A Modernidade acende ao passo que a estrutura feudal entre em decadência e a estrutura capitalista-burguesa cresce exponencialmente. A Revolução Industrial e a Revolução Francesa marcam esse momento exato de superação do mundo antigo e de surgimento de uma nova sociedade, através de “uma séria de mudanças de grande alcance, nomeadamente na esfera política e econômica, mudanças que estão intimamente inter-relacionadas” (BOBBIO, 1993: 768). É necessário constar aqui que, por um lado revolução industrial reestruturou a economia mundial fornecendo um “modelo para as ferroviais e fábricas” (HOBSBAWM, 2010: 98), e por outro lado a revolução francesa gerou grande impacto no que diz respeito ao campo político e ideológico, fornecendo “o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo (...), os códigos legais, o modelo de organização técnica e científica e o sistema métrico de medidas” (HOBSBAWM, 2010: 98).
I) Revolução Industrial, mudança econômica mundial:
Por volta de 1780, a Inglaterra começa a viver os primeiros indícios de um processo de “transformação rápida, fundamental e qualitativa” (HOBSBAWM, 2010: 60). A Revolução Industrial representou um novo momento histórico na humanidade que nunca se completou, pois ainda hoje tal revolução prossegue: “sua essência foi a de que a mudança revolucionária se tornou norma desde então” ((HOBSBAWM, 2010: 60). Diz-se que em dado momento a Revolução Industrial explodiu, o que significa dizer que ineditamente na história do mundo “foram retirados os grilhões do poder produtivo das sociedades humanas” (HOBSBAWM, 2010: 59) e “que daí em diante se tornaram capazes da multiplicação rápida, constante, e até o presente ilimitada, de homens, mercadorias e serviços” (HOBSBAWM, 2010: 59). Até então não havia sido possível superar os limites sociais, tecnológicos e intelectuais (ciências) que estruturavam a sociedade pré-industrial. Periodicamente, atingia-se um colapso impeditivo representado pela fome e pela morte.
O declínio do poder das Monarquias feudais, com um “rei (...) formalmente julgado e executado pelo povo” (Ibidem, p. 63), a ascensão da mentalidade capitalista no imaginário político a partir do momento em que “o lucro privado e o desenvolvimento econômico (...) [passam a ser] aceitos como os supremos objetivos da política governamental” (HOBSBAWM, 2010: 63), a apropriação da produção agrícola pelo mercado e a disseminação das manufaturas no meio urbano, são os elementos que tornaram possível transpor uma barreira até então impeditiva. Alguns avanços tecnológicos, de pouco refinamento científico e de fácil aplicabilidade, foram também fundamentais: “a lançadeira, o tear, a fiandeira automática (...), a máquina a vapor” (HOBSBAWM, 2010: 62). O que o processo revolucionário vivido na Inglaterra gerou transborda os limites da região: “o sucesso britânico provou o que se podia conseguir com ela [com a revolução industrial], a técnica britânica podia ser imitada, o capital e a habilidade britânica podiam ser importados” (HOBSBAWM, 2010: 66).
São três os eixos conjunturais importantes do período: 1) Produção Agrícola: A Agricultura assumiu “três funções fundamentais em uma era de industrialização: aumentar a produção e a produtividade de modo a alimentar uma população não agrícola em rápido crescimento; fornecer um grande e crescente excedente de recrutas em potencial para as cidades e as indústrias; e fornecer um mecanismo de acúmulo de capital a ser usado nos setores mais modernos da economia” (HOBSBAWM, 2010: 63); 2) Indústria Têxtil e Escravidão: As “mercadorias de consumo de massa” (Ibidem, p. 66), em especial a Indústria Têxtil, assumem a “dianteira no crescimento industrial” (Ibidem, p. 66). O desenvolvimento diferenciado da Industria Têxtil se deu em função de duas grandes vantagens vantagens: A exploração colonial e a Escravidão, “o comércio colonial tinha criado a indústria algodoeira, e continuava a alimenta-la. (...) De fato, (...) a escravidão e o algodão marcharam juntos.” (HOBSBAWM, 2010: 67), “Toda a sua matéria-prima vinha do exterior, e seu suprimento podia portanto ser expandido pelos drásticos métodos que se ofereciam aos brancos nas colônias – a escravidão e a abertura de novas áreas de cultivo – em vez dos métodos mais lentos da agricultura europeia” (HOBSBAWM, 2010: 71); As novas tecnologias, “novos inventos que revolucionaram – a máquina de fiar, o tear a motor – eram suficientemente simples e baratos e se pagavam quase que imediatamente em termos de maior produção” (HOBSBAWM, 2010: 70); 3) Ferrovias: É sinal de desenvolvimento industrial a possuir “uma adequada capacidade de bens de capital” (Ibdem, p. 80). O alto custo da produção de ferro e aço, abriram espaço para o crescimento da mineração, “principalmente a do carvão, pois o carvão tinha a vantagem de ser não somente a principal fonte de energia industrial do século XIX, como também um importante combustível doméstico” (HOBSBAWM, 2010: 82). A Indústria do carvão, apesar de representar uma “imensa indústria” (HOBSBAWM, 2010: 82), não chegava a atingir um nível de “industrialização realmente maciça em escala moderna” (HOBSBAWM, 2010: 82), foi apenas “grande o suficiente para estimular a invenção básica que iria transformas as indústrias de vens de capital: a ferrovia” (HOBSBAWM, 2010: 82).
Os efeitos da revolução industrial apenas começaram a ser sentidos a partir da década de 1830. A literatura e as artes passaram a ser “abertamente obcecadas pela ascensão da sociedade capitalista, por um mundo no qual todas os laços sociais se desintegravam exceto os laços entre o ouro e o papel-moeda” (Ibidem, p. 58). Na década de 1840, a “literatura oficial e não oficial [buscavam compreender] sobre os efeitos sociais da revolução industrial que ainda não começara a fluir” (Ibidem, p. 58). Esse esforço acadêmico veio exatamente quando “o proletariado, rebento da revolução industrial, e o comunismo, que se achava agora ligado ais seus movimentos sociais – o espectro do Manifesto Comunista –, abriram caminho pelo continente.” (Ibidem, p. 58).
Se por um lado, a revolução industrial trouxe grandes avanços econômicos e científicos, desde o início de um processo de maior intercomunicação entre as áreas do mundo conhecido, passando pelos grandes incrementos científicos e organizativos gerados pela expansão da produção industrial, por outro lado gerou uma grave impacto no âmbito social: “a transição da nova economia criou a miséria e o descontentamento, os ingredientes da revolução social” (HOBSBAWM, 2010: 75), talvez esta a mais grave de todas as outras possíveis consequências. “E, de fato, a revolução social eclodiu na forma de levantes espontâneos dos trabalhadores da indústria e das populações pobres das cidades, produzindo as revoluções no continente e os amplos movimentos cartistas na Grã-Bretanha. O descontentamento não estava ligado apenas ais trabalhadores pobres. Os pequenos comerciantes, sem saída, a pequena burguesia, setores especiais da economia eram também vítimas da revolução industrial e de suas ramificações. (...) A exploração da mão de obra, que mantinha sua renda em nível de subsistência, possibilitando aos ricos acumularem os lucros que financiavam a industrialização (e seus próprios e amplos confortos), criava um conflito com o proletariado. (...) Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia, prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedades, partilhavam os mesmos descontentamentos. Estes descontentamentos por sua vez uniam-nos nos movimentos de massa do ‘radicalismo’, da ‘democracia’ ou da ‘república’ (...).” (HOBSBAWM, 2010: 75). “Uma sociedade de bem-estar social (Welfare) ou socialista teria, sem dúvida, distribuído alguns destes vastos acúmulos para fins sociais. No período que focalizamos nada menos provável. Virtualmente livres de impostos, as classes médias continuaram portanto a acumular em meio a um populacho faminto, cuja fome era o reverso daquela acumulação.” (HOBSBAWM, 2010: 86).
II) Revolução Francesa, mudança político-ideológica mundial:
Diante de um cenário de crise “fiscal e administrativa” (HOBSBAWM, 2010: 104)., agravada pelo fracasso das reformas que buscavam remediar os problemas do absolutismo e pelo envolvimento dispendioso “na guerra da independência americana” (HOBSBAWM, 2010: 104). contra a Inglaterra, geraram uma ruptura inescapável. O grupo de influência da conjuntura era composto pela aristocracia e pelos parlaments (parlamentares), que “se recusavam a pagar pela crise se seus privilégios não fossem estendidos” (HOBSBAWM, 2010: 105). Foram duas as oportunidades que se abriram a este grupo: 1) Assembleia de notáveis, com a finalidade de “satisfazer as exigências governamentais” (HOBSBAWM, 2010: 105)., convocada em 1787, cujos integrantes foram “escolhidos a dedo, mas assim mesmo rebeldes” (HOBSBAWM, 2010: 105); 2) Estados Gerais, convocação da “velha assembleia feudal do reino, enterrada desde 1614” (HOBSBAWM, 2010: 105). Foi nessa tentativa “aristocrática de recapturar o Estado” (HOBSBAWM, 2010: 105) que se inaugurou o processo da Revolução Francesa: “Esta tentativa foi mal calculada por duas razões: ela subestimou as intenções independentes do ‘Terceiro Estado’ - a entidade fictícia destinada a representar todos os que não eram nobres nem membros do clero, mas de fato dominada pela classe média - e desprezou a profun d a crise sócio-econômica no meio da qual lançava suas exigências políticas.” (HOBSBAWM, 2010: 105).
Não é possível afirmar que a Revolução Francesa foi um processo organizado e mediado por um programa específico ou por uma liderança individual ou coletiva (partidos, por exemplo), “Nem mesmo chegou a ter ‘líderes’ do tipo que as revoluções do século XX nos têm apresentado, até o surgimento da figura pós-revolucionária de Napoleão.” (HOBSBAWM, 2010: 105). Entretanto, é claro que havia um consenso ideológico e um setor da sociedade coerente e coeso, “O grupo era a "burguesia"; suas ideias eram as do liberalismo clássico, conforme formuladas pelos "filósofos" e "economistas" e difundidas pela maçonaria e associações informais.” (HOBSBAWM, 2010: 105).
O burguês liberal clássico, expresso pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, defendia a democracia e a igualdade nos seguintes termos: 1)“‘Os homens nascem e vivem livres e iguais perante as leis’”; 2) “prevê a existência de distinções sociais, ainda que ‘somente no terreno da utilidade comum’”; 3) “A propriedade privada era um direito natural, sagrado, inalienável e inviolável”; 4) “Os homens eram iguais perante a lei e as profissões estavam igualmente abertas ao talento; mas, se a corrida começasse sem handicaps, era igualmente entendido como fato consumado que os corredores não terminariam juntos”; 5) “(como contrário à hierarquia nobre ou absolutismo) (...) ‘todos os cidadãos têm o direito de colaborar na elaboração das leis’; mas ‘pessoalmente ou de seus representantes’. E a assembleia representativa que ela vislumbrava como o órgão fundamental de governo não era necessariamente uma assembleia democraticamente eleita, nem o regime nela implícito pretendia eliminar os reis. Uma monarquia constitucional baseada em uma oligarquia possuidora de terras era mais adequada à maioria dos liberais burgueses do que a república democrática que poderia ter parecido uma expressão mais lógica de suas aspirações teóricas, embora alguns também advogassem esta causa.” (HOBSBAWM, 2010: 106).
O problema do Terceiro Estado, ou cunho exploratório da produção capitalista e elitista burguês da representação política: “oficialmente esse regime expressaria não apenas seus interesses de classe, mas também a vontade geral do ‘povo’, que era por sua vez (uma significativa identificação) ‘a nação francesa’. (...) ‘A fonte de toda a soberania’, dizia a Declaração, ‘reside essencialmente na nação’. E a nação, conforme disse o Abade Sieyès, não reconhecia na terra qualquer direito acima do seu próprio e não aceitava qualquer lei ou autoridade que não a sua - nem a da humanidade como um todo, nem a de outras nações. Sem dúvida, a nação francesa, como suas subsequentes imitadoras, não concebeu inicialmente que seus interesses pudessem se chocar com os de outros povos, mas, pelo contrário, via a si mesma como inauguradora ou participante de um movimento de libertação geral dos povos contra a tirania. Mas de fato a rivalidade nacional (por exemplo, a dos homens de negócios franceses com os ingleses) e a subordinação nacional (por exemplo, a das nações conquistadas ou libertadas face aos interesses da grande nation) estavam implícitas no nacionalismo ao qual a burguesia de 1789 deu sua primeira expressão oficial. ‘O povo’ identificado com ‘a nação’ era um conceito revolucionário; mais revolucionário do que o programa liberal-burguês que pretendia expressá-lo.” (HOBSBAWM, 2010: 107).; Visto que os camponeses e os trabalhadores pobres eram analfabetos, politicamente simples ou imaturos, e o processo de eleição, indireto, 610 homens, a maioria desse tipo, foram eleitos para representar o Terceiro Estado. A maioria da assembleia era de advogados que desempenhavam um papel económico importante na França provinciana; cerca de 100 representantes eram capitalistas e homens de negócios.” (HOBSBAWM, 2010: 107).
A fome, as Revoluções camponesas de 1789 e a abolição do feudalismo em 1893: A safra ruim e o rigoroso inverno de 1788 geram grandes dificuldades econômicas, e a generalização da fome no país. Para o campesinato “significavam que enquanto os grandes produtores podiam vender cereais a altos a preços, a maioria dos homens em suas insuficientes propriedades tinha provavelmente que se alimentar do trigo reservado para o plantio ou comprar alimentos àqueles preços, especialmente nos meses imediatamente anteriores à nova safra (maio-julho)” (HOBSBAWM, 2010: 108-109). Para o operariado urbano significava a duplicação do custo de vida e desemprego gerado pela redução do mercado de manufaturas. “Os pobres do interior ficavam assim desesperados e envolvidos em distúrbios e banditismo; os pobres das cidades ficavam duplamente desesperados já que o trabalho cessava no exato momento em que o custo de vida subia vertiginosamente.” (HOBSBAWM, 2010: 109). “As revoluções camponesas são movimentos vastos, disformes, anónimos, mas irresistíveis. O que transformou uma epidemia de inquietação camponesa em uma convulsão irreversível foi a combinação dos levantes das cidades provincianas com uma onda de pânico de massa, que se espalhou de forma obscura mas rapidamente por grandes regiões do país: o chamado Grande Medo (Grande Peur), de fins de julho e princípio de agosto de 1789. Três semanas após o 14 de julho, a estrutura social do feudalismo rural francês e a máquina estatal da França Real ruíam em pedaços. Tudo o que restou do poderio estatal foi uma dispersão de regimentos pouco confiáveis, uma Assembleia Nacional sem força coercitiva e uma multiplicidade de administrações municipais ou provincianas da classe média que logo montaram ‘Guardas Nacionais’ burguesas segundo o modelo de Paris. A classe média e a aristocracia imediatamente aceitaram o inevitável: todos os privilégios feudais foram oficialmente abolidos embora, quando a situação política se acalmou, fosse fixado um preço rígido para sua remissão. O feudalismo foi finalmente abolido em 1793. No final de agosto, a revolução tinha também adquirido seu manifesto formal, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.” (HOBSBAWM, 2010: 110).
Os Jacobinos e os Sansculottes: “Em resumo, a principal forma da política revolucionária burguesa francesa e de todas as subsequentes estava agora bem clara. Esta dramática dança dialética dominaria as gerações futuras. Repetidas vezes veremos moderados reformadores da classe média mobilizando as massas contra a resistência obstinada ou a contra-revolução. Veremos as massas indo além dos objetivos dos moderados rumo a suas próprias revoluções sociais, e os moderados, por sua vez, dividindo-se em um grupo conservador, dai em diante fazendo causa comum com os reacionários, e um grupo de esquerda, determinado a perseguir o resto dos objetivos moderados, ainda não alcançados, com o auxílio das massas, mesmo com o risco de perder o controle sobre elas. E assim por diante, com repetições e variações do modelo de resistência – mobilização de massa – inclinação para a esquerda – rompimento entre os moderados – inclinação para a direita - até que o grosso da classe média passe daí em diante para o campo conservador ou seja derrotado pela revolução social. Na maioria das revoluções burguesas subsequentes, os liberais moderados viriam a retroceder, ou transferir-se para a ala conservadora, num estágio bastante inicial. De fato, no século XIX vemos de modo crescente (mais notadamente na Alemanha) que eles se tornaram absolutamente relutantes em começar uma revolução, por medo de suas incalculáveis consequências, preferindo um compromisso com o rei e a aristocracia. A peculiaridade da Revolução Francesa é que uma facção da classe média liberal estava pronta a continuar revolucionária até o, e mesmo além do, limiar da revolução antiburguesa: eram os jacobinos, cujo nome veio a significar ‘revolução radical’ em toda parte.” (HOBSBAWM, 2010: 111). “Por quê? Em parte, é claro, porque a burguesia francesa não tinha ainda para temer, como os liberais posteriores, a terrível memória da Revolução Francesa. Depois de 1794. ficaria claro para os moderados que o regime jacobino tinha levado a revolução longe demais para os objetivos e comodidades burgueses, exatamente como ficaria claro para os revolucionários que ‘o sol de 1793’, se fosse nascer de novo, teria que brilhar sobre uma sociedade não burguesa. Por outro lado, os jacobinos podiam sustentar o radicalismo porque em sua época não existia uma classe que pudesse fornecer uma solução social coerente como alternativa à deles. Esta classe só surgiu no curso da revolução industrial, com o ‘proletariado’ ou, mais precisamente, com as ideologias e movimentos baseados nele. Na Revolução Francesa, a classe operária – e mesmo esta é uma designação imprópria para a massa de assalariados contratados, mas fundamentalmente não industriais – ainda não desempenhava qualquer papel independente. Eles tinham fome, faziam agitações e talvez sonhassem, mas por motivos práticos seguiam os líderes não proletários. O campesinato nunca fornece uma alternativa política para ninguém; apenas, de acordo com a ocasião, uma força quase irresistível ou um obstáculo quase irremovível. A única alternativa para o radicalismo burguês (se excetuarmos pequenos grupos de ideólogos ou militantes impotentes quando destituídos do apoio das massas) eram os ‘sanscúlottes’. um movimento disforme, sobretudo urbano, de trabalhadores pobres, pequenos artesãos, lojistas, artífices, pequenos empresários etc. Os sanscúlottes eram organizados, principalmente nas "seções" de Paris e nos clubes políticos locais, e forneciam a principal força de choque da revolução' – eram eles os verdadeiros manifestantes, agitadores, construtores de barricadas. Através de jornalistas como Marat e Hébert, através de porta-vozes locais, eles também formularam uma política, por trás da qual estava um ideal social contraditório e vagamente definido, que .combinava o respeito pela (pequena) propriedade privada com a hostilidade aos ricos, trabalho garantido pelo governo, salários e segurança social para o homem pobre, uma democracia extremada, de igualdade e de liberdade, localizada e direta. Na verdade, os sanscúlottes eram um ramo daquela importante e universal tendência política que procurava expressar os interesses da grande massa de ‘pequenos homens’ que existia entre os pólos do ‘burguês’ e do ‘proletário’, frequentemente talvez mais próximos deste do que daquele porque eram, afinal, na maioria pobres. Esta tendência pode ser observada nos Estados Unidos (sob a forma de uma democracia jeffersoniana e jacksoniana, ou populismo), na Grã-Bretanha (radicalismo), na França (com os antecessores dos futuros ‘republicanos’ e radicais-socialistas), na Itália (com os mazzinianos e os garibaldinos) e em toda parte. Na maioria das vezes, ela costumou se colocar, nas épocas pós-revolucionárias, como uma ala esquerdista do liberalismo da classe média, mas relutante em abandonar o antigo princípio de que não há inimigos na esquerda, e pronta, em tempos de crise, a se rebelar contra ‘a muralha de dinheiro’, ‘os monarquistas económicos’ ou ‘a cruz de ouro que crucifica a humanidade’. Mas o movimento dos sansculottes também não forneceu nenhuma alternativa real. O seu ideal, um passado dourado de aldeões e pequenos artesãos ou um futuro dourado de pequenos fazendeiros e artífices não perturbados por banqueiros e milionários, era irrealizável. A história se movia silenciosamente contra eles. O máximo que podiam fazer - e isto eles conseguiram em 1793-4 - era erguer obstáculos à sua passagem, os quais dificultaram o crescimento econômico francês daquela época até quase a atual. De fato, o sansculotismo foi um fenómeno tão desamparado que seu próprio nome está praticamente esquecido, ou só é lembrado como sinónimo do jacobinismo que lhe deu liderança no Ano II.” (HOBSBAWM, 2010: 111-113).
Referência Bibliográfica:
HOBSBAWM, Eric J.. A era das Revoluções: 1789 - 1848. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
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