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Como ocorreu a evolução histórica do direito pena?

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Ketlin Bilibio

A doutrina aponta algumas fases de desenvolvimento do Direito Penal, fases estas que não se sucederam de forma linear ou totalmente rígida (os princípios e características de um período penetram em outro).

Vingança Privada

Nos primórdios, quando ocorria um crime a reação a ele era imediata por parte da própria vitima, por seus familiares ou por sua tribo. Comumente esta reação era superior à agressão: não havia qualquer idéia de proporcionalidade.

Esta ligação foi definida por Eric Fromm como sendo um vínculo de sangue, ou seja, era um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, como forma de reação a uma conduta anterior.

Foi um período marcado por lutas acirradas entre famílias e tribos, acarretando um enfraquecimento e até a extinção das mesmas. Deu-se então o surgimento de regras para evitar o aniquilamento total e assim foi obtida a primeira conquista no âmbito repressivo: a Lei de Talião (jus talionis).

O termo talião, de origem latina (tálio + onis), significa castigo na mesma medida da culpa. Foi a primeira delimitação do castigo: o crime deveria atingir o seu infrator da mesma forma e intensidade do mal causado por ele.

O famoso ditado “olho por olho, dente por dente” foi acolhido como principio de diversos códigos como o de Hamurabi e pela Lei das XII Tábuas (Lex XII Tabularum).

Com o passar do tempo a própria Lei de Talião evoluiu, surgindo a possibilidade do agressor satisfazer a ofensa mediante indenização em moeda ou espécie (gado, vestes e etc). Era a chamada Composição (compositio).

A composição é, assim, uma forma alternativa de repressão aplicável aos casos em que a morte do delinqüente fosse desaconselhável, normalmente porque era mais interessante ao ofendido ou aos membros de seu grupo a reparação do dano causado pela ação delituosa.

Vingança Divina

É o direito penal imposto pelos sacerdotes, fundamentalmente teocrático (o Direito se confundindo com a religião).

O crime era visto como um pecado e cada pecado atingia a um certo Deus. A pena era um castigo divino para a purificação e salvação da alma do infrator.

Era comum neste período o uso de penas cruéis e bastante severas.

Seus princípios podem ser verificados no Código de Manu (Índia) e no Código de Hamurábi, assim como nas regiões do Egito, Assíria, Fenícia, Israel e Grécia.

Vingança Pública

Período marcado pelas penas cruéis (morte na fogueira, roda, esquartejamento, sepultamento em vida) para se alcançar o objetivo maior que era a segurança da classe dominante. Com o poder do Estado cada vez mais fortalecido, o caráter religioso foi sendo dissipado e as penas passaram a ter o intuito de intimidar para que os crimes fossem prevenidos e reprimidos.

Os processos eram sigilosos. O réu não sabia qual era a imputação feita contra ele. O entendimento era de que, sendo inocente, o acusado não precisava de defesa; se fosse culpado, a ela não teria direito. Isso favorecia o arbítrio dos governantes.

Direito Penal Romano

De inicio, em Roma, a religião e o direito estavam intimamente ligados. O Pater Famílias consistia no poder de exercitar o direito de vida e de morte (jus vitae et necis) sobre todos os seus dependentes, inclusive mulheres e escravos.

Com a chegada da Republica Romana ocorreu uma ruptura e o desmembramento destes dois alicerces. A vingança privada foi abolida, passando ao Estado o magistério penal.

Os romanos contribuíram para a evolução do direito penal fazendo a distinção do crime, do propósito, do ímpeto, do acaso, do erro, da culpa leve, do simples dolo e dolo mau (dolus malus), além do fim de correção da pena.

Direito Penal Germânico

O Direito era visto como uma ordem da paz. Desta forma o crime seria a quebra, a ruptura com este estado.

Inicialmente eram utilizadas a vingança e a composição. Com a invasão de Roma, o poder Estatal foi consideravelmente aumentado, desaparecendo a vingança.

As leis bárbaras caracterizavam-se pela composição, onde as tarifas eram estabelecidas conforme a qualidade da pessoa, o sexo, idade, local e espécie da ofensa. Para aqueles que não pudessem pagar eram atribuídas as penas corporais.

Também adotaram a Lei de Talião e, conforme o delito cometido, utilizavam a força para resolver questões criminais.

Eram admitidas também as ordálias ou juízos de Deus (provas de água fervendo, ferro em brasa, etc.), assim como os duelos judiciários, onde o vencedor era proclamado inocente.

Direito Canônico

É o ordenamento jurídico da Igreja Católica Apostólica Romana. O vocábulo canônico é derivado da palavra kánon, que significava regra e norma, com a qual originariamente se indicava qualquer prescrição relativa à fé ou à ação cristã.

Inicialmente o Direito Canônico tinha o caráter meramente disciplinar, porém com o fortalecimento do poder papal, este direito passou atingir a todos da sociedade (religiosos e leigos).

Tinha o objetivo de recuperação dos criminosos através do arrependimento, mesmo que fosse necessária a utilização de penas e métodos severos.

Os delitos eram classificados em:

1) Delicta eclesiástica: Quando havia uma violação ao chamado “direito divino”. O julgamento era de competência dos tribunais eclesiásticos. A punição do infrator era dada em forma de penitências.

2) Delicta mere secularia: Quando havia uma violação à ordem jurídica laica. A competência era dos tribunais do Estado. O infrator era punido com penas comuns.

3) Delicta mixta: Quando havia uma violação à ordem laica e à ordem religiosa. A competência do julgamento era do primeiro tribunal que tomasse conhecimento do delito.

Nessa fase foi dado relevo ao aspecto subjetivo do crime. A vingança privada foi amenizada com o direito de asilo e as tréguas de Deus. As penas foram humanizadas, com a proibição do uso das ordálias e a introdução das penas privativas de liberdade (eram cumpridas nos monasteries, em celas) em substituição às patrimoniais.

A penitenciária foi criada nesta fase: era um local onde o condenado não cometeria crimes, se arrependeria dos seus erros e por fim se redimiria podendo voltar ao convívio social.

Os tribunais eclesiásticos não costumavam aplicar as penas capitais até a Inquisição. Nesta época passou-se a empregar a tortura, o processo inquisitório dispensava prévia acusação e as autoridades eclesiásticas agiam conforme os seus valores e entendimentos.

Período Humanitário

Em fins do século XVII, com a propagação dos ideais iluministas, ocorreu uma conscientização quanto às barbaridades que vinham acontecendo. Houve um imperativo para a proteção da liberdade individual em face do arbítrio judiciário e para o banimento das torturas, com fundamento em sentimentos de piedade, compaixão e respeito à pessoa humana.

Almejava-se uma lei penal que fosse simples, clara, precisa e escrita em língua pátria. Deveria ser também severa o mínimo necessário para combater a criminalidade. E o processo penal deveria ser rápido e eficaz.

César de Bonesana, o Marques de Beccaria, saiu em defesa dos desafortunados e dos desfavorecidos em sua obra Dei Delitti e Delle Pene (“Dos delitos e das penas”), de 1764. Opôs-se às técnicas utilizadas até então pela justiça, era contra a prática da tortura como meio de produção de prova e por fim combateu o sistema presidiário das masmorras. Foi um verdadeiro grito contra o individualismo.

Baseou-se na Teoria do Contrato Social, investiu contra a pena capital, com o argumento de que, apesar do homem ceder parte de sua liberdade ao Bem Comum, não poderia ser privado de todos os seus direitos e a ninguém seria conferido o poder de matá-lo.

Beccaria foi um marco decisivo para a modificação do Direito Penal. Sua obra ganhou notoriedade na época. Em um tempo de absolutismo, de soberania de origem divina, de confusão das normas penais com religião, moral, superstições, Beccaria defendeu ousadamente um Direito Penal sobre bases humanas, que traçasse fronteiras à autoridade do príncipe e limitasse a pena à necessidade da segurança social.

Atenção: Beccaria foi pioneiro ao traçar os contornos do direito de punir do Estado, cujo limite estaria nas pequenas porções de liberdade cedidas pelos seus cidadãos, em prol da manutenção de todo o resto. Segundo seu pensamento, então, todo exercício do poder que se afaste dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo. Dessa sistematização proposta decorrem, então, três postulados: i) caberia apenas ao legislador o direito de elaborar leis, e somente à norma incumbiria a fixação de penas; ii) o responsável pela feitura das leis não seria o mesmo que vigiaria o seu cumprimento; e iii) a imprescindibilidade da utilidade e da necessidade das punições impostas.

Outras figuras importantes também surgiram neste período, tal como John Howard. Considerado por muitos como o pai da Ciência Penitenciária, em seu livro The State of Prision in England relatou a situação das prisões européias, propondo um tratamento mais digno aos presos (direito ao trabalho, a uma alimentação sadia, assistência religiosa, etc.).

Citem-se também Jeremias Bentham (Teoria das Penas e das Recompensas); Servan (Discurso sobre a administração da justiça criminal); Marat (Plano de legislação criminal) e Lardizábal (Discurso sobre las penas).

Período Contemporâneo

O período contemporâneo começa com a publicação do livro L’Uomo Delinquente (“O homem delinquente”), de Cesare Lombroso, e com a aparição dos primeiros códigos penais liberais, como decorrência mesmo do movimento humanitário.

No momento, o Direito Penal e os sistemas penais comtemporâneos estão submetidos a críticas graves sobre sua legitimidade e eficácia. É possível que o questinamento de abolicionistas e reducionistas dê origem a um novo período que conheça alternativas todavia incertas.

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