O filósofo e teólogo Agostinho de Hipona (354-430) teve um papel central na elaboração da política para o período da Idade Média. O bispo da Numídia foi o principal responsável pela cristianização de Platão, inaugurando aquilo que Nietzsche, muitos séculos depois, chamaria de "platonismo para os pobres". O céu das Ideias da metafísica platônica se torna no céu dos dogmas religiosos, enquanto os reis-filósofos da "República" dão lugar aos sábios da Igreja, que passam a ter acesso ao mundo inteligível das verdades divinas. A cidade terrena é mero lugar de passagem em que se deve rebater, com severidade, a Civitate Dei - a Cidade de Deus. O homem é escravo da carne, fonte da corrupção e origem da perda de sua liberdade, segundo a doutrina agostiniana do pecado originário. Por isso, precisaríamos ser conduzidos para escapar do mal que se apresenta como castigo. Cabe aos padres da Igreja conduzir o homem de volta à linha justa na esperança da salvação. O tempo na Terra é apenas um ensaio para o Juízo Final, que está bem próximo. À política compete auxiliar o poder espiritual como braço secular, recorrendo à força quando demandado, servindo de apêndice do mandato divino conferido às autoridades eclesiásticas. Na Baixa Idade Média (séc. XI-XIV), com Tomás de Aquino, que redescobriu Aristóteles no final do século 13, a filosofia medieval ganha contornos mais equilibrados, terrenos e práticos. Embora ainda aponte à beatitude celeste, a política para Tomás não significa apenas retificar (reger) como também dirigir, comandar a sociedade para uma finalidade comum, produzindo a justiça entre os homens e as coisas. Tomás de Aquino decalcará o absoluto da Cidade de Deus de acordo om um balanceamento de verdades divinas e humanas, entre o céu e a terra. Concebe-se assim um mundo naturalista e orgânico, ainda hierárquico, porém bem mais distribuído em âmbitos particulares, do que o dualismo agostiniano, mais ressonante com os tormentos e sobressaltos da Alta Idade Média. Na época tomista, a espessura das trevas se dissolve e a filosofia incorpora um ânimo mais empírico, debruçando-se no reino dos particulares e os vários domínios das coisas, que podem ser conhecidas pela reta razão e organizadas pelo governante prudente: o príncipe-espelho. A política, em Tomás, não é mais um instrumento para o governo das almas na busca pela Graça divina, mas uma atividade prudente dirigida à construção do bem comum: estabilidade, paz, coordenação funcional e manutenção da hierarquia e dos valores da comunidade. Essa é a terceira aula do curso "O anti-Édipo: filosofia e desejo". Se curtiram, não deixem de seguir o canal. E também no Facebook (https://www.facebook.com/grupohorazul/) e no Instagram (https://www.instagram.com/canal_horazul/). * Tópicos: * Referências: - Filme "O Sétimo Selo", dir. Ingmar Bergman, Suécia, 1957. - Filme "Monty Python: em busca do cálice sagrado", dir. Terry Gilliam e Terry Williams, Inglaterra, 1974. Livros citados: - "A república", Platão, c. 380 a.C. - "A política", Aristóteles, c. 350 a.C. - "A cidade de Deus contra os pagãos", Agostinho de Hipona, 426. - "Suma teológica", Tomás de Aquino, 1274. Música: - "Dies irae, dies illa", da trilha sonora de "O Sétimo Selo" Música de Tommaso da Celano (1190-1265). -- Professor e edição: Bruno Cava Câmera e som: Julie Nunes Supervisão técnica: Luiz Felipe Teves
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