perante a
qual a cidade se conservou indiferente ou hostil, e
vai a
o templo, onde se revela como Messias e ma
INTRODUCÇÃo LIII
nifesta o seu poder. Voltando novamente ao templo,
amaldiçôa uma figueira esteril, symbolizando assim
a repudiação do povo judaico, onde não achou fé
.
Indignam-se o
s
sacerdotes d
o procedimento d
e
Christo e pedem-lhe os titulos da sua auctoridade,
mas como se obstinassem em não querer responder
lhe a uma questão previa, Jesus não lhes dá res
posta nenhuma, apresentando-lhes tres parabolas
destinadas a pôr em evidencia a sua perversidade,
e a justiça com que hão d
e
ser excluidos d
o reino
messianico. Enfurecem-se elles cada vez mais, e ten
tam successivamente por tres vezes apanhá-lo em
alguma palavra compromettedora, mas nada con
seguem, sendo reduzidos a silencio por uma per
gunta que Jesus lhes faz ácerca da natureza do
Christo.
Foi então que Jesus os desmascarou solemne
mente perante todo o povo, pronunciando contra e
l
les oito maldições, e lamentando a ruina d'aquella
cidade, que elles perverteram e levaram a dar a
morte ao Messias.
1
. Entra em Jerusalem.............. ......... 21, 1-11.
2
. Lança fóra d
o templo os profanadores....... 21, 12-17.
3
. A figueira esteril........................... 21, 18-22.
4
. D'onde lhe vem o poder.................... 21, 23-27.
5
. Parabola dos dois filhos........... ......... 21, 28-32.
6
. Parabola da vinha.......... ................ 21, 33-46.
7
. Parabola do banquete nupcial............... 22, 1-14.
8
. A questão do tributo............. • • • •••• • ... 22, 15-22.
9
. A resurreição dos mortos................... 22, 23-33.
1o. O primeiro mandamento.................... 22, 34 4o.
11. Natureza do Christo........................ 22, 41-46.
LlV INTRODUCÇÃO
12. Indole dos escribas e phariseus....... •••• ••• 23, 1-12.
1
3
.
Maldições contra os escribas e phariseus..... 23, 13-32.
. 14. As ultimas graças.......................... 23, 33-36.
15. Lamenta Jerusalem........................ 23,37-39.
II
.
— Discurso eschatologico de Christo
(24, 1:25,46)
Deixando o povo, a
o qual não tornou mais a fa
lar, volta-se para os seus discipulos, dando-lhes
instrucções como se hão de haver n
a
ruina d
e
Jerusalem, que será o primeiro acto do juizo solemne
d
o Messias, e como se devem preparar para o juizo
final, exhortando-os por meio de tres parabolas á v
i
gilancia. Termina descrevendo a scena do juizo final.
1
. Prediz a ruina do templo.................... 24, 1-3.
2
. Previne o
s discipulos contra os seductores.... 24, 4-14.
3
. Ruina imminente da cidade.................. 24, 15-21.
4
. A segunda vinda do Christo................. 24, 22-28.
5
. Como ha de vir o Christo ....….............. 24, 29-35.
6
. Incerteza d
o tempo. O servo fiel.............. 24, 36-51
7
. Parabola das dez virgens..................... 25, 1 - 13.
8
. Parabola dos talentos....................... 25, 14-3o.
9
. O juizo final..... • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • ..... 25, 31-46.
TERCEIRA PARTE
Paixão e morte d
e
Jesus Christ0
(26, 1-27, 66.)
Narra os acontecimentos que precederam im
mediatamente a paixão de Jesus, e como Jesus fo
i
INTRODUCÇÃO LV
preso, julgado e condemnado á morte de cruz a
instancias de toda a nação, cumprindo-se assim as
prophecias messianicas, e consummando-se a apos
tasia do povo de Israel, sobre o qual cahiu O san
gue innocente de Jesus.
1. A ceia de Bethania............... •••••••••• 26, 1-16.
2. A ceia paschal............…………… . 26, 17-25.
3. A Eucharistia ............................. 26, 26-29.
4. O escandalo dos discipulos................. 26, 3o-35.
5. A oração no horto......................... 26, 36-46.
6. Prisão de Jesus............................ 26, 47-56.
7. Jesus perante Caiphás...................... 26, 57-68.
8. Negações de Pedro......................... 26, 69-75.
9. Morte de Judas........... ................ 27, 1-1o.
1
o
.
Jesus perante Pilatos....................... 27, 1 1-26.
11.Jesus coroado de espinhos.................. 27, 27-31.
12. Jesus crucificado.......... • • • • • • • • • • • • • • • • . 27, 32-44.
13. Morte de Jesus................. . . . . . . . . . . . 27, 45-56.
14. Sepultura de Jesus. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27, 57-66.
QUARTA PARTE
Resurreição d
e Jesus Christo
(28, 1-2o.)
Narra brevissimamente como Jesus resuscitou ao
terceiro dia, e appareceu á
s piedosas mulheres que
o acompanharam desde Galiléa até Jerusalem e ao
Calvario, ao passo que os Judeus, obstinados e ce
gos até á ultima, tentam iludir o milagre calum
niando o
s discipulos d
e impostura. Apparece tam
bem aos seus discipulos, e manda-os prégar o evan
LVI INTRODUcÇÃo
gelho por todo o mundo, promettendo-lhes a sua
assistencia até á consummação dos seculos.
1. Jesus resuscitado .............. ............ 28, 1- 1o.
2. Ultima hypocrisia dos Judeus.............. ... 28, 1 1 - 15.
3
. Missão dos apostolos............ ........... 28, 16-2o.
§ 8.° — Particularidades do primeiro Evangelho
E opinião bastante commum entre protestantes e
racionalistas que o Evangelho canonico de s. Mat
theus, ta
l
como chegou até nós, depende d
e
duas
fontes: d
a supposta collecção dos ditos (…) de Je
sus, feita pelo apostolo Mattheus, e d
o Evangelho de
s. Marcos, talvez numa fórma primitiva (o Urmarcos
dos racionalistas) mais reduzida e distincta d
a forma
actual.
Esta opinião funda-se numa falsa interpretação
d
o
texto d
e Papias, e suppõi que o Evangelho de
s. Mattheus, ta
l
como existe n
a Egreja, não é obra
d
o apostolo deste nome, nem, segundo a ordem d
o
tempo, o primeiro dos quatro Evangelhos.
Não é necessario insistir mais sobre estas opi
niões, porque nos paragraphos precedentes já a
l
legamos a
s
razões pelas quaes se deve admittir a
authenticidade e a prioridade do primeiro Evange
lho, que é tambem o primeiro que se encontra ci
tado nos monumentos mais antigos d
a
literatura
christã.
Não é tambem intenção nossa entrar aqui no
exame d
a linguagem d
o primeiro Evangelho, por
que esse exame philologico só interessa o estudo
INTRODUcÇÃO LVII
directo do texto grego, e mal poderia ser tratado
aqui, no limitado ambito d'esta introducção.
Os tres primeiros Evangelhos teem todos um ca
racter commum, que os relaciona intimamente entre
si
,
e o
s distingue d
o quarto Evangelho, intitulado de
s. João. Este, que veio muito tempo depois dos ou
tros, é uma obra complementar destinada a uma chris
tandade adulta, para a confirmar na fé da divindade
d
e Jesus Christo, e premunir contra as heresias nas
centes. Escolheu pois por argumento o apostolado
d
e Jesus na Judéa, sobretudo em Jerusalem, e as
suas sublimes controversias com o
s
sabios d
a capi
tal theocratica, sobre a natureza do Christo e a sua
filiação divina.
Outra é a indole dos tres primeiros Evangelhos.
Estes, tirando a historia da infancia, que vem só em
s. Mattheus e em s. Lucas, teem por argumento
principal, além da paixão e da resurreição (o que é
commum a todos o
s Evangelistas), o apostolado d
e
Jesus na Galiléa.
Os factos e as doutrinas moraes prégadas á po
pulação simples, morigerada, religiosa e laboriosa
d
a Galiléa eram mais appropriados para a catechi
zação dos primeiros fieis. Não é portanto de admi
rar que os apostolos os escolhessem de preferencia
para as suas catecheses, que deviam necessaria
mente revestir uma certa uniformidade de fundo e
d
e fórma, sem excluir a diversidade propria dos
tempos, logares, ouvintes, fins particulares, e d
a in
dividualidade e feitio pessoal d
e
cada um.
Estes caracteres reflectem-se nos tres primeiros
LVIII INTRODUCÇÃO
Evangelhos, que fixaram pela escripta a catechese
apostolica. Quadra-lhes pois bem o nome de paral
lelos ou de synopticos, porque desde o baptismo até
á resurreição, caminham a par uns dos outros nar
rando, quasi do mesmo modo, os mesmos factos,
doutrinas e discursos de Jesus Christo.
Nem podia ser d'outro modo, se attendermos á
indole e missão dos apostolos, e ao fim dos Evan
gelistas. Os apostolos, sem cultura literaria e phi
losophica, eram meras testemunhas da vida de Je
sus Christo, e a sua missão era dar testemunho do
que tinham visto e ouvido, e que todos elles tinham
bem presente na memoria e no coração. Durante
alguns annos conservaram-se juntos na Palestina,
evangelizando os Judeus, até se dispersarem depois
por todo o mundo.
Formou-se pois, desde o principio, um evange
lho oral, prégado pelos apostolos e aprendido, con.
servado e transmittido pelos primeiros fieis, sub
stancialmente identico em todas as communidades
fundadas pelos apostolos, e contendo um certo nu
mero de factos e de doutrinas de Jesus Christo. -
Este evangelho oral representava a idéa de Jesus
Christo, ta
l
como existia n
a
mente dos apostolos, e
elles a transmittiram á
s
communidades que succes
sivamente fundaram. E facil reconstitui-lo pelos
discursos conservados n
o livro dos Actos, e pe
las epistolas dos apostolos, sobretudo pelas de
s. Paulo.
Os tres Synopticos, considerados como simples
documentos historicos, e dependentes, o primeiro
INTRODUcÇÃo LIX
da catechese apostolica na Palestina, o segundo da
prégação de s. Pedro em Roma, o terceiro do apos
tolado de s. Paulo em Antiochia e nas egrejas por
ele fundadas, demonstram que essa idéa era sub
stancialmente a mesma em todas as communidades
christãs.
Dos tres Synopticos, o mais importante é o Evan
gelho de s. Mattheus. Alem de ser o mais abun
dante em factos, em doutrinas e discursos de Jesus
Christo, cuja especialidade lhe pertence, tem a pre
rogativa de representar a catechese não só de s. Mat
theus, mas de todo o collegio apostolico em Jerusa
lem e nas outras cidades da Palestina. Sobre isto,
como era destinado aos contemporaneos de Jesus
Christo, muitos dos quaes o tinham visto e ouvido,
não tinha tanta necessidade de adaptar a sua nar
ração á indole e disposição dos leitores; bastava
lhe apontar os factos, que já sabiam, e narrar os
ensinamentos e discursos de Jesus Christo como
elle os tinha proferido. Tudo isso tinha para os
seus leitores, o mais subido interesse, e era por el
les plenamente comprehendido. Compare-se para
exemplo, o Sermão do monte em s. Mattheus (5
,
1-7, 29) e em s. Lucas (6
,
2o-49).
No Evangelho de s. Mattheus sente-se a grandeza
e majestade d
o Antigo Testamento, illuminado pe
los clarões que sobre ele projecta a sublime figura
d
e Christo. Quem, conhecendo suficientemente a
geographia e a historia da Palestina, as condições
sociaes, religiosas, civis e politicas da epoca, ler,
comprehendendo-o bem, o Evangelho de s. Mat
LX INTRODUCÇÃO
theus, pode julgar-se contemporaneo de Jesus Chris
to, e contar-se entre os ditosos que o seguiram
passo a passo, quando andava evangelizando a Ga
liléa.
•
Assim se comprehende e se explica a physiono
mia particular do Evangelho de s. Mattheus, com
parado com os de s. Marcos e de s. Lucas. Es
tes são mais methodicos, mais individuados nas
suas narrações, e ateem-se mais á ordem chronolo
gica dos factos. Não são testemunhas oculares, que
– narram o que viram e ouviram, são investigadores
conscienciosos, que se informaram bem de tudo
(cf. Lc. 1, 1-3), e procuraram ordenar o que outros
COntaram.
S. Mattheus segue outra ordem, que dá ao seu
Evangelho uma fórma mais literaria. Nelle as dou
trinas e os factos subordinam-se ás idéas fundamen
taes que tem em vista; são allegados vagamente e
d'um modo summario, quanto o exige a idéa domi
nante em cada secção, e coordenam-se segundo uma
ordem systematica, propria das obras didacticas e
dogmaticas.
Descripta a physionomia geral do primeiro Evan
gelho, cumpre-nos indicar o que ha nelle de espe
cial, que não se encontra em nenhum dos outros
Synopticos.
A. — Milagres
1. Cura de dois cegos.......................... 9, 27-31.
2. Cura d'um possesso mudo................... 9, 32-34.
3. O estatér na bocca do peixe.................. 17, 24-27.
INTRODUCÇÃO LXI
B. — Parabolas
1. O joio... ........................ . •• •••••• 13,24-3o.
2. O thesoiro escondido....................... 13, 44.
3. A perola preciosa ................. ••••••••. 13,45-46.
4. A rede varredoira..... ••••••••• •••••••••••• 13, 47-5o.
5. O mau servo ........ * - - - - - - - - - - - . . . . . . . . . . 18, 23-35.
6. Os obreiros chamados para a vinha.......... 2O, I - IO.
7. Os dois filhos........ ....... ............. 21, 28-32.
8. O banquete nupcial ..... .................. 22, I - I.4.
9. As dez virgens ........................ . . . . . 25, 1-13.
1o. Os talentos .......................... •••••• 25, 14-3o.
C. — Discursos
1. Grande parte do Sermão do monte ..... . . -... 5, 1-7, 29.
2. O convite aos opprimidos.................... 11, 28-3o.
3. As palavras ociosas......................... 12, 36-37.
4. A felicitação a Pedro...... **••••••••••••••• •• 16, 17-19.
5. A maior parte do cap. 18º sobre a humildade
e o perdão............................. •••
6. A reprovação dos Judeus......, ... ••••••º••• 21.43.
7. O discurso de condemnação contra os escribas
e phariseus ...... .............. ••••• ••• •• 23, 1-36.
8. A descripção do juizo final..... ............. 25, 31-46.
9. A promessa de assistencia ao collegio apostolico 28, 18-2o.
D. — Varias particularidades
. Todo o capitulo 2.º:
a) Os Magos.............................. 2, I-12.
b) A fugida para o Egypto................. 2, 13-15.
c) A morte dos Innocentes................. 2, 16-18.
d) O regresso do Egypto................... 2, 19-23.
. A vinda dos phariseus e sadduceus ao baptismo
de João............... •••••••• •• •• ••••••• 3, 7.
LXII INTRODUCÇÃo
3. O episodio de Pedro caminhando sobre as ondas 14, 28-31.
4. O pagamento do tributo sagrado............. I7, 24-27.
5. Relativamente á paixão:
a) O contracto de Judas................... 26, 14-16.
b) A morte do traidor...................... 27, 3-1o.
c) A intervenção da mulher de Pilatos...... 27, 19.
d) As apparições dos santos resuscitados.... 27, 52.
6. Relativamente á resurreição:
a) Os guardas postos ao sepulcro..... •••••• 27, 62-66.
b) O terramoto ...... ..... • •••••••••••••• 28, 2.
c) O suborno dos soldados................. 28, 11-15.
Todas as outras passagens do Evangelho de
s. Mattheus são-lhe communs ou com ambos ou
com algum dos outros dois Synopticos, havendo
entre elles, alem de frequentes coincidencias ver
baes, harmonia geral de fundo e de forma.
0 EVANGELHO SEGUNDO S. MATTHEUS
CAPÍTULO I
| Livro da geração de Jesus Christo, filho de Da
vid, filho de Abrahão.
* Abrahão gerou a Isaac; Isaac gerou a Jacob;
I, 1-17. — Genealogia de Jesus Christo. (Cf. Lc.
3, 23-38) Tem por fim mostrar como Jesus Christo pertencia
ao povo de Israel e á tribu de Judá, por ser descendente de
Abrahão e de David. Cumpriram-se pois nelle todas as pro.
phecias relativas á origem humana do Messias. S. Mattheus
traz a genealogia natural, e S. Lucas a genealogia legal de
Jesus Christo. Esta, por causa da le
i
d
o
levirato (cf. Deut.
25,5), era diferente da primeira. As duas genealogias differem
ainda na ordem, descendente em s. Mt., e ascendente em s. Lc.,
e no numero de gerações, 42 (= 14 ><3) em s. Mt., desde
Abrahão até Jesus, e 77 (= 1 i ><7) em s, Lc, desde Jesus
até Adam e Deus, o creador d
o genero humano.
1
. — E o titulo da genealogia, que serve como de introdu
cção a
o
livro do Evangelho. — Livro da geração (33%; Yevgostºs,
cf
.
Gen. 5
,
1
)
é o mesmo que genealogia o
u
relação dos pro
genitores de Jesus Christo. Os Hebreus dão o nome de livro
("=e) a qualquer documento escripto. (cf. Deut. 24, 1. Is
.
37, 14.)
Christo é propriamente um nome appellativo (cf. 1
,
16); aqui
porém, juntamente com Jesus (cf. 1
,
21) constitue o nome
proprio pelo qual o Redemptor era conhecido entre os judeo
christãos.
•
2-5. — Primeira serie de progenitores. Corresponde ao es-
2 S. MATTITEUs, 1, 3-1 I.
Jacob gerou a Judas e a seus irmãos; º Judas ge
rou a Phares e a Zarão de Thamar; Phares gerou
a Esron; Esron gerou a Arão; º Arão gerou a Ami
nadab; Aminadab gerou a Naasson; Naasson gerou
a Salmon; º Salmon gerou a Booz de Rahab; Booz
gerou a Obed de Ruth; Obed gerou a Jessé; Jessé
gerou a David, o rei.
º E David, o rei, gerou a Salomão da que foi mu
lher de Urias; º Salomão gerou a Roboão; Roboão
gerou a Abias; Abias gerou a Asa; º Asa gerou a
Josaphat; Josaphat gerou a Jorão; Jorão gerou a
Ozias; º Ozias gerou a Joatham; Joatham gerou a
Acaz; Acaz gerou a Ezechias; º Ezechias gerou a
Manassés; Manassés gerou a Amon; Amon gerou
a Josias; ** Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos,
no tempo da transmigração para Babylonia.
tado patriarchal do povo judaico.— Thamar, viuva de Her,
primogenito de Judas, era d'origem cananéa. — Rahab e Ruth
eram tambem extrangeiras, e ambas se assignalaram, uma
pela fé
,
outra pela sua piedade filial. Todos os nomes d’esta
serie vem em s. Lc.
6-11. — Segunda serie de progenitores. Corresponde ao es
tado real d
o povo. — Entre Jorão e 0zias omitte s. Mt. os
tres reis Ochosias, Joas e Amasias, attingidos pela maldição
divina contra a casa de Acab. Entre os Hebreus o verbo "i"
(ialád), gerar, pode designar uma geração immediata o
u me
diata. E por isso que estas lacunas não são raras nas genealo
gias biblicas. — Jeconias, filho de Joachim, era neto de
Josias. Como não consta que Joachim tivesse outros filhos,
por irmãos de Jaconias devem entender-se o
s
tres irmãos
- de Joachim (l Par. 3
,
15), tios portanto de Jeconias. Os
s. MAT THEUS, I, 12-16. 3
º E depois da transmigração para Babylonia, Je
conias gerou a Salathiel; Salathiel gerou a Zoroba
bel; º Zorobabel gerou a Abiud; Abiud gerou a
Eliacim; Eliacim gerou a Azor; "Azor gerou a Sa
doc; Sadoc gerou a Achim; Achim gerou a Eliud;
** Eliud gerou aº Eliazar; Eliazar gerou a Matham;
Matham gerou a Jacob; º Jacob gerou a José, o
marido de Maria, da qual nasceu Jesus, o que se
chama Christo.
Hebreus, como é sabido, chamam irmãos aos parentes. Todos
os nomes d’esta serie, desde Salomão até Jeconias, faltam em
s. Lc., que, a partir de David, segue a linha de Nathan, ascen
dente legal de s. José, por Heli, irmão de Jacob, seu pae.
12-16. — Terceira serie de progenitores. Corresponde ao
estado sacerdotal do povo, e representa a decadencia da casa
de David. Jeconias, como rei, termina a segunda serie, e
como simples particular, captivo em Babylonia, começa a
terceira. Os nomes d’esta serie, tirando Salathiel, Zorobabel,
José e Jesus, faltam em s. Lc. Zorobabel é o ultimo ascen
dente illustre do Messias. Os nomes que se lhe seguem até
José são de pessoas obscuras e inteiramente desconhecidas.
O tronco da arvore de David estava pois escondido na terra,
e fo
i
d'elle que brotou, qual tenro germen, o Messias. Assim
estava prophetizado. — Da qual, e não dos quaes, o que é
muito para notar, porque Jesus, emquanto homem, é filho
exclusivamente de Maria, que tambem era d'origem davidica.
Comtudo estava inscripto na genealogia de José, porque o
julgavam filho d'elle, e o Evangelista faz o mesmo, porque
entre José e Maria havia um verdadeiro matrimonio, e o
fructo com que Deus o abençoou pertencia a José. — Christo,
d
e Xptard; (de Zçíº, ungir) é a traducção grega d
o
nome
hebraico nºvº, ungido, d’onde vem a palavra Messias =
Paaíz; (da forma aramaica snºve). Designa propriamente a
4 s. MATTHEUS, 1, 17-19.
" São pois todas as gerações, desde Abrahão até
David, quatorze gerações; e desde David até á
transmigração para Babylonia, quatorze gerações; e
desde a transmigração para Babylonia até o Chris
to, quatorze gerações.
18 Ora o nascimento do Christo foi assim:
Estando desposada Maria sua mãe com José,
achou-se, sem terem ainda cohabitado, ter ella con
cebido do Espirito Santo, º José, o seu marido,
como era justo e não a queria infamar, resolveu
dignidade ou o oficio de Jesus, como rei, sacerdote e pro
pheta da nova alliança.
17. — Epilogo ou resumo da genealogia. Forma um quadro
symetrico e mnemonico de 3 series de 14 (= 7>< 2) gera
ções, tomando por base o numero 7, que, em razão da semana
religiosa, era sagradopara os Hebreus.
I, 18-25. — Nascimento virginal de Jesus. (Cf. Lc.
1, 26-38.) Explica o modo miraculoso como Jesus nasceu só
de Maria (1
,
16), cumprindo-se assim nelle a celebre prophe
cia de Isaias (7, 14) sobre a origem virginal d
o
Messias.
18. — Do Christo, ou do Messias (cf. 1
,
16), que é o Un
gido, por excelencia. A uncção, entre os Judeus, era uma
consagração religiosa. — Desposada, como tem o grego,
pywarzuºsíons, e não casada, como pretendem alguns. Convem
porém notar que entre o
s
Hebreus os esponsaes davam desde
logo direitos matrimoniaes aos noivos, embora a desposada
continuasse a viver em casa de sua familia. O casamento pu
blico, solemne, que consistia na conducção da esposa para casa
do esposo, costumava celebrar-se um anno depois dos espon
saes. Não é portanto de extranhar que, antes d’esta solemni
S. MATTHEUS, 1, 20-24. 5
deixá-la secretamente. " E pensando ele nisto, eis
que um anjo do Senhor lhe appareceu durante o
somno, dizendo: José, filho de David, não temas
receber a Maria, a tua mulher; porque o que nella
se gerou é obra do Espirito Santo. " E dará á luz
um filho, e lhe porás o nome de Jesus; porque elle
salvará o seu povo dos peccados.
* Ora tudo isto aconteceu, para se cumprir o
que o Senhor tinha annunciado pelo Propheta, qu
disse:
** Eis que a Virgem conceberá e dará á luz um filho,
E chamarão o seu nome Emmanuel —
que significa Deus comnosco. * E José levantan
do-se do somno, fez como lhe ordenou o anjo do
dade, s. Mt. chame a José marido de Maria (1, 19), e á Vir
gem, mulher de José (1, 2o).
2o. — Durante o somno, em sentido temporal, e não em
sonhos, como geralmente se traduz. A expressão grega xz:'292;
deveria traduzir-se inter (ou per) somnium, e não in somnis,
como tem a Vulgata. — Receber, rzºz)26siº, i. é, conduzir so
lemnemente para tua casa, como fica explicado no vers. 18.
21. — Jesus, do grego 'Iza05, é a transcripção do nome he
braico "v" ou e ºvº, significa Iáhve (Deus) é salvação.
Caracteriza a natureza divina do Menino, e o que elle será
para Israel, e para todo o genero humano.
23. —Emmanuel, ou Immanuel, i. é, comnosco El (Deus).
E' composto de "2ez, comnosco e de ºs, Deus. Emmanuel
é pois o proprio Deus que vem pessoalmente salvar-nos. Jesus
e Emmanuel são dois nomes identicos quanto á significação.
6 S. MATTHEUs, 1, 25.
Senhor, e recebeu a sua mulher. * E não a conhe
ceu até que deu á luz o seu filho primogenito; e lhe
poz o nome de Jesus.
25. — Até que, porque a intenção do Evangelista é real
çar o nascimento virginal de Jesus, e não a virgindade per
petua de Maria. Diz o que não succedeu até ao nascimento de
Jesus, sem nada insinuar sobre o que succedeu depois. Os
proprios protestantes e racionalistas reconhecem, hoje, que
d'aqui nada absolutamente se pode inferir contra a virgindade
perpetua de Maria. Essa, attestam na, além da tradicção ec
clesiatica antiquissima, a santidade de José, a dignidade da
Mãe, e a honra do Filho. — Primogenito (lição incerta) é
aquele antes do qual não nasceu outro, e não aquelle depois
do qual nasceu mais algum. O primogenito pode ser ao mesmo
tempo unigenito.
Adoração dos Magos
(Hofmann)
*
CAPITULO II
1. Tendo pois nascido Jesus em Belem de Judá,
nos dias do rei Herodes, eis que uns Magos vin
dos do Oriente chegaram a Jerusalem, º dizendo:
II
,
1-12. — Os Magos. — Nasce Jesus, pobre e obscuro, e
sendo desconhecido e desprezado pelos seus, é buscado de
longe, reconhecido e adorado pelos extranhos. Começa a en
trever se a universalidade o
u
catholicidade da salvação mes
sianica, e a repudiação d
o
Messias por parte de Israel.
1
. — Em Belem de Judá, i. é
,
situada no territorio da tribu
d
e Judá, e por isso distincta d'outra Belem na tribu de Zabu
lon. Era uma pequena aldeia, umas 2 leguas ao sul de Jerusa
iem. O seu nome em hebraico, quer dizer casa do pão. Era a
patria de David. — Herodes, cognominado o grande, idu
meu d'origem, reinou na Palestina, desde o anno 714 de
Roma até a
o
anno 75o, quatro annos antes da era christã,
que, por engano de Dionysio, o pequeno, começa n
o
anno
754 de Roma. Christo deve ter nascido no anno 748 ou 749
d
e Roma, sendo impossivel precisar o mez e o dia d
o
seu
nascimento. — Magos, personagens illustres, dados ao estu
do dos phenomenos celestes, tidos em grande consideração
em todo o Oriente. O nome, entre o
s Romanos, era mal
soante, por causa da magia, mas o
s Magos d
o Evangelho são
varões eminentemente religiosos e tementes a Deus. Vinham
provavelmente da Persia. Não eram reis, como o
s represeu.
tam o
s pintores, nem é possivel fixar com certeza o seu nu
IT]CTO.
•
2
. — O rei dos Judeus, i. é
,
o Messias, cuja realeza era
8 s. MATTHEUS, II
,
3-7.
Onde está o recem-nascido re
i
dos Judeus? por
que vimos a sua estrella n
o Oriente, e viémos ado
rá-lo.
* E ouvindo isto o rei Herodes, turbou-se, e toda
Jerusalem com elle. " E convocando todos os prin
cipes dos sacerdotes e escribas d
o povo, inquiria
d'elles onde havia de nascer o Christo. ° E elles
disseram-lhe: Em Belem de Judá; porque assim
está escripto pelo Propheta:
º E tu, Belem, terra de Judá,
De nenhuma sorte és a minima entre os principes
Porque de ti ha de sahir um chefe, [de Judá,
Que regerá o meu povo de Israel.
7
. Então Herodes, chamados secretamente os Ma
gos, soube d’elles com exactidão o tempo d
a estrel
até conhecida dos gentios, que tinham conhecimento das es
peranças de Israel. Só o
s gentios davam este nome a
o Mes.
sias,
4
. — Principes dos sacerdotes, i. é
,
o pontifice, e o
s que
já tinham gerido o summo pontificado, e
, provavelmente, o
s
chefes das familias pontificaes. — Os escribas, i. é
,
o
s dou
tores e interpretes da lei. Uns e outros, juntamente com o
s
anciãos o
u
chefes de familia, constituiam o sanedrin o
u
senado
judaico, corporação aristocratica, de 71 membros, com juris
dicção sobre todo o povo. Não se pode averiguar se Herodes
convocou uma reunião total ou parcial do sanedrin.
6
. — O texto de Micheas (5
,
1
),
onde se celebra o reino pa
cifico d
o
Messias-rei é allegado quanto ao sentido, e não ver
s. MATTHEUS, II
,
8-12. 9
la
,
que lhes appareceu; º e mandando-os para Be
lem, disse: Ide, e informae-vos bem do menino; e
quando o achardes, avisae-me, para que tambem eu
indo o adore.
º E tendo eles ouvido o rei, partiram; e ei
s
que
a estrella, que tinham visto n
o Oriente, ia deante
d'elles, até que chegando parou sobre onde estava
o menino. " E vendo elles a estrella alegraram-se
com muito grande alegria. " E entrando na casa,
acharam o menino com Maria, sua mãe, e pros
trando-se o adoraram; e abertos os seus thesoiros,
ofereceram-lhe dadivas, oiro, incenso e mirra. * E
balmente. O original hebraico realça a pequenez da cidade e
a grandeza d
o
seu destino. A expressão entre os chefes,
à
s
rok in mukay, é uma personificação da cidade.
Eis o texto hebraico em ver naculo:
E tu, Belem, Ephrata,
É
s pequena para contada entre as chiliades de Judá,
Contudo de ti me sahirá
O que ha de ser dominador em lsrael,
Cuja origem vem dos tempos antigos,
Desde os dias da eternidade.
Ephrata (a fertil) é o nome primitivo de Belem (cf. Gen.
35, 16; 48, 7). As chiliades, grupos de 1ooo familias, eram as# divisões das tribus, governadas por um aluph ou chiiarcha. •
11. — Na casa, e não na gruta o
u estabulo, onde nasceu o
Menino. (cf. Lc. 2
,
1-7). Vê-se pois que a este tempo já s. José
tinha achado casa em Belem, onde, provavelmente, se tinha
estabelecido. Conformemente ao uso oriental offerecem os
| O s. MATTHEUS, II
,
13-15.
tendo sido avisados durante o somno que não tor
nassem a Herodes, voltaram por outro caminho
para a sua terra.
1
3 E tendo eles partido, eis que um anjo do Se
nhor apparece durante o somno a José, dizendo:
Levanta-te, e toma o menino e sua mãe, e foge para
o Egypto, e fica lá até eu te dizer. Porque ha de
acontecer que Herodes busque o menino para o ma
tar. " E elle levantando-se, tomou o menino e sua
mãe, d
e noite, e retirou-se para o Egypto;º e ficou
lá até á morte d
e Herodes; para se cumprir o que
o Senhor tinha annunciado pelo Propheta, que dis
se: Do Egypto chamei a meu filho.
Magos a
o
Menino preciosidades da sua terra, e que sym
bolizam, o oiro a realeza, o incenso a divindade, a mirra a
morte e sepultura de Jesus Christo.
II
,
13-15. —Fugida para o Egypto. O Egypto era nesta
epoca uma provincia romana, onde Herodes não tinha juris
dicção alguma. Foi em todo o tempo o logar mais perto, mais
facil e mais seguro de refugio para os Israelitas, que em Ale
xandria e em outras cidades do Delta tinham colonias flores
centes e hospitaleiras.
14. — Ignora-se em que cidade do Egypto a Sagrada fami
lia se estabeleceu, e quanto tempo lá se demorou. Tudo leva
a crer que foi poucos mezes.
• • •
15.—0 meu filho, i. é, o povo de Israel, que, como na
ção, é chamado filho de Deus. O texto de Oséas (11, 1) allude
á sahida d
e
Israel d
o Egypto sob o commando de Moysés.
Como o Antigo Testamento era uma preparação e tambem
uma sombra e figura d
o Novo, vê-se que na ida de Israel para
o Egypto e na sua sahida quiz Deus representar a sorte futura
do Messias.
--
--
�
=
5
Fugida para o Egypto
)(Hofmann
→ ===—— ———— - —=-=-=--— ——
•••*\----
|
s. MATTHEUS, 1
1
,
16-17. I I
1
6 Então Herodes, vendo que tinha sido illudido
pelos Magos, irou-se muito, e mandou matar todos
o
s
meninos que havia em Belem, e em todos o
s
seus arredores, d
e
dois annos para baixo, segundo
o tempo que averiguara dos Magos. " Então se
cumpriu o que fo
i
annunciado pelo propheta Jere
mias, que disse:
I!
,
16-18. — Morticinio dos Innocentes. Recebe Is
rael o primeiro castigo da sua indiferença para com o Mes
sias. A perseguição do Messias será a causa da ruina do povo.
16. — Sendo Belem uma pequena aldeia, e os seus arredo
res mal povoados, o numero das victimas de Herodes não
podia ser muito grande. Umas 2o ou 3o creancinhas eram
nada para o monstro que mandava matar as suas proprias
mulheres e filhos.
1
7
.
—Cf. Jer 31
,
1
5
.
O texto hebraico, completo, d
iz
(15-17):
15. Assim fala Iáhve:
Ouviu-se uma voz em Ramá,
Lamentações e amargo pranto
Rachel chorando seus filhos;
E não quer ser consolada,
Porque seus filhos já não são.
16. Assim fala Iáhve:
Reprime os teus gemidos,
E enxuga os teus olhos,
Porque a tua obra será recompensada, diz Iáhve;
Elles tornarão do paiz do inimigo.
1
7
.
Ha esperança para o
s
teus ultimos dias, diz Iáhve,
Teus filhos voltarão para as suas fronteiras.
Na segunda parte h
a
uma promessa de consolação, que se
cumpriu n
o regresso d
o povo d
o
exilio. Tambem Israel, nos
ultimos tempos, h
a
d
e regressar á fé de seus paes e prestar
homenagem ao Messias.
| 2 s. MATrHEUs, II
,
18-2o.
º Ouviu-se uma voz em Ramá,
Choro e grande pranto;
Rachel pranteando os seus filhos,
E não quiz ser consolada, porque já não são!
1
9 Morto porém Herodes, eis que um anjo do
Senhor apparece durante o somno a José, no Egy
pto, º dizendo: Levanta-te, e toma o menino e sua
mãe, e vae para a terra de Israel; porque são mor
1
8
.
— Ramá, hoje er-Ram, duas leguas ao norte de Je
rusalem. Foi alli que Nebukadmezer reuniu os Judeus que le
vou captivos para Babylonia (terceira deportação, 4 Rg. 25,7),
depois de haver tomado Jerusalem, saqueado e abrasado o
templo. O pranto das mães dos Innocentes é para assim dizer
a continuação o
u reproducção d
o pranto de Rachel, a esposa
predilecta de Jacob, e mãe de José e de Benjamim, sepultada
á entrada de Belem. Todas ellas choram a ruina de seus filhos
— da nação judaica — em consequencia da infidelidade do
povo á aliança com Deus. — Já não são mais o povo de
Deus!
lI, 19-23. — Regresso do Egypto. Nazareth. De volta
a Israel, deixa Jesus a Judéa, sua patria, e retira-se para Na
zareth, na Galiléa. São altos designios de Deus para nelle se
cumprirem as prophecias messianicas.
19. — Herodes morreu em Jericó, na primavera do anno 75o
d
e Roma, pouco antes da Paschoa. Apodreceu em vida, emor
reu desesperado, tendo tentado varias vezes suicidar-se. O
proprio Josepho v
ê
n
a morte horrorosa d
o tyranno um cas
tigo de Deus.
* * *
2o. — São mortos é um plural de categoria, como em
Ex. 4
, 19; por isso não h
a aqui allusão nenhuma á morte
d'outros perseguidores de Jesus, embora Herodes tivesse
cumplices n
o
seu crime contra o Messias.
S. MATTHEUS, II
,
21-23. 13
tos os que buscavam a vida d
o
menino. " E ele
levantando-se, tomou o menino e sua mãe, e veio
para a terra d
e Israel. * Mas ouvindo que Arche
lau reinava n
a Judéa em vez de Herodes, seu pae,
temeu ir para ali, e avisado durante o somno, re
tirou-se para a
s partes d
e Galiléa.º? E fo
i
habitar
numa cidade, que se chama Nazareth, para se cum
prir o que fôra annunciado pelos Prophetas: Será
chamado Nazareno.
•
22. — Archelau, filho de Herodes e da samaritana Mal
tace, succedeu a seu pae, com o titulo de ethnarcha, no go
verno da Judéa, Samaria e Iduméa. Reinou no annos, sendo
deposto e desterrado para a Gallia, em castigo dos seus cri
mes. Seu irmão, Herodes Antipas, o matador do Baptista,
herdou a Galiléa e a Peréa com o titulo de tetrarcha. O resto
d
a Palestima transjordanica coube a Herodes Philippe (II),
filho de Cleopatra de Jerusalem. Herodes Philippe (I), filho
d
e Mariamne, filha d
o
summo sacerdote Simão, e casado com
a famosa Herodias (cf. Mt. 14, 3-11), foi desherdado por seu
pae, e vivia como simples particular em Roma. Desde a depo
sição de Archelau (6 depois de Christo), a Judéa começou a
ser governada por um procurator romano, subordinado ao
prefeito da Syria. Coponius foi o primeiro que desempenhou
este cargo.
22. — Nazareno foi de facto um dos nomes que os Judeus
deram a Jesus em signal de desprezo. Não significa nagireu,
mas natural de Nazareth, na Galiléa inferior. A região é ame
nissima, e a cidade, sobretudo na primavera, tem um aspecto
gracioso e encantador. O nome antigo da cidade era ºs:
(= Nétser ou Néçer, com ç emphatico) que significa germen,
renovo. E
'
uma denominação que o
s prophetas dão ao Mes
sias, o germen que brotou d
o
tronco de David. (cf. Is
.
53, 2
.
Jer, 23, 5, Zach. 3
,
8.)
CAPITULO III
| Naquelles dias apparece João o Baptista, pré
gando no deserto da Judéa, º e dizendo: Fazei pe
nitencia, porque está proximo o reino dos céos.
º Porque este é o que fo
i
annunciado pelo propheta
Isaias, que disse:
•
Voz do que brada no deserto:
Preparae o caminho do Senhor,
Endireitae as suas veredas.
III, 1-12. — Missão do Baptista. (Cf. Mc. 1, 2-8. Lc. 3
,
3-17.) Tende a mostrar como o ministerio de Jesus foi pre
cedido e annunciado por um propheta, segundo as prophecias
relativas á primeira vinda d
o
Messias. Trata da pessoa e mis -
são d
o Baptista (1-6), da sua prégação aos escribas e phariseus
(7-1o), e d
o
testemunho que elle deu de Christo (11-12).
1
. — Naquelles dias, i. é
, quando Jesus vivia ainda oc
culto e desconhecido em Nazareth. S
. Lc. (3
,
1-3) determina
o tempo com mais exactidão, i. é
,
n
o
anno 15º d
o imperio d
e
Tiberio Cesar, sendo governador da Judéa Poncio Pilatos
(anno 26-36). Tiberio foi associado ao governo do imperio por
Augusto n
o
anno 11 o
u
1
2
(764 o
u
765 d
e Roma), e reinou só
desde 19 de agosto d
o
anno 14 (767 de Roma). O 15.º anno
d
o
seu governo cai entre 26 e 27 o
u
entre 28 o
u
2
9
d
a era
vulgar.
2
. — O reino dos céos, (expressão caracteristica do pri
meiro Evangelho) o
u
reino de Deus é o reino messianico,
s. MATTHEUS, II
I,
4-6. 15
* Este João tinha um vestido de pêlos de camelo,
e um cinto d
e
coiro a
o redor dos rins; e o seu ali
mento eram gafanhotos e mel silvestre. º Então sa
hiam a ter com elle Jerusalem, e toda a Judéa, e
todo o paiz vizinho do Jordão; º e confessando os
reino espiritual de santidade, annunciado pelos prophetas (cf.
Dan. 2
, 44; 7
,
13-14), que o Messias veio instituir na terra,
onde teve principio, para depois se continuar e consummar
gloriosamente no céo. A penitencia é uma disposição necessa
ria para se entrar nelle.3
. — Em Isaias (4o, 3) o arauto manda preparar o caminho
a
o proprio Iáhve, e como este oraculo se cumpriu em Christo,
é evidente que Jesus Christo é Iáhve (Deus). Eis a traducção
do texto hebraico:
3
. Uma voz brada: abri no deserto
O caminho de Iáhve,
Aplanae n
a
solidão
Uma estrada ao nosso Deus!
4
.
Alteiem-se todos o
s valles,
E abatam-se todos os montes e oiteiros;
Que as alturas se tornem em pianicies,
E os rochedos escarpados em valles!
5
. Então apparecerá a gloria da Iáhve,
E toda a carne sem excepção a verá;
Porque a bocca d
e
Iáhve falou.
4
. — Mel silvestre, é um succo nutritivo e adocicado, dis
tillado de plantas agrestes, que servia de alimento aos po
bres. O mel de abelhas era considerado um regalo. O
s gafa
nhotos torrados ainda hoje servem de alimento aos pobres,
6
.— Confessando publicamente (igou%270ópºvo), pelo menos,
alguns dos seus peccados. — Baptizados, i. é
, immergidos no
ri
o
Jordão. Era um rito novo, introduzido pelo Baptista. Sym
16 s. MATTHEUS, III, 7-11.
seus peccados eram por elle baptizados no Jor
dão. •
-? E vendo a muitos dos phariseus e sadduceus,
que vinham ao seu baptismo, disse-lhes: Raça de
viboras, quem vos ensinou a fugir á ira por vir?
º Fazei pois fructo digno de penitencia. º E não di
gaes dentro de vós: Temos por pae a Abrahão !
Pois eu vos digo que poderoso é Deus para d’estas
pedras suscitar filhos de Abrahão. " Porque o ma
chado já está posto á raiz das arvores. Toda arvore
pois, que não dá bom fructo, é cortada e lançada
no fogo.
• {
" Eu por mim baptizo-vos em agua para o arre.
pendimento; mas aquelle que ha de vir depois de
mim, é mais forte do que eu, e eu nem sou digno
bolizava a purificação interna da alma, e movia os peccado
res á penitencia. •
7. — Raça de viboras, i. é, maus filhos de maus paes, nos
quaes a malicia e a perversidade são como hereditarias.
Peccavam a sangue frio, como se estivessem certos da impu
nidade |
9. — Filhos de Abrahão, no reino messianico, são os que
imitam a fé e a obediencia do grande patriarcha, e não os
seus descendentes segundo a carne.
1
o
.
— Denuncia-lhes a ruina total e irreparavel, que os es
pera n
o juizo de Deus, que começará a exercer-se com a vinda
d
o
Messias. O juizo final será apenas o ultimo acto, solemne
e universal, d'esse juizo. •
11. — Julga-se indigno de ser contado entre o
s
servos mais
infimos d
o Messias, cujo baptismo não será meramente sym
bolico, como o seu, mas terá o poder de conferir a santidade
interna. O fogo é a imagem da eficacia purificadora do Es
s. MATTHEUS, III, 12-15. 17
de lhe apresentar o calçado. Elle é o que vos
baptizará no Espirito Santo e em fogo. º Tra;
elle na mão a sua pá; e alimpará bem a sua eira;
e recolherá o seu trigo no celleiro, e queimará a
palha com fogo inextinguivel.
13 Então veio da Galiléa Jesus a ter com João no
Jordão, para ser baptizado por elle. " Mas João o
impedia dizendo: Eu sou o que devo ser baptizado
por ti
,
e tu vens a mim?! º Jesus porém respon
dendo, disse-lhe: Deixa por agora; porque assim
pirito Santo. Sendo o Espirito Santo uma pessoa divina, e
sendo proprio d
o
Messias communicá-la pelo seu baptismo,
é manifesto que o Messias é Deus, e não puro homem.
1
2
.
— Annuncia o Messias como juiz. Separará os bons dos
maus, dando a uns e outros o que lhes é devido, segundo as
suas obras. Note-se a intimação do supplicio eterno d
o fogo
inextinguivel... O proprio Christo, aliás tão benigno e mise
ricordioso, renová-la-ha muitas vezes.
III, 13-17. — Baptismo de Jesus Ohristo. (Cf. Mc.
1
,
9-11. Lc. 3
,
21-22.) A narração de s. Mc. é mais breve,
porém mais viva e individuada. Consta por s. Lc. que Jesus
tinha a este tempo cerca de 3o annos.
1
3
.
— Então, i. é
, depois de ter sido annunciado pelo
Baptista. E
'
uma particula de transição muito frequente em
S
. Mt.
14. — Devo, ou, tenho necessidade, Zºsízº yº! A humildade
d
o Baptista dá realce á dignidade de Christo, que, sendo a
propria innocencia e santidade, se dignou tomar a forma de
peccador!
15. — Por agora! fala como quem tem plena consciencia
d
a sua dignidade. — Justiça é tudo o que é recto e santo, o
2
18 s. MATTHEUS, III, 16-17.
nos convem a nós cumprir toda a justiça. Então o
deixou. " E tendo sido Jesus baptizado, subiu logo
da agua. E eis que se lhe abriram os céos, e viu o
Espirito de Deus descendo em figura de pomba, e
vindo sobre si. " E eis uma voz dos céos dizendo:
Este é o meu filho, o amado, em quem me agradei.
que é conforme com a vontade de Deus, que é a norma su
prema da rectidão moral. . •
16. — Falando do Messias e descrevendo o seu reino paci
fico escreve Isaias (11, 1-2):
1
. Um renovo sahirá do tronco de Jessé,
E das suas raizes brotará um germen.
2
. Sobre ele repousará o Espirito de Iáhve,
Espirito de sabedoria e de intelligencia,
Espirito de conselho e de força,
Espirito de sciencia e de temor de Iáhve.
E
'
assim realmente que Jesus se revela nesta theophania.
1
7
.
— O amado ? 2)araré, ou o unico, o unigenito. N
a lingua
gem dos Setenta a expressão 2 3727mró; corresponde á palavra
hebraica Tºrº, unico, unigenito. O Pae compraz-se n
o Filho,
que é o esplendor da sua gloria e a imagem perfeita da sua
substancia (Hebr. 1
,
3
), pelo modo como elle cumpre n
a
terra a sua vontade.
As tentações
(Hofmann)
CAPITULO IV
1 Então foi Jesus levado pelo Espirito ao deser
to
,
para ser tentado pelo demonio. " E tendo je
juado quarenta dias e quarenta noites, teve depois
fóme.
? E chegando-se o tentador, disse-lhe: Se és filho
IV, 1-11, — Tentações de Jesus Christo. (Cf. Mc.
1
,
12-13. Lc. 4
,
1-13). S
.
Mc. apenas menciona o facto, sem
especificar as tentações. S
. Lc. inverte a ordem das suas
ultimas tentações, não sendo facil determinar de que lado
está a ordem historica.
1
. — Foi levado, como por um principio interno, que o
dirigia e movia, e para ser tentado, iniciando assim o
grande combate que vinha travar com o adversario (o demo
nio) de Deus e dos homens. A victoria presente preludía a
victoria final. O deserto ou ermo de que fala s. Mt. deve ser o
d
a Judéa (cf. 3
,
1
). Formava a parte oriental da provincia até
a
o
mar Morto. Era uma região arida, inculta, e deshabitada,
onde apenas na primavera estacionavam alguns pastores
nomades com os seus rebanhos.
2
. — Moysés, o fundador da antiga alliança, e Elias, o seu
restaurador e grande zelador, tambem jejuaram 4o dias. O
Messias, fundador da nova alliança, segue o seu exemplo,
santificando o
s
exercicios de penitencia usados dos santos. O
jejum, entre o
s Hebreus, consistia numa abstinencia com
pleta de comida e de bebida. O numero 4o era sagrado para
o
s Judeus, que peregrinaram durante 4o annos n
o deserto,
antes de entrarem na terra da promissão.
3
. — Pretende o demonio explorar se Christo é realmente
2O s. MATTHEUS, IV, 4-6.
de Deus, diz que estas pedras se convertam em
pão. * Mas ele respondendo disse: Está escripto:
0 homem não vive só de pão, mas de toda palavra,
que procede da bocca de Deus.
º Então o leva o demonio á cidade santa, e o poz
sobre o pinnaculo do templo, º e diz-lhe: Se és fi
lho de Deus, deita-te abaixo; pois está escripto:
Aos seus anjos ordenou a teu respeito,
E elles te tomarão nas mãos, §
Para que não magoes o teu pé nalguma pedra.
o filho de Deus, e ao mesmo tempo subtrahi-lo á direcção do
Espirito Santo.
4. — Responde, com o Deut. 8, 3, que o pão não é o unico
meio de conservar a vida; quando Deus quer, bem pode com
servá-la mesmo sem alimento. Assim o tinha feito até alli;
sendo portanto desnecessario recorrer a tal expediente. A
palavra de Deus, é tambem um alimento superior e d'outra
especie, com poder creador e conservador. O texto.com
pleto do Deut. 8, 3, onde se fala de Israel no deserto, é a
melhor declaração das palavras de Christo: Iahve «humi
lhou-te, fez-te passar fome, e sustentou-te com o maná, que
tu não conhecias, nem o tinham conhecido teus paes, para te
mostrar que o homem não vive só de pão, mas de tudo o que
sai da boccade Deus».
5. — A cidade santa, i. é, a Jerusalem. Assim denomi
navam os Judeus a capital do reino theocratico, onde estava
o templo, que era a casa de Deus. — Sobre o pinnaculo, i. é,
sobre uma das beiras dos tectos dos porticos que rodeavam
os atrios do templo.
•
6. — Suggere o demonio a Christo um modo facil e mara
vilhoso de inaugurar a sua missão, cahindo de repente no
meio do povo, como homem descido do céo! O texto citado
s. MATTHEUS, Iv, 7-11. 2 I
7 Disse-lhe Jesus: Tambem está escripto: Não
tentarás o Senhor, o teu Deus.
º Outra vez o leva o demonio a um monte muito
alto, e mostra-lhe todos os reinos do mundo, e a
gloria d'elles. º E disse-lhe: Todas estas coisas te
darei, se prostrando-te me adorares. " Então diz
lhe Jesus: Vae-te, Satanás! pois está escripto: Ado
rarás ao Senhor, o teu Deus, e só a elle servirás.
" Então o demonio o deixou; e eis que chegaram
anjos, e o serviam.
vem no Ps. 9o, 11-12. Era porém pelo caminho da humildade
e da cruz que elle devia entrar na sua gloria (Lc. 24, 26).
7. —Cf. Deut. 6, 1o. As promessas de Deus são o motivo
e a norma da nossa confiança; os que as ultrapassam porte
Ameridade, ou não as attingem por pusillanimidade, tentam a
Deus e provocam a sua ira. Querem explorar se sim ou não
elle os pode e quer ajudar em condições indevidas, e em certo
modo obrigá-lo a isso !
8. — Mostra-lhe em um panorama aereo e ficticio; não na
realidade.
•
9. — Propõi a Christo um meio facil e immediato para
conseguir aquella dominação universal que estava promettida
ao Messias. (cf. Ps, 2, 8; 71, 8 11.). As riquezas e as honras
apparecem aqui como o premio que o demonio dá aos que o
SCTVCIm.
1o. —Cf. Deut. 6, 13
.
— Servirás, i. é
, prestarás culto.
1
1
.
—0 deixou, não definitivamente, mas até certo tempo
(Lc. 4
,
13), pois tornou a dar-lhe o ultimo assalto na paixão,
levando Judas a entregá-lo aos Judeus. (cf. Jo. 13, 2 e 27.)
IV, 12-17. — Volta para a Galiléa. Os successos que se
passaram depois d
o baptismo de Christo até este seu regresso
para a Galiléa (que é o segundo depois d
o baptismo) vem em
s. Jo. 1
,
19-4, 54. Foi na Galiléa que Jesus passou a maior
22 s. MATTHEUS, IV, 12-15.
12E tendo Jesus ouvido que João tinha sido en
carcerado, retirou-se para a Galiléa; º e deixada a
cidade de Nazareth, passou a habitar em Caphar
naúm, cidade maritima, nos confins de Zábulon
e de Nephthalim, º para se cumprir o que fo
i
an.
nunciado pelo propheta Isaias:
º Terra de Zabulon, e terra de Nephthalim,
Região para a banda do mar,
Terra d'alem do Jordão, Galiléa dos gentios,
parte da sua vida publica. A partir d'este ponto 4, 12, até
13, 58, s. Mt. aparta-se da ordem chronologica.
12. — Retirou-se, 3vs/6ças», como para um logar mais se
guro e tranquillo. A opposição anti-messianica já tinha come
çado a manifestar-se na Judéa. D'esta retirada de Christo fa
lam s. Mc. 1
,
1
4
e s. Lc. 4
,
14. S
. Jo. 4
,
1-3 attribue o facto á
inveja dos phariseus. A causa da prisão de João, mencio
nada aqui incidentemente, será explicada mais tarde, em
14, 1-12.
13. — Veja-se em s. Lc. 4
,
16-3o o attentado dos Naza
rethanos contra a vida de Christo. — Capharnaum, impor
tante povoação da costa occidental d
o lago de Tiberias para
o lado do norte, onde hoje ficam as ruinas d
e Tell-Hum ou
d
e Chan Minye. Era muito frequentada de gentios, de varias
nacionalidades, e portanto um bello centro de irradiação
para o apostolado.
• •
1
4
.
—Cf. Is
.
9
, 1-2; n
o
texto hebraico: 8
,
23-9, 1
.
15. — Descripção geographica d
o paiz evangelizado pelo
Messias. Comprehende: a parte maritima d
o territorio das
antigas tribus de Zábulon e de Nephthalim, a Peréa, além
d
o Jordão, e a Galiléa superior, confinante com a Syria e a
Phenicia.
s. MATTHEUS, IV, 10-18. 23
º 0 povo sentado nas trevas
Viu uma grande claridade;
E aos sentados na região das sombras da morte,
Raiou-lhes a luz.
" Desde então começou Jesus a prégar, e dizer:
Fazei penitencia, porque está proximo o reino dos
céos.
18 E caminhando Jesus ao longo do mar de Gali.
léa, viu a dois irmãos, Simão, o que se chama Pe
dro, e André, seu irmão, deitando a rede ao mar
16. — Descreve o lamentavel estado moral e religioso dos
habitantes da região, onde os Judeus habitavam de mistura
com arabes, gregos, syros e phenicios.
•
1
7
.
— Argumento geral da prégação de Christo. S. Mt. re
presenta-a como um pregão (…ruz) solemne e auctorita
tivo. • •
IV, 18-22. — Os primeiros discípulos. (cf. Mc. 1, 16-2o.
Lc. 5
,
1-1 1
) A primeira vocação d'estes discipulos vem em
s. Jo. 1
,
35-52. S
.
Mc. concorda inteiramente com s. Mt.; s.
Lc. porém narra o milagre que precedeu o chamamento d'estes
discipulos e os preparou para obedecer á voz de Christo.
1
8
.
O mar de Galiléa (ou de Tiberias), chamado tambem
simplesmente mar e lago de Gennesareth, era uma oval
irregular de uns 21 kilometros de comprimento por 12 d
e
largura. Fica uns 2o3 metros abaixo d
o
nivel d
o Mediterra
neo, e attinge uns 48 metros de profundidade. O Jordão
atravessa-o de norte a sul. — Pedro ou melhor ,Pedra, (tra
ducção da palavra aramaica s==, estado emphatico de ==,
pedra, rochedo) nome mysterioso, que Jesus prometteu (Jo.
1,42) e impo; (Mc 3
,
16) a Simão. Tanto ele como André,
24 s. MATTHEUS, IV, 19-24.
(porque eram pescadores)." E diz-lhes: Vinde apôs
mim, e vos farei ser pescadores d'homens. " E el
les, deixadas logo as redes, o seguiram.
* E proseguindo d’alli viu a outros dois irmãos,
Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, na
barca com Zebedeu, seu pae, concertando as suas
redes; e chamou-os. * E elles, deixadas logo as
redes e o pae, seguiram-no.
23 E percorria Jesus toda a Galiléa, ensinando
nas synagogas d’elles, e prégando o evangelho do
reino; sarando toda doença e toda enfermidade no
povo. " E correu a sua fama por toda a Syria, e
discipulo do Baptista (Jo. 1, 35°), eram naturaes de Bethsaida
(Jo. 1, 45), na costa occidental do Lago, perto de Caphar
naúm.
19 — João era discipulo do Baptista (cf. Jo. 1, 35), e jun
tamente com Tiago, socio de Simão na pesca.
IV, 23-25, — Percorre a Galiléa. Serve de introducção
historica ao Sermão do monte, e dá ao mesmo tempo uma
idéa geral do apostolado de Jesus, em que ele se manifestou
como mestre e legislador do povo, como thaumaturgo, e
como fundador d'um novo reino. •
23. — D’elles, i é, dos Judeus. S. Mt. considera-os já como
extranhos e separados da communidade religiosa formada
pelos discipulos de Christo. A separação entre o judaismo e
o christianismo era a este tempo um facto consummado. —
O evangelho do reino, i. é, a boa nova, cujo objecto é a fun
dação do reino messianico, tão annunciado pelos prophetas.
24. — Lunaticos, i. é, epilepticos ou atacados d'outras doen
ças nervosas, mais ou menos influenciadas pelas variações da
lua. (cf. 17, 14-21.)
s. MATTHEUS, Iv, 25. 25
apresentaram-lhe todos os doentes, e atormentados
de varias enfermidades e padecimentos, e posses
sos, e lunaticos, e paralyticos; e elle os curou. * E
seguiram-no muitas turbas da Galiléa, e da Decá
pole, e de Jerusalem, e da Judéa, e d'alem do
Jordão.
25. — Decápole, confederação de 1o cidades, ao norte da
Palestina, quasi todas além do Jordão. Predominava em todas
ellas a influencia grega.
CAPITULO V
! E vendo Jesus as turbas, subiu ao monte, e
tendo-se assentado chegaram-se a elle os seus dis
cipulos, º e abrindo a sua bocca, ensinava-os, di
zendo:
•
• • • |
* Bemaventurados os pobres pelo espirito, porque
d'elles é o reino dos céos.
V, 1-1o. — As bemaventuranças. (Cf. Lc. 6, 2o -21.
24-25.) Indica as disposições d'alma, as condições necessa
rias para se pertencer ao reino messianico, pondo em evi
dencia a sua espiritualidade e santidade. Os versos 1 e 2
pertencem propriamente ao final do capitulo precedente.
1.— Ao monte, i. é, ao highland do noroeste do Lago,
assim chamado em opposição á região baixa do litoral, onde
Jesus já tinha estado evangelizando as turbas (cf. Mc 3, 7*.)
Chamam-lhe, e com razão, o Sinai da nova lei, porque nelle
Jesus se reveloucomo mestre e legislador do povo, como
estava annunciado nos vaticinios messianicos. (cf. Deut.
18, 15".) -
2. —Abrindo a sua bocca, expressão oriental e solemne.
(cf. Job, 3, 1. Ez. 29, 21.) Até então Deus tinha falado pela
bocca dos prophetas; agora vai ensinar-nos pela bocca do seu
proprio Filho. (Hebr. 1, 1-2) Jesus fala ás turbas (Mt. 7, 28),
mas tem principalmente em vista os seus discipulos. (cf. Lc.
6, 2o.) Na manhã d’este mesmo dia tinha elle eleito os doge,
e fundado o collegio apostolico. (cf. Lc. 6, 12-19.)
3. — Bemaventurados, uaxácio, ditosos! felizes! Correspon
de ao hebraico "vs (= aschré), por onde começa o Ps.
Sermão do Monte
(Hofmann)
s. MATTHEUS, V, 4-5.
* Bemaventurados os mansos, porque elles pos
suirão a terra. •
* Bemaventurados os que choram, porque elles
serão consolados.
1. — Nem toda a pobreza é beatitude, mas tão somente aquella
que é efeito da acção do Espirito Santo na alma. Espirito,
Tvsjuz, aqui, não é o Espirito Santo, nem a alma humana com
siderada em opposição ao corpo, mas a alma emquanto eleva
da e confortada pela graça, que é um dom do Espirito Santo.
O complemento pelo espirito ou quanto ao espirito, tã
º
ry=$uzz.
(falta em s. Lc., que traz só º Troyº em opposição aos r%20aízt;,
ricos) indica a que especie de pobreza se refere, e qual é a sua
origem. E
'
um desapego de bens temporaes que reside n
o cora
ção corroborado pela graça d
o Espirito Santo, e é tanto maior
quanto maior é o desejo dos bens messianicos. Este desapego,
que é voluntario, pode ser afectivo ou efectivo. A recompensa
destes pobres é o reino dos céos, i. é
,
todos o
s
thesoiros
d
e graça e de beatitude contidos n
o
reino messianico. Como
este desapego sobrenatural e voluntario suppõi a humildade,
e é tambem obra d
o Espirito, não é de extranhar que alguns
por pauperes spiritu entendam os humildes, e outros o
s pobres
por inspiração do Espirito Santo. - -
4
. —Mansos, rºzais, os aflictos, os miseros e opprimidos,
mas humildes, pacientes e resignados, e portanto mansos e
piedosos no meio das suas tribulações. Correspondem aos
="27 d
o Antigo Testamento. A mansidão, nos vaticinios
messianicos, é uma caracteristica d
o
Messias (cf. Zach. 9
,
9
)
e d
o
seu povo (cf. Soph. 3
,
12). A recompensa dos mansos é
a posse, por titulo de herança, xxxcoyovíscuay, da terra de pro
missão (cf. Ps. 36, 11), i. é
,
d
o
reino messianico, por elia re
presentado. • •
5
. — O
s que choram, aí revºoyri, o
s que andam de lucto;
o que suppõi um estado de consternação intensa e perma
mente, mas religiosa, i. é
,
causada pelo temor o
u
amor de Deus.
28 s. MATTHEUS, V, 6-8.
º Bemaventurados os que teem fome e sêde de
justiça, porque elles serão fartos.
" Bemaventurados os misericordiosos, porque el
les alcançarão misericordia.
º Bemaventurados os limpos de coração, porque
elles verão a Deus.
Estes receberão a consolação messianica. Os Judeus davam
ao Messias o nome de consolador, en:…, e viam na salvação
messianica a consolação de Israel (Lc. 2, 25). Isaias (51, 1-3)
tambem o annuncia como consolador. (cf. Lc. 5, 16-21.) —
Muitos codices invertem a ordem destas duas ultimas beatitu
des, e o mesmo fazem algumas edições modernas do Novo
Testamento.
6. — Ter fome e sêde designa, em sentido metaphorico,
um desejo ardente, intenso e permanente da alma. A satisfa
ção da fome e da séde antepõi-se á de quaesquer outros de
sejos naturaes de riquezas, honras e gloria. — Justiça, i. é, a
rectidão moral proveniente da conformidade da nossa vonta
de livre com a vontade de Deus. E', nos prophetas, uma das
caracteristicas do reino messianico. (cf. Is
.
4
,
2-4)
7
. — Misericordiosos 2: #sópºvic, os que se compadecem
(= que padecem com) dos males alheios e procuram remediá
los pelos meios a
o
seu alcance. A misericordia é o attributo
divino mais celebrado na Biblia, e é tambem, uma nota carac
teristica d
o
Messias. (cf. Ps, 71, 12-14. Is
.
11, 4.) A recompen
sa é a salvação messianica, que é um dom gratuito das mise
ricordiosas entranhas de Deus. (Lc. 1
,
78.)
8
. — Limpos de coração, o xx3ago: rã xx#3íz, aquelles cujo
coração (considerado como séde da vida moral) está isento
d
e culpas, sobretudo graves. A santidade messianica é interna,
e não externa e apparatosa como a dos phariseus. (cf. Mt.
23, 25.26.)A pureza d
o coração, considerada como um dos mais
bellos ornamentos d
o
verdadeiro israelita (cf. Ps. 24, 4
;
5o,
12; 72, 1), é tambem uma das bençãos proprias da epoca
s. MATTHEUS, V, 9-11. 29
º Bemaventurados os pacificos, porque elles se
rão chamados filhos de Deus.
º Bemaventurados os que padecem perseguição
por amor da justiça, porque d’elles é o reino dos
CCOS,
11 Bemaventuaados sois quando, por meu respeito,
vos injuriarem, e vos perseguirem, e disserem falsa
messianica. (cf. Ez. 11, 19
.
Jer, 24, 7.
)
A recompensa é um
conhecimento mais intimo, sentido e penetrante de Deus e
das coisas divinas.
9
. — Pacificos, não em sentido passivo — mansos e paca
tos —, mas em sentido activo — os pacificadores (º signyoro…)
dos homens entre si e com Deus. O Messias é chamado pa;
(Mich, 5, 5)
,
e principe da paí (Is. 9
, 6), e como ta
l
o canta
ram o
s anjos (Lc. 2
,
14). — Serão chamados, i. é
,
serão de
facto e como taes denominados e reconhecidos. — Filhos
d
e Deus, como se a divina caridade o
s
tivesse gerado á
sua imagem e semelhança, de tal modo imitam as obras e
reproduzem em si a indole de Deus!
1
o
.
— Por amor da justiça (como no vers. 6), que é o
summo bem do reino messianico. Como Jesus é o auctor
d’esta justiça, ser perseguido por causa d’ella é sofrer por
elle e pelo evangelho. A recompensa é, como na primeira
beatitude, o reino dos céos, mas a titulo de conquista.
V
,
11-16. — Os discipulos de Christo e o mundo.
Insiste sobre a ultima bemaventurança, a mais difficil d
e
todas, preparando o
s
seus discipulos para as perseguições
que o
s esperam por parte do mundo, de que elles são o sal
e a luz.
1
1
.
— Sois, desde já
,
e não só na vida futura! Enumera o
s
males: injurias por palavras e por obras, e calumnias. — Pal:
samente, porque o
s
seus inimigos hão de attribuir-lhes toda
a sorte de crimes e infamias !
3o s. MATTHEUS, v, 12-15.
mente contra vós todo o genero de mal. º Alegrae
vos e exultae, porque a vossa recompensa nos céos
é grande. Pois assim perseguiram elles os prophetas
que foram antes de vós.
" Vós sois o sal da terra. Ora se o sal se des
virtuar, com que outro sal será salgado? Para
nada mais serve, senão para ser lançado fóra, e pi
sado pelos homens. ** Vós sois a luz do mundo.
Uma cidade situada sobre um monte não pode es
conder-se. º Nem se accende uma luz para se pôr
debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, para
12. — Alegrae-vos! Assim o fizeram e recommendaram
os apostolos. (cf. Act. 5, 41. 2 Cor. 7, 4. Jac. 1, 2. I Petr.
4, 15.) — Recompensa, merces (4 via$3;) a remuneração do
trabalho, e portanto devida a titulo de justiça. — Grande :
é um peso eterno de gloria ! (Rom. 8, 11. 2 Cor. 4, 17.) —
Anima-os com o exemplo dos prophetas, de que serão assim
dignos imitadores.
1
3
.
— O sal preserva da corrupção, e dá sabor aos alimen
tos. Se perde a sua energia, não ha outro sal com que a possa
recuperar. Assim o
s que rejeitam a doutrina de Christo pri
vam-se d
o
unico meio d
e
salvação. Não ha para elles outro
meio de recuperar a justiça perdida. São pois excluidos d
o
reino messianico e tornam-se o objecto d
o desprezo º dos
homens.
1
4 — A luz, que dissipa as trevas e dá côr, formosura e
esplendor aos corpos. O Messias foi annunciado como luz
(Is. 42, 6
;
49, 6.), e como ta
l
se manifestou. (cf. Is
.
1
, 9
;
8
,
12; 9
,
5
). O mesmo devem ser os seus discipulos (Phil.
2
,
1
5
.
Eph 5, 8.
)
— A imagem da cidade realça a visibili
dade d
o
reino messianico. E
'
uma verdade annunciada pelos
prophetas (Is. 2
,
2
. Mich, 4
,
1
),
mas negada pelos protestam
tes ! " …
s. MATTHEUS, V, 16-19. 3 I
illuminar a todos os que estão em casa. 1º Assim
brilhea vossa luz deante dos homens; para que
vejam as vossas boas obras, e glorifiquem o vosso
Pae, que está nos céos.
•
17 Não julgueis que vim abolir a le
i
o
u
o
s pro
phetas; não vim abolir, senão cumprir. º Pois em
verdade vos digo, até que passem o
s
céos e a terra,
um só iota o
u
um só ápice não passará d
a lei, até
que tudo se cumpra. º Portanto quem abolir um
só d’estes mandamentos minimos, e assim ensinar
16. — Não basta o brilho da doutrina; é ainda mais neces
sario o das boas obras, a que o texto grego chama obras
bellas (r
º
xxxx #72). São ellas realmente que nos tornam bel
los aos olhos de Deus.
V
,
17-2o. — Jesus Christo e a lei antiga. Defende-se
contra as calumnias dos phariseus, que o accusavam de violar
a lei de Moysés. Parte apologetica do Sermão.
17. — Vim, expressão que indica uma missão especial. —
A lei, ó vºuo;, a lei moysaica contida no Pentateucho. — O
s
prophetas, i. é
,
o
s
outros livros d
o Antigo Testamento.
Jesus Christo vem precisamente dar pleno cumprimento ao
A
. T., que todo elle era uma preparação, figura e prophecia
do Messias. •
18. — Até que passem... i. é
,
até que sejam transforma
dos (cf. 2 Petr. 3
,
13), até á consummação dos seculos. O
iota era a letra mais pequena d
o alphabeto hebraico qua
dratico, já em uso n
o tempo de Christo. O apice é propria.
mente um pequenissimo signal orthographico, que servia d
e
distinguir umas das outras as letras semelhantes.
19. — Será minimo, i. é
, occupará o infimo logar, (cf.
1
. Cor. 3
,
12). — Será grande, pois terá a gloria e o premio
de doutor.
•
32 S. MATTHEUS, V, 20-22.
aos homens, será minimo nos reino dos céos. 2º Por
que eu vos digo que se a vossa justiça não exceder
a dos escribas e phariseus, não entrareis no reino
dos céos.
21 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás;
e quem matar, será réo no tribunal. * Eu porém
vos digo: todo aquelle que se irar contra o seu ir
mão, será réo no tribunal. E quem chamar ao seu
2o. — Toma a offensiva contra os seus adversarios, cuja
justiça era apenas hypocrisia, baseada em meras exteriorida
des e convenções humanas. E comtudo esses homens eram
considerados pelo povo como ideaes de perfeição!
V, 21-26. — Sobre o quinto mandamento. Começa a
mostrar, em exemplos concretos, a perfeição da nova le
i
so
bre a le
i
antiga, e quanto ella excede a justiça dos escribas e
phariseus.
21. — Ouvistes (Ex. 2o, 13
.
Deut. 5
,
17), mas synanogas,
onde aos sabbados se fazia a leitura e explicação da le
i
a
o
povo. — Aos antigos, aos Israelitas que assistiram á pro
mulgação da lei. — Fala do tribunal local, a cuja alçada per
tenciam os crimes ordinarios e menores.
22. — Eu porém! fala com plena auctoridade, oppondo a
sua propria le
i
á le
i
antiga, que aliás era divina. S
e
não fosse
Deus, seria um demente ou blasphemo. A lei, emquanto civil,
prohibia apenas o facto externo — o homicidio —; Christo
vai mais além; ataca o mal na sua propria fonte, condemnando
a causa d
o homicidio, — a ira cujo peccado é tão grave como
o proprio homicidio e digno de egual pena. Mais ainda, ha
injurias de palavras, que são ainda mais graves d
o que o pro
prio peccado de homicidio!—Raca (palavra aramaica s=… que
significa vagio, occo) é uma afronta á dignidade intellectual do
homem que é taxado de estupidez com irrisão e desprezo. E
'
s. MATTHEUS, V, 23-25. 33
irmão «raca», será réo perante o sanedrin. E quem
o chamar louco, será réo da «gehenna» do fogo.
** Portanto se estás offerecendo a tua oferenda ao
pé do altar, e ahi te recordares que o teu irmão
tem qualquer coisa contra t
i;
** deixa ahi a tua of
ferenda deante d
o altar, e vae primeiro recon
ciliar-te com teu irmão; e depois vem oferecer a
tua offerenda. ** Compõi-te depressa com o teu
adversario, emquanto vais com elle d
e caminho;
para que o teu adversario não te entregue a
o juiz,
e o juiz te entregue ao oficial, e sejas mettido no
crime tão grave que deve ser levado a
o supremo tribunal ju
daico, o sanedrin! — Louco, utºpé, em sentido moral, i. é
,
scelerado, impio, atheu, o que involve uma injuria contra o
bem moral d
o proximo. Equivale a
o
hebr. 523, de que é a
traducção. Como neste mundo já não ha tribunal nem pena
para tal crime, condemna-o ao supplicio eterno do fogo in
fernal. Gehenna, em aramaico ==na, n
o Antigo Testamento
E2m "
2
,
«valle de Hinnomº ou «valle do filho (E) ou dos
filhos (22) de Himnom era um valle ao sul d
e
Jerusalem
infamado pelas abominações d
o
culto de Moloch, em cuja
honra o
s
Judeus apostatas immolavam o
s
seus proprios filhos
e filhas, queimando-os vivos! (cf. 4 Reg. 23, 1o
.
Jer, 7
,
32.)
Passou depois a designar o inferno, como logar de summo
horror e abominação.
23. — Vai insistir sobre a necessidade da reconciliação e da
reparação dos aggravos, condemnado até o proprio resenti
InentO.
25. — O adversario, 6 àsríSixos, é o offendido ou o cre
dor, que leva o ofensor ou devedor ao tribunal, onde se julga
segundo o rigor da justiça,
3
34 s. MATTHEUS, v, 26-29.
carcere. * Em verdade te digo, não sahirás de lá
emquanto não pagares o ultimo ºquadrante».
27 Ouvistes que foi dito aos antigos: Não commet
terás adulterio. * Eu porém vos digo: Todo aquelle
que olhar para uma mulher, para a desejar, já adul
terou no seu coração. ºº Se o teu olho direito te es
candaliza, arranca-o, e lança-o para longe de t
i; por
que melhor te é que pereça um só dos teus mem
bros do que ser todo o teu corpo lançado na «ge
26. — O credor tinha o direito de fazer encarcerar o de
vedor insoluvel. O quadrante, quarta passe d
o
«asse» ro
mano, era uma moeda insignificante. O «denario», que vale
ria hoje uns 2oo reis, equivalia a 16 «asses». A parabola con
tida nos versos 25 e 26 mostra a necessidade de ajustarmos
a
s nossas contas com Deus, nosso credor, emquanto vamos
d
e caminho para a eternidade, e é tempo de misericordia.
V
,
27-3o. — Sobre o sexto mandamento. — Não é só
por obras, é tambem por pensamentos e por desejos que se
pode peccar contra o sexto mandamento. Insiste sobre a
necessidade de evitar as occasiões perigosas o
u proximas de
peccado.
27. —Cf. Ex. 2o, 14
.
28. — Para uma mulher qualquer, solteira, casada ou viu
va. O que olha porém maliciosamente é considerado como
casado. S
e
este é adultero, neste caso, o celibatario, que
fizesse o mesmo, commetteria um peccado grave contra a
castidade.
29. —Te escandaliza, te faz tropeçar e cahir, i. é
,
é para
ti occasião proxima de ruina espiritual. Trata-se de pessoas
cuja convivencia é perigosa, embora nos sejam tão caras
como os nossos proprios membros direitos, olhos o
u mãos,
s. MATTHEUS, v, 3o-32. 35
henna». 30 E se a tua mão direita te escandaliza,
corta-a, e lança-a para longe de t
i; porque melhor
te é que pereça um só dos teus membros d
o que
ir todo o teu corpo para a «gehenna».
3
1 Tambem se disse: Todo aquelle que despedir a
sua mulher, dê lhe libello de repudio, º Eu porém
digo-vos: Todo o que despedir a sua mulher, exce
Custe o que custe é mister tornar essas relações innofensi
vas ou cortar por ellas, como se corta um membro gangre
nado para salvar a vida de todo o corpo. — Sobre a gehenna
veja-se a nota a 5
,
22.
V
,
31-32. — Sobre o divorcio. — O mesmo argumento
vem mais largamente tratado em 19, 1-9.
31. —Cf. Deut. 24, 1. A le
i
tolerava o divorcio para evitar
o uxoricidio, mas procurava difficultá-lo restringindo-o a
certos casos, e prescrevendo certas formalidades, que davam
logar á reflexão. Uma d’ellas era o attestado o
u libello de
repudio No tempo de Christo, a escola de Hillel auctorizava
o divorcio por qualquer motivo de desagrado ! A escola de
Schammai era mais rigorosa.
32. — A le
i
condemnava a mulher infiel a
o supplicio da
lapidação. Christo não fala na pena de morte, mas auctoriza
o marido a divorciar-se d’ella para sempre, mas sem quebra
d
o vinculo conjugal. — Faz que ella adultere; i. é
,
o adul
terio, que a mulher assim despedida venha porventura a
commetter, ser-lhe-ha imputado, por ser causad'elle. S
e
o
peccado da mulher despedida é adulterio, é evidente que o vin
culo conjugal subsiste. — E quem se casar com uma despedida
(d'um modo generico e sem restricção alguma de causas) é
adultero; o que suppõi que o vinculo conjugal subsiste, ainda
quando o divorcio é motivado por adulterio, aliás seria
necessaria a clausula restrictiva: excepto em caso de adulterio.
36 s. MATTHEUs, v, 33-37.
pto em caso de adulterio, faz que ella adultere; e
quem se casar com uma mulher despedida, é adul
tCTO. •
33 Ouvistes mais que fo
i
dito aos antigos: Não ju
rarás falso; e pagarás ao Senhor as tuas promessas
juradas. * Eu porém digo vos: não-jurar de modo
nenhum; nem pelo céo, porque é o throno de Deus;
º nem pela terra, porque é o estrado dos seus pés;
nem por Jerusalem, porque é a cidade do grande
rei. º Nem jurarás pela tua cabeça, porque não po
des tornar um só cabello branco o
u preto. " Seja
pois o vosso falar, sim, sim; não, não; e tudo o que
passa disto, procede do mal.
V
,
33-37.—Sobre o segundo mandamento. Condem
n
a
o juramento sem verdade, justiça e necessidade, e reco
nhece como legitimas certas formulas de juramento, de que
os Judeus abusavam. •
33. —Não jurar... Este preceito (Ex. 2o, 7. Lev. 19, 12.
Deut. 5
, 11; 23, 21) é tão absoluto como o de não matar. As
sim como pois em certos casos é licito matar, do mesmo modo
h
a
casos em que é licito jurar, quando o juramento, justo e
verdadeiro, é moralmente necessario. O habito de jurar, e por
coisas de nenhuma importancia, era frequente entre o
s
Judeus.
— Mostra depois como os juramentos pelo céo... eram ju
ramentos por Deus, e portanto legitimos. Como a lei só manda
pagar o
s juramentos feitos a Deus, o
s
Judeus não se julgavam
obrigados a cumprir taes juramentos, e d’este modo engana
vam os incautos e simples, que o
s
acreditavam.
37. — Procede do mal, e não: é mau; porque se não fosse
a maldade humana, nem o
s
homens desconfiavam uns dos
outros, nem faltariam á verdade e á palavra dada.
s. MATTHEUS, v, 38-42. 37
38 Ouvistes que se disse: 0lho por olho, e dente
por dente. º Eu porém digo vos: não resistir ao
mau; mas se alguem te ferir na tua face direita,
oferece-lhe tambem a outra. " E se alguem quer
demandar-te em juizo, e tirar-te a tua tunica, lar
ga-lhe tambem a capa. " E todo aquelle que te
constranger a andar mil passos, vae com elle dois
mil. " A quem te pede, dá-lhe; e a quem te quer
pedir emprestado, não voltes a cara.
V, 38-42. — Sobre a lei de talião. Condemna o espirito
da vingança, e ensina-nos a desarmar pela bondade os nossos
inimigos.
38. — Cita a lei de talião (Ex. 21, 24. Lev. 24, 2o. Deut. 19,
21), que inspirava o codigo penal judaico. Era uma norma
judicial para os tribunaes, não para as relações particulares
dos Israelitas entre si
.
E
'
só d’estas que fala Christo, dando
normas de perfeição heroica, e não das relações sociaes, con
dicionadas pelo bem commum e pela manutenção da ordem.
39. — Ao mau, rā
,
nowrºń, a quem nos causa prejuizo ou
aggravo. Ha casos porém em que a resistencia é não só licita,
mas até obrigatoria. Veja-se o procedimento de Christo pe
rante Annás (Jo. 18, 22-23), e o de s. Paulo em Philippos
(Act 16, 35-39) e em Jerusalem (Act. 23, 1-5). Em todo o caso,
antes padecer todas as injurias d
o que ceder a
o
odio e espi
rito de vingança.
4o. —Tunica, veste interior, de linho ou de algodão. Era
menos estimada d
o que a capa, que, durante a noite, servia
d
e agasalho aos pobres. (cf. Ex. 22, 26. Deut. 24, 13.)
41. — Allude ao costume dos Persas, que eram obrigados a
fornecer cavallos e auxilio aos correios e mensageiros reaes.
A propria palavra angariar é d’origem persica.
42. — A quem te pede, injustamente, ou sem poder ou
vontade de restituir. Este paragrapho não fala senão d
e vexa
38 S. MATTHEUS, V, 43.46.
43 Ouvistes que fo
i
dito: Amarás ao teu proximo,
e terás odio a
o
teu inimigo. “Eu porém digo-vos:
Amae aos vossos inimigos, fazei bem aos que vos
odeiam; e orae pelos que vos perseguem e vos ag
gravam; º para que sejaes filhos do vosso pae, que
está nos céos, que faz nascer o seu sol sobre bons
e maus, e chove sobre justos e injustos. º Porque
mes e aggravos injustos. Não fala tambem de emprestimos a
juros, o que a lei não permittia entre Israelitas. (cf. Ex. 22, 22.)
V
,
43-48. — O amor dos inimigos. Não basta reprimir
o desejo de vingança, e sofrer com paciencia as injurias; é
mister ir mais além, amar e fazer bem aos nossos proprios
inimigos! Este preceito é a corôa da perfeição evangelica.
43. — A primeira parte d’este preceito vem no Lev. 19, 18;
a segunda, que não vem na Biblia, deve ser um additamento
dos escribas. Para o
s
Judeus a palavra proximo, x
",
com
prehendia só o
s que eram da mesma nação ou proselytos.
Todos os mais eram para elles extranhos e inimigos — por
que eram idolatras —, e, como taes, objecto do mais pro
fundo odio de raça. D'este odio nacional eram apenas exce
ptuados os Idumeus e o
s Egypcios. (cf. Deut. 23, 7.) As pas
sagens da lei, que preceituam o amor dos inimigos, referem
se só ás relações sociaes dos Judeus entre si
.
O christianis
mo, como religião universal, exige necessariamente outro espi
rito.
45. — Filhos, porque imitam as suas obras e reproduzem
em si a sua indole, como se participassem da sua natureza.
(cf. 5
,
9.) • •
46. — Os publicanos, considerados como peccadores pu
blicos e escandalosos! Eram os cobradores dos direitos de
portagem, e geralmente odiados, tanto pelos seus vexames e
extorsões, como pela dominação extrangeira de que eram
considerados instrumentos e fautores.
s. MATTHEUS, V, 47-48. 39
se amaes aos que vos amam, que recompensa te
reis? porventura não fazem o mesmo tambem os
publicanos ? " E se saudardes só aos vossos irmãos,
que fazeis nisso de especial? porventura não fazem
o mesmo tambem os gentios? º Sêde pois vós per
feitos, como tambem o vosso Pae celeste é perfeito.
47.— Os vossos irmãos, no sentido nacional, segundo o
uso dos Judeus. Saudar, 27r2.safiz, indica as demonstrações
ordinarias de cortezia e de amizade entre parentes e co
nhecidos. — De especial, rí rectaa%, de insigne, que vos dis
tinga dos gentios e publicanos! — Os gentios, que não
conhecem a Deus e adoram os idolos !
48. — Perfeitos, não em tudo, mas no amor do proximo,
como o exige o contexto. O amor do christão deve ser abso
lutamente universal, como a religião que professa.
CAPITULO VI
1 Guardae-vos, não façaes as vossas boas obras
deante dos homens, para serdes vistos por elles;
aliás não tereis recompensa junto do vosso Pae, que
está nos céos.
* Assim pois quando deres esmola, não toques
VI, 1-4 — Sobre a esmola. Para que o homem se eleve
a tal grau de perfeição no amor, que reproduza em si a indole
do Pae celeste, é necessario que se habitue a proceder com
recta intenção em todas as suas coisas, tendo unicamente em
vista o agrado de Deus. Enunciado o principio, applica-o a
tres casos particulares: á esmola (6, 2-4), á oração (6, 5-15) e
ao jejum (6
,
16-18). São obras de religião altamente recom
mendadas na Escriptura, mas a
o
mesmo tempo são as que
dão mais nas vistas dos homens e as que conciliam maior
opinião de santidade. Eram por isso mesmo as que o
s phari
seus mais praticavam e as de que mais abusavam.
1
. — Não condemna as boas obras feitas em publico (cf.
5
,
16), o que em certos casos é necessario, mas sómente a
intenção viciosa de agradar aos homens.
2
. — A esmola (exemplosów,misericordia, compaixão) é uma
das principaes obras de justiça, e talvez a mais encarecida e
recommendada na Biblia. — Não toques..., irrisão hyper
bolica da v
ã
ostentação dos phariseus. Chama-lhes hypo
critas, porque simulavam virtudes que não tinham. — Nas
ruas, y raig éáuzig, nas ruas com casas d'um e d'outro lado,
onde portanto havia muita gente que o
s pudesse ver! A sua
recompensa! a unica que elles buscavam.
s. MATTHEUS, vi, 3-6. 4 I
trombetas adeante de t
i,
como fazem o
s hypocritas
nas synagogas, e nas ruas, para serem honrados
doshomens; em verdade vos digo, já receberam a
sua recompensa. º Mas quando dás esmola, não
saiba a tua esquerda o que faz a tua direita; º para
que a tua esmola fique secreta, e o teu Pae, que vê
o que fazes em secreto, te recompensará.
5 E quando fazeis oração, não sejaes como os hy
pocritas, que gostam de orar em p
é
nas synagogas
e nas esquinas das ruas, para serem vistos dos ho
mens; em verdade vos digo, já receberam a sua
recompensa. º Tu porém, quando quizeres orar,
entra n
o
teu aposento, e fechada a porta, invoca a
teu Pae em secreto, e o teu Pae, que vê o que fa
zes em secreto, te recompensará.
3
. — Modo proverbial de condemnar a ostentação phari
saica, inculcando um modo de proceder inteiramente opposto.
VI, 5-16. — Sobre a oração. — 0 Padre nosso. Condemna
a ostentação pharisaica, e a v
ã loquacidade dos gentios, vi
cios que se devem evitar na oração, ensinando ao mesmo tempo
como devemos orar, e que coisas devemos pedir a Deus.
5
. — Gostam, pixojaw, o que indica especial complacencia
e affectação. — De pé, como era costume dos Judeus (cf.
Mc. 11, 25. Lc. 18, 11
.
13), voltados para Jerusalem, como
prescreve o Talmud, e a horas fixas, ao meio dia, e á hora do
sacrificio matutino e vespertino (cf. Ps, 54, 18). Em circums
tancias mais graves tambem oravam de joelhos o
u prostados.
(cf. 3 Reg. 8
,
54. Dan. 6
,
1o. Lc. 22, 41. Act. 9
,
4o).
6
. — Fala da oração privada, não d
a
oração oficial e ritual.
E só neste caso que cada qual, quanto possivel, deve bus
42 s. MATTHEUS, VI, 7-9.
" E na oração não faleis muito, como os gentios;
pois imaginam que serão ouvidos pela sua loquaci
dade. * Não sejaes pois como eles, porque bem
sabe o vosso Pae celeste o que vos é necessario,
antes de lh'o pedirdes, º Vós pois orae assim:
car a Deus por unica testemunha das suas obras. O silencio e
o retiro são bons companheiros e amigos da oração.
7 e 8. — Condemna outro vicio da oração pharisaica, a lo
quacidade supersticiosa, como se a oração fosse um arrazoado
com o fim de instruir e persuadir a Deus! — Não faleis
muito, um 32:TC)~aore, de 82rroxoyéo (palavra onomatopaica),
palrar, charlatear. Este negocio da oração trata-se mais com
gemidos e suspiros do coração, do que com palavras. Oramos
para abrirmos o nosso coração a Deus, para tratarmos fa
miliarmente com elle, para professarmos a nossa dependen
cia, e o reconhecermos como auctor e dispensador de todo o
bem.
9.° — Vós, os meus discipulos, que nem sois gentios, nem
da escola dos phariseus. Segue-se (9b-13) a Oração dominical
ou do Senhor, que tambem vem em s. Lucas (11, 1-4), porém
mais abreviada, e em outra occasião, pois bem pode ser que
Jesus a ensinasse duas vezes, ou que s. Mattheus a inserisse
neste logar por vir a proposito da doutrina de Christo sobre
o modo de orar. Consta de duas partes que tratam, a 1.
°
(b-1o) dos interesses de Deus, a 2.
º
(11-13) dos nossos inte
resses temporaes e espirituaes, indicando, juntamente com as
coisas que se devem pedir, a ordem e o modo da petição.
9.b — E
'
uma especie de proemio destinado a excitar em
nós sentimentos de confiança e de caridade, e a conciliar a
benevolencia divina, pelo louvor e reconhecimento da bon
dade (Padre nosso), e do poder e excellencia de Deus (que
estás nos ceos). — Padre ou pae caracteriza o estado de filia
ção divina adoptiva, em que Jesus Christo nos reintegrou
S. MATTHEUS, VI, IO-II. 43
Padre nosso, que estás nos céos; santificado
seja o teu nome. º Venha o teu reino. Faça-se a
tua vontade, assim na terra como no céo. " O pão
(cf. Rom. 8, 15. Gal. 4, 6); nosso representa a fraternidade
christã com a respectiva communhão de interesses. — Nos
céos, porque embora Deus esteja presente em toda a parte,
comtudo segundo a linguagem da Biblia (cf. Job 22, 12
.
Ps. 2
,
4
;
1o2, 2o), tem d'um modo especial o seu throno nos céos.
E
'
uma imagem da majestade e grandeza de Deus, que nos
enche d
e respeito e de humildade.
9
.° — 1º petição: a gloria de Deus, que é o fim ultimo de
todas a
s coisas, e portanto o que, antes e acima de tudo,
devemos ter a peito, como filhos de Deus. — Santificado,
3%zafrizo, i. é
, seja glorificado. — O nome de Deus é o pro
prio d
e Deus tal como se dignou manifestar-se-nos. A gloria e
honra d
e
Deus deve corresponder a esta manifestação.
1o.° — 2.
º
petição: o estabelecimento do reino de Deus n
a
terra como meio para Deus ser glorificado. E o reino mes
sianico o
u
a Egreja catholica. Chama-se de Deus, porque elle
é que é o seu auctor. Como os Israelitas evitavam pronunciar
a palavra "nº — Iáhve, substituindo-lhe a palavra ='cv, ceos,
tambem se chama reino dos céos (='evn nº="e).
lo.b — 3.º petição: o cumprimento da vontade de Deus,
porque misto é que consiste o reino de Deus em nós. Para
isso é preciso que ella se cumpra na terra com aquella mes
ma promptidão, plenitude e perfeição com que a cumprem
nos céos os anjos, ministros de Deus.
1
1
.
— 4.
º
petição: a conservação da nossa vida corporal
pelo sustento necessario. Na Biblia, pão designa, d'um modo
geral, o alimento. (cf. Eccl. 9
,
1
1 ; 1o, 19. Nenh. 5
,
14, 18). —
Pão nosso é o sustento que Deus em sua providencia nos
tem destinado. — Quotidiano como vinha na antiga versão
latina chamada Itala, e como ainda vem na Vulgata em
S
. Luc. II, 3, correspondendo a grego ºrtojato", que os gregos
44 s. MATTHEUS, VI, 12-13.
nosso quotidiano nos dá hoje. "? E perdôa-nos as
nossas dividas, como tambem nós perdoamos aos
nossos devedores. º E não nos mettas em tentação.
Mas livra-nos do mal.
interpretaram ê?íuscº, o pão «quotidiano», i. é, o pão neces
sario para o nosso sustento de cada dia. A Vulgata tem,
aqui, supersubstantialem, (= sobresubstancial), que se pode
tomar no sentido de pão necessario á nossa substancia
(como se èriojato; fosse composto de ir
i
+ 2aíz = 5xx##1),
Como Jesus Christo a si mesmo se chamou pão da vida (Jo.
6
, 48), instituindo para este fim o pão eucharistico, a applica
ção d'esta petição á eucharistia é uma accomodação obvia e
solidamente fundada.
12. — 5.
º
petição: a vida da alma, pelo perdão dos pecca
dos. A palavra dividas, dºs XYuarz, caracteriza bem a nossa
posição, como peccadores, relativamente a Deus. O peccado
involve um duplo debito, de culpa e de pena, e como ninguem
o pode satisfazer é necessario reccorrer á misericordia e cle
mencia de Deus. A parabola proposta em 6
,
25-26 mostra-nos
a necessidade de ajustarmos as nossas contas com Deus
emquanto é tempo de misericordia e de clemencia. — Per
doamos. = 22(suev, no presente (em s. Lc. 3%yev, da forma
à vío); mas a lição criticamente preferivel é 24 izzus», per
doámos (no aoristo). Em vez de como tambem, s. Lc. (1 1
,
4
)
tem xx 7xº zºroí, «porque tambem nós.» Assim o perdão con
cedido aos nossos devedores é condição previa, medida e
motivo do perdão que pedimos a Deus. (cf. 7
,
2 e Mc. 4
,
24.)
A parabola do mau servo (18, 21-35) pode servir de commen
tario a esta petição.
13.° — 6º petição: a conservação da vida da alma pelo afas
tamento das tentações. Tentação é tudo o que nos solicita a
peccar ou nos põi em perigo d’isso. E
'
tal a nossa fraqueza
que devemos pedir a Deus que não nos ponha em circums
tancias onde nos vejamos tentados. E o mesmo que pedir-lhe
s. MATTHEUS, v
i,
14-15. 4
5
* Porque se vós perdoardes aos homens os seus
peccados, tambem o vosso Pae celeste vos perdoará
o
s vossos peccados. º Se porém não perdoardes
aos homens, tambem o vosso Pae celeste vos não
perdoará o
s
vossos peccados.
que afaste de nós todas as occasiões o
u perigos de peccar. A
tentação propriamente dita está na sollicitação para o mal, o
que só provem das nossas paixões, dos outros homens ou do
demonio, e nunca de Deus. (cf. Jac. 1
,
13-16.) Como porém
neste mundo nada acontece sem previsão e permissão ou orde
nação d
e Deus, que tudo subordina e ordena aos fins de sua
providencia, e a Biblia costuma attribuir a Deus tudo o que
acontece d’este modo, por isso fala Jesus Christo como se o
proprio Deusnos mettesse o
u
introduzisse (= sig=y#xx) em
tentação.
13.º — Epilogo em que se resume a Oração domínical,
pedindo a Deus, d'um modo generico, que nos livra de tudo
o que é mau, tanto em sentido corporal como espiritual. A
Vulgata accrescenta: amen. E o hebrico Tes, adjectivo ver
bal (derivado de tes, firmar, sustentar,) transformado em
adverbio de asseveração ou d
e
confirmação. No principio do
discurso equivale a
o profecto, certo dos latinos, e vem com
frequencia (ordinariamente repetido em s. João) nos ditos e
falas de Jesus Christo. (cf. 5
,
1
8 26.6, 2.5.) No final equivale
a Yévoiro, assim é
,
assim seja, assim se faça! Quando n
a
synagoga se fazia a leitura o
u explicação da Biblia, ou se
recitava alguma oração em nome da communidade, o
s cir
cumstantes respondiam amen. Este uso conservou-se n
a
Egreja.
1
4
e 1
5
.
— Torna á quinta petição, para inculcar mais e
mais a necessidade d
o perdão dos aggravos, como condição
sem a qual não h
a
alcançar perdão de Deus, (cf. 18, 33, 35,
Mc. 11, 25).
46 s. MATTHEUS, v
i,
16-18.
1
6 E quando jejuais não andeis tristes, como os
hypocritas, pois desfiguram o proprio rosto, para
mostrarem aos homens que jejuam. Em verdade
vos digo, já receberam a sua recompensa. " Tu
porém, quando jejuas, unge a tua cabeça, e lava o
teu rosto, º para não mostrares aos homens que
jejuas, senão a
o
teu Pae, que está occulto, e o teu
Pae, que vê o que fazes em occulto, te recompensará.
VI, 16-18. — Sobre o jejum. A le
i
prescrevia o jejum
uma só vez n
o anno, n
o
dia da expiação, e enumera o entre
a
s boas obras, que podiam ser objecto de voto ou promessa.
Nas grandes calamidades publicas e particulares (mesmo em
recordação d’ellas) era um meio de applacar a colera divina."
Os phariseus, que professavam austeridade e estricta obser
vancia, costumavam jejuar duas vezes por semana, ás segun
das e quintas feiras.
16. — Tristes, axos corroí, tetricos, de rosto sombrio e car
regado, como quem está sob o peso de uma enorme tribula
ção!
Desfiguram, 222,fooow, tornam invisivel, deformam, omit
tindo a toilette ordinaria, e cobrindo o rosto e a cabeça com
cinza. O povo que os via andar assim pelas ruas, admirava a
austeridade d'aquelles varões!
17.— Unge, segundo o costume da toilette oriental. Não
deixes por isso a toilette ordinaria. Quanto está em nós, de
vemos subtrahir ás vistas dos homens as nossas obras parti
culares de piedade. Devem ser segredos entre nós e Deus.
VI, 19-24 — Sobre o desapego dos bens da terra.
Condemna o apego desordenado aos bens da terra, 1) pela sua
inutilidade, *) pelos cuidados vãos com que enchem o cora
ção, *) pela desordem que imprimem á nossa vida, 4) pela im
possibilidade de alliar o serviço de Deus com o das riquezas.
A avareza era um dos grandes vicios pharisaicos.
s. MATTHEUS, v
i,
19-23. 47
1
9 Não enthesoireis para vós thesoiros na terra,
onde ferrugem e traça destroem, e onde ladrões
desenterram e furtam. 2º Enthesoirae antes para
vós thesoiros n
o céo, onde nem ferrugem nem traça
destroem, e onde ladrões não desenterram nem fur
tam. * Porque onde está o teu thesoiro ahi está o
teu coração. •
* A lampada do teu corpo são os teus olhos. S
o
s teus olhos forem simples, todo o teu corpo terá
luz. **Se porém os teus olhos forem maus, todo o
1
9 — Thesoiros na terra, i. é
,
consistentes em bens ter
renos e que ficam na terra. A ferrugem destroi os metaes,
a traça roi os vestidos preciosos, os ladrões arrombam as
casas e levam as riquezas accumuladas com tantos trabalhos,
e escondidas !
2o. — Os thesoiros no céo são as boas obras, cujo valor
e merito são realçados.
21. — O teu thesoiro, i. é
, aquilo que estimas como o
teu maior bem e felicidade. A avareza captiva o coração,
prendendo-o á terra e inutilizando a para a virtude. E por
tanto necessario conservá-lo puro e simples, i. é
,
orientado
para o céo e livre de affeições terrenas (22-23).
22. —Simples, 2r).65;, sem mistura de maus humores, sãos.
—Terá luz, porstv% (em sentido passivo), i. é
,
todos os teus
membros serão illuminados, para poderem desempenhar bem
a
s
suas funcções. Os olhos sãos representam a intenção pura
& TCCta. -
23. — Maus, morrº%, doentes, cheios de maus humores. — A
luz que ha em t
i,
i. é
,
o que em ti deve servir de luz a todo
o corpo, cujos membros veem pelos olhos. — Que grandes...,
i. é
,
em que densas e espessas trevas não ficarás tu envolto!
Triste imagem d
o homem, cujo coração se perverteu por
afeições desordenadas e terrenas.
48 s. MATTHEUS, v
i,
24-26.
teu corpo será tenebroso. S
e pois a luz que h
a
em
ti são trevas, que grandes não serão essas trevas?
* Ninguem pode servir a dois senhores; porque
ou h
a
d
e
ter odio a um e amor a outro, ou sofrerá
um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus
e á riqueza.
25 Por isso vos digo: não vos dê cuidado a vossa
vida, que comereis, nem o vosso corpo, que vesti
reis. Porventura não é a vida mais do que o sus
tento, e o corpo, mais d
o que o vestido? ** Consi
24. — Servir como escravo, $ou)sósty, a dois senhores, quando
são oppostos entre s
i,
e além d’isto, exigem submissão plena
e absoluta de todo o homem. — A riqueza; (no grego e no la
tim: mamona, = s="ce — de "== —, palavra aramaica, que si
gnifica riqueza, lucro) é representada como um idolo, ao qual
o avarento presta culto, immolando-se todo em seu obsequio.
Uma coisa é usar o
u
servir-se da riqueza, outra é ser esravo
d’ella.
VI, 25-34. — Condemna a solicitude demasiada.
Não basta evitar a avareza; é tambem necessario conservar o
coração livre de cuidados angustiosos e inquietadores por
causa dos bens temporaes necessarios á vida, pondo os olhos
e a confiança em Deus.
25. — Por isso, i. é
,
em vista d
o que fica dito n
o paragrapho
precedente, particularmente no verso 24. Não condemna o
cuidado moderado, mas o cuidado absorvente, angustioso, in
quieto. Quem nos deu o mais — a vida e o corpo, não nos ne
gará o menos — o alimento e o vestido.
26. — Aponta para os passarinhos, que andavam talvez es
voaçando pelo a
r
o
u
saltitando pelo campo, em quanto Jesus
estava falando. A imagem não podia ser mais singela e gra
ciosa!
S. MATTHEUS, VI, 27-34. 49
derae as aves do ar, que não semeiam, nem segam,
nem recolhem em celleiros; e comtudo o vosso Pae
celeste as sustenta! Porventura não valeis vós mais
do que ellas??? E quem de vós poderá com todos
os seus cuidados accrescentar um só covado á sua
vida? ** E quanto ao vestir, porque andaes inquie
tos? Considerae como crescem os lirios do campo;
não trabalham; nem fiam! º Ora eu vos digo que
nem Salomão, em todo o seu esplendor, se vestiu
como um d’estes. 30 E se Deus assim veste o feno
do campo, que hoje é e ámanhã se lança no forno,
quanto mais a vós, gente de pouca fé?! ** Não
andeis pois solicitos dizendo: que havemos de co
mer, ou que havemos de beber, ou com que nos
cobriremos? º Porque todas estas coisas buscam
os gentios. º Buscae pois primeiramente o reino de
Deus, e a sua justiça, e todas essas coisas se vos
accrescentarão. * Por isso não vos dê cuidado o dia
de ámanhã. O dia de ámanhã cuidará de si mesmo.
Basta a cada dia o seu trabalho.
27. — A sua vida, i. é, á duração da sua vida, si
;
riy Kºtzía»
airoi. Os nossos cuidados são pois inuteis. A Biblia representa
a vida como uma grandeza cuja extensão se mede a palmos.
(Ps. 39,6), covados, etc.
32. — I. é
,
esses cuidados são proprios de gentios, que não
creem em Deus, nem na sua providencia paternal.
33. —Não condemna pois todo o cuidado dos bens tempo.
raes; o que exige é que se não inverta a ordem das coisas,
que se subordine esse cuidado, aliás moderado, aos interesses
superiores da alma e de Deus. Aos que procedem assim pro
mette Deus a sua assistencia.
|- 4
CAPITULO VII
1 Não julgueis, para não serdes julgados. * Por
que como julgardes, sereis julgados; e como me
dirdes a outrem se vos medirá, º E porque vês o
argueiro no olho do teu irmão, e na trave, que tens
no teu, não advertes?" Ou como dizes ao teu irmão:deixa-me tirar o argueiro do teu olho; e eis uma
trave no teu?! " Hypocrita, tira primeiro a trave do
teu olho, e então verás como tirar o argueiro do
olho do teu irmão.
" Não deis as coisas santas aos cães, nem deiteis
VII, 1-6. — Não julgar. Condemna o espirito de critica e
o gelo indiscreto, dois grandes vicios do pharisaismo; oppon
do-lhes o espirito de caridade e de benevolencia.
1.— Não julgueis, um zoíwers, não sejaes rigidos e injustos
censores das acções alheias, para que Deus vos julgue com
misericordia. O verso 2 enuncia a mesma doutrina, mas d'um
modo proverbial.
| •
3. — O argueiro, os mais pequeninos defeitos!
5. — Hypocrita! pois simulas virtudes e zelo que não tens.
O oficio de emendar os outros só pode ser exercido com
fructo por pessoas benevolas e virtuosas. Por isso é necessa
rio que cada um comece primeiro por se emendar e aperfei
çoar a si mesmo.
6. — Além da virtude e da benevolencia, é tambem neces
saria a prudencia. Antes de corrigir um homem, é mister
conhecê-lo bem, e prever como receberá a correcção. Dar
s. MATTHEUS, VII, 7-11. 5 I
as vossas perolas aos porcos; não succeda que el
les as calquem aos pés, e virando-se, vos despeda
CCITT, •
7 Pedi, e dar-se-vos-ha; buscae e achareis; batei
e abrir-vos-hão. º Porque todo o que pede, recebe;
e todo o que busca, acha; e ao que bate, abre-se.
º Ou algum homem entre nós, pedindo-lhe o seu fi
lho pão, dar-lhe-ha uma pedra? " E se lhe pedir
peixe, porventura dar-lhe-ha uma cobra? " Se pois
vós, com serdes maus, sabeis dar dadivas boas aos
vossos filhos, quanto mais o vosso Pae, que está
nos céos, dará bens aos que lhe pedirem.
bons conselhos a obstinados no mal e recalcitrantes é deitar
perolas a porcos, e expor-se até a ser maltratado por elles.
Os cães e os porcos representam os peccadores impudentes
e contumazes. (cf. Prov. 11, 22; 26, 1 1.
)
VII, 7-11. — Pedir instantemente. Como ninguem pode
por suas proprias forças naturaes, elevar-se a tão alta perfei
ção, manda-nos implorar o auxilio divino por meio da ora
ção. E
'
um meio facil, infallivel e a
o
alcance de todos. A mesma
doutrina vem em s. Lc. 11, 9-13, e podem servir-lhe de com
mentario as parabolas d
o amigo importuno (Lc. 11, 5-8) e da
viuva (Lc. 18, 1-8).
7
. — A accumulação de palavras declara bem a importan
cia da oração, e com quanta assiduidade, constancia e fervor
devemos perseverar nella até conseguirmos a graça desejada.
Note-se a gradação ascendente dos verbos pedir, zi-siy, buscar,
*#r=#, bater, xº%sº, e como cada recommendação é acompa
nhada da sua promessa. O verso 8 repete e confirma a mesma
idéa. -
1
1
.
— Maus, i. é
, peccadores, porque, sem previlegio ex
52 s. MATTHEUS, VII, 12-14.
12 Tudo aquillo pois que quereis que vos façam
os homens, fazei-o tambem vós do mesmo modo a
elles; porque isto é a le
i
e o
s prophetas.
* Entrae pela porta estreita, porque é larga a
porta e espaçoso é o caminho, que conduz á perdi
ção, e são muitos o
s que entram por ella. " Quão
estreita é a porta e apertado o caminho que conduz
á vida! e são poucos os que o encontram!
traordinario de Deus, ninguem, por mais santo que seja, está
isento de peccado. (cf. Ps. 115, 1
1
,
1 Jo. 1o8) — Bens, i. é
,
dons verdadeiramente uteis e convenientes.
VII, 12-14 — A porta estreita. Expõi a famosa doutrina
das duas portas e dos dois caminhos, cujos termos respectivos
são a vida e a morte. Começa aqui a conclusão d
o
Sermão.
12. — Resumo synthetico e pratico de toda a doutrina ex
posta no Sermão. Contem a norma positiva da caridade, syn
these de todos os ensinamentos contidos na lei e nos pro
phetas, i. e
,
em todo o A
.
T
.
A norma negativa consiste em
não fazermos aos outros o que não quereriamos que se fizesse
a nós.
13. — A porta estreita é a santidade messianica, que exige
espirito de abnegação e amor á cruz. Em s. Lc. 13, 4: 37ºví{ssºs
ela=X6siº,luctae (como o
s
athletas) por entrar! Este espirito de
lucta e de combatividade é necessario para vencer os grandes
obstaculos internos e externos que se encontram no caminho
d
a perfeição.
14. — São poucos! assim o era no tempo de Christo, e ainda
hoje o estado de coisas não é muito melhor. O caminho da
verdade e da justiça é trilhado por muito poucos.
VII, 15-2o. — Os falsos prophetas (cf. Lc. 6, 43-46.)
Previne os seus contra o perigo d
e perversão moral por parte
d'aquelles que, a exemplo dos escribas e phariseus, procuram
seduzir o
s
incautos com falsas apparencias de zelo e de justiça.
s. MATTHEUS, viI, 15-21. 53
15 Guardae-vos dos falsos prophetas, que vem a
vós com vestidos de ovelhas, mas por dentro são
lobos roubadores. º Pelos seus fructos os conhe
cereis. Porventura colhem-se uvas de silvas, ou fi
gos de abrolhos?" Assim toda arvora boa dá fru
ctos bons; e a arvore má dá fructos maus. º Não
pode a arvore boa dar fructos maus, nem a arvore
má dar fructos bons. º Toda arvore, que não dá
bom fructo, é cortada e lançada no fogo. º Pelos
seus fructos portanto os conhecereis.
21 Nem todo o que me diz: Senhor! Senhor! en
trará no reino dos céos: mas o que faz a vontade do
15. — De ovelhas, i. é, como se pertencessem ao rebanho
de Christo, e fossem os seus mais dedicados e genuinos disci
pulos. Mas que contraste entre o que parecem por fóra e o
que são por dentro!
16.— Dá um signal infallivel para os reconhecermos e dis
tinguirmos. A vida e as obras, conformes com o evangelho,
são a pedra de toque com que se conhecem os discipulos de
Christo. E moralmente impossivel que os hypocritas occultem
por muito tempo a sua indole interna. E' observá-los bem e
de perto. Os versos 17 e 18 repetem e declaram mais a dou
trina contida na comparação precedente.
19. — Os orientaes não estimam nem cultivam as arvores se
não pelo fructo. Arvore infructifera é arvore inutil, e portanto
cortada (cf. 3, 1o).
VII, 21-23. —Não basta crer. Cuidavam os phariseus que
lhes bastava o serem filhos de Abrahão, para se salvarem (cf.
3, 9); ninguem julgue pois que só por crer em Christo será
salvo. A fé sem obras é morta.
1.— Senhor! Senhor! profissão affectada de fé na mes
54 S. MATTHEUS, VII, 22-24.
meu Pae, que está nos céos, esse entrará no reino dos
céos. * Muitos me dirão naquelle dia: Senhor! Se
nhor! não prophetizámos nós em teu nome, e em
teu nome não expulsámos demonios, e em teu nome
não fizemos muitos milagres? ** Então lhes decla
rarei: Nunca vos conheci a vós; Apartae-vos de
mim, obreiros da iniquidade.
24 Todo aquelle pois que ouve estas minhas pa
lavras, e as cumpre, será semelhante a um varão
prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha.
sianidade de Jesus Christo. Fala com plena consciencia da
sua divindade, como arbitro do destino ultimo dos homens.
22. — Naquelle dia, i. é, no grande dia do juizo, que é cha
mado d'um modo especial o dia do Senhor, o dia de Christo,
porque nelle se revelará com todo o esplendor e gloria a sua
divindade. Note-se a emphase com que repetem as palavras em
teu nome! (cf. Lc. 13, 25-27.)
23. — Então, naquelle momento final, solemne e terrivel!
Declarar-lhe-ha publica e solemnemente, po%20Yao, como juiz
supremo dos homens, que nunca os teve na conta de seus
verdadeiros discipulos. As ultimas palavras são tiradas do
Ps. 6, 9.
VII, 24-27. — Contraste final. (cf. Lc. 6, 47-49.) Termina
por um rasgo sublime de eloquencia pondo em contraste a
solidez do edificio moral edificado sobre a sua doutrina, e
a ruina total e irreparavel d'aquelles, cujas obras não concor
davam com a fé.
24 — Estas minhas palavras, que conteem a verdadeira
doutrina do reino de Deus. Refere-se á doutrina exposta em
todo o Sermão. — Será semelhante, ou, como vem em alguns
codices, assemelhá-lo-hei, o que é ainda de maior efeito até
#
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##
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§ #
S#
#
T
s. MATTHEus, vii, 25-29. 55
* E desceu a chuva, e vieram os rios, e assopraram
o
s ventos, e accometteram contra aquella casa, e
não cahiu; porque estava fundada sobre a rocha.
* E todo o que ouve estas minhas palavras, e
não as cumpre, será semelhante a um homem in
sensato, que edificoua sua casa sobre areia. * E
desceu a chuva, e vieram o
s rios, e assopraram o
s
ventos, e arremetteram contra aquella casa, e cahiu,
e a sua ruina foi grande!
|
* E aconteceu, tendo Jesus acabado estas pa
lavras, admiravam-se as turbas da sua doutrina.
* Porque os ensinava como tendo auctoridade, e
não como os seus escribas e phariseus.
pelo anacolutho da phrase. — Sobre a rocha, i. é
,
sobre um
fundamente firme e inabalavel!
25. — Imagem das tribulações que hão de vir sobre os dis
cipulos de Christo. Todos os elementos hostís hão de com
jurar e cahir de impeto sobre elles.
26. — Insensato, vºç%, estulto, sem juizo, louco, que attende
só a
o presente e não prevê as consequencias futuras d
o
seu
modo d
e proceder!
•
27. — Grande, no final da phase, para maior efeito! Nos
versos 2
8
e 2
9 declara o Evangelista os efeitos do Sermão no
povo. Estavam como pasmados, gerXiao.wro, e fóra de si de
admiração, não só pela santidade e sublimidade da doutrina,
mas tambem pela auctoridade de Christo. Não era como o
s
escribas e phariseus, que apenas declaravam e allegavam tex
tos e ditos dos antigos, mas falava-lhes como legislador das
consciencias e juiz supremo do genero humano. As suas pa
lavras tinham o accento da Divindade.
CAPITULO VIII
! E tendo descido do monte, muitas turbas o fo
ram seguindo. ? E eis que vindo um leproso o ado
rava, dizendo: Senhor, se queres, podes purificar
VIII, 1-4. — Cura um leproso. (Cf. Mc. 1, 4o-45. Lc.
5, 12-14.) S. Marcos e s. Lucas colocam a narração depois
d'um sabbado, e s. Lc. diz que foi «numa certa cidade». Das
tres narrações a mais breve é a de s. Mt., o que mostra bem
o erro dos que pensam que s. Mc. é apenas um abreviador de
s. Mt. Disse o Evangelista (4
,
23) que Jesus percorria a Ga
liléa ensinando e sarando. Na parte precedente (5, 1-7, 29)
mostrou como elle exercera o oficio de ensinar, nesta (8,
1-9, 34) vai mostrar como exercitou o de sarar, e como tam
bem nelle se revelou como Messias.
1
. — Do monte em que prégara o Sermão acima referido (5,
1-7, 29). Este 1
º
verso ainda pertence a
o
final d
o capitulo
precedente, onde se narra o efeito do Sermão nas turbas.
2
. — Eis, particula frequente em s. Mattheus para chamar a
attenção para um acontecimento inesperado e digno de pon
deração. Uma le
i
d
e salvação publica, severa e minuciosa (cf.
Lev. 13 e 14) isolava o
s leprosos do consorcio humano, sendo
lhes prohibida a approximação dos outros homens (Lev. 13,
14). Este leproso porém não tem receio de se approximar de
Jesus, tão viva era a sua fé
.
— Adorava-o, ajoelhando-se (Mc.
1
,
4o) e prostrando-se a seus pés com o rosto em terra (Lc.
5
,
12). Jesus nunca rejeitou esta homenagem devida á sua
dignidade. O leproso professa que a sua cura depende só d
a
vontade de Jesus Christo, o que manifesta a sua fé messia
nica. (cf. 7
,
22. Jo. 13, 13.) — Purificar-me, xx0apíaz, porque a
s. MATTHEUS, VIII, 3-4. 57
me. º E extendendo Jesus a mão, tocou nelle, di
zendo: Quero, fica purificado. E ficou purificado da
sua lepra. " E diz-lhe Jesus: Vê, não digas a nin
guem; mas vae, apresenta-te ao sacerdote, e ofe
rece a oblação, que ordenou Moysés, e seja uma
prova para elles.
lepra era ao mesmo tempo uma especie de macula moral, que
tornava o homem profano ou legalmente immundo.
3. — Approva e confirma por um milagre a fé do leproso.
Os santos operam milagres por intercessão; Jesus por von
tade propria, o que manifesta a sua omnipotencia e divindade,
de que a sua natureza humana era instrumento visivel.
4. — Recommenda-lhe o silencio, não por motivo de mo
destia e humildade, mas por prudencia, para evitar abalos no
povo, tão propenso a enthusiasmos messianicos, alheios á in
tenção de Jesus Christo e á indole do reino de Deus, que não
era um reino d'este mundo. (cf. Mc. 1, 45.) Não é este o
unico exemplo d'esta recommendação. (cf. 16, 2o. Mc. 5,
43; 7, 24; 8, 26.) O homem porém, tomando por modestia as
palavras de Christo, não guardou o segredo (Mc. 1, 45).—
Mas vae...; manda-o cumprir as prescripções da le
i
(Lev. 24,
2
) relativas á cura da lepra e a
o
modo d
o leproso ser resti
tuido á communhão d'Israel. Ao mesmo tempo quer que o
milagre seja para os sacerdotes e chefes religiosos do povo
uma prova, um testemunho, uzerúgio», da messianidade de Je
sus Christo.
VIII, 5-15. — Cura o servo do centurião. (Cf. Lc. 7
,
1-Io e tambem 13, 28-3o.) A narração de s. Lc. é mais com
pleta. O caso deu-se logo depois do Sermão do monte, tendo
o centurião enviado primeiro uma legação a Christo. S. Mc.
põi principalmente em realce a fé d
o centurião, oppondo-a
á incredulidade dos Judeus. O milagre representa para elle a
vocação dos gentios á fé e a reprovação dos Judeus.
5S s. MArmEUs, viu, 5-1o.
5 E tendo entrado em Capharnaúm, veio ter com
ele um centurião, rogando-o, º e dizendo: Senhor,
o meu servo jaz em casa paralytico, e é muito ator
mentado. " E diz-lhe Jesus: Eu irei, e cura-lo-hei.
º E respondendo o centurião, diz: Senhor, não sou
digno que entreis em minha casa; mas diz de pa
lavra, e o meu servo será curado, º Porque eu sou
um homem sujeito á auctoridade, e tenho soldados
sob o meu commando; e digo a este: Vae, e vae;
e a outro: Vem, e vem; e ao meu servo: Faz isto,
e faz. " E Jesus ouvindo, admirou-se, e disse aos
5. — Centurião, oficial romano que commandava cem sol
dados. Tratando-se porém da Galiléa, deve designar um
oficial do exercito de Antipas, modelado sem duvida pelo
exercito romano. Pelo modo como d'elle falam os anciãos
(cf. Lc. 7, 4-5) vê-se que era um homem digno, affeiçoado á
nação judaica, e provavelmente um proselyto do judaismo.
6. — O meu servo, um escravo (ô05%; Lc. 7, 2) que lhe era
precioso (Lc. 7, 2)
.
8
. — Grande exemplo de humildade e de fé em um homem
gentio ! Nem elle é digno de hospedar a Jesus Christo, nem a
presença de Christo é necessaria. Basta que elle o mande de
palavra e a doença obedecerá á sua voz ! A palavra de Christo
é tão eficaz como a palavra creadora de Deus.
9 — Prova por uma comparação, que é um argumento de
menos para mais, como não é necessaria a presença de Christo.
S
e
a
s ordens d'elle, que é um puro homem, e oficial subal
terno, são immediatamente cumpridas, como não o hão de
ser as ordens de Christo ?
1o. — Admirou-se como deante d’uma coisa nova, insolita
e inesperada! Tudo lhe estava presente na sua presciencia,
mas esta não lhe impedia o conhecimento experimental das
s. MATTHEUs, vul, 11-13. 59
que o seguiam: Em verdade vos digo, não achei
tão grande fé em Israel. " Ora eu vos digo que vi
rão muitos do Oriente e do Occidente, e recostar
se-hão com Abrahão, Isaac e Jacob, no reino dos
céos; º mas os filhos do reino serão lançados nas
trevas exteriores; ahi será o chorar e o ranger dos
dentes. " E disse Jesus ao centurião: Vae, e faça
se-te, como tu crêste. E naquella mesma hora ficou
o servo curado.
coisas e os efeitos que ele naturalmente produz na alma, e
que se manifestam sensivelmente. — Em Israel, i. é, no povo
de Israel, desde que o tinha começado a evangelizar.
1
1
.
— Prediz a vocação dos gentios, de todas as partes do
mundo (do Oriente e do Occidente) á fé (cf. Lc. 13, 28"). O seu
reino será pois universal o
u
catholico: Jesus representa-o
sob a imagem d'um banquete offerecido por Deus aos seus
amigos. O banquete celeste é presidido por Abrahão, Isaac e
Jacob, como representantes da antiga alliança, que continúa
n
o Novo Testamento e tem o seu complemento final na
bemaventurança celeste.
1
2
.
— Prediz a ruina do povo judaico. Os filhos do reino
são o
s Judeus, que, como nascidos na theocracia antiga e con
sagrados a Deus pela circumcisão, tinham direitos de prece
dencia no reino messianico, como herdeiros, por nascença,
das promessas feitas a Abrahão, Isaac e Jacob. Serão lam
çados fóra da sala illuminada do convivio, i. é
,
fóra do
reino messianico, e ficarão envoltos nas trevas da noite es
cura d
a incredulidade, d
o peccado e da condemnação. O cho
rar e o ranger dos dentes são imagensda eterna dor e des
esperação.
VIII, 14-17. — Cura a sogra de Pedro. (Cf. Mc. 1,
20-34. Lc. 4
,
38-41) E um milagre operado em favor e honra
d
e Pedro, a rogo dos discipulos (Lc. 4
,
38). Succedeu em
6o S. MATTHEUS, VIII, 14-17.
14 E tendo chegado Jesus a casa de Pedro, achou
a sogra d’elle de cama, e com febre. " E tocou-lhe
na mão, e a febre a deixou, e levantou-se, e poz-se
a serví-los. 4° E ao fim da tarde, apresentaram-lhe
muitos possessos, e expulsava com a palavra os es
piritos, e curou a todos os doentes; " para se cum
prir o que fo
i
annunciado pelo propheta Isaias, que
disse: Elle tomou sobre si as nossas enfermidades, e
carregou com os nossos padecimentos.
Capharnaúm, em um sabbado, depois de Jesus ter sahido da
synagoga, e pouco depois d
o segundo regresso de Jesus para
a Galiléa. (Cf. Mc. 1
,
29. Lc. 4
,
3
8
e Jo. 4
,
3.) A narração
d
e
s. Mt. é mais concisa e elegante que a de s. Mc.; a de
s. Lc., que era medico, distingue-se pela exactidão technica
dos termos.
1
4
.
— Pedro e André, seu irmão, eram naturaes de Bethsaida
(Jo. 1
, 44), mas Pedro tinha casa em Capharnaúm, e era nella
que Jesus habitava. Convem notar estas preferencias com que
Jesus honrava e distinguia o que havia de ser a pedra funda
mental da sua Egreja. — Com febre ou, como tem s. Lc ,
«com grande febre», Tuparãºusy%X@.
15. — Tocou-a e
, segundo s. Lc., imperou tambem á febre,
que lhe obedeceu. Bella imagem dos ritos sacramentaes, onde
ha sempre estes dois elementos, uma acção sensivel e uma
formula oral.
16. — Ao fim da tarde, i. é
, depois de terminado o sabbado,
que acabava a
o pôr d
o
sol. O dia civil judaico durava do pôr
a
o pôr d
o
sol. O povo pois, alvoroçado com o milagre ope
rado na synagoga (cf. Mc. 1
,
21-28. Lc. 4
, 32-37), esperou
que passasse o tempo do repouso sabbatino, para trazer a
Christo os doentes.
17. — O texto de Isaias 53, 4
,
refere-se aos males e dores
que são penas devidas aos nossos peccados, e que nós deve
s. MATTHEUS, VIII, 18-2o. O I
18 E vendo Jesus muitas turbas em roda de si;
mandou ir para além o lago. " E chegando se um
escriba, disse-lhe: Mestre! seguir-te-hei para onde
quer que fôres, º E diz-lhe Jesus: As raposas teem
riamos sofrer. Como Jesus Christo tomou sobre si as nossas
culpas para as expiar, tem por isso mesmo o poder de nos li
vrar tambem dos sofrimentos e males que, na ordem actual
da Providencia, são efeitos e consequencias do peccado. A
citação amolda-se ao texto hebraico.
VIII, 18-22. — Condições do discipulado. (Cf. Lc. 9,
57-6o.) S. Lucas cita tres exemplos, todos succedidos em Sa
maria, durante a ultima viagem de Jesus para Jerusalem. O
segundo de s. Mt. (8
,
2
1
e 22) é identico ao segundo de s. Lc.
(9
,
5
9
e 6o); não se pode dizer o mesmo dos dois primeiros
casos (Mt. 8
,
18-2o e Lc. 9
,
5
7
e 58), em tudo semelhantes,
menos na circumstancia d
o tempo, que talvez possa ser se
parada da narração de s. Mt.
1
8
.
— Além do lago, para a margem oriental do lago de
Gennesareth. Quiz subtrahir-se ao alvoroço do povo.
1
9
.
— Um = sk
,
n
o
sentido de r
í; (pronome indefinido), á
maneira d
o
hebraico Tris (cf. Dan. 8
,
3
. Gen. 22, 13). — Mestre,
334axz},2;, corresponde ao hebraico "2", rabbi (de =", grande,
senhor), «meu senhor» (cf. monsieur, monseigneur). Era a ap
pelação honorifica com que o
s
Judeus saudavam o
s
seus dou
tores religiosos.
2o. — Põi-lhe deante dos olhos a sua vida de privação e de
pobreza absoluta, como condição sine qua non para o seguir.
Foi quanto bastou para fazer arrefecer o enthusiasmo do es
criba. A renuncia e a pobreza são o primeiro passo no ca
minho da perfeição evangelica. — O Filho d'homem (e não
«
o Filho do homem», como geralmente se traduz seguindo
demasiado á lettra o texto grego: é vio; ro
5
290çónoo) é um nome,
que Jesus Christo se attribue com frequencia (78 vezes) nos
Evangelhos. E tomado de Daniel 7, 13
.
14: «Estava eu pois
62 S. MATTHEUS, VIII, 21.
tocas, e as aves do ar ninhos; mas o Filho d'ho
mem não tem onde reclinar a cabeça.
* E outro, dentre os seus discipulos, disse-lhe:
Senhor! Dá-me primeiro licença de ir sepultar meu
contemplando estas coisas numa visão nocturna, e ens um como
filho d'homem que vinha nas nuvens do céo e chegou até ao
Antigo dos dias (i
. é, a
o Eterno), a quem foi apresentado. E
elle (o Eterno) lhe deu o poder, a honra e o reino; e todos os
povos, tribus e linguas o servirão. O seu poder é um poder
eterno, que não lhe será tirado, e o seu reino tal que não será
jámais destruido.» Quando Jesus respondeu a Caiphás (26,
64): «Cedo vereis o Filho d'homem sentado á direita do po
der de Deus, e vindo nas nuvens do céo »
,
alludia a este vati
cinio de Daniel, e dava bem a entender em que sentido to
mava a expressão — o Filho d'homem. Como na lingua he
braica ETs, homem, é propriamente um nome collectivo (cf.
Ps. 57, 12), a ponto de ser muitas vezes traduzido pelo plural
(cf. Ps. 16, 4
;
21, 7
;
35, 7), o
s
Hebreus servem-se da expres
são ETS-1=, filho d'homem, para designar um individuo hu
mano, mas indeterminado. Com o artigo — o Filho d'homem
— a expressão designa um individuo determinado, aquelle
que apparece n
o
vaticinio de Daniel em forma humana, sim,
mas a quem se prestam honras divinas, e a quem o Eterno
d
á o imperio sobre todo o genero humano. Este Filho d'ho
mem é o Messias, e assim o entendiam o
s
Judeus no tempo
d
e
Christo. O segundo artigo, antes de homem (r
.
390çóx2)
indica a especie determinada a que pertence o Filho, e realça
a sua origem da especie humana. Corresponde ao hebraico
=Tsm = (em aramaico, a lingua falada por Jesus Christo, I=)
sv:s. Convem porém notar que, no singular, esse artigo nunca
se encontra no hebraico do A
. T
.
nem no grego dos Lxx.
21. — O modo como este fala suppõi um chamamento pre
vio de Jesus Christo. Como os Judeus costumavam sepultar
o
s mortos, quanto possivel, n
o
mesmo dia d
o falecimento, a
s. MATTHEUS, vIII, 22-25. 63
pae. * E diz-lhe Jesus: Segue-me, e deixa os mor
tOS CIltCTT3 T OS SCUlS IY1OTtOS.
23 E tendo elle entrado na barca, seguiram-no os
seus discipulos. ** E eis que se levantou grande
tormenta no mar, de modo que a barca se alagava,
e ele entretanto dormia. * E chegaram-se a elle os
seus discipulos, e o despertaram, dizendo: Senhor!
demora pedida é bem pequena, e fundada num motivo de pie
dade filial. •
22. — Não lhe concede a demora pedida, tanta é a prompti
dão e força com que exige que se obedeça ao seu chama
mento! E evidente que só Deus pode falar assim, e exigir
taes sacrificios. A resposta joga com a palavra mortos: deixa
os mortos á vida espiritual (os que não creem em Jesus
Christo ou vivem no peccado) enterrar os mortos á vida tem
poral. — A ordem absoluta de Christo não ficou sem efeito.
VIII, 23-27. — Acalma a tempestade. (Cf. Mc. 4, 35-4o.
Lc. 8, 22-25.) S. Mc. e s. Lc. narram o milagre depois do en
sino parabolico, e no mesmo dia em que Jesus esteve ensi
nando o povo da barca. A narração do primeiro é mais in
dividuada que a de s. Mattheus.
23. — Na barca, si
;
to 7x2ãow, com o artigo como leem a
maior parte dos codices unciaes o
u
maiusculos e s. Chryso
stomo. Refere-se á barca de que Jesus costumava servir-se ou
a uma barca que estava prestes para a partida. — O
s
seus dis
cipulos; expressão que no primeiro Evangelho designa, ordi
nariamente, o
s 12, que em s. Mt. só uma vez (Io, 2) são cha
mados apostolos.
24. — Estas tormentas subitas e impetuosas são frequentes
no lago e nas regiões vizinhas, por causa da posição geogra
phica e da configuração d
o terreno, montanhoso e arido.
2
5
.
— A linguagem incisiva dos discipulos pinta ao vivo o
O ! s. MATTHEUS, VIII, 26-28.
salva-nos: estamos perdidos!" E diz-lhes: Porque
estais assustados, homens de pouca fé? Então er
guendo-se, imperou aos ventos e ao mar, e fez-se
grande bonança.” E ficaram os homens assombra
dos, dizendo: Quem é este, que até os ventos e o
mar lhe obedecem ?
28 E tendo chegado á outra banda, ao paiz dos
Gadarenos,vieram-lhe ao encontro dois possessos,
sahidos dos sepulcros, muito bravos, de modo que
estado de perturbação do seu espirito. Entretanto Jesus, ex
hausto de fadiga, dormia tranquillamente na pôpa, encostado
sobre a almofada! (cf. Mc. 4, 38).
26. — Tranquiliza-os primeiro para poderem perceber me
lhor o milagre que ia operar. Note-se a attitude serena e ma
jestosa de Jesus imperando aos ventos e ao mar ! Na lingua
gem biblica o dominio sobre os ventos e o mar é um attri
buto da Divindade. (Cf. Ps. 17, 16; So, Io; 1o 3, 7; 1o5, 9.
Nah. 1, 4. Is
.
51, 1o)
27. — Effeitos do milagre. — O
s homens, i. é
,
o
s discipulos
e a gente que ia nas outras barcas (Mc. 4
,
36). Todos corre
ram egual perigo, e todos foram salvos pelo imperio de Jesus
Christo. — Quem, Tororó;. E o mesmo que Troio, qual, de que
especie ? O milagre applica-se admiravelmente ás persegui
ções da Egreja no decurso dos tempos, e tambem ás tribula
çõcs internas e externas que afligem o
s justos.
VIII, 28, 34 — Os possessos do Gadara. (Cf. Mc. 5,
1-17. Lc. 8
,
2
6
37.) A narração de s. Mc. é a mais extensa e
particularizada. Tanto elle como s. Lc. falam apenas d'um
possesso. No milagre antecedente manifestou-se o poder de
Christo sobre a natureza; neste revela-se o seu imperio sobre
os demonios.
•
28. — Ao paiz dos Gadarenos, assim denominado por causa
s. MATTHEUS, VIII, 29-32. 65
ninguem podia passar por aquelle caminho." E eis
que bradaram, dizendo: Que ha entre nós e ti
, Jesus,
filho de Deus?! Vieste aqui atormentar-nos antes
d
o tempo? " Ora longe d'elles andava pastando
um grande rebanho d
e porcos. " E os demonios
rogavam-lhe, dizendo: Se nos expulsas d'aqui, man
da-nos para o rebanho dos porcos. * E disse-lhes:
d
a cidade de Gadara (hoje Umm Keis), metropole importante
d
a Peréa. Quanto a
o logar onde aportaram, identificam-no
com as ruinas de Gersa (Kersa, Kursi), nas proximidades do
lago. Abundam alli o
s despenhadeiros. — Determinado o lo
gar, descreve o triste estado dos endemoninhados.
29. — Estremecem os demonios com a presença de Jesus
Christo naquelle paiz gentilico, que consideravam como seu.
Que h
a
entre nós e t
i,
i. é
, que tens agora comnosco? Sabem
que Jesus é o Messias, o juiz dos vivos e dos mortos, e que,
depois d
o juizo final, hão de ser encerrados no abysmo (2
Petr. 2
, 4), por isso temem que venha já lançá-los n
o abysmo
(Lc. 8
,
31), privando-os da liberdade de vaguear pelo mundo,
fazendo mal aos homens.
3o. — Onde a Vulgata tem não longe, o texto grego tem
longe (waxº%). A distancia é uma idéa relativa, que pode ser
chamada grande o
u pequena, conforme o termo de compara
ção.
31. — Que profunda a degradação, a que chegaram esses
espiritos sublimes! São verdadeiramente espiritos immundos,
e tão fracos, que imploram por favor uma habitação immunda!
Vê-se tambem como, neste mundo, o
s
demonios nada podem
fazer sem permissão de Deus,
32. — Efeitos terriveis da possessão diabolica! Causou ta
l
panico e furor nos porcos, que, contra o instincto da propria
conservação, se despenharam rocha abaixo n
o lago. Eram
cerca d
e
2ooo (Mc 5
,
13). Este caso demonstra a falsidade
6
66 s. MATTHEUS, VIII, 33-34.
Ide! E eles sahindo entraram nos porcos, e ei
s
que
todo o rebanho se precipitou da rocha abaixo no
mar; e morreram afogados. * Então os pastores
fugiram; e chegando á cidade, contaram tudo, e o
caso dos possessos. " E eis que toda a cidade sahiu
a
o
encontro d
e Jesus; e tendo-o visto, rogavam-lhe
que se retirasse dos seus confins.
dos que pretendem identificar as possessões diabolicas com
a loucura ou nevroses. Não ha doença que, sahindo d'um ho
mem á voz d'outro, vá produzir taes efeitos!
34. — Descreve o triste estado moral d'aquelles gentios, que
rejeitaram a graça de salvação que Jesus lhes oferecia. A
perda dos seus porcos, e talvez o receio d’outras perdas tem
poraes, impediram que a boa semente da graça germinasse
nos seus corações. Só lhes entrou nas almas o terror, que o
s
impediu de protestarem e de se irritarem contra Jesus.
CAPITULO IX
! E tendo entrado na barca, atravessou o lago, e
veio para a sua cidade." E eis que lhe apresenta
ram um paralytico deitado num leito. E vendo Je
sus a fé d’elles, disse ao paralytico: Tem confiança
filho! são-te perdoados os teus peccados. " E eis
•
IX, 1-8 — Cura um paralytico. (Cf. Mc. 2, 3-12. Lc.
», 18-26.) As narrações de s. Mc. e de s. Lc. são mais cir
cumstanciadas. Um e outro realçam a multidão de povo api
nhada em torno de Jesus, e descrevem o modo como os car
regadores conseguiram depor o enfermo aos pés de Jesus.
1.— Para a sua cidade, i. é, para Capharnaúm, onde, de
pois de deixar Nazareth (4, 13), estabelecera a sua morada.
2.— O facto deu-se estando Jesus ensinando em casa de
Pedro, e era tanta a gente, que não cabia nem ainda á porta,
Como não pudessem chegar com o paralytico aos pés de Je
sus, subiram ao eirado, e tendo feito uma abertura, arrearam
por ella a maça em que jazia o enfermo (Mc 2, 4).— A fé
d'elles, i. é, do paralytico e dos quatro que o traziam. A pre
sença de Jesus excitou no coração do enfermo a contricção
de seus peccados, o que lhe mereceu a saude da alma antes
da do corpo. — São-te perdoados, 32(swrzt, no presente. Alguns
codices porém leem 2çãowrz (preterito dorico), que pode pro
vir de Lc. 5, 23.
3, — Achavam-se alli muitos phariseus e escribas, vindos
de Jerusalem, da Judea, e de todas as povoações da Galiléa (Lc.
5, 17), mais para o observarem e espiarem do que para ou
68 S. MAT II
I
EUs, 1X, 4-0.
que alguns dos escribas disseram dentro d
e si
:
Este
diz blasphemias!" E como Jesus lhes visse os pen
samentos, disse: Porque fazeis maus juizos em
vossos corações? " Qual é mais facil, é dizer: São
te perdoados o
s
teus peccados; ou dizer: Levanta
te
,
e anda? º Ora para que saibais que o Filho d'ho
mem tem n
a
terra poder d
e perdoar peccados,
então diz ao paralytico: Levanta-te, toma o teu
virem a sua doutrina. — Dentro de s
i,
è
w ázoroig, i. é
,
a sós com
sigo, nos seus corações. Corresponde ao hebr. "="=. (Cf. Ps.
4
,
5
.) Argúem-no de blasphemo, porque sabem que só Deus
pode perdoar peccados, e julgam que Jesus é um puro ho
mem. Ora Jesus falava em seu proprio nome, e não como
Nathan, quando declarou a David que Deus lhe tinha perdoado
o seu peccado (2 Reg. 12, 13).
4
. — Manifesta-se como conhecedor dos segredos intimos
d
o
coração humano, o que é tambem um attributo da Divin
dade. (Cf. Jer, 17, 1o
.
Ps, 7
,
1
o
.
2 Par. 6
,
3o.) Ao mesmo tempo
revela a culpabilidade (maus juizos) dos pensamentos dos es
cribas.
• 5
. — Dizer, já se vê, com efeito, de modo que as palavras,
á maneira dos ritos sacramentaes, effectuem o que significam.
As duas obras são egualmente impossiveis a
o homem, e egual
mente faceis a Deus. Quem pode pois, por virtude propria,
curar o paralytico só com uma palavra, tambem pode per
doar peccados. O primeiro poder, que é visivel, manifesta e
demonstra o segundo.
6
. — O Filho d'homem, como em 8
,
2
o
.
Este titulo messia
nico apparece em tres series de textos: — 1.
º
naquelles em que
Jesus fala da sua vida humana e do seu apostolado; — 2.
º
nos
que se referem aos seus padecimentos e paixão;—3º quando
fala da parusia, i. é
,
d
a
sua vinda gloriosa a
o
mundo para o
julgar.
• •
s. MATTHEUS, IX, 7-1o. 69
mf.
f3;
U?"
rk,
}
lá:
#
}
n
º;
#
leito, e vae para tua casa! " E levantou-se, e foi? p %
para sua casa. º E as turbas vendo, temeram, e
glorificaram a Deus, que deu ta
l
poder aos homens.
9 E proseguindo Jesus d’alli, viu um homem sen
tado n
o telonio, por nome Mattheus. E diz-lhe: Se
gue-me! E levantou-se, e seguiu-o.
º E succedeu estando ele na casa recostado á
mesa, eis que muitos publicanos e peccadores vindo
8
. — Efeitos do milagre nas turbas. Em quanto os escribas
e phariseus ficam mais obstinados em sua maldade, o povo,
como mais bem disposto, louva e glorifica a Deus. O terror
que d’elles se apodera é proprio das manifestações sobrena
turaes da Divindade.— N’este passo do Evangelho está um
dos fundamentos da confissão sacramental. Jesus Christo,
que tinha o poder de perdoar peccados, bem podia commu
nicá-lo aos apostolos. (Cf. Jo, 2o, 22.23. Mc. 16, 19; 18, 18.)
9
,
9-13. — Vocação de s. Mattheus. (Cf. Mc. 2
,
14-17. Lc. 5
,
27-32.) Este discipulo em s. Mc. e s. Lc. tem o nome de Levi,
mas as º circumstancias das tres narrações são tão identicas
que é impossivel não ver nellas o mesmo personagem com
dois nomes differentes, o que não era desusado entre o
s Ju
deus.
•
9
. — D’alli, i. é
,
d
o logar onde curára o paralytico (9, 1-8).
Mattheus, Mzrºzio; ou Mz=>zio;, como vem nos codices mais
antigos (s B e D). Os publicanos formavam uma classe devi
damente organizada, com seus respectivos chefes. (Cf. Lc. 19,
2
.) Eram, como todos o
s agentes d
o fisco, abominados pelos
Judeus, que o
s
tinham na conta de peccadores publicos e es
candalosos, cuja convivencia devia ser evitada.
1
o
.
— Mattheus, em signal de gratidão, deu um grande ban
quete (Lc. 5
,
29) em honra de Jesus, para o qual convidou
o
s
seus collegas.
7o S. MATTHEUS, IX, II-14
se recostavam á mesa com Jesus e os seus disci
pulos. " E vendo isto os phariseus, diziam aos seus
discipulos: Porque come o vosso mestre com publi
canos e peccadores? º Mas Jesus tendo-os ouvido,
disse: Não precisam os sãos de medico, senão os
enfermos. " Ora ide aprender o que quer dizer: Mi
sericordia quero e não sacrificio. Porque não vim cha
mar justos, senão peccadores.
14 Então se chegaram a elle os discipulos de João,
dizendo: Porque é que nós e os phariseus jejuamos
com frequencia, e os teus discipulos não jejuam?
- 11. — S. Mc. (5, 16) e s. Lc. (5, 3o) falam dos escribas e
phariseus. Uns e outros fugiam, como de leprosos, dos ho
mens que não guardavam a lei. Atacam os discipulos porque
não ousam dirigir-se directamente ao Mestre.
12.—Dá razão do seu proceder. E medico e pastor das
almas, por isso não pode deixar de tratar com peccadores
para lhes fazer bem. A resposta corresponde á imagem do
Messias delineada por Ezechiel em 34, 16.
13. — Ora ide..., fórmula de remetter um interlocutor para
o estudo d'um texto, onde se continha a solução d’uma ques
tão. A passagem allegada (Os. 6, 6) não reprova como inutil o
sacrificio, mostra apenas d'um modo emphatico que antes, e
acima do culto externo, em que os phariseus tanto se esme
ravam, estão as obras de misericordia e de caridade.
· IX, 14-17. — A questão do jejum. (Cf. Mc. 2, 18-22. Lc.
5,33-38) Este caso e os dois precedentes são narrados pelos
tres Synopticos na mesma ordem. Aqui apparecem tambem
como hostís a Christo os discipulos do Baptista, ciosos sem
duvida da gloria do seu mestre, e escandalizados do banquete
dado por Mattheus em honra de Christo.
14 — Notas. Mc. 2, 18 que os phariseus tambem tomaram
s. MATTHEUS, 1
x
,
15-17. 71
lº E disse-lhes Jesus: Porventura podem os filhos
d
o esposo chorar, emquanto está com elles o espo
so? Dias virão em que lhes será arrebatado o espo
so; e então jejuarão. º Ninguem deita um remendo
d
e panno novo num vestido velho; porque o re
mendo puxa pelo vestido, e o rasgão torna-se ainda
maior. " E ninguem deita vinho novo em odres ve
parte nesta questão. O dito não jejuam deve tomar-se em
sentido relativo, em comparação com o
s frequentes jejuns
dos phariseus e dos discipulos do Baptista.
1
5
.
— Cada coisa tem seu tempo; o jejum quadra bem aos
tempos de tristeza e de lucto, mas fica mal em tempo d
e
festa. Ora a nova alliança é representada na Biblia (cf. Os.
2
,
19) como um desposorio de Deus com o seu povo, que é
chamado a esposa do Senhor (Jer. 2
,
2
,
Ez. 16, 3). Jesus, que
o proprio Baptista reconheceu como Messias, e a quem deu
o nome de esposo (Jo. 3
, 29), está realizando na terra esse
enlace espiritual, e os discipulos são o
s
seus paranymphos.
— Filhos do esposo, na Galiléa, são os amigos e convivas do
esposo, encarregados d
e preparar e promover as festas nu
pciaes. A expressão será arrebatado, 272:53, allude á morte
violenta de Jesus.
1
6
.
— Outra razão, tirada d’uma comparação usual, e que
mostra a necessidade de fazer distincção entre as instituições
d
o Antigo e as d
o
Novo Testamento. O espirito das duas epo
cas não é o mesmo, como cuidavam o
s discipulos de João. —
O panno novo (&#vzvo:) é o panno não apisoado, que se con
trai com a humidade, e assim rasgaria ainda mais o vestido
que com elle fosse remendado. O vers. 17 repete a mesma
idéa e confirma-a com outra comparação. •
IX, 18-26. — Cura a hemorrhoissa e resuscita a fi
lha de Jairo. (Cf. Mc. 5, 22-43. Lc. 8
,
41-56.) As duas mar
rações cruzam-se nos tres Synopticos, sendo a mais breve
menos individuada a de s. Mt. 2
72 s. MATTHEUS, Ix, 18-22.
lhos, d’outra sorte os odres arrebentam, e o vinho
derrama-se, e os odres perdem-se. Mas o vinho
novo deita-se em odres novos; e ambos se conser
V3 II].
18 Dizendo-lhes elle estas coisas, eis que chega
um principal, e o adorava, dizendo: A minha filha
acaba de falecer; mas vem, impõi a tua mão sobre
ella, e viverá. º E Jesus levantando-se ia com elle
e os seus discipulos.
º E eis que uma mulher que havia doze annos
padecia um fluxo de sangue, se chegou por detraz
e lhe tocou a franja do vestido. * Pois dizia dentro
de si
:
S
e
lhe toco apenas n
o
vestido serei salva.
* Mas Jesus voltando-se, e vendo-a, disse: Tem
1
8
.
— Um principal, i. é
,
um presidente o
u
chefe de syna
goga. (cf. Mc. 5
,
22. Lc. 8
,
41.) — Adorava-o, i. é
, prostava-se
d
e joelhos a seus pés. A palavra Senhor, que vem na Vulga
ta, falta n
o grego.
2o. — S
.
Mc. e s. Lc. accrescentam que a mulher padecera
muito de muitos medicos, com o
s quaes gastara todos o
s
seus
haveres, e sem resultado algum. A doença era d'aquelas que
implicavam immundicia o
u
macula legal (Lev. 15,25"). Era tam
bem vergonhosa; é por isso que a mulher se approxima furti
vamente de Christo, sem ousar declarar-lhe o seu mal. — A
franja, xº%arsôow, i. é
,
o
s
fios de lã torcida que o
s
Judeus tra
ziam pendentes das extremidades inferiores da capa, em me
moria d
a
le
i
(cf. Num. 15, 38-4o). Chamavam-lhes n'xx.
22. — S. Mc. (5, 29-34) e s. Lc. (8
,
45-48) narram melhor esta
scena commovente, em que Jesus manifestou a sua omniscien
cia. Tanto neste, como em todos os outros casos, Jesus attri
s. MATTHEUS, Ix, 23-26. 73
confiança, filha; a tua fé salvou-te. E desde aquella
hora ficou a mulher salva.
* E tendo Jesus chegado a casa do principal, e
visto os tocadores de flauta, e o tumulto da gente,
dizia: ** Retirae-vos, porque a menina não está
morta, mas dorme. E escarneciam d'elle. ** E lan
çada fóra a gente, entrou, e pegou-lhe da mão, e a
menina levantou-se. " E correu esta fama por toda
aquella região.
bue sempre a graça concedida á fé da supplicante, o que mos
tra claramente quanto ella é meritoria.
23. — Omitte s. Mt. o recado vindo de casa do archisyna
gogo, participando-lhe a morte da filha, para que não incom
modasse mais a Jesus (Mc 5, 35-36. Lc. 8. 49-5o). A morte
era tão certa que, quando Jesus chegou a casa, já estavam
pranteando a defuncta com musica funebre e lamentos de car
pideiras, segundo o uso oriental.
54. — Manifesta o seu dominio sobre a vida e a morte. A
morte da menina, que tinha doze annos (Mc. 5, 42), não era
definitiva, mas temporaria; por isso lhe chama somno. E'-lhe
tão facil resuscitar um morto como acordar uma pessoa que
dorme. — Escarneciam d'elle, porque «sabiam que estava
morta» (Lc. 8, 53).
2
5
.
—Conservou apenas, para testemunhas do milagre,
além dos paes da menina, os tres discipulos Pedro, Tiago e
João (Mc 5
,
37). S
.
Mc. (51, 41) conservou-nos as proprias
palavras aramaicas com que Jesus a mandou levantar: Tali
thá cúmi (= '="? Nnºº), «menina, levanta-te». E mandou que
lhe dessem de comer, para se certificarem bem de que real
mente estava viva.
IX, 27-31. — Dá vista a dois cegos. Vem só em s. Mt.
que narra mais dois milagres d’este genero em 12, 22.° e 2o,
2O.º
74 s. MATTHEUS, I
x
,
27-31.
27 E partindoJesus d’alli, seguiram-no dois ce
gos, clamando e dizendo: Compadece-te de nós, fi
lho de David!" E tendo chegado a casa, approxi
maram-se d’elle o
s cegos. E diz-lhes Jesus: Credes
que vos posso fazer isso? Dizem-lhe: Sim, Senhor!
º Então lhes tocou os olhos, dizendo: Faça-se-vos,
segundo a vossa fé." E os olhos se lhes abriram ;
e Jesus os ameaçou muito, dizendo: Vêde que nin
guem saiba! " Elles porém sahindo divulgaram o
caso por todo aquelle logar.
27. — Filho de David é uma confissão messianica (cf. 22,
42. Jo. 7
,
42), o que mostra que a este tempo (segundo anno
do ministerio de Jesus), já havia quem suspeitasse o
u
cresse
que Jesus era o Messias. Todos os cegos por elle curados ma
nifestam esta fé
,
que Jesus approva e confirma com seus mi
lagres.
•
28. — Deve entender-se, segundo todas as probabilidades, a
casa d
e Pedro, em Capharnaúm onde Jesus habitava (cf. 8
,
14; 9
,
1
). Não o
s interroga para saber; mas para o
s consoli
dar mais na fé, e realçar o merito d’ella.
3o. —Ameaçou muito, y=3otuxazro, i. é
,
ordenou-lhes com
palavras graves e severas. Não é humildade o
u modestia,
mas desejo de evitar a inveja e o odio dos escribas e pha
riseus (cf. 8
,
4). -
31. — A gratidão poude mais com os cegos do que as amea
ças d
e Jesus, que elles naturalmente lançaram á conta de hu
mildade.
IX, 32-34 — Cura um possesso mudo. (Cf. Lc. 11,
14-15.) Mais adeante, em 12, 22-37, vem um caso semelhante,
com a mesma blasphemia dos phariseus, que deu logar a uma
replica vehemente de Jesus Christo.
s. MATTHEUS, Ix
,
32-35. 7
5
32 E tendo elles sahido, eis que lhe apresentaram
um homem mudo e possuido d
o
demonio. º E lan
çado fóra o demonio, falou o mudo, e admiraram
se a
s
turbas dizendo: Nunca tal se viu em Israel!
* Os phariseus porém diziam: Pelo principe dos
demonios é que elle expulsa o
s
demonios.
35 E ia correndo Jesus todas as cidades, e aldeias,
ensinando nas synagogas d’elles, e prégando o
evangelho d
o reino, e curando todas as doenças e
32. — Vê-se pelo verso 33 que a mudez êra efeito da pos
sessão diabolica, que pode causar doenças physicas o
u
andar
acompanhada d’ellas. Erram pois o
s que pretendem reduzir
a
s possessões do Evangelho a casos pathologicos.
33. — Havia exorcistas entre os Judeus (12, 27), que expulsa
vam o
s
demonios por meio de longas fórmulas e conjuros, que
nem sempre sortiam efeito. Jesus porém expulsa os demo
nios com uma só palavra, por virtude propria, e como quem
tinha poder e imperio sobre o
s espiritos malignos. E este
modo nunca visto de exorcizar que enchia as turbas de admi
ração.
34. — Perversidade dos phariseus! Querem impedir o bom
efeito do milagre no povo, insinuando calumniosamente que
Jesus tinha pacto com o principe dos demonios (cf. 1o, 25;
12, 24). E de suppor que esta blasphemia fosse dita em au
sencia de Christo, aliás não teria ficado sem resposta.
IX, 35-38. —Compadece-se das turbas. O presente
paragrapho é destinado a mostrar a necessidade de prover o
povo de Deus d'outros chefes e pastores, mais zelosos da glo
ria de Deus e d
o
bem das almas. Serve portanto de introdu
cção á nova secção (to, I-13, 58), em que Jesus vai lançar o
s
fundamentos do reino messianico.
35. — Descreve o modo do apostolado de Jesus Christo, e
76 s. MATTHEUS, 1x, 36-38.
todos os achaques. " E vendo as turbas, condoeu
se d’ellas, porque estavam opprimidos e prostrados
como ovelhas sem pastor. "Então diz aos seus dis
cipulos: A messe de certo é muita, mas os obreiros
poucos! º Rogae pois ao Senhor da seara, que
mande obreiros para a sua messe.
assim a occasião que teve de observar de perto a miserrima
condição moral e religiosa do povo, abandonado pelos seus
chefes e pastores. (Cf. 4, 23.)
36. — Rebanho do Senhor e ovelhas da sua pastagem são
imagens frequentes na Biblia para designar o povo de Deus. —
Condoeu-se, arX2YKyícôm, o que indica um sentimento intimo e
profundo de commiseração, que abala o homem até ás entra
nhas (ar).37.wow). As nossas palavras condoer-se, compadecer-se,
indicam a participação activa e sentida nos males alheios. —
0pprimidos, axo).vévo, i. é, dilacerados, esfolados. E' um ge
nero de crueldade que os prophetas lançam em rosto aos
pastores de Israel (Mich. 3, 2)
.
—Acha a grei do Senhor no
mesmo estado em que já a tinha encontrado o propheta Eze
chiel (34, 3-6).
:7 e 38. — Desabafa com os discipulos para os mover á
compaixão e ao zelo apostolico. Ao mesmo tempo mostra a
necessidade d'uma missão divina para se exercer o apostolado
n
a
messe d
o
Senhor. Quem não tem esta missão, não pode
ser apostolo o
u
reformador d
o povo de Deus. Não o entendem
porém assim o
s protestantes.
CAPÍTULO X
1 E convocados os seus doze discipulos, deu lhes
poder sobre os espiritos immundos para os expulsa
rem, e para curarem todas as doenças e todos os
achaques.
* Ora os nomes dos doze apostolos são estes: Si
mão, que se chama Pedro, o primeiro, e André,
seu irmão; º Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu
irmão; Philippe e Bartholomeu; Thomé e Mattheus,
O publicano; Tiago, filho de Alpheu, e Thaddeu; º
X, 1-4 — O Collegfo apostolico. A fundação do colle
gio apostolico vem propriamente em s. Mc. 3, 13-19, e em
s. Lc. 6, 12-17. S. Mt., que suppõi essa fundação, traz apenas
aqui um catalogo dos apostolos, por causa da missão que Je
sus lhes confiou e que passa logo a narrar (1o,5°). Além d’es
ta
,
o Novo Testamento tem mais tres relações dos apostolos:
duas em s. Mc. e s. Lc., e outra nos Actos 1
,
13. Pedro occupa
sempre o primeiro logar, e Judas o ultimo, menos nos Act. 1
,
13,
onde já não é nomeado. S
.
Mt. põi-se a si mesmo n
o 8
º logar
(como nos Act. 1
,
13), accrescentando a
o
seu nome o de pu
blicano; s. Mc. e s. Lc. dão-lhe o 7º
1
. — Confere aos seus discipulos o poder de operar mila
gres, para lhes conciliar auctoridade e respeito no desempe
nho da missão que lhes ia confiar. Não é portanto de extra
nhar que este poder persevere n
a Egreja, e como um signal
caracteristico e visivel dos verdadeiros discipulos de Christo.
(cf. Mc. 16, 17-18.) Comtudo esta graça, inherente ao aposto
lado, não o está aos cargos ecclesiasticos, em razão d
o oficio.
2 a 4
. — Nomeia o
s
doze aos pares, sendo este o unico lo
78 s. MATTHEUS, X, 5.
Simão Cananeu, e Judas o Iscariotes, o que veio a
ser traidor.
5 A estes doze enviou Jesus dando-lhes instru
cções, dizendo: Não ireis a terras de gentios, e não
gar em que os chama apostolos. Ora apostolo, do grego 3x377%;
(de 372-7:5779, enviar) significa legado, mensageiro, mandado
com ordens ou instrucções. Corresponde, quanto ao sentido, ao
hebraico nºvº e ao rabbinico nºv, de nºv, mandar, enviar. Os
apostolos portanto são legados de Jesus Christo para o des
empenho d’uma missão especial, que elle lhes confiou. — Pri
meiro, em razão do logar proeminente que occupa no colle
gio apostolico, de que é o chefe. Não designa a ordem no ca
talogo, porqme faltam os ordinaes seguintes, segundo...; nem
a prioridade de vocação ao discipulado, porque André veio
primeiro que Simão. Sobre o nome Pedro cf
. 4
,
1
8
.
André e
Philippe são nomes gregos; Bartholomeu é o mesmo que «fi
lho de Tolmai»; Thaddeu chamava-se tambem Lebbeu, «o co
rajoso» (de =", coração); Cananeu, em aramaico "-N-7 (em he
breu s-7) significa «o zeloso» da le
i
e honra de Deus. E
'
um
cognome honroso (cf. Num. 25, 7. Gal. 1
,
1
4
.
Act. 21, 2o), que
nada tem que ver com a seita dos zelotas, que tanto sangue
derramaram durante a guerra judaica. Iscariotes, em hebraico
r"… vºs é o «homem de Kerioth», cidade da tribu de Judá.
X, 5-15 — Missão dos apostolos. — Primeira serie
d'instrucções. Envia Jesus os apostolos em missão dando
lhes para isso as devidas instrucções. Determina-lhes, nesta
serie, o campo e o fim da presente missão (
, o, 5-7), que é tem
poraria e particular, e para que a possam exercer dignamente,
confere-lhes o seu poder sobrenatural, mandando-lhes que
imitem a sua vida de pobreza (1o, 8-1o), e ensinando-lhes
como se hão de haver com os que o
s
receberem o
u repellirem
(1o, 11-15). •
5
. — Determina o logar onde não devem ir
,
recommendan
s. MATTILEUs, x, 6-8. 79
entrareis em cidade de Samaritanos; º mas idean
tes ás ovelhas perdidas da casa de Israel." E indo
prégae, dizendo: Está proximo o reino dos céos.
º Curae enfermos, resuscitae mortos, purificaele
do-lhes que não saiam para fóra da Palestina, i. é, da Judéa
e da Galiléa, nem entrem na Samaria, encravada entre estas
duas provincias. Gentios, 50%, são os povos alheios ao culto
do verdadeiro Deus, os =": (ghoim) do A. T. Onde a Vulgata
lê civitates, o grego tem só r?)…», cidade, no singular. Os Sa
maritanos adoravam o verdadeiro Deus, mas no monte Gari
zim, e não em Jerusalem; além d’isto só reconheciam como
sagrados os livros de Moysés. Eram uma população mista,
composta de Judeus, restos do antigo reino de Israel des
truido pelos Assyrios, e de colonos enviados para ali de Ba
bylonia, de Cutha, de Ava, de Hamath e de Sepharvaim. Os
Judeus chamavam-nos Cutheus, e evitavam todo o trato e
commercio com elles (Jo. 4. 9).
6.— A missão temporal e visivel de Jesus Christo foi cir
cumscripta ao povo de Israel (15, 24), depositario da palavra
revelada e das promessas messianicas. Tinham pois, como fi
lhos do reino (8, 12), o direito de precedencia. Os apostolos
guardaram depois esta mesma ordem na prégação do evan
gelho (Act. 13, 46. Rom. 1, 16), como o proprio Jesus lhes
indicou (Act. 1, 8)
.
— Da casa, i. é
,
d
a familia de Israel. Israel
é o segundo nome de Jacob a partir do Gen. 32, 28, em me
moria da lucta que sustentou com o anjo d
o
Senhor. Casa
o
u
familia de Israel são o
s
descendentes de Jacob, o povo
judaico.
•
7
. — Determina o argumento geral da prégação, a proxima
instauração do reino messianico (cf. 3
, 2
;
4
,
17.) Prégae,
xzºócairi, o que indica uma intimação solemne, publica e au
ctoritativa, como a que fa
z
o pregoeiro (cãº).
8
. — Dá-lhes o poder de fazer milagres para com elles com
firmarem a divindade da sua doutrina e missão, e ao mesmo
8o S. MATTHEUS, X, 9-11.
prosos, expulsae demonios; dae de graça o que de
graça recebestes, º Não procureis adquirir oiro, nem
prata, nem cobre para os vossos cintos; º nem al
forge para o caminho, nem duas tunicas, nem cal
çado, nem bordão; porque o operario é digno do
SeU SUlStGITtO.
" Em qualquer cidade ou aldeia onde entrardes,
perguntae quem nella seja digno e ahi hospedae-vos
– ——---- r--
tempo conciliarem por beneficios absolutamente gratuitos a
benevolencia dos Judeus. E pela caridade, pelos beneficios
materiaes que o apostolo deve abrir caminho para chegar ás
almas.
9 e 1o
.
— Sobre 9-15 cf
.
Mc. 6
,
8-11 e Lc. 1o, 4-12. Recom
menda-lhes o mais absoluto desinteresse, promettendo-lhes
a assistencia divina, que não lhes faltará com o necessario
para a vida. Esta doutrina é capital sobretudo nesta epoca
agitada em que muitos não veem na separação da Egreja e
d
o
Estado outro mal senão a ruina d
o
clero por falta de con
grua dotação ! Não está ahi o mal; seja o clero o que deve
ser, vá ao povo, como Jesus fez e ensinou, cumpra com o seu
dever, que Deus o sustentará. O bom clero não é o clero rico
e sustentado pelo Estado, mas o clero zeloso, e tão aposto
lico como desinteressado. Este é o espirito; quanto á letra
essa pode variar conforme as circumstancias, e seria erro
transformar estas normas de Christo em regras universaes e
invariaveis. Os proprios apostolos não se conformaram sem
pre com elas (cf. 1Cor. 9
,
5
),
e s. Paulo ensinou que o
s mi
nistros d
o
altar devem viver d
o altar, e que o dever de sus
tentá-los incumbe aos fieis. (cf. 1Cor. 9
,
7-14. Gal. 6,6. Rom.
15,27.)
11. — Regra pratica de prudencia sobre a escolha de hos
pitalidade. Tem por fim pôr em salvo o bom nome e a digni
dade dos apostolos.
s. MATTHEUS, x, 12-15. 81
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até sahirdes. " E ao entrardes nalguma casa, sau
dae-a dizendo: A paz seja nesta casa. º E se real
mente essa casa fôr digna, virá sobre ella a vossa
paz; se porém não fôr digna, a vossa paz tornará
para vós." E se alguem vos não receber, nem ou
v
ir
a
s vossas palavras, sahindo para fóra d'essa
casa o
u povoação, sacudi o p
ó
dos vossos pés.
" Em verdade vos digo: a terra de Sodoma e de
Gomorrha, n
o
dia de juizo, será tratada com menos
rigor d
o que essa povoação.
1
2
.
— Como se hão de haver para com as casas onde en
trarem. Nalguma casa (cf. Lc. 1o. 5), o que é melhor do que
n
a casa, embora o grego tenha s
i; riº oixízº. O singular com
o artigo pode tomar-se em sentido generico. A paz invocada
sobre a casa é a paz messianica, o conjuncto de todas as
graças e bençãos que Jesus veio trazer á terra.
1
3
.
— Bençãos reservadas ás familias dignas, que receberem
bem e hospedarem o
s apostolos. — Tornará para vós, i. é
, fi
cará sem efeito.
1
4
e 15. — Ameaça com os mais terriveis castigos as fami
lias o
u
cidades que fizerem mau acolhimento aos apostolos.
Compara-os aos gentios, julgando-os ainda peores que o
s ha
bitantes de Sodoma e de Gomorrha, «homens abominaveis, e
excessivamente peccadores aos olhos de Deus» (Gen. 13, 13).—
Sacudi o pó... contra elles, em signal de que não quereis
ter parte ou communhão alguma com gente tão abominavel
e votada a
o
exterminio. Assim o faziam o
s Judeus, quando
subiam á collina de Sião onde estava o templo, o
u
entravam
n
a Palestina, que era a terra de Iáhve, vindos de terras de
gentios.
X
,
16-42. — Missão dos apostolos. Segunda serie de instru
cções. Passando depois ámissão futura, universal e permanente,
O
82 s. MATTHEUS, x, 16-18.
16 Eis que eu vos mando como ovelhas entre lo
bos. Sêde portanto prudentes como as serpentes, e
simples como as pombas. " Acautelae-vos porém
dos homens. Porque hão de entregar-vos aos sane
drins, e vos hão de açoitar nas suas synagogas;
º e sereis levados por meu respeito á presença de
que hão de exercer no mundo até á consummação dos seculos,
declara-lhes antes de tudo os grandes perigos a que hão de
andar continuamente expostos, recommendando-lhes a pru
dencia e a simplicidade (1o, 16-2o) Descreve individuada
mente esses perigos, que são exactamente os mesmos por
que elle passou (to, 21-25), por isso não devem temer os ho
mens, mas confiar na protecção do céo (Io, 26-33). São dis
cipulos de Christo e continuadores da sua obra; hão de ser
portanto tratados como o seu Mestre. Ai d'aquelles que
os não ouvirem; ditosos porém os que os receberem (1o,
34-42).
16. — Eu vos envio, expressão solemne e de auctoridade !
O collegio apostolico recebe immediatamente de Christo a
sua missão, que é universal, e independente das auctoridades
civis ou temporaes. Não diz que os envia aos lobos, mas que
andarão como ovelhas entre lobos; tantos serão os perigos
que os hão de rodear no desempenho da sua missão. — Pru
dentes como as serpentes é uma phrase proverbial. E o mesmo
que recommendar-lhes cautela, precaução e sabedoria pratica.
— Simples = 2xéçzio, i. é, sinceros, sem astucia nem dobrez,
sem resentimento nem espirito de vingança.
•
1
7
.
— Sobre 17-22 cf
.
Mc. 13, 9-13 e Lc. 21, 12-17. Prediz
lhes as perseguições por parte dos Judeus. — Dos homens,
i. é
,
dos inimigos d
o
reino de Deus e da verdade. São o
s re
presentados pelos lobos.
18. — Perseguições por parte dos gentios. — A elles, i. é
,
aos Judeus. Tanto elles como os gentios hão de ser testemu
*
s. MATTHEUS, X, 19-23. 83
governadores e reis, em testemunho de mim a elles
e aos gentios. º E quando vos entregarem, não vos
dê cuidado como ou o que haveis de dizer, º Por.
que não sois vós os que falaes, mas o espirito do
vosso Pae, que fala em vós.
** E ha de um irmão entregar seu irmão á morte,
e um pae seu filho; e levantar-se-hão filhos contra
paes, e lhes darão morte; ** e sereis aborrecidos
de todos por causa do meu nome; mas aquelle que
perseverar até ao fim, esse será salvo. * E quando
vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra. Em
verdade vos digo, não acabareis de percorrer as ci
nhas da fé
,
coragem e constanciados apostolos, e até nos
tribunaes hão de ouvir a fé e doutrina de Christo.
1
9
e 2o. — Promette-lhes a assistencia do Espirito Santo,
que o
s tornará invenciveis e irrefutaveis.
21. — Divisões e luctas intestinas excitadas pelo odio contra
Christo, que nem respeitará os laços mais intimos da familia!
22. — De todos o
s
homens inimigos da verdade e do bem.
— Até ao fim das perseguições. Perseverar, Úrcuíwsw (= sub
manere) suppõi a permanencia paciente e constante sob o
peso das tribulações.
23. — Recommenda-lhes comtudo que evitem com pru
dencia as tribulações e perseguições, e que saibam ceder-lhes
a tempo. — As cidades de Israel não são as cidades da Pa
Palestina, mas as cidades em que Israel habita, e que estão
espalhadas por todo o mundo. Quando Christo vier a julgar
o mundo h
a
d
e encontrar o
s apostolos no desempenho da
sua missão. Estas palavras seriam vans, se o collegio aposto
lico não fosse uma corporação viva e permanente na Egreja
até á consummação dos seculos, O protestantismo desconhece
esta verdade.
84 s. MATTHEUS, x, 24-28.
dades de Israel até vir o Filho d'homem. * Não é
o discipulo superior ao mestre, nem o servo supe
rior ao seu senhor, º Basta ao discipulo que seja
como o seu mestre, e ao servo, como o seu senhor.
Se ao pae de familia chamaram Beelzebub, quanto
mais aos de sua casa ?
* Portanto não tenhaes medo d'elles; porque não
ha nada encoberto que não venha a descobrir-se,
nem occulto que não venha a saber-se." O que vos
digo ás escuras, dizei-o ás claras; e o que ouvis á
puridade, publicae-o dos eirados. * E não tenhaes
24 e 25. — Anima-os com o seu proprio exemplo. Beelzebub
ou Beelgebul (cf. Bab el mandel e Bab el mandeb) é um nome
de Satanás, o principe dos demonios. Parece ser composto de
*>=, beel, (não ºzz, baal como teem alguns), senhor, e "=" (em
vez de ="=") mosca. Beelzebub é portanto o senhor das moscas, o
deus que as afasta ou afugenta, semelhante as s
ò
;
27óvoto; dos
Gregos, e a
o
deus myagrus dos Romanos. No 4 Reg. 1
,
2 *?=
="=" é o deus dos Accaronitas, e é provavel que o
s Judeus, em
odio e desprezo da idolatria, dessem este nome a Satanás. No
texto presente Jesus allude a
o
commercio o
u
trato com Beel
zebub que o
s phariseus lhe exprobraram (cf. 12, 24").
26. — Sobre 26-23 cf
.
Lc. 12,2-9. Portanto! visto que sofrem
por amor Jesus, em união com elle e pela mesma causa. Tempo
virá em que a santidade dos apostolos e a perversidade dos
seus inimigos hão de ser manifestas a todos.
2
7
e 2
8 — Exhorta-os a prégar animosamente o evangelho,
sem receio nem temor algum. — A puridade, i. é
,
nas ins
trucções particulares. —No verso 28 ensina-os a não temer os
males temporaes, pondo-lhes deante dos olhos a gehenna (cf.
5
,
29, 3o), i. é
,
o supplicio d
o fogo eterno. Até os apostolos
precisam d
o amparo d
o
temor de Deus para perseverar n
o
bem !
sãº"
s. MATTHEUS, x, 29-36. S5
medo dos que matam o corpo, mas não podem
matar a alma; temei antes aquelle, que pode lançar
a alma e o corpo na «gehenna». * Não se vendem
dois pardaes por um «asse»? E comtudo nem um
só d’elles cahirá sobre a terra sem permissão do
vosso Pae. 3º Ora em vós até os cabellos da cabeça
estão todos contados. "Portanto não temaes; mais
do que muitos pardaes valeis vós. * Todo aquelle
pois que me confessar deante dos homens, tambem
eu o confessarei deante do meu Pae que está nos
céos. * Mas quem me negar deante dos homens,
tambem eu o negarei deante do meu Pae que está
nos céos.
* Não julgueis que vim metter paz na terra; não
vim metter paz, mas espada. *Porque vim separar
o homem contra seu pae, e a filha contra sua mãe,
e a nora contra sua sogra. " E os inimigos do ho
29 a 31. — Providencia natural que Deus tem dos seus (cf. ,
6, 26-31). — Por um «asse», i. é, por um nada, por um ceitil.
O «asse» ramano (os rabbinos chamam-lhe ==s) equivalia, no
tempo de Christo, á 16.º parte do «denario» (originariamente
= Io «asses»), que valia em francos o,85, approximadamente.
32 e 3
3
.
— A me confessar (Vulgata) corresponde no grego
*p2X27 (ast y ºu% (= in me), o que deve referir-se á união moral
(como o em Christo de s. Paulo) dos discipulos e confessores
com Jesus Christo, união que é essencialmente mutua (cf. Jo.
15, 4). Outros veem em y sucí, em mim, um aramaismo.
3
4
a 36. —Cf. Lc. 12, 51-53. Divisões e odios que hão de
resultar da necessidade de abraçar a fé
,
e d
e confessar a Christo.
Não é um fim, que Jesus tenha em vista, mas um resultado d
a
maldade dos homens, que ele não deixará viver em paz com
86 S. MATTHEUS, X, 37-4o.
mem serão os de sua casa. " Quem ama a seu pae
ou a sua mãe mais do que a mim, não é digno de
mim, e quem ama a seu filho ou sua filha mais do
que a mim, não é digno de mim. * E quem não
toma a sua cruz, e me segue, não é digno de mim.
º Quem salvar a sua vida, perdê-la-ha; e quem a
perder por meu respeito, achá-la-ha. " Quem vos
seus vicios. O amor de familia ha de converter-se em odio,
perseguindo o filho infiel o pae fiel, e os fieis hão de encon
trar perseguidores entre os que com elles habitam debaixo
do mesmo tecto familial. •
37. — Necessidade de amar a Christo sobre todas as coisas:
Ao modo hebraico s. Mt. tambem poderia dizer, como s Lc.
(14, 26): «Quem não tem odio ao pae e á mãe, não é digno de
mim». Na linguagem hebraica «ter odio» (sentido relativo) a
uma pessoa, é o mesmo que amá-la menos do que outra. (cf.
Rom. 9, 13 e Mal. 1, 2.
)
Nesta passagem Christo exige para si
um amor que so é devido a Deus. Fala pois com plena cons
ciencia da sua divindade.
5
8
e 3
9
.
— Exige que o amemos mais d
o que a nós mesmos,
preferindo o
s
seus interesses á nossa propria vida. Na expressão
me segue h
a
uma allusão ao genero de morte que Jesus havia
d
e padecer. Os cruciarios levavam aos hombros o instrumento
d
o
seu supplicio. No verso 39 ha, no grego e no latim, um
trocadilho elegante n
a palavra ko/á (= anima, alma) que é
tomada successivamente como principio de vida temporal, e
como informada de vida eterna e immortal. Quem lucra a vida
temporal negando a Christo, perde a vida eterna e immortal.
4
o
a 42. — Bençãos promettidas aos que derem hospitalidade
aos apostolos e o
s ajudarem n
o desempenho da sua missão.
São enviados de Jesus Christo, como elle o é do Pae celeste
Quem pois o
s recebe, como apostolos e por serem taes, recebe
a
o proprio Christo! —Terá recompensa do propheta, porque
S. MATTHEUS, X, 41-42. 87
recebe, a mim recebe; e quem me recebe, recebe
aquelle que me enviou. " Quem recebe um pro
pheta, a titulo de propheta, terá recompensa de pro
pheta; e quem recebe um justo, a titulo de justo,
terá recompensa de justo. "E todo aquelle que der
de beber a um destes pequeninos, mas que seja um
copo d'agua fresca, a titulo de discipulo, em ver
dade vos digo, não perderá a sua recompensa.
se torna seu auxiliar e cooperador. — Os pequeninos aponta
dos com o dedo no verso 42 são os apostolos e discipulos de
Christo. São taes aos olhos do mundo (1 Cor. 1, 27), mas no
bres e illustres aos de Deus. O mais pequenino obsequio feito
aos discipulos de Christo terá sua remuneração deante de
Deus.
CAPITULO XI
! E aconteceu tendo Jesus acabado de instruir
os seus doze discipulos, passou d’alli para ensinar
e prégar nas cidades d’elles.
* João porém tendo ouvido na prisão as obras do
Christo, mandando dois dos seus discipulos, º dis
se-lhe: Tu és o que ha de vir, ou esperamos por
XI, 1-6. — Os enviados do Baptista. (Cf. Lc. 7, 18-23.)
Envia João uma delegação a Jesus propondo-lhe a questão
messianica, não porque ele hesitasse ou duvidasse, mas para
lhe proporcionar occasião de manifestar mais claramente a
sua messianidade. O fim do Baptista era levar os seus disci
pulos, morosos e hesitantes, ao reconhecimento da messiani
dade de Christo. A narração de s. Lc. é mais individuada.
1.— D’alli, i. é, do logar onde estava, quando disse aos
seus discipulos: «a messe de certo é muita, mas os obreiros,
poucos» (9, 37). — D’elles, i. é, dos Galileus.
2. — Na prisão da fortalezade Macheronte (hoje Mkhaur,
na fronteira meridional da Peréa, na costa oriental do Mar
morto), onde Herodes Antipas o tinha encerrado. — As obras
de Christo são os seus milagres (cf. Lc. 7, 8 e Jo. 5, 36), que
manifestavam claramente que elle era realmente o Christo, o
Messias. •
3. — O que ha de vir, 4 e/ºusyoz, é um dos nomes do Messias,
como objecto da expectação de todo o povo judaico. Os
rabbinos tambem chamavam á epoca messianica s2n ="">n, o
seculo futuro. (Cf. Hebr. 6, 5; 9, 11.)
s. MATTHEUS, x1, 4-S. 89
outro? " E respondendo Jesus disse-lhes: Ide e con
tae a João as coisas que ouvis e vedes. º Cegos
veem, coxos andam, leprosos são purificados, sur
dos ouvem, mortos resuscitam, pobres são evange
lizados. " E ditoso o que se não escandalizar em
mim.
7 E indo-se elles começou Jesus a falar de João
ás turbas: Que sahistes a ver ao deserto? uma canna
agitada pelo vento? º Mas que sahistes a ver? um
4.— Dá-lhes uma resposta indirecta, appellando para os
seus milagres, que davam testemunho de quem elle era. (cf.
Jo. 5, 36; 1
o
,
25, 28; 14, 12; 15, 24.) O presente ouvis e
vedes, 3x2úsrs x
z 3xérsrs, refere-se aos numerosos milagres
operados por Jesus em presença dos discipulos de João. (cf.
Lc. 7
,
21.). S
.
Lucas 7
,
2
2 emprega o preterito.
5
. — Enumera os seus milagres com palavras de Isaias (35,
5°; 61, 1
), para lhes mostrar como nelles se estavam cum
prindo o
s
vaticinios. — Pobres, em hebraico =">, são o
s mi
seros e aflictos, que suspiram e esperam pela salvação pro
mettida por Deus.
6
. — Em mim, i. é
,
n
a minha pobreza, humildade e paixão.
Tal fo
i
com efeito a pedra em que tropeçaram os Judeus,
como já o tinha prophetizado Isaias (53, 1
, 4), e tambem o
velho Simeão (Lc. 2
,
34). Estas ultimas palavras são uma
grave advertencia para o
s discipulos de João, que tambem
estavam imbuidos dos preconceitos judaicos relativos ás gran
dezas temporaes d
o
Messias.
XI, 7-15, — Faz o elogio do Baptista. (Cf. Lc. 7
,
24.
28) Elogia a firmeza, a austeridade e a dignidade mais que
prophetica d
o Baptista; declara acabado o tempo de prepa
ração, e inaugurada a epoca messianica.
7 a 9
. — O elogio d
o Baptista involve ao mesmo tempo
90 S. MATTHEUS, XI, 9 1 1.
homem regaladamente vestido? Eis os que se ves
tem com regalo estão nos palacios dos reis. º Mas
que sahistes a ver? um propheta ? Sim, vos digo,
e mais que propheta. " Porque este é aquelle do
qual está escripto:
Eis que eu envio o meu anjo adeante de t
i,
E preparará o teu caminho deante de ti
.
" Em verdade vos digo, entre os nascidos
d
e mulheres, nenhum surgiu maior d
o que João o
Baptista; entretanto o mais pequeno no reino dos
uma vigorosa e ironica increpação das turbas, que tendo rece
bido o Baptista com tanto alvoroço, e reconhecido nelle um
propheta de Deus, não quizeram crer n
o
testemunho que elle
deu em favor da messianidade de Jesus. A palavra canna (v
.
7
)
pode ser tomada em sentido proprio, o que torna a arguição
mais vehemente e ironica; comtudo a maior parte tomam-na
em sentido metaphorico, como symbolo d
o
homem leviano e
inconstante. Um e outro sentido, o primeiro sobretudo, con
trastam singularmente com o verbo Oszczadz, contemplar" —
Mas (v
.
8 e 9) corresponde a 3XX%,que, depois de interroga
ções negativas, involve uma negação implicita: «certamente
que não, mas...». (cf. Jo. 7
,
49, 1 Cor. 6
,
6
)
1o. — Explica em que sentido João é mais que propheta:
porque é o precursor immediato d
o Messias, e foi tambem
previamente annunciado por um propheta. No vaticinio de
Malachias (3, 1) é Deus Pae que fala a
o
Messias. —0 meu
anjo, i. é
,
o meu mensageiro o
u legado (&#32;=TNºr).
11. — Não surgiu, ou melhor, não foi suscitado por Deus
(2öx &###ç72) outro (subentende-se) propheta. Entretanto o
reino messianico é tão excellente, que o infimo dos seus cida
S. MATTHEUS, XI, 12-14. O I
céos é maior do que elle. " Ora desde João Bap
tista até agora, o reino dos céos padece força, e os
violentos arrebatam-no. º Porque todos os prophe
tas e a le
i
prophetizaram até João, " e se o quereis
dãos, que são todos filhos adoptivos de Deus, é maior em
dignidade sobrenatural do que o proprio Baptista como pro
pheta. O charisma prophetico, por mais excellente que seja,
não é um dom santificante, nem confere ao homem uma digni
dade tão elevada como a de christão e filho adoptivo de
Deus.
12. — Contraste entre a missão d
o Baptista e o efeito da
sua prégação! O reino messianico cuja proxima instauração
elle annunciou, longe de ser estimado e buscado com avidez,
padece força, 6:2-rz, i. é
,
é fortemente impugnado, e o
s
violentos (escribas, phariseus...) que o impugnam, arreba.
tam-no aos que nelle desejam entrar. Esta explicação é a
que meihor quadra á forma passiva de 62%, ao contexto, que
suppõi um contraste, e á historia da prégação evangelica.
13. — Dá razão da annunciação e instauração da nova ordem
d
e
coisas. E
'
porque terminou com João o tempo da annun -
cieção prophetica d
o
Messias contida na lei (no pentateucho)
e nos prophetas (nos outros livros do A.T.). O verso 13 re
fere-se aos versos precedentes Io, 11 e 12, não sendo neces
sario, por causa d
o
nexo logico, alterar a ordem dos versicu
los (11, 13 e 12).
1
4
.
—Tira a conclusão da doutrina exposta relativa á digni
dade e missão de João. A Biblia fala de duas vindas do Messias,
uma gloriosa, outra pobre, humilde e padecente, cada uma
d’ellas precedida do seu precursor. Elias é o precursor da se
gunda vinda d
o
Messias (17, 11), e d’elle fala Malachias em
4
,
5-6. Em 3
,
1 fala d
o precursor da primeira. Como o
s
Judeus
confundiam estas duas vindas, esperavam um só precursor.
E por isso que Jesus, alludindo a esta confusão, e distinguindo
o
s
dois precursores um d
o outro, lhes diz que João é Elias,
92 s. MATTHEUS, x1, 15-19.
receber, elle é Elias, o que ha de vir, º Quem tem
ouvidos de ouvir, oiça.
16 E a quem assemelharei eu esta geração? E'
semelhante aos meninos sentados na praça, que
bradando aos seus eguaes, " dizem:
Tocámos flauta, e não dançastes:
Entoámos lamentações, e não chorastes!
º Porque veio João não comendo, nem bebendo, e
dizem: E' um endemoninhado! "º Veio o Filho d'ho
não em pessoa, mas em dignidade e oficio. Como propheta e
precursor João é typo de Elias.
1
5
.
— Exhorta-os a ponderar attentamente o que tinham
ouvido, para o entenderem e tirarem as conclusões praticas.
Em substancia tinha-lhes dito que era chegado o tempo me
nianico, e que ele mesmo, que alli estava, era o Messias.
XI, 16-19. — Increpação do povo. (Cf. Lc. 7, 31-35.)
Reprehende a contumacia e obstinação dos Judeus, que não
comprehenderam o Baptista nem a elle, o Filho d'homem,
escandalizando-se egualmente da vida solitaria, austera e pe
nitente d'um, e da vida commum e ordinaria do outro!
1
6
e 1
7
.
— Admira-se de tamanha obstinação! São seme
lhantes em teimosia aos rapazes vadios e ociosos que passam
o dia na praça, e não são capazes de concordar para instituir
um jogo commum em que todos tomem parte. Uns tocam
arias alegres, mas o
s
outros não bailam; entoam então melo
dias funebres, mas elles não pranteiam, como as carpideiras,
em signal de lucto! -
1
8
e 19. — Applica a parabola aos Judeus. — A sabedoria,
(vers. 19) é o decreto sapientissimo d
e
Deus relativo ao modo
S. MATTHEUS, XI, 20-21. - 93
mem comendo e bebendo, e dizem: Eis ahi um glu
tão e bebedor de vinho, um amigo de publicanos e
de peccadores. Mas a sabedoria fo
i
justificada pelos
seus filhos.
20 Então começou Jesus a lançar em rosto ás
cidades, onde fizera o
s
mais dos seus milagres, o
não terem feito penitencia. ** A
i
d
e ti
,
Corozain!
d
a vinda d
o Messias, em pobreza, humildade e sofrimento.
Este designio de Deus, que os prudentes e sabios do mundo
não comprehendem, foi reconhecido e approvado como santo,
justo e sabio por aquelles cujo espirito e coração estavam
ajustados com o pensar de Deus. Filhos da sabedoria são
aquelles que ella forma e em certo modo gera á suaimagem
e semelhança. Outros codices comtudo leem 27%=öyép?owz}=7:,
pelas suas obras. Neste caso são as obras de João e de Jesus,
que abonam de justo e sabio o designio de Deus.
XI, 2o-24. — Amaldiçôa as cidades incredulas. (Cf.
Lc. 1o, 13-15.) Em s. Lucas as tres maldições fazem parte das
intrucções dadas aos 72 discipulos enviados em Missão, quando
Jesus estava para terminar o seu ministerio em Galiléa. Aqui
são o justo castigo da contumacia e obstinação do povo.
2o. — O adverbio então pode ser aqui, como em tantas
outras passagens, uma simples fórmula de transição, sem
significação chronologica. Comtudo bem pode ser, e a pala
vra começou, Yçzzro, parece indicá-lo, que Jesus repetisse mais
vezes a
s
ameaças contidas neste paragrapho. — O
s
seus mi
lagres, z? Sováust; 2):25, as obras manifestativas d
o
seu poder
sobrenatural e divino.
21. — Corozain (no talmud I">), pequena cidade da mar
gem occidental d
o lago, na vizinhança de Capharnaúm. Iden
tificam-na com as ruinas hoje chamadas Kerâyeh, a uma hora
d
e Tell-Hum. — Bethsaida (o logar da pesca) era a patria de
94 S. MATIHEUS, X1, 22-24.
ai de t
i,
Bethsaida! porque se em Tyro e Sydonia
tivessem sido feitos o
s
mesmos milagres que em
vós, h
a
muito teriam feito penitencia em cinza e ci
licio. * Por isso vos digo: Tyro e Sydonia, no dia
d
o juizo, serão tratadas com menos rigor do que
vós. ** E tu, Capharnaúm, acaso has de elevar-te
até o céo? Até o inferno descerás; porque se em
Sodoma tivessem sido feitos o
s
mesmos milagres
que em t
i,
ainda hoje existiria. ** Digo-vos emfim:
a terra de Sodoma, no dia do juizo, será tratada
com menos rigor do que tu.
André e de Pedro (Jo. 1
, 44); ficava perto de Capharnaúm. —
Tyro, hoje Sür, e Sidonia, hoje Saida ou Syaida, eram os dois
grandes emporios da Phenicia, amaldiçoados na Escriptura
por causa da sua idolatria e profunda corrupção de costumes.
Pois os habitantes de Corozain e Bethsaida eram ainda muito
peores e mais culpados d
o que elles! Que vergonha para o
povo de Deus! — Em cinza, i. é
,
sentados no chão e com a
cabeça coberta de cinza. (cf. Jo. 3
,
6.). O cilicio ou sacco,
à
y
azxxó, era uma vesta aspera e lugubre.
2
2 — Fala como juiz supremo do genero humano, e no
conhecimento dos segredos d
o coração, até de coisas mera
mente hypotheticas, como a penitencia dos Tyrios e Sido
mios, manifesta a sua divindade.
23. —Capharnaúm, a cidade de Jesus (cf. 4
, 13; 9, 1)
,
o
centro do seu apostolado na Galiléa, a primeira capital
d
o
mundo christão, peor do que o
s
infames habitantes de
Sodoma! A Vulgata é menos exacta, quando traduz fusivey &
w
por forte mansissent. A
º pertence á apodose das enunciações
hypotheticas; não tem sentido dubitativo, nem h
a
n
a lingua
latina particula que lhe corresponda.
XI, 25-3o. — Palavras de misericordia. Louva e
s. MATTHEUS, x
1
,
25-27. 95
2
5 Naquelle tempo respondendo Jesus disse: Eu
te glorifico, ó Pae, Senhor do céo e da terra, por
que occultaste estas coisas aos sabios e prudentes,
e a
s
revelaste aos pequeninos. **Sim, Pae, porque
ta
l
fo
i
o teu beneplacito.
2
7 Todas as coisas me foram dadas por meu Pae.
E ninguem conhece ao Filho senão o Pae, nem a
l
guem conhece a
o Pae senão o Filho, e a quem o
Filho quizer revelar.
admira o
s
altos designios de Deus na manifestação d
o
reino
messianico (25-26), e compadecendo-se da obstinação dos
Judeus, exhorta-os a virem a s
i,
abrindo-lhes o seu coração e
promettendo-lhes a felicidade (27-3o).
25. — Respondendo, i. é
,
tomando a palavra. E
'
uma expres
são hebraizante. Esta parte (25-26) vem tambem em s. Lc. 1o,
21-22, depois do regresso dos 72 discipulos enviados em
missão. Aos sabios e prudentes do mundo os mysterios do
reino messianico parecem ignorancia, superstição e insensatez!
Deus entrega-os á demencia d'um orgulho que pretende aferir
tudo pelas normas deficientes da propria razão. Outra é a
sorte dos humildes, que buscam sinceramente a verdade.
26. — Confirma o que disse no vers. 25. Deus, que repelle
d
e
si o
s suberbos, agrada-se e compraz-se em que o
s peque
ninos recebam o evangelho.
27. — Todas as coisas, sem limite algum. (cf. 28, 18
.
Jo.
13, 3
;
16, 15, 1 Cor. 15, 24). O Filho é portanto egual ao
Pae, que, juntamente com a natureza divina, lhe deu tudo o
que lhe pertencia. E é tal a dignidade e excellencia do Filho
que ninguem o conhece bem (irtytváaxi) senão o Pae, e vice
versa. Jesus é na terra o medianeiro visivel de Deus, e como
nelle estão depositados todos o
s
thesoiros da sabedoria e
do poder de Deus Pae, é ele a unica fonte de salvação para
todo o genero humano.
90 s. MATTHEUS, XI, 28-3o.
* Vinde a mim todos os que viveis em trabalhos,
e estaes opprimidos, e eu vos confortarei. º Tomae
sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque
sou manso e humilde de coração, e achareis des
canso para as vossas almas. º Porque o meu jugo
é suave, e a minha carga é leve.
Estas palavras sublimes, echo fiel dos discursos theologicos
do quarto Evangelho, seriam absurdas se Christo não fosse
Deus e filho de Deus.
28. — Chama benignamente a todos para junto de s
i, por
que o Filho é a unica fonte de salvação e de beatitude para
todo o genero humano. O vers. 28 é consequencia do vers.
27. O trabalho e a oppressão representam aqui todos o
s
males
d
a vida, tanto physicos como moraes. Para todos elles tem a
salvação messianica lenitivo, conforto e libertação final. —
Confortar = 2Wazzís.», i. é, fazer cessar alguem do trabalho ou
movimento, para lhe restaurar as forças, e portanto, dar
descanso, recrear.
29. — Aprendei de mim, i. é
,
fazei-vos meus discipulos,
sujeitando-vos á minha doutrina e aos meus preceitos. —
Descanso = 2,4nzoat:, como no vers. 28. — Para as vossas
almas, i. é
, para vós mesmos. Os Hebreus servem-se de v=>,
alma, para exprimir o pronome pessoal o
u
reflexo. (Cf. Jer. 6
,
16, d’onde são tomadas estas palavras, e Ps, 77, 18. Is
,
46, 2.)
CAPITULO XII
| Naquelle tempo passou Jesus por uns semea
dos em dia de sabbado, e os seus discipulos com
fome começaram a arrancar espigas e a comer.
* E os phariseus, vendo, disseram-lhe: Eis que os
teus discipulos estão fazendo o que não é licito fa
XII, 1-8. — A questão das espigas. (Cf. Mc. 2, 23-28.
Lc. 6, 1-5.) O capitulo precedente foi especialmente consa
grado a manifestar a obstinação do povo, o que lhe mereceu
a exclusão do reino messianico; no capitulo X
II
reunes. Mt.
uma serie de acontecimentos que vão pôr em realce a per
versidade e contumacia dos chefes religiosos do povo, o
s es
cribas e o
s phariseus. Os dois primeiros referem-se á obser
vancia d
o sabbado, um dos pontos capitaes e dos mais cara
cteristicos do judaismo.
1
. — Naquelle tempo, como em 11, 1. 25. Designa d'um
modo vago o tempo em que Jesus andava evangelizando à
Galilea. S. Lucas determina melhor a epoca, que foi o segundo
anno da vida publica de Jesus, depois d
o
seu regresso de Je
rusalem, onde tinha ido á (2.°) festa da Paschoa. O caso nar.
rado, e que mostra a grande pobreza de Jesus e dos seus apos
tolos, estava previsto e auctorizado pela le
i
(Deut. 23, 25), por
isso não involvia lesão da propriedade alheia.
2
. — A casuistica pharisaica via na acção dos discipulos
uma violação da le
i
que prohibia ceifar ao sabbado (Ex. 34, 21),
e talvez tambem da lei que prohibia cozinhar alimentos
(Ex 35, 3)!
7
9S s. MATTHEUS, XII, 3-7.
zer em dia de sabbado. º Elle porém disse-lhes:
Não lestes o que fez David, quando sentiu fome e
os que com elle estavam; º como entrou na casa
de Deus, e comeu os pães da proposição, que nem
a elle, nem aos que com elle estavam era licito co
mer, mas sómente aos sacerdotes ? " Ou não lestes
na le
i
que, aos sabbados, o
s sacerdotes, n
o templo,
não guardam o sabbado, e ficam sem culpa ?" Ora
e
u
vos digo que maior que o templo é este." E se
•
3 e 4
. — Lança-lhes em rosto a ignorancia da lei, cuja exa
cta observancia zelavam. As leis positivas são para bem do
homem; ora h
a
casos em que a necessidadee a caridade exi
mem o homem da observancia da lei. Prova-o com o exem
plo de David. — Na casa de Deus, i. é
,
no tabernaculo da a
l
liança, que neste tempo estava em Nobe (1 Reg. 21, 1.°). Pães
d
a proposição, em hebraico, «pães de face» o
u
«da ordena
ção», eram os 12 pães de flor de farinha, que a le
i
mandava
colocar na presença do Senhor ou da arca da aliança, em
memoria perenne das 12 tribus de Israel. Removavam-se cada
sabbado, e só os sacerdotes os podiam comer, e no logar
santo. (cf. Lev. 24, 5.")
5
. — Outra causa justa de dispensa: um bem d'ordem supe
rior, qual é, no caso presente, o culto publico no templo, que
exigia dos sacerdotes trabalhos aliás qualificados de servis.
Uma coisa pois é a letra, outra o espirito da lei.
6
. — Terceiro motivo: a dignidade de Jesus, em obsequio
d
o qual estavam occupados os apostolos, passando por isso
tantas privações. S
e pois é licito quebrar o descanso sabba
tino por causa d
o
serviço d
o templo, muito mais o será por
amor de Jesus que é mais que o templo. Esta ultima clausula
involve uma afirmação implicita da divindade de Christo,
7
. — Pói-lhes o dedo na chaga que os faz apodrecer, a du
reza d
o
coração e a falta de caridade e de misericordia, Tal
s. MATTHEUS, XII, 8-1o. O9
soubesseis o que quer dizer: Misericordia quero, e
não sacrificio, nunca condemnarieis os innocentes.
º Porque o Filho d'homem é senhor do sabbado.
9 E tendo partido d’alli, veio para a synagoga
d'elles. " E eis um homem com a mão resequida,
e interrogavam-no, dizendo: Se é licito curar ao
é a causa intima que lhes inspira as criticas systematicas e
acerbas das acções alheias. Sobre o texto de Oseas, 6, 6, cf
.
9
,
1
3
,
onde já o explicámos.
8
.— Razão ultima e decisiva: o Filho d'homem é o senhor
d
o sabbado, e pode dispor d’elle, como bem lhe apraz; se não
reprehende os apostolos, é signal que estão innocentes e não
procedem mal. E o mesmo que dizer que é Deus, porque o
sabbado é o dia do Senhor. (Ex. 2o, 1o.)
XII, 9-14 — Cura um homem com a mão resequida.
(Cf. Mc. 3
,
1-6. Luc. 6
,
6-11.) E
'
um caso analogo a
o prece
dente, mas em que se manifesta ainda mais claramente a mal
dade e obstinação dos phariseus, que d'esta vez começaram a
conspirar contra a vida de Jesus. S
.
Mc. e s. Lc. descrevem a
scena com maior viveza e com mais particularidades.
9
. — Para a synagoga, porque era um dia de sabbado, mas
diferente d
o precedente (Lc. 6
,
6
). — D’elles, i. é
,
dos Gali
leus. O Evangelista fala dos Judeus como de gente separada
dos discipulos de Christo.
1o. —E provavel que o homem fosse propositadamente
trazido para alli pelos phariseus com o fim de armarem uma
cilada a Christo. Como esperavam resposta affirmativa (cf.
12, 3
º. Jo, 5, 11") queriam accusar a Christo de violar a le
i
d
o
sabbado, o que para o
s
Judeus era uma especie de apostasia.
Segundo as tradições rabbinicas não era licito curar ao sab
bado, senão em caso de perigo de vida! Não só sacrificavam
tudo á letra da lei, mas aggravavam-na com prescripções ri
IOO S. MATTHEUS, XII, II - 14.
sabbado? para o accusarem. " Elle porém disse
lhes: Que homem ha entre vós que, tendo uma
ovelha, se ela cahir ao sabbado numa cova, não
pegue nella e a tire ? " E quanto mais vale um ho
mem do que uma ovelha? Portanto licito é fazer
bem em dia de sabbado, º Então diz ao homem:
Extende a tua mão! E extendeu, e ficou sã como a
outra. " Os phariseus porém sahindo tomavam
conselho contra Jesus, para o matarem.
diculas e em extremo onerosas, ás quaes davam mais im
portancia do que á propria lei. Quanto á caridade, que é a
alma e o fim da lei, d'essa nada sabiam.
11 e 12.— Confunde os seus adversarios com um argu
mento ad hominem, que põi bem em evidencia a sua avareza
e crueldade, pois não tinham escrupulo de fazer aos brutos o
que, por motivo do sabbado, não ousavam fazer aos homens.
— Fazer bem, porque ha obras boas, como a de curar um en
fermo, cuja omissão equivale a fazer mal; ora nunca é licito
fazer mal para se guardar o sabbado. Esta resposta de Christo
torna-se mais inteligivel tendo presente a pergunta prévia
que elle tinha feito aos phariseus, se era licito em dia de sab
bado fazer bem ou mal. (cf. Mc. 3, 4. Lc. 6, 9.
)
12. — Confirma por um milagre a doutrina ensinada.
14. — Effeitos d
o milagre nos phariseus Longe de se com
verterem, encheram-se de furor (Lc. 6
,
11), e unindo-se com
o
s partidarios de Herodes, seus inimigos politicos e religio
sos, começaram a tramar contra a vida de Jesus, a cuja dou
trina e auctoridade não podiam resistir. A graça de Deus não
melhora o peccador obstinado, antes o cega e endurece mais.
Deus abandona-o á depravação de seus sentimentos (Rom.
1
,
28). — Para, e não: como ou de que modo. A Vulgata tem
quomodo, mas bro; com conjunctivo deve traduzir se por
ut em sentido final.
s. MATTHEUS, XII, 15-18. IO I
15 E Jesus sabendo retirou-se d’alli; e seguiram
no muitos, e curou-os a todos; º e ordenou-lhes
que não manifestassem quem elle era, 17 para se
cumprir o que fo
i
annunciado pelo propheta Isaias,
que disse:
º Eis o meu servo, a quem escolhi,
O meu predilecto, no qual a minha alma se agradou.
Porei sobre elle o meu espirito,
E annunciará o direito ás nações.
XII, 15-21. — Mansidão e humildade de Jesus. Em
quanto o
s phariseus deliberam, Jesus, manso e humilde, es
quiva se-lhes, para deixar acalmar a tempestade. Evita o con
ficto, porque não era chegada ainda a sua hora. Continúa a
fazer milagres em favor dos desgraçados, mas recommenda
lhes silencio, e que o não descubram, nem a elle nem o seu
logar de refugio. Que bem lhe quadra o retrato d
o Messias,
esboçado por Isaias (42, 1-4) na celebre prophecia d
o
servo
de Deus!
16. — Ordenou-lhes com palavras severas e ameaçadoras
(*rsruxas). — Quem elle era, i. é
, que elle era o Messias. Era
o que irritava sobremaneira os phariseus.
17. — O servo de Deus. Isaias descreve-o como um eleito
de Deus, um predilecto de Iáhve, ungido com a plenitude
do Espirito Santo, e destinado a annunciar a verdade divina
a
s
nações. — O meu servo, 4 rai, uzo, é o Messias, que é por
excellencia o servidor de Iahve (Triº T=>), o executor fiel de
seus decretos. — Porei, síno, os Setenta e o hebraico teem dei,
n
o preterito. — O direito, zoía; = c=v-, é o direito divino,
norma surprema d
o justo e recto, qual é o Evangelho, e tam
bem a norma segundo a qual todos hão de ser julgados. —
A's nações, ri, Sweaty, i. é, aos pagãos ou gentios (=":).
18.— Passa a descrever o modo como o Messias des
empenhará a sua missão. E pela mansidão, humildade e pa.
IO 2 s. MATTHEUS, XII, 1922.
º Não porfiará, nem clamará,
Nem se ouvirá nas praças a sua voz.
*º Uma cana rachada não a acabará de quebrar,
Uma torcida que ainda fumegue não a apagará,
Até fazer triumphar o direito.
** E no seu nome esperarão as gentes.
22 Então lhe apresentaram um endemoninhado,
ciencia que elle triumphará. — Nem clamará, i. é, não armará
disputas, rixas e contendas, como os apaixonados e domina
dos por espirito de partido.
•
19. — Será misericordioso, benigno e clemente para com
todos os miseros e afflictos, aproveitando todos os germens
de bem que ainda houver nelles, para os fazer crescer, pros
perar e fructificar. — Rachada, ouvrerotuuévoy,i. é, confractum,
contritum. A cana cahida no chão, já pisada e rachada, é a
imagem do homem fraco, cahido e prestes a arruinar-se in
teiramente. — Até..., resultado final da acção do Messias: o
triumpho definitivo do bem sobre o mal, do direito divino
sobre a iujustiça e iniquidade. Esta victoria começa com o
apostolado do Messias, mas só será plena e definitiva no dia
do juizo.
2
1
.
— A
s gentes, n
o
hebraico: as ilhas, i. é
,
a
s regiões e
povos longinquos, extranhos ao povo de Deus. Annuncia pois
a universalidade do reino do Messias.
XII, 22-37. — Cura um possesso cego e mudo. A
questão de Beelzebub. (Cf. Mc. 3, 22-3o. Lc. 11, 14-23.) O
caso é bastante parecido com o de 9
, 32-34, mas nem por
isso se confunde com elle. Alli tratava-sed'um possesso
mudo, aqui d'um possesso cego e mudo; aqui as turbas come
çam a manifestar a sua fé no Messias, o que alli se não dá;
finalmente a blasphemia dos phariseus, ali apenas mencionada,
aqui é vigorosa e largamente rebatida.
2
2
.
— Então não indica a ordem d
o tempo; serve apenas d
e
s. MATTHEUS, XII, 23-27. 1o3
cego e mudo, e o curou de modo que falava e via.
** E pasmavam todas as turbas, e diziam: Porven
tura será este o filho de David? ** Os phariseus po
rém, ouvindo, disseram: Este não expulsa os demonios
senão por Beelzebub, principe dos demonios. * Mas
Jesus sabendo os pensamentos d’elles, disse-lhes:
Todo o reino dividido contra si mesmo será desola
do, e toda cidade ou casa dividida contra si mesma
não subsistirá. 2º Ora se satanás expulsa a satanás,
está dividido contra si mesmo, como subsistirá en
tão o seu reino??? E se eu expulso os demonios por
Beelzebub, por quem os expulsam os vossos filhos?
ligar a presente narração á precedente. Este caso involve tres
milagres.
23. — Pasmavam, é3íaTavro, estavam como fóra de si
,
toma
das d
e assombro e de admiração. — Porventura = wärt, par
ticula que suppõi dúvida em quem pergunta. — O filho de Da
vid, i. é
,
o Messias. (cf. 9
,
2
7
e 22,42.)
24. Perversidade dos phariseus. Lançam mão da calumnia
para alienar o povo de Christo, e afogar aquelle tenro ger
men d
e
fé messianica lançado pelo milagre n
o povo ! — Sobre
Beelzebub cf
.
1o, 25.
25. — O
s pensamentos, i. é
,
a calumnia atroz que contra
elle espalhavam n
o povo, e a intenção damnada com que o
faziam. Refuta-os primeiro (25 e 26) com um argumento ab
absurdo. S
e
Christo expulsasse o
s
demonios em virtude de
satanás (cf. 4
,
1
),
o proprio satanás lhe daria poder contra si
e contra o seu proprio reino, pois a obra de Christo é absolu
tamente opposta á de satanás!
27. — Segundo argumento, e ad hominem. Havia exorcistas
entre o
s Judeus, e o
s proprios phariseus sabiam que a sua
eficacia vinha de Deus. Como pódem pois attribuir agora a
o
IO4 s. MATTHEUS, XII, 28-3o.
Por isso elles mesmos serão vossos juizes. * Mas se
eu expulso os demonios pelo Espirito de Deus, logo
chegou a vós o reino de Deus, º Ou como pode
alguem entrar em casa do valente, e saquear-lhe as
alfaias, sem ligar primeiro o valente? E então lhe
saqueará a casa. " Quem não está comigo é contra
mim; e quem não ajunta comigo espalha.
demonio, obras que nos seus filhos, i. é, nos seus discipulos,
attribuiam a Deus? Os seus proprios discipulos os condem
narão!
28. — Tira a conclusão dos argumentos precedentes. Christo
expulsa os demonios em virtude do Espirito de Deus, que
nelle reside, e a sua obra é a destruição do imperio de sata
más, destruição reservada ao Messias, logo é chegado o tempo
messianico. — Chegou a vós, #5aaav º bv.2;, chegou a vos
mais cedo do que pensaveis (434vo = praevenio, anteverto).
29. — Confirma a doutrina precedente (v. 38), mostrando
como elle é realmente o vencedor de satanás e o destruidor do
seu reino. —0 valente é satanás, que entrou no mundo pelo
peccado e o sujeitou á sua escravidão e tyrannia. Por isso é
chamado o principe d'este mundo (Jo. 12, 31 ; 14, 3o: 16, 11)
peccaminoso e decahido. — As alfaias, r% oxzón, i. é, os uten
silios destinados ao uso domestico. Representam as almas
que Jesus arrebata das garras do demonio.
3o. — Condemna a neutralidade. Desde o momento que está
no mundo o vencedor de satanás, e que já começou a inaugu
rar o seu reino, que é a unica fonte de salvação para todo o
genero humano, ninguem pode permanecer indiferente ou
neutral perante Jesus Christo. Esta doutrina de Christo não
está em opposição com a de s. Lc. 9, 5o: «quem não é contra
vós, é por vós», onde se reprime a emulação dos discipulos,
que prohibiram a um que cria em Jesus, mas não andava
com elle, de fazer milagres em seu nome.
s. MATTHEUS, XII, 31-34. IO5
* Por isso vos digo: Todo o peccado e blasphe
mia será perdoado aos homens, mas a blasphemia
contra o Espirito não será perdoada. * E todo
aquelle que disser uma palavra contra o Filho d'ho
mem, ser-lhe-ha perdoada; mas quem a disser con
tra o Espirito Santo, não se lhe perdoará nem neste
mundo nem no outro." Ou supponde a arvore boa,
e o seu fructo bom; ou supponde a arvore má, e o
seu fructo mau; porque pelo fructo se conhece a
arvore. * Raça de viboras, como podeis falar bem,
31 e 32. — O peccado contra o Espirito Santo. — Por isso,
refere-se á doutrina exposta desde 25 a 3o. Blasphemia contra
o Espirito Santo era a dos phariseus, que attribuiam ao
demonio obras manifestamente divinas. E' um peccado de
pura malicia e odio, que não tem comparação com as inju
rias proferidas contra Christo pelos que ignoravam a sua
dignidade, e o tinham na conta de puro homem, como qual
quer outro.—Nem neste mundo nem no outro, i. é, «não al
cançará perdão eternamente, mas será réo d'um delicto eterno»
(Mc 3, 29), não por falta de poder, na Egreja, para perdoar
taes peccados, mas por causa da obstinação e impenitencia
de peccadores tão perversos, que, salvo um verdadeiro mila
gre moral, nunca se arrependem nem imploram devidamente
o perdão. Uma coisa é a possibilidade, que não se nega, outra
é o facto da conversão.
•
3
3
.
— Propõi uma parabola. — Suppor toma-se aqui em sen
tido declarativo, como expressão d'um juizo. Os orientaes
não apreciam as arvores senão pelo fructo. Para elles pois
toda a arvore é necessariamente boa ou má, conforme o
fructo.
3
4 — Applica a parabola aos phariseus. Dão fructos maus,
porque são arvores más, São uma raça de viboras (3
,
7)!
1o6 s. MATTHEUS, XII, 35-38.
••·
sendo maus? Pois do que abunda no coração fala a
bocca. 3º O homem bom do bom thesoiro tira coi
sas boas; e o homem mau do mau thesoiro tira coi
sas más. " Ora eu vos digo que toda a palavra
ociosa, que os homens houverem proferido, d’ella
darão conta no dia do juizo. " Porque pelas tuas
palavras serás justificado, e pelas tuas palavras se
rás condemnado.
38 Então lhe responderam alguns dos escribas
e phariseus, dizendo: Mestre, queremos ver-te fa
36. — Conta que o homem ha de dar de todas as suas
palavras, porque são fructos do coração, e manifestam a
indole interna de cada um (v. 35). — Palavra ociosa é a pala
vra inutil para quem a profere e para quem a ouve.
3
7
.
— Porque as palavras manifestam o thesoiro que cada
qual tem n
o
seu coração. Os homens serão pois julgados por
ellas d
o
mesmo modo que pelas obras. E doutrina frequen
temente inculcada na Biblia.
XII, 38-42. — Pedem-lhe um signal. (Cf. Lc. 11, 16.
29-32.) Mais uma prova da malicia e obstinação dos escribas
e phariseus. Não contentes com os milagres operados por
Jesus Christo, que julgam provas insuficientes da sua missão
pedem-lhe um signal mais explicito e decisivo. Jesus repelle
o
s
com justa indignação, promettendo-lhes apenas o signal da
sua morte e ressurreição, e lançando-lhes em rosto a sua obs
tinação e perversidade.
3
8
.
— Responderam, como em 1
1
,
2
5
.
Estes alguns, como
se colhe de s. Lc. 11, 15, são differentes dos que blasphema
ram contra o Espirito Santo (12, 24). Como veem a Christo
falar com tanta auctoridade, pedem-lhe um signal da sua
missão. Mas querem um signal vindo d
o
céo (Luc. 1
1
,
16), um
s. MATTHEUS, XII, 39-41. Io7
zer um signal. º E ele respondendo disse-lhes:
Esta geração má e adultera pede um signal; e não
se lhe dará signal senão o signal de Jonas, o pro
pheta. º Porque assim como Jonas esteve no ven
tre do cetaceo tres dias e tres noites, assim tambem
estará o Filho d’homem no coração da terra tres
dias e tres noites. ** Os Ninivitas levantar-se-hão
no dia do juizo com esta geração, e condemná-la
hão; porque fizeram penitencia com a prégação de
trovão ou voz celeste, que lhes atteste da parte de Deus a
missão divina de Jesus Christo, como se os milagres por elle
operados na terra não dessem testemunho suficiente de quem
elle eral (cf. Jo. 6,32; 15, 24.)
39. — Adultera, i. é, apostata e infiel á alliança feita com
Deus, no Sinai, alliança que a Biblia, na sua linguagemfigurada
e mystica, considera como uma especie de enlace espiritual de
láhve com o seu povo. (cf. Is
.
1
,
21. Jer. 2
,
2
. Ez. 16, 8. Os.
2
,
5º.) — O signal de Jonas é um signal de que Jonas em sua
pessoa e historia foi o symbolo prophetico.
4o. — Explica em que consiste o signal de Jonas. A ex
pressão tres dias e tres noites não designa um espaço de 72
horas, porque o
s
Judeus costumavam contar uma parte do
dia civil pelo dia inteiro (cf. Esth. 4
,
1
6
e 5
,
1
) e assim o en
tenderam o
s proprios phariseus. (cf. 27,63-64). — No coração
d
a terra, i. é
,
no meio, n
o
centro d
a
terra. Refere-se á des
cida de Christo ao Scheol ou habitação dos mortos, que a
Biblia representa como um logar subterrameo situado nas
profundezas. Outros, com menos propriedade, entendem a
expressão d
a sepultura de Christo.
41. — Argúe a obstinação dos Judeus, mostrando quão bem
lhes quadra o estigma de geração má e adultera. — Levantar
S
e hão, como accusadores ou testemunhas contra elles. Diz
com..., porque nos juizos ambas as partes estavam de pé,
..…… "
- **
IO8 S. MATTHEUS, XII, 42-44
Jonas; e eis mais que Jonas é este! " A rainha do
Meio dia levantar-se-ha no dia do juizo com esta
geração, e condemná-la-ha; porque veio dos confins
da terra ouvir a sabedoria de Salomão; e eis mais
que Salomão é este!
43 O espirito immundo tendo sahido do homem
anda por logares aridos, em busca de descanso, e
não o encontra. “Então diz: Tornarei para a mi
42. — Do Meio-dia, i. é, de Sabá, na Arabia feliz (cf. 3 Reg.
1o, 14).— Dos confins da terra é uma phrase hyperbolica.
XII, 43-45. — Ruina espiritual do povo judaico. (cf.
Lc. 11, 24-26) Prediz o que ha de succeder á geração má e
adultera, que nem ainda com o signal de Jonas ha de crer em
Jesus Christo e fazer penitencia. Serão abandonados por
Deus, e entregues ao demonio.
43. — Allude ao caso da possessão diabolica (12, 22"). O de
monio expulso vai-se para as solidões, onde habitam os espi
ritos immundos (Apoc. 18, 2
),
mas não acha alli logar onde
repousar. Estava acostumado a habitar no homem, e esta ha
bitação é-lhe mais agradavel. Por isso (verso 44) resolve-se a
atacá-lo de novo. Volta pois é sua antiga morada, d’onde fôra
expulso, e acha o infeliz recahido n
o peccado, mais obstinado
no mal do que antes, e abandonado de Deus. E
'
como se en
contrasse a sua antiga habitação devoluta, bem varrida e or
nada como convem a tal hospede! Vai pois (vers. 45) em
busca d
e companheiros e vem com elles estabelecer-se no in
feliz, que vem a tornar-se uma morada de demonios, entre
gue a todas as miserias da obcecação e obstinação moral.
O final do vers. 45 applica a parabola aos Judeus comtem
poraneos de Jesus Christo, rebeldes a todos os meios que
Deus empregou por meio d
o Baptista, de Jesus e dos apos
tolos para o
s
trazer á fé messianica,
s. MATTHEUS, XII, 45-48. 100
nha casa donde sahi. E voltando acha-a deshabitada,
varrida e ornada. º Então vai, e traz comsigo mais
sete espiritos, mais perversos ainda do que elle, e
entrando habitam nella; e o estado final d'aquelle
homem torna-se peor do que o primeiro. Assim
acontecerá tambem a esta geração depravada.
46 Emquanto elle estava falando ás turbas, eis
que sua mãe e irmãos estavam fóra, querendo fa
lar-lhe. " E disse-lhe alguem: Eis que tua mãe e
teus irmãos estão fóra, e procuram-te. º Elle porém
XII, 46-5o — A Mãe e os irmãos de Jesus. (cf. Mar.
3, 31-36. Lc. 8, 19-21.) A geração má e adultera confiava no
seu parentesco carnal com Abrahão (3
,
9); mostra Jesus
Christo que, n
o
reino messianico, o
s
vinculos naturaes d
o
sangue nada valem, mas somente os vinculos espirituaes d
a
submissão á justiça de Deus. Só o
s que obedecem a Deus são
verdadeiros filhos de Abrahão e parentes do Messias.
46. — S. Lucas 8
,
1
9 determina melhor a occasião em que
o
s parentes de Jesus o vieram buscar. Como o
s
Judeus dão o
nome d
e irmãos não só aos irmãos germanos e uterinos, mas
tambem aos parentes e consanguineos, não h
a aqui funda
mento para se afirmar que os irmãos de Jesus eram filhos d
e
José e de Maria, o que, hoje, até o
s protestantes reconhe
cem. Os irmãos de Jesus, Tiago, José, Simão e Judas, eram
filhos de Maria, irmã da mãe de Jesus e mulher de Cleophas.
(cf. 27, 56. Mc. 15, 4o, 47; 16, 1. Jo. 19, 25.)
48. — Não desconhece o
s
laços e obrigações de familia, mas
como Messias e n
o desempenho da sua missão, só está sujeito
á vontade d
o
Pae celeste (cf. Lc. 2
, 49), por isso não pode
interromper a sua obra messianica para attender aos seus
parentes segundo o sangue.
l I O s. MATTHEUS, XII, 49-5o.
respondendo ao que lh'o disse, diz: Quem é a mi
nha mãe, e quem são os meus irmãos? º E exten
dendo a mão para os seus discipulos, disse: Eis a
minha mãe, e os meus irmãos!" Pois todo aquelle
que fizer a vontade do meu Pae que está nos céos,
esse é meu irmão, e irmã e mãe.
49. — Declara quem são os verdadeiros parentes do Mes
sias, aquelles dos quaes tem agora de occupar-se, segundo a
vontade do Pae: são os seus apostolos e discipulos, que lhe
estão unidos pelos laços da fé
,
d
a obediencia e do amor.
5o. — Explica em que consiste o parentesco espiritual no
reino messianico. A obediencia á vontade do Pae é tudo para
Jesus Christo; os que nella se parecem com elle são verda
deiramente filhos de Deus, e portanto irmãos e parentes de
Jesus. Ninguem nisto se pareceu tanto com elle como sua
Mãe, por isso ninguem como ella estava tão perto d
o
seu
coração. Jesus considera aqui o parentesco pelo seu lado me
ramente natural; por isso esta doutrina em nada prejudica o
que os theologos dizem da excellencia da maternidade divina
d
e Maria, que é a fonte de todas as suas grandezas e privi
legios.
#
..."
#
#
CAPITULO XIII
\
| Naquelle dia tendo sahido Jesus da casa, estava
sentado á beira do mar. * E juntaram-se em redor
d'elle muitas turbas, de modo que subindo a uma
XIII, 1-9 — Parabola do semeador. (Cf. Mc. 4, 1-9.
Lc. 8, 4-8.)
Depois de ter mostrado em Jesus o fundador do reino mes
sianico, e quanto os Judeus estavam indispostos para entrar
nelle, passa a explicar numa série de sete parabolas os mys
terios do reino messianico, os obstaculos que encontra por
parte dos homens, a sua indole e natureza, a sua condição
terrestre, o seu valor e eficacia maravilhosa para transformar
as almas.
1.— Naquelle dia, i. é, provavelmente, no mesmo dia em
que sua Mãe e parentes o vieram procurar a Capharnaúm. —
Da casa, com o artigo, x rik oxíz;; o que deve referir-se á
casa de Pedro, onde Jesus costumava assistir, quando estava
em Capharnaúm, a sua cidade (9
,
1
).
2
. — A uma barca, si
;
rxotov, sem artigo; mas talvez lhe seja
preferivel a lição e
i;
to rotow, com artigo, referindo-se á barca
d
e que Jesus costumava servir-se, quando andava pelas mar
gens do lago (cf. 8
,
23; 9
,
1
),
— Ao longo da praia, ir
i
rº
w
ziyuz%w,
pela praia além. Nos tempos antigos o
s
ouvintes assistiam de
p
é
á
s
lições d
o mestre, mas n
o tempo de Christo já se tinha
introduzido o costume de se assentarem. A scena, ta
l
como a
descreve s. Mt., é encantadora.
1 12 s. MATTHEUS, XIII, 3.
#
barca se assentou, ficando todo o povo ao longo da
praia. " E falou-lhes muitas coisas em parabolas,
dizendo:
3. — Parabola, em grego raç232Xx (de Trzcz%XXery, juxtapor,
comparar) é o mesmo que semelhança, comparação. Corres
ponde no A. T. á palavra hebraica maschal, ºve, que os Se
tenta traduzem ordinariamente por raç232Xá e a Vulgata por
parabola, e uma ou outra vez por proverbium, similitudo,
comparatio, fabula. Designa, d'um modo geral, um dito breve
e sentencioso, exprimindo uma verdade geral de applicação
pratica, podendo assim tornar-se uma phrase proverbial, ás
vezes até picante e mordaz. Maschal, é tambem um discurso
mysterioso e enigmatico, que, além do sentido vulgar, acces
sivel a todos, involve um sentido occulto e mais profundo,
cujo alcance exige especial penetração e reflexão. Tal é por
exemplo o famoso cantico da vinha em Isaias 5, 1-7 e as
comparaçõesde Ezechiel (17, 2.
°
e 24, 3.°). Os seus ele.
mentos essenciaes são : — 1.º um discurso breve e aca
bado, fazendo, só por s
i,
um sentido perfeito; — 2.º um
sentido recondito, que tem de ser achado por meio de refle
xão, como a solução d'um enigma; — 3
º
(de ordinario) uma
comparação tirada da natureza o
u
d
a vida humana, destinada
a esclarecer e representar a verdade occulta, que se de seja
inculcar.
No N.T, a palavra naç252xá encontra-se 48 vezes nos Syno
pticos (s
.
João emprega 4 vezes a palavra raçatuía, proverbium)
e 2 vezes n
a epistola aos Hebreus (9
,
9
;
1
1
,
19). Além de breves
comparações e ditos proverbiaes (cf. Lc. 4
,
23), designa prin
cipalmente, como neste capitulo de s. Mt., uma forma espe
cial da eloquencia de Christo, analoga aos meschalim d
o A
.
T
.
São sempre discursos") breves e independentes, ?) que
exprimem uma verdade sobrenatural, º) d'um modo figurado,
e frisante, *) pela contraposição da verdade occulta e da
imagem sensivel, que a representa. Estes quatro caracteres
s. MAT THEUS, XIII, 4-6. I 13
Eis que sahiu O semeador a semear!" E ao se
mear, parte das sementes cahiram á beira do tami
nho, e vieram as aves do a
r,
e devoraram-nas." Ou
tras cahiram em terreno pedregoso, onde não ti
nham muita terra, e nasceram logo, porque não ti
nham altura de terra. º Mas nascido o sol, encal
maram-se; e como não tinham raizes, seccaram.
distinguem a parabola de qualquer outro modo congenere de
eloquencia.
As parabolas dos Evangelhos podem reduzir-se a tres
classes distinctas, segundo tratam do reino dos céos, !) quer
em si mesmo, i. é
,
n
a
sua origem, natureza, valor e eficacia; *)
quer nos seus membros, quanto ás suas condições, relações
mutuas e deveres; 3) quer n
o
seu chefe, considerado relativa
mente aos membros d
o
reino. As 7 parabolas d’este capitulo
pertencem todas á primeira d’estas classes.
|
Quanto a
o
numero das parabolas evangelicas, uns contam
apenas 3o, outros 72 outros mais de 1oo. Estas divergencias
provem da difficuldade que ha, á
s vezes, em distinguir a para
bola da simples comparação, e sobretudo da alegoria.
3
. — O semeador, ó artígow, com o artigo, para o distinguir
dos aradores, e outros trabalhadores do campo, como um
homem cujo oficio e profissão é o semear.
4
. — Cahiu, Éras», contra a intenção e vontade do semea
dor. A parabola refere-se ao que costuma acontecer em casos
semelhantes. — As aves do ar; no grego simplesmente r%
xérayz (sem o genetivo 70
5
20çzvoj, como em 6
, 26; 8, 2o), os
volateis. — Devoraram-na, xxxépxysy, como em 3 Reg. 18, 38.
5
. — Em terreno pedregoso, ºr r? rsrçóòn, sobre a parte
rochosa d
o campo, coberta apenas com uma tenue camada
de terra vegetal.
6
. — Raizes profundas, que aspirassem humidade e força
das profundezas d
o
solo.
S
II4 s. MATTHEUS, XIII, 7- I 1.
7 E outras cahiram sobre os espinhos; e subiram os
espinhos, e afogaram-nas. º E outras cahiram so
bre a terra boa; e davam fructo, uma cem, outra
sessenta, e outra trinta, º Quem tem ouvidos de ou
vir, oiça!
10 E chegando-se os discipulos, disseram-lhe: Por
que lhes falas em parabolas?" E ele respondendo,
disse-lhes: Porque a vós foi dado conhecer os mys
7. — Sobre os espinhos, ºr r}; 2x%932;, i. é, sobre as semen
tes dos espinhos, que jaziam na terra. Estas germinaram jun
tamente com as boas sementes, subiram (2ys3mazº)rapidamente
para cima, e privando-as de luz e ar, impediram-nas de fru
ctificar.
8. — Boa, xxxxy, bella, como em 12, 23, i. é, fructifera e
sem impedimentos alguns, por isso não houve grão que não
germinasse e fructificasse, qual mais qual menos, segundo a
sua vitalidade e a energia de cada parte do solo.
9. — Recommenda-lhes que ponderem bem a parabola, para
a entenderem e applicarem.
XIll, 1o-17 — Porque fala por parabolas (Cf. Mc.
4, 1o-12. Lc. 8, 9".) Em s. Marcos e s. Lucas os discipulos
pedem o sentido ou explicação da parabola do semeador; em
s. Mattheus perguntam a Jesus porque fala por parabolas.
Este novo modo e insolito de ensinar causa-lhes admiração e
extranheza.
1
o
.
— A pergunta fo
i
feita quando Jesus estava a sós com
o
s discipulos (Mc. 4
,
1o). Extranham que Jesus, prégando ao
povo, se sirva agora tanto de parabolas, e mais ainda que as
proponha sem declaração alguma, nem insinuação que ajude
o povo a decifrar o enigma ! Porque razão envolverá ele a
sua doutrina em sombras ?
1
1 — A resposta de Jesus distingue duas classes de ouvin
s. MATTHEUS, XIII, 12-13. 1 15
{'.
ef.
*#
#
terios do reino dos céos; a elles porém não fo
i
dado. * Pois a quem tem, dar-se-lhe-ha, e abunda
rá; mas a quem não tem, até o que tem se lhe ti
rará. º Por isso lhes falo em parabolas, porque
tes. Os que depois de suficientemente esclarecidos creem em
Jesus Christo, e se fazem seus discipulos, são dignos de que
elle lhes fale sem enigmas e lhes proponha claramente os
mysterios do reino dos céos, i. é
,
a natureza, indole, etc. do
reino messianico, que estava em tamanha opposição com as
opiniões tradicionaes e preconceitos populares dos Judeus.
Outros ha porém que não se satisfazem com coisa nenhuma,
nem acabam de render-se ao testemunho de tantos e tão
estupendos milagres em confirmação da messianidade d
e
Jesus Christo (cf. 1
1
,
7-24; 12
,
1-45). Estes são o
s indignos.
Jesus não o
s
abandona inteiramente; dá-lhes apenas a luz
que elles ainda podem supportar, mas, em castigo da sua
maldade, somega-lhes a manifestação mais clara da verdade,
que, dada a sua obstinação, os tornaria ainda peores. E
'
d'este
modo que Deus cega e endurece o
s peccadores, abandonam
do-os á perversidade d
e
seus juizos e paixões.
12. — Confirma o dito no vers. 1 1 com uma comparação
tirada da vida ordinaria. Quem é rico, augmenta facilmente
a sua fortuna, tornando-se cada vez mais rico; pelo contrario,
o pobre, que não tem meios, longe de melhorar, torna-se
cada vez mais pobre e indigente. O mesmo se passa na ordem
sobrenatural da graça. Tudo pois depende do modo como se
corresponde á graça de Deus. Esta le
i
cumpriu-se á letra nos
Judeus que perderam o que já tinham, e não entraram para
o reino de Deus!
13. — Explica a obstinação dos Judeus. São cegos e surdos
voluntarios, que não querem ver, nem ouvir, nem entender!
Veem os milagres, mas não querem ver em Jesus o Messias;
ouvem a sua doutrina, mas não acreditam nella, nem querem
ver na obra de Jesus a realização das prophecias messianicas
1 16 S. MATTHEUS, XIII, 14-17.
vendo, não veem, e ouvindo, não ouvem, nem en
tendem. " E está-se cumprindo neles a prophecia
de saias, que diz:
Ouvireis com os ouvidos, e não entendereis;
E olhareis com os olhos, e não vereis.
º Porque o coração d’este povo está engrossado,
E ouviram mal com os ouvidos,
E fecharam os seus olhos,
Para que não vejam com os olhos,
E oiçam com os ouvidos,
••
E entendam com o coração,
E se convertam, e eu os sare.
" De vós porém ditosos os olhos, porque veem,
e os vossos ouvidos, porque ouvem! " Porquanto
em verdade vos digo: Muitos prophetas e justos de
14 e 1
5
.
— Succede assim aos contemporaneos de Christo o
que já succedeu aos contemporaneos de Isaias. Não é por
tanto de extranhar que, sendo uns tão obstinados e perversos
como o
s outros, recebam egual castigo. Em Isaias (6
,
9.") é
Deus que fala ao propheta, mandando-o prégar ao povo
embora a sua prégação, por causa da malicia do mesmo povo,
haja de ficar sem efeito e até seja contraproducente, con
correndo para elles se obstinarem mais e mais em sua mal
dade. O texto hebraico é ainda mais energico: cega o cora
ção d'este povo... ensurdece-lhe os ouvidos, fecha-lhe os
olhos, etc. — Coração engrossado, i. é
, pingue, gordo, o que,
n
a linguagem hebraica, é o mesmo que estupido, insensivel.
1
6
e 1
7
.
— Felicidade dos apostolos! Para que a estimem e
apreciem convenientemente põi-lhes deante dos olhos o
s
s. MATTHEUS, XIII, 18-19. 117
sejaram ver o que estaes vendo, e não viram; e ou
v
ir
o que estaes ouvindo, e não ouviram.
1
8 Vós pois ouvi a parabolado semeador. "Todo
o que ouve a palavra d
o reino, e não a entende,
vem o mau, e arrebata o que fo
i
semeado n
o
seu
coração. Este é o que foi semeado á beira do ca
ardentes desejos dos antigos patriarchas, reis theocraticos e
prophetas, que tão ardentemente suspiraram pelos tempos
messianicos. (cf. Jo. 8
,
56, 1 Petr. 1
,
1o-12.) •
XIII, 18-23. – Explica a parabola do semeador. (Cf.
Mc. 4
,
13-2o. Lc. 8
,
11-15.) Identifica a palavra de Deus com a
semente (Lc. 8
,
11), o que mostra que o reino de Deus se
funda e propaga pela prégação, e que produz muito, pouco
o
u nenhum fructo nas almas, segundo as disposições de cada
uma d’ellas. Nesta parabola Jesus tem principalmente em
vista o seu ministerio, e quer remover o escandalo que natu
ralmente se originava por causa d
o pouco fructo dos seus
trabalhos apostolicos entre o
s
Judeus. Vai pois revelar as
causas intimas porque a palavra de Deus, sendo de si tão
bella e eficaz, parecia esteril, e fructificava tão pouco no
povo judaico.
1
8
.
— Vós pois, os que tendes a dita de conhecer o
s mys
terios do reino messianico !
19. — Primeiro impedimento á palavra de Deus: a acção
do demonio. — Não a entende, i. é
,
não a aprecia e estima devi
damente, por isso não a guarda cuidadosamente n
o
seu cora
ção, para a meditar, comprehender e pôr em pratica. — Este
é... i. é
,
este é o que recebe a palavra como o caminho a
semente, que as aves d
o
a
r logo arrebatam. A explicação no
original, que a traducção reproduz, é concisa e embrulhada,
identificando os ouvintes com a semente cahida á beira do
caminho.
I 18 s. MATTHEUS, XIII, 20-23.
minho. " E o que foi semeado em terreno pedre
goso, esse é o que ouve a palavra, e logo a recebe
com alegria; º porém não tem raiz em si
,
mas é tem
porario; e em sobrevindo tribulação e perseguição
por causa d
a palavra, logo se escandaliza. * E o
que fo
i
semeado entre espinhos, esse é o que ouve
a palavra mas a solicitude d’este mundo, e a falla
cia das riquezas afogam a palavra, e torna-se sem
fructo. * E o que foi semeado em terra boa, esse
2
o
e 2:. — Segundo impedimento: a inconstancia e a volubi
lidade dos homens. — E o que..., i. é, o que recebe a pala
vra como semente em terreno pedregoso, ou aquella onde a
palavra tem a mesma sorte que a semente cahida em terreno
pedregoso. São espiritos superficiaes, levianos, inconstantes;
deixam-se levar das impressões de momento, e a palavra de
Deus não lança raizes profundas e vigorosas nos seus cora
ções. Não ha nelles verdadeira comprehensão das coisas da
fé
,
convicções profundas, vida seriamente christã. — Ao mesmo
tempo dá a entender que o reino messianico h
a
d
e estar su
jeito a varias tribulações e contrariedades, que servirão d
e
prova aos seus discipulos.
22. —Terceiro impedimento: o amor do mundo e das ri
quezas. — E o que..., i. é, o que recebe a palavra como a
terra cheia de espinhos e abrolhos recebe a semente. — Sol
licitude d’este mundo é a expressão complexa de todos os
cuidados da vida presente, pelos quaes o
s
homens se deixam
absorver e apartar do reino de Deus. — A fallacia das rique
zas, i. é
,
a
s riquezas fallazes, enganadoras e mentirosas, que
promettem ao homem uma felicidade que não lhe podem dar.
23. — Fructos da palavra nos que são terra boa, i. é
, des
embaraçada de impedimentos, convenientemente preparada e
disposta para receber a semente. Estes guardam-na cuidado
samente n
o
seu coração, procuram aperfeiçoar-se mais e mais
s. MATTHEUS, XIII, 24-25. I19
é o que ouve a palavra, e entende, e dá fructo, e
produz um cem, e outro sessenta, e outro trinta.
24 Outra parabola lhes propoz, dizendo: O reino
dos céos tornou-se semelhante a um homem, que
semeou boa semente no seu campo. * Mas em
no conhecimento das coisas da fé
,
e pô-la em obras, confor
mando a sua vida com o
s
seus principios e convicções. Nem
todos porém dão egual fructo, porque nem todos recebem as
mesmas graças, nem lhes correspondem d
o
mesmo modo.
Haverá, portanto, no reino messianico diversidade de virtudes,
d
e meritos e de gloria. (cf. 1 Cor. 15, 41.42.)
XIII, 24-3o. — Parabola do joio. Vem só em Mt., e tem
por fim mostrar que n
o
reino messianico, até á consummação
dos seculos, ha de haver sempre bons e maus, por instigação
d
o demonio, que nunca deixará de armar ciladas aos homens.
Erravam pois os Judeus quando imaginavam que o reino mes
sianico seria um reino de summa e inalteravel felicidade tempo
ral e espiritual, onde tudo seria abundancia, sinceridade, paz
e amor! Erravam tambem o
s que mais tarde cuidaram que o
s
peccadores não podiam ser membros da egreja de Jesus
Christo. Uma é pois a condição presente, temporaria e pro
visoria, outra a condição futura, eterna e definitiva, d
o
reino
de Deus.
2
4 — Tornou-se semelhante, i. é
,
no reino messianico ha de
succeder o mesmo que a um homem, que tendo semeado boa
semente no seu campo, sobreveio depois um inimigo seu, e
sobresemeou nelle joio.
2
5
.
— Emquanto dormiam os homens, i. é
,
durante a noite
(cf. Job 4
,
13; 33, 15), como tempo mais opportuno para fazer
o mal ás occultas e insidiosamente. — Sobresemeou, porque o
erro vem depois da verdade, e o intento do inimigo é cor
romper o bem já começado e estabelecido. —
–
Joio (o lolium
I2O s. MATTHEUS, XIII, 26-31.
quanto dormiam os homens, veio o seu inimigo, e
sobresemeou joio no meio do trigo, e foi-se. "Tendo
porém crescido a herva, e dado fructo, então appa
receu tambem o joio." E chegando-se os servos do
pae de familia, disseram-lhe: Senhor, não semeaste
boa semente no teu campo ? D’onde pois lhe veio o
joio??? E disse-lhes: Um homem inimigo fez isso.
E os servos disseram-lhe: Queres que vamos, e o
apanhemos?" E diz: Não! não seja que apanhando
o joio, arranqueis juntamente com elle o trigo.
*" Deixae crescer um e outro até á ceifa, e no tempo
da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhae primeiro o
joio, e atae-o em molhos para o fogo; mas o trigo,
recolhei-o no meu celleiro.
31 Outra parabola lhes propoz, dizendo: O reino
dos céos é semelhante a um grão de mostarda, que
temulentum) planta narcótica que nasce entre o trigo e é muito
parecida com elle, excepto na semente que é negra. Pertence
á familia das gramineas.
26. — O lolium temulentum ou joio narcótico só se distingue
bem do trigo quando começa a espigar.
28. — Não argúe os seus guardas e servos de falta de vigi
lancia e de cuidado, mas attribue o caso á astucia e odio do
seu inimigo. Nem todo mal que ha no reino messianico se
deve attribuir á incuria e vigilancia dos pastores.
29. — As raizes do joio entrelaçam-se com as do trigo; é
portanto impossivel arrancá-lo, sem arrancar tambem o trigo.
Deve-se pois tolerar o mal por amor do bem, e é em attenção
aos bons que Deus conserva e tolera os maus.
XIII, 31-33. — Parabolas do grão de mostarda e do
s. MATTHEUS, XIII, 32-33. l 2 I
um homem tomando semeou no seu campo; º o
qual por certo é a mais pequena das sementes, mas
depois de crescido torna-se maior do que todas as
hortaliças, e faz-se arvore, de modo que as aves do
ar vem habitar nos seus ramos.
* Outra parabola lhes falou: O reino dos céos é
semelhante a um fermento, que uma mulher to.
mando esconde em tres «satas» de farinha, até que
fermentou toda a massa.
fermento. A primeira vem em s. Mc. 4, 3o 32 e em s. Lc.
1
3
,
1
8
,
1
9
.
A segunda em s. Lc. 13, 2o. 21. Uma e outra decla
ram a eficacia e virtude maravilhosa do reino messianico
para transformar e santificar as almas.
32. — Compara a grandeza futura e a expansão do reino
messianico com a pequenez e humildade dos seus princi
pios. Quem diria que d'uma semente tão pequenina como a da
mostarda havia de sahir um arbusto tão grande! — O modo
d
e falar é proverbial. Na linguagem rabbinica o grão de mos
tarda serve para designar qualquer coisa minima. — Faz-se
arvore relativamente ás hortaliças, que se cultivam nas hor
tas. A mostardeira (sinapis nigra) attinge, na Syria, 8 a 12
pés d
e altura. — Nesta parabola ha uma allusãoá celebre
prophecia d
e Ez. 17, 2
,
onde egualmente se descreve a origem
humilde e a evolução maravilhosa d
o
reino messianico.
3
3
.
— Sata, do aramaico Snse (em hebr. Rise), é uma me
dida d
e capacidade, para solidos, equivalente a 1o litros 514.
A enumeração de tres d’estas medidas é
, provavelmente, uma
reminiscencia biblica. (cf. Gen. 18, 6 Jud. 6
,
19. 1 Reg 1
,
24)
A parabola do grão de mostarda declara a expansão externa
e visivel d
o
reino messianico; a d
o
fermento realça a sua
energia interna e transformadora, e o seu destino universal
para todo o genero humano.
XIII, 34-35. — Outra razão do ensino parabolico.
I 22 s. MATTHEUs, xIII, 34-35.
34 Todas estas coisas falou Jesus em parabolas
ás turbas; e sem parabolas não lhes falava; º para
se cumprir o que fôra annunciado pelo Propheta:
Abrirei em parabolas a minha bocca;
Proferirei enigmas desdê a fundação do mundo.
(Cf. Mc. 4, 33-34). A linguagem parabolica é uma das formas
da sabedoria oriental, em particular do ensino prophetico.
Convinha pois que o Messias, como doutor dos doutores e
principe dos prophetas, tambem adoptasse este modo de
ensinar, embora, para castigo da obstinação do povo, não lhes
explicasse a significação das parabolas. |
34. — O verso 34 não se refere a todo o tempo que durou
o magisterio de Christo, mas sómente á epoca em que adoptou
este novo modo de ensinar, como se colhe de 13, 1o."
35. — Este propheta é Asaph, auctor do Ps. 77, chamado
vidente (tr), i. é, propheta, no 2 Par. 29, 3o. Na linguagem
biblica, propheta não é só aquelle que prediz o futuro, mas,
d'um modo mais geral, todo aquelle que fala sob a inspiração
de Deus. O Ps, 77 canta a historia do povo judaico desde a
sahida do Egypto até David. Esta narração tem o nome de
Eve, parabola, porque, além do sentido historico, tem tam
bem um sentido moral; é uma série de nºtºr, enigmas, por
causa dos ensinamentos occultos e mysteriosos que contem
sobre as leis da Providencia no governo do mundo. O texto
hebraico não diz desde a fundação do mundo, mas sómente
=TE-':2 (2x' 32/73), desde o principio. •
XIII, 36-43. — Explica a parabola do joio. E' um exem
plo dos entretenimentos de Jesus a sós com os seus discipu
los, nos quaes elle lhes explicava individuadamente o que
ensinava ás turbas por parabolas (Mc. 4, 34). O Evangelista é
conciso, tocando apenas em alguns dos pontos explicados por
Jesus, e dando especial realce á intervenção de Deus no fim
do mundo.
s. MATTHEUS, XIII, 36-43. 123
36 Então, despedidas as turbas, voltou para a
casa; e chegaram-se a elle os seus discipulos di
zendo: Explica-nos a palavra do joio do campo.
" E ele respondendo, disse-lhes: O que semeia a
boa semente é o Filho d'homem. * E o campo é o
mundo. A boa semente, esses são os filhos do rei
no. O joio são os filhos do perverso. º E o inimi
go, que o semeou, é o demonio. A ceifa é o fim do
mundo. E os ceifeiros são os anjos. º Assim como
pois se apanha o joio, e se queima com fogo; assim
será no fim do mundo.*"Mandará o Filho d'homem
os seus anjos, e apanharão do meio do seu reino
todos os escandalos, e os obradores da iniquidade,
º e lançá-los-hão na fornalha do fogo. Ahi será o
chorar e o ranger dos dentes. ** Então os justos
36.— Para a casa (com o artigo), como em 13, 1. O que
preoccupa os discipulos é a existencia de joio no reino mes
sianico: porque razão ha nelle joio ? quanto tempo ha de
durar? que sorte terá ele no reino messianico ?
3
8
.
— O mundo, e não só a terra de Israel, o que mostra a
universalidade d
o
reino messianico. — Do perverso, rç
5
Rovnº3,
i. é
,
d
o demonio, porque fazem as suas obras e imitam a sua
maldade. (Cf. Jo. 8
,
41. 44.)
41. — Apanharão e removerão. — Todos os escandalos, i. é
,
todos aquelles que pela sua má vida são occasião de ruina
para outros. A conjuncção e pode tomar-se em sentido expli
cativo isto e
,
a saber. — Iniquidade, vo
u
íz
,
acção contra a lei
(váuo;) d
a vida moral.
42. — Na fornalha do fogo, i. é
,
no inferno (cf. Lc. 16, 24.
Apoc. 19, 2o; 2o, 9), logar de tormentos (o chorar) e de
desesperação (o ranger dos dentes), como em 8
,
12.
43. — A descripção dos justos todos refulgentes da gloria é
124 S. MATTHEUS, XIII, 44-45.
resplandecerão como o sol no reino de seu Pae.
Quem tem ouvidos de ouvir, oiça.
44 O reino dos céos é semelhante a um thesoiro
escondido no campo; que um homem tendo achado
encobre, e de contente, vai, e vende tudo quanto
tem, e compra aquelle campo.
** E tambem semelhante o reino dos céos a um
tomada de Dan. 12, 3. (Cf. Sap. 3, 7, 1 Cor. 15, 41.) A luz é a
imagem da gloria e da felicidade.
XIII, 44-46. — Parabolas do thesoiro e da perola.
Vem só em S. Mt., e teem por fim mostrar a preciosidade, o
alto valor e a belleza incomparavel do reino messianico.
44. — A palavra thesoiro designa tanto a camara ou cofre
onde se guardam objectos de valor (2, 11), como as preciosi
dades nelle guardadas, e d'um modo mais geral um cumulo
quasi incommensuravel de riquezas. Aqui toma-se neste ul
timo sentido. O reino messianico, com todos os seus bens
sobrenaturaes, presentes e futuros, é pois um thesoiro, do
mesmo modo que a sabedoria ou doutrina divina (cf. Ps. 18,
11; 118, 127. Prov. 8, 11
.
1
9
.
Job. 2S, 15-19. Sap. 7
,
9
),
mas
este thesoiro está escondido na terra, e poucos são os que ati
nam com elle e o sabem apreciar! Os poucos que o acham e
sabem deveras apreciar, esses renunciam de bom grado a todos
o
s
bens d’este mundo para adquirir a perfeição messianica. O
processo empregado pelo homem para adquirir o thesoiro
para si não é approvado pela parabola, mas é conforme com
o direito antigo. A intenção de Jesus é tirar uma lição moral
d
o que fazem ordinariamente o
s
homens d
o mundo, quando
estão dominados pela ambição e cubiça de riquezas.
45. — Um homem de negocio, e portanto um profissional,
entendido na arte e justo apreciador das coisas. — Boas, no
grego: xxxo%;,bellas.
s. MATTHEUS, XIII, 46-5o. 125
homem de negocio que anda em busca de boas pe
rolas. " E tendo achado uma perola de muito pre
ço, foi, e vendeu tudo quanto tinha e comprou-a.
47 Outro-sim é semelhante o reino dos céos a
uma rede varredora lançada no mar, e que apanha
toda a casta de peixes. ** A qual em estando cheia,
tiraram para fóra, e sentados ao longo da praia, es
colheram os bons para as celhas. e deitaram fóra
os maus. º Assim será no fim do mundo; sahirão
os anjos e separarão os maus do meio dos bons,
" e lançá-los-hão na fornalha do fogo. Ahi será o
chorar e o ranger dos dentes.
46. — Uma fºz, i. é, uma unica, e de tanto valor, que não ti
nha egual. Tal é realmente o reino messianico, cujo summo
valor e unicidade são assim fortemente realçados. — O pre
terito mérçzxsy, vendeu, exprime a promptidão e rapidez da
transacção. Tudo quanto tinha foi logo por elle vendido!
XIII, 47-52. — Parabola da rede. Tem por fim mostrar
que o reino messianico, neste mundo, não é uma sociedade
composta só de santos, mas uma mistura de bons e de maus.
Este estado de coisas durará até á consummação dos seculos,
em que se fará a separação completa e definitiva de bons e
maus. A dignidade de cidadão do reino messianico, por si só,
não é garantia segura de salvação.
47. — O mar, onde se lança a rede é a imagem do mundo,
ao qual os apostolos serão enviados como pescadores de ho
mens. (cf. 4, 19. Mc. 1, 17. Lc. 5, 1o.)
48. — O reino messianico só estará cheio, quando a pleni
tude dos gentios tiver entrado nelle, e tambem Israel, que só
então será salvo (Rom. 11, 25. 26). — Os bons, r% xxx%, i. é, os
bellos. — Os maus, r% corp%, i. é, os podres.
5o. —Cf. 1
3
,
42. E muito para notar a insistencia com que
126 s. MATTHEUS, XIII, 51-53.
º Tendes entendido todas estas coisas? Dizem
lhe: Sim. "? E elle disse-lhes: Por isso todo o dou
tor instruido nas coisas do reino dos céos, é seme
lhante a um homem pae de familia, que tira da sua
despensa coisas novas e antigas.
53 E aconteceu tendo Jesus acabado estas para
Jesus fala do fogo do inferno, para inculcar e gravarbem
nas almas o temor de Deus, base solida e segura da vida e
perfeição christãs. (cf. 5, 29, 8, 12; 1o, 28; 12, 32 e 13,
42. 5o.)
51. — Note-se a familiaridade com que Jesus trata os apos
tolos e o empenho com que procura que elles entendam bem
os mysterios do reino, conformemente ao que lhes tinha dito
(13, 11).
52. — Por isso, i. é, porque tendes entendido estas parabo
las. Nas coisas ou pelo reino dos céos, como tem a lição mais
auctorizada: uz3zorst; Tă Baat)=íz röy ºpçawów.Personifica o reino
dos céos em um mestre, em cuja escola se formam os douto
res christãos, que não são discipulos de Moysés, nem dos
rabbinos, mas do proprio Deus. — Da sua despensa, onde tem
abundante e variada provisão de mantimentos para poder
satisfazer ao gosto e paladar de todos
XIII, 53-58. — Jesus em Nazareth. (Cf. Mc. 6, 1-6.) Não
se confunda esta viagem de Jesus a Nazareth com outra,
narrada por s. Lc. 4, 16-3o, na qual os Nazarethanos attentaram
contra a vida de Jesus. E provavel que a vinda da Mãe e dos
irmãos de Jesus a Capharnaúm fosse para convidá-lo a ir
outra vez a Nazareth, onde esperavam fosse agora melhor
recebido do que na visita precedente.
53. — Vejam-se em s. Mc. 4, 35-6, 1 os acontecimentos que
se passaram entre o ensino parabolico e a vinda de Jesus a
Nazareth.
•
s. MATIII EUs, XIII, 54-57. 127
bolas, partiu d’alli." E tendo passado á sua patria,
ensinava-os na synagoga d'elles; de modo que se
admiravam, e diziam: D’onde a este esta sabe
doria, e os milagres? " Não é este o filho do ar
tífice? Não se chama a sua mãe Maria, e os seus
irmãos, Tiago, e José, e Simão, e Judas? " E
as suas irmãs não vivem todas ellas entre nós?
D'onde pois lhe vieram todas estas coisas? " E es
candalizavam-se d’elle. Jesus porém disse-lhes: Não
54. — Sua patria, não porque tivesse nascido alli (2, 1
),
mas
porque nella tinha vivido desde menino, e porque nella tam
bem tinha a sua familia e parentes. Os que ignoravam o nas
cimento de Jesus em Belem, julgavam-no natural de Naza
reth (Jo. 1
,
45.46). — Na synagoga, no singular, como tem o
grego. O caso passou-se em um sabbado. — A este, que nós
conhecemos tão bem, homem de humilde condição, igno
rante e rude! Falam como vilões invejosos, que não podem
sofrer que um dos seus eguaes, se eleve acima dos mais, e
queira impor se lhes. O despeito é tal que nem o nomeiam
pelo seu nome !
•
!
5
5
.
— O filho do artifice, fo
i
rixto…, d
o carpinteiro o
u fer
reiro. O modo de falar indica um oficial conhecido de todos,
talvez o unico d
o logar. S
.
Mt. pode servir-se desta expres
são que traduzia a opinião d
o vulgo, sem induzir em erro o
s
seus leitores, que já conhecem a origem virginal de Jesus
(2
,
18-25). S
. Mc., que não fala da conceição virginal, tem
apenas: não é este o artifice, o filho de Maria ? Sobre os
irmãos de Jesus cf
.
1o, 4
.
57. — Escandalizavam-se d’elle, i. é
,
levavam a mal que,
sendo de tão humilde condição, quizesse agora fazer-se mes
tre de todos e arrogar-se auctoridade de Messias! — Na sua
patria, i. é
,
entre o
s
seus concidadãos; e entre os seus, i. é
128 S. MATTHEUS, XIII, 58.
ha um propheta desconsiderado senão na sua patria,
e entre os seus." E não fez alli muitos milagres
por causa da incredulidade d’elles.
entre os seus parentes, amigos e conhecidos. A sentença de
Christo é um dito proverbial. (cf. 1 Reg. 16, 11; 17, 28)
58. — A fé foi sempre uma condição exigida por Jesus
Christo antes de operar qualquer milagre em favor d'alguem.
CAPITULO XIV
1 Naquelle tempo ouviu Herodes, o tetrarcha, a
fama de Jesus, º e disse aos seus cortesãos: Este é
João o Baptista; é ele mesmo que fo
i
resuscitado
dos mortos, e por isso obra milagres.
º Porquanto Herodes prendera a João, e o puzera
XIV, 1-12. — Morte do Baptista. (Cf. Mc. 6, 14-29.) A
morte d
o Baptista, que é tambem um prenuncio da morte d
e
Jesus, é narrada aqui apenas incidentemente, para explicar o
s
receios de Herodes, e a retirada de Jesus, da Galiléa para o
territorio de Philippe.
1
. — S
.
Mc. determina melhor o tempo, relacionando o
s
receios de Herodes com a fama da prégação e milagres dos
apostolos, enviados em missão por toda a Palestina, emquanto
Jesus continuava evangelizando os povos (11, 1)
.
O abalo foi
ta
l
que chegou a causar perturbação e receios na côrte d
e
Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande e de Maltace,
tetrarcha da Galiléa e da Peréa, homem voluptuoso, ambi
cioso e irresoluto.
2
. — Remorsos de Herodes, e homenagem por elle prestada
á santidade d
o Baptista. — Obra milagres, ou, como tem o
grego, a
í ôováust:, a
s energias sobrenaturaes, obradoras demi
lagres, vigºroñaw y zörð, operam nelle, i. é
,
manifestam-se nelle,
exercem nelle a sua actividade. Como João em vida não fez
milagre algum (Jo. 1o, 41), imagina que voltou ao mundo
para operar coisas maiores.
3
. — Segue-se o episodio da morte do Baptista, para explir
car o dito e o
s
receios de Herodes. — Herodes Antipas estava
9
13o S. MATTHEUS, XIV, 4-6.
em ferros, e encarcerára por causa de Herodias,
mulher de seu irmão. * Porque João lhe dizia: Não
te é licito tê-la. " E querendo matá-lo, teve medo
do povo; porque o tinham em conta de propheta.
º Mas no dia d'annos de Herodes, dançou a filha
casado com uma filha de Aretas, rei dos Arabes, mas tendo se
enamorado de Herodías (filha de seu irmão Aristobulo e de
Berenice), mulher de seu irmão Philippe, que vivia como
particular em Roma (e não deve ser confundido com Phi
lippe, o tetrarcha de Ituréa), amancebou-se incestuosamente
com ella, ainda em vida de seu irmão.
4 — Tê-la, subentende-se, por mulher. Tal matrimonio
estava expressamente prohibido na le
i
(cf. Lev. 18, 16; 2o, 21).
Como o Baptista em suas prégações falasse contra tamanho
escandalo, houve quem o fosse delatar a Herodes e a Hero
días, o que deu em resultado ser elle encarcerado na forta
leza de Macheronte, na fronteira meridional da Peréa. Tudo
isto se fez por instigação de Herodías (vers. 3), que desde
então começou a tramar contra a vida d
o Baptista (Mc. 6
,
19. 2o). •
5
. — Querendo matá-lo, por suggestão de Herodías. Herodes
respeitava a João, tendo-o na conta de varão justo e santo, e
ouvia de bom grado o seu conselho em materias de governo
(Mc. 6
,
2o). Matá-lo, está no aoristo, 3roxrsiva, «tê-lo morto», o
que mostra que o
s planos de Herodes já vinham de longe. Os
tyrannos não costumam ter descanso emquanto vivem o
s que
julgam seus adversarios. —Ter na conta de, #w rivá to
c,
não
exprime a simples opinião o
u juizo que o povo fazia de João,
diz mais d
o que isso, que estavam a
o
lado d'elle, como seus
partidarios e defensores. E
'
por isso que Herodes tinha medo
do povo. Esta mesma expressão vem em 21, 26, e fóra d’estes
logares, só se encontra nos Actos de Pilatos. n
;
portanto
equivale aqui a 3yros, realmente.
•
6
. — A celebração festiva do anniversario natalicio (rkyswéolz,
s. MATTHEUs, xiv, 7-8. 13 1
de Herodías no meio, e agradou a Herodes. ? Por
onde lhe prometteu com juramento dar-lhe tudo o
que lhe pedisse. º Mas ella incitada por sua mãe:
Dá-me, diz, aqui mesmo num prato a cabeça de
o termo classico era r% Yews3%iz, que na linguagem christã
significa o anniversario da morte dos martyres, como dia do
seu nascimento para o céo) era um costume gentilico. A
Biblia menciona apenas dois d’estes anniversarios: o de Hero
des Antipas, e o de Pharaó, (Gen. 4o, 2o). — A filha de Hero
dias, i. é, Salomé, filha de Philippe, que deixou o pae para
seguir a mãe infiel e adultera, que aspirava a ser rainha. Casou
mais tarde com seu tio Herodes-Philippe, o tetrarcha, e, por
morte d’este, com Aristobulo, neto de Herodes o Grande. —
Dançou uma dança pantomimica e voluptuosa. Era um cos
tume oriental (Babylonios, Persas e Gregos), introduzido mais
tarde entre os Romanos, na epoca da decadencia (Horacio,
Od. 3, 6, 21). «Ninguem baila, diz Cicero, estando sobrio, a
não ser que esteja louco.» Os santos Padres, s. Ambrosio, s.
Jeronymo e s. Chrysostomo, recommendam ás virgens chris
tãsque se abstenham de bailes. «Onde se baila, diz o ultimo,
ahi está o demonio», évºa Y&º 3º/netz, exs: , St%32X2;.— No meio,
não do festim, como entendem alguns, mas no meio da sala
do banquete. -
7. — Tudo..., ainda que fosse a metade do seu reino (Mc,
6, 23)! E uma promessa d'homem semi-ebrio, alardeador de
liberalidade e magnificencia. •
8. — Incitada a ir mais além do que queria, 792318275=faz;
Tç23:3%sw significa fazer que alguem vá para deante, mais além
do que quer, portanto compellir, incitar. A adultera não quiz
perder tão bella occasião de ver-se livre do denunciador
austero e inflexivel do seu crime. — Aqui mesmo! Receia que
o rei, passado o estonteamento da festa e do vinho, caia em
si
,
e não lhe satisfaça o desejo de vingança.
132 s. MATTHEUS, XIV, 9-13.
João o Baptista. º E ficou o rei contristado; com
tudo por causa do juramento, e dos convivas man
dou que se lhe desse. " E mandou degollar a João
no carcere. " E foi trazida a sua cabeça num prato,
e dada á donzella, que a levou a sua mãe. * E
chegando-se os seus discipulos levaram o corpo, e
o sepultaram; e vindo contaram a Jesus.
13 E tendo Jesus ouvido, retirou-se d’alli numa
barca para um logar deserto, a sós; o que tendo
ouvido as turbas foram das cidades a pé em seu se
XIV, 13-21. — Primeira multiplicação dos pães. (Cf.
Mc. 6, 34-44. Lc. 9, 12-17. Jo. 6, 1-13.) O milagre succedeu
pouco antes da festa da paschoa (a terceira na vida publica
de Jesus). E o unico milagre de Christo narrado por todos os
Evangelistas. A partir deste ponto s. Mt. segue de ordinario
a ordem chronologica dos factos, tendo principalmente em
vista representar a Jesus como mestre e instituidor dos apos
tolos (14, 1-2o, 28).
•
13.— Ouvido, não o caso da morte de João, mas que Hero
des julgava que elle era o Baptista resuscitado. Refere-se ao
vers. 2, e não ao vers. 12, como cuidaram os que não adver
tiram na indole parenthetica da narração da morte do Ba
ptista (13, 3-12). — Retirou-se para um logar mais seguro
(3vs/ógras»), perto de Bethsaida Julias (Lc. 9, 1o), na costa
oriental do lago de Gennesareth, perto da foz do Jordão, no
territorio pertencente á tetrarchia de Philippe. E' uma me
dida de prudencia, para evitar alvoroços no povo e qualquer
perseguição de Herodes. — O Jordão é vadeavel perto de Be
thsaida; é por isso que as turbas vão a pé de Capharnaúm e
outras cidades da costa occidental para a região deserta da
margem oriental.
s. MATTHEUS, XIV, 14-19. I33
guimento. " E sahindo viu grande multidão, e com
padeceu-se d’elles, e curou os enfermos.
* E sobre a tarde chegaram-se a elle os seus dis
cipulos, dizendo: O logar é deserto, e a hora já
passou; despede as turbas, para que indo ás aldeias
comprem suas comidas. º Jesus porém disse-lhes:
Não precisam ir; dae-lhes vós de comer. " Res
ponderam-lhe: Não temos aqui senão cinco pães, e
dois peixes, º E disse: Trazei-mos aqui." E tendo
mandado sentar as turbas sobre o feno, tomados os
cinco pães e os dois peixes, erguendo os olhos ao
14. — Sahindo, não da barca, como entendem alguns, mas
da solidão, onde se tinha internado com os seus discipulos.
(cf. Jo. 6, 3)
5). — Compadeceu-se, $ar)zyyyíaba, o que indica uma com
paixão intima e profunda, que abala as entranhas. Curou pois
todos os enfermos, e poz-se a ensiná-los (Mc. 6, 34), falando
lhes do reino de Deus (Lc. 9, 11).
15. — Sobre a tarde, i. é, quando o sol já declinava. En
tende-se, segundo o uso judaico, a primeira tarde, as 3 horas
immediatas antes do pôr do sol (da 9.
°
á 2.º hora d
o dia, i.
é
,
das 3 ás 6 da tarde). A segunda tarde era o tempo imme
diato a
o pôr d
o sol, que, por ficar entre uma e outra, era cha
mado =="y" fºz, entre as duas tardes (cf. Ex. 12,6; 16, 12).—
Dae-lhes..., recorda-lhes o poder sobrenatural, que lhes deu
(8, 1o), e de que já tinham feito uso (cf. Mc. 6
,
13. Lc. 9
, 6),
para ver até onde chegava a sua fé
.
Veja-se em s. Jo. 6
,
5
° o
que a este respeito se passou entre Jesus e Philippe.
1
7
.
— Os cinco pães de cevada e os dois peixes nem per
tenciam aos apostolos, mas a um rapaz, que provavelmente
o
s
trouxera para vender a
o povo (cf. Jo. 6
,
9).
1
9
.
— Sentar, por grupos ou ranchos de cincoenta homens
134 S. MATTHEUS, XIV, 20-2 I.
céo, bem disse, e partiu, e deu aos discipulos os pães,
e os discipulos os deram ás turbas." E comeram
todos, e ficaram fartos. E levantaram as sobras,
doze cabazes cheios de pedaços. * Ora o numero
dos que comeram fo
i
cinco mil homens, sem contar
mulheres e creanças.
cada um (Lc. 9
,
14). — Bemdisse, sº%yras», i. é
,
louvou a Deus
e deu-lhe graças. E…> corresponde ao hebraico T=, e signi.
fica louvar, quando empregado com accusativo de pessoa. Em
sentido absoluto, significa pronunciar uma oração de acção
d
e graças. Não se refere aqui á beracá ">"=, que o pae de fa
milia costumava pronunciar antes da comida: «Bemdito é
s
tu, Senhor, o nosso Deus, rei d
o mundo, que produziste o pão
d
a terra», mas a uma oração solemne de acção de graças,
como a que vem em s. João, 11, 41-42, onde manifesta a sua
communhão e união intima com o Pae, de que o presente
milagre será uma prova sensivel. — Dá os pedaços aos disci
pulos, para que o pão se lhes multiplique nas mãos, e assim
sejam a
o
mesmo tempo instrumentos e testemunhas do mila
gre.
2o. — Cabazes, os «cophinos» ou cestos de vime ou de
verga em que o
s
Judeus levavam as provisões de viagem. Cada
apostolo tinha o seu «cophino» (n='=2), e encheu-o de peda
ços. Era, para elles, mais uma prova da realidade do mi
lagre.
XIV, 22-33. — Caminha sobre as ondas. (cf. Mc. 6
,
45-52. Jo. 6
,
15-21) No milagre precedente manifestou Jesus
o seu poder creador, neste manifesta que está em suas mãos
o isentar o seu proprio corpo das leis ordinarias da natureza.
E por isso que os dois milagres, em s. João, servem de in
troducção ao celebre discurso em que Jesus prometteu o pão
eucharistico (Jo. 6
,
22"). Em s. Mt. os dois milagres visam
principalmente á instrucção e confirmação dos discipulos n
a
fé
.
s. MATTHEUS, XIV, 22-27. 135
22 E obrigou logo Jesus os discipulos a embar
car, e ir adeante d’elle para além do lago, emquanto
despedia as turbas. * E despedidas as turbas, su
biu sósinho ao monte a orar. E sendo já noite acha
va-se alli só. ** Entretanto a barca estava no meio
do mar em lucta com as ondas, porque o vento era
contrario. * E na quarta vigilia da noite veio ter
com elles caminhando sobre o mar. * E como o
vissem caminhando sobre o mar, assustaram-se,
dizendo: E' um phantasma! E gritaram de terror.
* Mas logo Jesus lhes falou, dizendo: Animo! sou
22. — Obrigou, #w#xzaev, porque o povo andava alvoroçado
com o milagre dos pães, e pensava em apoderar-se de Christo
e acclamá-lo rei (Io. 6, 15). Quer pois evitar qualquer agita
ção politica, em que os discipulos, ainda fracos na fé
,
pode
riam facilmente tomar parte.
23. — Sendo já noite, 29íz: Yevºusyn: Neste verso &#íz designa
a segunda tarde ou véspera (cf. 13, 15), i. é
,
a
s primeiras 3 horas
depois d
o
sol posto, que constituiam a primeira vigilia da noite.
24. — Em lucta..., 3xaayºusyo», batida fortemente pelas on
das, e por ellas arrastada para um lado e para outro. A prova
é que se achavam no meio d
o lago, em frente da planicie de
Gennesareth, sendo que se dirigiam para Capharnaúm, que
ficava muito acima, perto da embocadura d
o
Jordão.
25. — Na quarta..., i. é
, pela madrugada. Os Judeus dividiam
a noite, desde o pôr a
o
nascer do sol, em tres vigilias, mas de
pois da conquista romana, começaram a contar quatro vigi
lias. A quarta vigilia era pois o tempo que ia desde a 9.° á
12.º hora da noite, ou das 3 á
s
6 horas da manhã. D’onde se
v
ê que Jesus deixou os apostolos luctar com as ondas quasi
toda a noite. •
27. — Animo, bagasirs, bono animo estote. Corresponde nos
Setenta a s"Frºs, não hajaes medo.
I36 s. MATTHEUs, xiv, 28-33.
eu, não temaes. * E respondendo Pedro, disse:
Senhor, se és tu, manda-me ir ter comtigo por cima
das aguas, º E elle disse: Vem! E saltando Pedroda barca, caminhava por cima das aguas para che
gar a Jesus. "º Vendo porém um vento rijo, ame
drontou-se; e tendo começado a afundir-se, bradou,
dizendo: Senhor, salva-me! ** E logo Jesus exten
dendo a mão, agarrou d’elle, e diz-lhe: Homem de
pouca fé
,
para que duvidaste??? E tanto que subi
ram á barca, cessou o vento. ** Então vieram os
que estavam n
a barca, e o adoraram, dizendo: Ver
dadeiramente és Filho de Deus!
28. — Este episodio de Pedro vem só em s. Mt. Pinta ao
vivo o caracter impulsivo, ardente e generoso de Pedro, que,
com a mesma promptidão e facilidade com que se elevava ás
culminações d
o heroismo, tambem descia aos abysmos da
duvida e até da negação! Jesus deixa-o passar por estas al
ternativas, para o ensinar a confiar menos em si e mais em
Deus.
3o. — Amedrontou-se, e vacillou na fé e confiança, e por
isso começou logo a abysmar-se. Bella imagem da fragilidade
humana!
31. — Para que, si
;
ri
,
a
d quid ? quorsum ? quem in finem?
A Vulgata tem, com menos exactidão, quare, porque. Não foi
portanto a força do vento, nem o impeto das ondas, mas tão
sómente a falta de fé
,
o que ia sendo causa da ruina de Pedro.
33. — Adoraram-no, i. é
, prostraram-se deante d’elle, em
signal de respeito e de submissão. Refere-se aos apostolos. A
confissão Filho de Deus, vem só em s. Mt. Não é facil dizer
se o
s discipulos a tomaram em sentido proprio e natural, o
u
só em sentido theocratico, como designação antonomastica
d
o
Messias. Comtudo a expressão 23:35, verdadeiramente
s. MATTHEUS, XIV, 34-36. 137
34 E atravessado o lago, chegaram á terra de
Gennesareth. * E tanto que os homens d'aquelle
logar o reconheceram, mandaram por toda aquella
região, e apresentaram-lhe todos os enfermos. * E
rogavam lhe que os deixasse tocar sequer na franja
do seu vestido. E quantos tocaram, ficaram salvos.
parece indicar mais alguma coisa, sobretudo tendo s. Mattheus
já plenamente estabelecido o caracter messianico de Jesus
Christo. Se assim foi, é mister confessar que este progresso
dos discipulos no conhecimento mais intimo de Jesus foi em
certo modo passageiro, e não teve a importancia da gloriosa
confissão de Pedro (16, 13-2o).
XIV, 34-36. — Jesus em Genn esareth. (cf Mc, 6, 53-56.)
A narração de S. Mc. é mais viva e circumstanciada.
34. — A terra de Gennesareth, ou melhor á terra, a Gen
nesareth, si
;
ri
º
Yºy , si; Tawnazgér. O nome provinha-lhe da
antiga cidade d
e
Kinnereth (nn>), que deu o seu nome á pla
nicie e ao lago. Hoje chama-se el Guyveir. Era uma fertil e
bella planicie entre Magdala (el Mejdel) e Bethsaida (et Ta
bigah) um verdadeiro jardim formoso plantado á beira do
lago. Tinha, segundo Josepho, 3o estadios (1 est. = 185 me
tros) de comprimento e 2o de largura.
35. — Estado moral da gente. Cuidam pouco da doutrina de
Christo, e só pensam em aproveitar o ensejo da sua presença
para alcançarem d'elle beneficios temporaes! D
e
facto o in
teresse proprio, mais do que a piedade e a religião, era um dos
motivos que levava ás vezes tantas turbas em seguimento d
e
Christo. Elle mesmo assim lh'o lançou em rosto pouco de
pois, na synagoga de Capharnaúm. (cf. Jo. 6
,
26-27).
36. — Na franja (cf. 9
,
2o). Era, como já se disse, um sym
bolo religioso, e em certo modo sagrado; por isso fazia mais
devoção á gente.
CAPITULO XV
| Então se chegaram a elle os escribas e phari
seus de Jerusalem, dizendo: º Porque transgridem
os teus discipulos a tradição dos antigos? pois não
XV, 1-9. — A tradição dos antigos. (Cf. Mc. 7, 1-13.)
A narração de s. Mc. é mais extensa e circumstanciada. Como
escrevia para convertidos do gentilissimo, accrescenta expli
cações que eram desnecessarias para os leitores de s. Mattheus.
1.— De Jerusalem, da capital do reino theocratico. Trata
se provavelmente d'uma deputação do sanedrin, enviada com
o fim de observar a Jesus Christo Como tinham mais
auctoridade que os da provincia, eram mais proprios para
arredar o povo de Jesus Christo. O proprio Evangelista repre
senta-os como formando uma classe á parte, o 3x2 TeçoaoXºutov,
distincta dos escribas e phariseus da Galiléa.
2.— Accusam os discipulos, porque não ousam atacar de
frente o Mestre. — A tradição (raçzôoat:) era um conjuncto de
preceitos sobretudo rituaes, destinados a assegurar melhor a
exacta observancia da lei, em torno da qual constituiam como
uma especie de sebe. Os Judeus faziam remontar a sua origem
até Moysés, que os confiára oralmente aos anciãos, e por estes
passaram successivamente á posteridade. Tinham-nos em
tanta conta que chegavam a dizer que «as palavras dos anti
gos eram mais graves que as dos prophetas»! — Não la
vam...; derivavam este rito do Lev. 15
,
1
1
,
julgando a sua
transgressão um peccado tão grave como o adulterio! —
Comer pão, na linguagem biblica, é uma expressão generica,
equivalente a comer, tomar alimento. Corresponde ao hebraico
Eriº ->N.
s. MATTHEUS, XV, 3-7. 139
lavam as mãos quando comem pão. " E ele res
pondendo, disse-lhes: Porque transgredís vós tam
bem o mandamento de Deus, por causa da vossa
tradição? Porquanto Deus disse: Honra a teu pae e
a tua mãe; e : Quem injuriar a seu pae ou a sua mãe,
morra de morte. " E vós dizeis: Quem disser ao pae
ou á mãe: E' oblata isso com que te poderia aju
dar; º já não está obrigado a honrar a seu pae ou
a sua mãe; e annullastes o mandamento da le
i
d
e
Deus por causa da vossa tradição. " Hypocritas!
bem prophetizou de vós Isaias, dizendo:
3
. — Põi de parte a accusação dos phariseus, e confunde-os,
fazendo-lhes uma accusação muito mais grave, qual era a d
e
anteporem tradições humanas á propria le
i
d
e Deus, a qual
elles invalidavam e adulteravam !
4
. — A primeira citação é tomada do Ex. 2o, 12, a segunda
vem no Ex. 21, 17. A honra de que fala o texto, ruxy = "==,
é a que se manifesta por obras, como se suppõi no verso 5
(cf. 1 Tim. 5
,
3
.
17). — Injuriar, dirigindo-lhes imprecações, in
sultos. No dialecto hellenistico xxx2707=iwcorresponde a
o he
braico "?", imprecar, rogar pragas. — Morra de morte, i. é.
morra de morte certa, sem remissão alguma. Tal era a pena
com que a lei sanccionava a honra devida aos paes.
5 e 6
. — Sophisma inventado pelos phariseus para invalidar
a le
i
que obrigava o
s
filhos a soccorrer os paes em necessi
dade.—E' oblata, 8õçow (E^2 = qorbán); i. é, é coisa consa
grada a Deus o
u
destinada aos pobres. Bastava, segundo o
s
phariseus, pronunciar esta palavra sobre o objecto de que o
s
paes tivessem necessidade, para esse objecto se tornar sa
grado, e ser sacrilegio usar d’elle. Assim o era para qualquer
outra pessoa, menos para o offerente! D'esta sorte tornaram
elles nullo e irrito o mandamento da lei de Deus.
7
. — Hypocritas! é o nome que melhor lhes quadra, pois
14O s. MATIHEUS, XV, 8-II.
º Este povo honra-me com os labios;
Mas o seu coração está longe de mim,
º E em vão me prestam culto,
Ensinando doutrinas e mandamentos humanos.
10 E tendo chamado para junto de si o povo,
disse-lhes: Ouvi, e entendei: "O que entra pela
bocca não mancha o homem; mas o que sai da
bocca, isso mancha o homem.
-
fingem uma virtude e zelo que não tinham. — Bem prophe
tizou de vís, i. é, quadra-vos bem o que Isaias (29, 13), fa
lando sob a inspiração divina, disse dos seus contemporaneos.
Parece que vos tinha em vista!
9. — Em vão, i. é, sem resultado, sem proveito nenhum. O
grego tem u%Try, que não tem córrespondente no original he
braico, e pode significar em vão (frustra), sem proveito, sem
merecimento (cf. Jac. 1, 26: vana religio, p.4tato: 0pxaxsíz), ou
sem fundamento, sem motivo, temere, sine causa (Vulgata),
denotando a falta de religiosidade interna. O culto que prestam
a Deus, consistindo em ritos e exterioridades meramente hu
manas, substituidas aos actos essenciaes da religião, não lhes
conciliava o favor e a benevolencia divina, antes os apartava
cada vez mais de Deus.
XV, io-2o. — Esclarece as turbas e os discipulos.
(Cf. Mc. 7, 14-23.) Prediz a ruina dos phariseus, e explica em
que consiste a verdadeirapureza e santidade.
1o. —0 povo, que se tinha afastado por motivo de respei
to, emquanto Jesus respondia aos escribas e phariseus. O
modo de falar dá já a entender a gravidade e importancia do
assumpto.
11. — Náo mancha, 2) xovoi, i. é, não torna o homem com
mum, profano e immundo aos olhos de Deus, creador de to
das as coisas, e portanto tambem dos alimentos (cf. 1 Tim.
S. MATTHEUS, XV, 12-14. 141
* Então chegando-se os seus discipulos, disseram
lhe: Sabes que os phariseus, ouvida aquella pala
vra, ficaram escandalizados ? " E ele respondendo,
disse: Toda plantação, que o meu Pae celeste não
plantou, será arrancada. " Deixae-os; são cegos a
guiar outros cegos; ora se um cego guia a outro,
ambos cáem na cova.
4, 4). Se o homem pecca comendo d'um alimento prohibido,
é porque desobedece a Deus ou cede águla, não porque o ali
mento, considerado em si mesmo, seja puro ou impuro. Ora
se o alimento de si não contamina o homem, muito menos
se contaminará ele por comer sem lavar as mãos. •
12. — A ultima palavra de Christo (vers. 11) era uma novi
dade tão grande, e ia tanto contra os usos recebidos e acredi
tados, que não só os phariseus ficaram com ella escandaliza
dos, mas até nos proprios discipulos causou certo abalo. Dese
jam pois ser melhor esclarecidos, e interrogam o Mestre. Este
colloquio de Jesus com os discipulos teve logar em casa,
quando estavam a sós (Mc. 7, 17),
13. — Por plantação, por:íz, extranha e adventicia, verda
deiro escalracho no meio da seara de Deus, entende a seita e
doutrinas dos phariseus. São arvores más, que serão arranca
das e lançadas no fogo, quando o Messias, como juiz, purifi
car o seu reino. A Biblia compara o povo de Deus a uma
plantação ou vinha cultivada por Iáhve. (cf. Is
.
5
, 7
;
6o, 21.)
14. — Deixae-os, i. é
,
não vos importeis com elles, nem vos
dê cuidado que elles se escandalizem. Não peccam por igno
rancia ou fragilidade, mas por acinte e pura malicia. A Vul
gata tem : caeci sunt, et duces caecorum, «são cegos, e guido
res de cegos». O grego porém omitte a conjuncção e: Tuçxo;
sisty &&Yºi tu?Xõy, «cegos são guias de cegos» o
u
são cegos a
guiar cegos. Estes cegos, que se deixam guiar pelos phari
seus, são o povo. Tão bons eram uns como outros, por isso
1 42 s. MATTHEUS, xv, 15-19.
* E respondendo Pedro, disse-lhe: Explica-nos
esta parabola. º E elle disse: Tambem vós estaes
ainda agora sem intelligencia?" Não vedes que o
que entra pela bocca, vai ter ao ventre, e segue
depois o seu caminho? º Mas as coisas que sáem
da bocca, procedem do coração, e essas mancham
o homem. "Porque do coração sáem maus pensa
a todos espera egual ruina e exterminio. E' a cova em que o
povo judaico ha de cahir, em castigo da sua obstinada mali
cia e perversidade.
15. — Esta parabola, i. é, a comparação proposta no vers.
1
1
.
Como não a tinham entendido, Pedro, que era «a bocca
dos discipulos e o corypheu d
o
côro» apostolico, (s
. Chyr
sostomo), pede a explicação d
o enigma.
16. — Vós, com emphase, em opposição aos phariseus e ao
povo, depois de tantas instrucções e tão longa aprendizagem!
— Ainda agora, %xprów(= $rº, etiam nunc).
18. — O coração, segundo a psychologia popular dos He
breus, é o centro da vida intellectual e moral. O que sai do
coração, procede pois da vontade livre do homem; por isso
pode contaminá-lo. Quanto a
o alimento, esse concorre apenas
para a vida corporal, e não attinge a alma. — Mancham, x2,y2i,
i. é
,
tornam commum, profano, improprio para os usos sagrados.
19. — Enumera diversos peccados, por pensamentos, pala
vras e obras, contra o 5º, 6.°, 7.° e 8º mandamentos. O em
prego d
o plural d
á
mais força á phrase, e denota as diversas
especies de peccados dentro de cada classe. Por blasphemias,
9%20gruízº entendem alguns o
s peccados de maledicencia e de
difamação d
o proximo, outros as palavras injuriosas quer
contra Deus quer contra o proximo. No N
.
T
.
a palavra em
prega-se com frequencia para designar as blasphemias pro
priamente ditas, que nunca faltam quando o
s
falsos testemu
nhos são confirmados por juramentos.
S. MATTHEUS, XV, 20-2 I. 143
mentos, homicidios, adulterios, impudicicias, furtos,
falsos testemunhos, blasphemias.*º Estas coisas são
as que mancham o homem. O comer porém com
as mãos por lavar não mancha o homem.
•
21 E tendo Jesus sahido d’alli, retirou-se para as
2o. — Estas coisas...; repetição emphatica da doutrina
ensinada nos versos , 7-19. O alimento, de s
i,
não contamina
o homem, nem o comer sem lavar as mãos. Pode haver nisso
rusticidade, mas não peccado.
XV, 21-28. — Jesus e a Cananéa. (Cf. Mc. 7, 24-3o.) E'
um caso extranho, que contrasta singularmente com a narra
ção precedente. Jesus, recebido desde o principio com hosti
lidade na Judéa, retirara-se para a Galiléa, mas aqui mesmo
não acha fé
,
nem encontra já aquella segurança que exigia o
seu ministerio. Vai pois até á Phenicia, e alli lhe sai ao en
contro, cheia de fé
,
e crendo n
a
sua messianidade, uma mulher
extrangeira, gentia e descendente dos adoradores d
e Baal!
Que contraste entre o
s gentios e o povo de Deus! S. Mc. narra
este caso com mais individuação d
o que s. Mt.
21. — D’alli, i. é
,
d
a
casa onde estivera instruindo o
s disci
pulos. — Retirou-se para deixar acalmar a ira dos phariseus,
que Jesus confundira e desmascarara na terra de Gennesareth
(15, 1-9), — De Tyro e de Sidonia, i. é
,
d
a Phenicia, que neste
tempo pertencia á provincia romana da Syria. Tyro e Sidonia
eram a
s
suas cidades principaes, que, em diversas epocas ex
cederam prodigiosamente a todas as outras em importancia e
gloria. Os Phenicios, celebres na antiguidade pela sua marinha
e commercio, eram um povo engenhoso e emprehendedor,
vindo, como o
s
Hebreus e o
s Egypcios, das planicies da Cal
déa. Viviam em cidades independentes a
o longo d’uma estreita
facha d
e terra, arrimada aos flancos escarpados d
o Libano.
A
s
suas cidades e portos principaes eram Arad, Byblos, Bey
routh, Sidonia, Tyro e Acre. Cada cidade tinha o seu Baal,
144 S. MATTHEUS, xv, 22-26.
partes de Tyro e Sidonia. * E eis que uma mulher
cananéa, tendo sahido d'aquelles confins, bradou,
dizendo-lhe: Compadece-te d
e mim, Senhor, filho
de David! a minha filha é cruelmente atormentada
pelo demonio. " E ele não lhe respondeu palavra.
E chegando-se os seus discipulos rogavam-lhe, dizen
do: Despede-a, porque vem gritando atraz de nós.
* E ele respondendo, disse: Não fui enviado senão
á
s
ovelhas perdidas d
a
casa d
e Israel. * Mas ella
chegou se, e o adorou, dizendo: Senhor, vale-me!
* E ele respondendo, disse: Não convem tomar o
e ao lado d'elle uma divindade feminina chamada Baalit ou
Astarte.
22. — Observa s. Mc. 7
,
2
4 que Jesus não queria ser conheci
do, mas não o conseguiu, porque a sua fama era já conhecida
fóra de Israel, na Phenicia (Lc. 6
,
17) e em toda a Syria (4,24).
— Filho de David (9
,
27) é a denominação messianica pela
qual Jesus começava já a ser conhecido e saudado pela gente
d
o povo, sobretudo pelos infelizes que imploravam a sua mi
sericordia.
23. — Pedem os discipulos a Christo que despache a mulher,
mais para se verem livres dos seus clamores importunos, d
o
que por espirito de compaixão.
24. — Predilecção de Jesus por Israel. Apesar de tamanha
ingratidão e obstinação, não esquece o seu povo e as promes
sas feitas aos antigos patriarchas. Os gentios não estão ex
cluidos da salvação messianica, mas a missão temporal e pes
soal d
o
Messias só tem por objecto a familia de Israel. (cf.
1o, 6
. Jo. 1o, 3.)
2
5
.
— Adorou, i. é
, prostou-se-lhe aos pés (cf. Mc. 7
,
25). Bello
rasgo de constancia e de fé
,
inspirado pelo amor materno.
26. — Não convem, cºz Sary xxxó, não é bello. Na casa ou
s. MATTHEUS, XV, 27-28. 145
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pão dos filhos, e deitá-lo aos cães. * Ella porém
disse: Assim é, Senhor; pois os cães comem das
migalhas, que cáem da mesa dos seus donos.*En
tão respondendo Jesus, disse-lhe: O mulher, grande
é a tua fé! faça-se-te comoqueres. E desde aquella
hora ficou salva a sua filha.
familia de Deus os Israelitas vivem como filhos; os gentios
porém, que adoram os idolos, não podem occupar o logar de
filhos, nem sequer de servos; vivem tambem nella, como
creaturas de Deus que são, mas occupam o logar dos cães.
(cf. Is
.
56, 1o, 11) O cão, para o
s Judeus, era um animal im
mundo e profano, por isso chamavam cães aos idolatras. — Aos
cães o
u
aos cachorrinhos, toi; zwzgízt; como tem o grego, tanto
neste verso como no seguinte, a
o
contrario da Vulgata, que tem
o positivo num e o diminutivo noutro. Este uso da forma di
minutiva em vez da positiva é proprio da grecidade posterior,
e não tem especial significação. Comtudo bem pode ser que
Jesus, falando em aramaico, empregasse de preferencia uma
expressão diminutiva para attenuar a dureza d
o qualificativo
que o
s
Judeus costumavam applicar aos gentios.
27. — Resposta cheia de humildade e de fé
.
Reconhece a
justiça da resposta de Christo. Como gentia que é
,
não lhe
cabe o pão dos filhos, nem ousa pedi-lo. Mas isto não impede
que lhe deixem cahir da mesa algumas migalhas, e assim re
nova, indirecta e implicitamente a sua petição. A nam et cor
responde no grego xz} Y%, que melhor se traduziria por ete
nim.
28. —Cf. 8, 1o, onde Jesus admirou tambem a fé d'um ho
mem gentio. Nenhum israelita lhe mereceu semelhante elogio.
Bem se vê aqui como a oração perseverante e humilde penetra
o
s
céos. (cf. Eccli, 35, 21 e Ps. 1o1, 18.)
XV, 29-31. Volta para o mar de Galiléa. (Cf. Mc. 7
,
31-37) — O milagre operado em favor de cananéa foi um
l O
146 s. MATTHEUS, XV, 29-3o.
29 E tendo Jesus partido d’alli, fo
i
para junto do
mar de Galiléa, e tendo subido ao monte, estava as
sentado alli. "E chegaram a elle muitas turbas tendo
comsigo mudos, cegos, coxos, tolhidos, e outros
muitos; e os lançaram aos seus pés, e elle os curou.
episodio de excepção n
o apostolado de Jesus Christo, mas
por isso mesmo já não lhe era possivel permanecer incognito
n
a
Phenicia. O milagre era até d'aquelles que mais excitavam
a curiosidade e o concurso do povo. Voltou pois para a Galiléa,
onde operou logo no seu regresso grande numero de mila
gres em favor dos filhos, que fazem contraste com as miga
lhas deitadas aos gentios. Foi nesta occasião que Jesus curou
o surdo-mudo, cuja cura vem narrada em s. Marcos.
29. — Para junto..., não para a costa occidental do lago,
como cuidam alguns, mas para as terras da margem oriental,
como vem expressamente em s Mc. 7
,
31, e tambem o sup
põi o caso da multiplicação dos pães, que vem narrado logo
adeante em s. Mattheus. — A
o monte, com o artigo, s
i;
# %;
como em 5
,
I.
3o. — Muitas turbas; cujo numero se pode avaliar pelos
4ooo homens, sem contar mulheres e creanças, que foram mi
lagrosamente saciados (15, 38). Este concurso de gente era
devido á ausencia de Christo. — Mudos, no grego xoço%, que
pode designar indistinctamente mudos e surdos. Deriva-se de
x3rro, tundo, e significa propriamente embotado, boto, tusus,
obtusos. Nos Setenta corresponde a vinn, surdo, e diz-se, em
sentido translato, dos que não querem ouvir e obedecer á le
i
d
e Deus. — Tolhidos, xoXX%;, encurvados, entrevados. Parece
designar os aleijados de mãos ou braços, não por falta d’estes
membros, mas por causa de atrophiamento e paralysia. —
Lançaram-nos, cevay, arremessaram-nos! o que realça o fer
vor da gente e o receio que tinham de que Jesus se lhe esca
passe, e perdessem tão boa occasião. O interesse temporal é
sempre o que mais os preoccupa.
s. MATTHEUS, XV, 31-33. 147
** De modo que as turbas se maravilhavam, vendo
mudos falar, coxos andar, cegos ver; e engrande
ciam o Deus de Israel.
•
* E Jesus, convocados os seus discipulos, disse:
Compadeço-me do povo, porque ha já tres dias que
permanecem comigo, e não teem nada que comer; e
não os quero despedir em jejum, para que não des
falleçam pelo caminho. ° E dizem-lhe os discipu
31. — Efeitos dos milagres no povo: admiram-se, e louvam
a Deus, mas não acabam de abrir os olhos á luz messianica
que os inundava. Como esta obtusidade do povo judaico
constrasta com a fé da mulher cananéa.
XV, 32-39 — Segunda multiplicação dos pães. (Cf.
Mc. 8, 1-1o.) E uma nova e bella manifestação da misericor
dia de Jesus Christo, e do seu poder creador. Houve quem
pretendesse fazer d'esta narração uma simples duplicata da
precedente, mencionada em 14, 13.27. Tal confusão é im
possivel. Não só os dados são differentes numa e noutra, mas
até o proprio Christo se refere a ellas como a dois milagres
differentes, operados em diversas occasiões. (cf. 16, 9-1o. Mc.
8, 2o.) Semelhança não é o mesmo que identidade.
32. — Chama os seus discipulos para os ensinar a compade
cerem-se dos males do povo, e a procurarem remediá-los. Este
interesse carinhoso pelos males que afligem o povo é essen
cial ao espirito christão, e erram grandemente os que julgam
que a religião christã só se interessa pelo bem espiritual e
eterno das almas. E' mister pois que os discipulos de Christo
imitem misto o seu Mestre. — Compadeço-me, orxz}}{çouz,
como em 14, 14
.
E
'
a bella e carinhosa expressão da caridade
d
e
Jesus Christo. — Pelo caminho, pois alguns d'elles tinham
vindo de longe. (Mc. 8
,
3
). Demoraram-se mais d
o que pen
savam, e as suas provisões tinham-se acabado!
33. — A resposta dos discipulos revela bem a sua obtusi
148 s. MATTHEUs, xv, 34-38.
los: E onde acharemos nós no deserto pães bastan
tes para saciar tamanha multidão ? " E diz-lhes
Jesus: Quantos pães tendes? E elles disseram: Sete,
e poucos peixinhos. * E tendo mandado á gente
que se assentassem sobre a terra, º tomou os sete
pães e os peixes, e tendo dado graças, partiu, e deu
aos discipulos, e os discipulos ao povo. " E todos
comeram e ficaram fartos. E dos pedaços que so
bejaram, levantaram sete cestos cheios. "º Ora os
dade. Nem se lembram da primeira multiplicação dos pães,
nem lhes vem á mente o poder de Christo, e o poder que
elle mesmo lhes tinha conferido de operar milagres! — No
deserto, expressão que, tratando-se das margens do lago, só
pode referir-se á costa oriental, arida e montanhosa. — Para
saciar, ódre Zºgráaz, i. é, que cheguem para saciar. E uma
expressão correlativa, e não final.
36. — Dado graças, s%2çaríaz:, tendo pronunciado uma ora
ção solemne de louvor e acção de graças. (cf. 14, 19. Jo. 11,
41-42.) Como na primeira multiplicação dos pães, tambem
nesta os discipulos são intermediarios entre Jesus e o povo,
e é nas mãos d’elles que os fragmentos se multiplicam. Assim
ha de succeder no reino messianico relativamente á instrucção
e santificação das almas.
37. — Na primeira multipliceção levantaram 12 «cophinos»,
tantos quantos eram os discipulos; nesta recolhem 7 cestos,
azuç{3a; (= sportas ou sportulas, cestos de esparto ou de
junco, e tambem cabazes ou cestos de vime), tantos quantos
eram os pães. Ambos os numeros eram sagrados para os
Judeus.
39. — Magadan (na Vulgata: Magedan) é uma povoação
incerta na costa occidental do lago, que alguns identificam
com Meggido, o que é pouco provavel. Outros veem na pala
vra, que não é semitica, uma pronuncia diferente de Magdala,
s. MATTHEUS, XV, 39. 149
que comeram eram quatro mil homens, afóra crean
ças e mulheres. º E despedidas as turbas, entrou
na barca, e passou ao territorio de Magadan.
uns 5/4 d’hora acima de Tiberias. Magdala, hoje Medschel ou
Medjdel, insignificante e pobrissima aldeia musulmana, era a
antiga Torre de El, es":= (= Migdal El), cidade fortificada
na tribu de Nephthalím. O talmud de Jerusalem chama-lhe
*":= (Magdal ou Migdal). — S. Mc, 8, 1o tem Dalmanutha,
que deve ser o nome d'alguma povoação, hoje inteiramente
desconhecida, perto de Magdala.
\
\, --
>{
CAPITULO XVI
! E chegando-se os phariseus e sadduceus a ten
tá-lo, pediram-lhe que lhes fizesse ver um signal do
céo, º Mas ele respondendo disse-lhes: Ao fim da
tarde dizeis: Bom tempo! pois o céo está aver
XVI, 1-4 — Pedem-lhe um signal no céo. (Cf. Mc.
8, 19-13. Lc. 12, 54-56) D'estavez entram tambem em scena
os sadduceus (cf. 22, 23-33). Eram, religiosa e politicamente,
inimigos irreconciliaveis dos phariseus, mas uns e outros
entendiam-se bem contra o inimigo commum, Jesus Christo.
A Egreja ha de offerecer atravez dos seculos este mesmo
espectaculo, signal evidente da sua verdade, de ver conjura
dos e unidos contra si todos os erros. A verdade é uma só, e
oppõi-se egualmente a todos os erros, cujas fórmas e varia
ções não teem numero.
1.— A tentá-lo, i. é, para o apanharem em alguma palavra,
por onde o pudessem accusar. Se fossem sinceros e quizes
sem crer, excusavam de pedir milagres operados nas regiões
celestes; bastavam-lhe os que Jesus tinha operado na terra. —
Pediram ou melhor requereram, pretenderam, impºrnozy, pois
s. Mc. 8, 11, representa-os altercando audaciosamente com
Jesus. A pretensão d'um signal do céo, ix ro5 o%2v65,pode ser
uma reminiscencia da proposta de Isaias, 7, 11 a Acab.
2. — Ao fim da tarde; refere-se, como em 14, 15, á primeira
tarde, quando começa a approximar-se o pôr do sol. — Bom
tempo, sòòíz! exclamação de quem prognostica o estado do
tempo pelo aspecto do céo. Os Judeus eram em extremo saga
zes neste genero de conjecturas.
s. MATTHEUS, xvI, 3-5. 15 I
melhado, º E de manhã: Hoje mau tempo! pois
o céo está tristemente afogueado. º Sabeis pois
discernir o cariz do céo, e não podeis discernir
os signaes dos tempos? Esta geração má e adultera
pede um signal; e não se lhe dará signal, senão o
signal de Jonas, o propheta. E deixando-os, reti
TOUl-SC,
5 E indo os discipulos para a banda d’além, es
3. — Mau tempo, Zetuáy, invernia ! vento impetuoso acom
panhado de aguaceiros. — Tristemente, Gruyváçov, coberto de
nuvens, com aspecto triste (aruyv4|o, estar ou parecer triste).
Os versos 2 e 3 faltam em alguns codices, mas como são sup
postos pelo contexto, não podem ser eliminados a titulo de
interpolação tomada de Lc. 12, 54-55.
4. — Os signaes dos tempos messianicos são os milagres de
Christo, os vaticinios dos antigos prophetas, que nelle se
estavam cumprindo, a missão e o testemunho do Baptista,
etc. Mas estes, elles não os queriam ver, porque não quadra
vam com a idéa falsa que tinham formado das grandezas tem
poraes e nacionaes do reino messianico.
5.—Cf. 12, 39", onde se declara em que consiste o signal
de Jonas.
XVI, 5-12. —O fermento dos phariseus e saddu
ceus. (Cf. Mc. 8, 14-21. Lc. 12, 1.
)
S
.
Lucas menciona só o
s
phariseus, gente religiosa e ritualista, e s. Marcos associa-lhes
o
s Herodianos, homens politicos, partidarios dos Herodes, e
inimigos acerrimos dos phariseus. Os sadduceus, a principio
partidarios d
e Herodes, adheriram mais tarde á dominação
d
e Roma. Estes ultimos eram materialistas, o que o
s
não im
pedia d
e exercer os altos cargos sacerdotaes !.
5
. — Para a banda d’além, passando dos confins de Magadan
o
u
d
a terra de Gennesareth (15,39) para a margem oriental.
152 S. MATTHEUS, XVI, 6-1o.
queceram-se de levar pão. º E disse-lhes Jesus:
Olhae, e acautelae-vos do fermento dos phariseus e
sadduceus! " E elles discorriam entre si
,
dizendo:
E porque não trouxemos pão. º E Jesus conhecendo,
disse: Porque estaes discorrendo entre vós, homens
d
e pouca fé
,
que não tendes pão ? º Não entendeis
ainda, nem vos lembraes dos cinco pães para cinco
mil homens, e quantos cabazes levantastes? º Nem
dos sete pães para quatro mil homens, e quantos
Esta era deserta e quasi despovoada, por isso era necessario
levar provisão de mantimentos. E
'
a terceira vez que Jesus
faz esta viagem por causa das insidias e importunações dos
phariseus. (cf. 14, 13; 15, 29.)
O fermento, épº, imagem da decomposição e corrupção,
representa bem as doutrinas pharisaicas, e o que ellas eram
relativamente á lei, sobre e contra a qual elles as edificaram.
São um virus de corrupção moral e religiosa, por isso recom
menda Jesus aos seus discipulos que se acautelem d’ellas.
7
. — Discorriam entre s
i,
ôts)o%vro y Szorok, que a Vulgata,
com menos exactidão, traduz por cogitabant intra se, «pen
savam dentro de si». —E", i. é
,
fala assim o
u
diz isto. Tomam
a
o p
é
d
a letra as palavras de Christo, como se ele os preve
nisse contra o pão dos phariseus e sadduceus. Os phariseus
effectivamente não se tinham esquecido de regulamentar o
uso do pão.
8
.—Cf. Mc. 8, 17-18, onde Jesus argúe os discipulos de tar
dios e obcecados na intelligencia da sua linguagem e dou
trina. Não estavam ainda inteiramente livres do ascendente
que sobre o povo exerciam o
s phariseus, tão grande é a
força das apparencias de santidade e de austeridade.
9
. —Cf. 14, 17-21.
1o.—Cf. 15, 34-38.
s. MATTHEUS, XVI, 11-13. 153
cestos levantastes? "Porque não entendeis que não
vos disse do pão: Acautelae-vos do fermento dos
phariseus e sadduceus? º Então entenderam que
não dissera que se deviam acautelar do fermento
do pão, mas da doutrina dos phariseus e sadduceus.
13 E veio Jesus para as partes de Cesaréa de
Philippe; e interrogava os seus discipulos, dizendo:
Quem dizem os homens que é o Filho d'homem?
12. — Da doutrina, i. é, das tradições meramente humanas,
que elles inventavam e impunham ao povo como mandamen
tos divinos (cf. 15, 3-9). Na linguagem rabbinica a palavra
fermento designa as affeições desordenadas, a concupiscencia
e a maldade do coração.
XVI, 13-2o — Promette o primado a Pedro. (Cf. Mc.
8, 27-3o. Lc. 9, 18-21) E uma das passagens mais importam
tes do primeiro Evangelho para o conhecimento da verda
deira indole da Egreja e do collegio apostolico. Em s. Jo. 21,
15-23 vem o cumprimento d'esta promessa de Christo a Pe
dro.
13.— Cesaréa de Philippe, a antiga Paneas (hoje Banias)
reedificada por Herodes-Philippe, e chamada por ella Cesa
réa em honra de Tiberio Cesar. Ficava na Gaulonite junto ás
faldas de Hermon. Agrippa II deu-lhe mais tarde o nome de
Neronias, em memoria de Nero. Diz-se de Philippe para não
ser confundida com Cesaréa da Palestina, construida por
Herodes o Grande, no sitio da antiga torre de Strotão. É um
magnifico porto de mar, e servia de residencia habitual ao go
vernador romano. — Os homens, i. é, a gente do povo, não os
escribas e phariseus. Quer em certo modo dar balanço ao
seu ministerio, avaliando, pela idéa que d’elle faziam, até
onde tinham chegado no conhecimento da sua pessoa, que
fructo tinham tirado das suas prégações e milagres.
•
154 S. MATTHEUS, XVI, 14-16.
* E elles disseram: Uns, João o Baptista, outros,
Elias, outros, Jeremias ou algum dos prophetas.
" Diz-lhes: E vós quem dizeis que eu sou? º Res.
pondendo Simão Pedro disse: Tu és o Christo, o
14. — Dos antigos prophetas, que resuscitou. Os preconcei
tos populares do Messias glorioso estavam tão profunda
mente arraigados no povo, que, apesar do testemunho do
Baptista e dos milagres de Christo, ninguem se resolvia a
crer na messianidade de Christo. Tal é a força das opiniões
preconcebidas! Vê-se pelas respostas que os phariseus não
tinham conseguido ainda alienar o povo de Jesus Christo;
ainda menos de um anno e a apostasia será consummada.
— Das respostas, a primeira é tambem a opinião de Antipas,
já mencionada (14, 2), as outras indicam algum precursor do
Messias. Como ta
l
era esperado Elias (11,15. Mal. 4.6. Eccli.
48, 1o
.
11). Não se sabe por que motivo esperavam a vinda de
Jeremias; talvez por ter escondido a arca da alliança, que
desde então não tornou mais a apparecer. (cf. 2 Mach. 2
, 1-12;
15, 13-16)
1
5
.
— E vós, com emphase, vós a quem eu escolhi, vós que
sois o
s
meus discipulos, que andais sempre comigo... Sonda
o
s
como quem quer saber que fructo tambem elles tinham
tirado d
o
seu magisterio. Era de esperar que fizessem d'elle
melhor opinão.
16. — Gloriosa e emphatica confissão de Pedro. Como nou
tros casos semelhantes, é elle o primeiro a entrar em scena,
traduzindo na sua resposta, fortemente accentuada, empha
tica e concisa, a indole espontanea, ardente e generosa do
seu caracter. Uma caracteristica d
o primeiro Evangelho é
este realce e importancia dada á pessoa dePedro. Confessa
pois que Jesus é — 1º o Messias %%paró;;2.º o filho verdadeiro
ou natural de Deus, e portanto que é Deus d
o
mesmo modo
que o Pae. O epitheto o filho de Deus, i. é
,
d
o
unico e verda
deiro Deus, á vio; ro
ñ
fiscj, com o artigo, não podendo ser to
•
s. MATTHEUS, XVI, 17. 155
Filho do Deus vivo. " E respondendo Jesus, disse
lhe: Ditoso de t
i, Simão, filho de João, porque não
fo
i
a carne e o sangue que to revelou, mas o meu
mado aqui em sentido moral, como convinha aos prophetas,
aos reis theocraticos, e a
o proprio povo de Israel, chamados
filhos de Deus por adopção, deve tomar-se no seu sentido
proprio e natural. Pedro accrescenta esta segunda confissão,
para declarar bem em que sentido confessava que Jesus era
o Messias. Não o julgava, como o
s
Judeus esperavam, um
puro homem, como qualquer outro descendente natural de
David, embora filho de Iáhve e objecto da sua mais amorosa
e especial protecção, mas muito mais d
o que isso, Deus, e
filho verdadeiro de Deus. Este epitheto exclue portanto as
falsas interpretações, que, entre Judeus, podia ter a primeira
confissão. E
' por isso que é propria do primeiro Evangelho es
cripto para Judeus. — S
.
Mc. tem só: Tu és o Christo (8
,
29),
e s. Lc.: O Christo de Deus (18, 2o). Tanto um como outro es
crevem para os christãos alheios a
o judaismo, e representam
logo a Christo como filho de Deus, e demonstrado ta
l
pelas
suas obras. — O ultimo epitheto: do Deus vivo, (r
.
55vro:, tam
bem com o artigo — do vivo) realça a verdadeira natureza
d
o
unico e supremo Deus, em opposição aos deuses mortos
dos pagãos, e esclarece ainda mais a filiação divina d
o Chris
to. Só seres vivos podem gerar. — Respondeu Pedro só em
seu nome o
u
em nome de todos, como em s. Jo. 6
,
69-7o? Não
é facil determinar qual fosse a intenção de Pedro; o que é
certo porém é que Jesus, na sua resposta, não se dirige senão
a Pedro individualmente considerado (cf. vers. 17
.
18. 19).
17. — A resposta de Christo suppõi que Pedro confessou a
sua divindade, o
u que era o filho de Deus, não em sentido
adoptivo e theocratico (cf. 14, 13), mas em sentido proprio e
natural. Só assim se explica a grande felicitação de que elle
é objecto por parte de Jesus Christo.—Ditoso! feliz! pºx%io,
como em 5
,
3
.° Compraz-se em admirar e proclamar a grande
156 S. MATTHEUS, XVI, 18.
Pae, que está nos céos. " E eu te digo a ti que tu
és Pedra, e sobre esta mesma pedra edificarei a
minha Egreja, e as portas do inferno não prevalece
dita e feliz sorte de Pedro. A linguagem reveste uma forma
solemne e poetica, accrescentando ao nome de Simão o do
pae Bar Ioná, «filho de João», o que é proprio do estylo so
lemne oriental. — Bar, "= (em hebraico Ben, I=) é uma palavra
aramaica, que, no hebraico, só tem emprego no estylo poe
tico. — A carne e o sangue, =Tº "v=, i. é, a natureza humana
com os seus proprios recursos naturaes, em opposição á re
velação de Deus. A confissão de Pedro, suppõi nelle um
conhecimento de Christo tão elevado que Pedro, por si só,
não o poderia adquirir. Só o Pae lh'o poderia communicar
(cf. 11, 27). E portanto evidente que a confissão de Pedro
tem o sentido que lhe attribuimos, que afirma mais alguma
coisa do que a simples messianidade de Jesus Christo.
18. — Note-se bem a emphase das palavras de Jesus, con
trapondo-se a Pedro: eu — a ti — tu. Vai remunerá-lo pela sua
gloriosa profissão de fé
,
e revelar-lhe a grande dignidade que
lhe tem destinada no seu reino. —Eu te digo, é aquelle mesmo
accento de auctoridade, que encheu de pasmo as turbas n
o
Sermão do monte. — Que tu és verdadeiramente o que o teu
nome significa. Pedra o
u rochedo, que isto significa o nome
aramaico Kepha (s="2 estado emphatico d
e Fºz), primeiro pro
mettido (Jo. 1
, 42), e mais tarde dado a Simão por Jesus
Christo, e de que as palavras gregas xérox ou Térço; (d’onde
vem Petrus, Pedro) são mera traducção. — Note-se bem que
quem é pedra é a pessoa, e não, como pretendem o
s protestan
tes, a fe de Simão. A fé é apenas a ragão ou causa porque
Simão é escolhido para pedra o
u
base solida do edificio que
Christo, como sabio architecto, vai levantar sobre elle (cf. 7
,
24°). A base de um edificio é o principio da sua firmeza e es
tabilidade. Ora a base d'um corpo moral o
u
sociedade reli
giosa, qual é a Egreja de Christo, é a auctoridade suprema que
s. MATTHEUS, XVI, 19. 157
rão contra ella, º E eu te darei as chaves do reino
dos céos. E tudo o que ligares sobre a terra será
tambem ligado nos céos: e tudo o que desligares
a governa. Essa auctoridade suprema e visivel, mas subordi
nada a Christo, é Simão. — A esta sociedade religiosa, já co
nhecida pelo nome de reino dos céos ou de Deus, chama
Christo xx\raíz (de xx)xt:;, evocatus, de xxxxío, evoco), porque
é uma sociedade de chamados por Deus para o reino de seu
Filho. O povo messianico será pois a Egreja de Christo, assim
como, no A. T., o povo de Israel era a egreja de Deus (Neh.
13, 1) ou do Senhor (Num. 16, 3). Chamava-se tambem a casa
de Deus (Num. 13,7), o que explica a metaphora de edificar ap
plicada á fundação do reino messianico, — Sobre esta mesma
pedra, com muita emphase, como vem no grego: ri Tajr r;
rérez. A pessoa de Simão é pois o rochedo firme, o fundamento
solido e inabalavel sobre o qual Jesus vai levantar um gran
dioso edificio, que por isso mesmo ha de resistir indestructi
velmente a todos os assaltos do inferno.
As portas do inferno, róxz 33oo, i. é, o poder infernal, repre
sentado tambem como uma casa, cidade ou reino aggressivo
e opposto á casa, cidade ou reino de Christo. Na linguagem
oriental porta designa a cidade ou cidadela real. Assim o im
perio dos turcos ainda hoje se chama a porta ou a sublime
porta. Nos monumentos egypciacos o Pharaó tambem é cha
mado Pir-aa, a «Grande casa». — O inferno, 3ôz:, "se (scheól)
é propriamente o mundo subterraneo, para onde iam as almas
depois da morte. E representado como um poder invencivel,
ao qual ninguem escapa, pois todos hão de morrer, e quem
uma vez lá desce não tem mais esperança de voltar a esta vida
(cf. Job, 1
o
,
2o-22). Ora a morte entrou n
o
mundo pelo pec
cado e pelo demonio, invejoso da feliz condição destinada a
o
genero humano. Não é pois de admirar que o scheol seja re
presentado como o imperio proprio de satanás, e que este ap
pareça n
o evangelho como o adversario de Jesus Christo, que
veio libertar o genero humano d
o
seu captiveiro, d
o peccado
158 S. MATTHEUS, XVI, 2o.
sobre a terra será tambem desligado nos céos.
* Então ordenou aos seus discipulos que não dis.
sessem a ninguem que elle era o Christo.
e da morte. Ora bem esse poder infernal ha de levantar-se
furioso contra a Egreja (cf. 7, 24-25), mas aº xaria/gooway aprik,
não será mais forte do que ella, não conseguirá jámais derri
bá-la e anniquilá-la. A Egreja de Jesus Christo será pois in
destructivel, e triumphará finalmente do demonio, do peccado.
e da morte. E esta solidez provem-ihe do rochedo, sobre o
qual Jesus Christo a fundou, porque onde está Pedro, ahi está
Jesus Christo, o vencedor do demonio, do peccado e da morte.
19. — As chaves do reino, i. é, o poder supremo de o gover
nar e administrar. E o que significa a acção de entregar as
chaves d’uma casa, fortaleza ou cidade a alguem. Possuir as
chaves é ter o supremo poder. (cf. Apoc. 1, 19; 3,7) — Ligar,
àsly (na linguagem aramaica e rabbinica asar, "EN), e desligar,
Xósw (em aram. scherá, Nºv = hebr. "Fr) é o mesmo que de
clarar illicito on licito, prohibir ou permitir. Pedro fica pois
constituido interprete authentico da doutrina de Christo, com
poder de legislar, e como as suas decisões são ratificadas no
céo, é evidente que Pedro, no desempenho d'esta missão, deve
ser infallivel. — Pedro será pois o chefe visivel da Egreja, com
plenos poderes para a governar e administrar, e como a
Egreja de Jesus Christo ha de durar, neste mundo, até á com
summação dos seculos, o primado de Pedro, que é o seu fun
damento inconcusso, a base solida da sua firmezae estabili
dade, deve necessariamente ser nella uma instituição visivel e
permanente, do mesmo modo que o collegio apostolico. E
como não era manifestamente intenção de Christo prolongar
indefinidamente a vida de Pedro e dos outros apostolos, segue
se que um e outros hão de ter successores legitimos e visiveis,
para que todos possam conhecer bem qual é a verdadeira
Egreja de Jesus Christo, e distingui-la de qualquer outra com -
munidade religiosa, que se arrogue falsamente esse titulo au
gusto. Esse successor de Pedro é o Pontifice romano.
S. MATTHEUS, XVI, 21-22. 159
21 Desde então começou Jesus a mostrar aos
seus discipulos como lhe cumpria ir a Jerusalem, e
padecer muito dos anciãos, e dos escribas, e dos
principes dos sacerdotes, e ser morto, e ao terceiro
dia ser resuscitado. * E tomando-o Pedro á parte,
começou a increpá-lo, dizendo: Para longe de ti
,
2o. — Precaução necessaria para não irritar mais os phari
seus, e evitar alvoroços no povo (cf. 8
,
4
).
XVI, 21-23. — Prediz a sua paixão. (Cf. Mc. 8, 31.33.
Lc. 9
,
22.) Começa Jesus a preparar o
s
seus discípulos para o
grande escandalo de sua paixão e morte (16, 21 — 17, 26).
21. — Desde então, com emphase, i. é
, depois da gloriosa
confissão de Pedro, garantia segura da fé d
o collegio aposto
lico na messianidade e divindade de Jesus Christo. Foi para
assim dizer o ponto culminante que Jesus quiz attingir em
todo o seu ministerio, e
, assegurado elle, parece que nada
mais lhe resta senão consummar n
o
Calvario a sua obra, pela
voluntaria immolação de si mesmo. — Cumpria ou era neces
sario (às), segundo os designios da Providencia, annunciados
nos vaticinios messianicos (cf. 26, 54. Lc. 24, 25-27. Jo. 3
,
14).
O
s
que hão de perseguir e matar o Messias são: — 1º os an
ciãos, i. é, os magistrados civis do povo judaico; — 2.
º
o
s es
cribas, i. é
,
o
s doutores da le
i
e mestres d
o povo; — 3.
º
o
s
principes dos sacerdotes. i. é
,
a auctoridade religiosa. — Ser
resuscitado, yeç3ivx, pelo Pae. (cf. Act. 2
, 24-32; 3, 15; 4, 1o
etc.)
22. — Não se conforma Pedro com a predicção de Christo.
Parece-lhe coisa indigna que o Messias passe por tamanha
humilhação, insinuando, sem duvida, que elle e o
s
mais dis
cipulos estão promptos para defendê-lo. — Tomando-o á parte,
rpoo%29ópºvo; zörów, i. é
,
deitando-lhe a mão e puxando-o para
si
,
como fazem em taes casos o
s amigos. — Increpâ-lo com
vivo empenho e zelo ardente, intrºv㺠(enixe admoncre), nas
IOO S. MATTHEUS, XVI, 23-24.
Senhor! não te acontecerá isso. 2° E elle voltando
se, disse a Pedro: Arreda-te de mim, satanás! que
me serves de escandalo, porque não percebes as
coisas que são de Deus, mas as dos homens.
24 Então disse Jesus aos seus discipulos: Se al
guem quer v
ir após de mim, negue-se a si mesmo,
cido d
e
estima e amor. — Longe de t
i,
Xso; az, subentende-se:
si
m
º SE3;, i. é
,
Deus te seja propicio ! Deus tal não permitta !
Corresponde á expressão hebraica Tº nººn.
23. — Voltando-se, arçz, s
í,
d'elle em signal de desagrado. —
Satanás, i. é
,
adversario. E
'
a palavra aramaica Neee, estado
emphatico de ree (em hebr. Tev). Toma-se aqui em sentido
appellativo, mas com allusão a
o
demonio que tambem tentou
desviar a Christo do caminho, que o Pae lhe traçou para
realizar a sua obra (4
,
3-9). — De escandalo, i. é
,
d
e tropeço,
d
e
obstaculo a
o cumprimento da vontade d
e
Deus. Declara
em que sentido lhe chama satanás, attenuando a
o
mesmo
tempo a dureza d’aquella forte increpação. —Não percebes,
não te interessas. O verbo "pov㺠rárvo; significa alicujus rebus
seu commodis studere, tomar a peito as coisas o
u
o
s inte
resses d
e alguem, dedicar-se a elles. Pedro não pensa nos
interesses superiores de Deus, cuja justiça devia ser appla
cada, mas nos interesses dos homens que só desejam felici
dades e prosperidades temporaes sem trabalho e sofrimento.
XVI, 24-28. — Necessidade da propria abnegação.
(Cf. Mc. 8
,
34-39. Lc. 9
,
23-27.) O caminho da cruz não é só
para Christo, mas condição necessaria para todos os que o
queiram seguir. O espirito de renuncia e de abnegação é essen
cial ao christianismo.
24. — Vir após de mim, i. é, ser meu discipulo. Diz se quer,
porque não faz força a ninguem. Deus respeita a liberdade d
o
homem, para que ele seja em certo modo auctor do seu des
s. MATTHEUS, XVI, 25-27. 161
e tome a sua cruz, e siga-me. * Porque quem qui
zer salvar a sua vida, perdê-la-ha; e quem perder
a sua vida por amor de mim, achá-la-ha." Pois de
que servirá a um homem lucrar o mundo inteiro, se
vier a perder a sua alma? Ou que resgate dará um
homem pela sua alma??? Por que o Filho d'homem
tino. —Negue-se a si mesmo, i. é, ponha o seu pensamento e
empenho nas coisas que são de Deus e não nas dos homens;
ordene o seu pensar, querer, sentir e operar (i
. é, toda a sua
vida) pela vontade de Deus, e não pelas proprias paixões e
inclinações desordenadas.— Tome a sua cruz (allusão a
o
genero de morte que Jesus havia de padecer), i. é
,
tome ás suas
costas a sua cruz e carregue com ella como um cruciario, que
leva aos hombros o instrumento do seu supplicio. —E siga-me,
i. é
,
e imite-me, disposto a morrer comigo se fôr preciso. —
Estas admiraveis e breves palavras de Jesus Christo podem
ser consideradas como uma breve summa de toda a perfeição
christã. Os verdadeiros discipulos de Christo devem trazê-las
constantemente presentes e vivamente gravadas no coração,
como norma de vida. -
25. —Cf. 1o, 38. Lc. 14
,
27. Salvar, i. é
,
conservar a sua
vida, negando a Christo para a não perder.
26. — Servirá, no futuro, àç=XYSíazrat; lição que parece pre
ferivel á da Vulgata. Não ha bem que possa compensar a
perda da vida immortal. E
'
um damno incommensuravel e
irreparavel, — Resgate, &wr%)}zyuz, o que se dá em troca
d'alguma coisa, para a adquirir, conservar o
u resgatar. Quem,
por amor d'algum bem temporal, perde a propria alma, não
lhe fica nada com que a possa depois recuperar no dia do
juizo. O damno sofrido é eterno e irreparavel. Christo joga
com a palavra jogá, alma. No vers. 25 toma-se pela vida
temporal, de que a alma é o principio intimo; no vers. 26
toma-se pela vida eterna e bemaventurada. •
27. — Confirma a doutrina precedente com a certeza d
o juizo
I I
162 s. MATTHEUS, XVI, 28.
ha-de v
ir
n
a gloria de seu Pae, com os seus anjos;
e então dará a cada um segundo a
s
suas obras.
** Em verdade vos digo, alguns ha dos aqui pre
sentes que não provarão a morte até que vejam o
Filho d'homem vindo no seu reino.
final, em que elle mesmo será o juiz. Propõi a norma infalli
vel segundo a qual h
a
d
e julgar. — N
a gloria..., i. é, com
aquella gloria eterna, esplendor e majestade que é propria
d
e
Deus Pae; na gloria da Divindade (cf. Jo. 17, 5)
.
Em s. Mt.
24, 3o: «com grande poder e majestade.» — Segundo as suas
obras, riº rç2#w zircã, segundo o seu proceder. Eis o que o
homem tem de apresentar ao juiz supremo para receber d’elle
o que lhe é devido, o
u
tribulação e angustia pelo mal, o
u
honra
e gloria pelo bem (Rom. 2. 2
, 9
,
1o). Mas se alguem, para
lucrar, mas que fosse o mundo inteiro, perder a sua alma, a
vida eterna e feliz, — que lhe ha de apresentar?
28. — Este juizo é absolutamente certo, e não está longe.
Começará com o triumpho do Filho d'homem, posto que
o seu acto final só tenha logar na consummação dos seculos.
Ora esse triumpho está tão perto que muitos dos seus ouvin
tes hão de ser d’elle testemunhas oculares. — Provar a morte
(em aramaico sn'> Eye, o
s
Hebreus dizem ver a morte, risº
nºr), i. é
,
morrer. Os gregos tambem usam expressões seme
lhantes: (súsa Szt révºou;, xxxów). — No seu reino, i. é
,
n
a majes
tade e gloria d
o
seu reino. A acção judicial, a que o Evange
lista allude, deve ser a ruina de Jerusalem, que é preludio e
principio d
o
munus judicial d
o
Messias. A Biblia dá o nome
d
e vinda de Deus á sua especial manifestação e intervenção,
como juiz, nas coisas humanas. (cf. Is
.
3
,
14; 3o, 2
7
.
Hab. 3,
3
.)
…
.
…?"
CAPITULO XVII
1 E seis dias depois tomou Jesus a Pedro, e a
Tiago, e a João, seu irmão, e levou-os a um alto
monte a sós. " E transfigurou-se deante d’elles. E
XVII, 1-13. — Transfiguração de Christo. (Cf. Mc.
9, 1-9. Lc.9, 28-36.) Manifesta Jesus a sua gloria aos discipulos
para os confirmar na fé
,
e prepará-los para o grande escandalo
d
a cruz. Em Moysés e Elias apparecem a le
i
e o
s prophetas,
i. é
,
todo o Antigo Testamento dando testemunho em favor
de Jesus Christo.
1
. — Seis dias depois, como em s. Mc. 9
,
1
,
a
o passo que s.
Lc. 9
,
2
8 tem óasi áuíça 2xró, «cerca d'oito dias». Esta deter
minação exacta d
o tempo, o que é raro em s. Mt., mostra a
importancia que elle liga a
o facto, succedido depois da glo
riosa confissão de Pedro, e da primeira predicção da paixão.
— Pedro, Tiago e João, os seus tres discipulos predilectos, tes
temunhas da resurreição da filha de Jairo (Mc 5
,
37. Lc. 8
,
51),
e que tambem o haviam de ser da sua agonia n
o
horto (26,
37). Como Jesus subiu ao monte para orar (Lc. 9
,
28), e des
ceu d
o
monte no dia seguinte (Lc 9, 37), é provavel que a
transfiguração succedesse durante a noite, o que explica o
somno dos discipulos (Lc. 9
,
32). Uma antiga tradição, men
cionada por s. Cyrillo de Jerusalem e por s. Jeronymo diz
que o monte da transfiguração fo
i
o Tabor, Djebel-et-tur, na
Galiléa, uns 1o kilometros a
o
oriente de Nazareth. Eleva-se,
em forma de come, com as encostas cobertas de arvores, 78o
metros acima d
o lago d
e Tiberias, 595 acima d
o Mediterra
neo, e 4oo acima da planicie de Esdrelom, e termina numa
164 s. MATTHEUS, XVII, 3-4.
resplandeceu o seu rosto como o sol; e os seus ves
tidos tornaram-se brancos como a luz. * E eis que
lhes appareceram Moysés e Elias, falando com elle.
* E respondendo Pedro, disse a Jesus: Senhor, bom
é estarmos nós aqui! se queres, faremos aqui tres
tendas, uma para t
i,
outra para Moysés, e outra
plataforma, onde havia, no tempo de Antiocho, uma fortaleza,
inteiramente arruinada no tempo de Christo. Do cume d
o
monte descobre-se um vasto e bello panorama de toda a Ga
liléa. Ao p
é
d
o Tabor fica a pequena aldeia de Daburieh,
onde os discipulos, que não foram testemunhas da transfigu
ração, ficaram á espera do Mestre.
2
. — Transfigurou-se, usrepoç945m, assumindo momentanea
mente o aspecto d'um corpo glorioso. Esta gloria não era
meramente externa, como a de Moysés, ao descer do Sinai
(Deut. 34, 29"), mas derivava da gloria da sua divindade, até
então occulta sob o véo da sua humanidade. Foi uma anteci
pação da gloria que havia de ter depois da sua resurreição. —
Deante d’elles, para que fossem testemunhas do milagre e
não duvidassem da identidade da pessoa. Depois de enunciar
o facto, descreve o modo da transfiguração. — Como a luz,
ó
;
r% põg. A Vulgata tem : como a neve.
3
. — Moysés é o fundador da theocracia antiga, e o legisla
dor do povo judaico; Elias é o maior dos prophetas, o res
taurador da lei, e o grande zelador da gloria e honra Deus. O
objecto da conversação é o genero de morte que Jesus ha d
e
padecer em Jerusalem (Lc. 9
,
31), para que o
s apostolos ficas
sem entendendo que a paixão do Messias era disposição pro
videncial de Deus.
4
. — Respondendo, i. é
,
tomando a palavra por occasião d
o
que via e ouvia (cf. 11, 25). — E' bom, xxxów igriv, é bello, é
delicioso! — Faremos, torícousy, ou, como teem alguns codices,
Torino, farei, o que se harmoniza bem com a indole impul
s. MATTHEUS, XVII, 8-9. 165
para Elias. º Falando ele ainda, eis que uma nu
vem os envolveu. E eis uma voz do meio da nuvem
dizendo: Este é o meu Filho, o amado, em quem
me agradei; ouvi o a elle. "E os discipulos ouvindo
cahiram de rosto por terra, e ficaram muito assom
brados. " E chegou-se Jesus, e tocando-os, disse:
Erguei-vos, e não temaes. º E levantando elles os
olhos não viram a ninguem, senão a Jesus só. º E
ao descerem do monte, ordenou-lhes Jesus, dizen
do: A ninguem contareis a visão, até que o Filho
d'homem seja resuscitado dos mortos.
siva, ardente e generosa de Pedro. Não pensa senão em asse
gurar o goso permanente de tão delicioso espectaculo (cf. 2
Petr. 1, 17-18). Estava fóra de s
i,
e
,
como observa s. Lc. 9
,
33, não sabia o que digia !
5
. — O
s envolveu, a Jesus, Moysés e Elias, subtrahindo os
á
s vistas dos apostolos. A nuvem luminosa é um symbolo da
presença da Divindade. (cf. Ex. 16, 1o. 3 Reg. 8
,
1o.) E Deus
Pae que vem confirmar com o seu proprio testemunho a
gloriosa confissão de Pedro (16, 16), e approvar a paixão e
morte de Jesus. —0 amado, como em 3, 17
.
— Ouvi-o a elle,
3x2ósrs abro5 (cf. Deut. 18, 15), i. é
,
recebei com fé a sua dou
trina, e obedecei-lhe.
6
.—Cf. Is
.
6
,
5
. Ez. 2
,
1
. Dan. 7
, 15; 1o, 8, Lc. 1
,
29. A pre
sença sensivel da Divindade faz tremer o
s mortaes, fracos e
peccadores. •
7
. — Tocando-os, para os tranquillizar e fazer tornar a si
.
(cf. Dan. 1o, 1o.) O tacto de Jesus tem uma especie de vir
tude sacramental, que produz logo o efeito desejado.
9
.—Cf. 16, 2o, onde vem uma prohibição semelhante e pelo
mesmo motivo. — A visão, º ºxuz, o visto, o espectaculo
que tinham contemplado,
I66 S. MATTHEUS, XVII, Io-13.
10 E interrogaram-no os discipulos, dizendo: Por
que dizem logo os escribas que Elias deve vir pri
meiro ? " E elle respondendo, disse: Elias certa
mente que ha de vir, e restaurará todas as coisas,
* Entretanto digo-vos que Elias já veio, e não o re
conheceram, senão que fizeram d'elle tudo o que
quizeram. Assim tambem o Filho d'homem ha de
padecer da parte d’elles. º Então entenderam os
discipulos que lhes falava de João o Baptista.
XVII, lo-13. — Elias e o Baptista. (Cf. Mc. 9, 1o-12.) A
pergunta dos discipulos é motivada pelo vers. 9, que elles
entenderam da proxima glorificação e manifestação trium
phante do Messias, e não da sua morte e paixão. Jesus escla
rece-os distinguindo duas vindas diversas do Messias, e dois
precursores differentes, o Baptista da primeira, e Elias da
segunda.
1o. — Primeiro, i. é, como diz Mal. 4, 5-6, «antes que venha
o dia grande e terrivel do Senhor». Elias virá pois antes do
juizo universal para reconduzir os Judeus á antiga fé
,
piedade
e obediencia de seus paes. No cap. 3.º vers. 1.
º
fala Malachias
d'outra vinda d
o Messias, e d
o anjo que será enviado adeante
d'elle a preparar-lhe o caminho. Os escribas confundiam estas
duas vindas uma com a outra, e por isso consideravam Elias
como unico precursor d
o
Messias. Os discipulos vendo que
Elias se tinha apartado (17, 8
),
e que Jesus lhes mandava
guardar segredo sobre o apparecimento de Elias até (como
elles erradamente entendiam) á sua manifestação gloriosa,
cuidam que o
s
escribas estão em erro, e pedem explicações.
11. — Approva, em parte, o parecer dos escribas, que é ver
dadeiro relativamente á ultima vinda do Messias. •
12. — Refere-se ao Baptista, que na sua qualidade de pre
cursor, é outro Elias. O sujeito de reconheceram e fizeram são
o
s escribas, que tambem tiveram parte na prisão d
o Baptista,
S. MATTHEUS, XVII, 14-17. 167
14 E tendo elles vindo para junto do povo, che
gou a elle um homem, ajoelhando-se deante d’elle,
e dizendo: Senhor, tem compaixão do meu filho,
porque é lunatico, e padece muito; pois muitas ve
zes cai no fogo, e muitas na agua." E apresentei-o
aos teus discipulos, e não o puderam curar. " E
respondendo Jesus, disse: O geração incredula e
perversa, até quando estarei comvosco? até quando
vos sofrerei? Trazei-m’o aqui! " E Jesus o incre
facilitando a sua entrega a Herodes, o que levou Jesus a reti
rar se da Judéa para a Galiléa (4
,
12. Jo. 4
,
1
).
XVII, 14-2o. — Cura um lunatico. (Cf. Mc. 9, 13-28. Lc.
9
,
37-43) A narração de s. Marcos é mais completa que a de
s. Mattheus. E
'
um dos milagres em que mais se revela a me
cessidade e o poder maravilhoso da fé
.
A impotencia dos apos
tolos realça o poder de Jesus Christo.
1
4 — Elles, como tem o grego. A Vulgata emprega o singu
lar — Lunatico, i. é, epilepticoou sofrendo de doença mais
o
u
menos sujeita ás variações da lua. A esta doença accrescia
o mal da possessão diabolica. E sobre tudo isto era tambem
mudo (Mc 9
,
16). — O caso deve ter-se dado na Galiléa, e não
n
o territorio de Philippe, como se collige da presença dos
escribas (Mc 9
,
13). •
15. — Não puderam, apesar de já terem expulsado demonios
em nome de Jesus (cf. Mc. 6
,
13). E provavel que a presença
dos escribas causasse certa perturbação nos discipulos, e o
s
acovardasse.
16. — Quando Jesus chegou alli, achou muito povo em torno
dos discipulos e o
s
escribas altercando com elles (Mc 9
,
13).
A dura increpação de Christo attinge-os a todos. — Incredula,
ártaros, sem fé
,
cf
.
Deut. 32, 5. — Perversa, Sizarçzuuém, i. é
,
transviada d
o
recto caminho, corrompida, impia (cf. Ex. 32,5
nos Setenta, e Phil. 2
,
15).
1
7
.
— O increpou, não ao mancebo, que padecia aquele mal
I68 s. MATTHEUS, XVII, 18-2o.
pou, e sahiu d’elle o demonio, e ficou o moço cu
rado desde aquella hora.
º Então chegando-se os discipulos a Jesus em se
gredo, disseram: Porque não o pudémos nós ex
pulsar? " E elle diz-lhes: Por causa da vossa pouca
fé
.
Pois em verdade vos digo, se tiverdes fé
,
como
um grão de mostarda, direis a este monte: Passa
d'aqui para alli, e ele passará, e nada vos será im
possivel. º Mas esta casta não se expulsa senão por
meio d
a
oração e d
o jejum.
desde a infancia (Mc 9
,
21), mas a
o demonio, a que chama
«espirito surdo e mudo». (Mc 9
,
24). A scena da cura vem
descripta com grande viveza em s. Mc. 9
,
17-26.
18. — Em segredo, i. é
, quando, despedido o povo, entrou
em casa, e estava a sós com os discipulos. Estavam envergo
nhados do mau successo, e receosos de terem offendido o
Mestre.
19. — Pouca fé, 27t%xtaría». O textus receptus tem 3rtaría»,
«incredulidade». que é a lição da Vulgata. A fé e a confiança,
que d’ella depende, são condições ordinariamente exigidas
por Jesus Christo antes de operar qualquer milagre. (cf. 13,
58. Mc. 6
,
5
;
9,22). — A este monte, ao monte da transfigu
ração. O modo de falar é proverbial. Os rabbinos chamavam
arranca montes (="r "pºz) ao homem que vence grandes obs
taculos, que emprehende coisas arduas e difficeis. Quer pois
dizer que a fé sincera, por pequenina que seja, basta para
vencer as maiores difficuldades. (cf. 1Cor. 1
,
25.)
2o. — Outra causa da impotencia e tambem da pouca fé
dos apostolos: a falta de oração e de penitencia, que são
meios indispensaveis para alcançar a fé dos milagres, e para
luctar contra demonios tão extraordinariamente furiosos.
XVII, 21-22. — Torna a predizer a sua paixão. (Cf.
Mc 9
,
29-31. Lc 9,44-55.) Vem no mesmo logar, e é narrada
s. MATTHEUS, XVII, 21-23. 169
21 E andando elles ainda na Galiléa, disse-lhes
Jesus: O Filho d'homem ha de ser entregue nas
mãos dos homens; ** e hão de matá-lo, e ao ter
ceiro dia será resuscitado. E ficaram sobre-modo
contristados.
23 E tendo vindo para Capharnaúm, chegaram
se a Pedro os cobradores da «didrachma», e disse
ram: O vosso mestre não paga a «didrachma»?
quasi pelos mesmos termos pelos tres Synopticos. A primeira
predicção da paixão (16, 21-28) relaciona-se com a confissão
de Pedro, esta com a transfiguração (17, 1-9) e com a mani
nifestação do poder de Jesus sobre o demonio (17, 14-2o).
21. — Disse-lhes, com palavras de grande encarecimento:
«Guardae vós nos vossos corações estas palavras» (Lc. 9, 44).
Quer inculcar-lhes bem que vai a padecer voluntaria e es
pontaneamente, não por fraqueza ou surpresa. — A expressão
ser entregue nas mãos dos homens, s
i; /<içz; 399pózov, n
a lin
guagem dos prophetas (cf. Mich. 7
, 6), designa uma extrema
infelicidade. Realça pois o
u
o horror da sua paixão, ou a sua
indignidade para o Filho de Deus.
22. — As palavras de Christo eram bem claras; comtudo
o
s discipulos não a
s
entenderam claramente (Mc 9
,
31. Lc. 9
,
45); ficaram porém presagiando qualquer adversidade, e pelo
amor que tinham a Christo, não ousavam interrogá-lo, receo
sos de saber a verdade.
XVII, 23-26. — Paga o tributo. Vem só em s. Mattheus.
Refere-se a
o
tributo sagrado (meio siclo de prata = 1 fr. 5o),
que todos o
s Israelitas, a partir dos 2o annos, deviam pagar
a
o templo em signal de vassalagem. E
'
evidente que o Mes
sias, como filho de Deus, não estava obrigado a pagar tal
tributo.
2
3
,
— O siclo de prata (ºrv = schéquel) valia quatro dra
17o s. MATTHEUS, XVII, 24-26.
* Diz: sim! E ao entrar em casa Jesus o preveniu,
dizendo: Que te parece, Simão? De quem recebem
os reis da terra tributo ou censo? dos seus filhos ou
dos extranhos? " E dizendo elle: Dos extranhos,
disse-lhe Jesus: Logo os filhos estão isentos. ** Com
tudo, para os não escandalizarmos, vae ao mar, e
lança o anzol, e o primeiro peixe que subir, toma-o,
e abrindo-lhe a bocca, acharás um º estatér»; tiran
do o, dá-o a elles por mim e por ti
.
chmas atticas (= 3 frs). A «didrachma» (= duas drachmas)
pois era uma moeda de prata equivalente a meio siclo. A ori
gem deste tributo remonta a Nehemias (1o, 33). A principio
era apenas 1/
3
d
e siclo; mais tarde porém elevou-se a 1/
2
siclo.
No tempo de Christo todos os Judeus concorriam com este
tributo para o templo, tanto o
s
d
a Palestina. como os que v
i
viam fóra d’ella, na Diáspora o
u Dispersão. Depois da destrui
ção do templo o tributo passou para o imperador romano.
2
4 — Sim, inadvertidamente, porque Jesus, como ele bem
sabia (16, 16), era o Filho de Deus. E entrou em casa para
dar aviso a Jesus. — Preveniu, para lhe mostrar a sua omni
sciencia e o interesse que tomava por todas as coisas, particu
larmente pelo que dizia respeito a Pedro. — Tributo ou censo,
ré%; ? xiyazz, i. é
,
o tributo indirecto e directo.
2
6 — Como os cobradores ignoravam a filiação divina de
Jesus, seria um escandalo para elles se recusasse o tributo, o
que seria um signal de apostasia. — O «estatér» valia quatro
drachmas. Paga o tributo por si e por Simão para mostrar
que o futuro chefe d
o collegio apostolico, e pedra fundamen
tal da sua Egreja, faz uma só pessoa moral comsigo.
CAPITULO XVIII
| Naquella mesma hora se chegaram os discipu
los a Jesus, dizendo: Quem é pois o maior no reino
dos céos?? E tendo chamado um menino, pô-lo no
meio d'elles, º e disse: Em verdade vos digo, se vos
não converterdes, e vos fizerdes como meninos, não
XVIII, 1-5. — Quem é o maior. (Cf. Mc. 9,32-36. Lc. 9,
46-48). Reprime a ambição dos discipulos, pondo-lhes deante
dos olhos a humildade das creançinhas, que recommenda
d'um modo especial ao seu cuidado.
1.— Pela promessa feita a Pedro (16, 17-18) entendem que
nem todos hão de ser eguaes no reino messianico, cuja inaugu
ração gloriosa suppunham proxima (cf. 1
7
,
9-1o), por isso
houve entre elles controversia sobre qual seria o maior (cf.
Mc. 9
,
32-36), e pedem agora a Christo que a decida. — A
interrogação — quem pois, tí
;
&çz, allude á questão havida
entre elles durante o caminho, sobre qual seria o maior em
dignidade e poder. Ainda estavam imbuidos dos preconceitos
judaicos sobre as grandezas temporaes do reino messianico.
Em s. Lucas é o proprio Jesus Christo que interroga primeiro
o
s discipulos, enchendo-os de confusão pelos seus pensamen
tos ambiciosos. •
2
. — Um menino, Tratôíov, uma creancinha, innocente, sim
ples e sem aspirações terrenas. Taes devem ser o
s
membros
do reino messianico •
3
. — Parte negativa da resposta á pergunta dos discipulos:
o que não devem ser. —Se vos não converterdes, êx
º
u
m arcaçõrs,
i. é
,
se não mudardes de sentimentos, renunciando a esse
172 s. MATTHEUS, XVIII, 4-7.
entrareis no reino dos céos. " Todo aquelle pois que
se humilhar, como este menino, esse é o maior no
reino dos céos. " E quem se encarregar d'um me
nino d'estes, por causa do meu nome, encarrega-se
de mim.
6 Mas quem escandalizar um destes pequeninos,
que creem em mim, merece que se lhe pendure uma
mó de atafona ao pescoço, e seja lançado no abysmo
do mar.
" Ai do mundo por causa dos escandalos!Por
espirito de ambição e de preeminencia. — Como meninos,
humildes e despretenciosos. O que estes são por condição,
devem os apostolos ser por virtude. O humilde não se pre
fere a ninguem, escolhe para si o infimo logar, e reputa-se o
servidor de todos.
4. — Parte positiva da resposta: o que devem ser. — Como
este menino, subentende-se, «é humilde».
5. — Se encarregar, i. é, tomar á sua conta, para o susten
tar, educar e formar, por amor de Jesus, e para Jesus. — En
carrega-se de mim, que magnifica recompensa !
XVIII, 6-9. — Do escandalo. Ameaça com os mais terri
veis supplicios os corruptores da infancia, e deplorando a
origem e os males do escandalo, insiste sobre a necessidade
de evitá-lo, ainda á custa dos maiores sacrificios.
6. — Cf. Mc. 9, 41. Lc. 17,2. — Escandalizar, fazendo-o per
der a fé (que creem em mim) ou a innocencia. As chamadas
escolas neutras ou leigas, verdadeiras escolas de corrupção da
infancia, teem aqui a sua condemnação. — Merece, auvººps
zirãº, convem-lhe como justo castigo. O genero de supplicio,
que era extraordinario e desusado entre os Judeus, mostra bem
a gravidade da culpa.
7, — Ai! Expressão viva do abalo que lhe causou na alma o
s. MATTHEUS, XVIII, 8-9. 173
quanto é necessario que haja escandalos; mas ai do
homem pelo qual vem o escandalo, º Se a tua mão
direita ou o teu pé te escandaliza, corta-o, e arre
messa-o de t
i;
melhor te é entrar n
a
vida manco o
u
coxo, d
o que tendo ambas a
s
mãos o
u
ambos o
s
pés, ser lançado n
o fogo eterno." E se o teu olho
te escandaliza, arranca-o, e arremessa-o de ti; me
lhor te é entrar na vida com um só olho, do que
tendo ambos o
s olhos, ser lançado n
a «gehenna»
d
o fogo.
escandalo dos pequeninos. — A
i
d
o mundo, não é uma ameaça,
mas exprime um sentimento de viva compaixão pelas victimas
dos escandalos. — E
' necessario, 3v%xº, i. é
,
é inevitavel, dada
a malicia humana e os abusos da liberdade. — A
i
d'aquelle
homem, já não é um grito de compaixão, mas uma ameaça
d
o
terrivel castigo reservado a
o
homem que, pelo seu proce
der, é causa de ruina espiritual para outros.
8 e 9. —Cf. 5
,
3o. Mc. 9
,
42. Promptidão e energia com que
é necessario fugir o escandalo, e evitar as occasiões proximas
d
e peccado, por mais caras e uteis que aliás nos sejam. —
Melhor te é
,
xxxó, a
o arw, é bello para ti
.
— Para salvar a vida
temporal sofre-se a amputação d'um membro; maiores sa
crificios se devem fazer para se salvar a vida eterna, e não se
perder para sempre corpo e alma. E para que a difficuldade
d
a empresa não nos aterre, põi-nos deante dos olhos os hor
rores d
o fogo eterno. Jesus é manso e benigno, mas, perante
o peccado, é tão inflexivel e inexoravel como a justiça de
Deus.
XVIII, 1o-14. Valor d’uma alma aos olhos de Deus.
A ovelha perdida. Incita os apostolos ao zelo das almas,
mostrando-lhes a alta estima em que Deus as tem, e quanto
está azendo por ellas.
174 S. MATTHEUS, XVIII, IO-12.
·
-
10 Olhae não desprezeis um só destes pequeni
nos; pois eu vos digo que os seus anjos nos céos
estão sempre vendo a face do meu Pae, que está
nos céos. " Porque o Filho d'homem veio salvar o
que estava perdido.
* Que vos parece? Se alguem tiver cem ovelhas,
Ǽ
*** *
1
o
.
—Torna ao vers. 6
,
insistindo de novo sobre a gravidade d
o
escandalo dos pequeninos. — Pois eu vos digo, para dar maior
realce á gravidade do crime, pela summa dignidade dos pe
queninos. Lá teem elles no céo os seus anjos, aí &#xo zöröy,
i. é
,
o
s anjos encarregados por Deus de o
s guardarem e pro
tejerem. Approva pois a doutrina dos anjos da guarda, tão
inculcada nos ultimos livros d
o Antigo Testamento. Segundo
o
s
rabbinos cada homem tinha dois anjos, que eram ao mesmo
tempo seus protectores, e testemunhas, perante Deus, das suas
acções. Quem escandalizar pois uma creancinha terá contra
si esses intimos amigos e familiares de Deus. No Oriente só
são admittidos á presença dos monarchas o
s
seus amigos e
familiares, que por isso são chamados «os que veem a face do
rei», Tºe" =
>
"N"". (cf. 3 Reg. 1o, 8. Tob, 12, 15.). Até aqui o
primeiro motivo para estimular os apostolos ao zelo das almas.
11. — Segundo motivo. Desprezar os pequeninos seria frus
trar a missão de Jesus, que veio a
o
mundo tambem para
o
s
salvar. A authenticidade d’este verso 11, que poderia tal
vez provir de Lc. 19, 1o, é incerta, e por isso é omittido pelas
edições criticas de Lachmann, Tischendorf e Westcott-Hort.
Falta é verdade nos codices »
,
B
, L", nalguns cursivos, nas
versões sahidica, coptica, e sinaitica (de Agnes Lewis), e em
Origenes, Eusebio e s. Hilario; mas vem na maior parte dos
codices e das versões, e quadra bem a
o contexto, embora não
contenha uma razão especial em favor dos pequeninos.
1
2
.
— Chama-lhes a attenção (cf. 17, 25) para a parabola
s. MATTHEUS, XVIII, 13-14. 175
e uma d’ellas se desgarrar, porventura não deixa as
noventa e nove pelos montes, e vai buscar a que se
desgarrou ? " E se tiver a dita de achá-la, em ver
dade vos digo, mais gosa por ella do que pelas no
venta e nove que não se desgarraram. " Assim
não é vontade perante o vosso Pae, que está nos
céos, que pereça um só destes pequeninos.
que lhes vai propor. Tem por fim mostrar o cuidado e solli
citude com que Deus busca os peccadores, do mesmo modo
que o bom pastor busca as ovelhas extraviadas. E o terceiro
motivo para lhes inculcar o zelo das almas. — Cem ovelhas,
para a Palestina, era um pequeno rebanho, mas este numero
pequeno convem á parabola. Quem tem um pequeno numero
de ovelhas pode cuidar melhor de cada uma em particular,
e sente mais a perda d’uma só d’ellas. — Pelos montes, ir
i
rá
3px, imagem viva das ovelhas deitadas a pasto.
13.—Mais gosa, i. é
,
a alegria que então lhe invade a alma
é mais intensa d
o que o contentamento ordinario que lhe
causam as noventa e nove ovelhas restantes. E
'
um pheno
meno psychologico ordinario e bem conhecido. Experimen
tam-no todos o
s que acham coisas perdidas e estimadas.
14. — Perante o vosso Pae, iurgoa Sev To5 març3;. A vontade,
Sixouz, de que ninguem se perca, mas todos se salvem, adul
tos e pequeninos, é representada como uma coisa que está
fixa e assente perante Deus. Portanto a vontade salvifica d
e
Deus é absolutamente universal. Ninguem nasce predestina
d
o para o mal, antes, quanto é da parte de Deus, todos são
destinados á salvação, e teem o
s
meios necessarios e suficien
tes para isso. •
XVIII, 15-22. — O poder do collegio apostolico.
Constitue o
s apostolos juizes dos fieis, dando-lhes para isso
jurisdicção sobre todos elles, e mandando considerar como
excluidos d
o
reino messianico o
s que resistirem á auctoridade
d
a Egreja.
•
176 s. MATTHEUs, xvIII, 15-17.
\
15 E se o teu irmão peccar contra ti
,
vae, e ad
moesta-o entre ti e elle só. Se elle te ouvir, terás
lucrado a teu irmão. º Se porém não te ouvir, leva
comtigo ainda um o
u dois, para que tudo se confirme
pela bocca de duas o
u
tres testemunhas. " Porém se
o
s
não ouvir, diz á Egreja. E se elle não ouvir a
Egreja, seja para ti como o gentio ou o publicano.
15. — Nos primeiros versos (15-17) trata do dever da cor
recção fraterna, e das normas, que nella se devem observar. —
O teu irmão, 4 33s)ç3: Goo,não é um homem qualquer, mas um
membro da mesma communidade religiosa, d
o
reino messia
nico. Trata-se d'um irmão que já tem praticado o mal ou
dado escandalo, peccando gravemente, º áuzºríai). A clausula
contra ti falta em varios codices e a sua authenticidade é duvi
dosa. Effectivamente o offendido é
,
d
e ordinario, o menos com
petente para admoestar com fructo o offensor.—Entre ti e
elle só (expressão hebraizante) porque assim o exigem a cari
dade e o bom nome do delinquente, que não se suppõi ser um
peccador publico e escandaloso. —Terás lucrado para a
Egreja, para a vida eterna, e em certo modo para ti
.
16. — Passa ao segundo grau da correcção fraterna. — Não
te ouvir, i. é
,
se não quizer reconhecer a sua falta, repará-la e
emendar-se. — Para que...,i. é, para que, pelo testemunho de
dois o
u
tres elle se convença mais facilmente e se submetta.
No Deut. 19, 15, cujas palavras são allegadas por Jesus Christo,
o testemunho de dois o
u
tres é um testemunho juridicamente
valido. Diz assim: «Não se levantará contra alguem uma só
testemunha, seja qual fôr o delicto ou crime; mas tudo será
confirmado pela bocca de duas o
u
tres testemunhas.»
17. — Processo judicial. — A Egreja, não á communidade
dos fieis, mas á auctoridade ecclesiastica, como se deduz dos
versos seguintes, onde Christo suppõi que a sentença da
Egreja é nem mais nem menos d
o que a sentença dos apos
s. MATTHEUS, XVIII, 18-2o. 177
** Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes so
bre a terra, será tambem ligado no céo; e tudo o
que desligardes sobre a terra, será tambem desli
gado no céo.
º Outro-sim vos digo que se dois d'entre vós
concordarem sobre a terra para pedirem qualquer
coisa, ser-lhes-ha concedida por meu Pae, que está
nos céos. 2º Porque onde estão dois ou tres reuni
dos para o meu nome, ahi estou no meio d'elles.
tolos, cujo chefe é Pedro. — O gentios e os publicanos eram
tidos como separados da communidade religiosa formada
pelo povo judaico. Do mesmo modo os rebeldes ao juizo da
Egreja devem ser tidos por excommungados ou excluidos do
seu seio, o que é o mesmo que excluidos da salvação messia
nica. Assim procedeu s. Paulo contra o incestuoso de Co
rintho (1 Cor. 5).
18. — Dirige-se ao collegio apostolico. O recalcitrante deve
ser tido por excluido do reino messianico, porque a sentença
dos apostolos é ratificada no céo. Concede aos apostolos o
mesmo poder que concedeu a Pedro em 16, 19, mas em vir
tude do poder das chaves e da prerogativa de pedra funda
mental da Egreja, a auctoridade dos outros apostolos é subor
dinada á de Pedro.
1
9
.
— Outra razão em confirmação do que disse no verso
18. S
e
Deus promette ouvir a oração concorde de dois dos
apostolos, muito mais attenderá e confirmará a sentença d
a
Egreja, que é a sentença de todo o collegio apostolico.
2o. — Dá razão da eficacia da oração dos apostolos. E
'
devida á presença invisivel de Christo no meio d'elles, pre
sença promettida a todos os que se reunirem sinceramente
para o seu nome, e
i;
to êuby &yºuz, i. é
, para promoverem o
s
seus interesses e a sua gloria.
XVIII, 21-35, — Sobre o perdão das injurias. Para
12
178 S. MATTHEUS, XVIII, 21-22.
21 Então chegando-se Pedro, disse-lhe: Senhor,
quantas vezes peccará o meu irmão contra mim, e
lhe perdoarei? até sete vezes??? Diz-lhe Jesus: Não
te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete
VCZCS.
bola do mau servo. — Depois de ter dado a norma de pro
ceder para com os peccadores renitentes, ensina como se hão
de haver com os irmãos arrependidos. Quer que se use com
elles de misericordia, qualquer que seja o numero das suas
faltas, porque quem não usa de misericordia, não a alcançará
tambem para si do Pae celeste. A parabola do servo immise
ricordioso illustra e confirma esta doutrina.
21. — Entra Pedro em scena como o mais interessado em
comprehender bem a doutrina do Mestre. E' «o mais desejoso
de aprender», º gºou 20ágraros,como lhe chama Euthymio. — Até
sete vezes? E o limite extremo até onde julga que pode che
gar a sua grandeza d'alma. E com isto julgava ter dito al
guma coisa grande, ué… ri XéYew (s
. Chrysostomo), e ter dado
prova de grande magnanimidade, vovíkow pawiyz usyaxcyo%órzro;
(Euthymio)! E provavel que escolhesse o numero sete por
ser sagrado para o
s
Judeus. Ainda assim vai mais além do que
alguns rabbinos, que só perdoavam até á terceira vez.
22. — Setenta..., i. é
,
sem numero nem medida, sempre
que o peccador se arrepender sinceramente e pedir perdão.
A expressão é3ôounºvr%xt; êrro pode ser traduzida de dois mo
dos: 77 vezes o
u
49o (= 7o ><7) vezes. O primeiro é o nu
mero de vezes da vingança de Lamech (Gen. 4
,
24), e foi
preferido por Origenes e s. Agostinho, seguidos por alguns
modernos; o segundo é mais appropriado para designar um
sem numero de vezes, e
,
como inclue o quadrado de 7
(490 = 7*>< 1o), amolda-se mais ao uso dos Judeus, que pre
feriam o quadrado para indicar numeros grandes (cf. Dan. 7
,
1o). E tambem o da versão syriaca Peschito.
*•,
s. MATTHEUS, xvIII, 23-26. 179
** Por isso é semelhante o reino dos céos a um
rei, que quiz tomar contas aos seus servos. * E
tendo começado a tomar contas, apresentou-se-lhe
um que lhe devia dez mil talentos. * E como não
tivesse com que pagar, mandou o seu senhor que
o vendessem a elle, e a sua mulher, e os filhos, e
tudo quanto tinha, para se pagar. * E lançando-se
23. — Por isso, i. é, para que esta doutrina não vos pareça
ardua e difficil. E' a indole do reino messianico que assim o
exige. — A um rei ou, melhor, «a um homem real», porque
8zaixaú; era originariamente um adjectivo, com formas com
parativa (Baaixtóriço;) e superlativa (32a}=4razo;). Este homem
real ou rei humano é o que os rabbinos chamam, em oppo
sição a Deus, «um rei de carne e sangue», i. é, fragil e mor
tal (=T "v= T%2).
24 — Dez mil talentos, i. é, mais de 2 milhões de libras
esterlinas, se se tem em vista o talento attico de prata, então
usado na Palestina. O talento hebraico valia quasi o dobro
d'elle. Esta somma enorme, superior ao rendimento annual
de toda a Palestina, representa o muito que devemos a Deus,
e que elle benignamente nos perdôa. -
25. — Não tendo..., lembra-nos a impossibilidade em que
nos achamos de pagar a Deus as nossas dividas. — Ven
dessem..., applicação do direito oriental, que, em punição
de certos delictos, exterminava a familia inteira do crimino
so. (cf. Dan. 6, 24. Esth. 16, 17.) O direito romano tambem
auctorizava o credor a vender o devedor insoluvel, a encar
cerá-lo ou a faze-lo em postas! Nenhuma d’estas deshumani
dades era sanccionada pelo direito judaico. Os textos em con
trario, allegados por Rose, não provam o que elle pretende.
26. —Tem paciencia, u2x^20%w.saovà=' Suoí, i. é, «sê longamine
comigo». — E tudo... A necessidade leva-o a fazer promes
sas que mal poderá cumprir, mas esta promptidão de von
18o s. MATTHEUS, XVIII, 27-31.
por terra o ta
l
servo, lhe rogava, dizendo: Tem pa
ciencia comigo, e tudo te pagarei." E compade
cido o senhor d’aquelle servo, deixou-o ir
,
e per
doou-lhe a divida. * E tendo sahido aquelle servo,
encontrou um dos seus conservos, que lhe devia
cem dinheiros, e agarrando-o, afogava-o, dizendo:
Paga o que deves!?" E lançando-se por terra o con
servo, rogava, dizendo: Tem paciencia comigo, e
(tudo) te pagarei. º Elle porém não quiz, mas foi,
e metteu-o n
a cadeia, até que pagasse a divida.
* E vendo os outros conservos o que se passava,
ficaram muito contristados, e foram contar a
o
seu
tade sincera serviu-lhe para alcançar o perdão. E
'
pelas dis
posições presentes d
o peccador, e não em vista da execução
futura dos seus bons propositos que Deus perdôa a
o pecca
dor.
27. — Perdoou-lhe, rasgo de generosidade, que não repugna
á prodigalidade oriental, e até occidental. Nero, durante a
sua visita ao principe Tiridates, offereceu-lhe cada dia 2oo:ooo
drachmas, e na despedida, entregou-lhe mais 5o milhões !
28. — Cem dinheiros, uns 9o francos! O que o proximo nos
deve é nada em comparação d
o que nós devemos a Deus. —
Afogava-o, #wysy. Que contraste neste modo de proceder!
— O que deves; mas a lição preferivel é s! Ti 2ç=íAst;, si quid
debes, paga «se algo deves», o que suppõi a confissão prévia
d
a
divida por parte d
o devedor, e realça a inexoravel dureza
do credor.
29. — Faz-lhe a mesma supplica que ele tinha feito ao seu
senhor. — O omnia (r%yra) da Vulgata falta na maior parte dos
codices.
3o. — Mas foi ter com o juiz, levando comsigo preso o seu
credor. Assim o permittia o direito.
•
s. MATTHEUs, xvIII, 32-35. 18I
senhor tudo o que era passado. * Então o chamou
o seu senhor, e diz-lhe: Servo perverso, perdoei-te
toda a divida porque me pediste. * Não convinha
pois que tu tambem te compadecesses do teu con
servo, como tambem eu me compadecide ti? ** E
irado o seu senhor entregou-o aos algozes, até que
pagasse toda a divida. ** Assim vos fará tambem o
meu Pae celeste, se não perdoardes cada um ao
seu irmão do intimo do coração.
34. — Aos algozes ou «atormentadores» vai: 6xaaytarzi, o que
allude ao logar de tormentos (Lc. 16. 28), para onde vão os
condemnados. — Até que..., i. é, para sempre, pois é mani
festamente impossivel que um homem sem meios e encarce
rado possa libertar-se de tamanha divida.
35. — Applica Jesus Christo a parabola. A misericordia de
Deus para comnosco é a norma e o modelo da misericordia
que devemos usar para com o proximo. Sem o perdão sincero
e generoso das ofensas recebidas ninguem alcançará miseri
cordia de Deus.
CAPITULO XIX
1 E aconteceu tendo Jesus acabado estes discur
sos, partiu de Galiléa, e veio para os confins da Ju
déa, por além do Jordão. * E seguiram-no muitas
turbas, e curou-os alli.
* E chegaram-se a elles uns phariseus tentando-o,
e dizendo: Se é licito a um homem repudiar a sua
XIX, 1-9 — Condemna o divorcio. (cf. Mc. 1o
,
1-12.)
Contrariamente á lei, que em certos casos tolerava o divor
cio, e á doutrina relaxada de muitos rabbinos que o auctori
zavam por qualquer motivo de desagrado, restitue Jesus o
matrimonio á sua perfeição primitiva, declarando-o uno e in
dissoluvel.
1
. — E aconteceu..., é a formula ordinaria de transição
em s.
.
Mattheus. (cf. 7
, 28; 11, 1
;
13, 53.) Está terminado o
ministerio de Jesus na Galiléa, e só lhe resta subir a Jerusa
lem, para lá padecer e morrer. Deixou pois a Galiléa, e foi
dirigindo-se para a Judéa, mas em vez de seguir o caminho
ordinario, atravez da Samaria, fez caminho pela Peréa, paiz
além do Jordão, réçzy To5 'I2:3%voo.
2
. — Alli, i. é
,
além do Jordão ou na Peréa.
3
.—Tentando-o, querendo ver se o envolviam nas luctas
que dividiam as suas grandes escolas rabbinicas de Hillel e
Schamai. — Por qualquer motivo, xxxx rºazy airíxy! Tal era de
facto o modo como a escola de Hillel interpretava o texto do
Deut. 24, 1-4. Bastava que a mulher deixasse a panella crear
esturro, ou que o marido encontrasse outra mais bonita! Esta
s. MATTHEUS, XIX, 4-5. I83
mulher por qualquer motivo? " E ele respondendo
disse: Não lestes que quem fez o homem desde o
principio, creou-os varão e mulher? e disse: º Por
isso deixará o homem a seu pae e a sua mãe, e jun
tar-se-ha com a sua mulher, e serão dois numa só car
doutrina relaxada, absolutamente contraria á Escriptura (cf.
Mal. 2, 13-16. Eccle. 7, 21), tinha então muitos partidarios
entre os Judeus. E como não era de suppor que esperassem
resposta afirmativa de Christo, os phariseus, que entram em
scena devem ser da escola de Hillel. Queriam, como diz s. Chry
sostomo, excitar contra Christo a turba multa dos homens
relaxados. A escola de Schamai, mais severa, só admittia o
divorcio por motivos de ordem superior, devidamente verifi
cados, relativos á honestidade e decencia conjugal.
4. — Não lestes?! lança-lhes logo em rosto a sua ignorancia
sobre a origem e a natureza do matrimonio, ta
l
como Deus
o instituiu. A expressão desde o principio, 27' 3875; remet
te-os para a historia da creação, tal como vem no livro do
Genesis, que começa pelas palavras «no principio» y 23/5,
nºvs"= (Gen, 1
,
1
.) A distincção de sexos remonta á primeira
origem d
o genero humano. Foi nesse estado que Deus os
creou, em vista da propagação d
o genero humano, sendo por
tanto o matrimonio uma instituição divina. Tal é a sua ori
gem. Sendo pois Deus o seu auctor, tambem é o seu legisla
dor.
5
. — Cita as palavras d
o
Gen. 2
,
24, onde se contem a lei
fundamental d
o matrimonio, o
u
a sua natureja e condição.
São palavras proferidas por Adam, mas sob a inspiração di
vina, por isso podem ser attribuidas a
o proprio Deus. — Por
isso, i. é
, porque Deus assim o
s creou, de sexos differentes. O
Genesis allude especialmente ao modo como Deus formou
Eva de Adam. — Dois numa só carne, $úo si
;
a ágzz uízº, i. é
,
num
só corpo (cf. 1 Cor. 6
,
16), formando ambos um só principio
completo em ordem á reproducção d
o genero humano. O ma
184 S. MATTHEUS, XIX, 6-9.
ne? º Assim que já não são dois, mas uma só car
ne. Não separe pois o homem o que Deus ajuntou.
" Dizem-lhe: Porque mandou então Moysés dar
carta de desquite, e repudiar? º Diz-lhes: Foi por
que Moysés, em razão da dureza do vosso coração,
vos permittiu repudiar as vossas mulheres, mas
desde o principio não fo
i
assim. º Ora eu vos digo
trimonio portanto, tal como Deus o instituiu, é uno, i. é
,
é a
união de dois, d'um só homem com uma só mulher. Os dois
assim unidos constituem um só corpo o
u carne; dissolver pois
o matrimonio, seria o mesmo que dividir um corpo vivo !
6
.— Tira a conclusão da le
i divina, mencionada no verso
precedente, mostrando como o divorcio é contrario á natu
reza, e á le
i
positiva do Creador. —0 que, 3, e não os que
para realçar mais a união intima effectuada pelo matrimonio.
— Ajuntou, aowskeuºs,conjungiu, em uma união indissoluvel.
7
. — Admittem a argumentação de Christo. Assim está es
cripto no Genesis, mas seja como fôr, no livro d
o Deutero
nomio, 24, 1, Moysés, que tambem é o auctor d
o Genesis,
prescreve outra coisa! E nisto que se fundam, mas erram
porque a le
i
não prescreve o divorcio; tolera-o apenas e dif
ficulta-o, sujeitando-o a certas formalidades e condições le
gaes. E
'
só sobre estas que recai a prescripção da lei.
8
. — Explica a origem do divorcio. Apesar do divorcio ser
contrario á natureza e á instituição divina d
o matrimonio,
comtudo Moysés julgou prudente tolerá-lo, e o proprio Deus
o auctorizou a isso, attendendo (rç%) á dureza d
o
coração ju
daico. Achou que esse mal era menor do que expor as mu
lheres a serem assassinadas ou brutalmente tyrannizadas por
maridos de corações tão odientos e rancorosos. O divorcio
era pois uma dispensa da lei.
9
. — Eu vos digo, como em 5
,
22. 28. 32.34.39.44. E
'
a
expressão solemne com que Jesus afirma os seus direitos de
legislador, oppondo a sua lei, como mais perfeita, á le
i
an
s. MATTHEUs, xix, Io. 185
que todo aquelle que repudiar a sua mulher, a não
ser por adulterio, e casar com outra, é adultero; e
quem se casar com uma repudiada é adultero.
10 Dizem-lhe os discipulos: Se assim é a condi
ção do homem com a sua mulher, não convem ca
tiga. Seria bem absurdo suppor que Jesus tolera o divorcio.
Neste caso a sua lei seria mais imperfeita que a le
i
primitiva
d
o matrimonio, opposta por elle aos Judeus! Se desde o prin
cipio não foi assim, não o será d’aqui por deante, depois de
promulgada a lei messianica. O divorcio é pois licito em caso
d
e adulterio, e neste caso são eguaes o
s
direitos d
o
marido e da
mulher, quando qualquer dos dois falta á fidelidade conjugal.
Mas o vinculo subsiste; por isso nem o marido, que repudia
pode casar com outra sem adulterio, nem homem algum pode
casar-se legitimamente com uma repudiada. As leis civis, que
pretendem dissolver o vinculo matrimonial, são impotentes
contra a le
i
d
e Christo. Legalizam apenas o concubinato,
dando-lhe civilmente direitos eguaes aos d
o
matrimonio! So
bre a doutrina christã relativa ao matrimonio cf
.
Mt. 5
,
32,
onde este texto já foi explicado, Mc. 1o, 11. Lc. 16, 18 e 1.
Cor. 7
,
1o. 17.
XIX, Io-12. — Sobre o celibato. O matrimonio é uma
instituição santa e divina, mas ha um estado, que lhe é pre
ferivel e mais perfeito do que elle, quando é abraçado livre
mente e por amor da perfeição messianica. Louva pois, e
recommenda o celibato aos que se sentirem com animo e
forças para o abraçarem. •
1
o
.
— Entendem os discipulos (este colloquio entre elles e
o Mestre passou-se em casa, cf
.
Mc. 1o, 1o) que Jesus, embora
permitta o divorcio, não tolera a dissolução d
o
vinculo con
jugal, e concluem d'aqui que, sendo essa a nova le
i
d
o ma
trimonio, melhor é não casar. — Condição, ziriz, causa, motivo,
O que allude á pergunta dos phariseus, sobre se era licito
186 s. MATTHEUS, XIX, II-12.
sar. " E elle disse-lhes: Nemtodos comprehendem
essa palavra, mas só aquelles a quem é dado.
* Porque ha eunucos de nascença; e ha eunucos
feitos pelos homens; e ha eunucos que o são por
amor do reino dos céos. Quem pode comprehender,
comprehenda.
repudiar a propria mulher «por qualquer causa» ou «motivo»,
xxxx rãozº zirizy (19, 3)
.
S
e
tal é pois a causa (o motivo de
queixa) d
o
homem com sua mulher; se depois da separação
não se podem contrahir outras nupcias...
11. —Essa palavra, ro
w
X&Yowrońrow, a palavra proferida pelos
discipulos: «não convém casar», cujo alcance elles estavam
talvez muito longe de attingir. Vai porém servir de occasião
a Christo para ensinar uma doutrina nova, caracteristica do
reino messianico, — Comprehendem, yºçoãow, em sentido intel
lectual e ethico a
o
mesmo tempo. Nem todos comprehendem
a excellencia do celibato sobre o matrimonio de tal modo
que julguem que esse estado é exactamente o que mais lhes
convem abraçar. Esta comprehensão pratica é um dom espe
cial de Deus. Os protestantes servem-se d’esta passagem para
impugnar o celibato, imposto pela Egreja latina a todos o
s
ecclesiasticos em ordens sacras (subdiaconos, diaconos e
presbyteros). Mas ninguem é obrigado pela Egreja a abraçar
o estado ecclesiastico. Antes de dar esse passo todos teem
tempo para reflectir, e o
s que não se sentem com forças para
o celibato podem e devem retirar-se. A continencia immunda
não agrada a Deus nem á Egreja, nem ella precisava que os
protestantes lh'o lembrassem.
12. — Eunucos, i. é
, incapazes de contrahir matrimonio, e
portanto obrigados a guardar perfeita continencia. Distingue
tres classes: uns que já nascem assim, ix xoxíz; um rç%, «do
seio materno», por um defeito qualquer de conformação;
outros que são feitos taes pelos homens, o que era frequente
nas côrtes orientaes e tambem se praticou no Occidente,
s. MATTHEUS, XIX, 13-14. 187
13 Então lhe apresentaram uns meninos para que
lhes impuzesse as mãos, e fizesse oração. Mas os
discipulos increpavam-nos. ** Jesus porém disse
outros emfim que voluntaria e livremente, mas sem mutila
ção do proprio organismo, se colocaram no estado celibata
rio, não para fugirem aos trabalhos do matrimonio, nem para
levarem uma vida mais livre, mas por amor da santidade e
perfeição messianica, por amor do reino dos céos, &à ri
º
Baaixaíay röy oùçavöw, o que vem admiravelmente explicado em
s. Paulo (1 Cor. 7
,
25-35). Esses motivos superiores são:
maior facilidade e independencia para um homem se consa
grar inteiramente ao serviço de Deus e a
o
bem d
o proximo;
a imitação da vida virginal de Jesus e de sua Mãe santissima;
a antecipação na terra da vida dos bemaventurados e dos
anjos no céo. Faz espanto que o
s protestantes aborreçam
tanto o celibato e a virgindade, quando até o
s pagãos tinham
por ella tanta estima e admiração! — Quem pode..., i. é,
quem entende que este estado lhe convem, e se sente com
forças para isso, que o abrace. Ao mesmo tempo realça a
difficuldade e a elevação d’este estado de vida. Mas a graça
d
e Deus tudo pode.
XIX, 13-15. -- Abençôa os meninos. (cf. Mc. 1o, 13-16.
Lc. 18, 15-17.) Ensina, por seu proprio exemplo, os discipu
los a estimar as creancinhas e a tratá-las com amor e carinho.
13. — Meninos, ratôíz, expressão que designa as creanças
d
e tenra edade, até aos doze annos. Eram as mães que a
s
traziam a Christo. Queriam que tocasse (Mc. 1o, 13) com suas
mãos o
s
seus filhinhos, e o
s abençoasse, impondo-lhes a
s
mãos. — Increpavam-nos, não as creancinhas, mas as pessoas
que a
s traziam, arredando-as de Christo com maus modos e
palavras asperas, para o não importunarem e molestarem.
Apesar d
o que já tinham ouvido (18, 1-5. 1o-14), não compre
hendiam ainda a dignidade d’aquellas almas innocentes, e o
muito que valiam aos olhos de Deus.
1
4 — Reprehende os discipulos. E o salvador de todos,
188 s. MATTHEUS, XIX, 15-17.
lhes: Deixae os meninos, e não queiraes impedi-los
de vir a mim; porque de taes é o reino dos céos.
º E tendo-lhes imposto as mãos, partiu d’alli.
16 E ei
s que chegando-se um, disse: Bom Mestre,
que boas obras devo fazer, para alcançar a vida
eterna? " E elle disse-lhe: Porque me interrogas a
qualquer que seja a sua edade e condição; além disto tem
especial predilecção pelas creancinhas, cuja simplicidade e
innocencia as tornavam tão caras a
o
seu coração. Recebeu-as
pois com demonstrações de ternura, fazendo o que as mães
lhe pediam, e abraçando o
s
seus filhinhos (Mc. 1o, 16). — De
taes, i. é
,
d'elles e dos que se parecem com elles na humil
dade, innocencia e confiança. Vê-se pois que até as crean
cinhas, quando offerecidas a Christo por seus paes, podem
pertencer a
o
reino messianico. Ninguem pode pois censurar
a Egreja por mandar baptizar as creancinhas. (cf. Jo. 3
,
4.)
XIX, 16-26. — Dos perigos das riquezas. (cf. Mc. 1o,
17-27. Lc. 18, 18-27.) Mostra-se em um exemplo typico como
o apego desordenado ás riquezas, ainda em pessoas virtuosas
e tementes a Deus, é um obstaculo á perfeição evangelica. A
narração de s. Mc. é mais circumstanciada e completa do
que a de s. Mattheus.
16. — Um, em s. Lc. «um principal» (Xgyº»rt:), i. é
,
um mem
bro d
o
sanedrin o
u
um presidente de synagoga. E
'
um man
cebo bom e piedoso (vers. 2o), que sente em sua alma desejos
intimos de perfeição, um vácuo profundo, que não sabe como
h
a
d
e encher. Que bem especial (r
.
37.26%) deverá fazer para
isso ? Como poderá assegurar melhor a vida eterna ?
1
7
.
— Deus é o bem por essencia, e a causa eficiente, exem
plar e final de todo o bem, por isso quem conhece a Deus, não
pode ter duvidas a respeito d
o bem, e d
o que deve fazer para
lhe ser agradavel. Esse bem que Deus exige de nós é a guarda
dos seus mandamentos, i. é
,
o cumprimento da sua vontade.
s. MATTHEUS, XIX, 18-21. 189
respeito do bem? Um só é bom, Deus. Mas se que
res entrar na vida guarda os mandamentos. º Diz
lhe: Quaes ? E Jesus disse: Não matarás; não com
metterás adulterio; não furtarás; não levantarás falso
testemunho; º honra a teu pae e a tua mãe, e: ama
rás ao teu proximo como a ti mesmo. º Diz-lhe o
mancebo: Todas essas coisas tenho guardado desde
a minha puericia; que me falta ainda? ** Disse-lhe
18 e 1
9
.
— Quaes? i. é
, que mandamentos especiaes e parti
culares? E
'
isto o que o mancebo tem em vista, mas Jesus,
que deseja esclarecê-lo bem sobre o seu estado interior e as
moções da graça que o impellem, não lhe responde ainda á
pergunta. A enumeração dos mandamentos (da segunda taboa)
é tomada do Ex. 2o, 12-16. O ultimo, relativo ao amor do
proximo, vem no Lev. 19, 18
.
No texto grego a enumeração
dos mandamentos é precedida do artigo: To aº goveúast;,«O não
matarás»..., i. é
, aquelles mandamentos bem conhecidos.
Omitte o
s
mandamentos da primeira taboa, relativos ao amor
d
e Deus, que nunca falta onde h
a
amor d
o proximo, porque a
existencia d’este é mais facil de ser verificada. Na linguagem
biblica o amor do proximo é considerado como signal e prova
segura do amor de Deus.
2o. — Que me falta ainda, rí ir jariçõ? O verbo 0Graç㺠si
gnifica ficar atraz em alguma coisa, sofrer falta d’ella. A luz
começa a penetrar-lhe na alma; tem consciencia de ter guar
dado a le
i
d
e Deus, mas, apesar d’isso, não se sente bem, nem
satisfeito; o seu coração aspira a coisas maiores. Accrescenta
s. Mc. 1o, 21 que Jesus, ao ouvir a resposta d
o mancebo,
olhou para elle com amor e complacencia. Erraram portanto
o
s que disseram que o mancebo mentiu!
2
1
.
— Descobre-lhe agora o verdadeiro estado da sua alma,
e o que Deus d'elle quer com aquelas aspirações que o tor
turam, mas deixa-lhe plena liberdade e iniciativa — se queres,
I9o S. MATTHEUS, XIX, 22-24.
Jesus: Se queres ser perfeito, vae, vende o que tens,
e dá aos pobres, e terás um thesoiro no céo; e vem,
segue-me. * E o mancebo, ouvido isto, foi-se tris
te
,
porque tinha muitos haveres.
** E disse Jesus aos seus discipulos: Em verdade
vos digo que um rico dificilmente entrará no reino
dos céos.