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a concepção de Estado como pessoa jurídica representa um extraordinário avanço no sentido da disciplina jurídica

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Wallace Barbosa

representa um extraordinário avanço no sentido da disciplina jurídica do interesse coletivo.

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LR

Primeiramente, é importante aqui constar que a concepção de Estado é um ponto de disputa entre pesquisadores. Há como compreender o Estado do ponto de vista sociológico e do ponto de vista jurídico. A concepção de Estado como pessoa jurídica é feita de forma muito incisiva em autores como Kelsen, que defende que “o Estado é resolvido totalmente no ordenamento jurídico e portanto desaparece como entidade diversa do direito, que dele regula e atividade dedicada à produção e à execução de normas jurídicas”  (BOBBIO, 2010: 57).  Sobre este contraponto a respeito do entendimento de que a concepção de Estado como pessoa jurídica representa um extraordinário avanço, Bobbio faz as seguintes colocações: 1. “De todas as teses Kelsenianas, a da redução radical do Estado a ordenamento jurídico foi a que teve menos fortuna” (BOBBIO, 2010: 57); 2. “tal reconstrução do Estado como ordenamento jurídico não tinha feito com que se esquecesse que o Estado era também, através do direito, uma forma de organização social e que, como tal, não podia ser dissociado da sociedade e das relações sociais subjacentes” (BOBBIO, 2010: 56); 3. “Com a transformação do puro Estado de direito em Estado social, as teorias meramente jurídicas do Estado, condenadas como formalistas, foram abandonadas pelos próprios juristas. Com isso, recuperam o vigo soo estudos de sociologia política, que têm por objeto o Estado como forma complexa de organização social (da qual o direito é apenas um dos elementos constitutivos).”  (BOBBIO, 2010: 57).

Feito este comentário inicial, segue a definição e a importância para o avanço da disciplina jurídica da concepção de Estado como pessoa jurídica:

 

O que representa o Estado entendido como ordenamento jurídico:

Com relação a doutrina sociológica, a doutrina jurídica apresenta um contraponto do entendimento do Estado: “Esta distinção tornara-se necessária em seguida à tecnicização do direito público e à consideração do Estado como pessoa jurídica, que dela derivava.” (BOBBIO, 2010: 56). A importante da concepção do Estado como pessoa jurídica é de tal definição deriva em da concepção de Estado de direito: “Por sua vez, a tecnicização do direito público era a consequência natural da concepção do Estado como Estado de direito, como Estado concebido principalmente como órgão de produção jurídica e, no seu conjunto, como ordenamento jurídico.” (BOBBIO, 2010: 56).

O Estado de direito relaciona-se a necessidade de garantir os direitos fundamentais. Esses direitos dizem respeito às “liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica” (BOBBIO, 1993: 401), e podem ser traduzidos unicamente  por “um direito contra a intervenção do Estado” (BOBBIO, 1993: 401). Assim, quando se aponta para a questão do Estado como ordenamento jurídico e a relação disso com a visão do Estado como Estado de direitos, entende-se que o Estado deve ser concebido formalmente como estrutura organizada por um sistema jurídico que visa a garantia do status quo burguês.

 

O Estado entendido como ordenamento jurídico:

Kelsen define Estado, segundo a doutrina jurídica, da seguinte forma: 1. “O Estado é a comunidade criada por uma ordem jurídica nacional (em contraposição a uma internacional). O Estado como pessoa jurídica é a personificação dessa comunidade ou a ordem jurídica nacional que constitui essa comunidade.” (KELSEN, 2005: 261 – 262); 2. “Um sistema de normas, segundo essa visão, possui a unidade e a individualidade, que faz merecer o nome de ordem jurídica nacional, exatamente porque está, de um modo ou de outro, relacionado a um Estado como fato social concreto, porque é criado ‘por’ um Estado ou válido ‘para’ um Estado.” (KELSEN, 2005: 262); 3. “O Estado é aquela ordem da conduta humana que camacha de ordem jurídica, a ordem à qual se ajustam as ações humanas, a ideia à qual os indivíduos  adaptam sua conduta.” (KELSEN, 2005: 272); 4. “Apenas como ordem normativa o Estado pode ser uma autoridade com o poder de obrigar, especialmente se essa autoridade for soberana” (KELSEN, 2005: 273); 5. “O Estado é uma organização política por ser uma ordem que regula o uso da força, porque ela monopoliza o uso da força. Porem (...) esse é um dos caracteres essenciais do Direito. O Estado é uma sociedade politicamente organizada porque é um comunidade constituída por uma ordem coercitiva, e essa ordem coercitiva é o Direito.” (KELSEN, 2005: 273).

Kelson, em Teoria Geral do direito e do Estado (2005), aponta para a seguinte direção: “A doutrina tradicional distingue três ‘elementos’ do Estado: seu território, seu povo e seu poder.” (KELSEN, 2005: 299). O capítulo Os elementos do Estado, presente no livro citado, tem como conteúdo um aprofundamento a respeito do que essa afirmação inicial sugere.

Segue as principais vias de argumentação feita pelo autor:

  1. TERRITÓRIO
  • Todo o Estado possui um território, entretanto, a unidade territorial deve ser entendida para além da dimensão geográfica. Se o Estado é em realidade um ordenamento jurídico, o território do Estado deve ser medida de acordo com o alcance desse ordenamento jurídico. Um exemplo ilustrativo, mesmo que incompleto: se, na época do Brasil colônia, obedecia-se a cartilha cartilha (um sistema de regras/ uma determinada ordem social) de Portugal, o território brasileiro constituía uma parte do todo que era o território português. “A unidade do território do Estado e, portanto, a unidade territorial do Estado, é uma unidade jurídica, não geográfica ou natural. Porque o território do Estado, na verdade, nada mais é que a esfera territorial de validade da ondem jurídica chamada Estado.” (KELSEN, 2005: 300) / “A validade exclusiva de uma ordem jurídica nacional, segundo o Direito internacional, estende-se apenas até onde essa ordem é, como um todo eficaz, ou seja, até onde atos coercitivos previstos por essa ordem são efetivamente postos em prática. Este é o princípio jurídico de acordo com o qual as fronteiras dos Estados dispostas sobre a superfície da Terra são determinadas.” (KELSEN, 2005: 307) / “A teoria tradicional faz distinção entre fronteiras ‘naturais’ e ‘artificiais’, i. e., jurídicas; mas as fronteiras de um Estado sempre têm caráter jurídico, coincidam elas ou não com fronteiras ‘naturais’ (...).” (KELSEN, 2005: 307).
  • O Estado, entendido como uma ordem jurídica, é em realidade uma ordem coercitiva. A limitação da ordem jurídica nacional é limitada pela ordem jurídica internacional apenas no que se refere a execução coercitiva. Por exemplo, é possível que um Estado determine que dita ação constitui um crime, tanto em território nacional quanto em território internacional, entretanto, o ordenamento coercitivo apenas pode ser de fato executado em território nacional. O fato de que a ordem jurídica do Estado, sendo ela em realidade uma ordem de coerção, só possuir validade (cumprimento) no espectro nacional representa o limitação do ordenamento nacional diante do internacional, entretanto, tal fato é representativo pois demonstra que a ordem jurídica do Estado é, em realidade, uma ordem fundamentalmente coercitiva (assim como o Direito o é). “A limitação da esfera de validade da ordem coercitiva chamada Estado a um território definido significa que as medidas coercitivas, as sanções, estabelecidas pela ordem, têm de ser instituídas apenas para esse território e executadas apenas dentro dele.” (KELSEN, 2005: 300) / “O fato de a limitação da validade territorial da ordem jurídica nacional pela ordem jurídica internacional referir-se apenas aos atos coercitivos estabelecidos por essa ordem e o fade de, com a restrição desses atos coercitivos a um determinado território, a existência jurídica do Estado ficar restrita a esse território demonstram claramente que a ordenação de atos coercitivos um elemento essencial do Direto, é, ao mesmo tempo, a função essencial do Estado.” (KELSEN, 2005: 304)
  • O Estado federal – nos casos que os Estados-membros são genuínos –, e guerras são casos de exceção do princípio de impenetrabilidade do Estado “O princípio de que a ordem a ordem jurídica nacional tem validade exclusiva para um determinado território, o território do Estado no sentido mais restrito, e de que, dentro desse território, todos os indivíduos estão sujeitos única e exclusivamente a essa ordem jurídica nacional ou ao poder coercitivo do Estado, é geralmente expresso dizendo-se que só pode existir um Estado no mesmo território, ou – tomando emprestada uma expressão da física – que o Estado é ‘impenetrável’. Existem, contudo, certas exceções a esse princípio.” (KELSEN, 2005: 306)

 

  1. POVO
  • De acordo com a teoria tradicional, o povo, assim como o território e o poder, é um dos elementos do constitutivos do Estado. Assim como não há Estado sem território, não há Estado sem povo – um Estado, um território, um povo. Assim como deve haver uma unidade territorial, o povo também deve compor um outro tipo de unidade, uma unidade composta de seres humanos que habitam um determinado espaço (o território de um Estado). “Assim como o Estado tem apenas um território, ele tem apenas um povo, e, como a unidade do território é jurídica e não natural, assim o é a unidade do povo. Ele é constituído pela unidade da ordem jurídica válida entre os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem. Exatamente como a esfera territorial de validade da ordem jurídica nacional é limitada, assim também o é a esfera pessoal. Um indivíduo pertence ao povo de um dado Estado se estiver incluído na esfera pessoal de validade de sua ordem jurídica. Assim como todo Estado contemporâneo abrange apenas uma parte do espaço, ele também compreende apenas uma parte da humanidade. E, assim como a esfera territorial de validade da ordem jurídica nacional é determinada pelo Direito internacional, assim o é a sua esfera pessoa.” (KELSEN, 2005: 334) / “A ordem jurídica regulamenta a conduta de um indivíduo vinculando uma sanção coercitiva à conduta contrária, sendo este condição da sanção. Mas, segundo o Direto internacional, o ato coercitivo estipulado pela ordem jurídica nacional só pode ser dirigido a indivíduos que estejam dentro do território do Estado (...). Isso não significa que a ordem jurídica só possa vincular atos coercitivos aos atos realizados dentro do território. (...). No entanto, essas sanções só podem ser executadas contra indivíduos que estão dentro do território. Desse modo, a esfera pessoal de validade da ordem jurídica nacional é determinada pelo Direto internacional. Trata-se de uma determinação indireta. Ela resulta da determinação da esfera territorial de validade.” (KELSEN, 2005: 335)
  • “A cidadania ou nacionalidade é um status pessoal, a aquisição e a perda são reguladas pelo Direto nacional e pelo internacional A ordem jurídica nacional faz desse status a condição de certos deveres e direitos.” (KELSEN, 2005: 336) / “O compromisso de fidelidade é habitualmente citado como um dos deveres específicos dos cidadãos. Quando se concede cidadania a uma pessoa, ela às vezes tem de jurar fidelidade ao seu novo Estado. (...). Juridicamente, a fidelidade nada mais significa que a obrigação geral de obedecer à ordem jurídica, uma obrigação que os estrangeiros também têm e que não é criada pelo juramente de fidelidade.” (KELSEN, 2005: 337) / “As vezes, fala-se do direito de um cidadão ser ‘protegido’ por seu Estado como a contraparte de sua fidelidade a este. (...) Fidelidade e proteção são consideradas obrigações recíprocas. Mas, exatamente como a fidelidade não significa nada além dos deveres que a ordem jurídica impõe aos cidadãos a ela sujeitos, assim o direito do cidadão à proteção não possui nenhum conteúdo a não ser os deveres que a ordem jurídica impõe aos órgãos do Estado para com os cidadãos.” (KELSEN, 2005: 340)
  • “Os chamados direitos políticos encontram-se entre os direitos que a ordem jurídica costuma reservar a cidadãos. Eles são comumente definidos como os direitos que são ao seu possuidor um poder de influência na formação da vontade do Estado. O principal direito político é o direito de votar, isto é, o direito de participar na eleição dos membros do corpo legislativo e de outros funcionários de Estado.” (KELSEN: 2005: 337) / “Também são considerados direitos políticos certas liberdades garantidas pela constituição, tais como liberdade religiosa, liberdade de expressão e de imprensa, o direito de manter e portar armas, o direito do povo à segurança de suas pessoas, casas, documentos e bens, o direito contra buscas e apreensões desarrazoadas, o direito de não ser privado de vida, liberdade ou propriedade sem o devido procedimento de Direito, de não ser desapropriado sem justa compensação, etc.” (KELSEN: 2005: 338) / “Habitualmente, considera-se também um direito político a capacidade – em geral reservada a cidadãos – de ser eleito ou nomeado para um cargo público.” (KELSEN: 2005: 339).

 

  1. PODER
  • ​​​​​​​“Costuma-se classificar o poder do Estado como sendo o seu, assim chamado, terceiro elemento. Pensa-se no Estado como um agregador de indivíduos, um povo, que vive dentro de certa parte delimitada da superfície da Terra e que está sujeito a certo poder: um Estado, um território, um povo, um poder. Diz-se que a soberania é a característica definidora desse poder. Embora se sustente que a unidade do poder é tão essencial quanto a unidade do território e do povo, pensa-se, não obstante, que é possível distinguir três diferentes poderes componentes do Estado: o poder legislativo, o executivo e o judiciário.” (KELSEN, 2005: 364) / “A palavra ‘poder’ tem significados diferentes nesses diversos usos. O poder do Estado ao qual o povo está sujeito nada mais é que a validade e a eficácia da ordem jurídica, de cuja unidade resultam a unidade do território e a do povo. O ‘poder’ do Estado deve ser a validade e a eficácia da ordem jurídica nacional, caso a soberania deva ser considerada uma qualidade desse poder. Porque a soberania só pode ser a qualidade de uma ordem normativa na condição de autoridade que é a fonte de obrigações e direitos. Quando, por outro lado, se fala dos três poderes do Estado, sendo distinguidas três funções do Estado.” (KELSEN, 2005: 364/365)
  • “Uma vez que o Estado é aqui compreendido como uma ordem jurídica, o problema da constituição – tradicionalmente tratado a partir do ponto de vista da teoria política – encontra o seu lugar natural na teoria geral do Direito.” (KELSEN, 2005: 369) / “A constituição do Estado, geralmente caracterizada como a sua ‘lei fundamental’, é a base da ordem jurídica nacional. É bem verdade que o conceito de constituição, tal como compreendido na teoria do Direito, não é exatamente igual ao conceito correspondente na teoria política. O primeiro é o que chamamos de constituição no sentido material do termo, abrangendo as romãs que regulamentam o processo de legislação. Tal como usado na teoria política, faz-se com que o conceito também compreenda as normas que regulamentam a criação e a competência dos órgãos executivos e judiciários mais altos.” (KELSEN, 2005: 369)

 

Referência Bibliográfica:

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 5. ed. Brasília: Edunb, 1993.

KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

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