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EA D 6 Aspectos Gerais da Cultura Grega "A única moeda verdadeiramente boa e pela qual con- vém trocar todas as restantes é a sabedoria" (PLATÃO, FILÓSOFO GREGO). 1. OBJETIVOS • Identificar e demonstrar alguns aspectos da cultura gre- ga, tais como sua literatura, seu teatro, sua filosofia, sua ciência, sua arquitetura e pintura e sua historiografia. • Definir os papéis femininos entre os antigos gregos. 2. CONTEÚDO • Pensamento grego por meio de aspectos da sua cultura: manifestações artísticas, historiografia, filosofia, ciências e funções femininas na sociedade grega. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: © História Antiga I172 1) Sugerimos que você visite, se puder, em São Paulo, o MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP), na ci- dade universitária. Lá, há peças de cerâmica, entre ou- tros objetos de arte e da cultura grega. 2) Para adentrar mais no universo do teatro, sugerimos que você leia, pelo menos, uma peça de teatro grego. Édipo- -Rei, de Sófocles, por exemplo, conta-nos a história do mito de Édipo, que deu origem a um dos pilares da Psi- canálise Clássica, o Complexo de Édipo. Você só tem a ganhar com mais conhecimento. Leia, também, a obra A verdade e as formas jurídicas (Nau Editora), do filósofo Michel Foucault; nela, há uma análise das práticas judi- ciárias na Grécia Antiga por meio do mito de Édipo. 3) Antes de iniciar a leitura desta unidade, é interessante você conhecer um pouco da biografia de um dos pensa- dores cujas ideias norteiam o estudo deste Caderno de Referência de Conteúdo. Danilo Lucas Marcelino Danilo Lucas Marcelino é ator, graduado em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Fez parte do elenco da peça O Amor de Fedra, encenada pela Companhia Partículas Elementares. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Estamos iniciando nossa última unidade. Depois de passarmos por guerras sangrentas, heróis apai- xonados, deuses vingativos e mitos fantásticos, chegou a hora de conhecermos outros aspetos da cultura grega, tais como: 1) artes; 2) filosofia; 3) a visão sobre a História; 4) o estatuto da mulher grega. Vamos a esse universo cultural grego interessante! Claretiano - Centro Universitário 173© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega 5. ASPECTOS DA ARTE GREGA A arte é a representação dos aspectos ideológicos e culturais de um povo, estando relacionada às suas condições de produção material e social. Assim, a arte grega varia conforme seus momen- tos históricos, mudanças e transformações políticas, econômicas e sociais. Todavia, os livros didáticos tendem a retratar a arte grega do Período Clássico, quando os gregos atingem o equilíbrio formal que se tornou a sua marca. A seguir, veremos, no Quadro 1, o resumo da Arte por meio dos tempos da história grega. É importante que você perceba que a arte grega não se limita às características do Período Clássico, so- frendo transformações conforme as características sociais, econô- micas e políticas de cada contexto. Outra consideração que deve- mos fazer é que a divisão em períodos é um instrumento didático para facilitar o ensino e a aprendizagem, mas esses períodos e as características artísticas de cada um não são tão fixos como pode parecer. Quadro 1 A Arte por meio dos tempos da história grega. PERÍODO CRONOLOGIA CARACTERÍSTICAS Arte cretense e micênica 45.000-1.220 a.C. Produção de estátuas de metal e mármore, palácios, ourivesaria e tholos (grandes templos gregos de plantas circulares). Exaltação da aristocracia guerreira nas representações. Reprodução de elementos marinhos e animais. Medievo-helênico (após as invasões dos dórios) 1.220-900 a.C. Formas modestas de arte decorativa. Produção de esculturas em terracota (argila modelada). Período Geométrico 900-700 a.C. Expressão de formas geométricas em detrimento das representações figurativas. Período Orientalizante 700-610 a.C. Devido aos contatos com o Oriente, aparece a arte colorida, decorada e grandiosa. Período Arcaico 610-490 a.C. Início da arte grega autônoma, sem referências orientais. Produção de templos e esculturas em pedra. Figura humana fortemente representada. © História Antiga I174 PERÍODO CRONOLOGIA CARACTERÍSTICAS Período Clássico 490-323 a.C. Busca de equilíbrio, representações do corpo humano de forma dinâmica, procurando a beleza ideal. Período Helenístico 323-31 a.C. Busca de emoção. Arte grandiosa, minimalista e rebuscada. Mistura de elementos gregos e orientais. Os romanos recriaram peças de arte desse período. Portanto, a arte grega passou por transformações, conforme os períodos históricos. Seu traço fundamental foi a incessante bus- ca por equilíbrio formal – seja na arquitetura e na escultura, seja nas demais manifestações – e pela beleza. O esquema de ordem, taksis, e de racionalização refletiu, também, na urbanização, fazendo que as póleis gregas fossem bem estruturadas, com ruas paralelas (FUNARI, 2004). Essa concepção levou as esculturas a se aproximarem da realidade em tamanho e perfeição, no desenho de músculos e traços físicos. É possível que você se questione sobre as expressões artís- ticas gregas e sobre nomes de artistas da literatura, da música, da arquitetura, da pintura, da cerâmica e do teatro. Chegou, portanto, o momento de aprofundarmo-nos nesse assunto. Literatura e música Os gregos desenvolveram a poesia, mas não escreveram ne- nhum texto literário em prosa. A poesia, em geral, era: • Épica: conta as façanhas de heróis, tais como os poemas de Homero. • Lírica: hinos dedicados aos deuses. Esse tipo de poesia recebeu esse nome por ser cantado com o acompanha- mento da lira. No gênero lírico, daremos atenção especial aos poemas elegía- cos, que tratavam do tema "amor". Arquíloco de Paros, do século 7º a.C., foi o primeiro poeta grego a usar a elegia de forma mais pessoal. Claretiano - Centro Universitário 175© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Alceu e a poetisa Safo criaram seus poemas na Ilha de Lesbos (Mar Egeu), por volta do século 6º a.C., e estes foram, mais tarde, adap- tados pelo romano Horácio para a poesia latina. Há uma discussão so- bre a poetisa Safo, a primeira de destaque da literatura ocidental. Sabe- mos que, no mundo grego, as mulheres nunca se dedicavam à poesia, a qual era uma atividade exclusivamente masculina. Mas Safo ousou poetar. Seus poemas de amor e erotismo eram dedicados a mulheres, talvez para se passar por um homem, já que exercia um ofício masculi- no, ou talvez porque ela realmente gostasse de mulheres. Logo, Safo foi considerada homossexual, e a ilha onde ela morou, Lesbos, rendeu seu nome ao homossexualismo feminino: o lesbianismo. A seguir, leia um poema de Safo e repare que é um verso de amor em tom erótico para uma mulher. A Átis –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Não minto: eu me queria morta. Deixava-me, desfeita em lágrimas: "Mas, ah, que triste a nossa sina! Eu vou contra a vontade, juro, Safo". "Seja feliz", eu disse, "E lembre-se de quanto a quero. Ou já esqueceu? Pois vou lembrar-lhe Os nossos momentos de amor. Quantas grinaldas, no seu colo, — Rosas, violetas, açafrão — Trançamos juntas! Multifl ores Colares atei para o tenro Pescoço de Átis; os perfumes Nos cabelos, os óleos raros. Da sua pele em minha pele! [...] Cama macia, o amor nascia De sua beleza, e eu matava A sua sede" [...] Cai a lua, caem as plêiades e É meia-noite, o tempo passa e Eu só, aqui deitada, desejante. — Adolescência, adolescência, Você se vai, aonde vai? — Não volto mais para você, Para você volto mais não (SAFO, 2011). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © História Antiga I176 Outra poetisa conhecida é Corina, escritora lírica do século 6º a.C., mas há poucos fragmentos de poemas tidos como de sua autoria. Ela escreveu sobre lendas de sua terra natal, a Tânagra. Conforme estudamos na unidade anterior, o poeta Hesíodo, que cantavaos mitos gregos, lendas e valores éticos, teve bastante destaque. Outro poeta grego foi Píndaro (século 6º a.C.), que escreveu odes e foi discípulo da poetisa Corina. A música grega não era separada da poesia; os versos, em sua maioria, eram feitos para serem cantados. Os principais instru- mentos musicais eram: 1) a lira; 2) a flauta, tocada, em geral, em pares de músicos; 3) a gaita de foles; 4) a cítara, instrumento utilizado por músicos profissionais – uma espécie de lira. O canto coral também era uma importante manifestação musical, sendo utilizado nas festas cívicas e religiosas. Como nos informa Harvey (1998), os filósofos Platão e Aris- tóteles criticavam os flautistas, mas a cerâmica atesta, em suas re- presentações, a existência de escolas de flautistas em Atenas. Arquitetura, pintura e escultura A arquitetura sobressaiu na construção de templos e edifí- cios públicos. Os materiais utilizados eram pedra, mármore e tijolo. De estrutura bem simples, sem emprego de arcos nem abóbadas, houve três estilos fundamentais na arquitetura, como observare- mos nas Figuras 1, 2 e 3. Dórico: antigo, com coluna sólida e sem base, e capitel (pilar de uma coluna, balaústre) liso. Claretiano - Centro Universitário 177© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Figura 1 Capitel dórico. • Jônico: leve, com colunas finas, base tripla e capitel em voluta. Figura 2 Capitel jônico. • Coríntio: densamente trabalhado, é a combinação dos es- tilos dórico e jônico. Figura 3 Capitel coríntio. © História Antiga I178 O Parthenon, em Atenas, é não só um belo exemplo de ar- quitetura grega, mas também um templo grego bastante conhe- cido. Como nos sugere Funari (2004), descrevê-lo torna-se funda- mental pelos sentimentos que ele causa até hoje e para termos a noção de alguns aspectos da arte grega. O Parthenon (Figura 4) começou a ser construído em 447 a.C., em mármore e no estilo dórico. Seu comprimento era de 69,50 metros por 30,86 metros de altura. Dentro, havia a estátua da deusa Atena, esculpida por Fídias, e dois cômodos: uma sala conhecida como Hekatompedos e outra como Parthenon. Até o século 5º d.C., o templo permaneceu intacto, trans- formado em igreja cristã. Com as ocupações turcas na Grécia, du- rante o final da Idade Média, o templo tornou-se uma mesquita turca. Maus tratos e pilhagens destruíram parte do local, e muitas de suas peças foram levadas para museus, tais como o Museu Bri- tânico, na Inglaterra. Figura 4 Parthenon de Atenas. Claretiano - Centro Universitário 179© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Os gregos preocupavam-se em representar e privilegiar, nas esculturas, o homem e seus movimentos. O nome de destaque aqui foi Fídias, contemporâneo de Péricles, e suas inovações em Atenas. Enquanto as estatuárias egípcia e oriental, em geral, representavam deuses e reis como formas perfeitas e imóveis, os gregos passaram a mostrar os movimentos, músculos, como é o caso da estatuária que figurava um atleta (FUNARI, 2004, p. 74). A pintura grega esteve ligada à escultura. Os gregos utiliza- ram figuras em relevo e efeitos de luz e sombra. Cerâmica A cerâmica é um objeto universal, utilizado pelo homem des- de sua sedentarização. A arte grega teve difusão por meio das pe- ças de cerâmica. Nesse caso, não apenas o formato das peças era uma obra de arte, mas também os desenhos nelas representados. Tais peças constituem os objetos arqueológicos mais estudados dos gregos antigos, por serem ricas em decorações de cenas mito- lógicas e lendárias. A cerâmica grega tinha dupla função: • Utilitária: crateras para tomar vinho, vasos para armaze- nar líquidos e alimentos etc. • Meio de expressão cultural e social: representações de ideais culturais, políticos e sociais dos gregos. Os objetos de cerâmica grega eram: • Unguentários: para perfumes e óleos. • Cântaros e crateras: para beber vinho e outros líquidos. • Hídrias e ânforas: vasilhas para água e vasilhas de mesa como pratos e tigelas. Os estilos eram: • Figuras geométricas e representações de animais (Figura 5): períodos Pré-homérico, Homérico e Arcaico). © História Antiga I180 • Figuras negras e vermelhas (Figuras 6 e 7): Idade Clássica). Figura 5 Ânfora ática de figuras geométricas (séc. 8º a.C.). Figura 6 Ânfora ática de figuras vermelhas – amazona (mulher guerreira) no cavalo (séc. 5º a.C.). Claretiano - Centro Universitário 181© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Figura 7 Ânfora ática de figuras negras – os sátiros (figuras mitológicas) e Dionísio (séc. 6º a.C.). Teatro Você já ouviu falar que foram os gregos quem inventaram o teatro? Já viu as famosas máscaras de comédia (máscara com expressão alegre) e tragédia (máscara com expressão triste)? Isso é o que estudaremos agora. A palavra "teatro" provém da forma grega theatron e possui duas vertentes em grego: o verbo "ver" (theaomai) e o substantivo "vista" (thea). Apesar de os gregos serem conhecidos como os criadores do teatro, a arte de representar estava presente no Egito, para fins religiosos, aos 3200 anos a.C. Ísis e Osíris, duas das principais divindades egípcias, já eram reverenciadas mediante encenações teatrais. A China, em 2205 a.C., também apresentou traços próprios de teatro em seus ritos religiosos. Portanto, cronologicamente, antes que os dramaturgos gre- gos pudessem fazer florescer a ideia teatral para o mundo, o Egito e a China já possuíam rituais com estilo performático (que singu- © História Antiga I182 lariza o teatro até hoje). Se considerarmos que toda comunicação possui um valor teatral, podemos afirmar que até o homem da Pré-história representava. Na Grécia, o teatro surgiu a partir de encenações em cerimô- nias religiosas, em especial a cerimônia em honra ao deus Dionísio, feita em seus templos, na qual os jovens dançavam e encenavam em sua homenagem. Em 534 a.C., o ditador Psístrato, ao governar Atenas, insti- tuiu um concurso de encenações teatrais. O primeiro vencedor foi Thespis, autor e ator conhecido por percorrer as cidades, fazendo de seu carro um palco. Com a popularização da arte teatral, o carro de Thespis foi substituído por arquibancadas semicirculares, ao ar livre. A preci- são com que essas instalações foram construídas revela um inten- so amor dos gregos pelo teatro. O fundo dos palcos possuía uma vista panorâmica para a na- tureza. Apesar de os teatros não possuírem teto e serem predomi- nantemente ao ar livre (os chamados "teatros de arena"), os gre- gos, de forma criativa, conseguiam usar tubulações para favorecer a acústica. Geralmente, os teatros eram construídos em encostas de montanhas e colinas, as quais serviam de suporte para as arqui- bancadas. Observe a Figura 8. Claretiano - Centro Universitário 183© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Camarins (quartos de vestir) Entrada da orquestra Assentos dos sacerdotes e juizes Altar Orquestra de terra batida ( local das danças) Os atores principais se apresentavam no terraço do proskenion, usando máscaras e sapatos com plataforma, para que pudessem ser vistos pelas útltimas fileiras do topo. O coro cantava e dançava na orquestra Entrada da orquestra Terraço do proskenion Figura 8 Modelo de um teatro grego. Os gregos possuíam dois tipos de textos para as encenações: • Tragédia: apresentavam aventuras e desventuras de he- róis, confrontando o homem aos deuses e ao seu destino, que ele poderia aceitar ou recusar (BELEBONI, 1996). • Comédia: uma representação do mundo às avessas (GRI- MAL, 1978), com a função de fazer rir por meio da sátira dos costumes. Tanto na tragédia quanto na comédia, a ideia não era sim- plesmente distrair o público, mas fazer críticas sociais, políticas e morais, em tons ora trágicos, ora cômicos. As peças apresentavam um coro (pessoas que contavam a história em uníssono ou em várias vozes), narrando os feitos da personagem ou das personagens encenadas pelos atores. O coro era o intermediário entre a plateia e as personagens. ©História Antiga I184 Os tragediógrafos de destaque na Grécia e suas principais obras foram: • Ésquilo: Prometeu acorrentado. • Sófocles: Édipo-Rei, Antígona, Electra. • Eurípides: Medeia, As troianas, Alceste, Ifigênia em Táuri- da, Ifigênia em Áulis. O comediógrafo de maior destaque foi Aristófanes, com as peças As rãs, As nuvens, A assembleia das mulheres, As vespas, Lisístrata, Os cavaleiros, entre outras. Os atores eram homens e usavam máscaras, conforme o tipo da encenação (tragédia ou comédia). Em geral, eram os homens da aristocracia que frequentavam as encenações. As manifestações artísticas eram um privilégio dos aristocra- tas gregos: eram eles que iam ao teatro, tinham objetos de arte em casa e liam os textos literários. Hoje em dia, podemos perceber a existência de várias expressões artísticas, como a arte erudita, a arte da cultura de massa, o folclore e a arte popular. 6. FILOSOFIA Você possivelmente já ouviu falar que os gregos foram, tam- bém, os inventores da Filosofia e do pensamento racional. Talvez você esteja se perguntado sobre como, em meio a tantos mitos e crenças religiosas, os gregos poderiam ter sistematizado o pensa- mento racional. Para estudar a Filosofia e a ciência grega, devemos, a prin- cípio, ter em mente que a distinção entre o religioso e o científico não fazia muito sentido para os gregos, e eles conseguiam, de cer- ta forma, conciliar as duas coisas. Os povos de língua grega foram os primeiros a sistematizar a ideia sobre o pensamento racional, mas outros povos já possuíam formas racionais de explicar alguns fatos. Claretiano - Centro Universitário 185© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Foram os gregos que criaram a ideia de Filosofia, que, em gre- go, significa "amigo" (philo) da sabedoria, do conhecimento (sophia). A ideia central dos primeiros filósofos era desenvolver o pen- samento racional (logos, em grego). Assim, podemos definir a Filo- sofia como uma aspiração ao conhecimento racional. Os gregos instituíram, com seu pensamento filosófico, os princípios fundamentais do que conhecemos como razão, ética, racionalidade, ciência, política, técnica e arte (CHAUÍ, 2004). Os primeiros filósofos apareceram na Jônia (Ásia Menor), por volta do século 6º a.C. Eram os pensadores da escola de Mile- to, entre os quais, destacaram-se: 1) Tales de Mileto, aproximadamente 640-546 a.C.; 2) Anaximandro, 610-547 a.C.; 3) Anaxímenes, 550-478 a.C.; 4) Heráclito, 576-480 a.C. Esses primeiros pensadores se dedicaram, sobretudo, a compreender a matéria física do mundo. Eles se perguntavam o porquê de os seres nascerem e morrerem, o que eram as doenças, como se explicavam os fenômenos da natureza etc. Outros filósofos importantes foram os sofistas. Estes eram itinerantes, isto é, viajavam de cidade em cidade, oferecendo seus conhecimentos em conferências pagas que atraíam muitos ho- mens. Ensinavam como se destacar na vida pública, como ter boa oratória e retórica etc. Após os sofistas, apareceram, na Grécia, três filósofos, que são, até hoje, considerados pelos estudiosos como alguns dos ho- mens mais importantes para o pensamento humano: Sócrates (469-399 a.C.): não deixou nada escrito; seus en- sinamentos foram a nós legados por meio dos escritos de seus discípulos Platão e Xenofonte. Criticou as formas de conduta política em Atenas, em meio à Guerra do Pelopo- neso, e, por isso, foi condenado à morte. © História Antiga I186 Platão (427-347 a.C.): viveu no auge das lutas políticas que conduziram Atenas à democracia e propôs um novo modelo de sociedade, governada por sábios filósofos. Foi o fundador da Academia, sua escola filosófica em Atenas. Parte de suas obras são diálogos, nos quais há troca de ensinamentos e questionamentos entre homens. Aristóteles (384-322 a.C.): foi tutor de Alexandre, o Gran- de, e aluno da Academia de Platão. Fundou uma escola em Atenas, o Liceu, distanciando-se do idealismo de Platão e procurando ser mais prático em suas teorias políticas. Sócrates e Platão são produtos da Atenas democrática. Aris- tóteles era macedônico, mas foi acolhido pelos atenienses. Segundo Funari (2004, p. 690). "Platão e Aristóteles funda- ram os fundamentos para as formas de pensamento posteriores, na própria Antiguidade, mas também na Idade Média, chegando aos Tempos Modernos". 7. GREGOS E HISTÓRIA A palavra história é de origem grega e significa "investiga- ção", abrangendo qualquer tipo de pesquisa. Heródoto, embora não utilizasse esse termo, deu à sua in- vestigação uma ideia precisa de investigação do passado e foi cha- mado de historiador. Contudo, a palavra "história" não aparece nas obras dos dois autores, Heródoto e Tucídides (GAGNEBIN, 1992), e as ideias de ambos sobre a História possuíam um sentido muito diferente do que temos hoje. Heródoto O grego Heródoto (aproximadamente 484-425 a.C.) é consi- derado o "pai da História" porque, embora sua concepção de His- Claretiano - Centro Universitário 187© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega tória seja diferente da dos atuais historiadores, ele ousou fazer um relato sobre os fatos além do mundo mítico. Considerava-se que sua prática de historiador era uma nar- rativa de fatos contados por uma testemunha que os presenciou ou tratava do que ele mesmo viu. Sua ideia de História, portanto, é voltada para a oralidade e para a visão. Tucídides Tucídides (aproximadamente 460-455 a.C.) é conhecido como o primeiro historiador crítico. Sua narrativa não apresenta documentos; ele apenas expõe sua conclusão sobre os eventos, rejeitando, porém, a memória tratada por Heródoto como fonte documental. Sua História não é escrita para o presente, mas para ser lida no futuro, como conhecimento sobre o passado. A preocu- pação de Tucídides estava em narrar as coisas como elas realmen- te aconteceram, demonstrando possíveis motivações e posiciona- mentos de ambas as partes envolvidas em suas pesquisas, como é o caso de sua obra História da Guerra do Peloponeso, na qual ele procura narrar o lado ateniense e, também, o espartano. Durante tempos, a visão de verdade permaneceu imbricada nas narrativas historiográficas. Somente no século 20 é que os his- toriadores começaram a questionar a veracidade de suas próprias narrativas, considerando que a História não é uma ciência exata, ou seja, que não podemos provar nada, e sim tirarmos, cada um, nos- sas próprias conclusões, o que faz da História uma interpretação. Vale ressaltar que, em português, assim como em diversas outras línguas, utilizamos uma só palavra ao tratarmos da Histó- ria (fatos) e da historiografia (escrita desses fatos, narração dos acontecimentos passados). Portanto, tenha atenção para não fazer confusão com os dois termos! A diferença básica entre Heródoto e Tucídides, além das fon- tes, era: © História Antiga I188 a) Heródoto: escrevia para resgatar um passado ilustre; b) Tucídides: escrevia no presente sobre o presente para instruir o futuro [...] (GAGNEBIN, 1992, p. 23). Segundo Jeanne-Marie Gagnebin (1992), a diferença entre Heró- doto e Homero é que este tratava de relatos míticos, lendas e assuntos fantásticos enquanto aquele tratava do que ele ou alguém presenciou. Para o filósofo Aristóteles, a História seria uma narrativa de me- nor importância em relação à poesia e teria um compromisso com a verdade (assim como para Heródoto). Ainda segundo o pensador: O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois se a obra de Heródoto houvesse sido composta em verso, nem por isso deixaria de ser uma obra de história, figurando ou não o metro nela). Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro o que poderia ter acontecido. Por tal motivo a poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a história, porque a poesia permanece no universal e a história no particular (ARISTÓTELES, 2005). 8. ESTATUTO DA MULHER GREGA Na Grécia Antiga, assim como na maioriadas sociedades anti- gas, as mulheres possuíam um status inferior. Em toda a Grécia, a so- ciedade era predominantemente masculina e de natureza patriarcal. As mulheres atenienses possuíam um quadro mais amplo de submissão, pois estavam voltadas exclusivamente para a procria- ção e para as atividades domésticas, já que elas passavam a maior parte do tempo trancadas dentro de suas casas, no gineceu. O ideal grego de beleza feminina era o da mulher boa para a pro- criação: não magra, de pele bem clara, quase pálida, ou seja, aquela que não tomava sol e ficava a maior parte do tempo em casa. Funari (2004) indica que a timidez era uma qualidade boa para a futura esposa. A submissão das atenienses foi ironicamente cantada por Chico Buarque de Hollanda na música Mulheres de Atenas. Veja, a seguir, um trecho dessa canção: Claretiano - Centro Universitário 189© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Mulheres de Atenas ––––––––––––––––––––––––––––––––––– Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas Geram fi lhos pros seus maridos os novos fi lhos de Atenas Elas não têm gosto ou vontade Nem defeito nem qualidade Têm medo apenas Não têm sonhos, só têm presságios O seu homem, mares, naufrágios Lindas sirenas Morenas (BUARQUE, 2011) –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– As mulheres de Esparta, porém, tinham um diferencial: eram preparadas fisicamente para uma maternidade sadia, praticando exercícios físicos e disputando modalidades esportivas. As espar- tanas gozavam de certa independência, recebiam treinamento mi- litar e administravam as terras do marido. Tal fato é explicado, por alguns historiadores, como decorrência da ausência constante dos homens em Esparta. Em geral, as gregas da aristocracia aprendiam a ler, mas o ofício de escritora esteve restrito a raras mulheres, como Safo e Corina, por exemplo. No casamento, que era uma aliança entre famílias, o noivo era alguns anos mais velho do que a noiva. A mulher casava-se logo na puberdade; já o homem, por volta dos 30-40 anos. Após o casamento, a mulher passava a fazer parte da família do marido, e seus filhos recebiam o nome da família do pai. A cul- pa por casamentos inférteis era sempre da mulher, e, nesses casos, o casamento poderia ser anulado por justa causa (FUNARI, 2004). Destacamos que as mulheres tratadas anteriormente eram aristocráticas, jovens preparadas para o casamento. Mas na Gré- cia também havia as mulheres pobres. Estas eram mais livres que as aristocratas, necessitavam trabalhar e, em geral, administravam seu próprio dinheiro, quando mais velhas. © História Antiga I190 Entre as mulheres pobres, era comum a prostituição. As prostitutas podiam ser: Pornai: escravas obrigadas a esse tipo de trabalho. Independentes: dançarinas e tocadoras de flautas que serviam em banquetes. Hetairas ou cortesãs: acompanhantes, mais do que mu- lheres que prestavam serviços exclusivamente sexuais. Péricles, importante estadista ateniense, escolheu uma he- taira para acompanhá-lo ao longo de sua vida: era a cortesã Aspá- sia de Miletos. Com Aspásia, Péricles teve um filho, que recebeu o nome do pai. Embora considerado filho ilegítimo do político por sua mãe ser uma cortesã, o garoto recebeu a cidadania ateniense no último ano de vida de seu pai (HARVEY, 1998). Observe a Figura 9, em que a prostituta é representada em um vaso grego. Figura 9 Prostituta representada em um vaso grego (séc. 5º a.C.). Claretiano - Centro Universitário 191© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega 9. TEXTO COMPLEMENTAR O texto a seguir foi cedido pelo seu autor, Danilo Lucas Mar- celino (2007), e trata de uma tragédia grega reescrita na contem- poraneidade, no qual buscou associar o texto teatral contemporâ- neo e sua montagem com as ideias do teatro grego, mostrando-nos que não estamos tão distantes dos povos estudados. É interessante ressaltar que O Amor de Fedra possui poucas encenações feitas no Brasil, e uma delas ainda é apresentada pela Companhia Partículas Elementares, sob direção de Gilson Motta e Tania Alice. Essa encenação ganhou o prêmio do MEC/Sesu de Minas Gerais, pelo edital Jovens Artistas de 2007. Vários conceitos cercaram e definiram uma tragédia grega. Pensá-los numa recriação contemporânea, reconhecendo o valor do trágico na atualidade, tem gerado bastante discussão e sina- liza marcas para a história do teatro. Citaremos alguns conceitos da concepção clássica do trágico, relacionando-os com a sua au- sência, ou não, na recriação de uma tragédia grega. Nesse caso, trabalharemos com a peça O Amor de Fedra, escrita em 1996, pela inglesa Sarah Kane, recriação da tragédia Fedra, do escritor roma- no Sêneca, baseada no mito grego de Fedra. A escritora Sarah Kane suicidou-se em fevereiro de 1999, aos 28 anos. O Amor de Fedra (recriação de uma tragédia grega na contemporaneidade) –––––––––––––––––––––––––––––––––– Na mitologia grega, Teseu é casado com Fedra (fi lha do rei Minos, de Creta), que sofre por ser apaixonada pelo seu enteado, Hipólito. Rejeitada por ele, Fedra acusa Hipólito de violentá-la e se mata. Tanto no texto de Sêneca quanto no de Sarah Kane, esta lenda está presente. Ela também é mote para a tragédia Hipó- lito, do grego Eurípedes. Na recriação feita por Kane, há importantes associações das personagens aos fatos contemporâneos. Ela mantém, no seu texto, o sistema hierárquico de reis e rainhas do mundo grego cretense: Fedra só integra a família real de Atenas por ser esposa de Teseu, numa clara associação à fi gura da Princesa inglesa Diana. Embora desprovido de culpa, Hipólito é linchado por ter violentado Fedra. Se na tragédia temos os deuses que materializam a decisão do destino e as punições © História Antiga I192 para aqueles que cometeram erros, nessa recriação temos a mídia como força coerciva à decisão da justiça. Em O Amor de Fedra, Hipólito é estrangulado pela fúria da população. Na encenação de O Amor de Fedra feita pela Cia. Partículas Elementares, for- mada por estudantes e professores do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Ouro Preto/UFOP, foi criado um coro, com o intuito de fortalecer o pensamento de que a mídia consegue agir de modo manipulador. O coro, nas tragédias gregas, existia como elemento exterior ao confl ito trágico, não infl uenciando diretamente na liberdade de ação das personagens. Contudo, a função do coro é opinar, comentar, aconselhar, criticar e demonstrar reação aos atos das personagens. Se para a sociedade contemporânea a idéia de uma justiça divina é, defi nitiva- mente, questionável, e a mídia é, para ela, propagadora de fundamentos para a organização de idéias e leis, é cabível que haja uma associação da mídia ao catastrófi co fi m de O Amor de Fedra, no qual o coro, criado na encenação citada, age como um grupo de jornalistas-abutres, caçadores de podridão e manipula- dores de imagem, que divulgam a carta de Fedra acusando Hipólito de estupro, o que provoca a ira da população e gera força para a consumação do destino reservado ao herói trágico, que, nesse caso, é Hipólito. Qualquer semelhança com o caso da Princesa Diana e a mídia não é coincidência. Para a concepção clássica do conceito de "trágico", o destino é o poder superior com o qual o homem se confronta e pelo qual ele é derrotado. A "liberdade" do herói, dentro do seu destino, está ligada a uma fatalidade ou a uma fatalidade que ele aceita naturalmente. A sua "falha trágica" (hamartia) é uma junção de falha moral e de erro de julgamento, fundadores da ação do herói trágico. Esse não pode ser nem muito culpado, nem muito inocente, pois, além de pregar uma unilateralidade do destino, enfraqueceria o poder catártico da tragédia. A "catarse" (cartharsis), que para o fi lósofo grego Aristóteles signifi ca a purga- ção das paixões através do terror e da piedade, é defi nidora da tragédia e do trágico, pois trata-se de um efeito criado sobre o espectador, impressionando-o, elevando-o moral e psicologicamente, transformando-o.Portanto, a catarse é o ponto alto da peça e uma característica básica da tragédia grega. Sarah Kane repensa esses itens para poder inseri-los no texto. Ela faz uso da linguagem agressiva, da violência, do sexo e da chacina para atingir o espec- tador atual, que, deveras, convive com isso. Ela desenvolve o herói Hipólito de forma antipática, de modo a ser recusado pelo espectador. Ele é gordo e pratica atitudes sexuais escusas. Porém, mesmo que este herói tenha recebido atenção sexual de Fedra, é acusado de estupro, sem que o espectador se compadeça dele. Assim, este espectador poderá sofrer a catarse quando o vir estrangulado pela população, numa verdadeira violência proposta pela autora. Uma tragédia, de fato. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Como nas unidades anteriores, você terá agora mais um mo- mento para a realização da autoavaliação. Esta é uma hora importan- Claretiano - Centro Universitário 193© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega te e necessária, pois você já está se preparando, aqui, para a avaliação final e também reforçando seu conhecimento. Não deixe de trocar experiências e comentá-las com seus colegas de curso e seu tutor. 1) Sabemos que a arte grega passou por várias transformações conforme os períodos históricos que se sucederam. Que busca foi constante entre os ar- tistas gregos? 2) Depois de estudar que a arte grega era privilégio de poucos, como você analisa a relação das camadas desfavorecidas economicamente com a arte atual? Como é o consumo da arte no Brasil? Anote suas reflexões no Bloco de Anotações. 3) Quais os nomes e as principais características dos três estilos arquitetônicos gregos? 4) Quais as funções da cerâmica grega? Pesquise na internet e em livros sobre obras de cerâmica grega, preocupando-se em perceber o período de sua produção. 5) Quais as funções da comédia e da tragédia no teatro grego? Se possível, pro- cure um clássico do teatro grego, leia e reflita sobre ele, discutindo, com seu tutor e seus colegas de curso, a respeito de sua impressão sobre essa leitura. Garantimos que ela lhe será muito agradável e proveitosa! 6) O que você compreendeu sobre o aparecimento da Filosofia na Grécia? Como e por que a Filosofia, tal como a concebemos, surgiu na Grécia? Qual a influência do contexto da pólis grega nesse aparecimento? 7) Qual a diferença, na concepção de "História", para Heródoto e para Tucídides? 8) Reflita sobre o estatuto da mulher grega e da mulher na atualidade. 11. CONSIDERAÇÕES DA UNIDADE Nesta unidade, estudamos alguns aspectos da cultura dos gregos. Vimos como a arte grega possui vários períodos, cada um com uma característica própria. Estudamos detalhes da cerâmica, da escultura, da pintura, do teatro, da literatura e da arte grega em geral, bem como conhe- cemos a poetisa Safo e os tipos de representações mais comuns nas cerâmicas gregas (figuras geométricas, figuras negras e figuras vermelhas). © História Antiga I194 Além disso, tomamos contato com a concepção de História para os gregos, que difere da que temos na atualidade por esta estar ligada à verdade e ao testemunho visto e vivido (a memória). Viajamos rapidamente pela filosofia grega e conhecemos seus principais expoentes: Sócrates, Platão e Aristóteles. Tratamos da posição de subserviência da mulher entre os antigos gregos e vimos, ainda, que havia dois tipos de mulheres: as aristocratas, mulheres destinadas ao casamento, e as pobres, que possuíam um estatuto mais livre que o das aristocratas. 12. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o estudo do Caderno de Referência de Conteúdo Histó- ria Antiga I, pudemos desenvolver alguns conceitos básicos para o estudo da História em geral, tais como o de Pré-história, hegemo- nia, civilização etc. Tivemos a oportunidade de observar a união cultural, mas não política dos gregos, a prática dos aedos, parecidos com repen- tistas nordestinos, e a riqueza dos poemas homéricos. Percebemos, também, a força de Alexandre para unir seu im- pério, não apenas politicamente, mas culturalmente, e, com isso, tivemos a oportunidade de repensar nossa atualidade, com suas atitudes de repúdio ao diferente e, ao mesmo tempo, inserida na globalização. Além disso, conhecemos como os gregos tratavam as rela- ções homossexuais de forma diferente de como as tratamos nos dias atuais, repensando essa prática no mundo em meio à mudan- ça de valores e de padrões morais. Estudou, também, que os gregos praticavam magia e bus- cavam, com rituais específicos, descobrir o futuro e, talvez, se lembrou das propagandas das adivinhas profissionais nas revistas modernas. Claretiano - Centro Universitário 195© U6 - Aspectos Gerais da Cultura Grega Lemos, ainda, que os gregos tinham uma rica mitologia e pensamos, possivelmente, que, embora muito diferentes, nós também temos, hoje, nossos mitos e heróis. Sua prática como docente deve sublinhar aspectos dessa modernidade latente, utilizando comparações de atitudes, fatos e ocorrências, mostrando a seus futuros alunos que a Antiguida- de, embora receba esse nome, está mais próxima de nós do que imaginamos e que recebemos seu legado, o qual se modificou ao longo dos períodos históricos. Desejamos que todo o conhecimento construído neste es- tudo não apenas auxilie você como docente, mas que o desperte para perceber um mundo repleto de novos significados! Esperamos que você não pare por aqui, mas que continue seus estudos e faça deste Caderno de Referência de Conteúdo ape- nas o início de sua aprendizagem. Até mais. Forte abraço, Semíramis (nome grego pelo qual esse povo chamava uma lendária rainha da Mesopotâmia). 13. E REFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 – Capitel dórico. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/b/bd/Korintisk1.png>. Acesso em: 21 nov.2007. Figura 2 – Capitel jônico. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/2/22/Jonisk1.png>. Acesso em: 21 nov. 2007. Figura 3 – Capitel coríntio. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/4/43/Grecia_coluna.jpg>. Acesso em: 21 nov. 2007. Figura 4 – Parthenon de Atenas. Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/ commons/3/35/Ac.parthenon5.jpg>. Acesso em: 21 nov. 2007. Figura 5 – Ânfora ática de figuras geométricas (séc. 8º a.C.). Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Amphora_lion_700_BC_Staatliche_ Antikensammlungen.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2007. © História Antiga I196 Figura 6 – Ânfora ática de figuras vermelhas – amazona (mulher guerreira) no cavalo (séc. 5º a.C.). Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/4a/ Amazone_Staatliche_Antikensammlungen_2342_full.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2007. Figura 7 – Ânfora ática de figuras negras – os sátiros (figuras mitológicas) e Dionísio (séc. 6º a.C.). Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Image:Neck_amphora_ Dionysos_Louvre_F36bis.jpg>. Acesso em: 15 nov. 2007. Figura 8 – Modelo de um teatro grego. Disponível em: <http://www.historianet.com.br/ imagens/teatro_anfiteatro.jpg>. Acesso em: 24 set. 2008. Figura 9 - Prostituta representada em um vaso grego (séc. 5º a.C.). Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Griechen11.jpg>. Acesso em: 31 out. 2007. Sites pesquisados BUARQUE, C. Mulheres de Atenas. Disponível em: < http://letras.terra.com.br/chico- buarque/45150/>. Acesso em: 31 ago. 2011. SAFO. Poemas. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ ph000390.pdf>. Acesso em: 31 maio 2011. 14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Martin Claret, 2005. BELEBONI, R. Tragédia: o espelho da antiguidade grega. Ensaios de História, Franca, v.1., n. 2, 1996, p. 11-18. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2004. FINLEY, M. I. Os gregos antigos. Lisboa: Edições 70, 1984. FUNARI, P. P. A. Grécia e Roma. Vida pública e vida privada. Cultura, pensamento e mitologia. Amor e sexualidade. São Paulo: Contexto, 2004. GAGNEBIN, J.M. O início da história e as lágrimas de Tucídides. Margem, n. 1, mar. 1992. GRIMAL, P. O teatro antigo. Lisboa: Edições 70, 1978. HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica. Grega e latina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. KANE, S. Phaedra’s love. Londres: Consortium Book Sales & Dist., 2002. MAE-USP – MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Formas de humanidade. Mediterrâneo: Grécia e Roma (Guia temática para professores produzido pelo MAE). PAVIS, P. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. PIGNATARI, D. (Org.). 31 poetas, 214 poemas: do Rig-Veda e Safo a Apollinaire. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ROBERTSON, M. Uma breve história da arte grega. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. EA D Sociedade e Cultura no Império Romano 4 1. OBJETIVOS • Analisar os aspectos sociais e culturais do Império Romano. • Compreender a organização social na Roma Imperial. • Identificar e apresentar aspectos da vida privada, do casa- mento, da família e da educação dos romanos. • Estudar os papéis desempenhados pela mulher nessa so- ciedade e os aspectos gerais da arte romana. 2. CONTEÚDOS • Organização Social no Império Romano. • Família e casamento em Roma. • Aspectos da arte romana. • Funções femininas na sociedade romana. © História Antiga II106 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir: 1) É importante que você conheça os documentos escritos pelos próprios romanos, para tal, sugerimos a leitura da Obra Satyricon de Petrônio. Para enriquecer seus conhe- cimentos sobre a sociedade romana, assunto que abor- daremos no decorrer desta unidade, será interessante que assista ao filme homônimo à obra supracitada, pro- duzido pelo diretor Fellini. 2) Sugerimos, também, a leitura de: FLEMING, M. I. "Poder Polí- tico e Cultura Material: as vasilhas de metal romanas no con- texto imperial e nas áreas periféricas da Europa Central e do Norte" In: BENOIT, H. FUNARI, P. P. A. (Orgs.). Ética e Política no Mundo Antigo. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Chegamos à quarta unidade de estudos. Após perceber im- portantes aspectos da política e da economia do Império Romano, convidamos você a refletir sobre a sociedade romana, assim como sobre alguns aspectos da cultura dos romanos antigos. Além da estrutura social romana, um dos objetivos desta uni- dade é analisar questões cotidianas do mundo romano, como as di- versões na cidade de Roma e questões mais complexas, como o ca- samento romano e as funções femininas nessa sociedade patriarcal. Vamos fazer, juntos, uma viajem pela vida dos romanos, por meio de testemunhos da própria época estudados pelos historia- dores modernos. 5. ORGANIZAÇÃO SOCIAL Como os romanos se organizavam socialmente? 107 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano Pedro Paulo Funari (2004) informa-nos que, embora ocorres- sem muitas modificações na civilização romana, em tantos séculos de história, uma característica básica permaneceu na classificação social das pessoas: a questão da cidadania, ou seja, as pessoas eram classificadas essencialmente como cidadãos e não cidadãos. Os cidadãos romanos tinham direitos que não estavam dis- poníveis para os não cidadãos, como ser eleito para exercer uma magistratura. O direito à cidadania foi, durante muito tempo, man- tido com certos cuidados, mas, aos poucos, ele foi atribuído às po- pulações ricas do Império. Em 212 d.C., o Imperador Caracala estendeu o direito de ci- dadania a toda população livre do Império Romano. Essa medida tinha um caráter puramente econômico, pois o Imperador que- ria, com isso, aumentar a arrecadação de impostos pagos pelos cidadãos. A medida teve, ainda, um caráter de coesão do Império, unindo os provinciais aos romanos de Roma ainda mais. Assim, a classificação das camadas sociais no Império Ro- mano tinha como base o nascimento e também a propriedade. O princípio da hereditariedade era aplicado para determinar a qual camada pertencia uma pessoa e, por sua vez, ainda existiam casos em que o Imperador Romano conferia o grau de senador ou ca- valeiro como favor especial, título que era adquirido unicamente como direito hereditário (MOKTAR, 1983). Dessa maneira, um escravo podia receber a alforria e tornar- -se um liberto (como eram chamados esses escravos livres), podia até chegar a se enriquecer, mas sempre carregaria com ele a má- cula de um ex-escravo, que mesmo se tornando um liberto não poderia se tornar cidadão; curiosamente, seu filho (chamados de ingenui) poderia. Mesmo se tornando um liberto enriquecido, se ele mantivesse contato com as elites, poderia ter certa ascensão, ainda assim não seria considerado cidadão. Um liberto enrique- cido poderia patrocinar obras públicas e ganhar notoriedade na sociedade, mas desde que tivesse por trás de si boas relações com a elite de nascimento e de posses econômicas. © História Antiga II108 Trimalcião e a obra Satyricon ––––––––––––––––––––––––––– Um dos casos mais interessantes para se conhecer mecanismos básicos da so- ciedade romana e suas peculiares possibilidades de mobilidade social é o de Trimalcião, personagem literária da obra Satyricon, do escritor Petrônio (27 – 66 d.C.). Nessa obra, há uma passagem em que é descrita a biografi a de Trimalcião, um escravo liberto que fornece um banquete para vários outros libertos e para quatro cidadãos romanos; essa cena em questão, a do banquete de Trimalcião, tornou- -se muito conhecida. A passagem é uma sátira exagerada aos costumes da época, como toda a obra, que, mesmo assim, nos transmite importantes informações sobre a realidade social dos romanos. Trimalcião nasceu escravo, mas com a ajuda de seu senhor enriqueceu, sen- do agraciado em testamento e herdando uma fortuna de valores senatoriais, ou seja, uma fortuna de senadores. Com a fortuna, Trimalcião construiu navios e começou a trabalhar e, embora os barcos naufragassem, ainda assim ele conse- guiu preservar sua fortuna. Trimalcião nos demonstra as formas de ascensão mesmo de ex-escravos, pois ele acaba inserindo-se no mesmo grupo social de um homem rico, tendo a condi- ção de um aristocrata, mas sem contar com a possibilidade de ser eleito. Trimal- cião ainda tem pretensões de ser um homem erudito e se mostra sempre inte- ressado em obter conhecimento, fato que não era muito comum entre os libertos enriquecidos. Na cena mencionada, os cidadãos que fazem parte do banquete riem dos costumes dos libertos enriquecidos, colocando-os como patéticos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Diante dessas considerações, preferimos utilizar o termo ca- madas sociais ou ordens sociais para definir a sociedade do mundo romano. Acreditamos que um termo como classes sociais estaria mais ligado a definições modernas de mobilidade social. Os termos estamentos ou estados já se ligam a sociedades sem mobilidade social, e a sociedade romana apresenta enormes peculiaridades. Há autores que classificam a sociedade romana em ordens. As ordens seriam agrupamentos de pessoas definidos não somente pela sua riqueza, mas pelo reconhecimento social advindo, principalmente, do nascimento. Foi o Imperador Augusto que dividiu a sociedade romana em ordens, conforme a riqueza de cada um. A mais elevada das or- dens era a Senatorial, como vimos, que possuía uma riqueza de 1 milhão de sestércios. A equestre possuía 400 mil sestércios. Abai- xo dessas ordens vinham libertos, clientes e escravos. Assim, uma 109 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano pessoa podia enriquecer-se, mas não entraria em outra ordem propriamente dita, mesmo que por meio de suas relações pudesse frequentar os mesmos meios sociais que os de pessoas de ordens superiores à dela. Havia três importantes ordens no mundo romano: plebeia, equestre e senatorial. Os plebeus eram cidadãos romanos, porémempobrecidos. Os equestres eram a elite com posses suficientes somente para serem cavaleiros do exército e, algumas vezes, comerciantes, não se ocupando diretamente da política, mas mantendo contato com os nobres. Já os senadores eram pessoas de posses elevadas, cujos homens participavam do Senado e não praticavam o comércio, algo que não lhes oferecia nenhum status social. Além dessas ordens, havia ainda a ordem dos agricultores, cobradores de impostos (conhecidos como publicanos), pastores e os desvalorizados escravos. Nas províncias do Império Romano, havia a ordem dos de- curiões (ordo decorionum), uma ordem senatorial em nível local. Havia, ainda, no Império Romano, uma distribuição de títulos entre as ordens. Aos membros da família imperial eram distribuí- dos títulos de nobilissimi; à ordem senatorial, títulos de illustres, clarissimi e spectabiles; aos membros da ordem equestre, os de perfectissimi e egregii. Existiam, também, os chamados humilio- res, que eram as pessoas pobres e os escravos (FERREIRA, 1993). Como na atualidade, as roupas usadas pelos romanos distin- guiam as camadas sociais. A roupa dos pobres era bem simples, às vezes, rasgada, e eles andavam até descalços. Somente os ricos podiam seguir a moda e usar roupas luxuosas. As matronas eram preparadas por várias empregadas, ou escravas, antes de saírem; elas também tingiam o cabelo, e a cor aloirada era muito popular. As mulheres se arrumavam em casa, enquanto os homens, em sa- lões masculinos. Os cidadãos romanos podiam usar a toga, uma © História Antiga II110 enorme manta que cobre a partir dos ombros. As mulheres ricas usavam túnicas; as casadas gostavam de vestidos longos (FUNARI, 1993). Os escravos eram distinguidos dos homens livres pelas rou- pas que vestiam. Os escravos acostumados a fugir eram obriga- dos a usar uma coleira de bronze com o nome de seu proprietário, naturalmente, para serem encontrados mais facilmente; alguns ainda recebiam uma marca no rosto feita com ferro em brasa. A cabeça raspada também foi usada por um tempo para se distinguir um escravo de uma pessoa livre (FERREIRA, 1993). Devemos destacar que as elites no Império Romano (as de Roma e de suas províncias) tinham uma certa união: elas compac- tuavam tanto politicamente quanto culturalmente. Um exemplo desse pacto cultural era a ideia das elites provinciais adquirirem valores e buscarem usar certos padrões culturais das elites roma- nas, criando uma espécie de identidade comum. No interessante texto Poder Político e Cultura Material: as vasilhas de metal romanas no contexto imperial e nas áreas perifé- ricas da Europa Central e do Norte (2001), a arqueóloga Maria Isa- bel D'Agostinho Fleming (USP) trabalha com a ideia de que certo tipo de vasilha de metal, usada para servir vinho entre as elites do Império, carregava significados iconográficos e integrava a camada dominante de Roma com a camada dominante das periferias do Império. Em geral, ter boas relações no Império era algo de grande va- lor. Mesmo enriquecido, a pessoa precisava adentrar nas relações de amicitia no mundo romano imperial se quisesse receber algum reconhecimento na sociedade. De uma maneira geral, a amicitia designa relações favoráveis de camaradagem, parentesco e de- pendência entre indivíduos e grupos políticos, usada para definir os laços pessoais entre os cidadãos romanos (VENTURINI, 2006). A inserção em círculos de amicitia e em relações familiares era um mecanismo primordial da sociedade romana. 111 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano Diante de todas as considerações que você acabou de ler, você deve ter percebido que era muito complicado pensar a so- ciedade romana como uma pirâmide social estruturada, com ricos em cima e pobres embaixo, como comumente os professores en- sinam nas salas de aula. Nesse sentido, o historiador Géza Alföldy (1989) propõe que a pirâmide social de Roma seja uma pirâmide não fechada, mas que as ordens se intercomuniquem, ou seja, que embora uma pessoa seja rica financeiramente ela não pode estar no topo da pirâmide social se não tiver relações de poder na sociedade. As relações de poder são importantes. Não ter boas relações com a elite, significa não conseguir almejar o topo da pirâmide. Dessa maneira, inserir-se socialmente na elite é uma conquista. Há ainda autores que não propõem o modelo piramidal para a sociedade romana imperial, mas o modelo de um móbile, em que o topo do móbile é o Imperador, enquanto as pessoas estariam colocadas nesse móbile social conforme relações de proximidade ou de dis- tanciamento do imperador. O historiador Moses Finley, na sua obra A Política no Mundo Antigo (1995), chegou a defender que durante o Principado Roma- no não houve política, pois o poder estava personalizado na figura do Imperador, que estabelecia redes de amicitia e clientelismo em toda sociedade romana e que, dessa forma, tudo estaria direta- mente ligado ao poder imperial. Essa ideia é ainda muito discutida por outros historiadores, aceitando-a ou refutando-a. Portanto, como percebemos, a sociedade romana não apre- sentou uma estrutura social muito definida, com seus fatores va- riáveis de classificação dos indivíduos. 6. CASAMENTO, FAMÍLIA E EDUCAÇÃO O casamento romano era um ato privado, não estabele- cido diante de um juiz, mas apenas um contrato de dote, sem © História Antiga II112 obrigação de nenhum tipo de ritual simbólico, embora houves- se grandes festas públicas nos casamentos dos aristocratas. O ato era selado com um contrato de matrimônio e um aperto de mãos dos noivos, e eles não se beijavam nesta ocasião, pois não era uma união baseada no amor dos noivos (FUNARI, 2004). Era comum que, na véspera do casamento, os noivos, ainda crianças, pedissem seus brinquedos aos deuses familiares que ha- viam abençoado sua infância. A casa era decorada com flores, enquanto estátuas com bustos de ancestrais eram trazidas para a ocasião especial. Rituais especiais eram feitos a fim de saber se a união era favorável, bus- cando saber também qual o dia mais propício para o casamento. Os romanos acreditavam muito em presságios. No dia da cerimônia, havia uma troca de promessas e um sacrifício em honra aos deuses (FUNARI, 2004). Não obstante, esse ato configurava-se como algo de extrema importância na vida dos romanos, principalmente dos homens públicos, que deveriam ofe- recer a toda sociedade aspectos de uma vida sólida (ROULAND, 1997). Era um dever de todo cidadão casar e perpetuar o corpo cívico. Assim, A função primeira do casamento romano era a descendência. Em latim, o casamento chama-se justum matrimonium ou justae nup- tiae.. Da palavra matrimonium deriva a palavra mater, mãe, defi- nindo o casamento como relacionado à fecundidade (ROULAND, 1997, p. 272). O casamento romano acontecia com ou sem o consentimen- to da mulher, que, geralmente, se casava ao completar 12 anos, ou mesmo antes (há registro de casamentos de garotas de até dez anos), porém, neste caso, ficava até os 12 anos proibida de manter relações sexuais. O amor não era uma condição para o casamento e sim uma consequência, algo que poderia vir ou não a acontecer ao longo dos anos de convivência. 113 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano Portanto, era o pai ou tutor que estabelecia se a filha se ca- saria ou não, e com quem ela se casaria. Era uma política comum predestinar suas filhas desde crianças, uma vez que a mulher sol- teira com mais de 18 anos não era bem vista na sociedade. O casamento (justum matrimonium) era uma prática legal e religiosa pela qual a mulher era transferida do poder (potestas) do pai para o do marido; isso poderia ocorrer de duas formas prees- tabelecidas: cum manus (com a mão), quando seu patrimônio era passado para o pater potestas da família de seu marido, ou sine manus (sem a mão), quando seus bens continuavam sob o poder de sua família.Essa segunda forma de casamento, sem transferência de bens, parece ter sido estabelecida após a Lex Canuleia, como for- ma de não permitir a transferência de bens de uma família patrícia para uma plebeia. O dinheiro, as alianças entre famílias e as promessas de he- rança desempenharam um papel fundamental na conjugação dos casamentos das famílias abastadas de Roma, implicando casa- mentos frágeis e envolvidos em complexas intrigas. Não apenas em Roma, mas também nas províncias, os dramas do casamento estavam envolvidos com a política, uma vez que era antigo o costu- me de fazer desses laços formas de consolidação de alianças entre famílias envolvidas na política das cidades do Império. Não só os casamentos dos ricos eram alianças, mas também os dos humildes, porém, este segundo grupo não casava por alian- ças políticas e sim para ajuda mútua no trabalho. A organização da família romana era semelhante à dos gre- gos; por sua vez, a ideia de família se diferenciava da nossa con- cepção moderna. Para os romanos, tudo o que estava sob o poder do pater- familias era parte da família, desde escravos, animais, até coisas, como a casa e as mobílias, além dos clientes que, como vimos, © História Antiga II114 eram pessoas que se ligavam às casas dos aristocratas romanos e, de certa forma, faziam parte daquela casa (FUNARI, 2004). E a educação dos jovens romanos, como era? As crianças pobres desde muito pequenas ajudavam os pais no trabalho. A educação familiar tinha como base ensinar as crianças a respeitarem seus ancestrais, tradições e costumes (mos maiorum). Os meninos ricos estudavam a oratória (para falarem bem e exercerem as atividades políticas que lhes caberiam no futuro). Alguns dos mais humildes aprendiam, basicamente, a escrever e a contar. Era comum que os jovens aristocratas aprendessem bem latim e grego, mesmo os das províncias. Os jovens de posses também estudavam arduamente a re- tórica e recebiam treinamento militar, resultando dessa educação militar muitos militares competentes que trabalharam na expan- são e na defesa das fronteiras imperiais. Mas não apenas de estudos viviam os romanos, havia tam- bém diversões em Roma e nas províncias. Como eram? 7. DIVERSÕES ROMANAS Segundo Funari (1993), as cidades eram o ambiente natu- ral da vida em sociedade tanto para os romanos da própria Roma quanto para os das províncias. Era na cidade que se encontravam os modelos culturais a serem seguidos; era na cidade que aconte- ciam os espetáculos. Os romanos ricos patrocinavam muitas reuniões sociais em suas casas, tanto em Roma como nas províncias. As refeições eram servidas em banquetes que duravam horas, com apresentações de músicas e danças. Além disso, era um costume as visitas matinais entre a elite. Passeava-se pelos jardins das casas particulares, passeava-se pela Vila Ápia e, também, fora das muralhas da cidade de Roma, onde 115 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano os ricos romanos andavam com seus cavalos ou liteiras luxuosas carregadas por escravos. Assim, a vida dos ricos romanos era muito intensa, com com- promissos políticos, passeios, jogos, espetáculos e viagens. Uma das diversões preferidas dos romanos ricos eram os banhos. As casas mais luxuosas tinham banheiros com água aquecida a lenha. Havia, ainda, os banhos públicos. Os mais luxuosos eram co- nhecidos como termas. As mais antigas termas romanas de que há conhecimento datam do século 5º a.C. em Delos e Olímpia; porém, as mais conhecidas são as Termas de Caracala, construídas entre 212 e 217, durante o governo do Imperador romano Caracala e famosas pela riqueza de sua decoração. Contudo, a mais famosa diversão dos romanos foi, sem dú- vida, as disputas de gladiadores. Os gladiadores recebiam esse nome devido ao nome da espada que usavam, o gládio. Mas ainda havia as corridas de bigas, os jogos de dados, o teatro e outras atividades. Os jogos de gladiadores tiveram origem religiosa, baseada no costume dos antigos etruscos de sacrificar prisioneiros de guer- ra para os deuses. Assim, os etruscos colocavam os prisioneiros e inimigos para lutar até a morte como uma espécie de sacrifício. Porém, esse jogo acabou incorporado na cultura romana de forma tão forte que passou a ser praticado nas arenas, adquirindo a conotação de uma grande diversão popular. Não só em Roma, mas também nas províncias, havia grandes are- nas para esses jogos que atraíam um público muito grande, que podia se manifestar favoravelmente ou não sobre a morte dos gladiadores. Havia torcidas organizadas e a presença de barracas de ven- dedores em volta dos anfiteatros. Funari (1993) afirma que os tor- cedores rabiscavam paredes do anfiteatro com o nome de seus ídolos, assinalando o número de vitórias que acumulavam. © História Antiga II116 No Império Romano, a pessoa do gladiador podia ser degradada – embora muitos gladiadores conquistassem fama e riquezas e se aposentassem com um belo pecúlio. A figura do gladiador, por ou- tro lado, era um belo espelho de realização humana, um modelo para filósofos e religiosos (GUARNELLO, 2011). Um breve exemplo do fascínio que tais jogos causavam aos romanos segue no discurso de Santo Agostinho, disposto a seguir. Nele, Agostinho trata da descrição sobre seu amigo Alípio, atraí- do involuntariamente às disputas entre gladiadores em meados do século 4° d.C.: Confi ssões –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Não desejando de modo algum abandonar a vida deste mundo a que o esti- mulavam seus pais, tinha me precedido em Roma para estudar Direito e lá foi vítima, em condições inacreditáveis, de uma paixão igualmente inacreditável pe- los espetáculos de gladiadores. No início odiava esses espetáculos. Mas alguns amigos, companheiros de estudo, que voltavam de um jantar, encontraram-no por acaso na rua. Tentou resistir energicamente, mas seus amigos o impeliram com uma violência amistosa e o levaram ao anfi teatro, onde nesse dia, ocorriam esses jogos cruéis e funestos. Ele lhes dizia: "meu corpo, vocês podem arrastar e instalá-lo nas arquibancadas, mas poderão fi xar meus olhos e meu espírito, pela força, nesses espetáculos? Estarei como que ausente e triunfarei sobre vocês e sobre eles". Essas palavras não impediram seus amigos de levá-lo. Queriam ver se conseguiria fazer o que dizia. Chegaram, sentaram-se como puderam, todo o anfi teatro ardia com as mais selvagens paixões. Alípio, fechando seus olhos, proibiu seu espírito de participar dessas atrocidades. Pena que não tenha tam- bém abafado seus ouvidos. Pois aturdido pelo grito tonitruante de toda a multidão após a queda de um dos gladiadores, foi vencido pela curiosidade e, como se estivesse preparado para suportar e desprezar o que fosse que estivesse acon- tecendo, abriu seus olhos e recebeu em sua alma uma ferida mais severa do que o gladiador recebera em seu corpo, e caiu mais miseravelmente que o homem cuja queda suscitara o grito. Pois quando viu o sangue, imediatamente sorveu a selvageria e não virou o rosto, mas fi xou-se na imagem que via e absorveu a lou- cura e perdeu seu senso crítico e deleitou-se com a luta criminosa e embebedou- -se num funesto prazer. Não era mais o homem que tinha ido ao espetáculo, mas um membro da multidão, um verdadeiro companheiro daqueles que o haviam trazido. Em suma, acompanhou o espetáculo, gritou, ferveu de emoção e saiu de tal modo insano que estava pronto, não apenas para acompanhar de novo os que o haviam trazido, mas para convencer outros a ir (Agostinho, VI,8. apud Guarinello, 2011). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A causa da popularidade imensa desses jogos pode ser encon- trada na manutenção da ordem que eles representavam, uma vez que o Estado e os políticos os patrocinavam (FUNARI, 1993). Outra 117 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano explicação para tal fato pode ser encontrada na própria paixãopelas lutas, imbricada na cultura e na mentalidade dos romanos. Em um interessante estudo sobre a violência romana, dando especial atenção para os jogos de gladiadores, Norberto Guarinel- lo (2007) analisa a questão da violência na Roma antiga, desarti- culando ideias preconcebidas e juízos de valores que permeiam a historiografia sobre o tema. O autor ainda busca estabelecer para- lelos com a violência contemporânea a partir do princípio de que a violência não é um conceito preciso, ou seja, a ideia de violência e do que é violento variam conforme o período em que ocorre o fenômeno considerado violento. Assim, antes de nos assustarmos com os jogos de gladiadores romanos e toda a violência que eles e outros fenômenos dessa cultura podem nos parecer terem, de- vemos observar o que era violento para a cultura em questão e também analisar aspectos da violência dentro dos nossos próprios padrões culturais. 8. FUNÇÕES FEMININAS A mulher está colocada nas fontes jurídicas romanas como um ser fraco, inferior e incapaz de representar alguém além dela mesma. Nessa perspectiva, a mulher romana deveria sempre estar sob uma tutela masculina: do pai (pater potesta) ou de algum tu- tor quando solteira, ou do marido (potesta maritales) quando ca- sada. Estes agiam como seus protetores em diversos âmbitos da vida pública. Segundo Yan Thomas (1990, p. 129), "o direito ro- mano fez, portanto, da divisão dos sexos uma questão jurídica", tratando-a "não como um pressuposto moral, mas como uma nor- ma obrigatória". De maneira geral, o Direito Romano em toda sua evolução e diversidade colocava a mulher como uma pessoa inferior natural- mente, de uma fraqueza biológica que lhe impedia de desenvolver © História Antiga II118 atividades intelectuais ou qualquer coisa que extravasasse o âm- bito do privado. Elas eram consideradas incapazes de ter poder sobre uma outra pessoa, de adotar um filho, de gerir sua tutela e mesmo de representar uma divindade. A função principal da mulher romana, assim como da grega e da egípcia, era a de garantir a reprodução da espécie e o bom ordenamento da vida doméstica; elas tinham, dessa forma, o des- tino estabelecido pela condição de ser mãe. Como temos estudado, a condição da mulher antiga es- teve ligada à sua condição biológica, ou seja, ao fato de poder ser mãe. Atualmente, após verdadeiras lutas, temos percebido que as mulheres conseguiram ocupar o mesmo espaço que os homens, tanto no mercado de trabalho, como na própria casa, pois muitas fazem as funções que outrora eram essencialmente masculinas, como manter financeiramente a casa. Quais as van- tagens e as desvantagens da nova condição da mulher moderna? Como você percebe esses novos papeis desempenhados pela mulher na atualidade? As mulheres, em geral, tinham mais de três filhos, arriscando- -se à morte devido a esse número e às péssimas condições dos par- tos. As mulheres das camadas mais favorecidas eram educadas para a contenção sexual, a fim de privar-se dos riscos dos partos. Os romanos não tinham o costume de limitar o número de filhos, assim, as esposas romanas também aceitavam que seus maridos possuíssem amantes, concubinas ou escravas, como uma forma de evitarem a gravidez. Como nos informa o biógrafo Suêtonio (apud DUBY; PERROT, 1990), era Lívia, terceira esposa do Imperador Augusto, quem es- colhia as moças com quem seu marido manteria relações sexuais. As romanas também usavam de métodos contraceptivos como o coito interrompido, lavar-se ou levantar-se rapidamente depois do ato sexual e receitas com plantas e ervas. 119 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano Em relação aos homens, os médicos aconselhavam não ha- ver contenções sexuais, por isso havia tanta procura de amantes (DUBY; PERROT, 1990). Segundo Aline Rousselle (1990, p. 366): O aborto no Mundo Antigo pode ser conhecido por meio de fon- tes literárias, tratados médicos e textos jurídicos que condenavam seus praticantes, tanto a mulher que abortava como a pessoa que o administrava. Como era comum entre os romanos não haver distinção en- tre veneno e filtros mágicos, a ingestão de poções abortivas era tida como um crime de magia maléfica; essas poções eram com- paradas a venenos. Mas é preciso distinguir no mundo romano dois tipos de mu- lheres: as matronas, mulheres casadas ou bem nascidas, prepa- radas para receberem um dia um marido, e as libertas, escravas, concubinas, prostitutas, dançarinas, mulheres que, independente- mente de exercerem profissões diferentes, pertenciam a estatutos sociais diferentes. Muitas vezes, por assumirem uma moral dife- rente, eram consideradas marginais, recebendo direitos diferentes dos das matronas. As matronas, materfamilias, eram as mulheres livres, consi- deradas de boa família, casadas ou preparadas para o casamento. A elas cabia a responsabilidade do casamento e, por isso, eram respeitadas e honradas. A maioria das fontes latinas, quando dão alguma informação sobre mulheres, se remetem a essas romanas honradas. A designação jurídica de uma mãe de família, assim como a de um pai de família (paterfamilias), dependia do casamento, não sendo aplicada necessariamente apenas ao nascer dos filhos; des- sa forma, com o ato do casamento, uma mulher era considerada uma materfamilias e o homem um paterfamilias. A matrona era protegida pelas leis e decretos do Senado. De- las eram exigidos, não apenas o recato, mas o cuidado com a casa © História Antiga II120 e a educação dos filhos até os sete anos de idade e, também, a obrigação de cobrir o rosto ao sair à rua. O segundo tipo de mulheres incluía mulheres de níveis so- ciais mais baixos, que, em geral, eram escravas e libertas, as cha- madas libertinas. Essas mulheres eram consideradas simplesmen- te "coisas" e estavam entregues a variadas funções incompatíveis ao universo da matrona romana, que possuía uma vida restrita ao lar e à subserviência do marido. As mulheres livres aprendiam a dançar, a tocar cítara e flauta e não eram mal vistas quando exerciam essas funções, que faziam parte de sua própria condição de mulheres da segunda classe, ao contrário da matrona, que jamais poderia sair do âmbito privado. Elas serviam, ainda, de "válvula de escape" para os problemas fa- miliares, pois era com elas que os homens vinham se divertir, res- guardando suas esposas. Clódia, mulher de Quinto Cúrcio Metelo, escandalizou os costumes conservadores romanos ao sair beijando seus amigos em público: "ela era uma apaixonada paladina pelos direitos femi- ninos", havendo poetas como Catulo que a censuravam (DURANT, 1971). Casos como esse parecem ter escandalizado a sociedade romana. Mas não era apenas para conter os prazeres masculinos que viviam essas mulheres. Muitas eram parteiras, comerciantes, cos- tureiras, lavadeiras etc. Vivendo em pequenos apartamentos nas cidades, em casas pobres no campo ou nos bairros afastados, elas, muitas vezes, se dedicavam a serviços pesados. Muitas dessas mulheres trabalha- vam nas casas da aristocracia, como as escravas, as artesãs e as libertas empregadas. As cortesãs, prostitutas de alto luxo, mesmo acumulando ri- quezas, continuavam fazendo parte desse grupo de mulheres mar- ginais, pois tinham perdido sua honra ao dedicar-se à prostituição. 121 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano As prostitutas (meretrizes), pobres ou ricas como as corte- sãs, eram, em geral, escravas, libertas, crianças abandonadas ou mulheres livres muito pobres. As concubinas eram mulheres de diversas posições sociais que mantinham relações, geralmente extraconjugais, com um mesmo romano e que não se casavam por diversos motivos. Ti- nham as mesmas funções de uma esposa romana, devendo cum- plicidade e fidelidade e o direito de separação, caso não fosse uma escrava. A idade mínima para as uniões dessas mulheres também era de 12 anos e deveriam, assim como as matronas, sair de cabe- çacoberta à rua. Muitas vezes, essas mulheres chegavam a se casar, alcançan- do um nível de matrona, porém continuavam sendo consideradas inferiores. O casamento dessas mulheres, diferentemente dos das matronas, não visava garantir a reprodução do corpo social de cidadãos legítimos, não necessitando seguir os rigores jurídicos, uma vez que não se incluíam questões de propriedade nem alian- ças políticas. Em relação às práticas religiosas em Roma, John Scheid (1990) nos informa que, tanto no espaço público quanto no pri- vado, os dois âmbitos nos quais se desenrolavam os ritos religio- sos dos romanos, a mulher era afastada para um segundo plano. Considerada pelo Direito Romano como incapaz de representar al- guém além dela mesma, como vimos, ela estava proibida de repre- sentar uma divindade. Apesar dessa característica de marginaliza- ção, a mulher servia de complemento indispensável ao homem, no plano religioso. As partes mais importantes dos cultos, como a matança de animais para o sacrifício, o corte, a partilha da vítima, eram tarefas exclusivamente masculinas. No âmbito público, todas as responsabilidades sacerdotais eram incumbências masculinas, e mesmo as deusas femininas ti- nham um homem como representante. As mulheres apareciam © História Antiga II122 nesses casos apenas quando eram esposas de um sacerdote, os chamados flâmines; assim, caracterizavam-se como flamínicas, porém elas estavam sempre sob o jugo de seu marido, que lhes delegava funções. Exceções de participações femininas no campo religioso po- dem ser vistas no caso da esposa do rei dos ritos sagrados (rex sa- crorum) e das Virgens Vestais. A regina sacrorum era a esposa do sacerdote de Juno, podendo praticar sacrifícios, mas sua atividade estava intimamente relacionada com a do marido, assim como a do seu marido estava relacionada com a dela. Para assumir esse cargo sacerdotal era preciso estar casado, e se a esposa morresse ele perdia sua ocupação como tal. As Vestais eram as sacerdotisas da Deusa Vesta. Devemos ter em mente o estatuto sexual ambíguo que os romanos atribuíam a elas. Assim, a mulher depois de escolhida como uma Vestal era vista como de uma natureza intermediária, podendo dispor nor- malmente de seus bens. Não eram nem libertinas e nem matro- nas, não podendo ter filhos e mantendo a castidade até os 30 anos, quando completava seu exercício sacerdotal, mas também não eram homens, uma vez que celebravam ritos matronais. Des- sa maneira, notamos a ambiguidade do seu caráter, em que elas ficavam relegadas a uma categoria diferente dentro do imaginário dos romanos. Em relação à política, as mulheres não podiam exercer papeis administrativos, porém muitas delas apareceram e se destacaram devido ao marido e aos filhos nas tomadas de decisões, como no caso de Agripina, a mãe de Nero e de Julia Domna, a esposa de Septímio Severo. Portanto, como podemos ver, as mulheres romanas sempre estiveram subjugadas ao poder e às funções masculinas; embora muitas tenham sido respeitadas, sempre apareciam nos bastido- res do mundo romano. 123 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano 9. ARTES Para alguns historiadores, o final da arte romana e, por con- seguinte, o início da arte medieval coincidem com a conversão do Imperador Constantino ao cristianismo e com a mudança da capi- tal do Império de Roma para Constantinopla, no ano 330. No en- tanto, tanto o estilo romano como sua temática pagã continuaram representados durante séculos, reproduzidos frequentemente em imagens cristãs. Tradicionalmente, a arte romana é dividida em dois períodos: a) A arte da Roma republicana. b) A arte da Roma Imperial (do ano 27 a.C. em diante), com subdivisões correspondentes aos imperadores mais importantes ou às diferentes dinastias. Na época da República, o termo "romano" estava pratica- mente restrito à arte realizada na cidade de Roma, que conservava fortes características etruscas. Pouco a pouco, a arte libertou-se de sua herança etrusca, graças à expansão territorial e pelo fato de os romanos terem assi- milado outras culturas, como a grega. É muito comum lermos nos livros didáticos que a arte ro- mana tem pouca originalidade, não passando de uma cópia da arte grega. Contudo, devemos analisar que, embora baseada em modelos gregos, principalmente nas artes plásticas, a arte romana teve sim sua originalidade, uma vez que adaptou esses modelos a suas necessidades e a seu cotidiano, diferentes das necessidades e do cotidiano grego. 10. LITERATURA A produção literária dos primeiros cinco séculos da história romana é pequena, nos legando apenas textos legislativos, elogios fúnebres e poemas satíricos em sua maioria. Após as conquistas e © História Antiga II124 o contato de Roma com as culturas grega e oriental aumentam as produções. Alguns importantes nomes do período republicano são: Ênio (239-169 a.C.): poeta romano conhecido como "pai da poesia latina". Ele escreveu um longo poema intitulado Annales. Muitos de seus versos são conhecidos por citações da Eneida, de Virgílio. Catão (234-139 a.C.): não foi um poeta propriamente, mas um orador. Ficou conhecido como Catão, o censor, pela austeri- dade de seus princípios e pelo combate à helenização da cultura romana. Catulo (84-54 a.C.): pertencia a um grupo de poetas deno- minados poeta novus. Sua importância é fundamental para carac- terizarmos esse círculo, uma vez que é de Catulo a única obra que possuímos. Seu estilo é lírico e sofreu influências dos gregos Safo e Anacreonte. A época do governo do Imperador Augusto foi um período muito próspero no campo literário, num contexto conhecido como Idade de Ouro da Literatura Romana. Augusto incentivou muito esse campo artístico: como você estudou, muitos poetas eram fi- nanciados por ele, Augusto, que, inclusive, tinha um amigo, Mece- nas, que lhe servia como uma espécie de ministro das artes, pro- curando por novos talentos. No século 16, durante o período do Renascimento Cultural europeu, as pessoas que financiavam artistas renascentistas eram chamadas de Mecenas em lembrança a esse ministro das artes do Imperador Augusto. Da época de Augusto, destacam-se os seguintes nomes: Virgílio (70–19 a.C.): é considerado por muitos como um dos mais célebres poetas latinos. Como já estudamos no Tex- to Complementar da Unidade 1, é ele o autor da Eneida, obra 125 Claretiano - Centro Universitário © U4 - Sociedade e Cultura no Império Romano que narra as aventuras do herói troiano Enéias e o nascimento de Roma. Virgílio também compôs as Bucólicas ou Éclogas e as Geórgicas. Estes dois livros de poemas narram histórias ligadas ao campo, às tarefas campestres e à importância da agricultura. Ovídio (43–16 a.C.): ele não fez parte do círculo de poetas augustanos, como eram conhecidos esses poetas. A história de Ovídio, inclusive, é muito interessante, envolvendo até um exílio por motivos até hoje especulados. O tema frequente da poesia de Ovídio foi o amor. Suas principais obras foram A arte de amar e Metamorfoses (um compêndio literário sobre mitologia greco- -romana). Ovídio influenciou autores tão diversos como Dante e Shakespeare e exerceu grande influência na revitalização da poe- sia bucólica e mitológica do Renascimento. No ano 8° d.C., o poeta Ovídio foi mandado para o exílio em Tomos (atual cidade de Cons- tância na Romênia). Ele descreve as acusações que o levaram a esse resultado como "um poema e um erro", referindo-se ao poe- ma A Arte de amar, considerado demasiado imoral para padrões impostos por Augusto, pois Ovídio ria cinicamente da sociedade metropolitana refinada. O erro de que o poeta fala pode estar rela- cionado com o adultério da neta de Augusto. Conforme nos indica Grant (1987, p. 238), "o Imperador talvez suspeitasse que Ovídio sabia demais e não se calara sobre o que sabia". A maioria dos his- toriadores acredita que o envolvimento do poeta nos escândalos de Julia
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