De modo geral, quando se lê um texto em prosa, percebe-se que ele se constrói a partir de uma organização de ideias de forma contínua, em parágrafos. Ao contrário da poesia, que busca a sonoridade e explora os sons das palavras, predomina, na prosa, o discurso narrativo ou argumentativo. Mas nem todo modo de escrever em prosa é igual.
Você está preparando uma aula sobre prosa e ficou em dúvida entre dois textos de José Saramago, então você escolheu os dois. Separou os seguintes trechos e agora precisa preparar uma análise de suas diferenças para apresentar a seus alunos.
Você é capaz de perceber as diferenças entre esses dois trechos de romances de José Saramago? É possível descrever o ritmo que o autor emprega em cada uma dessas obras em prosa?
As diferenças entre ambos são tão grandes que os trechos parecem ter sido escritos por autores diferentes. No entanto, claro está que o autor – José Saramago – tinha projetos diferentes para as duas obras.
No Trecho 1, do romance Ensaio sobre a cegueira, nota-se uma construção em prosa bastante tradicional. Os sentidos se apresentam a partir da descrição da cena (frases curtas, adjetivos, comparações). O leitor entende a situação, inclusive por lhe parecer trivial e recorrente (pessoas no trânsito, aguardando o sinal, motoristas impacientes, pedestres apressados). Assim, consegue imaginar o que está acontecendo.
No Trecho 2, por sua vez, do romance História do cerco de Lisboa, percebemos que também se trata de texto em prosa. Porém, além dos recursos empregados no primeiro caso (descrição, adjetivos), há trabalho sobre o ritmo da narração. Podemos perceber que há um diálogo entre dois homens. O diálogo, no entanto, apesar de ser trivial e recorrente no cotidiano, não é expresso de forma convencional. O autor rompe com as regras de pontuação, criando suas próprias convenções. Não há travessões para indicar o discurso direto das personagens, as frases soam separadas entre si por vírgulas e os parágrafos desaparecem. Mesmo assim, é possível compreender o que se passa, ainda que o resultado da narração leve a um efeito de sentido diferente: há a sensação de pressa, de desorganização, de caos (ao contrário da organização que a cena do trânsito evidencia no primeiro trecho). O narrador tem domínio maior do narrado no Trecho 1, enquanto no Trecho 2 ele parece perder o controle da instância organizadora da narrativa. Tem-se, portanto, diferente ritmo, inclusive da parte do leitor, que precisa superar suas pré-concepções do texto em prosa para se aventurar no estilo de Saramago.
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