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O que é concurso de crimes e qual a importância do seu estudo?

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Luna Winchester

1. Concurso de crimes

1.1. Breve análise histórica do concurso de crimes

As diversas modalidades existente sobre concurso de crimes não surgiram simultaneamente em nosso ordenamento jurídico brasileiro. A origem do concurso material foi prevista no Código Penal do império, no art. 61:

Quando o réo fôr convencido de mais de um delicto, impôr-se-lhe-hão as penas estabelecidas nas leis para cada um delles; e soffrerá as corporaes, umas depois das outras, principiando, e seguindo da maior para a menor, com attenção ao gráo de intensidade, e não ao tempo da duração.

Exceptua-se o caso de ter incorrido na pena de morte, no qual nenhuma outra pena corporal se lhe imporá, podendo sómente annexar-se áquella a pena de multa. (Código Criminal do Império do Brazil, Lei de 16 de Dezembro de 1830).[2]

O Decreto 847 do Código Penal de 1890 trouxe a previsão do concurso formal e do material, e ainda trouxe de forma um pouco confusa uma breve previsão acerca da continuidade delitiva do agente, cuja a previsão foi aperfeiçoada por meio de alteração em 1923:

Art. 66. Na applicação das penas serão observadas as seguintes regras:

§ 1º Quando o criminoso for convencido de mais de um crime impor-se-lhe-hão as penas estabelecidas para cada um delles.

§ 2º Quando o criminoso tiver de ser punido por mais de um crime da mesma natureza, commettidos em tempo e logar differentes, contra a mesma ou diversa pessoa, impor-se-lhe-ha no gráo Maximo a pena de um só dos crimes, com augmento da 6ª parte.

§ 3º Quando o criminoso pelo mesmo facto e com uma só intenção, tiver commettido mais de um crime, impor-se-lhe-ha no gráo maximo a pena mais grave me que houver incorrido.

§ 4º Si a somma accumulada das penas restrictivas da liberdade a que o criminoso for condemnado exceder de 30 annos, se haverão todas as penas por cumpridas logo que seja completado esse prazo. (Decreto Nº. 847 – De 11 de Outubro de 1890)[3]

Ainda no Direito Penal Brasileiro, o concurso de crimes sofreu uma alteração em 1984, quando se tratou da reforma da Parte Geral do Código Penal.

A origem da modalidade de continuidade delitiva é apontada pela doutrina como uma forma de afastar a pena de morte pelo terceiro furto cometido. Em artigo denominado “Notas sobre o crime continuado”, o Juiz Federal Ivan Lira muito bem aponta a ampla abordagem doutrinária acerca da origem do crime continuado:

Conforme Cezar Roberto Bittencourt registra que o crime continuado deve a sua formulação aos glosadores (1100 a 1250) e pós-glosadores (1250 a 1450) teve suas bases lançadas efetivamente no século XIV, com finalidade de permitir que os autores do terceiro furto pudessem escapar da pena de morte. Os principais pós-glosadores, Jacob de Belvisto, se discípulo Bartolo Ubaldis, bem lançaram as bases político-criminais do novo instituto, que posteriormente, foi sistematizado pelos práticos italianos dos séculos XIV e XVII.

Edmundo Oliveira também contribui para a demarcação histórica do crime continuado:

Este instituto é uma construção dos práticos medievais. No início da era moderna, o jurista italiano Prospero Farináccio (famoso defensor da romana Beatriz Cenci) sistematizou o regime continuado. Tratando de furto, sustentou que há somente um crime, e que não vários, quando alguém subtrai do mesmo local, em tempos distintos, mas continuados e sucessivos, uma ou mais coisas. No início do Século XIX, Anselmo von Feuerbach, notabilizado por haver abolido a tortura na Baviera, introduziu no Código bávaro figura do crime continuado. Em 1853, o Código da Toscana deu ao crime continuado a formulação dai por diante adotada com ligeiras variações, nos códigos modernos.

Para sustentar ainda mais a argumentação de Edmundo Oliveira, podemos citar o exemplo em que um operador de caixa furta moedas todos os dias do caixa em que trabalha, logo, seria um furto sucessivo, ou seja, continuado, pois ele tem a vontade expressa de continuar praticando um delito da mesma espécie, porém, repartido por vários momentos.

1.2. Conceito

O concurso de crimes é um instituto criado pelo legislador para que o tempo de tramitação processual em relação os crimes cometidos por um mesmo agente ativo fosse diminuído significativamente, assim como a realização da fixação de pena, de maneira que, o agente pudesse ter sua sentença em somente um processo. Resumidamente, nas palavras de Fernando Capez, o conceito de concurso de crime é a “ocorrência de dois ou mais delitos, por meio da prática de uma ou mais ações”[4]. Para que o concurso de crimes possa acontecer, o agente deverá cometer mais de um crime mediante uma ou mais ação ou omissão.

Por questões de política criminal, o concurso de crime é subdividido em três espécies sendo elas o concurso material (ou real, [art. 69 do C. P.]), o concurso formal (ou ideal, [art. 70 do C. P.]) e o crime continuado (art. 71 do C. P.).

Os tipos de concursos admitidos no direito brasileiro são o material, que pode se dividir em homogêneo e heterogêneo; o formal, que pode ser dividido em próprio e impróprio; além do crime continuado.

Existem algumas formas jurídicas para a aplicação das penas a cada tipo de concurso, sendo as formas: cúmulo material: determina a soma das penas aplicadas para cada um dos crimes; cúmulo jurídico: a pena aplicada deve ser superior às cominadas a cada um dos crimes; absorção: considera que a pena aplicada ao delito mais grave absorve a pena do delito menos grave; e exasperação: prevê a aplicação da pena mais grave, aumentada de determinado quantum[5].

As formas adotadas pelo nosso Código Penal para aplicação das penas a cada tipo de concurso são os sistemas do cúmulo material e o da exasperação, em alguns casos, também encontramos o cúmulo material benéfico, sendo este um desdobramento para evitar um prejuízo maior ao agente, sempre que o sistema de exasperação for menos benéfico que o cúmulo material.

1.3. Concurso material

O concurso material ou real está inserido no Código Penal Brasileiro em seu artigo 69, onde trás a hipótese de haver o concurso de crimes material, conforme cita a seguir:

Art. 69. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Artigo com redação dada pela Lei n. 7.209/84).

Em outras palavras, concurso material ou real é a prática de duas ou mais condutas dolosas ou culposas, omissivas ou comissivas, que produzindo um ou mais resultados, idênticos ou não, todas vinculadas a identidade do agente, não tendo a importância se foram produzidos os fatos na mesma ocasião ou em datas diferentes. A doutrina subdivide o concurso material com base em seu resultado. Segundo Fernando Capez em seu livro Código PenalComentado, 2012, “O concurso material será denominado homogêneo se os resultados produzidos forem idênticos (por exemplo: dois crimes de homicídio); e será heterogêneo se os resultados forem diversos (por exemplo: homicídio e lesão corporal).” Esta distinção em homogêneo e heterogêneo é apenas doutrinária, não tento importância em forma de fixação da pena.

1.3.1 Aplicação da pena em concurso material ou real

A aplicação da pena nesta hipótese de concurso, após ter sido cominada individualmente cada uma das penas, a aplicação é realizada pelo sistema adotado pelo Código Penal Brasileiro chamado cúmulo material, onde somam as penas cominadas a cada um dos crimes praticados em concurso. De forma exemplificada o esquema é da seguinte maneira: o agente que mediante duas condutas, cometeu o crime de roubo e recebeu pena de 6 anos de reclusão, e um homicídio qualificado e recebeu uma pena de 12 anos, terá as penas destes crimes somadas para iniciar o cumprimento.

Em caso as espécies de penas não sejam iguais, cumpre-se primeiro a mais grave, assim, a reclusão deve ser cumprida primeiro que a detenção, mas caso sejam aplicadas. Apesar dos prazos prescricionais serem considerados individualmente para cada crime, o mesmo não acontece com a aplicação das penas restritivas de direitos, que só são permitidas, caso em um dos crimes seja permitida a concessão do sursis[6]. Mas caso sejam aplicadas, as penas restritivas de direito, serão simultaneamente cumpridas quando compatíveis, ou sucessivamente, quando houver incompatibilidade entre as mesmas, preferindo-se antes a mais severa, de acordo com o Art. 69, §§ 1º e 2º do C. P..

Com relação à suspensão condicional do processo, a regra é que seja feito o somatório das penas, se a mínima for igual ou inferior a um ano, esta será possível. Portanto, a aplicação não é individual.

1.4. Concurso Formal ou Ideal (cuncursus formalis)

O concurso formal ou ideal previsto no art. 70 do C. P., é aquele em que o agente sem que haja pluralidade de ações ou omissões, comete dois ou mais crimes, podendo ser subdividido em formal próprio (perfeito) ou impróprio (imperfeito).

Para que haja o concurso formal, deve-se obedecer dois requisitos:

1º) que a conduta seja única: por conduta, devemos entender que se trata da ação ou omissão humana consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade, compreendendo desta, um único ato ou sequência de atos desencadeados pela vontade humana. No verbo ou núcleo do tipo, está consubstanciada a ação, pelo que é em torno dele que se fundem os elementos da conduta humana. Todos esses momentos no entanto de encontram no núcleo do tipo: ex. Matar alguém (art. 121).

2º) que dessa conduta surjam dois ou mais fatos típicos: uma conduta singular deverá dar origem a mais de um fato, ou mais de um crime, quando atingir mais de um bem tutelado. Por exemplo: para se consagrar uma conduta do concurso de crimes formal deve a pessoa em uma única ação violar o bem tutelado, no caso de um agente que dispara contra outrem, e o mesmo projétil acaba acertando em outro alguém, neste caso o agente ativo praticou somente uma conduta desdobrando dois resultados idênticos ou distintos. Não se fala em concurso de crimes formal se uma única conduta somente der origem a um único resultado.

1.4.1 Concurso formal próprio ou perfeito

Nas palavras de Fernando Capez, 2004, pág. 474, “o concurso perfeito resulta de um único desígnio. O agente por meio de um só impulso volitivo, dá causa a dois ou mais resultados”. Nesta mesma linha de raciocínio, pode-se observar que o querido é somente o resultado, mas por questão de erro na execução ou por acidente, há no fato dois ou mais resultados. Um exemplo seria uma pessoa com intuito de praticar homicídio em certo indivíduo, efetua o disparo e além de acertar o alvo acerta também outro cidadão. Neste caso, por ter ocorrido o erro, o sistema de pena utilizado é a exasperação, que é quando apenas a pena de um dos crimes é aplicada se forem iguais, ou a maior deles se diversos, sendo em qualquer dos casos elevada de um sexto até metade. Afirma-se a existência de concurso formal próprio quando os dois crimes ocorrem a título de culpa.

A pena aplicada no concurso formal perfeito é relativo, se for homogêneo, aplica-se a pena de qualquer dos crimes, acrescida de 1/6 até a metade; se for heterogêneo, aplica-se a pena do mais grave, aumentada 1/6 até a metade. O aumento da pena varia de acordo com a proporção de resultados produzidos.

1.4.2 Concurso formal impróprio ou imperfeito

No concurso formal impróprio ou imperfeito, Fernando Capez, 2004 pág. 474 conceitua dizendo que “é o resultado de desígnios autônomos. Aparentemente, há uma só ação, mas o agente intimamente deseja os outros resultados ou aceita o risco de produzi-los. Como se nota, essa espécie de concurso formal só é possível nos crimes dolosos.”.

O agente mediante uma única conduta de ação ou omissão produz mais de um resultado, sendo a título de dolo eventual, pois possui a vontade de produzi-los indiferente seja o resultado, neste caso acontece que a doutrina os chama de desígnios autônomos em relação a cada um dos resultados que será alcançado.

Para que não torne benéfica a prática de mais de um crime por uma única ação, no concurso formal impróprio, é utilizado o sistema de cúmulo material das penas, o mesmo que é utilizado no concurso material. Havendo apenas a soma das penas aplicadas aos diversos crimes, como no concurso material.

Há duas teorias, objetiva: admite a pluralidade de desígnios; e subjetiva: exige unidade de desígnios para que haja concurso formal.

Código Penal Brasileiro adotou a teoria objetiva, pois admite o concurso formal imperfeito com pluralidade de desígnios.

Ainda no caso do concurso formal, quando as penas aplicadas por o sistema de exasperação superarem as que por ventura fossem aplicadas por o sistema do cúmulo material, para que o apenado não saia prejudicado, sua pena será computada como se desta forma fosse, este é o chamado cúmulo material benéfico. Exemplificando, caso o agente cometa um homicídio simples e uma lesão corporal em concurso formal próprio, sua pena seria a do homicídio (por ser maior) acrescida de um terço até metade, o que poderia, dependendo do aumento aplicado, ser maior que a do homicídio e das lesões corporais somadas. Assim caso a pena aplicada pelo sistema da exasperação seja maior que a que fosse aplicada pelo cúmulo material, este será o aplicado.

O aumento de pena no concurso formal deve ser fundamentado pelo juiz, devendo, segundo a maioria dos doutrinadores, ser aplicado levando em consideração o número de vítimas ou a quantidade de crimes praticados.

Para a aplicação da suspensão condicional do processo, é necessário que se faça primeiro o cálculo da pena com o acréscimo de um terço até metade, para só assim fixar os novos limites mínimos.

1.6. Crime Continuado

O crime continuado ou continuação delitiva está previsto no art. 71 do Código Penal, este de dá quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, em condições de tempo, lugar, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie utilizando de modos de execução semelhantes, sendo que subsequentes devem ser havidos em continuação do primeiro delito.

Segundo a doutrina, o crime continuado possui duas espécies, no qual se difere somente pelo emprego de violência e dolo, são elas:

a) Crime continuado comum: crime cometido sem o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa (art. 71, caput). O sistema de aplicação de pena é obtida pelo resultado da pena mais grave, aumentada de 1/6 até 2/3, dependendo da quantidade de vítimas.

b) Crime continuado específico: crime doloso praticado com violência ou grave ameaça contra vítimas diferentes (art. 71, parágrafo único). A tipo de pena utilizado neste caso é da aplicação da pena mais grave aumentada até o triplo.

Esta forma de concurso de crimes foi adotada por ficção jurídica, já que são vários crimes que a lei adota como crime único para questões de punibilidade.

Por crimes de mesma espécie, não há necessidade de serem idênticos, bastando que o bem jurídico atingido no seu cometimento sejam os mesmos. Este não é um entendimento pacífico, alguma parte da doutrina entende que apenas crimes que fazem parte de um mesmo dispositivo legal (artigo de lei) seriam da mesma espécie, como um homicídio simples e um qualificado, por exemplo.

O percentual de aumento em ambos os casos deve ser baseado no número de crimes ou de vítimas. E, da mesma forma que no concurso formal próprio, as penas aplicadas pelo sistema da exasperação não podem superar as que seriam aplicadas pelo cúmulo material, portanto, caso seja ultrapassado o limite, será aplicado o cúmulo material benéfico.

2. Questões Específicas e Considerações

Em caso de penas de multa cominadas nos preceitos secundários de cada crime, estas serão aplicadas cumulativamente, mesmo no concurso formal próprio e no crime continuado. O mesmo não acontecerá no caso da multa substitutiva, que é uma espécie de pena alternativa.

As penas atribuídas aos crimes em concurso devem ser unificadas para não ultrapassar o limite máximo de trinta anos de cumprimento, só que, por questões de outros benefícios, o STF já editou até mesmo a Súmula 775, que diz que a pena unificada não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou progressão de regime.

Considerações finais

Com base neste artigo científico e nas pesquisas realizadas através de doutrinas, chegamos às considerações de que o instituto concurso de crimes foi originado no império brasileiro com a finalidade de reduzir o tempo processual e a quantidade, fazendo de uma ação vários resultados e uma única aplicação de jurisdição

Código Penal Brasileiro adota sistemas diferentes de concurso de crimes, quais sejam, o concurso material, concurso formal e também o crime continuado, havendo diferentes sistemas de aplicação das penas.

Concluímos que ao se tratar de concurso material, o sistema aplicado será o de cúmulo material, sendo o concurso formal o de exasperação da pena, porém com algumas peculiaridades, citando por exemplo o concurso formal imperfeito que se sujeita ao cúmulo material. Em se tratando porém de crime continuado o sistema é o de exasperação da pena, porém as quantidades a serem aumentadas divergem em se tratando de crime continuado comum e específico.

Reunindo todas as modalidades de concursos de crimes e os sistemas de cálculo e aplicação das penas, percebemos que as circunstâncias que justificam uma maior ou menor punibilidade são determinadas em razão de política criminal. Por isso, muitas vezes a lei cria ficções, como na continuidade delitiva, para facilitar a reinserção do criminoso no contexto social após o cumprimento da pena, ou até mesmo durante sua execução.

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