Buscar

Para a escuta clínica do tédio e da apatia, nessa mesma linha, defendemos que deve ser adotada pelo analista uma ética do cuidado, nos termos do te...

Para a escuta clínica do tédio e da apatia, nessa mesma linha, defendemos que deve ser adotada pelo analista uma ética do cuidado, nos termos do texto Cura (Winnicott, 1970/2011). Segundo tal escrito, a clínica psicanalítica acontece no âmbito do relacionamento entre dois seres humanos; por isso, a ideia de hierarquia entre analistas e analisandos e a concepção de cura no sentido médico devem ser substituídas por uma conotação mais abrangente: de cura enquanto cuidado. Para Winnicott, a posição do analista requer um alto nível de confiabilidade e não pode ser fundada em uma atitude fria e distante, ponto que aqui também sustentamos. A linha condutora deste trabalho, portanto, relaciona-se menos a uma exacerbação da cultura do teórico e, muito mais, ao enfrentamento de problemas oriundos diretamente da prática clínica. A premissa fundamental é a de que o analista deve servir ao fim de escutar o sofrimento psíquico de quem o procura, buscar vias possíveis para o alívio dos sintomas dos seus analisandos e oferecer um ambiente propício para que questões de isolamento, inibição, anestesia traumática, anorexia de viver possam ser trabalhadas e cuidadas de modo singular, único, com cada um deles. Para ilustrar a questão da ética do cuidado, citamos fragmentos do artigo de Daniel Kupermann (2008, p. 111) sobre o filme 'Fale com Ela' de Pedro Almodóvar, no qual o autor clama por 'uma outra sensibilidade clínica' e trata da atuação do analista ao longo da história da Psicanálise, trabalhando três momentos relacionados a palavras-de-ordem dirigidas a quem escuta: 1a) 'fique quieto'; 2a) 'fale dela' e 3a) 'fale com ela'. Kupermann relaciona o momento do 'fique quieto', a princípio, ao trabalho de Joseph Breuer com a paciente Anna O. Esse momento representaria o abandono da hipnose e do método catártico e um novo tempo de abertura do analista à escuta do sofrimento da paciente. Inspirado também no atendimento clínico de Freud à paciente Frau Emmy, que lhe formula esse pedido ('Oh, fique quieto'), teria sido esse o momento histórico que levou Freud a postular a 'sutil arte da escuta' e a noção de associação livre (idem, p.115). O momento do 'fale dela', por sua vez, correspondeu à perspectiva de cura psicanalítica pela via da arte da interpretação, em um momento no qual a Psicanálise esteve marcada por uma postura investigativa e cada vez mais silenciosa do analista, trazendo à cena uma noção de Psicanálise como 'ciência' da interpretação e os analisandos como 'objetos de estudo'. Já no momento do 'fale com ela' estaria implícita uma certa combatividade à 'insensibilidade do analista', criticada com veemência por Sándor Ferenczi (idem, p.119). Nesse momento - que segundo pensamos, estende-se à Psicanálise contemporânea - o analista é convocado a lançar mão do tato, da empatia e do acolhimento, não no sentido estrito de fazer função maternante, mas de proporcionar um encontro analítico que possibilite a construção de sentido em hipóteses de existência de traumas psíquicos ou patologias não-neuróticas. Anne Alvarez (1994, p.183) fala da dificuldade que encontrou para selecionar um conceito ou uma palavra que equivalesse em peso e dignidade ao que Freud denominou 'trabalho de luto' para abordar o tratamento analítico com crianças profundamente deprimidas com vistas a viabilizar o nascimento e o desenvolvimento da esperança. Ela destacou que as palavras 'regozijar-se, celebrar, agradecer' são insuficientes no que concerne à extensão e à profundidade desse longo processo. Alvarez elegeu, assim, a expressão 'trabalho de regeneração', mas se socorreu das belas palavras de Daniel Stern e George Herbert, que falam do processo analítico nesses casos como 'a lenta e significativa descoberta de que seu coração murcho pode conter frescor'. Nos casos de apatia e tédio, igualmente, o analista lidará, muitas vezes, com 'corações murchos', que clamam por delicadeza no seu manuseio, mas também, que demandam, de alguma forma, que neles seja insuflada pulsão de vida. Esses casos clínicos requerem um analista que possa sobreviver a variadas 'temperaturas' no setting analítico - o estado morno, o banho-maria, a anestesia e as gélidas temperaturas do tédio-branco e da apatia-desligamento - já que, em muitos deles, a demanda aponta para a necessidade de um processo inaugural de simbolização e para a tentativa de delimitação de fronteiras do eu desses sujeitos pela via do atendimento a necessidades egoicas negligenciadas na origem de suas constituições. A análise há de ser, portanto, como defenderemos nas linhas que se seguem, um espaço potencial que possa viabilizar uma ampliação da capacidade de representação do analisando quanto aos seus traumas e dores psíquicas que tiveram que silenciar; um espaço que produza um encontro frutífero também quanto aos trabalhos de luto do analisando e os seus trabalhos do brincar e do sonhar, para que possa investir em objetos e reconhecer a alteridade de forma não ameaçadora.

Essa pergunta também está no material:

Adriana Meyer Barbuda Gradin
209 pág.

Pedagogia Universidade do Estado do Rio de JaneiroUniversidade do Estado do Rio de Janeiro

💡 1 Resposta

User badge image

Ed Verified user icon

O texto aborda a importância da ética do cuidado na escuta clínica do tédio e da apatia na psicanálise. Segundo Winnicott, a posição do analista requer um alto nível de confiabilidade e não pode ser fundada em uma atitude fria e distante. O analista deve servir ao fim de escutar o sofrimento psíquico de quem o procura, buscar vias possíveis para o alívio dos sintomas dos seus analisandos e oferecer um ambiente propício para que questões de isolamento, inibição, anestesia traumática, anorexia de viver possam ser trabalhadas e cuidadas de modo singular, único, com cada um deles. O texto também faz referência ao filme "Fale com Ela" de Pedro Almodóvar e trabalha três momentos relacionados a palavras-de-ordem dirigidas a quem escuta: 1a) 'fique quieto'; 2a) 'fale dela' e 3a) 'fale com ela'. O momento do 'fique quieto' representa o abandono da hipnose e do método catártico e um novo tempo de abertura do analista à escuta do sofrimento da paciente. O momento do 'fale dela' correspondeu à perspectiva de cura psicanalítica pela via da arte da interpretação, em um momento no qual a Psicanálise esteve marcada por uma postura investigativa e cada vez mais silenciosa do analista. Já no momento do 'fale com ela' estaria implícita uma certa combatividade à 'insensibilidade do analista', criticada com veemência por Sándor Ferenczi.

0
Dislike0

✏️ Responder

SetasNegritoItálicoSublinhadoTachadoCitaçãoCódigoLista numeradaLista com marcadoresSubscritoSobrescritoDiminuir recuoAumentar recuoCor da fonteCor de fundoAlinhamentoLimparInserir linkImagemFórmula

Para escrever sua resposta aqui, entre ou crie uma conta

User badge image

Outros materiais