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Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Capítulo 6: TIPOS DE ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO Johelle Passos-Soares e Michelle Falcão Objetivos de aprendizagem 1. Compreender a classificação dos estudos epidemiológicos 2. Identificar as principais características dos estudos epidemiológicos 3. Entender a aplicação dos estudos epidemiológicos na saúde coletiva 1- A classificação dos estudos epidemiológicos Inicialmente, ressalta-se que os estudos epidemiológicos são bastante utilizados em pesquisas, principalmente, no âmbito da Saúde Coletiva, para compreender o processo saúde-doença e, assim, propor melhoria das condições de saúde da população e avaliar o impacto das políticas e projetos de saúde na sociedade. Para melhor entendimento sobre os diversos estudos epidemiológicos existentes, propôs-se algumas maneiras de classificá-los. Algumas das diversas classificações apontadas pela literatura são apresentadas a seguir. Classificação de acordo com o papel do pesquisador Nessa classificação, existem os estudos observacionais e os estudos experimentais. No primeiro, o pesquisador apenas observa o sujeito de estudo, sem realizar qualquer tipo de intervenção. Os resultados desse tipo de pesquisa são divulgados tal como foram observados. Um pesquisador deseja compreender o efeito de determinado hábito sobre a saúde das pessoas. Para isso, ele buscará pessoas que já possuem o hábito e observará os efeitos do mesmo sobre a saúde. Deseja-se, por exemplo, verificar se a presença do tabagismo está associada ao aparecimento de lesões em boca. Numa situação como essa, jamais será solicitado ao participante que fume alguns cigarros para observar se o mesmo desenvolverá lesões bucais. Para realizar um estudo com esse Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública objetivo, serão observados os indivíduos que possuem o hábito de fumar cigarros. Por características do próprio desenho de estudo (que é observacional, não pode intervir na realidade encontrada) e, por questões éticas (em prol do conhecimento, jamais se colocará alguém em risco), não se pode solicitar que os participantes da investigação adotem um hábito que porventura possa causar danos a sua saúde. Diferente do estudo observacional, tem-se o estudo experimental, também conhecido como estudo de intervenção, que realiza um experimento/intervenção no sujeito da investigação. Os resultados desse tipo de estudo estão relacionados ao efeito que a intervenção/experimento provocou no sujeito (PEREIRA, 2005). Por intervir na realidade encontrada, o estudo experimental somente realiza intervenções cujo resultado trará benefício e não provocará danos aos participantes. Pode-se verificar uma demonstração desse tipo de estudo, no caso de uma pesquisa que deseja investigar se o uso diário de chá de camomila em forma de enxaguante bucal reduziria a sensação de ardência bucal em mulheres menopausadas. Diante das características da camomila, existiriam duas possibilidades de resultado, o uso do chá não provocaria mudança na sensação de ardência ou reduziria a mesma. Para o caso de um possível efeito contrário, como a exacerbação do sintoma de ardência, o uso seria suspenso imediatamente. Observa-se que nesse estudo, não houve uma observação de quem já usava como hábito o chá de camomila como enxaguante bucal, mas selecionou- se um grupo que deveria usar o chá para verificar o efeito sob a ardência bucal, assim, houve uma intervenção. Salienta-se que assim como nos demais tipos de estudo, a intervenção deve respeitar os princípios éticos da pesquisa. Classificação de acordo com o propósito do estudo Nesse caso, os estudos podem ser descritivos ou analíticos. Os descritivos propõe apenas a descrição detalhada do que é observado. Geralmente, é considerado na descrição as variáveis relacionadas à pessoa (ex.: idade, sexo, raça/cor, escolaridade, etc.), ao tempo (ex.: horas, Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública dias, meses, século, período, etc.) e ao espaço (ex.: localização geográfica) (ROUQUAYROL e SILVA, 2013). Esse tipo de estudo é muito utilizado quando se estuda algo novo, em que ainda não se conhece o detalhamento do objeto/sujeito da investigação. Saber quem (variável de pessoa), onde (variável de espaço) e quando (variável de tempo) o que se está observando mais ocorre, é fundamental para adotar medidas de combate e controle das doenças/agravos (ROUQUAYROL e SILVA, 2013). Exemplos de estudo descritivos são os estudos de caso, estudos de série de casos e os estudos chamados de descritivos, mesmo. As frequências absolutas e percentuais são muito utilizadas na descrição, assim como as medidas de tendência central, como a média, moda, mediana, e de variabilidade como o desvio padrão, etc. A partir dos estudos descritivos, pode-se formular hipóteses para serem testadas nos estudos analíticos. Através das informações geradas pelo estudo descritivo, é possível questionar “os porquês” dessas informações apresentarem-se daquela forma. Para isso, é necessário realizar estudos analíticos, pois os mesmos poderão, através das hipóteses levantadas, realizar testes de associação para observar a presença ou ausência da relação de causa-efeito (MEDRONHO e BLOCH, 2008). Classificação de acordo com a direção temporal do estudo Ao se realizar uma pesquisa, pode-se investigar a relação de causa-efeito em duas situações. Na primeira situação, tem-se o estudo retrospectivo, em que o pesquisador, ao observar um efeito (doença/agravo/desfecho) em determinado sujeito, investiga no passado desse sujeito, se o mesmo foi exposto, se teve contato com aquilo que o pesquisador acredita ter sido a causa, o que provocou o efeito, na verdade, o pesquisador volta ao passado para testar a hipótese de estudo (PEREIRA, 2005). Por exemplo, ao observar que numa determinada comunidade rural, a prevalência de fissuras labiopalatais é muito maior do que o esperado, um Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública pesquisador resolve investigar no passado dessas crianças o que ocorreu para a “instalação dessa deformidade”. Salvo os casos relacionados ao trauma, as fissuras labiopalatais são de ordem congênita, isto é, o indivíduo já nasce com a fissura. Sendo assim, excluindo os fatores de ordem genética, sabe-se que a exposição das gestantes no início da gravidez a fatores ambientais nocivos como agrotóxicos, fumaça de cigarro, bebidas alcóolicas, entre outros, pode estar associada à ocorrência da fissura no bebê. Assim, o pesquisador, volta ao passado para buscar informação sobre a gestação e saber se houve o contato da gestante com um daqueles fatores, para então, através do cálculo estatístico, verificar se a exposição ao fator pode ser a causa relacionada à etiologia da fissura. DEMONSTRAÇÃO DO EXEMPLO DO ESTUDO RETROSPECTIVO Presença de fissura labiopalatal na criança Gestante exposta ao agrotóxico (EFEITO NO PRESENTE) (CAUSA NO PASSADO) Observa-se que o efeito e a investigação ocorrem no momento presente e a causa (exposição) no passado, por isso, é chamada de pesquisa retrospectiva. Na segunda situação, tem-se o estudo prospectivo. Nesse estudo, o pesquisador observa a exposição ao longo de determinado tempo para verificar se a mesma estará relacionada ao efeito esperado. Usando o exemplo acima, mas nesse caso, acompanhando a gestante desde o início da gravidez até o nascimento da criança (diferente do que ocorreu na demonstração anterior, onde o estudo iniciou a partir do diagnóstico da fissura), será anotada a presença ou ausência de todas as exposições que o estudo suspeita ser a causa do surgimento da fissura labiopalatal. Ao nascimento, observar-se-á se houve criança com fissura. Daí,analisará estatisticamente, se a hipótese é verdadeira ou não, isto é, se a exposição da gestante ao agrotóxico, por exemplo, está associada à presença da fissura labiopalatal na criança ou não. DEMONSTRAÇÃO DO EXEMPLO DO ESTUDO PROSPECTIVO Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Gestante exposta ao agrotóxico Presença/ausência de fissura labiopalatal na criança (CAUSA NO PRESENTE) (EFEITO NO FUTUTO) Observa-se que a causa (exposição) e a investigação ocorrem no momento presente (ao longo do decorrer do estudo) e o efeito (doença/agravo) no futuro, por isso, é chamada de pesquisa prospectiva. Compare a direção da seta do exemplo do estudo retrospectivo e do estudo prospectivo. Classificação de acordo com a unidade de observação Nessa classificação o estudo poderá ser agregado ou individuado. Se a investigação observa cada elemento da população ou amostra de forma individual, tem-se o estudo do tipo individuado. Se, ao contrário, investiga-se o todo, sem saber quem é cada elemento que compõe a população, tem-se o estudo do tipo agregado (ROUQUAYROL e SILVA, 2013). Na maioria das pesquisas, o pesquisador coleta os dados para o estudo de um a um. A unidade de observação é individuada. Busca-se as informações necessárias à investigação, de cada componente da população ou amostra. Dessa maneira, conhece-se todos os elementos de forma individualizada, entretanto, os resultados são divulgados em relação ao total da população investigada e não individualmente. Existem pesquisas que comparam informações entre populações, como por exemplo, comparam a prevalência de dengue entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre cidades, entre bairros, entre escolas, enfim, entre grupos. Ao buscar a informação sobre a prevalência da dengue, encontra-se o valor total, sem saber quem é cada caso de dengue que compôs aquele conjunto. Nesse tipo de estudo, não existem informações sobre a doença e exposição do indivíduo, mas do grupo populacional como um todo. No estudo do tipo agregado, a unidade de observação é o grupo e não o indivíduo. Classificação a acordo com o desenho de estudo Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública De acordo com o desenho (delineamento) existem os estudos ecológicos, os estudos transversais, os estudos de caso-controle, os estudos de coorte e os estudos de intervenção. Cada um deles tem uma finalidade e será escolhido de acordo com o que se propõe investigar. As características de cada um deles serão detalhadas ao longo desse capítulo. 2- Estudo Ecológico Esse tipo de estudo usa os dados de uma população inteira para comparar a frequência da doença ou agravo entre grupos distintos, em um mesmo período de tempo, ou entre o mesmo grupo, em períodos de tempo diferentes. Geralmente, os dados são provenientes de estatísticas globais, isto é, de sistemas de informação que disponibilizam dados populacionais de um determinado local e período (PEREIRA, 2005). A comparação entre a frequência da doença/agravo e a exposição é realizada com o objetivo de verificar a possível existência de associação entre elas. Para isso, usa os dados relativos a populações de países, regiões, municípios, bairros, escolas, enfim, de grupos específicos. Essa verificação gera uma hipótese, que por sua vez deverá ser investigada em outro tipo de pesquisa que permita observar a causa e o efeito em momentos distintos, pois como no estudo ecológico não é possível observar a causa e o efeito, separadamente, o mesmo é incapaz de testar uma hipótese. Para exemplificar essa situação, tem-se um pesquisador que observou a variação da prevalência da doença cárie entre as diversas populações e resolveu verificar o motivo dessa diferença. Assim, optou por levantar a prevalência da doença cárie na zona rural e na zona urbana de todas as capitais brasileiras. Em seguida, buscou os dados dessas populações em relação à nutrição. Ao fazer a associação através da aplicação do coeficiente de correlação linear, observou a correlação positiva para a associação da prevalência de cárie da zona urbana com a alimentação e uma correlação negativa para a associação da prevalência de cárie da zona rural com a alimentação. Esse resultado sugere a hipótese que o tipo de alimentação utilizada na zona urbana é cariogênica em relação ao tipo de alimentação usada na zona rural. Essa hipótese poderá ser testada em estudos longitudinais, isto é, Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública que acompanhem o sujeito ao longo do tempo para saber se a hipótese poderá ser aceita ou será rejeitada. As vantagens do estudo ecológico referem-se ao baixo custo e a facilidade de obtenção dos dados que o torna rápido de ser realizado. Entretanto, é necessário que a fonte de dados seja confiável, uma vez que o resultado da pesquisa que utiliza dados secundários depende da qualidade dos mesmos. Além disso, o estudo ecológico tem a “falácia ecológica” como uma limitação importante (ROUQUAYROL e SILVA, 2013). A “falácia ecológica” trata-se de um viés possível de ocorrer nos estudos ecológicos quando se atribui ao indivíduo os resultados encontrados no grupo. É preciso lembrar que os achados do estudo relacionam-se ao grupo populacional e que esse mesmo achado poderá não ser observado em nível individual. Assim, não se pode aplicar aos indivíduos os resultados de uma associação observada entre agregados (PEREIRA, 2005). Utilizando o exemplo acima, pode ser que existam pessoas na zona urbana cuja alimentação não possui correlação positiva com a doença cárie, assim como, pessoas na zona rural que não possuem correlação negativa da alimentação com a doença cárie, apesar do resultado do estudo ecológico ter apontado o contrário. Em saúde pública, os estudos ecológicos são usados para verificar a distribuição de agravos à saúde e de fatores de risco em diferentes áreas e/ou períodos de uma só vez. A partir dessa verificação, ajudam a identificar áreas com maior necessidade de ações de saúde (PEREIRA, 2005). Diante do exposto, e de acordo com as classificações apresentadas, anteriormente, o estudo ecológico é observacional, agregado e analítico. Ressalta-se que apesar de ser considerado analítico, tem baixo poder de análise, em contrapartida, possui elevado potencial descritivo. 3- Estudo transversal Assim como no estudo ecológico, o estudo de corte transversal, também conhecido como seccional ou de prevalência, é do tipo observacional, apesar de analítico, também possui elevado potencial descritivo. Ao contrário do ecológico, sua unidade de observação é o indivíduo. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Como avalia causa e efeito ao mesmo tempo, não apresenta a característica de acompanhamento, isto é, longitudinalidade. Por esse motivo, não é possível saber se a exposição ocorreu antes ou depois do desfecho (doença/agravo) nesse delineamento, o que deixa a relação temporal sem clareza (MEDRONHO e BLOCH, 2008). A partir da população investigada, calcula-se uma amostra representativa da mesma e, após a observação em um intervalo de tempo definido no presente, aloca-se os participantes do estudo em grupos de pessoas expostas ao fator estudado e as não expostas a esse mesmo fator. Em seguida, separa-se dentro de cada grupo, os indivíduos que estavam doentes naquele momento e os que não estavam, como pode ser observado na Figura 1, e procede-se a análise estatística com o uso da razão de prevalência. Devido a simultaneidade da verificação da relação do tipo causa-efeito, esse estudo não estabelece causalidade, entretanto, por sugerir explicações para as variações de frequências, é indicado para gerar hipóteses de causas de doenças. Como tem um elevado poder descritivo, é bem aplicadoem estudos que possuam o objetivo de identificar características relativas ao evento estudado. Além disso, é bastante utilizado para fins de planejamento em saúde e monitoramento da situação de saúde da população, pois auxilia na identificação dos grupos de risco (ROUQUAYROL e SILVA, 2013). POPULAÇÃO (amostra) Indivíduos que estavam expostos e doentes Indivíduos que estavam expostos, mas não estavam doentes Indivíduos que não estavam expostos, mas estavam doentes Indivíduos que não estavam expostos, nem doentes TEMPO PRESENTE Figura 1. Esquema do delineamento do estudo transversal. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Comparado aos estudos em que é necessário o acompanhamento do desfecho em pelo menos dois momentos de observação, um para verificar a causa e outro para verificar o efeito, o estudo do tipo corte transversal possui baixo custo e tem fácil execução, entretanto, geralmente, precisa de um elevado número de participantes, o que o torna impróprio para estudar doenças ou agravos raros. Por não necessitar de acompanhamento, o risco de perder participantes no estudo é baixo. Entretanto, é susceptível ao viés de seleção, isto é, os participantes selecionados podem não representar a realidade que o estudo propõe investigar. Fatores como a conveniência em selecionar determinado participante, por exemplo, pode interferir no resultado (PEREIRA, 2005). Os Inquéritos Nacionais de Saúde Bucal, como o SB BRASIL 2003 e o SB BRASIL 2010, são exemplos de estudo transversal, cujos resultados são utilizados na implementação das premissas da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB). Neles, durante um intervalo de tempo definido coletou-se os dados relativos aos indicadores de cárie, doença periodontal, fluorose, edentulismo entre outros, na população brasileira, de modo que os resultados encontrados traçaram o perfil de saúde bucal nacional e revelaram os avanços e retrocessos (RONCALLI, CORTES e PERES, 2012) referentes ao impacto da PNSB na população. 4- Estudo caso controle Trata-se de um estudo observacional, individuado, analítico e retrospectivo que pode ser usado na saúde pública para investigar associações etiológicas de doenças raras ou pouco frequentes. No caso-controle, inicialmente, são selecionados os indivíduos portadores da doença ou agravo que são denominados casos. Em seguida, busca-se indivíduos que não possuam aquela doença ou agravo, mas que podem ser usados na comparação com os casos. A esse grupo de indivíduos dá-se o nome de controles. Dentro de cada grupo de caso e de controle, separa-se os sujeitos que estavam expostos e os que não estavam expostos ao fator que está sendo investigado no passado, então, procede-se a análise estatística para verificar a associação, através da medida chamada Odds Ratio (Figura 2). Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Figura 2. Esquema do delineamento do caso controle. Por permitir a observação da causa e do efeito em momentos distintos, o estudo de caso controle investiga a associação etiológica, principalmente, das doenças e agravos de baixa incidência ou que tenham um período de latência muito longo. Por ser retrospectivo, o sentido da investigação se dá do efeito (desfecho) para a causa (exposição) (PEREIRA, 2005). Observe o sentido da seta na Figura 2. Para selecionar os casos é necessária a adoção de critérios que certifiquem a presença do agravo à saúde. Quando possível, o uso de exames considerados padrão para conclusão diagnóstica é o ideal para classificação dos casos. Além disso, é importante caracterizar bem a doença, para que os casos sejam semelhantes entre eles, afinal, uma doença que tenha características iniciais muito distintas das características em um estágio mais avançado, poderá Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública apresentar diferença de resultado na associação etiológica, levando a conclusões que podem não ser verdadeiras (PEREIRA, 2005). A seleção dos controles é uma das dificuldades da realização desse estudo, pois os mesmos precisam ser semelhantes ao caso, diferenciando-se desse, somente, quanto à presença ou ausência da doença. É necessário assegurar, ainda, que os controles provenham da mesma região ou local onde se selecionou os casos, para ser assegurado que ambos estavam expostos às mesmas condições (PEREIRA, 2005; ROUQUAYROL e SILVA, 2013). Os estudos de caso controle podem ser classificados, segundo o critério de seleção dos grupos, em pareados e não pareados. Nos caso controles pareados, algumas características dos controles devem ser semelhantes o máximo possível às características do caso, para reduzir ao máximo, a possibilidade de confundimento na análise dos resultados. Geralmente, pareia- se o sexo, a idade, a ocupação, porém, a escolha das características a serem pareadas entre caso e controles dependerá do que se pretende investigar. Nos estudos de caso controle não pareados, não há necessidade de seleção tão rígida dos controles (PEREIRA, 2005). Por ter que buscar informações sobre a exposição (causa) no passado, o estudo de caso-controle depende da existência dos dados sobre essa exposição em momentos anteriores, além disso, possui o risco de encontrar registros com baixa qualidade, ou ainda, ser susceptível ao viés de memória (PEREIRA, 2005; MEDRONHO e BLOCH, 2008). 5- Estudo de coorte O coorte é um estudo epidemiológico em que o evento investigado é acompanhado ao longo do tempo no sentido exposição-desfecho. No início da investigação, somente os indivíduos que não apresentam a doença ou agravo esperado, portanto, os sadios em relação ao evento pesquisado, são acompanhados. Dentre esses indivíduos, observam-se aqueles que estão expostos ao suposto fator de risco e os que não estão expostos. Ao longo do seguimento, em cada grupo será identificado àqueles que ficaram doentes e os que não ficaram doentes, como pode ser observado na Figura 3. Para a análise estatística dos dados após o período observacional usa-se o risco relativo. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Figura 3. Esquema do delineamento do estudo coorte. Visto que se inicia a observação com o indivíduo sadio em relação ao evento investigado, o estudo de coorte permite a confirmação da hipótese etiológica. Por avaliar os casos novos da doença/agravo que surgem ao longo da observação, esse estudo produz medidas de incidência e, por isso, também é conhecido como estudo de incidência e, ainda, como estudo prospectivo (PEREIRA, 2005; MEDRONHO e BLOCH, 2008). O estudo de coorte é observacional, analítico, individuado e prospectivo. Além disso, a depender da forma de entrada dos participantes na coorte, a mesma poderá ser uma coorte fixa ou dinâmica. Na coorte fixa, a entrada dos participantes só pode ocorrer no início da formação da coorte. Na coorte dinâmica, os participantes podem “entrar” no estudo durante todo o seguimento (PEREIRA, 2005). Dentre os estudos observacionais, o coorte apresenta a vantagem de acompanhar o evento do momento inicial (exposição) até momento final (desfecho), o que favorece a qualidade das informações coletadas. Entretanto, a depender do tempo do seguimento, o custo desse tipo de pesquisa pode ser muito elevado. Além disso, o risco dos sujeitos desistirem da participação, abandonarem o estudo ou irem a óbito é muito grande, o que leva a necessidade de iniciar o estudo com um quantitativo considerável de participantes a depender do tipo de evento investigado. Dessa forma, não pode ser usado em investigação de doenças raras (MEDRONHO e BLOCH, 2008). Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública 6- Estudo de intervenção Da mesma forma que no estudo de coorte, a investigação desse estudo parte da exposiçãoem direção ao desfecho com o intuito de avaliar a resposta da intervenção. Esse estudo também é conhecido como estudo experimental. No estudo clássico, após selecionar a população elegível, de forma aleatória separa-se os indivíduos em dois grupos. Em um grupo realiza-se a intervenção e no outro não. Posteriormente, observa-se em cada bloco a existência ou ausência do efeito esperado e procede-se a análise estatística indicada (Figura 4). Figura 4. Esquema do delineamento do estudo de intervenção. Ao processo de alocação aleatória dos indivíduos no grupo onde haverá a intervenção e no grupo sem a intervenção é dado o nome de randomização. O primeiro grupo é chamado de experimental e o segundo de grupo controle (MEDRONHO e BLOCK, 2008). Nos estudos de intervenção, para reduzir ou até mesmo evitar erros de mensuração, as variáveis do estudo, principalmente a variável independente, podem ser rigidamente controladas. O estudo experimental controlado e aleatorizado é conhecido como ensaio clínico randomizado. Mas, se o mesmo é controlado, mas não é aleatorizado (não-randômico), passa a ser chamado de quase experimental. MOMENTO PRESENTE MOMENTO FUTURO Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Quando nem o pesquisador, nem o investigado conhecem as alocações dos grupos e as mensurações relativas às variáveis dependentes, a intervenção é do tipo duplo-cega. Entretanto, se apenas os investigados desconhecem em qual grupo estão alocados, tem-se o estudo de intervenção do tipo simples-cego. E, no caso de tanto os investigados quanto os pesquisadores terem acesso a informações capazes de indicar a alocação dos grupos experimental e de controle, diz-se que o estudo de intervenção é do tipo aberto (HOCHMAN et al., 2005). Os estudos de intervenção podem ocorrer em ambiente laboratorial, onde todas as variáveis podem ser rigidamente controladas. Nesse caso, nem sempre os resultados da intervenção obtidos em nível laboratorial podem ser reproduzidos na população em geral, pois o ambiente sob o qual a população vive não é passível de controle rígido tal como ocorre nos experimentos laboratoriais, cujos resultados aproximam-se da artificialidade. Por isso, os resultados do teste de alguns fármacos em nível laboratorial não são verificados quando os mesmos são usados na população. Os estudos experimentais ditos “verdadeiros” são do tipo controlado, randomizado e duplo-cego, nesses estudos, apenas o fator de intervenção é diferente entre os grupos. Os ensaios clínicos randomizados são considerados o padrão de referência dos métodos de pesquisa em epidemiologia. Além disso, constituem-se a melhor fonte de evidência científica disponível (HOCHMAN et al., 2005). Os estudos de intervenção possuem custo elevado quando comparado aos estudos observacionais, podendo aumentar, quanto maior for o tempo do estudo. A depender do tipo de experimento, os aspectos éticos podem ser fatores limitantes do estudo. Por demandar o acompanhamento da intervenção, tal como o estudo de coorte, está susceptível a perdas dos participantes ao longo do seguimento (PEREIRA, 2005). A pesquisa que avalia uma intervenção possui a vantagem de observar múltiplos desfechos de uma só vez e produzir medidas de incidência, visto que a observação se dá ao longo do experimento, possibilitando verificar o aparecimento de cada novo desfecho. Existe ainda o estudo experimental do tipo ensaio comunitário, onde a unidade de observação é a comunidade. Esse tipo de estudo é usado para Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública avaliar o impacto de intervenções na coletividade (PEREIRA, 2005). Tem-se o exemplo da adição do iodo no sal de cozinha, cujo objetivo foi reduzir a morbidade do bócio endêmico, ou ainda, a fluoretação da água de abastecimento público, que ocorreu com o intuito de reduzir a prevalência da doença cárie. -----------------------------------------QUESTÕES ---------------------------------------------- QUESTÃO 1 (SEC. DE SAÚDE PE-2015) – Considerando a vigilância em saúde bucal, percebe-se que: A) os estudos transversais são importantes componentes para a vigilância em saúde bucal, assim como em qualquer política de vigilância em saúde. B) não existem modelos assistenciais em saúde bucal nos quais o uso da Epidemiologia seja um eixo estruturante. C) os inquéritos nacionais de saúde bucal realizados em 1980, 1990 e 2003 contribuíram para a construção do perfil epidemiológico de saúde bucal da população brasileira. D) o Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - não colaborou para a Vigilância em Saúde Bucal da Política Nacional de Saúde Bucal no que diz respeito à produção de dados primários de morbidade bucal. E) a Epidemiologia em Saúde Bucal tem apresentado significativo crescimento no Brasil, mas não auxilia nem se constitui em ferramenta de planejamento e avaliação por parte dos serviços de saúde. Grau de dificuldade: Médio Análise das alternativas Alternativa A – Verdadeira. Os estudos transversais são excelentes para respaldar o planejamento em saúde e monitorar a situação em saúde das populações. Alternativa B – Falsa. A epidemiologia é um dos tripés da saúde coletiva. É uma ferramenta importante para direcionar as ações em saúde a partir da realidade encontrada. Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde Bucal, ratifica a necessidade de utilizar a Epidemiologia e as informações sobre o território para subsidiar o planejamento e centrar a atuação na Vigilância à Saúde, incorporando práticas contínuas de avaliação e acompanhamento dos danos, riscos e determinantes do processo saúde doença. Assim, o modelo assistencial da Vigilância à Saúde utiliza a epidemiologia como eixo estruturante. Alternativa C – Falsa. Os inquéritos nacionais de saúde bucal no Brasil contribuíram para a construção do perfil epidemiológico de saúde bucal, entretanto, ocorreram em 1980, 1986, 1996, 2003, 2010. Não houve inquérito em 1990. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Alternativa D – Falsa. O SB BRASIL 2010 trouxe imensa colaboração a Política Nacional de Saúde Bucal ao revelar a evolução dos indicadores de saúde bucal a partir das medidas de saúde adotadas a partir do SB BRASIL 2003. Os dados coletados foram todos primários, através de estudo inquérito populacional (desenho do tipo transversal). Alternativa E – Falsa. A Epidemiologia em Saúde Bucal tem apresentado significativo crescimento no Brasil, tem auxiliado e se constituído ferramenta de planejamento e avaliação por parte dos serviços de saúde. Dica do autor: o conhecimento sobre a utilização da epidemiologia em modelos de vigilância a saúde pode ser aprofundado com a leitura do artigo Perfis epidemiológicos de saúde bucal no Brasil e os modelos de vigilância de autoria de Ângelo Giuseppe Roncalli, Maria Ilma de Souza Cortes e Karen Glazer Peres, publicado no Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, supl. p. s58-s68, jan. 2012. Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 311X2012001300007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 jul. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300007c. QUESTÃO 2 (SEC. DE SAÚDE PE-2015) – Considerando a vigilância em saúde bucal, verifica-se que: A) o Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - deverá ser o elemento norteador da política com relação aos agravos de saúde bucal, subsidiando, unicamente, o desenvolvimento de ações preventivas de caráter coletivo. B) os inquéritos nacionais de saúde bucal realizados em 1986, 1996 e 2003 norteiam toda a política de saúde bucal vigente na perspectiva de se constituir em um elemento estratégico de modelo de vigilância em saúde. C) o levantamento epidemiológico deve contribuir para a construção de uma série histórica de dados de saúde bucal,com o objetivo de verificar tendências, planejar e avaliar serviços. D) o Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - não representa estratégia do eixo da Vigilância em Saúde Bucal da Política Nacional de Saúde Bucal. E) o Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - não conseguiu contribuir para a produção de dados primários de morbidade bucal. Grau de dificuldade: Fácil Análise das alternativas Alternativa A – Falsa. Os resultados obtidos a partir do Projeto SB Brasil 2010, assim como de outros levantamentos epidemiológicos que ocorrerem devem nortear a política com relação aos agravos de saúde bucal, subsidiando, o desenvolvimento das ações em saúde presentes no modelo de Vigilância a Saúde, e não unicamente as preventivas de caráter coletivo. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Alternativa B – Falsa. Dentre os inquéritos apresentados na alternativa, apenas o inquérito do 2003 norteou a política de saúde bucal vigente na perspectiva de se constituir em um elemento estratégico de modelo de vigilância em saúde, pois devido a metodologia utilizada nos demais inquéritos, os mesmos não representaram a realidade nacional. Premissa fundamental ao desenvolvimento de uma política nacional. Alternativa C – Verdadeira. Os levantamentos epidemiológicos, que se trata de estudo do tipo transversal, realizados de forma contínua, com periodicidade regular são capazes de verificar tendências, planejar e avaliar serviços. Alternativa D – Falsa. O Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - representa uma das estratégias do eixo da Vigilância em Saúde Bucal da Política Nacional de Saúde Bucal. Alternativa E – Falsa. O Projeto SB Brasil 2010 – Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – por se tratar de um estudo transversal que coletou os dados através de inquérito domiciliar produziu dados primários de morbidade bucal. Para relembrar – Glossário TERMO SIGNIFICADO Aleatória Forma de seleção dos indivíduos de um estudo, onde todos tem a mesma chance de participação. Causalidade Relação entre causa e efeito. Coeficiente de correlação Tipo de medida de associação. Confundimento Ocorre quando a variável de estudo se correlaciona com a variável dependente e a independente. Dessa forma, na análise estatística ela precisa ser isolada, para não haver interferência no resultado. Dados secundários Dados obtidos de fontes secundárias. Em pesquisa são usados dados que já foram coletados anteriormente. Desfecho Resultado final de um evento após exposição a um fator específico. Efeito O resultado da exposição, a doença, o agravo. Exposição Variável que o pesquisador sugere como o motivo do surgimento da doença ou agravo. Hipótese Proposição a ser testada em estudos epidemiológicos. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública Longitudinalidade Acompanhamento ao longo do tempo Mensuração Ato de medir, mensurar. Odds Ratio Medida de associação do tipo proporcionalidade, usada em estudos que buscam associações etiológicas em análises estatísticas. Período de latência Tempo compreendido entre o contato com um fator específico e a manifestação da doença ou agravo relacionado ao mesmo. População elegível Formada por indivíduos aptos para participar da investigação. Prevalência Número de casos novos e antigos de uma determinada doença ou agravo na população. Risco relativo Medida de associação que avalia a relação entre o fator de risco e o desfecho. Sujeito O participante da pesquisa sobre o qual trata a investigação. Variáveis dependentes É aquela que se modifica em relação a um estímulo. Variável independente É aquela que não se modifica diante de um estímulo. Viés Termo estatístico que indica erro sistemático, tendencioso. Viés de memória A informação procurada depende da memória do participante, o que pode levar a um erro. Livro Manual de Odontologia – Epidemiologia e Saúde Pública - Para relembrar – Modelo esquemático Referências HOCHMAN, Bernardo et al. Desenhos de pesquisa. Acta Cirúrgica Brasileira, São Paulo, v. 20, supl. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 86502005000800002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 31 jul. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-86502005000800002. MEDRONHO, Roberto A.; BLOCH, Katia Vergetti. Epidemiologia. 2 ed. São Paulo: Atheneu, 2008. PEREIRA, Maurício Gomes. Epidemiologia - teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005. RONCALLI, Ângelo Giuseppe; CORTES, Maria Ilma de Souza; PERES, Karen Glazer. Perfis epidemiológicos de saúde bucal no Brasil e os modelos de vigilância. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, supl. p. s58- s68, jan. 2012. Disponível em <http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102- 311X2012001300007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 30 jul. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012001300007. ROUQUAYROL, Maria Zélia; SILVA, Marcelo Gurgel Carlos da. Rouquayrol epidemiologia & saúde. 7 ed. Rio de Janeiro: MedBook, 2013
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