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Fichamento do texto: LIBÂNEO, João Carlos. Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e do conhecimento escolar. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 38-62, mar. 2016. O presente artigo, objeto de fichamento, analisa o impacto das políticas educacionais nacionais e supranacionais nas concepções de escola e legitimidade do conhecimento escolar. São utilizados documentos oficiais do Banco Mundial e do Ministério da Educação como metodologia de análise com o objetivo de identificar as políticas públicas no campo da educação e seus impactos nas orientações curriculares das escolas públicas. São expostas três orientações acerca dos objetivos e funções da escola, das quais Libâneo resolve destrinchar duas em oposição ao longo do artigo. A primeira delas é a dos organismos multilaterais expressas nas políticas educativas de alívio a pobreza associadas ao currículo instrumental (chamado currículo mínimo) voltado a educação para o trabalho. Essa posição tem sido a hegemônica no campo das políticas públicas nacionais para a educação em virtude de sua vinculação com as orientações dos organismos internacionais. A segunda é a perspectiva dialético-crítica, defendida pelo pesquisador, a qual se caracteriza num currículo assentado na formação cultural e científica em interconexão com as práticas socioculturais dos alunos. A posição dos organismos multilaterais, especialmente do Banco Mundial partem de uma perspectiva globalista e econômica, visando ajustar a oferta de educação às exigências da mundialização do capital e mitigar a pobreza, colocando a aprendizagem e a escola a serviço das soluções do mercado global para problemas sociais e econômicos. Para além disso, identificamos nesta abordagem a subordinação da educação ao mercado de trabalho, na medida em que os conteúdos expressos no chamado currículo instrumental expressam conhecimentos e habilidades necessárias a empregabilidade precária e imediata, associados ao currículo de convívio e acolhimento social, “visando formar um tipo de cidadania baseado na solidariedade e na contenção de conflitos sociais” (LIBÂNEO, 2016). O objetivo geral é possibilitar aos pobres se integrarem econômica e socialmente, ou seja, “é uma estratégia que objetiva a competitividade no contexto da globalização dos mercados”. Podemos perceber que as políticas educativas estão lastreadas, em última análise, nos interesses econômicos, mesmo quando incluem recomendações sobre diversidade e inclusão social. Os papéis da escola como lugar de formação cultural e científica e de desenvolvimento das capacidades de pensamento crítico dos alunos são completamente esvaziados, bem como a desfiguração do próprio conhecimento escolar. Libâneo identifica essas diretrizes presentes na proposta de escola em tempo integral apresentada no documento Educação Integral (apud. BRASIL, 2009). Posta essa ideia, o autor continua a explicitar aspectos que denotam uma grande problemática: O afastamento da escola do seu genuíno sentido de existência. Destacam-se entre esses aspectos a influência da iniciativa privada na escola pública, a partir da admissão da Escola como dever de todos e do Estado (como o modelo que foi implantado na Inglaterra em 1998 pelo governo trabalhista). Adiante o autor destaca o controle político e social provocado por essas políticas, observados a partir da defasagem do processo de ensino-aprendizagem, a partir de um currículo de resultados pautado apenas no processo avaliativo e em metas quantificáveis, negligenciando as especificidades existentes numa sala, escola, etc. Por fim, Libâneo faz referência à obra de António Nóvoa, destacando que a escola passa a ser então uma instituição que mescla e absorve diversas características de políticas difusas (com a perspectiva essencialmente elitista de suprir as “carências” dos pobres por meio das “missões sociais”), priorizando a ideia de formação de cidadania para os pobres, enquanto que para os ricos a escola continua a ser o ambiente do conhecimento e da aprendizagem, fundamentando ainda mais a clivagem da desigualdade estrutural. Concluindo sua análise, Libâneo coloca essa abordagem em perspectiva com a dialética- crítica. Ele argumenta que a subordinação das políticas educacionais às de redução da pobreza corporificam a discriminação social na medida em que aos pobres é oferecido um currículo empobrecido. Assumir essa problemática não implica, no entanto, desconsiderar a diversidade social e cultural, mas uma postura pedagógica que permita incluir as práticas socioculturais dos alunos, onde mora a diversidade, na abordagem dos conteúdos científicos. Como proposição didático-pedagógica, Libâneo menciona a “abordagem de duplo movimento” de Hedegaard e Chaiklin (2005) que consiste no professor utilizar o conteúdo do conhecimento cotidiano e local dos alunos no desenvolvimento do conhecimento teórico- conceitual de maneira relacional. Esta perspectiva pedagógica educacional permite ao aluno organizar suas experiências em torno do sistema conceitual e científico na medida em que estabelece o pensamento crítico como ferramenta para analisar, compreender, e em última análise, modificar o mundo ao seu redor. O autor argumenta que é desta maneira que podemos reduzir as diferenças de níveis de escolarização entre os diferentes grupos sociais. A escola de qualidade não é, portanto, a mensurável segundo padrões quantitativos gerais, mas a que possibilita, através dos conteúdos, “o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos alunos” em estreita relação com suas características individuais e socioculturais.
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