Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA PRÓ-REITORIA DE ENSINO E GRADUAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS – ESO CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS Profa. MSc. Marília Brasil. Profa. MSc. Raylene Sena. MANAUS – 2013. acer Stamp SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 3 1 A CRISE DOS ANOS 1930. ................................................................................................................................ 5 2 PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES ............................................................................. 12 3 O PERÍODO PÓS-GUERRA (1945-1955). ...................................................................................................... 25 4 PLANO DE METAS DE JK. ............................................................................................................................ 42 5 DA CRISE AO MILAGRE (1960-1973). ......................................................................................................... 51 5.1 PAEG ............................................................................................................................................................ 54 5.2 RECUPERAÇÃO E “MILAGRE ECONÔMICO BRASILEIRO”. ............................................................ 63 6 SEGUNDO PND, CHOQUES DO PETRÓLEO, E ESTATIZAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA. .............. 70 7 A DÉCADA DE 1980: DÍVIDA EXTERNA, RECESSÃO, INFLAÇÃO E CRISE FISCAL. ................... 81 8 ESTRANGULAMENTO EXTERNO, ACELERAÇÃO DA INFLAÇÃO E DÍVIDA EXTERNA. .......... 96 9 TENTATIVAS DE CONTROLE DA INFLAÇÃO. ..................................................................................... 106 9.1 PLANO CRUZADO. ............................................................................................................................................ 109 9.2 PLANO BRESSER. ............................................................................................................................................. 111 9.3 PLANO ARROZ COM FEIJÃO. ................................................................................................................................ 112 9.4 PLANO COLLOR. .............................................................................................................................................. 114 10 A FASE ITAMAR FRANCO. ....................................................................................................................... 123 11 PLANO REAL. ............................................................................................................................................... 129 12 O PERÍODO PÓS-1990 ................................................................................................................................. 137 13 GOVERNOS FHC .......................................................................................................................................... 141 14 GOVERNOS LULA: RUPTURA OU CONTINUIDADE ......................................................................... 159 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................. 185 3 INTRODUÇÃO A presente apostila destina-se aos aluno(a)s da disciplina Economia Brasileira do curso de Ciências Econômicas no sistema presencial mediado da Universidade do Estado do Amazonas. Esta modesta obra traz uma visão geral, acessível e dinâmica do processo econômico brasileiro sob a ótica dos problemas de hoje. Cabe esclarecer, antes de encerrar os debates acerca da interpretação da economia brasileira, este material de apoio é apenas um ponto de partida. Assim, não há a pretensão de esgotar a temática, pois para tanto seria necessário escrever um tratado de Economia Brasileira, e creio que nem assim estaria completo, tamanha a complexidade que se exige. Tem-se por objetivo capacitar o estudante a entender e a interpretar a situação atual da economia brasileira. São discutidos os aspectos centrais da história recente da economia brasileira, focalizadas as principais controvérsias suscitadas por sua evolução. A disciplina Economia Brasileira, possui carga horária de 60 h, totalizando quatro créditos e tem por ementa: As características estruturais da economia brasileira no pós-guerra, e o processo de industrialização. Crescimento com endividamento externo: o ajuste estrutural dos anos 70 e a evolução do processo de endividamento externo. As políticas macroeconômicas e a renegociação da divida externa na década de 80. O Cruzado e os planos de combate a inflação inercial na segunda metade da década de 80. As políticas de estabilidade monetária, privatização e abertura no início da década de 90: o plano Collor. A experiência do Real: a estabilidade monetária no contexto da privatização e da abertura da economia brasileira, no primeiro Governo FHC. Desequilíbrio externo e ausência de crescimento: a política macroeconômica no segundo governo FHC. Políticas Sociais e continuidade das políticas macroeconômicas no governo Lula. A economia brasileira no inicio do século 21: estabilidade monetária, crescimento econômico e inserção internacional. Para fins didáticos, o curso esta estruturado da seguinte forma: UNIDADE I A crise de 1930 e o avanço da industrialização via substituição de importações:características, mecanismos e dificuldades; Anos 50: Getúlio Vargas e o desafio da indústria pesada; Plano de Metas de Juscelino Kubitschek: planejamento estatal e consolidação do processo de substituição de importações; O PAEG e as reformas da ditadura militar. A crise do milagre econômico e a economia dos anos 70: os choques externos, as causas; O choque do petróleo; A estatização da dívida externa; Crescimento com endividamento: Custos e benefícios – “Milagre Econômico Brasileiro”; O II PND. acer Stamp 4 UNIDADE II A década de 80: dívida externa, recessão, inflação e crise do setor público; A crise do início da década; Estrangulamento externo e aceleração da inflação; O Ajuste recessivo; As dívidas externa e interna; Tentativas de controle da inflação: O Plano Cruzado, O Plano Bresser e o Plano Verão; O período Collor: tentativas de estabilização e reformas; A fase Itamar: indecisões; Plano Real: ajuste fiscal, URV, reforma monetária, âncora cambial. UNIDADE III O período pós 1990: A crise cambial e a desvalorização do real; O governo FHC; O governo Lula. Sendo assim, as professoras desejam a todos que aproveitem a leitura! acer Stamp 5 1 A CRISE DOS ANOS 1930. A Grande Depressão A Depressão da década de 1930 causou um impacto fortemente negativo sobre as exportações brasileiras, cujo valor sofreu uma queda de US$ 445,9 milhões em 1929 para US$ 180,6 milhões em 1932. Em 1931, o preço do café atingiu um terço do preço médio que alcançara, entre 1925 e 1929, e as relações de troca do país haviam caído em 50%. Além da redução das receitas de exportação, a entrada do capital estrangeiro cessou quase que por completo em 1932. A queda nas exportações e a grande quantidade de divisas necessárias ao financiamento da dívida externa do país (que totalizava mais de US$ 1,3 bilhão em 1931), sem contar as remessas dos lucros de entidades privadas, obrigaram o governo a tomar algumas medidas drásticas. Em agosto de 1931, ele suspendeu parte dos pagamentos da dívida externa e iniciou negociações para chegar a um acordo sobre sua consolidação. O Brasil também foi o primeiro país da América Latina a introduzir o controle de câmbio e outros controles diretos que, combinados com a desvalorização da moeda, que aumentava o preço das importações, geraram uma queda no valor das importações de US$ 416,6 milhões em 1929, para US$ 108,1 milhões em 1932. Como no início da Depressão, o café era responsável por 71 % do total das exportações e estas, por sua vez, representavam cerca de 10% do PNB, a principal preocupação do governo residia em apoiar o setor cafeeiro. A forte queda da demanda mundial por café causada pela Depressão também coincidiu com uma grande produção desse produto, resultado do plantio realizado na década de 1920. Para proteger o setor e, dessa maneira, a economia, do impacto total da queda dos mercados e preços mundiais do café, o programa de apoio à atividade foi transferido dos estados (principalmente de São Paulo) para o governo federal. Tabela 1.1 Importação de maquinário – 1913/35 (a) Importações de maquinário têxtil (toneladas métricas) 1913 13.345 1921 6.295 1928 6.244 1915 2.194 1922 6.635 1929 4.647 1916 2.450 1923 8.838 1930 1.946 1917 2.002 1924 10.192 1933 2.051 1918 2.932 1925 17.859 1934 4.112 1919 2.753 1926 10.430 1935 3.875 1920 4.262 1927 6.744 6 (b) Importações de maquinário industrial (1.000 libras) Maquinário têxtil Outros 1918 314 760 1919 416 1189 1920 752 3587 1921 954 3137 1922 839 1443 1923 934 1537 1924 1128 2744 1925 1778 3433 1926 1050 3306 1927 740 2985 1928 755 3415 1929 562 4095 1930 283 2220 Fonte: Stein, Stanely. The Brazilian cotton manufacture. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1957, p. 124; VERSIANI, Flavio R. “Before the depression…”, trabalho para o workshop sobre os efeitos causados pela depressão de 1929 na América Latina, St. Anthony´s College, Oxford, 21-23 set./1981, p. 169; obtido por Versiani em vários exemplares do Comércio Exterior do Brasil. O Conselho Nacional do Café foi fundado em maio de 1931 e comprou todo o café, destruindo grandes quantidades que não podiam ser vendidas ou armazenadas. A proteção do governo ao setor cafeeiro também incluiu medidas para ajudar os endividados produtores rurais, especialmente no estado de São Paulo, através de seu pagamento criando, assim, moeda nova e permitindo ao devedor postergar seus pagamentos. Esse programa, conhecido como "reajustamento econômico", reduziu as dívidas dos fazendeiros em 50%. Tabela 1.2 Mudanças na estrutura de importações do Brasil, 1901-29 (percentagens anuais médias) Categoria de importação 1901-10 1911-20 1921-29 Mineração 6,2 8,8 5,5 Manufaturas 83,6 78,7 80,8 Produtos metalúrgicos 12,3 13,0 13,8 Maquinário 4,8 4,7 7,4 Equipamento elétrico 1,0 1,8 3,0 Equipamento de transportes 2,6 4,0 8,0 Químicos 5,6 9,0 11,9 Produtos têxteis 15,1 10,9 12,1 Produtos alimentícios 19,4 12,8 8,9 Bebidas 6,0 4,1 2,1 Produtos não-industrializados (principalmente trigo) 10,2 12,5 13,7 Total 100,0 100,0 100,0 Fonte: Villela et alli. “Aspectos...”, vol. 1. p. 115. 7 Outro fator que agiu como um amortecedor parcial de choques da Depressão diante da agricultura brasileira foi o rápido crescimento da produção de algodão, principalmente no estado de São Paulo. Na década de 1920, o governo de São Paulo promoveu pesquisas sobre o cultivo dessa planta, gerando melhorias na qualidade das fibras produzidas e, em 1930, o Estado distribuiu grandes quantidades de sementes. Com melhorias patrocinadas pelo governo no marketing doméstico e internacional e com preços relativos na década de 1930 favorecendo o algodão, a produção aumentou substancialmente. Antes de 1933, o Brasil produzia menos de 10 mil toneladas por ano; em 1934, São Paulo colheu 90 mil toneladas. Entre 1929 e 1940, a participação do país nas áreas mundiais dedicadas ao plantio do algodão aumentou de 2% para 8,7% e a participação do algodão nas suas exportações cresceu de uma média anual de 2,1% no final da década de 1920 para 18,6% durante o período de 1935 a 1939. Crescimento industrial durante a Depressão A restrição das importações e a contínua demanda interna, que resultou da receita gerada pelo programa de apoio ao café, causaram escassez de bens manufaturados e um consequent aumento em seus preços relativos, o que agiu como catalisador para uma arrancada na produção industrial. Observamos que, em 1931, a produção industrial se havia recuperado totalmente de uma queda que teve início em 1928 e mais do que dobrou nos oito anos seguintes. Em 1939, é especialmente digno de nota o rápido crescimento da produção de setores como o de artigos têxteis (147% maior que em 1929); produtos de metal (quase três vezes maior que a produção em 1929) e artigos de papel (quase sete vezes maior que em 1929). De acordo com os indicadores de formação de capital, notaremos que os investimentos se equipararam ou ultrapassaram o nível atingido na década de 1920 somente na última metade da década de 1930. Em 1932, as importações de bens de capital haviam caído quase que ao nível mais baixo atingido durante a Primeira Guerra Mundial e, depois disso, elevaram-se apenas lentamente, nunca atingindo totalmente os picos alcançados na década de 1920. O consumo de cimento e aço atingiu o seu ponto mais baixo em 1931 (o consumo de cimento caiu a menos de 50% do nível atingido em 1929), mas ambos recuperaram o apogeu anterior em 1937. Pode-se concluir que, como ocorreu na Primeira Guerra Mundial, o crescimento da produção industrial na primeira metade da décadade 1930 se baseou na utilização mais completa da capacidade existente, grande parte da qual havia sido subutilizada e formada na década anterior. Na segunda metade da década de 1930, o crescimento da produção industrial foi acompanhado pela expansão da capacidade. A capacidade do aço cresceu com o surgimento de novas e pequenas firmas e, principalmente, com a abertura da nova fábrica da Belgo- Mineira em Monlevade. De modo semelhante, surgiram novas firmas de cimento e a capacidade de produção de papel cresceu a uma taxa muito rápida. Celso Furtado foi o primeiro economista a encarar a política de proteção ao café como um tipo de programa anticíclico keynesiano; ele declara que esse programa foi financiado pela expansão de crédito. A garantia de preços mínimos possibilitou manter o nível de emprego do setor cafeeiro e, indiretamente, de setores internos relacionados.Como a produção de café continuava a crescer, foi possível fazer com que a renda do setor caísse menos que seus preços. Dessa maneira, segundo as palavras de Furtado: "É importante observar que o valor do produto que foi destruído era muito menor do que a receita que foi criada. Estávamos, de fato, construindo as famosas pirâmides que muito depois seriam mencionadas por Keynes. Desse modo, a política de apoio ao café nos anos da Grande Depressão tornou-se o maior estimulador do crescimento da renda nacional. Inconscientemente, o Brasil assumiu uma 8 política anticíclica de proporções relativas mais amplas do que havia sido praticada em países industrializados até aquela época". O dinheiro injetado na economia a fim de adquirir e, parcialmente, destruir o café excedente e a resultante criação de renda contrabalançaram a queda de investimentos. Furtado argumenta que a manutenção da renda interna e do poder aquisitivo, a queda das importações e o consequente aumento relativo dos preços industriais fizeram com que o mercado interno se transformasse em um setor dinâmico da economia. Com um excesso de capacidade no setor industrial e uma pequena indústria de bens de capital, a crescente demanda interna estimulou uma produção industrial doméstica maior que, por sua vez, também contribuiu, a princípio, para manter e, depois, aumentar a renda interna. O mais severo crítico de Furtado, Carlos M. Peláez, tentou derrubar esses argumentos de várias maneiras. Ele sustenta que a maioria dos recursos para a compra dos estoques de café se originou dos impostos de exportação desse produto, de modo que o programa de apoio não poderia ser considerado um mecanismo anticíclico keynesiano. Além disso, visto que o governo adotava políticas monetárias ortodoxas, os créditos fornecidos pelo Banco do Brasil para o apoio ao programa refletiam, necessariamente, uma queda nos créditos a outros setores; portanto, houve pouca criação de crédito líquido. Finalmente, Peláez afirma que o programa de apoio ao café foi prejudicial à industrialização do país por ter distorcido artificialmente a lucratividade relativa. Um estudo empírico realizado por Simão Silber em relação a esse debate esclareceu muitas dessas questões e mostrou que a análise de Furtado estava basicamente correta, embora mostre que a apresentação dele estava longe de ser completa. Silber lança dúvidas consideráveis sobre muitas das afirmações de Peláez. No período de maio de 1931 a fevereiro de 1933, por exemplo, ele constatou que 65% das compras de café foram financiadas por impostos de exportação. Entretanto, ao acrescentar o período de 1933-34, Silber apurou que somente 48% das compras foram financiadas dessa forma. Além disso, uma vez que os impostos de exportação não eram totalmente sustentados pelo setor cafeeiro, mas eram partilhados pelos consumidores de café (devido à baixa elasticidade de demanda pelo produto), o efeito final dos impostos sobre o setor cafeeiro era menor do que o alegado por Peláez. Peláez também desconsiderou a importância que teve a desvalorização do câmbio na manutenção da renda dos exportadores e o fato de que a existência de um programa de defesa ao café evitou que as condições de comércio tivessem caído ainda mais do que teriam caído sem o programa. Além disso, Silber mostra que a política monetária na década de 1930 era tudo menos ortodoxa, visto que a expansão monetária na década era superior a 100%, enquanto o orçamento do governo era frequentemente deficitário. Finalmente, é difícil ver de que modo a defesa do setor cafeeiro prejudicou a indústria na década de 1930. É provável que a maior demanda agregada resultante dessa defesa tenha atraído mais investimentos ao setor industrial do que para o próprio setor cafeeiro. A Segunda Guerra Mundial Da mesma forma que ocorreu na Primeira Guerra Mundial e na primeira metade da década da Depressão, a Segunda Guerra Mundial representou para o Brasil um período de aumento na produção, mas de pouca expansão da capacidade produtiva. A produção industrial cresceu a uma taxa de 5,4% no período de 1939-45. Especialmente dignas de nota são as taxas médias de crescimento anual de produtos de metal (9,1%), têxteis (6,2%), calçados (7,8%), bebidas e fumo (7,6%), todas essas indústrias cujas importações foram drasticamente restringidas. O enfraquecimento do setor de equipamentos de transporte (-11%) deveu-se ao fato de que, sem 9 importações, a capacidade doméstica não poderia operar totalmente. As atividades de investimento foram as primeiras a sofrer uma queda, mas voltaram a subir em 1945, principalmente graças aos bens de capital que o Brasil pôde importar durante a guerra para construir sua primeira grande siderúrgica integrada em Volta Redonda. Exceto quanto às indústrias siderúrgica e de cimento, houve pouca formação de capital durante a guerra e conseguiu-se um aumento na produção somente por uma utilização mais intensa do equipamento existente. Dessa maneira, no final da guerra, uma grande parte da capacidade industrial do país se encontrava em um estado de deterioração e obsolescência. Durante a guerra, as exportações de produtos manufaturados brasileiros cresceram rapidamente; em um determinado momento, os artigos têxteis contribuíram em 20% do total da receita de exportações. Devido ao reaparecimento de tradicionais fontes de abastecimento após a guerra, entretanto, e em parte devido ao péssimo desempenho das exportações brasileiras (freqüentes atrasos de entrega e controle de qualidade inadequado), os produtos industrializados praticamente desapareceram da lista de exportações. Avaliação do início do crescimento industrial brasileiro Ocorreu um crescimento industrial significativo nas três décadas que a Primeira Guerra Mundial; a guerra agiu somente como um estímulo à produção, visto que não se podiam realizar investimentos; a década de 1920 foi um período de crescimento relativamente lento, mas de elevados investimentos devido aos efeitos exercidos pela Primeira Guerra Mundial nas expectativas dos produtores e que a grande arrancada na produção industrial na década de 1930, provocada por uma drástica queda na capacidade de importação, foi, primeiramente, baseada principalmente na maior utilização da capacidade existente e, a seguir, na adição de nova capacidade. Não seria correto, porém, falar sobre um processo contínuo de industrialização iniciado em 1890. É necessário estabelecer diferenças entre uma era de crescimento industrial e um período de industrialização. A primeira define acontecimentos ocorridos até o final da década de 1920, durante a qual o crescimento da indústria dependia principalmente das exportações agrícolas, o setor líder. Além disso, apesar do rápido crescimento de algumas indústrias, esse período não foi acompanhado por mudanças estruturaisdrásticas na economia. A industrialização, por outro lado, está presente quando a indústria se torna o principal setor de crescimento da economia e gera mudanças estruturais pronunciadas. Os dados sobre a distribuição dos produtos físicos brasileiros apoiam, em certa extensão, essa classificação. Apesar dos acontecimentos que conduziram ao crescimento industrial até e durante a Primeira Guerra Mundial, a indústria retribuiu somente com 21 % do total dos produtos físicos em 1907 e 1919, comparados aos 79% apresentados pela agricultura. Em 1939, entretanto, a cota da indústria havia aumentado para 43%. Embora não tivesse sido realizado um censo para medir a participação da indústria em 1930, seu crescimento mais lento na década de 1920 nos leva a concluir que essa atuação aumentou na década de 1930. Essa participação surpreendentemente elevada deveu-se, em parte, aos preços mais baixos dos produtos agrícolas, principalmente do café, que não se havia recuperado totalmente dos reduzidos pontos atingidos durante a Depressão, estando 29% abaixo do elevado nível alcançado em 1930. Além disso, os preços relativos de produtos manufaturados, provavelmente, encontravam-se mais altos do que no início da década de 1920. Mesmo que todas as informações sobre mudanças de preços estivessem disponíveis, os ajustes não diminuiriam a participação dos manufaturados em 1939 a ponto de anular a impressão de uma mudança estrutural importante. As taxas de crescimento estimadas da agricultura e da indústria desde 1920 indicam que somente na década de 1930 a indústria se tornou o setor líder, influenciando sensivelmente o 10 crescimento econômico em geral. As taxas anuais médias de crescimento de 1920-29, 1933-39 e 1939-45, respectivamente, foram: agricultura -4,1%, 1,7% e 1,7%; indústria - 2,8%, 11,3% e 5,4%; total - 3,9%, 4,9% e 3,2%. O coeficiente de importações de bens industriais (44,6%) de 1907 indica uma elevada dependência das importações. Essa percentagem, provavelmente, é elevada demais para ser comparada com os coeficientes de 1919 (28,0%) e 1939 (20,0%), visto que o censo de 1907 abrangeu somente a produção de empresas de maior expressão. A queda ocorrida de 1907 a 1919 e de 1919 a 1939 reflete a substituição que houve nas importações, especialmente durante a Primeira Guerra Mundial e a década de 1930. Parece que antes desse período o desenvolvimento industrial tinha uma natureza somente ligeiramente substitutiva no que se refere à importação. A produção industrial cresceu para satisfazer novas necessidades (dos imigrantes e da nova infra-estrutura) em vez de crescer para substituir suprimentos anteriormente importados, situação que mudou antes e especialmente durante a Primeira Guerra Mundial. Essa substituição à importação inicial, entretanto, não conduziu à industrialização, como já definido, e se transformou num processo de industrialização somente na década de 1930. Tabela 1.3 A estrutura industrial brasileira em 1919 e 1939 (distribuição percentual do valor agregado total) 1919 1939 Minerais não-metálicos 5,7 5,2 Produtos de metal 4,4 7,6 Maquinário 0,1 3,8 Equipamento elétrico - 1,2 Equipamento de transportes 2,1 0,6 Produtos de madeira 4,8 3,2 Móveis 2,1 2,1 Produtos de papel 1,3 1,5 Produtos de borracha 0,1 0,7 Produtos de couro 1,9 1,7 Químicos 1,7* * Farmacêuticos 1,2* * Perfumes, sabonetes e velas 0,7* * Têxteis 29,6 22,2 Roupas e calçados 8,7 4,9 Produtos alimentícios 20,6 24,2 Bebidas 5,6 4,4 Fumo 5,5 2,3 Editoras e material gráfico 0,4 3,6 Diversos 3,5 1,0 Total 100,0 100,0 Nota: * A porcentagem total de 1919 para essas três categorias foi de 3,6; em 1939, foi de 9,8.. Fonte: Censos de 1920 e 1940. A comparação realizada entre as estruturas industriais de 1919 e 1939 (Tabela 1.3) deve ajudar a esclarecer a diferença que há entre desenvolvimento industrial e industrialização. A 11 estrutura existente em 1919 era dominada por indústrias leves. Têxteis, roupas, produtos alimentícios, bebidas e fumo somavam 70% da produção industrial. Até 1939, os resultados desse grupo reduziram-se a 58%, com notável crescimento de produtos metalúrgicos, maquinário e produtos elétricos. O avanço em direção a um equilíbrio maior no setor industrial contribuiu para que a indústria se tornasse a força propulsora da economia, que é outra maneira de caracterizar o processo de industrialização. Medições realizadas por Huddle mostram o grau que a industrialização intensiva já alcançara no final da década de 1930. Comparando-se os indicadores de suprimentos internos com os suprimentos totais, o Brasil se encontrava próximo da auto-suficiência no que se referia a bens de consumo e fornecia mais de 80% de seus próprios bens intermediários e mais de 50% de seus bens de capital. Uma característica notável do setor industrial brasileiro é a pequena quantidade de mão-de-obra que ele absorveu desde o início do século. A distribuição da população economicamente ativa, por exemplo, mudou da seguinte forma entre 1920 e 1940: 1920 1940 Setor primário 70 67 Setor secundário 14 10 Setor terciário 16 23 Total 100 100 Obs: valores em percentual. A proporção da população economicamente ativa empregada pela indústria realmente caiu. Entretanto, devido a diferentes tipos de classificação usados no censo de 1920, as comparações realizadas entre este e censos posteriores são enganosas. O censo de 1920, por exemplo, incluiu alfaiates e costureiras no setor secundário, enquanto censos subseqüentes os inseriram no terciário. Dessa forma, a proporção de empregos em 1920 na indústria seria muito menor caso tivessem sido aplicados os critérios de classificação de 1940. Não há informações disponíveis em número suficiente para fazer os ajustes e, mesmo que houvesse, e a proporção de emprego na indústria em 1920 fosse ajustada para uma posição inferior, parece bastante provável que o crescimento da mão-de-obra no setor industrial no período de 1920-40 teria sido pequeno. 12 2 PROCESSO DE SUBSTITUIÇÃO DE IMPORTAÇÕES A forma assumida pela industrialização brasileira depois de 1930 foi o chamado Processo de Substituição de Importações (PSI). Nessa seção, procurar-se-á descrever essa fase fundamental da industrialização da economia brasileira que se estende de 1930 a 1960. Antes disso se tentará examinar mais de perto o ocorrido na década de 30, descrita como a do deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira. Depois, descrever-se-ão as características principais dessa referida particular forma de industrialização e seus problemas, as funções do Estado nesse modelo de desenvolvimento industrial, assim como o papel que assume a agricultura. A década de 1930 e o deslocamento do centro dinâmico A crise de 1930, iniciada nos Estados Unidos e que se repercutiu rapidamente na Europa, chegou ao Brasil por meio de uma rápida queda na demanda por café, acompanhada de forte queda nos preços do café. Outro impacto importante da crise foi a reversão dos fluxos de capital: se a década de 20 foi bastante favorável ao Brasil no que tange à entrada de capital externo, essa entrada foi revertida com a crise de 1930. Assim, configurou- se uma grave crise no balanço de pagamentos brasileiros, pois as exportações caíram e a balança de capital passou a ser negativa. A forma como o Brasil fez frente à crise, provocou o que Furtado chamou de deslocamento do centro dinâmico da economia brasileira. Este se refere ao período em que o elemento essencial na determinação do nível de renda da economia brasileira deixa de ser a demanda externa, como é típico de uma economia agroexportadora, e passa a ser a atividade voltada ao mercado interno, mais precisamente o consumo e especialmente o investimento doméstico. Esse deslocamentoocorre em função da crise e da resposta à crise dada pelo governo de Getúlio Vargas, depois de ter ocorrido a Revolução de 1930. No Gráfico a seguir, pode-se perceber como, ao longo da década de 1930, o setor industrial passa a ganhar espaço, em detrimento do setor agrícola, na geração de valor adicionado na economia brasileira. Gráfico 2.1 Participação dos setores no valor adicionado (1928/1945) 13 Fonte: Haddad, C. O crescimento do produto real no Brasil, 1900-1947. Rio de Janeiro: FGV, 1978. Gráfico 2.2 Brasil e Estados Unidos - Evolução do produto real na década de 1930 Fonte: Dados básicos: Brasil: IBGE – Estatísticas Históricas; EUA: Dornbush (1982). A crise da economia mundial na forma descrita anteriormente (queda dos preços e da exportação de café e fuga de capitais) gerou efeito negativo no Brasil que, se comparado com outros países, foi, no entanto de menor intensidade e de menor duração. Isso pode ser 14 acompanhado pelo Gráfico 2.2 que mostra a evolução da estimativa do produto em termos reais no Brasil e nos EUA. Esse desempenho da economia brasileira nos anos 1930 pode ser explicado por uma política do governo que pode ser considerada heterodoxa. As medidas adotadas pelo governo são de duas ordens: a política da "manutenção da renda" e o "deslocamento da demanda", explicadas a seguir. Manutenção e renda A manutenção do nível de renda, evitando uma queda mais acentuada, foi feita essencialmente por meio do reforço da política de defesa do café. O governo, dada a enorme dificuldade nas vendas das supersafras de café, decidiu estocar café e acabou por queimá-lo. Na Tabela 2.1, vê-se o volume de café destruído pelo governo até a Segunda Guerra Mundial. Tabela 2.1 Café destruído pelo governo federal e produção nacional (1931/1945) - toneladas Essa política, ainda mais quando financiada, em parte, com crédito e emissão de moeda doméstica, constitui um tipo de política keynesiana de sustentação da demanda agregada (antes de Keynes ter publicado sua principal obra, o que ocorre em 1936). Assim, mesmo pagando um preço mínimo baixo para os cafeicultores, esse preço ainda viabilizava a realização da própria colheita e, portanto, o emprego e a renda de muitas pessoas, assim como permitia a manutenção de parte do efeito multiplicador exercido pelo café sobre o restante da economia. Deslocamento da demanda Mantida minimamente a demanda, continuava, porém, existindo um problema no balanço de 15 pagamentos. Esse problema, causado pela queda nas exportações de café e na entrada de recursos externos, era ainda agravado pela própria manutenção da demanda nessa economia. Com tal manutenção de demanda, parte dela materializava-se por meio de importações. A fim de solucionar esse problema, foi feita uma moratória sobre parte da dívida externa do país e permitida uma expressiva desvalorização da moeda nacional. Também se impôs um contingenciamento no uso dos recursos externos, isto é, as poucas divisas (moeda estrangeira) que entravam no país tinham sua utilização regulada pelo governo e foram prioritariamente utilizadas para o pagamento de alguns compromissos externos e para a aquisição de bens essenciais ao país. A desvalorização de câmbio provocou forte elevação nos preços dos produtos importados. Essa elevação junto com a própria dificuldade em se importarem produtos pelo contingenciamento, tornou os produtos nacionais atraentes. Os produtos nacionais passaram então a substituir os produtos importados no atendimento à demanda. Assim, tal demanda, que foi minimamente mantida pela política de estoque e queima de café, acabou por ser deslocada dos produtos importados para os produtos nacionais, entre os quais muitos produtos industriais. A produção nacional passou, assim, com a proteção recebida frente aos concorrentes externos e com as vendas propiciadas pela manutenção da demanda, a gerar uma rentabilidade que, dada a queda de rentabilidade do setor cafeeiro, atraía o capital de outros setores e o próprio reinvestimento dos lucros gerados na atividade industrial. Nesse momento, são justamente esses investimentos que passam a ditar o ritmo de crescimento da economia brasileira, caracterizando assim o deslocamento do centro dinâmico de nossa economia. Pode-se perguntar: qual a capacidade destes setores domésticos em atender à demanda? A resposta a esta pergunta está na existência e utilização de alguma capacidade ociosa nos setores produtores de bens consumidos internamente, capacidade esta gerada nos anos 1920 quando houve a possibilidade de realização de investimentos. No final dos anos 1920, a importação de máquinas era relativamente elevada. Quando essa capacidade ociosa se esgotou, passou a ser necessária sua ampliação, que foi possível tanto pelo crescimento da indústria interna de bens de produção, como por meio de novas importações de máquinas e equipamentos. Nesse ponto, ocorreu mudança na pauta de importações; houve aumento da participação, nessa pauta, de bens de produção (máquinas, equipamentos e matéria-prima) em detrimento dos bens de consumo leves que passaram a ser produzidos internamente. Assim, a década de 1930 é marcada pela estagnação e mesmo dec1ínio da produção de café, ao mesmo tempo em que a indústria possui, depois dos dois primeiros anos da década, um crescimento sustentado. Outra produção que apresentou crescimento significativo foi o algodão, tanto para atender à produção interna, ainda fortemente concentrada na produção têxtil, como para as exportações. É de se notar, contudo, que o valor das exportações de algodão em 1935 não alcançava 30% das exportações de café. Características da industrialização por substituição de importações A década de 1930, assim como as décadas subsequentes, compõe o período em que houve 16 forte avanço do setor industrial no Brasil. Esse avanço teve determinadas características que permitiram chamá-lo de industrialização por substituição de importações. A principal característica de tal processo é uma industrialização fechada, que responde a desequilíbrios externos e é realizada por partes. Assim, a primeira característica dessa industrialização substituidora de importações é a de ser uma industrialização fechada. Fechada em função de dois elementos: Ser voltada para dentro, isto é, visar ao atendimento do mercado interno, não ser uma industrialização que produz para exportar; Depender em boa parte de medidas que protegem a indústria nacional dos concorrentes externos. Em segundo lugar, o processo de substituição de importações, como modelo de desenvolvimento, pode ser caracterizado pela seguinte seqüência: Inicia-se com um estrangulamento externo - a queda do valor das exportações, por exemplo. Este, junto com a manutenção de pelo menos parte da demanda interna, mantendo a demanda por importações, gera escassez de divisas; Para contrapor-se à crise cambial (o estrangulamento externo), o governo toma medidas, para controlar essa crise, que acabam por proteger a indústria nacional preexistente, aumentando a competitividade e a rentabilidade da produção doméstica; Gera-se uma onda de investimentos nos setores substituidores de importação, produzindo-se internamente parte do que antes era importado, aumentando a renda nacional e a demanda agregada; Observa-se, no entanto, um novo estrangulamento externo, em função do próprio crescimento da demanda, que se traduz em aumento das importações e de parte dos investimentos que se transformam em matérias-primas e equipamentos importados; como em geral o ritmo do crescimento das importações é mais rápido do que o crescimento das exportações, nova crise recoloca-se, retomando-se o processo. Nesse sentido, percebe-se que o motor dinâmico do PSI erao estrangulamento externo. Tal estrangulamento externo era recorrente e relativo. Recorrente, pois a tendência era repetir-se sistematicamente ao longo do processo de substituição de importações, e relativo porque não poderia haver um desequilíbrio externo absoluto que significasse um limite completo às importações, as quais deveriam se manter minimamente para fazer face às necessidades relativas aos investimentos e à ampliação da capacidade produtiva do país. Os estrangulamentos, assim, funcionavam como estímulos e limites ao investimento industrial. Tal investimento, nesse momento, passa a ser a variável-chave para determinar o ritmo do crescimento econômico nacional, substituindo as exportações que eram o ponto-chave do ritmo de crescimento do país em sua fase agroexportadora. Todavia, conforme o investimento e a produção avançavam em determinado setor, geravam- se pontos de estrangulamento em outros. A demanda pelos bens desses outros setores era 17 atendida por meio de importações. Com o correr do tempo, tais bens passam a ser objeto de novas ondas de investimento no Brasil, substituindo as importações que até então se faziam. Dentro dessa lógica, caracteriza-se a industrialização por etapas; a pauta de importações ditaria a sequencia dos setores objeto dos investimentos industriais. O setor industrial é, na realidade, composto por uma série de subsetores produtores de diferentes tipos de bens: a)Bens de consumo não duráveis - têxteis, calçados, alimentos, bebidas, etc.; b)Bens de consumo duráveis - eletrodomésticos, automóveis, etc.; c)Bens intermediários - ferro, aço, cimento, petróleo, químicos, etc.; d)Bens de capital - máquinas, equipamentos, etc. Tomado esses setores, podem-se imaginar duas formas de industrializar um país. Por um lado, construir paulatinamente todos os setores industriais ao mesmo tempo ou no mesmo ritmo; deste modo, há certo equilíbrio entre os setores, mas nenhum atende, nas fases iniciais, completamente à demanda do mercado interno, que é atendido por importações. Por outro lado, construir um setor depois do outro, normalmente começando pelo setor de bens de consumo não duráveis e terminando no setor de bens de capital, gerando desequilíbrios em função da demanda não atendida que um setor possui em relação aos outros. Ou seja, se no início desenvolve-se a indústria de bens de consumo não duráveis, são necessários produtos que vêm do subsetor de bens de capital e intermediários que ainda não foram desenvolvidos no país, também sendo supridos por meio de importações. O caso brasileiro, de certo modo, aproxima-se mais da segunda forma do que da primeira. No entanto, não foi exatamente um setor depois do outro. O Quadro 2.1 ilustra de maneira esquemática a forma pela qual o processo de industrialização por substituição de importações ocorre. Este se dá por rodadas ou etapas; em cada uma delas, um subsetor industrial é mais atingido, em função de sua importância na pauta de importações quando do estrangulamento, mas este não cresce de maneira isolada, sempre há o desenvolvimento de outros setores, apesar de em menor dimensão. Quadro 2.1 Industrialização por substituição de importações – a industrialização por etapas 18 O processo de industrialização por substituição de importações caracterizava-se pela ideia de "construção nacional", ou seja, alcançar o desenvolvimento e a autonomia com base na industrialização, de forma a superar as restrições externas e a tendência à especialização na exportação de produtos primários. Nesse processo, a indústria vai-se diversificando e diminuem as necessidades de importação em relação ao abasteci- mento doméstico. Tais elementos podem ser acompanhados pela Tabela 2.2. Tabela 2.2 Estrutura de produção doméstica e importação de produtos manufaturados – 1949/1964 Ano Bens de consumo Bens de produção Total de produtos Não duráveis Durávei s Intermediários Capital Manufaturados A) Importações 1949 5,4 8,9 18,2 15,8 48,3 1955 4,5 2,1 22,6 13,7 42,9 1959 2,8 2,9 21,2 29,2 56,1 1964 3,9 1,5 18,6 8,7 32,7 B) Produção doméstica 1949 140,0 4,9 52,1 9,0 206,0 1955 200,9 19,0 104,0 18,0 341,9 1959 258,0 43,1 159,6 59,5 520,2 1964 319,5 93,8 261,1 79,7 754,2 Importações sobre oferta total {A/(A+B)] 1949 3,7 64,5 25,9 63,7 19,0 1955 2,2 10,0 17,9 43,2 11,1 1959 1,1 6,3 11,7 32,9 9,7 1964 1,2 1,6 6,6 9,8 4,2 Fonte: Bergsman e Malan (1971). 19 Mecanismos de proteção à indústria nacional utilizados no PSI Como se disse anteriormente, frente a uma crise cambial, o governo adotava determinadas medidas que, ao reduzirem as importações, acabavam por se constituir em um sistema de proteção à indústria nacional, sustentando seu desenvolvimento. Pode-se apontar, do ponto de vista comercial, quatro tipos de respostas a crises cambiais: 1.Desvalorização real do câmbio: promovendo-se uma forte desvalorização da taxa nominal de câmbio, acima do aumento de preços internos, acaba-se por aumentar o preço dos produtos importados frente aos nacionais, o que se constitui em uma proteção aos produtores nacionais. A desvantagem desse sistema é que a desvalorização cambial implicava também o aumento dos preços de equipamentos e matérias-primas importados, dificultando os investimentos. Por outro lado, a vantagem desse sistema é que se geram efeitos positivos sobre o setor exportador. Tal modelo foi uma das principais peças da política econômica adotada por Getúlio Vargas em resposta à crise cambial de 1930; 2.Controle de câmbio: estabelece-se um sistema de licenças para importar, controlando o acesso dos demandantes de divisas à moeda estrangeira. Ao se conceder um reduzido número de licenças, diminuem as importações; ao mesmo tempo, se essas licenças são concedidas com base em critérios de essencialidade ou de existência de similares nacionais, pode-se proteger a indústria nacional com a vantagem de possibilitar um investimento (com produtos importados) com baixo custo, já que não há a necessidade de desvalorizar o câmbio. A introdução desse tipo de controle gera o surgimento do mercado paralelo de câmbio, assim como de esquemas de corrupção na obtenção de licenças. Outra desvantagem é que a não- desvalorização cambial não gera estímulos ao setor exportador. Esse sistema foi utilizado no governo Dutra em resposta à crise cambial de 1947-1948; 3. Taxas múltiplas de câmbio: nesse sistema, estabelecem-se vários mercados cambiais (denominados, por exemplo, de câmbio livre, flutuante, comercial, financeiro etc.), destinando-se a cada um deles alguns tipos de demanda e oferta de divisas. Em cada mercado, surge uma taxa específica de câmbio. Quando o governo define em que mercado cada participante pode atuar, acaba também definindo as condições de cada um desses mercados: se existe excesso ou falta de dólares em cada mercado, ou seja, se as taxas devem elevar-se ou cair em cada mercado. Dentro de tal sistema, colocando-se os produtos com similar nacional em mercados com taxas desvalorizadas, encarecendo assim seus preços, favorece-se a indústria nacional; do mesmo modo, colocando as importações de matérias-primas e equipamentos em mercados com excesso de oferta, a taxa se valorizará, barateando o custo dos investimentos. Uma possível vantagem desse sistema é que o governo pode arrecadar recursos, comprando e vendendo em mercados diferentes. Esse modelo foi introduzido por Vargas em resposta à crise cambial de 1952; 4. Elevação das tarifas aduaneiras: aqui, em vez de se controlar o câmbio, simplesmente se elevam as tarifas de importação, diminuindo-as. Se for estabelecida uma diferenciação significativa das tarifas, também é possível obter um efeito protecionista sobre alguns produtos (tarifas elevadas) ao mesmo tempo em que barateiam outros produtos, principalmente os que significamcusto nos investimentos (tarifas baixas ou isenção 20 tarifária para determinada quota de algum produto). Esse mecanismo foi utilizado durante o governo de Juscelino Kubitschek. Dificuldades na implementação do PSI Ao longo de três décadas, esse processo foi implementado, modificando substancialmente as características da economia brasileira, industrializando-a e urbanizando-a. Isso, porém, foi feito com inúmeros percalços e algumas dificuldades. As principais dificuldades na implementação do PSI no Brasil foram as seguintes: A. Tendência ao desequilíbrio externo A tendência ao desequilíbrio externo aparecia por várias razões: Política cambial: visava estimular e baratear o investimento industrial; significava uma transferência de renda da agricultura para a indústria - o chamado "confisco cambial", pois os agricultores recebiam menos pelas divisas que eram pagas pelos demandantes, desestimulando as exportações de produtos agrícolas; Indústria sem competitividade: devido ao protecionismo, visava atender apenas ao mercado interno, sem grandes possibilidades no mercado internacional; Elevada demanda por importações: estabelecia-se graças ao investimento industrial e ao aumento da renda. Assim, como a geração de divisas ia sendo dificultada, o PSI só se tornava viável com o recurso ao capital estrangeiro, quer na forma de dívida externa, quer na forma de investimento direto, para eliminar o chamado "hiato de divisas". B. Aumento da participação do Estado Ao Estado caberiam quatro funções principais: Adequação do arcabouço institucional à indústria: isso foi feito por meio da Legislação Trabalhista, que visava à formação e regulação de um mercado de trabalho urbano, definindo os direitos e deveres dos trabalhadores e a relação empregado/empregador. Também se criaram mecanismos para direcionar capitais da atividade agrícola para a industrial, dada a ausência de um mercado de capitais organizado. Além disso, foram criadas agências estatais e uma burocracia para gerir o processo. Destacam-se os seguintes órgãos: o Departamento Administrativo do Setor Público (DASP), o Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), a Comissão de Financiamento da Produção (CFP), a Comissão de Política Aduaneira (CPA), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), etc.; Geração de infra-estrutura básica: as principais áreas de atuação foram os 21 transportes e a energia. Até a Segunda Guerra Mundial, destacou-se o caráter emergencial dessa atuação, procurando-se eliminar os pontos de estrangulamento que aparecessem. No pós-guerra, buscou-se alguma forma de planejamento, ou seja, evitar o aparecimento de estrangulamentos. Destacam-se nesse sentido os trabalhos da Comissão Mista Brasil - Estados Unidos, cujos projetos não foram plenamente realizados por ausência de financiamento; Fornecimento dos insumos básicos: o Estado deveria atuar de forma complementar ao setor privado, entrando em áreas cuja necessidade de capital e riscos envolvidos inviabilizavam a presença da atividade privada, naquele momento. Nesse sentido, foi criado todo o Setor Produtivo Estatal (SPE): Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), Companhia Nacional de Álcalis (CNA), Petrobrás, várias hidrelétricas, etc. Essa ampla participação estatal gerava uma tendência ao déficit público e forçava o recurso ao financiamento inflacionário, na ausência de fontes adequadas de financiamento; Captação e distribuição de poupança: o Estado acabou por executar parte das atribuições dos intermediários financeiros. Assim, mediante o sistema financeiro público (Banco do Brasil e BNDE, criado em 1952), ocorria boa parte do financiamento da economia; este, porém, não se fazia sem problemas. C. Aumento do grau de concentração de renda O processo de substituição de importações era concentrador em termos de renda em função do: 1 Êxodo rural decorrente do desincentivo à agricultura, com falta de investimentos no setor, associado à estrutura fundiária, que não gerava empregos suficientes no setor rural, e à legislação trabalhista, restrita ao trabalhador urbano, constituindo um forte estímulo a vir para a cidade; 2 Caráter capital intensivo do investimento industrial, que não permitia grande geração de emprego no setor urbano. Esses dois pontos geravam excedente de mão-de-obra e, conseqüentemente, baixos salários. Por outro lado, o protecionismo (ausência de concorrência) e a concentração industrial permitiam preços elevados e altas margens de lucro para as indústrias. A concentração industrial, por sua vez, era decorrente do próprio tamanho do mercado a ser atingido pelas indústrias. Como foi frisado, a industrialização tinha como alvo o mercado nacional; este, apesar de maior do que o de outros países latino-americanos, o que facilitou esse tipo de industrialização no Brasil, tinha limites em função da má distribuição de renda e era reduzido, se comparado com as dimensões do mercado possuidor das indústrias que vendem para todo o mundo. Desse modo, ou poucas empresas participavam do mercado interno com economias de escala, obtendo assim ganhos em termos de produtividade, ou muitas empresas operavam no mercado, mas trabalhavam com escalas de produção insatisfatórias sem gerar esses ganhos. O problema é que, com poucas empresas operando, os ganhos obtidos em função da 1 22 possibilidade de conluio ou formação de cartéis, não eram repassados para os preços, significando acúmulo de lucro. Outro elemento de crítica ao setor industrial gerado por tal modelo de industrialização, além de concentrado, é sua baixa eficiência, dada sua não- exposição à concorrência ou o excessivo protecionismo a ele destinado. Se a proteção é justificada com base no argumento da chamada indústria nascente, ou seja, no fornecimento de um período de tempo para possibilitar a constituição de empresas com condições técnicas de competir no mercado, esta mesma acaba por gerar atitudes caçadoras de renda ou aproveitadoras de renda (rent-seeking). Ou seja, as empresas politicamente estendem o período de tempo de proteção, aproveitando-se dos ganhos propiciados com essa proteção, sem efetivamente se ajustarem à concorrência. Assim, a crítica principal não é a proteção em si, mas seu mal uso ou seu uso por um período de tempo muito longo ou mesmo indefinido. D. Escassez de fontes de financiamento A quarta característica foi a dificuldade de financiamento dos investimentos, dado o grande volume de poupança necessário para viabilizar os investimentos, em especial os estatais. Esse fato deve-se à: a) Quase inexistência de um sistema financeiro, em decorrência principalmente da "Lei da Usura", que desestimulava a poupança. O sistema restringia-se aos bancos comerciais, a algumas financeiras e aos agentes financeiros oficiais, com destaque para o Banco do Brasil e o BNDE, e este último operava com recursos de empréstimos compulsórios (um adicional de 10% sobre o Imposto de Renda, instituído para sua criação); b) Ausência de uma reforma tributária ampla. A arrecadação continuava centrada nos impostos de comércio exterior e era difícil ampliar a base tributária. Já que a indústria deveria ser estimulada, a agricultura não poderia ser mais penalizada, e os trabalhadores, além de sua baixa remuneração, eram parte da base de apoio dos governos do período. Nesse quadro, não restava alternativa de financiamento ao Estado, que teve que se valer das poupanças compulsórias, dos recursos provenientes da recém-criada Previdência Social, dos ganhos no mercado de câmbio com a introdução das taxas de câmbio múltiplas, a além do financiamento inflacionário e do endividamentoexterno, feito a partir de agências oficiais. Papel da agricultura na industrialização de um país Apesar dessa diminuição de participação do setor agrícola, deve-se destacar sua importância para tal industrialização. Em geral, consideram-se as seguintes funções da agricultura em um processo de industrialização: Liberação de mão-de-obra: ao longo do processo de industrialização, a força de trabalho antes concentrada no campo deve ser transferida para as indústrias. Sem essa transferência, haveria escassez de mão-de-obra no mercado de trabalho urbano, 23 aumentando os custos de produção da indústria em função da elevação de salários. Desse modo, a agricultura deve aumentar sua produtividade por trabalhador, a fim de poder "fornecer" às cidades parte da mão-de-obra que até então a agricultura utilizava; Fornecimento de alimentos e matérias-primas: à medida que ocorre o crescimento das zonas urbanas e o desenvolvimento da indústria, estes setores necessitam cada vez mais de produtos fornecidos pela agricultura (alimentos e diversas matérias-primas). Levando-se em consideração que a mão-de-obra no campo está diminuindo em virtude de sua transferência para as indústrias, o aumento de produtividade deve ser substancial no setor agrícola. A falta de alimentos e de matéria- prima pode inviabilizar a continuidade do processo de industrialização e/ou gerar sérios problemas que, em geral, refletem-se em aumento dos preços desses bens, gerando assim inflação; Transferência de capital: quando se parte de uma economia tipicamente agrícola, não só os trabalhadores estão concentrados no campo, mas também o capital está aplicado na agricultura; desse modo, a industrialização exige que parte desses recursos seja transferida para o investimento em setores industriais; Geração de divisas: uma importante função do setor agrícola é manter elevado nível de exportações, a fim de viabilizar, com as divisas obtidas com essas exportações, a importação de máquinas e equipamentos necessários ao processo de industrialização; Mercado consumidor: a agricultura também se constitui em importante mercado consumidor dos produtos gerados no setor industrial e nas cidades de modo geral. À medida que a agricultura se desenvolve, ela necessita cada vez mais de implementos agrícolas, como tratores, colheitadeiras, produtos químicos etc. que são fornecidos pela indústria. Além disso, dependendo da renda gerada na agricultura e de sua distribuição, pode haver crescimento da demanda por produtos de consumo, como televisores, automóveis, eletrodomésticos, etc. No Brasil, durante o processo de substituição de importações, alguns autores alegavam relativo atraso do setor agrícola, que representava um entrave ao processo de crescimento econômico do país. Dentro dessas concepções, destaca-se a visão estruturalista de inflação, segundo a qual a agricultura atrasada impedia que o crescimento da oferta de produtos agrícolas acompanhasse a demanda urbana, constituindo-se em constantes choques de oferta, que levavam à elevação do nível de preços. Outro problema diagnosticado era a ausência de uma reforma agrária, em que a existência de grandes latifúndios levava a uma profunda concentração de renda, impedindo a criação de um mercado consumidor mais amplo para a indústria. Outros autores, porém, tinham visão diferente do papel desempenhado pela agricultura no desenvolvimento econômico brasileiro. Segundo estes, a agricultura não representava um entrave a esse desenvolvimento, dado que o setor primário cumprira, na medida do possível, suas funções, apesar de a política econômica adotada durante o período não lhe ser favorável. Foi em grande parte por meio dessa política que se transferiu parte do capital antes aplicado 24 na agricultura para a indústria. Mesmo assim, o setor gerou mão-de-obra, divisas, matéria- prima e alimentos para o setor industrial, apesar de que nessa fase, seu papel, enquanto demandante do setor industrial, ainda esteve restrito. Reconhece-se também que em determinados momentos houve problemas de falta de alimentos e de escassez de divisas. Quando, porém, se olha de uma perspectiva ampla, a agricultura expandiu-se e diversificou- se, de modo que, com algumas dificuldades, cumpriu seu papel no processo, apesar de ser prejudicada pela política econômica do governo. Pode-se acompanhar pela Tabela 2.3 a produção dos principais produtos agrícolas brasileiros; nesta podemos notar o crescimento da produção destinada ao mercado domestico, indicando que no período ocorreu um intenso processo de diversificação da produção agrícola no país. Tabela 2.3 Estrutura de Produção doméstica, exportação e importação de produtos primários - 1931/1961. Produtos 1931 1936 1941 1946 1951 1956 1961 Produção doméstica Algodão 375 1.171 1.677 1.122 969 1.161 1.828 Arroz 1.078 1.214 1.688 2.759 3.182 3.489 5.392 Cacau 77 127 132 122 121 161 156 Café 1.302 1.577 962 917 1.080 979 4.457 Cana-de-açúcar 16.250 18.496 21.463 28.068 33.653 43.978 59.377 Carne 854 782 736 1.003 1.077 1.193 Feijão 687 826 874 1.076 1.238 1.379 1.745 Mandioca 5.209 4.946 7.763 12.225 11.918 15.316 18.058 Milho 4.750 5.721 5.438 5.721 6.218 6.999 9.036 Trigo 141 144 231 213 424 852 544 Exportações Açúcar 11 90 25 22 19 19 783 Algodão 21 200 288 353 143 143 206 Borracha 13 13 11 18 5 3 8 Cacau 76 123 134 131 102 135 118 Café 1.068 852 660 930 984 1.008 1.020 Erva Mate 77 67 50 49 50 58 61 Fumo 38 31 18 54 30 31 49 Carne 53 65 9 5 9 14 Importações Trigo 798 920 895 212 1.306 1.422 1.881 25 3 O PERÍODO PÓS-GUERRA (1945-1955). Introdução: o Contexto Histórico A década que separa o fim da Segunda Guerra Mundial (1945) e a eleição de Juscelino Kubitschek à Presidência da República (1955) assistiu, na economia mundial, à lenta transição na direção dos princípios liberais acordados em Bretton Woods (1944). No Brasil, nesse mesmo período, a ênfase nas virtudes do liberalismo econômico e político coincidiram com o fim do Estado Novo (1937-45) e o início do governo Outra. Este último, porém, logo se deparou com os problemas derivados do início da Guerra Fria e do período da economia internacional conhecido como de "escassez de dólares". As sucessivas crises de balanço de pagamentos por que passaria o Brasil nos primeiros anos do pós-Guerra acarretaram o abandono do modelo liberal e deram lugar a um modelo de desenvolvimento industrial com crescente participação do Estado. Nesse período, essa participação foi de natureza, essencialmente, indireta, tendo como principais características a adoção de controles cambiais e de importações e a criação de um aparato regulatório em diversas áreas do domínio econômico. Como não poderia deixar de ser, Getúlio Vargas,que governara o Brasil por 15 anos seguidos - de início, em contexto que se pode considerar democrático (1930- 37) e, em seguida, como o ditador do Estado Novo -, era o ponto de referência da luta política e dos conflitos econômicos e sociais também no pós-Guerra. Essa influência extrapolava o legado de realizações concretas de seu longo período no poder. Entre estas últimas incluem-se, necessariamente, a implantação de complexa legislação social (sobretudo, trabalhista), o esforço de profissionalização da burocracia estatal e o início de uma ação mais direta do Estado no domínio econômico, corporificada na implantação da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN e da Companhia Vale do Rio Doce. Todos eles, marcos do estadista Vargas. Mais importante, porém, do que essas realizações "materiais" foi o elemento distintivo do primeiro período Vargas: a incorporação, pela primeira vez na história brasileira, do "povo" (classe trabalhadora) como agente político relevante. Esse fato - ao mesmo tempo inédito e auspicioso - imprimiria nova dinâmica ao processo político do pós-Guerra, permitindo importantes avanços na construção da democracia no país. O caráter "revolucionário" dessa mudança promovida por Getúlio suscitaria a reação do projeto político concorrente, que podemos chamar de liberal-conservador. No campo político- partidário, o confronto entre essas duas visões de mundo oporia a União Democrática Nacional- UDN, conservadora, às duas agremiações getulistas, o Partido Trabalhista Brasileiro - PTB e o Partido Social Democrático - PSD. A política econômica no Brasil de 1945 a 1955 refletiu não apenas as idéias e os interesses econômicos e políticos em disputa domesticamente, como também as restrições de ordem interna e externa. 26 O Governo Dutra: 1946-1950 A queda de Getúlio Vargas e o fim do Estado Novo, em 1945, foram obras, mais do que da dinâmica política doméstica, da inserção do Brasil no quadro das relações internacionais. Desde que começaram os preparativos para o envio de contingentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutarem, em solo europeu, contra o nazifascismo, ficava patente a contradição existente entre o apoio do Brasil às democracias e a ditadura de Vargas. Esse fato deu alento aos opositores do regime, que, por intermédio dos militares - e contando com a simpatia dos Estados Unidos - forçaram a renúncia do presidente. As eleições que se seguiram levaram ao poder o general Eurico Gaspar Dutra, candidato do PSD, derrotando o udenista Eduardo Gomes, também militar (brigadeiro da Aeronáutica). A política econômica no governo Dutra pode ser delimitada por dois marcos relevantes. O primeiro foi a mudança na política de comércio exterior, com o fim do mercado livre de câmbio e a adoção do sistema de contingenciamento às importações, entre meados de 1947 e início de 1948. O segundo foi o afastamento do ministro da Fazenda, Correa e Castro, em meados de 1949, indicando a passagem de uma política econômica contracionista e tipicamente ortodoxa para outra, com maior flexibilidade nas metas fiscais e monetárias. O importante a notar é que ambos os marcos fazem parte de um mesmo processo de progressiva desmontagem da visão que norteou a formação do governo Dutra. Essa visão, assim como seu gradual desaparecimento, por sua vez, só é compreensível à luz dos acontecimentos do cenário internacional. As perspectivas que o governo Dutra tinha em seu início foram fundamentalmente determinadas pela idéia de uma rápida reorganização da economia mundial, de acordo com os princípios liberais de Bretton Woods (envolviam, prioritariamente, a eliminação das barreiras ao livre fluxo de bens e a multilateralização do comércio internacional). Entretanto, esses princípios não foram implementados automaticamente e, aos poucos, as concepções iniciais do governo foram sendo erodidas. Pode-se considerar que, ao final da Segunda Guerra, as autoridades monetárias e cambiais do Brasil se tornaram vítimas de uma espécie de "ilusão de divisas", que se apoiava na percepção de que o país estaria em situação bastante confortável com relação às suas reservas internacionais. Além de se julgar credor dos Estados Unidos pela colaboração oferecida durante a Segunda Guerra Mundial, o governo brasileiro acreditava que uma política liberal de câmbio seria capaz de atrair fluxos significativos de investimentos diretos estrangeiros. Havia, ainda, a esperança de uma alta expressiva dos preços internacionais do café, em conseqüência, principalmente, da eliminação, em julho de 1946, de seu preço-teto por parte do governo norte-americano. Confiante na evolução favorável do setor externo, o governo Dutra identificou na inflação o problema mais grave e premente a ser enfrentado. O diagnóstico oficial localizava nos déficits orçamentários da União, que vinham sendo acumulados nos últimos anos, a causa maior dos 27 aumentos no nível de preços, assumindo, assim, que políticas monetárias e fiscais severamente contracionistas formariam o tratamento adequado. Política Econômica Externa As políticas cambial e de comércio exterior do início do governo Dutra devem ser analisadas, portanto, à luz daquela "ilusão de divisas" e da prioridade dada ao combate à inflação. A taxa de câmbio foi mantida em torno de Cr$18-19 por dólar, havendo um relaxamento dos controles cambiais em princípios de 1946, com a abolição das restrições a pagamentos existentes desde o início dos anos 30. Vale ressaltar que, nos anos anteriores, como os preços no Brasil aumentaram muito acima da variação dos preços nos Estados Unidos e a taxa de câmbio tinha variado pouco, a sobrevalorização real era evidente. Eram vários os objetivos dessa política: • Atender à demanda contida de matérias-primas e de bens de capital para reequipamento da indústria, desgastada durante a guerra; • Forçar a baixa dos preços industriais, mediante o aumento da oferta de produtos estrangeiros, importados com uma cotação cambial sobrevalorizada; • Estimular o ingresso de capitais, com a liberalização da saída dos mesmos, na expectativa de que funcionasse como fator de atração de recursos. A ilusão que primeiro se evidenciou como tal foi a falsa avaliação da situação das reservas internacionais. Em 1946, metade das reservas estava em ouro e eram consideradas reserva estratégica, que necessariamente deveria ser preservada para emergências futuras. A outra metade era composta de US$235 milhões em libras esterlinas bloqueadas e apenas US$92 milhões eram de fato líquidas e utilizáveis em negócios com países de moeda conversível. Além disso, as reservas evoluíam de modo desfavorável, na medida em que o problema fundamental da balança comercial estava no fato de o Brasil obter substanciais superávits comerciais com a área de moeda inconversível, enquanto acumulava déficits crescentes com os Estados Unidos e outros países de moeda forte. Nesse contexto, desfeitas progressivamente as ilusões de que as restrições externas haviam sido superadas, pareceria natural a opção de desvalorizar a moeda. Porém, essa alternativa foi posta de lado pelo governo Dutra, por diversas razões. Em primeiro lugar, uma vez que a demanda estrangeira pelo café era relativamente inelástica com respeito ao preço, uma taxa de câmbio sobrevalorizada - ao desestimular a oferta do produto - poderia ser utilizada para sustentar os preços internacionais do café. Em segundo, as autoridades governamentais temiam que alterações na taxa cambial tivessem reflexos significativos sobre o nível de preços domésticos, comprometendo a política de combate à inflação. Em terceiro lugar, mais de 40% das exportações dirigiam-se à área de moedasinconversíveis e/ou bloqueadas, e o café representava mais de 70% das exportações para áreas de moedas conversíveis. Assim, mesmo supondo uma elevada elasticidade-preço da oferta de outras exportações que não o café, não 28 era justificável uma política de superávits comerciais adicionais na área de moedas não- conversíveis, pois isso apenas pressionaria a base monetária, dada a manutenção do câmbio fixo. Em vez de desvalorizar a moeda, portanto, em julho de 1947 o governo instituiu controles cambiais e de importações. Os bancos autorizados a operar em câmbio foram obrigados a vender ao Banco do Brasil 30% de suas aquisições de câmbio livre, à taxa oficial de compra. Atendidos os compromissos do governo, o Banco do Brasil disponibilizaria divisas de acordo com uma escala de prioridades que favorecia a importação de produtos considerados essenciais. O controle instituído não foi rigoroso, e as restrições ao comércio exterior foram apresentadas como passageiras, destinadas a serem abandonadas assim que os mercados mundiais se recuperassem. Apenas em fevereiro de 1948 foi adotada a primeira forma do sistema de contingenciamento a importações, baseado na concessão de licenças prévias para importar, de acordo com as prioridades do governo. Tal sistema permaneceria, na prática, até a liberalização ocorrida no início do governo Vargas (1951), e, na legislação, até a Instrução 70 da Sumoc, em outubro de 1953. Analisado em sua capacidade de reduzir o déficit com a área conversível, o sistema de licenciamento de importações funcionou a contento. O déficit com essa área - de US$313 milhões, em 1947 - foi reduzido para US$108 milhões em 1948 e transformado em pequeno superávit de US$18 milhões em 1949. Com a área de moeda inconversível, ocorreram superávits em 1947 e 1948 e razoável equilíbrio entre 1949 e 1950. Contudo, um resultado não desejado da manutenção da taxa cambial foi a perda de competitividade das exportações brasileiras, principalmente em relação aos mercados europeus, devido às desvalorizações das principais moedas do Continente em 1949. Para isso, contribuiu a progressiva reorganização da economia mundial após a Segunda Guerra, levando a que as exportações brasileiras de manufaturados - que haviam crescido durante o conflito - perdessem espaço no mercado internacional. Como conseqüência, as exportações, exceto o café, contraíram-se entre 1947 e 1950. Substituição de importações e crescimento industrial Embora o sistema de controle de importações tenha sido instituído em meados de 1947 com o intuito de fazer frente ao desequilíbrio externo, procurando racionar e dar melhor uso à moeda estrangeira disponível, terminou por ter grande importância para o crescimento da indústria no pós-Guerra. Mantinha-se a taxa de câmbio sobrevalorizada e progressivamente impunham-se medidas discriminatórias à importação de bens de consumo não-essenciais e daqueles com similar nacional. Daí resultou "um estímulo considerável à implantação interna de indústrias substitutivas desses bens de consumo, sobretudo os duráveis, que ainda não eram produzidos dentro do país e passaram a contar com uma proteção cambial dupla, tanto do lado da reserva de mercado como do lado do custo de operação. Essa foi basicamente a fase da 29 implantação das indústrias de aparelhos eletrodomésticos e outros artefatos de consumo durável”. Pode-se apontar a existência de três efeitos relacionados à combinação de uma taxa de câmbio sobrevalorizada com controle de importações: um efeito subsídio, associado a preços relativos artificialmente mais baratos para bens de capital, matérias-primas e combustíveis importados; um efeito protecionista, viabilizado pelas restrições à importação de bens competitivos; e um terceiro efeito, na verdade, resultante da combinação dos dois primeiros, que consiste na alteração da estrutura das rentabilidades relativas, no sentido de estimular a produção para o mercado doméstico em comparação com a produção para exportação. Paralelamente à imposição de controles cambiais e sobre as importações, o crédito real à indústria cresceu 38%, 19%, 28% e 5%, respectivamente, nos anos de 1947 a 1950. Os dados de 1947 e 1948 são particularmente significativos, pois nesses anos, como se verá adiante, o governo estava fortemente empenhado em adotar políticas austeras. Como resultado da combinação de controles sobre as importações e expansão real do crédito ao setor manufatureiro, entre 1946 e 1950 a produção real da indústria de transformação aumentou em pouco mais de 42% (9% a.a.), com destaque para os setores de Material Elétrico (28% a.a.), Material de Transporte (25% a.a.) e Metalurgia (22% a.a.). Ainda assim, esses três setores respondiam, conjuntamente, por menos de 10% do valor adicionado industrial no início da década de 1950. Naquele ano, as importações ainda representavam 40% da oferta doméstica no setor de Material Elétrico, 51% no de Material de Transporte e 18% da oferta doméstica na Metalurgia (contra 13,5%, em média, na indústria de transformação em 1950). Deve-se ressaltar que o avanço do processo de industrialização nos primeiros anos após a Segunda Guerra foi, essencialmente, um efeito indireto dos controles cambiais e de importação adotados como resposta aos problemas do balanço de pagamentos. Ademais, tratou-se de um movimento fundamentalmente levado adiante pelo setor privado (com a importante exceção da CSN, estatal), como resposta à mudança de preços relativos, que permitia acesso a insumos essenciais a custo baixo e, simultaneamente, conferia proteção à produção doméstica de produtos finais. Durante o governo Dutra, a única iniciativa de intervenção planejada do Estado para o desenvolvimento econômico terminou sendo o Plano Salte, tentativa de coordenação dos gastos públicos destinados aos setores de saúde, alimentação, transporte e energia, e que previa investimentos para os anos de 1949 a 1953. A principal dificuldade do Plano Salte foi a inexistência de formas de financiamento definidas. Tendo atravessado o segundo governo Vargas sem grandes resultados concretos, foi finalmente extinto na administração Café Filho. Política Econômica Interna A política econômica doméstica do governo Dutra pode ser definida, até 1949, como marcadamente ortodoxa. A inflação, que chegara a 11% e 22% em 1945 e 1946, respectivamente, foi identificada como o principal problema a ser enfrentado e diagnosticada 30 oficialmente como derivada de excesso de demanda agregada. A sua eliminação se daria através de uma política monetária contracionista, que reduziria o dispêndio privado, e de política fiscal austera, que acabaria com os déficits orçamentários que vinham se acumulando nos últimos 20 anos. Após um enorme déficit no orçamento da União em 1946, a contração do investimento público em 1947 e 1948 permitiu a obtenção de pequenos superávits naqueles dois anos. A política monetária, contudo, foi pressionada pela expansão do crédito do Banco do Brasil (presidido por Guilherme da Silveira) que, em 1948, apresentou crescimento real de 4,0%, voltado principalmente para o financiamento à indústria. O PIB cresceu 9,7% em 1948 (graças, sobretudo, ao crescimento industrial). Já a inflação, após cair para 2,7% em 1947, alcançou 8,0% no ano seguinte. A substituição de Correa e Castro por Guilherme da Silveira no Ministério da Fazenda marca um ponto de inflexão na política econômica ortodoxa até então praticada pelo governo Dutra. O fato é que em 1949 gerou-se um enorme déficit no orçamento do setor público (incluindo estados e Distrito Federal), que continuaria em 1950. A expansão real do crédito do Banco do Brasil, corroborada por
Compartilhar