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82 Unidade II Unidade II 5 ATENÇÃO À PESSOA IDOSA Para iniciar este capítulo, destaca-se o poema a seguir: Quando eu tiver setenta anos Quando eu tiver setenta anos Então vai acabar esta adolescência Vou largar da vida louca E terminar minha livre-docência. Vou fazer o que meu pai quer Começar a vida com passo perfeito Vou fazer o que a minha mãe deseja Aproveitar as oportunidades De virar um pilar da sociedade E terminar meu curso de Direito. Então ver tudo em sã consciência Quando acabar esta adolescência. Paulo Leminski (1994, p. 40). A percepção da idade é subjetiva. Para muitos, ter 50 anos é já ter “virado a curva”, gíria que significa estar próximo ou a caminho da morte, sem direito a emoções positivas; para outros, é iniciar uma fase nova da vida; e há quem diga que se trata de um perído para continuar a vida de forma tranquila, buscando viver da melhor forma possível. A seguir, será traçado um panorama geral da pessoa idosa, inclusive no Brasil, a fim de elucidar os avanços legais para esse segmento. 5.1 Envelhecimento O ser humano, como todo ser vivo, nasce, cresce, envelhece e morre, trata-se de um processo natural de sua vivência. A infância e a adolescência são relacionadas às questões de produtividade e dependência. Na juventude e na idade adulta, o ser humano se torna produtivo, gozando de autonomia. Uma última etapa, antes da morte, é a velhice. 83 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO O termo velhice é um conceito que surgiu após as revoluções burguesas e a Revolução Industrial, época em que só havia interesse por uma população economicamente ativa, que dispusesse de vigor físico para trabalhar. Quando essas pessoas não podiam mais exercer suas funções com o avançar da idade, passavam a ser consideradas velhas pela sociedade, em especial para o mercado de trabalho. Esse momento, associado à chegada da aposentadoria, faz com muitas vezes o indivíduo, com a perda do papel de trabalhador, deixe ou reduza os seus relacionamentos com a comunidade, já que passa boa parte de seu tempo no ambiente de trabalho. Ao longo da história, a velhice foi vista de diferentes maneiras, conforme a cultura e os hábitos de vida de cada povo. Há algumas sociedades em que os velhos não são apreciados, porém há outras em que são muito valorizados. Os idosos na Grécia antiga eram muito respeitados. Naquela época, homenageava-se o idoso com o neto recebendo o nome do avô. Todavia, no atual sistema capitalista, o que se vê é o preconceito e desrespeito à pessoa idosa, que é considerada inútil, incapaz. Esse fato acaba influenciando a negação da velhice e o culto à juventude. Para Oliveira (1999, p. 23), terceira idade é uma fase na qual se encontra “toda pessoa que esteja numa alta faixa etária, em que se evidenciam mudanças naturais e específicas de ordem física e psíquica”. Observação A expressão terceira idade surgiu na França em 1962, em virtude da introdução de uma política de integração social da velhice visando à transformação da imagem das pessoas envelhecidas. Bee (1997, p. 516) afirma não existir um consenso para determinar a faixa etária que compõe a terceira idade; considera que terceira idade estará situada acima dos 60 anos. “O período da velhice é o último período da fase de vida humana.” A autora deixa claro que a velhice existe, apesar de ser vista e percebida de forma diferente por cada indivíduo. O envelhecimento é parte inerente do processo da vida, assim como a infância, a adolescência e a maturidade, e é marcado por mudanças biopsicossociais específicas, associadas à passagem do tempo. No entanto, esse fenômeno varia de indivíduo para indivíduo; pode ser determinado geneticamente ou ser influenciado pelo estilo de vida, pelas características do meio ambiente e pela situação social. A abordagem do conceito de envelhecimento inclui a análise de aspectos culturais, políticos e econômicos relativos a valores, preconceitos e sistemas simbólicos que permanecem na história da sociedade. O envelhecimento é compreendido como um processo vitalício, intimamente ligado aos padrões de vida e saúde. Contudo, vale salientar que fatores socioculturais definem o olhar que a sociedade tem sobre os idosos e o tipo de relação que ela estabelece com esse segmento populacional. 84 Unidade II Lembrete O envelhecimento é um processo; a velhice, uma fase da vida; o velho ou idoso, o resultado final. O termo velho estava fortemente associado aos sinais de decadência física e incapacidade produtiva, sendo utilizado para designar, de modo pejorativo, sobretudo, os velhos pobres. Na década de 1960, o termo começou a desaparecer da redação dos documentos oficiais franceses, que o substituíram por idoso, menos estereotipado. Ao mesmo tempo, o estilo de vida das camadas médias começou a se disseminar para todas as classes de aposentados, que passaram a assimilar as imagens de uma velhice associada à arte do bem viver; então, apareceu o termo terceira idade, que tornou pública e legitimou a nova sensibilidade investida sobre os jovens e respeitados aposentados. O termo velho está associado a designações de negatividade, como o indivíduo que não possuía um estatuto social. Neri (2002), por sua vez, relata que os velhos são quase sempre vistos como consumidores de verbas públicas. Envelhecer é considerado um processo universal, dinâmico, progressivo, lento e gradual, sendo atrelado a fatores genéticos, biológicos, sociais, ambientais, psicológicos e culturais. Observação O termo velho pode significar a condição de inválido, mas há raízes ligadas, por exemplo, à pobreza, à alimentação, à moradia e à saúde durante as diferentes fases da vida. Pode-se dizer que ser velho é tornar-se velho, ou melhor, que envelhecer significa tornar-se mais velho. Com essa expressão, entende-se que a pessoa viveu ou está vivendo há muitos anos, já que só envelhece aquele que vive. Considerando velhice e envelhecimento como realidades heterogêneas, estudiosos afirmam as possíveis variações em sua concepção e vivência conforme tempos históricos, culturas, classes sociais, histórias de vida pessoais, condições educacionais, estilos de vida, gêneros, profissões e etnias etc. É consenso entre os pesquisadores que é vital compreender que tais processos são o acúmulo de fatos anteriores, em permanente interação com dimensões diversas da vida. Desse modo, coexistem diferentes imagens de velhos na sociedade contemporânea. Nesse contexto, a teoria das representações sociais, cuja contribuição tem sido significativa para a compreensão de diversos fenômenos, apresenta-se como um referencial importante para o estudo dos significados atribuídos ao envelhecimento e ao idoso. Essa teoria foi elaborada pelo psicólogo romeno Serge Moscovici, com o intuito de explicar e compreender a realidade social, considerando a dimensão histórico-crítica indissociável entre o individual e o social. 85 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO Ao explorar as representações sociais de uma pessoa idosa, promove-se o contato com imagens e conteúdo, e elas expressam, de certa forma, suas necessidades psicossociais, aspectos determinantes na construção de um planejamento de ações em prol de um envelhecimento saudável e bem-sucedido. O modo de envelhecer depende de como o curso de vida de cada pessoa, grupo etário e geração são estruturados pela influência constante e interativa de suas circunstâncias histórico-culturais, da incidência de diferentes patologias durante o processo de desenvolvimento e envelhecimento, de fatores genéticos e do ambiente ecológico (NERI; CACHIONE, 1999, p. 121). Entre as questões que cercam o envelhecimento, agravadas em sociedades excludentes e desiguais, a saúde ocupa um lugar estratégico pelo seu forte impacto sobre a qualidade de vida dos idosos e por ser alvo de estigmas e preconceitos reproduzidos socialmente em relação à velhice. Os fatores determinantes do envelhecimento, em nível da população de um país, são fundamentalmenteditados pelo comportamento de suas taxas de fertilidade e, de modo menos importante, de suas taxas de mortalidade. Para que uma população envelheça, é necessário, primeiro, que haja uma queda da fertilidade. Santos (2010), ao conceituar idoso, defende que ele pode ser visto sob dois prismas, a depender do país em que está localizado. O autor ainda acentua: O conceito de idoso é diferenciado para países em desenvolvimento e para países desenvolvidos. Nos primeiros, são consideradas idosas aquelas pessoas com 60 anos e mais; nos segundos, são idosas as pessoas com 65 anos e mais. Essa definição foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas, por meio da Resolução n. 39/125, durante a Primeira Assembleia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento da População, relacionando-se com a expectativa de vida ao nascer e com a qualidade de vida que as nações propiciam aos seus cidadãos (SANTOS, 2010, p. 1). Para Agustini (2003, p. 25), não existe um ser “pessoa idosa” [...] é apenas um termo social que não tem realidade humana. O que não impede que descrevam com seus usos e costumes, seu temperamento, seus defeitos. Tudo isso projeta, para os mais jovens, uma imagem de velhice bastante ameaçadora, incapaz de corresponder a um ideal atingível, como acontece em outras civilizações e em outras culturas. Esse ideal de ego que envelhece adquire um aspecto de bicho-papão do ego, contra o qual vai se quebrar mais de um espelho. O envelhecimento da população é um fenômeno mundial nos países desenvolvidos. A seguir, destacam-se alguns fatores que contribuem para tal: 86 Unidade II • Queda de mortalidade. • Grandes conquistas do conhecimento médico. • Urbanização adequada das cidades. • Melhoria nutricional. • Elevação dos níveis de higiene pessoal e ambiental, tanto em residências como no trabalho. • Avanços tecnológicos. O crescimento da população idosa está intimamente ligado a dois processos: à alta fecundidade no passado, ocorrida sobretudo nos anos 1950 e 1960, e à redução da mortalidade. A vida da pessoa idosa faz parte de um processo natural de seu envelhecimento, por fatores genéticos, fragilização (natural com o avanço da idade), levando-o a um estado de incapacidade e dependência de outrem para os cuidados de atividades simples, do cotidiano. O estatuto da velhice é imposto ao ser humano pela sociedade à qual pertence, sendo influenciado pelos valores culturais, sociais, econômicos e psicológicos de uma sociedade que determina o papel e o status que o velho terá (SILVA, 2003, p. 96). Em processos de envelhecimento, a família se torna partícipe e tem um papel vital para proteger e assegurar o direito do idoso, sendo uma alternativa no sistema de suporte informal aos idosos. A família, como unidade social, enfrenta uma série de tarefas de desenvolvimento; há diferenças quanto aos parâmetros culturais, mas as raízes são universais. A qualidade de vida e o suporte familiar são essenciais. Não importa se a pessoa idosa mora sozinha ou divide o espaço com um familiar, sempre se deve considerar seu bem-estar, além de questões como economia, lazer, educação e saúde. Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003). Assim, Alencar (2008) acentua que a família é a centralidade no âmbito da sobrevivência material, uma vez que há a ausência de direitos sociais, e é nessa instituição que os indivíduos tendem a buscar recursos para lidar com as situações adversas, tais como: desemprego, doença e velhice. Destaca-se a relação do Estado, da família e do idoso conforme a visão de Mioto (2004 apud REZENDE, 2012 p. 53), que compreende haver três interpretações: 87 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO 1. Vê a família numa perspectiva de perda de autonomia, de funções e da própria capacidade de ação. Em contrapartida, vê um Estado cada vez mais intrusivo, cada vez mais regulador da vida privada. 2. Pensa que a invasão do Estado na família tem se realizado através não de uma redução de funções, mas, ao contrário, de uma sobrecarga de funções. 3. Vê o Estado como um recurso para a autonomia da família em referência à parentela e à comunidade, e autonomia dos indivíduos em relação à autoridade da família. Outro aspecto relevante do processo de envelhecimento está relacionado às questões de aspectos: cronológico, biológico, psicológico e social, conforme versa Oliveira (1999). O aspecto cronológico está ligado à passagem do tempo, e este explicita a transição do novo para o velho, marcada pelo desgaste, por mudanças de comportamentos e expectativas. Portanto, a infância, a adolescência, a maturidade e a velhice constituem diferentes momentos, que supõem formas e dimensões distintas de encarar e interpretar os acontecimentos que ocorrem ao longo da vida do indivíduo. Observação A maioria dos conceitos de velhice recai sobre o tempo de vida de cada indivíduo. Quanto mais se avança em anos, menos tempo se possui para viver. A perspectiva cronológica da velhice é relativa, devendo ser considerada a partir da individualidade de cada um, suas características especiais, seus interesses e necessidades, desmistificando o estereótipo do idoso apenas segundo a faixa etária. Ainda é marcada por uma série de estágios que se organizam em torno de características físicas, psicológicas e sociais, os quais se relacionam com o processo de vivência pessoal e social da vida adulta. Assim, é possível afirmar que as pessoas envelhecem de forma coerente com a história de sua vida. Lembrete A idade cronológica serve apenas como marcador da idade objetiva. A idade cronológica, portanto, é o tempo transcorrido a partir de um momento específico: a data de nascimento do indivíduo. Por sua vez, o aspecto biológico está ligado ao envelhecimento físico, formado pelos três estágios vivenciados pelos indivíduos. O primeiro deles é a juventude, época de progresso, desenvolvimento e 88 Unidade II evolução; o segundo é a fase adulta e de maturidade, período de estabilização e equilíbrio; e o terceiro é a velhice, época de regressão. O envelhecer biológico compreende progressivas e complexas alterações na composição celular, na estrutura e na função dos tecidos, no endurecimento do sistema neuromuscular e na redução da capacidade de integração do sistema orgânico. É processo multifatorial, abrangendo desde o nível molecular ao morfofisiológico, com importante modulação do meio sobre o conteúdo genético, influenciado por modificações psicológicas, funcionais e sociais que ocorrem com o passar do tempo. Uma vez que o organismo passa por mudanças caracterizadas por crescimento, desenvolvimento, maturidade e, por fim, senilidade, o envelhecer representa um amplo problema biológico. Ou seja, esse processo é marcado pela perda progressiva da capacidade de adaptação do organismo. No aspecto social, evidencia-se a questão da utilidade social do indivíduo em processo de envelhecimento. A sociedade confere a esse indivíduo o status de inutilidade, relacionando-o à questão econômica e social. O processo de envelhecimento é marcado, portanto, por fatores socioeconômicos, ambientais e de saúde, sendo influenciado não apenas pela idade, mas, em grande medida, pelo modo como o indivíduo vive e as relações que estabelece. Nesse aspecto, destaca-se que há uma série de preconceitos sociais marginalizando a pessoa idosa e afastando-a do convívio social e não valorizando sua experiência, isso gera a incapacidade de reconhecimento do valor de sua própria velhice. Quanto aos aspectos psicológicos, essa etapa de vida é marcada por mudanças no sistema nervoso central, na capacidade sensorial e perceptual e na habilidade de organizar e utilizar informações.Existem influências externas, como expectativas culturais e fatores ambientais que vão refletir sobre a inteligência e a aprendizagem. O envelhecimento fisiológico, portanto, é definido como um conjunto de alterações que ocorrem no organismo humano e implica a perda progressiva da reserva funcional, sem comprometer as necessidades básicas de manutenção da vida. Em contrapartida, o envelhecimento patológico denomina-se como conjunto de alterações que ocorrem no organismo por causa de doenças e do estilo de vida que o indivíduo teve até essa fase. Entende-se que as doenças (senilidade) associadas às perdas fisiológicas (senescência) em idade avançada poderão levar à insuficiência de órgãos, à incapacidade funcional e ao óbito. Do ponto de vista sociocultural, o envelhecimento reflete uma inter-relação de fatores individuais, sociais e econômicos, fruto de educação, trabalho, experiência de vida e cultura. A sociedade determina a cada idade funções adequadas que o indivíduo deve desempenhar, como estudo, trabalho, matrimônio e aposentadoria. A forma como o indivíduo se autodefine depende das referências dadas pela cultura e pela sociedade, isto é, o indivíduo é receptor e emissor de valores que podem ser modificados. Hoje 89 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO os idosos vivenciam um momento de mudança cultural cujas referências transformam-se: o indivíduo idoso começa a exercer um papel como ator social, e as expectativas do envelhecimento e da velhice alcançam novas dimensões. A dimensão social refere-se aos papéis e aos hábitos que a pessoa, ao longo do seu ciclo vital, assume na sociedade e na família, a partir de um padrão culturalmente estabelecido. O envelhecimento agregado à vulnerabilidade social pode, muitas vezes, manifestar-se pela diminuição ou perda do papel desempenhado por longos anos, na esfera familiar, na social e na profissional. Sob o prisma do contexto mundial, o envelhecimento tornou-se um fenômeno novo, e mesmo os países mais ricos e poderosos não estão preparados ou adaptados para tal realidade. No tocante ao envelhecimento populacional, os países desenvolvidos diferem substancialmente dos subdesenvolvidos, já que os mecanismos que levam a tal envelhecimento são distintos. Na Europa, por exemplo, o aumento na expectativa de vida ao nascimento já havia sido substancial à época em que ocorreram importantes conquistas do conhecimento médico, em meados do século passado. Um excelente exemplo é a redução da mortalidade por tuberculose. Nos Estados Unidos, no início do século anterior, a taxa de mortalidade por essa doença era de 194 mortes para cada 100 mil indivíduos em um ano. Em países do terceiro mundo, por outro lado, o aumento substancial na expectativa de vida ao nascimento foi ser observado a partir de 1960. Desse período até 2020, as estimativas são de um crescimento bastante acentuado; “a expectativa média de vida ao nascimento no terceiro mundo nesses sessenta anos terá aumentado mais de 23 anos, atingindo 68,9 anos em 2020” (HOOVER; SIEGEL, 1986, p. 133). Tabela 1 – População total de pessoas idosas: 1960-1980. Em milhões; projeções são variantes médias Décadas 1960 1980 Regiões População total Acima de 65 anos Acima de 80 anos População total Acima de 65 anos Acima de 80 anos Mundo 3.037,0 165,3 19,9 4.432,1 259,5 35,3 Regiões mais desenvolvidas* 944,9 80,3 19,9 1.131,3 127,8 20,9 Regiões menos desenvolvidas** 2.092,3 85,0 8,1 3.300,8 131,7 14,4 *América do Norte, Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia e União Soviética **África, América Latina, Ásia (exceto Japão), Oceania (exceto Austrália e Nova Zelândia) Adaptada de: Hoover; Siegel (1986). 90 Unidade II Tabela 2 – População total de pessoas idosas: 2000-2020. Em milhões; projeções são variantes médias Décadas 2000 2020 Regiões População total Acima de 65 anos Acima de 80 anos População total Acima de 65 anos Acima de 80 anos Mundo 6.118,9 402,9 59,6 7.813,0 649,2 101,6 Regiões mais desenvolvidas* 1.727,2 166,0 30,2 1.360,2 212,4 43,4 Regiões menos desenvolvidas** 4.846,7 236,9 29,4 6.452,8 436,9 58,2 *América do Norte, Europa, Japão, Austrália, Nova Zelândia e União Soviética **África, América Latina, Ásia (exceto Japão), Oceania (exceto Austrália e Nova Zelândia) Adaptada de: Hoover; Siegel (1986). Tabela 3 – Mudança na população de países que terão mais de 16 milhões de pessoas com 60 anos ou mais no ano de 2025 (população em milhões) Países Class. em 1950 1950 1975 2000 2025 Class. em 2025 China 1º 42 73 134 284 1º Rússia 4º 16 34 54 71 3º Japão 8º 6 13 26 33 5º Indonésia 10º 4 7 15 12 7º México 25º 1 3 6 17 9º Nigéria 27º 1 2 6 16 11º Adaptada de: OMS (1979). Segundo Berzins (2003, p. 19-33): O Japão é o país que possui maior expectativa de vida ao nascer. No período correspondente entre 2000 a 2005, a expectativa era de 81,5 anos. Estima-se que, entre 2045 a 2050, a esperança de vida ao nascer suba para 88 anos. Já o país com a menor expectativa de vida, no período entre 2000 a 2005, era Botsuana, localizado ao sul da África, sendo esta de apenas 36,1 anos. Entre 2045 e 2050, estima-se que o país com menor esperança de vida seja Serra Leoa, com 61,5 anos. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), caso o processo de envelhecimento da população mundial permaneça num ritmo acelerado, a previsão para 2050 é que a quantidade de pessoas idosas supere a de menores de 14 anos, fato que seria inédito. A ONU (2002) ainda acentua o seguinte: 91 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO O número global de pessoas idosas – com 60 ou mais anos de idade – está projetado para aumentar de 962 milhões em 2017 para 1,4 bilhão em 2030 e 2,1 bilhões em 2050, quando todas as regiões do mundo, exceto a África, terão quase um quarto ou mais de suas populações com 60 anos de idade ou mais. Em 2100, o número de pessoas idosas pode alcançar 3,1 bilhões. A população com 60 anos ou mais está crescendo a uma taxa de cerca de 3% por ano. Globalmente, a população com 60 anos ou mais está crescendo mais rápido que todos os grupos etários mais jovens. Atualmente, a Europa tem a maior porcentagem de população com 60 anos ou mais (25%). A Organização Mundial de Saúde (OMS) evidencia que nas próximas décadas a “população mundial com mais de 60 anos vai passar dos atuais 841 milhões para 2 bilhões até 2050, tornando as doenças crônicas e o bem-estar da terceira idade novos desafios de saúde pública global” (ONU, 2014). Segundo a OMS: O aumento da longevidade se deve, especialmente nos países de alta renda, principalmente ao declínio nas mortes por doenças cardiovasculares – como acidente vascular cerebral e doença cardíaca isquêmica –, passando por intervenções simples e de baixo custo para reduzir o uso do tabaco e a pressão arterial elevada (ONU, 2014). Observação “Entre 1970 e 2025, espera-se um crescimento de 223%, 694 milhões idosos. Em 2025, serão 1,2 bilhões, e até 2050 haverá 2 bilhões, sendo 80% nos países em desenvolvimento” (OMS, 2005, p. 8). No processo de envelhecimento, há várias contribuições, tais como o desenvolvimento tecnológico e científico, principalmente da medicina, a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade, a melhoria dos setores de infraestrutura sanitária, a entrada da mulher no mercado de trabalho. Mesmo esses fatores sendo comuns em várias sociedades, a manifestação do processo de envelhecimento ocorre de diferentes formas entre os países. Nos países chamados desenvolvidos, o envelhecimento da população se apresentou de forma lenta e contínua. No bloco dos chamados países desenvolvidos, tal processo se deu de forma lenta, ao longo de mais de cem anos. Países como a Inglaterra, por exemplo, iniciaram o processo de envelhecimento de sua população, ainda em curso, após a Revolução Industrial, no período áureo do Império Britânico, dispondo de recursos necessários para fazer frente às mudanças advindas desta informação demográfica. Atualmente,alguns destes países 92 Unidade II apresentam inclusive um crescimento negativo da sua população, com taxas de natalidade mais baixa que a de mortalidade (VERAS, 2003, p. 6). Observe o trecho a seguir: Em 2002, quase 400 milhões de pessoas com 60 anos ou mais viviam no mundo em desenvolvimento. Até 2025, este número terá aumentado para aproximadamente 840 milhões, o que representa 70% das pessoas na terceira idade em todo o mundo (OMS, 2005, p. 11). Em termos de regiões, mais da metade da população de pessoas mais velhas vive na Ásia. Nas próximas duas décadas, esse percentual da Ásia aumentará ainda mais, enquanto a participação da Europa na população mundial mais velha diminuirá. Na maior parte do mundo desenvolvido, o envelhecimento da população foi um processo gradual acompanhado de crescimento socioeconômico constante durante muitas décadas e gerações. Já nos países em desenvolvimento, esse processo de envelhecimento está sendo reduzido há duas ou três décadas. Assim, enquanto os países desenvolvidos se tornaram ricos antes de envelhecerem, os países em desenvolvimento envelheceram antes de obterem um aumento substancial em sua riqueza (KALACHE; KELLER, 2000). O envelhecimento nos países em desenvolvimento é acompanhado por mudanças dramáticas nas estruturas e nos papéis da família, assim como nos padrões de trabalho e na migração. Fatores como urbanização, migração de jovens para cidades à procura de trabalho, famílias menores e mais mulheres tornando-se força de trabalho formal significam que menos pessoas estão disponíveis para cuidar de pessoas mais velhas quando necessário. Para a OMS (2005), é necessário interpretar o envelhecimento ativo para obter êxito. Observação Envelhecimento ativo expressa o processo de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança, objetivando melhoria na qualidade de vida à medida que as pessoas ficam mais velhas. 5.2 Desdobramentos do envelhecimento no aspecto biopsicossocial e a demanda por direitos, atendimento e cuidados 5.2.1 Processo de envelhecimento ativo O envelhecimento ativo aplica-se tanto a indivíduos quanto a grupos populacionais. Permite que as pessoas percebam o seu potencial para o bem-estar físico, social e mental ao longo do curso da vida, e que essas pessoas participem da sociedade de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades; ao mesmo tempo, propicia proteção, segurança e cuidados adequados, quando necessário. 93 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, fisicamente incapacitadas e que requerem cuidados. A abordagem do envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos humanos das pessoas mais velhas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e autorrealização estabelecidos pela ONU. Com esse cenário, as políticas sociais de saúde, o mercado de trabalho e a educação entenderam a necessidade de apoiar a questão, a fim de diminuir mortes prematuras em estágios da vida altamente produtivos, bem como subtrair as deficiências associadas às doenças crônicas na terceira idade. Se os indivíduos participarem ativamente de aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da sociedade, em atividades remuneradas ou não, e na vida doméstica, familiar e comunitária, os gastos com tratamentos médicos e serviços de assistência médica diminuiriam substancialmente. Programas e políticas de envelhecimento ativo reconhecem a necessidade de incentivar e equilibrar responsabilidade pessoal (cuidado consigo mesmo), ambientes amistosos para a faixa etária e solidariedade entre gerações. Ainda destacam as famílias e os indivíduos como corresponsáveis em planejar e auxiliar no preparo para a velhice. O envelhecimento ativo depende de uma diversidade de fatores determinantes que envolvem indivíduos, famílias e países e se aplicam à saúde de pessoas de todas as idades. Por exemplo, há evidências de que o estímulo e as relações afetivas seguras na infância influenciam a capacidade individual de aprendizagem e de convívio em sociedade durante todos os estágios posteriores da vida. O emprego, que é um fator determinante por toda a vida adulta, tem grande influência sobre a preparação, sob o aspecto financeiro, do indivíduo para a velhice. Observação Os fatores determinantes podem ser transversais, formados pela cultura e pelo gênero; relacionados aos sistemas de saúde e serviço social, bem como aos comportamentais; e relacionados a aspectos pessoais, ao ambiente físico, social e econômico. A cultura, que abrange todas as pessoas e populações, modela nossa forma de envelhecer, pois influencia todos os outros fatores determinantes do envelhecimento ativo. Os valores culturais e as tradições interferem muito no modo como uma sociedade encara as pessoas idosas e o processo de envelhecimento. Quando as sociedades atribuem sintomas de doença ao processo de envelhecimento, elas têm menor probabilidade de oferecer serviços de prevenção, detecção precoce e tratamento apropriado. 94 Unidade II A cultura também é determinante no modo como as demais gerações convivem com a pessoa em processo de envelhecimento. A questão de gênero é considerada como primordial no entendimento dos determinantes de envelhecimento e bem-estar de homens e mulheres. Evidencia o papel que eles ocupam na sociedade, seu status social. No tocante à questão de saúde e serviço social enquanto fatores determinantes, são necessárias ações integradas a fim de promover a saúde, prevenir doenças e proporcionar o acesso equitativo e de qualidade ao cuidado primário e de longo prazo. Para tal, são efetivadas ações de promoção em saúde e prevenção de doenças, pois, na medida que a população envelhece, a demanda por medicamentos que retardem e tratem doenças crônicas, aliviem as dores e melhorem a qualidade de vida vai continuar a aumentar. São ações de promoção em saúde e prevenção de doenças ações coletivas como prevenção primária, a exemplo de campanhas contra o tabagismo, secundária, como é o caso de constatação precoce de doenças, e terciária, que já é o próprio tratamento. Nesse percurso, enquadram-se as questões de cuidado e assistência a longo prazo. Segundo a OMS, a assistência a longo prazo é definida como um: Sistema de atividades empreendidas por cuidadores informais (família, amigos e/ou vizinhos) e/ou profissionais (de serviços sociais e de saúde) a uma pessoa não plenamente capaz de se cuidar, para que esta tenha a melhor qualidade de vida possível, de acordo com suas preferências individuais, com o maior nível possível de independência, autonomia, participação, satisfação pessoal e dignidade humana (OMS, 2000a). Portanto, a assistência a longo prazo abrange sistemas de apoio informais e formais. Estes podem incluir uma ampla variedade de serviços comunitários (saúde pública, cuidados básicos, tratamento domiciliar, serviços de reabilitação e tratamento paliativo), assim como tratamento institucional em asilos e hospitais para doentes terminais. Os sistemas formais referem-se também aos tratamentos que interrompem ou revertem o curso da doença e da deficiência. Os fatores determinantes comportamentais se relacionam ao estilo de vida e seus hábitos, como opção ou não pelo tabagismo, álcool e outras drogas; realização de atividades físicas; opção por alimentação saudável. Os fatores determinantes associados a aspectos pessoais se relacionam a questões biológicas e de genética por causa de sua grande influência sobre o processo de envelhecimento. Este representa um conjunto de processos geneticamente determinados e pode ser definido como uma deterioração funcional progressiva e generalizada, resultando em uma perda de resposta adaptativa às situações de estresse e em um aumento no risco de doenças ligadas à velhice. 95 DIREITOS DA CRIANÇA,ADOLESCENTE E IDOSO Há evidências de que a longevidade humana tende a ocorrer em famílias. Portanto, a influência da genética no desenvolvimento de problemas crônicos, como diabete, doença cardíaca, mal de Alzheimer e certos tipos de câncer varia bastante entre os indivíduos. Para muitas pessoas, comportamentos como não fumar, habilidade de enfrentar problemas e uma rede de amigos e parentes próximos pode modificar efetivamente a influência da hereditariedade no declínio funcional e no aparecimento da doença. Os fatores psicológicos, que incluem a inteligência e a capacidade cognitiva (por exemplo, a aptidão de resolver problemas e de se adaptar a mudanças e perdas), são indícios fortes de envelhecimento ativo e longevidade. Durante o processo de envelhecimento normal, algumas capacidades cognitivas (inclusive a rapidez de aprendizagem e memória) diminuem, naturalmente, com a idade. Contudo, essas perdas podem ser compensadas por ganhos em sabedoria, conhecimento e experiência. O declínio no funcionamento cognitivo é provocado por desuso (falta de prática), doenças (como depressão), fatores comportamentais (como consumo de álcool e medicamentos), psicológicos (falta de motivação, de confiança e baixas expectativas) e fatores sociais (solidão e o isolamento) mais do que o envelhecimento em si. Nesse quesito, destacam-se fatores psicológicos como autossuficiência, autoeficiência e superação de adversidade. Os fatores determinantes relacionados ao ambiente físico podem representar a diferença entre a independência e a dependência para todos os indivíduos. Eles envolvem questões de moradia (urbana ou rural); acessibilidade; moradia segura, que abrange a localização, incluindo a proximidade de membros da família; serviços e transporte, o que pode significar a diferença entre uma interação social positiva e o isolamento. Os padrões de construção devem levar em conta as necessidades de saúde e de segurança de idosos, como os obstáculos nas residências, que devem ser corrigidos ou removidos para evitar quedas. Observação Em muitos países em desenvolvimento, a proporção de idosos vivendo em cortiços e favelas tem aumentado. Pessoas idosas vivem nesses lugares sob o risco de isolamento social e com saúde precária. Já os fatores determinantes quanto ao ambiente social, ou seja, a necessidade de apoio social adequado, são importantes para não aumentar a mortalidade, a morbidade e os problemas psicológicos, incluindo diminuição da saúde e do bem-estar em geral. O rompimento de laços pessoais, solidão e interações conflituosas são as maiores fontes de estresse, enquanto relações sociais animadoras e próximas são fontes vitais de força emocional. As pessoas idosas apresentam maior probabilidade de serem expostas a perdas, são mais vulneráveis à solidão, ao isolamento social e a ter um menor grupo social. O isolamento social e a solidão na velhice estão ligados a um declínio de saúde tanto física como mental. Quanto aos fatores econômicos, três aspectos têm um efeito particularmente relevante sobre o envelhecimento ativo: a renda, o trabalho e a proteção social. 96 Unidade II As políticas de envelhecimento ativo precisam se cruzar com projetos mais amplos para reduzir a pobreza em todas as idades. Os pobres de todas as idades apresentam um risco maior de doenças e deficiências e os idosos estão particularmente vulneráveis. A ausência de renda ou renda hipossuficiente afetam seriamente o acesso a alimentos nutritivos, à moradia adequada e a cuidados de saúde. Enquanto proteção social, a família se coloca com uma via de proteção, provendo parte do auxílio para os idosos. Contudo, à medida que as sociedades se desenvolvem e a tradição de convivência entre as gerações no mesmo ambiente muda, exige-se cada vez mais que os países desenvolvam mecanismos de proteção social a idosos incapazes de ganhar a vida e que estejam sozinhos e vulneráveis. Em países em desenvolvimento, idosos que precisam de assistência tendem a confiar na ajuda da família, em transferências de serviços informais e em economias pessoais. Observação Países como a África do Sul e a Namíbia possuem uma pensão nacional para a velhice, sendo os benefícios fonte de renda de muitas famílias pobres e dos idosos. Em países desenvolvidos, as medidas de seguridade social podem incluir pensão para a velhice, aposentadoria por motivos ocupacionais, incentivos para a poupança voluntária, fundos compulsórios de poupança e programas de seguro para deficiências, doenças, tratamentos a longo prazo e desemprego. Todavia, ainda em alguns países menos desenvolvidos, os idosos tendem a se manter economicamente ativos na velhice pela necessidade, responsabilizam-se pela administração do lar e pelo cuidado com crianças, de forma que os adultos jovens possam trabalhar fora de casa. 5.2.2 Demandas por atendimento: violência e maus-tratos contra o idoso A fragilidade da pessoa idosa pode piorar em situações de abandono ou quando vive sozinha, ficando exposta a agressões e a crimes como furto. Uma forma bastante comum de violência (especialmente contra mulheres) é o abuso do idoso, cometido por membros da família ou por acompanhantes formais conhecidos da vítima. Os maus-tratos contra idosos ocorrem em famílias de todos os níveis econômicos. Sua escalada aumenta com mais frequência em sociedades que experimentam problemas econômicos e desorganização social, quando a taxa de crime e de exploração tendem a crescer. Os idosos tornam-se mais vulneráveis à violência quando precisam de mais cuidados físicos ou apresentam dependência física ou mental. Quanto maior a dependência, maior o grau de vulnerabilidade. O convívio familiar estressante e cuidadores despreparados agravam essa situação. Apenas recentemente os maus-tratos contra os idosos passaram a ser reconhecidos como violência doméstica. 97 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO Conforme a Rede Internacional para a Prevenção do Abuso ao Idoso, esse abuso é “um ato único ou repetido, ou a falta de uma ação apropriada, que ocorre no âmbito de qualquer relacionamento em que haja uma expectativa de confiança, que cause dano ou angústia a uma pessoa mais velha” (AEA, 1995). Ainda de acordo com a Rede Internacional de Prevenção do Abuso ao Idoso, a OMS elencou alguns tipos de violências: abuso físico ou maus-tratos físicos, em que há o uso da força física para obrigar os idosos a fazer ago que não desejam, para feri-los, provocar dor, incapacidade ou morte; abuso ou maus-tratos psicológicos, representando agressões verbais ou gestuais com o intuito de aterrorizar, humilhar, restringir a liberdade ou isolar do convívio social (ACTION ON ELDER ABUSE, 1995). Os maus-tratos contra idosos incluem abuso físico, sexual, psicológico, financeiro, inclusive negligência. Por exemplo: negligência (exclusão social e abandono), violação (de direitos humanos, legais e médicos) e privação (de escolhas, decisões, status, dinheiro e respeito) (OMS, 2005). O abuso ao idoso é uma violação dos direitos humanos e uma causa relevante de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e desespero. Em geral, em todas as culturas, é pouco denunciado. Combater e reduzir os maus-tratos contra idosos demandam uma abordagem multisetorial, multidisciplinar, que envolve vários atores sociais e instâncias governamentais, órgãos de defesa. Nesse contexto, é importante destacar alguns conceitos. • Negligência: recusa de cuidados necessários aos idosos por parte de responsáveis familiares ou institucionais. • Autonegligência: conduta da pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, pela recusa de prover cuidados necessários a si mesmo. • Abandono: ausência ou deserção de responsáveis governamentais, institucionais ou familiares de prestarem socorro a uma pessoa idosa que precise de proteção e assistência. • Abuso financeiro: exploração imprópria ou ilegal ou ao uso não consentido pela pessoa idosa de seus recursos financeiros e patrimoniais.• Abuso sexual: ato ou jogo sexual utilizando pessoas idosas. Lembrete A violência contra a pessoa idosa se define como qualquer ato, único ou repetitivo, ou omissão, que ocorra em qualquer relação supostamente de confiança, que cause dano ou incômodo à pessoa idosa. Conceitualmente, existem três fatores determinantes: 98 Unidade II • Um vínculo significativo e pessoal que gera expectativa e confiança. • O resulto de uma ação: dano ou o risco significativo de dano. • A intencionalidade ou não intencionalidade. A violência é um fenômeno mundial e existe desde o início da civilização. A violência existe desde os tempos primordiais e assumiu novas formas à medida que o homem construiu as sociedades. Inicialmente foi entendida como agressividade instintiva, gerada pelo esforço do homem para sobreviver na natureza. A organização das primeiras comunidades e, principalmente, a organização de um modo de pensar coerente, que deu origem às culturas, gerou também a tentativa de um processo de controle da agressividade natural do homem (SOUZA, 2010, p. 1). A OMS (2002, p. 3) define a violência contra a pessoa idosa: São ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional da pessoa idosa, impedindo o desempenho de seu papel social. A violência acontece como uma quebra de expectativa positiva por parte das pessoas que a cercam, sobretudo dos filhos, dos cônjuges, dos parentes, dos cuidadores, da comunidade e da sociedade em geral. Para Minayo (2005, p. 48), “o maltrato ao idoso é um ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”. Para a autora, a violência contra o idoso é um dilema universal e os idosos mais vulneráveis à violência são os dependentes física e mentalmente, em especial aqueles que apresentam agravantes como esquecimento, confusão mental, incontinência e dificuldades de locomoção (MINAYO, 2005). A pesquisadora define a natureza da violência e a divide da seguinte forma: As violências contra os idosos se manifestam de forma: (a) estrutural, aquela que ocorre pela desigualdade social e é naturalizada nas manifestações de pobreza, de miséria e de discriminação; (b) interpessoal, nas formas de comunicação e de interação cotidiana; e (c) institucional, na aplicação ou omissão na gestão das políticas sociais pelo Estado e pelas instituições de assistência, maneira privilegiada de reprodução das relações assimétricas de poder, de domínio, de menosprezo e de discriminação (MINAYO, 2005, p. 48). 99 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO A violência contra pessoas idosas é uma violação aos direitos humanos e é uma das causas mais importantes de lesões, doenças, perda de produtividade, isolamento e desesperança. Essa violência pode ser visível ou invisível: a primeira envolve mortes e lesões; a segunda abrange lesões que não machucam o corpo, mas provocam sofrimento, desesperança, depressão e medo. Os custos da violência contra pessoas idosas, ainda que não estejam suficientemente documentados, têm implicações diretas e indiretas. Os custos diretos podem estar associados à prevenção e intervenção, assim como a prestação de serviços, processos jurídicos, assistência institucional e programas de prevenção, educação e intervenção. Os custos indiretos referem-se a questões como menor produtividade, baixa qualidade de vida, dor e sofrimento emocional, perda de confiança e autoestima, incapacidades e morte prematura. Observação A violência contra a pessoa idosa é uma violação dos direitos humanos. Enfrentar a violência ao idoso requer um enfoque multidisciplinar. Há múltiplas situações, condutas, sintomas e sinais que podem levar a suspeitas da existência de violência. A própria queixa por parte da pessoa idosa é um dos indicadores mais sensível e específico, comum a todos os tipos de violências. O Brasil começou a tratar do assunto apenas nas duas últimas décadas, devido ao aumento do número da população idosa no país, que tornou irreversível a sua presença em todos os âmbitos da sociedade. Houve crescimento no protagonismo de movimentos realizados pela própria população idosa ou por instituições aliadas, seja em associações de aposentados, nos conselhos específicos e em movimentos políticos, sociais e de direitos. Essas ações repercutiram tanto na promulgação da Política Nacional do Idoso (1994) como no Estatuto do Idoso (2003), os quais serão estudados a seguir. A Lei n. 12.461 (BRASIL, 2011), que reformulou o art. 19 do Estatuto, Lei n. 10.741 (BRASIL, 2003), ressaltou a obrigatoriedade da notificação dos profissionais de saúde, de instituições públicas ou privadas, às autoridades sanitárias quando constatarem casos de suspeita ou confirmação de violência contra pessoas idosas, bem como a sua comunicação aos seguintes órgãos: autoridade policial; Ministério Público; Conselho Municipal do Idoso; Conselho Estadual do Idoso; Conselho Nacional do Idoso. 6 ENVELHECIMENTO NO BRASIL No Brasil, pode-se dizer que o marco inicial da construção da categoria social velhice remonta ao ano de 1890, quando foi fundado no Rio de Janeiro o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada. Em 1909, foi inaugurado nessa instituição um pavilhão para velhos não desamparados (GROISSMAN, 1999). Esses eventos assinalaram uma desvinculação da noção de velhice das noções de mendicância, vadiagem, pobreza e desamparo, o que ocorria desde a abolição da escravatura. 100 Unidade II Em paralelo, se nos remetermos às questões de institucionalização da pessoa idosa, o olhar para o envelhecimento no Brasil data de 1790. Segundo Lima (2005, p. 26), a primeira instituição destinada aos idosos no Brasil foi uma: Chácara construída em 1790 para acolher soldados portugueses que participaram da campanha de 1792 e que, naquela ocasião, encontravam-se “avançados em anos e cansados de trabalhos”, que, pelos seus serviços prestados, “se faziam dignos de uma descansada velhice”. A chamada casa dos inválidos foi construída por decisão do 5º Vice-Rei, Conde de Resende, que, contrariando todas as normas da época, cria esta instituição, inspirando-se na obra de Luís XIV (Hôtel des Invalides), destinada aos heróis [...]. Como podemos ver, a primeira instituição criada no Brasil era restrita a soldados militares, e não à velhice em geral. Com a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808, a casa que abrigava essas pessoas foi “cedida” ao médico particular do Rei e os internos foram transferidos para a Casa de Santa Misericórdia. As instituições de longa permanência tinham o objetivo de cuidar de pessoas que já possuíam idade denominada avançada, dignas de um envelhecimento saudável e com cuidados. Nesse aspecto, destaca-se o papel de cuidado da Casa de Santa Misericórdia, que se refere a uma forma de serviço de hospitalização que ocorria ainda na época colonial. Os asilos, como eram chamadas as instituições nesse período, tinham por objetivo prevenir as situações de mendicância, pois o número de pessoas envelhecidas das ruas aumentava. Em 1961, foi fundada a primeira sociedade científica brasileira no campo da velhice, a Sociedade Brasileira de Geriatria. Esta, em 1978, começou a acolher também os não médicos, por isso passou a se chamar Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). No fim dos anos 1960, o Sesc começou a desenvolver um trabalho pioneiro com idosos, por meio de programas de preparação para a aposentadoria, de divulgação científica sobre cuidados com a saúde no envelhecimento, de lazer, de atividades físicas e de educação para pessoas da terceira idade nos mesmos moldes dos que existiam na Europa. Em 1982, foi fundada a Associação Nacional de Gerontologia (ANG), congregando principalmente profissionais da área social. Diante dos avanços dos processos de envelhecimento, num contexto contemporâneo, o Brasil vem ganhando o título de um país com uma população jovem, que,embora esteja passando por um processo de envelhecimento nos últimos anos, é algo que se atenua de forma relativamente rápida. No início do século XX, um brasileiro vivia em média 33 anos, ao passo que hoje sua expectativa de vida ao nascer constitui 68 anos (VERAS, 2003). Tal condição era justificada por conta de precariedade das condições sanitárias, alta taxa de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. Com o avanço da medicina e a melhoria da qualidade 101 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO de vida, a mortalidade infantil diminuiu e, consequentemente, a expectativa de vida aumentou. Assim, o envelhecimento populacional atingiu vários países, exigindo políticas para cuidar e abrir espaço para esse novo contingente populacional. Desde os anos 1940, é entre a população idosa que são observadas as taxas mais altas de crescimento populacional, e já na década de 1950 esse crescimento superou 3% ao ano, chegando a 3,4% entre 1991 e 2000 (VERAS, 2003). De acordo com Santos e Silva (2013, p. 362), o crescimento da população idosa no Brasil, portanto, foi uma consequência da “diminuição da fecundidade, da redução da mortalidade da população e do aumento da expectativa de vida”. Segundo Rodrigues (2001, p. 149), foi no início da década de 1970 que “começou a surgir um número significativo de idosos em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso”. Em decorrência: Na década de 1970, precisamente no ano de 1976, por inspiração e coordenação do gerontólogo Marcelo Salgado e com o apoio do então ministro da Previdência e Assistência Social, Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva, realizaram-se três seminários regionais, em São Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza, e um nacional, em Brasília, [...] buscando um diagnóstico para a questão da velhice em nosso país e apresentar as linhas básicas de uma política de assistência e promoção social do idoso (RODRIGUES, 2001, p. 150). No Brasi: São consideradas pessoas idosas, segundo o marco legal estabelecido na Política Nacional do Idoso (1994) e no Estatuto do Idoso (2003), os indivíduos de 60 anos ou mais. Esse marco legal abrange uma população que tem pela frente um intervalo vital maior do que trinta anos. Por exemplo, no último censo, o IBGE constatou que já temos quase 30 mil pessoas com mais de 100 anos no país, sendo 2/3 delas mulheres (BRASIL, 2004, p. 17). O Estatuto assegura o direito de todas as pessoas envelhecerem com dignidade e respeito. Dispõe sobre a responsabilidade do Estado na garantia de segurança, saúde e a obrigação de formulação de novas políticas públicas: Art. 8º O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente. Art. 9º É obrigação do Estado garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade (BRASIL, 2003). 102 Unidade II Envelhecer em nossa sociedade é uma expressão da questão social a ser discutida com muito cuidado, dado o momento em que vivemos. O processo de envelhecimento é algo comum a todos e com ele surgem as complicações biológicas. Esse processo torna o idoso um sujeito em situação de risco, portanto, um cidadão com necessidade de atenção especial. O Brasil é um país que envelhece a passos largos. Apesar de iniciativas do governo federal, nos anos 1970, voltadas para pessoas idosas, apenas em 1994 foi instituída uma política nacional voltada para esse grupo. Antes, as ações governamentais tinham cunho caritativo e filantrópico. Nos anos 1970, foram criados benefícios não contributivos, como as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda mensal vitalícia para os necessitados urbanos e rurais com mais de 70 anos que não recebiam benefício da Previdência Social (TEIXEIRA, 2008). Como observa Neri (2007), diante do crescimento do segmento idoso no Brasil, e do consequente surgimento de suas demandas em diversas esferas, foram fixados os instrumentos legais de proteção às pessoas idosas com o objetivo de garantir, por exemplo, o direito à igualdade e superar a marginalização do idoso na sociedade. Especialmente nas décadas de 1980 e 1990, o envelhecimento em nosso país acarretou uma inversão na pirâmide etária brasileira. Antes, a base da pirâmide era representada pela população jovem, considerada a mais numerosa. Passando a assumir uma nova forma, a população adulta vem aumentando gradativamente para a população mais velha. Há alguns anos, o Brasil era caracterizado como um país de jovens, mas hoje o cenário é outro. De acordo com a síntese de indicadores sociais divulgada pelo IBGE, a esperança de vida ao nascer, no Brasil, cresceu três anos no período entre 1999 e 2009. Em 1999, a esperança de vida do brasileiro correspondia a 70 anos, em 2009, subiu para 73,1 anos (IBGE, 2010). No que se refere à esperança de vida ao nascer, para as mulheres, o índice passou de 73, 9 para 77 anos. Já para os homens, a evolução foi de 66,3 para 69,4, confirmando maior esperança de vida para o sexo feminino (IBGE, 2010). A população de pessoas idosas é a que mais cresce no Brasil, configurando um fenômeno novo e desafiador para a sociedade, para as famílias e para os governos. Para ilustrar, no início do século XX, a esperança de vida do brasileiro não passava dos 33,5 anos, chegando aos 50 na metade desse mesmo século. Em 2011, o nível de idade chegou a 74,8 anos, sendo que as mulheres estão vivendo sete anos a mais do que os homens (IBGE, 2010). 103 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO Pirâmide etária Brasil 2010 100 anos e mais 95 a 99 anos 90 a 94 anos 85 a 89 anos 80 a 84 anos 75 a 79 anos 70 a 74 anos 65 a 69 anos 60 a 64 anos 55 a 59 anos 50 a 54 anos 45 a 49 anos 40 a 44 anos 35 a 39 anos 30 a 34 anos 25 a 29 anos 20 a 24 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 5 a 9 anos 0 a 4 anos Envelhecimento da população brasileira Em no máximo 40 anos, a pirâmide etária brasileira será semelhante à da França hoje Homens Mulheres Figura 7 O envelhecimento populacional é a transformação da estrutura etária que acontece em decorrência do aumento da proporção de idosos no conjunto da população e a consequente diminuição da proporção de jovens. Durante mais de quinhentos anos, o Brasil teve uma estrutura etária rejuvenescida, porém esse quadro se modificou no decorrer do século XXI. Dados recentes contabilizam 30,2 milhões de idosos no Brasil, representando quase 12% de nossa população. Segundo dados do IBGE, o grupo de idosos de 60 anos ou mais “será maior que o grupo de crianças com até 14 anos já em 2030 e, em 2055, a participação de idosos na população total será maior que a de crianças e jovens com até 29 anos” (GENRO, 2014). Para o IBGE (2013), a “expectativa média de vida do brasileiro deve aumentar dos atuais 75 anos para 81 anos”, e as mulheres têm uma expectativa de vida maior do que dos homens. Em 2060, a “expectativa de vida delas será de 84,4 anos, contra 78,03 dos homens”. Na atualidade, elas vivem, em média, até os “78,5 anos, os homens, até os 71,5 anos”. 104 Unidade II Observação As mulheres são maioria no segmento de idosos, com 16,9 milhões (56% dos idosos), e os homens, 13,3 milhões (44% do grupo) (COSTA, 2018). Idade Mais de 90 85 a 89 80 a 84 75 a 79 70 a 74 65 a 69 60 a 64 55 a 59 50 a 54 45 a 49 40 a 44 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 14 5 a 9 1 a 4 0 a 1 Homens Mulheres Pessoas com mais de 65 anos serão de um quarto dos brasileiros em 2060, segundo projeção do IBGE. O percentual desse grupo representa 7,4% do total de pessoas que vivem no país em 2013. Milhões de pessoas 10 108 86 64 42 2 Pirâmides etárias absolutas 2013 1010 88 66 44 22 2040 8 86 64 42 2 2060 Figura 8 – Pirâmides etárias absolutas: 2013 a 2060 Com a mudança da estrutura etária brasileira,resultado da redução do número de jovens e do aumento da população idosa, o Brasil deve passar por profundas transformações socioeconômicas. Esse fenômeno não é uma característica única do Brasil, sendo compartilhado, de modo mais ou menos acentuado, por diversos países em desenvolvimento. 105 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO 100 anos e mais 90 a 94 anos 80 a 84 anos 70 a 74 anos 60 a 64 anos 50 a 54 anos 40 a 44 anos 30 a 34 anos 20 a 24 anos 10 a 14 anos 0 a 4 anos Pirâmide etária Brasil 2010 Homens Mulheres Por gênero 49% homens 51% mulheres Homens Mulheres A pirâmide em 1960 Figura 9 – Pirâmide etária e dividida por gênero O envelhecimento atinge principalmente a parcela da população que vive de modo muito vulnerável. O impacto dessa nova “ordem demográfica” no Brasil associado a fatores como subdesenvolvimento, falta de assistência, condições de saúde e lazer são aspectos necessários para o bem viver de uma população e exigem que os aparatos de atenção e proteção social sejam repensados. Cada vez mais as pessoas mais velhas têm sido vistas como contribuintes para o desenvolvimento. Assim, as habilidades para melhorar suas vidas e sua sociedade devem ser transformadas em políticas e programas em todos os níveis. A compreensão da longevidade como conquista da humanidade requer um redirecionamento das ações do Estado destinadas ao segmento social idoso e a todas as gerações. 106 Unidade II Diante desse quadro, as necessidades da população idosa, cujo contingente populacional cresce em ritmo bastante acelerado no Brasil, passam a ser compreendidas como uma das expressões da questão social contemporânea. Isto requer do Estado e governos o redimensionamento da agenda pública e dos investimentos, de forma a superar ações pontuais e localizadas, por políticas públicas de alcance social, com demarcação orçamentária concreta, e diretrizes institucionais nos diversos níveis administrativos que compõem a república federativa (SILVA, 2012, p. 206). Ficar velho no século XXI não será semelhante como ocorreu no século XX. Por um lado, os direitos já adquiridos são questionados diante do processo de transição demográfica, da política neoliberal de redução dos direitos sociais e da mudança nas condições de vida da família e da sociedade. Por outro, há organizações e mobilização para assegurar direitos e pô-los em prática e uma presença ativa da pessoa idosa na família e na sociedade. Tal situação denota que o processo de envelhecimento brasileiro vem passando por profundas desigualdades sociais, com diferentes formas de envelhecer. Estão presentes nesse processo os aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos, são fatores determinantes de acesso a bens e serviços sociais disponibilizados, revelando uma situação de exclusão de grande parte da população idosa dos bens essenciais à existência humana (SILVA, 2016). A satisfação das necessidades individuais de homens e mulheres idosos representa um dos grandes desafios da agenda pública, pois supõe considerar as especificidades de cada gênero. A conquista da longevidade traz um importante dado quanto ao envelhecimento, sobretudo o processo de feminização do envelhecimento, uma vez que as mulheres constituem a maioria em todas as regiões do mundo (SILVA, 2016). As condições estruturais e econômicas são responsáveis pelas desigualdades entre os sexos, implicando situações que alteram as condições de renda, saúde e a própria dinâmica familiar, exigindo demandas por políticas públicas e prestação de serviços de proteção social (BERZINS, 2003, p. 28). De acordo com a autora, viver mais não tem sido necessariamente sinônimo de viver melhor. Observação Mesmo sendo as mulheres que vivem mais, elas estão mais expostas a situações de violências, discriminações, salários inferiores (em comparação aos dos homens) e dupla jornada de trabalho, além da solidão. Segundo Veras (2003, p. 8): as desigualdades sociais não podem ser atribuídas meramente ao sexo, mas também à classe social e à raça. As pessoas pertencentes às classes sociais menos aquinhoadas e a certos grupos étnicos e raciais, tanto 107 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO mulheres quanto homens, são mais suscetíveis de vivenciar o desemprego, subemprego, emprego instável de baixos salários, do que as brancas de classes mais abastadas. Em suma, a classe social e a raça são estratificadores primários da vida das pessoas, tanto quanto o sexo. Todo cidadão tem direito ao envelhecimento, e a proteção desse direito engloba o compartilhamento de responsabilidades entre a família, o Estado e a sociedade. Lembrete Envelhecer com cidadania é regra básica no acesso aos direitos humanos como direitos de cidadania, e estes não têm idade. O direito a envelhecer com dignidade é um direito humano básico que se fundamenta na compreensão da velhice como uma etapa natural da existência humana, o que requer atenção prioritária, cuidados e assistência; embora sejam direitos sociais já reconhecidos, ainda não são necessariamente efetivados. Segundo Silva (2016), a existência de um instrumento legal no Brasil vem confirmar esses direitos retratados neste livro-texto. De fato, trata-se de um grande avanço para uma sociedade que se desenvolveu sem atentar para a importância de um princípio básico de civilidade, que é valorizar a sabedoria dos mais velhos e proteger as suas necessidades. No entanto, apesar do marco legal e suas medidas de efetivação, há muito o que percorrer para que tais ações sejam concretizadas. A III Conferência Regional Intergovernamental sobre Envelhecimento na América Latina e Caribe, realizada em 2012, ressalta as obrigações dos Estados com relação ao envelhecimento com dignidade e direitos, sobretudo na obrigação de procurar erradicar as múltiplas formas de discriminação baseando-se no recorte de gênero. Nesse sentido, conforme Brasil (2013b, p. 516-517), recomenda-se: A – prevenir, sancionar e erradicar todas as formas de violência contra as mulheres idosas, incluindo a violência sexual; B – promover o reconhecimento do papel que os idosos desempenham no desenvolvimento político, social, econômico e cultural de suas comunidades, destacando as mulheres idosas; C – assegurar a incorporação e a participação equitativa de mulheres e homens idosos no desenho e na aplicação das políticas, dos programas e planos que lhes dizem respeito; D – garantir o acesso equitativo de mulheres e homens idosos na Previdência Social e em outras medidas de proteção social, principalmente quando eles não gozem dos benefícios da aposentadoria; 108 Unidade II E – proteger os direitos sucessórios de mulheres viúvas e idosas, em especial os direitos de propriedade e de posse. No Brasil, o sistema de proteção social destinado ao segmento social idoso se encontra estruturado em termos de mecanismos legais que visam garantir proteção social básica e especial, através de políticas de seguridade social, além de outras políticas setoriais que visam assegurar bem-estar aos cidadãos que atingem a velhice. Os direitos dos idosos já estão estabelecidos no sistema legal e os avanços já alcançados em relação à proteção do idoso são frutos de pressões sociais nacionais e internacionais. Tais direitos foram consubstanciados na legislação brasileira (CF), reafirmados na Loas, reforçados na Política Nacional do Idoso (PNI) e no recente Estatuto. No entanto, são grandes os desafios para fazer frente à atual mudança no perfil demográfico brasileiro, que, como em todo o mundo, se depara com um crescimento acelerado no número de idosos. 6.1 Direitos dos idosos no Brasil antes da Constituição Federal de 1988 Estudos em diversos países indicam que até o século XIX, quando o trabalhador chegava na velhice, era expulso do seu local de trabalho, ou seja, abandonado à própria sorte, pois não possuía um amparo devido para prover a sua subsistência em idade mais avançada (BEAUVOIR, 1990 apud OTTONI, 2012).Em países desenvolvidos, buscou-se a manutenção do papel social e a reinserção dos idosos, sendo a questão da renda resolvida por meio de sistemas de seguridade social. Nos países em desenvolvimento e no Brasil, várias questões ficaram pendentes, como a pobreza e a exclusão da população anciã; somente após muitas décadas o Brasil começou a tomar medidas para compensar a situação de descaso com a população idosa (BEAUVOIR, 1990 apud OTTONI, 2012). Sobre o início do sistema brasileiro de proteção ao idoso, existem relatos durante o período colonial de que o Estado patrimonial português incorporou ao seu projeto de colonização práticas assistencialistas através da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que era uma instituição assistencial aos idosos, e somente em 1888 (Decreto 9.912-A) os trabalhadores dos Correios passaram a ter direito à aposentadoria. Para isso, deveriam possuir trinta anos de trabalho e, no mínimo, 60 anos de idade (BRASIL, 1888). No século XX, foram iniciadas as políticas previdenciárias estatais para trabalhadores privados. Em 1919, criou-se o seguro de acidentes do trabalho e, em 1923, a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs), a qual foi regulamentada pela Lei Eloy Chaves (BRASIL, 1923). A legislação buscava disciplinar o direito à pensão e também a possibilidade de organização das caixas de socorro para outras categorias de trabalhadores. Assim, a Lei Eloy Chaves obrigou a criação de CAPs para determinadas categorias de trabalhadores, não apenas caixas de socorro. Nesse novo formato, as CAPs recebiam a contribuição dos trabalhadores, dos empregadores e do Estado e buscavam 109 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO socorrer os trabalhadores em momentos de dificuldade, como doenças, acidentes ou mesmo pela idade. As primeiras CAPs criadas foram a de ferroviários e a de marítimos (BEHRING; BOSCHETTI, 2010). Na época, foram garantidas novas conquistas para a classe trabalhadora, como autorização de pensões e férias no período, ao menos no que concerne ao aspecto legal. Em 1891, criou-se a lei que regulamentava o trabalho infantil e, em 1911, a lei que reduzia a jornada de trabalho para doze horas diárias. Por fim, no ano de 1919, inaugurou-se a lei que regulamentava os acidentes de trabalho, cuja responsabilidade passou a ser do empregador. Observação Foi a partir de 1930 que o Estado e também os trabalhadores passaram a se interessar pelo sistema previdenciário brasileiro. Vargas desenvolveu um governo de regime ditatorial e assentado no militarismo. Contudo, é a partir de seu governo que tivemos as primeiras ações do Estado compreendidas como política social. Behring e Boschetti (2010) e Couto et al. (2010) entenderam que esse seria o primeiro estágio da política social brasileira, compreendido pelas autoras como o período de introdução da política social no Brasil. Todavia, essa política social não seria extensiva a todos os que dela necessitavam (como é esperado hoje), mas especialmente idealizada para atender a classe trabalhadora brasileira. Assim, em 1930, temos a criação do Ministério do Trabalho e, em 1932, da Carteira de Trabalho (CTPS). Então, consolidou-se uma série de direitos e proteções para a classe trabalhadora: regulação dos acidentes de trabalho; ampliação das aposentadorias e pensões; auxílio-doença; auxílio-maternidade; auxílio-família; seguro-desemprego. Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e em 1932, a Carteira de Trabalho, a qual passa a ser documento da cidadania no Brasil: eram portadores de alguns direitos aqueles que dispunham de emprego registrado em carteira. Essa é uma das características do desenvolvimento do Estado social brasileiro: seu caráter corporativo e fragmentado, distante da perspectiva da universalização de inspiração beveridgiana (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 106). Entretanto, grande parte da população brasileira não trabalhadora ou sem registro em carteira permanecia à margem do acesso aos direitos. Cabe destacar que, a partir da Era Vargas, houve uma ampliação significativa das CAPs, o que motivou a consolidação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões Sociais (IAPs). Por meio das CAPs, o empregado contribuía com uma parcela mensal do seu salário enquanto estava na ativa, como acontece na aposentadoria privada. 110 Unidade II Os IAPs eram a congregação de várias CAPs, de acordo com a categoria de trabalhadores. O primeiro IAP criado foi o dos marítimos, em 1933. Esses institutos não estavam restritos a prestar cuidado aos segmentos de trabalhadores desvalidos por meio da concessão de pensões sociais, mas também prestando cuidados à saúde e empréstimos para a classe trabalhadora alcançar a casa própria. O Estado não possuía uma política social de saúde, logo, tinha acesso à saúde apenas quem contribuía com algum instituto. O Estado apenas organizava campanhas sanitárias para conter endemias e epidemias, portanto, atuava de forma pontual e residual. Quem tinha necessidade de atendimento médico e não estava vinculado a nenhum instituto deveria procurar as Santas Casas, instituições mantidas pela Igreja Católica que prestavam atenção a doentes e mendigos. Em 1930, o país já possuía uma política de bem-estar social, com previdência, educação, saúde e habitação. Nesse ano, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e as Caixas foram substituídas pelos Institutos de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas); nestes, estados e sindicatos detinham maior autonomia na gestão de recursos (SIMÕES, 1994 apud OTTONI, 2012). No ano de 1934, foi instituída uma constituição cujo art. 121 se referia à categoria idosa: “[...] instituição de previdência, mediante atribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos campos de acidente de trabalho ou por morte”; assegurava alguns direitos para essa categoria (BRASIL, 1934). Na Constituição de 1934, encontramos a expressão dessa pactuação social no que se refere à velhice e à infância como uma situação que merecia favor, com apoio das instituições de caridade para idosos e entidades de filantropia. No entanto, os direitos do idoso só foram claramente mencionados quando houve inserção produtiva da pessoa no trabalho industrial. Os direitos da pessoa idosa foram inscritos na Constituição de 1934 (BRASIL, 1934, art. 121, alínea “h”) como direitos trabalhistas, na implementação da previdência social “a favor da velhice”, com contribuição tripartite do empregador, do empregado e da União, numa clara referência à transição industrial. Ao se tornar improdutivo é que o sujeito era considerado velho, a partir do pressuposto de sua exclusão da esfera do trabalho, como operário. Naquela época, o trabalhador rural não tinha direitos trabalhistas, pois ficava na esfera do “aluguel de mão de obra”, sob a tutela da oligarquia rural (FALEIROS, 2008). Reafirma-se na Constituição de 1937 (art. 137) o seguro de velhice para o trabalhador, na lógica do seguro pré-pago, mas garantido pelo Estado. Na Constituição de 1934, o amparo aos desvalidos previa serviços especializados e “animação de serviços sociais” (BRASIL, 1934, art. 138), dentro da visão eugênica e higienista, de socorro às famílias de prole numerosa e no combate “aos venenos sociais”. “Em ambas as Constituições, pode-se invocar a proteção do Estado para a subsistência e educação de sua prole numerosa, mas a de 1937 assinalou que esse recurso cabia aos ‘pais miseráveis’” (BRASIL, 1934, art. 127). 111 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO A Constituição de 1946 não incorporou o conceito de seguridade social, e os trabalhadores rurais permaneceram excluídos, com continuidade do modelo filantrópico. No art. 157, a Constituição de 1946 (BRASIL, 1946) dispõe sobre a formulação de previdência “contra as consequências da velhice”, ampliando a ideia de um seguro social somente para trabalhadores industriais. Em 1960 foi promulgada a Lein. 3.807, a chamada Lei Orgânica da Previdência Social, que previa trinta e cinco anos de contribuição para obter a aposentadoria integral aos 55 anos de idade (BRASIL, 1960). Grandes pressões sindicais conseguiram a aposentadoria por tempo de serviço em 1962, sem limite de idade. Já durante o período de redemocratização, entre 1946 e 1964, foi definido o perfil das políticas públicas de assistência social para os idosos (ESCOBAR, 2010). Depois do golpe militar de 1964, a política econômica favoreceu o tripé (Estado, multinacionais e burguesia nacional), com forte participação do Estado na economia, mas com repressão aos movimentos sociais e sindicais e arrocho salarial, conforme relata Faleiros (1995). Com a publicação do Livro Branco da Previdência Social, o governo criticou a pluralidade dos institutos e forçou a unificação da Previdência Social, já prevista na Lei Orgânica. Assim, a Constituição de 1967 já falava de previdência social “nos casos de velhice” (BRASIL, 1960, art. 158). Nessas Constituições (de 1934 e 1946), contemplou-se a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. É no bojo do sistema previdenciário que ficou garantida a assistência à saúde, a alguns benefícios pecuniários e a pensões, que são regulamentados por lei, mas dentro da esfera contributiva. Para os não contribuintes, prevaleceu o modelo filantrópico, no qual era exigido o atestado de pobreza para ser atendido. Nesse contexto, destaca-se o Sesc, uma entidade patronal, financiada pelos trabalhadores e consumidores, com atividades iniciadas em 1963, através de centros de convivência abertos a idosos, fora do âmbito filantrópico, religioso ou estatal. Essa atividade com idosos representou, no entanto, um espaço de consideração da velhice como um momento da vida, como uma esfera especial, embora destinada a trabalhadores e seus dependentes, e não à população em geral (FALEIROS, 1995). Nesse mesmo período, vários grupos e movimentos suscitavam o estabelecimento de atenções diferenciadas ao segmento da pessoa idosa, como era o caso do grupo de convivência do Sesc na década de 1960. Assim, destacaram-se duas iniciativas de impacto no desenvolvimento das políticas brasileiras para a população idosa. A primeira foi a criação da SBGG, em 1961. Um de seus objetivos era estimular iniciativas e obras sociais de amparo à velhice e cooperar com outras organizações interessadas em atividades educacionais, assistenciais e de pesquisas relacionadas com geriatria e gerontologia. A segunda teve início em 1963, por iniciativa do Sesc, dada a sua preocupação com o desamparo e a solidão entre os idosos. Consistiu em um trabalho com um pequeno grupo de comerciários na cidade de São Paulo. A ação do Sesc revolucionou o trabalho de assistência social ao idoso, sendo decisiva na deflagração de uma política dirigida a esse segmento. 112 Unidade II Lembrete A velhice passou de questão filantrópica e privada para pública, quando a inclusão de direitos é feita por meio da incorporação do direito do trabalhador, e não do direito da pessoa de envelhecer. Em 1966, ocorreu a unificação do regime previdenciário por meio da congregação dos IAPs, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Desde então, os trabalhadores perderam totalmente a capacidade de gestão de sua aposentadoria, que passou a ser controlada pelo Estado. Em 1967, o INPS assumiu também as intervenções necessárias para os casos de trabalhadores que se envolviam em acidentes de trabalho. No mesmo ano foi ampliada a possibilidade de aposentadoria para os trabalhadores rurais, com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Este, no entanto, exigia dos trabalhadores apenas algumas taxas provenientes do preço do que cada um comercializava (BEHRING; BOSCHETTI, 2010; COUTO et al., 2010). Nos anos 1970, em plena ditadura, a Lei n. 6.179 instituiu a Renda Mensal Vitalícia, que fixava o valor de 50% do salário mínimo para maiores de 70 anos que houvessem contribuído ao menos um ano para a Previdência. Acentua-se que havia críticas ao sistema, guerrilha e perda de legitimidade do modelo autoritário. O período da ditadura militar foi uma época de expansão do Estado na área social; o governo procurava ter apoio social da população, por isso adotou certas medidas sociais nas áreas de saúde, educação, habitação e também conferiu nova configuração às tradicionais políticas de segurança, justiça e promoção humanas. Saiba mais Para saber mais sobre o período estudado, são indicados os seguintes filmes: O APITO da panela de pressão. Direção: Sérgio Tufik. Brasil: DCE Livre da USP; DCE Livre da PUC, 1977. 26 min. GETÚLIO Vargas. Direção: Nei Sroulevich. Brasil: Zoom Cinematográfica, 1974. 76 min. JANGO. Direção: Silvio Tendler. Brasil: Caliban Produções Cinematográficas; Embrafilme, 1984. 117 min. Na mesma década, por meio da Portaria n. 82, foi assinada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social a primeira medida de assistência aos idosos, sendo restrita aos beneficiários do sistema previdenciário. 113 DIREITOS DA CRIANÇA, ADOLESCENTE E IDOSO A velhice despossuída, dependente historicamente da ação caritativa dos indivíduos, das Santas Casas de Misericórdia, foi contemplada, alguns meses após, com a renda mensal vitalícia, pela Lei n. 6.179. No mesmo ano, houve a separação da Previdência do Trabalho pelo Estado, criando-se o Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS (Lei n. 6.062) (HADDAD, 1998 apud ESCOBAR, 2010). Portanto, foi no início da década de 1970 que começou a surgir um número significativo de idosos em nossa sociedade, preocupando alguns técnicos da área governamental e do setor privado, o que provocou o despertar dessas pessoas para a questão social do idoso. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência Social, composto pela Legião Brasileira de Assistência Social, pela Funabem e pela Central de Medicamentos. Esse ministério também incorporou a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev). Essa estrutura foi transmutada e, em 1977, foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas). Assim, houve a agregação de ações relacionadas à saúde, à previdência social e à assistência social por meio do Sinpas e dos serviços prestados na área de abrangência desse sistema. Nessa associação entre previdência, assistência e saúde, impôs-se uma forte medicalização da saúde, com ênfase no atendimento curativo, individual e especializado, em detrimento da saúde pública, em estreita relação com o incentivo à indústria de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares, orientados pela lucratividade (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 137). Não havia ações definidas e específicas, mas sim uma série de ações combinadas e organizadas por meio do Sinpas. O INPS, em 1974, uma das primeiras iniciativas do governo federal na prestação de assistência ao idoso, consistiu em ações preventivas realizadas em centros sociais do INPS e da sociedade civil, bem como de internação custodial dos aposentados e pensionistas do INPS. No fim dos anos 1970, as pessoas idosas começaram a se organizar em associações, chamando a atenção de outras instâncias, como foi o caso do Ministério da Saúde. O primeiro programa de assistência ao idoso surgiu em 1975 por iniciativa do INPS. Intitulado PAI (Programa de Assistência ao Idoso), visava à organização e formação de “grupos de convivência” para pessoas idosas vinculadas ao sistema previdenciário. Esses encontros aconteciam nos postos de serviços do INPS e se desenvolveram por todo o Brasil nos dois anos seguintes. A partir da reforma da Previdência Social em 1977 e da criação do Sinpas, a questão da assistência ao idoso no Brasil passou a ser de responsabilidade da LBA, que atuava em dois níveis: direto e indireto. O direto era executado pela equipe técnica da LBA, contando com 2 mil unidades de atendimento em todo o território brasileiro. Nesses locais,
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