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Laurenti, Lopes (2015) Cultura, democracia e ética Reflexões Comportamentalistas

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Cultura, democracia e ética 
Reflexões comportamentalistas 
 
Carolina Laurenti 
Carlos Eduardo Lopes (orgs.) 
 
 
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros 
 
LAURENTI, C., and LOPES, CE., orgs. Cultura, democracia e ética: reflexões 
comportamentalistas [online]. Maringá: Eduem, 2015. 
ISBN 978-85-7628-692-9. Available from SciELO Books 
<http://books.scielo.org/>. 
http://books.scielo.org/
 
Cultura, democracia e ética: 
reflexões comportamentalistas 
 
 
 
 
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ 
REITOR 
Prof. Dr. Mauro Luciano Baesso 
VICE-REITOR 
Prof. Dr. Julio César Damasceno 
DIRETORA DA EDUEM 
Profa. Dra. Terezinha Oliveira 
EDITORA-CHEFE DA EDUEM 
Profa. Dra. Sonia Silva Marcon 
CONSELHO EDITORIAL 
PRESIDENTE 
Profa. Dra. Terezinha Oliveira 
EDITORES CIENTÍFICOS 
Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues, Profa. Dra. Angela Mara de Barros 
Lara, Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer, Prof. Dr. Antonio Ozai da 
Silva, Profa. Dra. Cecília Edna Mareze da Costa, Prof. Dr. Eduardo 
Augusto Tomanik, Profa. Dra. Elaine Rodrigues, Profa. Dra. Larissa 
Michelle Lara, Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista, Profa. Dra. Luzia 
Marta Bellini, Prof. Me. Marcelo Soncini Rodrigues, Prof. Dr. Márcio 
Roberto do Prado, Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo, Profa. Dra. 
Maria Cristina Gomes Machado, Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta 
Lima, Prof. Dr. Raymundo de Lima, Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti, 
Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias, Profa. Dra. Rozilda das Neves Alves, 
Prof. Dr. Sezinando Luiz Menezes, Profa. Dra. Valéria Soares de Assis 
EQUIPE TÉCNICA 
FLUXO EDITORIAL 
Edneire Franciscon Jacob, Mônica Tanamati Hundzinski, Vania Cristina 
Scomparin 
PROJETO GRÁFICO E DESIGN 
Luciano Wilian da Silva, Marcos Kazuyoshi Sassaka, Marcos Roberto 
Andreussi 
MARKETING 
Marcos Cipriano da Silva 
COMERCIALIZAÇÃO 
Gerson Ribeiro de Andrade, Paulo Bento da Silva, Solange Marly 
Oshima 
Carolina Laurenti Carlos 
Eduardo Lopes 
Organizadores 
 
Cultura, democracia e ética: 
 
reflexões comportamentalistas 
 
 
 
 
 
 
 
Prefácio 
Maura Alves Nunes Gongora 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Eduem Maringá 2015 
 
C968 
Cultura, democracia e ética [livro eletrônico]: reflexões 
comportamentalistas / Carolina Laurenti, Carlos Eduardo 
Lopes(organizadores). – Maringá: Eduem, 2015. 
329 Kb; ePUB 
ISBN 978-85-7628-692-9 
1. Psicologia. 2. Cultura. 3. Política. 4. Ética. 5. 
Behaviorismo radical. I. Laurenti, Carolina, org. II. Lopes, 
Carlos Eduardo, org. III. Título. 
CDD 21.ed. 150.1943 
 
Copyright © 2015 para os autores 
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo 
parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., 
sem a autorização, por escrito, dos autores. 
 
Todos os direitos reservados desta edição 2015 para Eduem. 
Revisão textual e gramatical: Maria Dolores Machado Normalização 
textual e de referência: Carolina Laurenti, Carlos Eduardo Lopes 
Projeto gráfico/diagramação: Marcos Kazuyoshi Sassaka 
Capa - arte final: Luciano Wilian da Silva 
Ficha catalográfica: Marinalva Aparecida Spolon Almeida (CRB 9- 1094) 
Fonte: Garamond 
Tiragem - versão impressa: 500 exemplares 
 
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) 
(Eduem - UEM, Maringá – PR., Brasil) 
 
Editora filiada à 
 
Associação Brasileira das Editoras Universitárias 
 
 
 
Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá 
Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - 
Maringá-Paraná - Fone: (0xx44) 3011-4103 - Fax: 
(0xx44) 3011-1392 
www.eduem.uem.br - eduem@uem.br 
http://www.eduem.uem.br/
mailto:eduem@uem.br
 
Sumário 
 
 
Apresentação 
Capítulo 1 
Reflexões comportamentalistas sobre a maldade contemporânea 
Capítulo 2 
O conceito de sobrevivência das culturas e suas implicações para 
uma ética skinneriana 
Capítulo 3 
Skinner, democracia e anarquia 
Capítulo 4 
Seleção pelas consequências como norte funcional para políticas 
públicas 
Sobre os autores 
 
Prefácio 
 
Antes de apresentar meus comentários a respeito do livro preciso 
dizer algo sobre os autores. Fiquei feliz em ver aqui reunidos incansáveis 
estudiosos do comportamentalismo radical e da análise do 
comportamento que muito contribuem para manter vivo o debate nesses 
dois domínios. Sinto-me honrada em poder comentar aqui os seus 
textos. Quanto ao livro, antes de dizer qualquer outra coisa sobre seus 
méritos, já posso adiantar que recomendo a leitura de todos os seus 
capítulos para aquelas pessoas que se interessam pelos problemas atuais 
de nossa sociedade e queiram entender em que medida o 
comportamentalismo radical, como sistema filosófico, pode fundamentar 
a compreensão de tais problemas e, ainda, indicar possibilidades de 
intervenções que possam solucioná-los. 
São quatro capítulos distintos, que podem ser lidos em qualquer 
ordem, mas que se apresentam completamente integrados por relatarem 
análises de questões relativas à cultura. O resultado é um belo conjunto 
de textos que compartilham diferentes qualidades entre as quais gostaria 
de destacar ao menos quatro. 
Em primeiro lugar, todos os capítulos apresentam exames da obra de 
Skinner com destaques para seus pontos mais consistentes e também 
para suas inconsistências, ou seja, são análises ponderadas e nada 
dogmáticas. 
Em segundo, ao longo do livro, os autores retomam diversas questões 
conceituais a respeito do modelo de seleção por consequências. Isto 
confere ao livro mais um mérito: permite ao leitor aprofundar a 
compreensão e a reflexão sobre aspectos conceituais desse modelo. A 
análise do nível cultural, conduzida em diferentes dimensões pelos 
diversos autores, certamente contribui para diminuir a carência que 
temos de estudos e de bibliografia relativa a esse nível seletivo. Além 
disso, a linguagem bastante acessível de todos os capítulos permite que 
sejam consultados tanto por alunos de graduação quanto por estudiosos 
de áreas afins. 
Em terceiro lugar, além de aprofundar na análise dos processos 
culturais, mencionados acima, o livro tem o mérito de enfrentar, com 
competência, dois dos temas mais difíceis da obra skinneriana (e, 
naturalmente, do comportamentalismo radical): a ética e a política. 
Em quarto, as reflexões apresentadas são extremamente atuais e 
urgentes. Aplicam-se a problemas não só do futuro, mas a questões 
atuais que nos afetam diretamente, como o governo por oligarquias, o 
esgotamento de recursos naturais, a criminalidade, o imediatismo, a 
impessoalidade das relações mediadas por burocracia e tecnologia, a 
dificuldade em mudar práticas culturais indesejáveis, e assim por diante. 
Gostaria, ainda, de mencionar ao menos um ponto, entre tantos que 
apreciei, em cada um dos capítulos. 
No primeiro capítulo, Lopes e Laurenti surpreenderam-me ao tratar 
de um tema que está praticamente todo dia na pauta da mídia: a maldade. 
Aqui, meu destaque é para a tese corajosa e totalmente pertinente que 
defendem: não há uma essência humana, boa ou má. O ser humano só é 
(bom ou mau) em contexto. Embora o foco de análise desse capítulo 
seja a maldade, essa tese permite discutir possibilidades de se promover a 
bondade, por meio de condições favoráveis à ocorrência do bem ou de 
comportamentos bons. Entre as reflexões desse capítulo gostaria, ainda, 
de indicar aos leitores especial atenção à discussão da importância do 
desenvolvimento da ‘sensibilidade ao outro’. 
O capítulo seguinte, de Melo e Castro, é extremamente esclarecedor 
de posicionamentos éticos de Skinner. Uma contribuição especial dessas 
autoras está na elucidação e análise da ‘ética aplicada’ defendida por esse 
autor e que sempre foi o centro de seus interesses. Nessa análise pode-se 
destacar uma crítica contundente das autoras aos posicionamentos de 
Skinner no campo da ética: sua tentativa de manter-se apenas no 
domínio da ética descritiva sem assumir, ostensivamente, que também 
defendia uma ética prescritiva. 
No terceiro capítulo, Abib trata de um tema raramenteabordado com 
propriedade em nossas fontes bibliográficas: um exame fundamentado 
das posições políticas de Skinner. Entre outros esclarecimentos 
destacam-se aqueles relativos à guinada de Skinner que, ao analisar a 
democracia, passou a tratar de cultura. O autor esclarece como Skinner 
relaciona democracia com cultura e como passa a criticar as ‘mediações’ 
que dão errado no mundo (cultura) ocidental. A elucidação de um tipo 
de anarquismo defendido por Skinner, no meu entender, representa mais 
uma contribuição inédita de Abib às reflexões deste livro relativas à obra 
skinneriana. 
No último capítulo, Carrara escreve como quem tem experiência 
prática em pesquisa com intervenção cultural. Aborda as dificuldades de 
se planejar, bem como as dificuldades de se conseguir adesão nos 
planejamentos culturais e nas políticas públicas. Mas também aponta 
algumas saídas e até sugere uma ferramenta de apoio construída por seu 
grupo de pesquisa. Neste capítulo, chamou-me especial atenção a 
argumentação de Carrara no sentido de defender as possibilidades da 
análise do comportamento contribuir para mudar o mundo. Sua 
argumentação apresenta-se criteriosa e cuidadosa, mas, mantendo-se 
otimista e contrapondo-se a uma declaração pessimista do próprio 
Skinner que, em uma de suas palestras, chegou a duvidar dessa 
possibilidade. 
Gostaria de encerrar cumprimentando os autores pela maneira 
elucidativa e não dogmática com que trataram cada tema e por 
compartilharem com Carrara a defesa de possibilidades das intervenções 
comportamentais fazerem diferença nas soluções de nossos graves 
problemas sociais. Foi muito bom verificar que, ainda que ponderado, o 
que predomina ao longo do livro é um tom otimista. E, para encerrar, 
gostaria de reforçar algo já pontuado pelos organizadores Lopes e 
Laurenti na apresentação: espero que este livro seja um convite para que 
seus leitores, sejam eles planejadores culturais ou não, coloquem na 
pauta das suas 
 
reflexões a análise dos valores subjacentes às nossas práticas culturais 
atuais. 
 
 
Maura Alves Nunes Gongora 
Universidade Estadual de Londrina (UEL) 
 
Apresentação 
 
O comportamentalismo radical, a filosofia da análise do 
comportamento, foi alvo de muitas críticas desde o seu alvorecer com as 
reflexões de B. F. Skinner (1904-1990). Essas críticas resvalam em 
diferentes aspectos e, algumas delas, estendem-se até hoje, como é o caso 
de um conjunto de restrições que atinge os pressupostos éticos e 
políticos dessa filosofia. O comportamentalismo já foi acusado, por 
exemplo, de orientar uma prática psicológica voltada à manipulação dos 
indivíduos em favor da classe dominante. No contexto dessa crítica, a 
análise do comportamento seria uma psicologia preocupada com o 
‘controle’ e o ‘condicionamento’ do comportamento humano, e essas 
aspirações estariam balizadas por uma concepção de ser humano 
passivo, entendido à imagem e semelhança de uma máquina ou, no 
máximo, de um rato branco – um mero fantoche à mercê das 
determinações do ambiente natural e social. Acompanhando ainda o 
argumento de seus detratores, a ciência do comportamento preocupar-
se-ia com o controle justamente para poder condicionar os indivíduos de 
modo que se tornem dóceis e susceptíveis aos ditames daqueles que 
detêm o poder. E, para arrematar, tal controle seria inspirado por 
tendências antidemocráticas, fascistas e conservadoras. 
A análise do comportamento é uma proposta psicológica que, como 
qualquer outra, apresenta limitações que precisam ser identificadas, 
explicitadas e problematizadas. No entanto, as objeções anteriormente 
arroladas destoam das reflexões skinnerianas sobre a ética e a política e, 
consequentemente, dos desideratos de uma ciência comportamentalista 
tal como apresentados por essas acusações. O livro Cultura, democracia e 
ética: reflexões comportamentalistas coloca essas críticas em perspectiva, já 
que, inspirado pelo comportamentalismo radical, discute questões ético- 
políticas, mostrando seus desdobramentos no contexto das 
possibilidades de atuação profissional. 
Em que pesem essas pretensões, o livro não tem o intuito de ser o 
porta-voz da interpretação cabal, ou mesmo oficial, da análise do 
comportamento e do comportamentalismo radical. Trata-se, pois, de 
‘uma’ interpretação pautada por ‘reflexões comportamentalistas’, que 
situa o texto skinneriano como ponto de partida, mas não 
necessariamente de chegada; são reflexões ‘com’ Skinner e não 
simplesmente ‘sobre’ ele. 
O primeiro capítulo, intitulado ‘Reflexões comportamentalistas sobre 
a maldade contemporânea’, busca entender um dos principais problemas 
a serem enfrentados pela sociedade: a maldade. Para tanto, visita análises 
de autores de outras áreas de conhecimento – como Bauman – e de 
outras propostas psicológicas – como as de Milgram e Zimbardo – 
tentando delimitar algumas contingências responsáveis pela ocorrência 
de atos de maldade. A despeito do foco na maldade humana poder 
incitar uma postura pessimista e derrotista, não é isso que o capítulo 
tenciona. Ao contrário, na esperança de construir um mundo melhor, 
lança o desafio de encontrarmos alternativas à maldade, apontando, ao 
final, direções concretas de como fazê-lo. 
Não obstante esse otimismo, a lógica pragmatista subjacente a este 
livro entende que a busca por técnicas que subsidiem estratégias de 
intervenção para lutar contra o mal precisa ser orientada por uma 
reflexão ético-política. É preciso, pois, resgatar o sentido aristotélico de 
prática, que foi subvertido na história da psicologia. Para Aristóteles, 
ação prática (práxis) é ação ético-política e não ação técnica (techné). A 
psicologia aplicada ou prática perdeu de vista a acepção aristotélica de 
‘prático’ e acabou identificando ‘prático’ a ‘aplicado’ e ‘aplicado’ a 
‘técnico’. Quando não orientada por uma reflexão ética e política, a 
técnica pode, subvertendo seu próprio sentido de meio ou instrumento, 
tornar-se um fim em si mesma. Tal subversão pode ter efeitos nefastos 
no contexto profissional: sendo virtualmente cega a valores, uma atuação 
pautada exclusivamente pela técnica pode orientar propostas de 
intervenção que acabam mantendo os problemas sociais que, a princípio, 
pretendiam superar. Ou, ainda, podem, lamentavelmente, acabar 
fomentando 
 
outros e mais sérios problemas, a despeito da mais pura das intenções. 
Considerando esses pontos, o segundo e o terceiro capítulos 
compõem o contexto das reflexões ético-políticas, preparando o 
caminho para pensar, à luz desses pressupostos, as possibilidades de 
atuação profissional problematizadas no quarto e último capítulo. O 
segundo capítulo, ‘O conceito de sobrevivência das culturas e suas 
implicações para uma ética skinneriana’, descreve as principais 
características da proposta ética de Skinner, apresentando seus 
fundamentos e implicações sociais. Contudo, no curso dessa exposição, 
o texto não se exime de indicar algumas controvérsias e limitações que 
cercam a própria teoria ética skinneriana, e que se fazem notar logo na 
proposição da sobrevivência das culturas como valor primordial dessa 
teoria. Esse capítulo é sucedido por ‘Skinner, democracia e anarquia’, que 
expõe algumas tensões no posicionamento político skinneriano. No 
entanto, o capítulo dá encaminhamento a essas questões, pondo às claras 
as inconsistências das leituras antidemocrática e conservadora dos 
compromissos políticos do comportamentalismo radical. Para tanto, 
caminha por textos da filosofia política, problematizando o conceito de 
cultura e suas relações com diferentes formas de governo, em especial, a 
democracia. O último capítulo, intitulado ‘Seleção pelas consequências 
como norte funcional para políticas públicas’, recupera o desafio de 
mudança social indicado pelo primeiro capítulo, enfrentando o suposto 
pessimismo suscitado pela constatação da complexidade dos problemas 
sociais que nos afligem, e pelo reconhecimento das dificuldades de 
encontrar caminhos efetivos para superá-los.O capítulo mostra as 
possíveis contribuições que uma ‘teoria consequencialista’ do 
comportamento pode trazer ao delineamento de políticas públicas, 
discutindo exemplos concretos de projetos voltados à transformação 
social. 
Estamos em uma sociedade marcada pelo imperativo da busca por 
soluções cada vez mais rápidas e imediatas aos problemas que 
enfrentamos. Afinado com a lógica da tecnociência, esse imperativo 
 
 
tem orientado investigações predominantemente tecnocráticas desses 
problemas sendo, portanto, míopes quanto a valores e destinos últimos 
de suas intervenções. A proposta deste livro é a de endossar movimentos 
que seguem na contramão dessa tendência, que alimenta a ilusão de uma 
solução estritamente tecnocrática dos problemas sociais. 
Sem ignorar, contudo, as contribuições da ciência para um mundo 
mais humanizado, Cultura, democracia e ética: reflexões comportamentalistas faz 
um convite à discussão ético-política das propostas de intervenção social, 
que se fazem prementes na contemporaneidade. Essa reflexão é 
imprescindível para que os interessados na mudança do comportamento 
humano sejam parte da solução e não dos problemas sociais que, em seu 
discurso, almejam superar. Por fim, as reflexões deste livro pretendem 
contribuir, ainda que modestamente, com a superação de um 
pessimismo paralisante, incitando um otimismo circunstanciado às 
possibilidades de concretização de intervenções locais, mas que trazem 
consigo um potencial revolucionário. 
 
Carolina Laurenti e Carlos Eduardo Lopes 
 
Capítulo 1 - Reflexões 
comportamentalistas sobre a maldade 
contemporânea 
Carlos Eduardo Lopes, Carolina Laurenti 
 
Considerações iniciais 
 
Desde a modernidade, a maldade humana é pensada a partir de uma 
contraposição entre natureza e cultura, o que deu origem a dois 
posicionamentos antagônicos em relação ao assunto. De um lado, a 
vertente hobbesiana1 viu na natureza a fonte dos problemas humanos e, 
por isso, justificou sua exploração científico-tecnológica, 
apostando no desenvolvimento da racionalidade e da civilidade como 
modos de solucionar a maldade. De outro lado, a vertente rousseauniana 
culpou a civilização pelas mazelas da humanidade, defendendo que em 
tempos pré-modernos a simplicidade e o contato direto com a natureza 
caracterizavam uma humanidade completamente livre do mal (cf. 
ROUSSEAU, 1978). 
Estudos atuais têm criado dificuldades para a manutenção dessa visão 
dicotômica, ao mesmo tempo em que abrem espaço para se pensar o mal 
em outras bases. Investigações sobre a história da espécie humana têm 
questionado a visão estritamente hobbesiana de natureza. Evolucionistas 
contemporâneos têm mostrado que comportamentos de empatia, 
gentileza e cooperação estão presentes entre os animais gregários, 
incluindo os grandes primatas, questionando, assim, a visão de que a 
natureza é necessariamente egoísta, competitiva e violenta (cf. WAAL, 
2010). Além disso, estatísticas atuais sobre a história da cultura moderna 
mostram que a vida social pré-moderna estava longe de ser pacífica e 
isenta de maldade, como defendeu a visão rousseauniana. 
Pautando-se nesses dados, alguns autores argumentam que a civilidade 
ajudou a diminuir drasticamente certos tipos de violência comuns em 
séculos passados, como perseguições religiosas, torturas, execuções 
públicas, entre outros (cf. PINKER, 2013). 
Tomados em conjunto, os dados apresentados por esses estudos sobre 
a história da espécie e a história da cultura, ao invés de resolverem o 
problema, parecem criar um novo desafio. A história da cultura contada 
com base nas estatísticas mais atuais mostra que o processo civilizador 
ajudou na redução da maldade, o que nos faz pender a favor da visão 
hobbesiana. No entanto, os dados evolutivos impedem que adotemos 
essa visão, na medida em que nos mostra uma abundância de exemplos 
de bondade em diferentes espécies, incluindo os grandes primatas. Além 
disso, se hobbesianos estivessem corretos, e o processo civilizador fosse 
capaz de eliminar a maldade humana, os exemplos de maldade na 
atualidade seriam escassos, o que não é confirmado pela história do 
século XX, com suas duas guerras mundiais, e pelas ocorrências de 
maldade que temos presenciado nesse início do século XXI. Mesmo os 
autores que destacam a presença da cooperação e da empatia nos 
grandes primatas não humanos recusam a conclusão de que isso é uma 
evidência a favor da visão rousseauniana de natureza. 
Isso porque a presença do que poderíamos considerar atos de maldade 
nos grandes primatas é um dado bastante conhecido (WAAL, 2010). Os 
chimpanzés, por exemplo, muitas vezes formam bandos que invadem o 
território de outros clãs, atacando e matando indivíduos que encontram 
pelo caminho, sem qualquer justificativa ligada à sobrevivência 
(WRANGHAM; PETERSON, 1998). 
Uma interpretação analítico-comportamental do assunto talvez possa 
encaminhar uma solução para esse impasse, ajudando na compreensão 
da maldade humana fora das visões hobbesiana e rousseauniana. De um 
ponto de vista analítico-comportamental, o comportamento individual 
situa-se no entrelaçamento da história da espécie humana com a história 
da cultura, de modo que natureza e cultura contribuem para a 
constituição do indivíduo, embora nenhuma dessas histórias tenha, 
necessariamente, um caráter 
 
preponderante sobre a outra. Isso quer dizer que natureza e cultura são 
campos de possibilidades e, como tais, não determinam 
unidirecionalmente os rumos da vida individual. Encontramos na 
natureza um conjunto de predisposições, não só egoístas e violentas, mas 
também empáticas e cooperativas. Nesse sentido, a natureza não é a 
fonte de nossos problemas e, consequentemente, as práticas culturais 
não são um antídoto à natureza. Por outro lado, a cultura não evolui 
sempre para melhor. Na história das culturas, determinadas práticas, 
adotadas e transmitidas para outras gerações, podem melhorar a vida dos 
membros do grupo, mas também podem colocar em risco a existência da 
cultura e dos próprios indivíduos. Uma cultura que institucionaliza 
torturas e execuções públicas, por exemplo, acaba criando um 
sentimento de insegurança pública, bem como legitimando o uso 
desmedido da força. 
A interpretação comportamentalista, proposta aqui, sugere que a 
solução para os problemas humanos consiste em aproveitar o que há de 
melhor na natureza e na cultura, ao mesmo tempo em que é preciso 
abandonar as contribuições perniciosas e destrutivas dessas histórias. No 
que diz respeito à história da nossa espécie, como mencionado alhures, 
encontramos não só uma tendência à competição e agressividade, mas 
também à empatia e cooperação. No entanto, a presença de uma 
tendência inata originada por nossa história evolutiva, seja uma tendência 
à maldade ou à bondade, não pode ser considerada como determinante 
dos fenômenos culturais. A biologia evolutiva esclarece esse ponto 
fazendo uma distinção entre causa última e causa próxima do 
comportamento individual. A causa última é “[...] a razão por que um 
comportamento se desenvolveu numa espécie ao longo do processo 
evolutivo [...]” (WAAL, 2010, p. 323); já a causa próxima é “[...] o modo 
como esse comportamento é produzido pelos indivíduos no aqui e 
agora” (WAAL, 2010, p. 323, grifo do autor). A confusão entre causa 
última e causa próxima parece estar na base de algumas interpretações 
reducionistas difundidas pela sociobiologia, considerando, por exemplo, 
a guerra entre países como uma expressão de tendências filogenéticas de 
defesa de território (cf. SKINNER, 1981, p. 503). 
Waal (2010) argumenta a favor de uma ‘autonomia motivacional’ para 
o comportamento individual, o que quer dizer que os motivos para a 
ocorrência de um comportamento atual devem ser buscados em causas 
próximas, o que muitas vezes contraria os motivos evolutivos que 
explicam a origem filogenética desse tipo de comportamento. Nas 
palavras desse autor: 
A ideia por trás da autonomia motivacional é de queas 
motivações que levam a um comportamento não são limitadas pela 
causa última da existência desse comportamento. Ainda que 
determinado comportamento tenha evoluído por razões egoístas, 
estas não precisam fazer parte daquilo que motiva um indivíduo a 
colocá-lo em prática, do mesmo modo como uma aranha não 
precisa estar determinada a apanhar moscas no momento em que 
está tecendo sua teia (WAAL, 2010, p. 324, grifo do autor). 
De um ponto de vista analítico-comportamental isso equivale dizer 
que a compreensão de um comportamento atual depende da descrição 
das contingências atuais que promovem e mantêm esse comportamento, 
e que, por mais que esse comportamento possa ter raízes filogenéticas, 
os motivos da seleção na história da espécie e na história de vida do 
indivíduo não precisam ser, e geralmente não são, os mesmos. Dessa 
forma, se quisermos entender a maldade cometida pelos indivíduos 
precisamos nos voltar para as condições atuais responsáveis por atos 
maus. Partindo dessa conclusão, temos que nos voltar para o 
esclarecimento dessas condições; temos que explicitar o contexto em que 
a maldade ocorre, para, em seguida, pensar como mudar esse contexto 
de modo a promover a bondade. Em relação à primeira tarefa, não é 
difícil constatar que os problemas relacionados à maldade humana, que 
reclamam uma solução premente, ocorrem no âmbito cultural. São 
fenômenos como guerras, genocídios, e violência urbana em geral, que 
claramente pertencem ao terceiro nível de variação e seleção do 
comportamento humano. Isso quer dizer que o contexto para a 
compreensão da maldade humana é a cultura, ou, mais especificamente, 
o comportamento que ocorre no grupo. Além 
 
disso, os exemplos mais emblemáticos e intrigantes de maldade, 
sobretudo os ocorridos no século XX, parecem, de modo geral, terem 
sido perpetrados por grupos de pessoas. Isso não significa que a maldade 
só é cometida por grupos, ou que um indivíduo isoladamente não pode 
ser cruel; mas não podemos questionar o fato de que a maldade coletiva 
é um fenômeno contemporâneo que tem produzido resultados 
assustadores. Como exemplo desse tipo de maldade, basta lembrar da 
Segunda Guerra Mundial e do papel do nazismo nesse episódio sombrio 
da história recente da humanidade. 
A primeira parte deste ensaio consiste em uma tentativa de explicitar 
contingências que podem estar operando no contexto desses grupos que 
perpetram o mal. Para tanto, iniciaremos com alguns exemplos de 
maldades cometidas por grupos nas últimas décadas, buscando avaliar 
explicações tradicionais para esses atos. Na segunda parte, 
apresentaremos uma explicação alternativa do mal, proposta pelo 
sociólogo Zygmunt Bauman (1925-). Isso se justifica pelo fato de suas 
análises ajudarem na construção de uma interpretação 
comportamentalista do assunto, na medida em que permitem a 
identificação de algumas das condições sociais para a maldade, 
considerando o papel das consequências das ações nesse contexto – uma 
perspectiva que coaduna com uma teoria consequencialista do 
comportamento. Por fim, apontaremos algumas práticas culturais que 
parecem ainda manter o risco da maldade coletiva nos dias de hoje, o 
que nos coloca o desafio de como substituir a maldade pela bondade na 
sociedade contemporânea. 
 
1. Sobre o mal 
 
O mal é um assunto tratado por muitos autores em diferentes 
contextos. A presença do mal no mundo e sua compatibilidade com a 
existência de Deus era tema recorrente em tratados filosóficos medievais 
(FERRATER MORA, 2001); as ricas descrições do inferno – um lugar 
em que as mais variadas formas de maldade são 
 
castigadas com maldades ainda piores – são uma marca indelével de 
obras renascentistas (DANTE ALIGHIERI, 2001). Nas artes plásticas, a 
representação do mal cruzou os séculos caminhando lado a lado com a 
beleza e a bondade (ECO, 2007). Dada a extensão do assunto, parece 
pouco plausível admitir que o mal tenha uma definição unívoca 
compartilhada em todos esses contextos. Mesmo a concepção religiosa 
abriga diversas possibilidades, que vão desde explicações do mal 
recorrendo a demônios ou espíritos que desviariam o ser humano de 
suas virtudes, até uma culpabilização inata, e de certa forma irremediável, 
do homem, marcado pelo pecado original. 
Assim, é necessário esclarecer o que estamos denominando de mal 
neste ensaio. Como mencionado alhures, nosso interesse é discutir o mal 
em uma perspectiva comportamentalista, o que nos leva a delimitar a 
maldade como uma característica humana, mais especificamente, como 
uma propriedade de alguns comportamentos humanos. Mantendo-se 
nessa perspectiva, para definir ‘mal’ precisamos, inicialmente, delimitar as 
características de uma ação má. Definiremos ‘mal’ como um conjunto de 
ações, que se caracterizam por agressão, abuso, humilhação, exploração, 
desprezo, acarretando o sofrimento de outras pessoas e, em situações 
limite, a sua morte. Em linhas gerais, o mal está nos comportamentos 
que promovem o dano e o sofrimento ao outro (ZIMBARDO, 2012). 
Na medida em que os comportamentos individuais têm explicações 
idiossincráticas, a explicação da maldade centrada em um indivíduo 
particular não nos ajuda na compreensão da maldade como fenômenos 
humano. Em outras palavras, contingências de reforçamento e punição 
que explicam um comportamento mau de uma pessoa, isoladamente, 
não podem ser transpostas como regra para todo comportamento mau. 
Isso nos obriga a outro refinamento em relação à análise da maldade 
pretendida por este ensaio. Examinaremos, aqui, a maldade cometida por 
grupos de pessoas, levantando de antemão a hipótese de que, nesses 
casos, deve haver contingências compartilhadas pelos membros do 
grupo que poderiam explicar a maldade em larga 
 
escala, que ocorreu e continua ocorrendo na sociedade contemporânea. 
Exemplos de maldade de grupos marcaram o século XX, desafiando 
psicólogos e sociólogos a explicar a ocorrência de massacres que 
pareciam improváveis para uma sociedade moderna. Provavelmente o 
primeiro e mais discutido caso de maldade extrema do século XX tenha 
sido o Holocausto ocorrido na Alemanha nazista. As primeiras 
execuções conduzidas oficialmente pelo regime nazista ocorreram a 
partir de 1939, com a adoção da política de eutanásia dirigida a pessoas 
portadoras de deficiência consideradas incuráveis. Embora a política de 
eutanásia tenha sido abandonada em 1941, as execuções continuaram em 
número crescente em campos de extermínio criados para judeus, eslavos, 
polacos, ciganos e outras pessoas consideradas racialmente inferiores. Os 
números de mortes são impressionantes. No campo de extermínio de 
Auschwitz, na Polônia, estima-se que até 6.000 pessoas eram 
assassinadas por dia no auge das deportações de judeus (UNITED 
STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, s.d.). Além da 
crueldade, ricamente descrita na maioria dos relatos de sobreviventes, o 
que causa perplexidade no caso do Holocausto é que a maioria dos 
executores eram pessoas comuns, pais de família, agricultores e jovens 
que, por ocasião da guerra, foram obrigados a se alistar no exército 
(BAUMAN, 1998). Esse dado é impressionante porque sugere que a 
maldade está mais próxima do que podemos pensar e, como veremos, 
ela não é exclusiva do contexto do Holocausto. 
Outro exemplo de maldade bem mais atual e igualmente assustador é 
o genocídio de Ruanda. Dados das Nações Unidas estimam que, em 
1994, num período de apenas três meses, em torno de 800 mil a 1 milhão 
de ruandeses foram exterminados. Na época, Ruanda era composta 
predominantemente por dois grupos étnicos: os hutus, os tutsi2. A 
separação hierárquica desses grupos, que estaria na raiz do conflito, foi 
promovida pelos colonizadores europeus, inicialmente alemães e 
posteriormente belgas (RWANDA..., s.d.). Os tutsi foram considerados 
superiores na hierarquia social, até a introdução do cristianismo em 
Ruanda, na década de 1940, quando os hutus 
 
assumiram sua posição. Com o apoio dos colonizadores belgas, oshutus 
passaram a ocupar a maioria dos cargos administrativos, elegendo um 
presidente de sua etnia. Com a independência, em 1962, os hutus, 
maioria em Ruanda, mantiveram-se no poder, mesmo com o golpe 
militar que depôs o presidente eleito e instituiu um regime militar, em 
1973. Nesse período, a perseguição e a morte de cidadãos tutsi fizeram 
com que essa etnia se exilasse em países vizinhos. A partir de 1990, 
Ruanda sofreu uma guerra civil e, com o apoio de países vizinhos, os 
refugiados tutsi puderam voltar a Ruanda em 1993, quando foram 
assinados acordos que previam a partilha de poder entre as etnias. Em 
1994, um acidente de avião que matou o presidente, de etnia hutu, 
funcionou como estopim para o que se tornou um genocídio. Os 
extremistas da etnia hutu interpretaram a morte do presidente como uma 
conspiração tutsi e convocaram, por meio de programas de rádio e 
outros meios de comunicação, os hutus ao extermínio de todos os tutsi 
(OLIVEIRA; GROSSMANN, 2012). 
O resultado do conflito entre essas etnias foi o aniquilamento de cerca 
de três quartos de toda a população tutsi. Além dos números, o que 
impressiona são as armas utilizadas pelos hutus no ataque aos tutsis, que 
vão desde armas de fogo até facões, porretes com pregos e pedras. Outra 
arma usada nesse massacre, com a justificativa até de poupar munição, 
foi o estupro de mulheres e crianças (ZIMBARDO, 2012). A prática do 
estupro no genocídio de Ruanda, além dos danos psicológicos, foi 
responsável pela proliferação de doenças sexualmente transmissíveis às 
outras gerações tutsis. 
Mas talvez o aspecto que mais chame a atenção no episódio de 
Ruanda seja o fato de que, na maioria das vezes, esses atos cruéis contra 
os tutsis foram perpetrados por pessoas conhecidas. Muitos hutus, a 
mando, mataram antigos amigos, vizinhos de rua, e colegas de trabalho. 
Em uma entrevista, dada algumas décadas depois, alguns hutus 
descreveram que: 
“a pior coisa do massacre foi matar o meu vizinho; costumávamos 
beber juntos e seu gado pastava na minha grama. Ele era como um 
parente”. Uma mãe hutu descreveu como espancou até a morte as 
crianças da vizinha, que olhavam-na com olhos arregalados de 
assombro, pois tinham sido amigos e vizinhos durante toda a vida. 
Ela relatou que alguém do governo lhe dissera que os tutsis eram 
seus inimigos, e lhe deram um porrete e a seu marido um facão, 
para que usassem contra a ameaça. A mulher justificou o massacre 
dizendo estar fazendo um “favor” àquelas crianças, que se 
tornariam órfãs indefesas, visto que os pais já haviam sido 
assassinados (ZIMBARDO, 2012, p. 34). 
Não é preciso continuar descrevendo detalhes horripilantes de como 
os vizinhos hutus estupraram suas colegas, as filhas delas, e de como 
forçavam os filhos dos tutsis a estuprar suas próprias mães e irmãs (cf. 
ZIMBARDO, 2012). O que merece ser destacado é que esse massacre 
foi executado por colegas e vizinhos, e as justificativas dadas pelos 
assassinos é que eles estavam simplesmente seguindo ordens. 
O terceiro exemplo de maldade é ainda mais recente. Veio a público 
mundialmente em maio de 2004, com a divulgação das cenas de abusos e 
diversas formas de tortura cometidas por jovens norte- americanos, 
homens e mulheres, contra detentos da prisão de Abu Ghraib, no 
Iraque. Os soldados norte-americanos, responsáveis pelos prisioneiros, 
tiraram fotos das perversidades que cometiam contra eles e as exibiam 
como troféus. Uma das torturadoras, uma militar de 21 anos, relatou que 
esses atos eram apenas ‘curtição’ (ZIMBARDO, 2012). Essas curtições 
consistiam em: 
[...] socos, tapas, chutes em detentos; pulos sobre seus pés; detentos 
desnudos à força, encapuzados, enfileirados uns sobre os outros 
formando uma pirâmide; homens nus forçados a usar roupas 
íntimas femininas sobre as cabeças; homens obrigados a se 
masturbarem ou a simularem sexo oral enquanto eram fotografados 
ou filmados ao lado de militares do 
 
 
sexo feminino sorrindo ou encorajando tais ações; prisioneiros 
presos nos caibros das celas durantes longos períodos; arrastados 
para lá e para cá com coleiras amarradas aos seus pescoços; sendo 
assustados por cachorros de ataque sem mordaça (ZIMBARDO, 
2012, p. 42). 
Uma das cenas mais perturbadoras, e que ganhou o mundo 
rapidamente pela internet e outros meios de comunicação, foi a do 
“homem triângulo” (cf. ZIMBARDO, 2012, p. 42). Esse prisioneiro foi 
colocado em uma posição bastante desconfortável – encapuzado, de pé 
em cima de uma pequena caixa com os braços abertos – e induzido a 
acreditar que poderia ser eletrocutado se saísse dessa posição por 
qualquer motivo. Como argumenta Zimbardo (2012, p. 42), “[...] não 
importa que os fios terminassem em lugar algum; importa que ele [o 
prisioneiro] acreditava na mentira, e deve ter experimentado uma tensão 
considerável”. 
Novamente, os protagonistas dos atos de maldade não apresentavam 
nenhum indício anterior que permitisse prever esse tipo de 
comportamento. Pelo contrário, eram jovens considerados corretos, 
saudáveis e bem treinados pelas forças armadas; jovens que poderiam ser 
nossos vizinhos, amigos ou parentes, e que, provavelmente, nesses 
contextos, seriam considerados acima de qualquer suspeita3. 
Isso nos conduz a uma questão fundamental em uma análise 
comportamentalista da maldade: o que explica a ocorrência de ações 
desse tipo? Será que essa explicação deve ser buscada na constituição dos 
indivíduos que cometeram esses atos? O Holocausto, por exemplo, 
poderia ser pensado como uma conjunção infeliz de pessoas 
desajustadas, de psicopatas, que tomaram o poder. Ou talvez o nazismo 
seja um desdobramento quase inevitável do espírito alemão, mais 
especificamente, de sua herança romântica irracionalista. Tanto em um 
caso como no outro, tendemos a nos sentir aliviados, uma vez que esse 
tipo de maldade pertenceria a indivíduos específicos ou a determinada 
cultura, distante de nós. Mas se esse fosse o caso, como 
explicar os outros 
 
exemplos, em que os protagonistas de atos cruéis eram, até então, 
considerados pessoas comuns, pais de família, comerciantes, vizinhos 
que conviviam sem grandes problemas? Parece pouco sensato apelarmos 
para uma coincidência que aproximou desajustados nesses casos, 
tampouco podemos encontrar traços culturais específicos que 
aproximem jovens norte-americanos de hutus. Assim, retomamos nossa 
questão inicial: como explicar a ocorrência da maldade? 
 
2. Propostas tradicionais de explicação do mal 
 
A primeira explicação tradicional do mal é de natureza sociológica. Ela 
interpreta os atos de maldade como situações excepcionais de nossa 
sociedade civilizada, ou como um indicativo de falta de civilidade em 
sociedades primitivas4. Tratar-se-iam, portanto, de exemplos atípicos, 
incidentes singulares, anomalias, resquícios de 
barbárie que ainda sobrevivem em nossa sociedade moderna, racional 
e civilizada. Esses episódios ocorreriam quando o ser humano deixa de 
pensar, abandona sua racionalidade e dá vazão aos seus instintos 
primitivos, necessariamente bárbaros e violentos. Nesse sentido, seriam 
exemplos para pensarmos o ser humano ou uma sociedade patológica e 
não o ser humano e a sociedade normais. Tais situações ilustrariam, no 
máximo, onde o processo civilizatório ainda não chegou. Portanto, se 
acelerássemos o processo civilizatório, barbáries como essas não 
aconteceriam mais. 
O principal problema dessa visão é que ela retoma a dicotomia 
natureza-cultura em bases hobbesianas. Em outras palavras, para que 
essa tese se sustente é preciso garantir que a natureza seja essencialmente 
egoísta e violenta, ao passo que a civilidade aparece como um antídoto 
cultural que nos levaria à promoção da bondade. Como vimos 
anteriormente, é possível encontrar na natureza exemplos de gentileza, 
empatia e cooperação (cf. WAAL, 2010). Diferente do que defende a 
tese hobbesiana, os animais, sobretudo os antropoides superiores, são 
capazes de resolver 
impasses sem recorrer à agressão.Além disso, a cultura está longe de ser 
uma fonte exclusiva de bondade. Nessa direção, Bauman (1998) 
considera que o Holocausto não é um desvio no caminho reto do nosso 
progresso cultural, mas “uma possibilidade que a modernidade contém” 
(p. 24). Dessa forma, o Holocausto seria um produto do próprio 
processo civilizatório, uma vez que praticamente todas as características 
desse processo foram mantidas, e não suprimidas, durante o extermínio 
de judeus no nazismo. Dando voz a Bauman (1998, p. 27, grifo do 
autor): 
A verdade é que todos os ingredientes do Holocausto – todas as 
inúmeras coisas que o tornaram possível – foram normais; [...] no 
sentido de plenamente acompanhar tudo o que sabemos sobre a 
nossa civilização, seu espírito condutor, suas prioridades, sua visão 
imanente do mundo – e dos caminhos adequados para buscar a 
felicidade humana e uma sociedade perfeita. 
Com a tese de que o Holocausto é um produto da modernidade, fica 
impedida uma interpretação estritamente local desse acontecimento 
– como algo específico de uma cultura ou povo; uma radicalização da 
história de perseguição aos judeus –, o que legitima a opinião comum de que 
o que aconteceu na Alemanha nazista não teve e não tem nada a ver 
conosco, com o que acontece hoje. Para Bauman (1998), o Holocausto não é 
um episódio da experiência particular dos judeus e daqueles que os odiavam; 
é um episódio da modernidade, cujas características continuam preservadas e 
influenciando nossas vidas. 
Além disso, a interpretação de Bauman (1998) se opõe à visão de que 
o Holocausto seria um retrato da dificuldade de domar nossos impulsos 
primitivos, uma visão que culmina na exaltação dos processos 
civilizatórios e das propostas de especialistas para resolver o problema de 
nossa agressividade inata (cf. PINKER, 2013). Nas palavras de Bauman 
(1998, p. 31), o Holocausto deveria ser visto como um ‘laboratório 
sociológico’, como uma espécie de situação ou ‘teste raro’ capaz de 
mostrar as “possibilidades ocultas 
 
 
da sociedade moderna [...]” e do próprio processo civilizatório. Em 
suma, o Holocausto não é um acontecimento que mostra um local 
refratário à civilização, ou um exemplo de seu fracasso. 
Outra explicação tradicional para o mal é de natureza psicológica. 
Negando a possibilidade de que pessoas comuns ou ‘normais’ sejam 
capazes de cometer atos de maldade, essa explicação invoca o seguinte 
argumento: esses atos são perpetrados por pessoas com problemas 
severos de personalidade, por personalidades cruéis, autoritárias, 
perversas etc. Embora tal explicação usualmente não se dedique ao 
exame das condições que geram pessoas com personalidades assim, a 
ideia é a de que crimes hediondos cometidos por um grupo, como 
aqueles perpetrados pelos nazistas, pelos hutus e pelos jovens militares 
norte-americanos podem ser entendidos como um acúmulo ou 
conjunção infeliz de personalidades desviantes especiais em um local e 
momento histórico particulares. Exemplificando: o nazismo era cruel, 
porque foi cometido por pessoas cruéis e pessoas cruéis tendem a ser 
nazistas. Com base nessa explicação circular, o mundo, então, passa a ser 
dividido entre “[...] protonazistas de nascença e suas vítimas” 
(BAUMAN, 1998, p. 180). 
Bauman (1998) também critica com veemência essa tese. Todas as 
pessoas que cometeram esses atos atrozes eram pessoas comuns, pais de 
família, vizinhos, colegas de trabalho, com quem eventualmente 
poderíamos sair para tomar cerveja, ou que poderiam frequentar nossas 
casas. No caso dos estupros em Ruanda, por exemplo, os perpetradores 
dos crimes eram homens comuns, fazendeiros, frequentadores de igrejas 
e antigos professores (cf. ZIMBARDO, 2012, p. 37). No caso do 
Holocausto, os 6 milhões de judeus, 3 milhões de prisioneiros de guerra 
soviéticos, 2 milhões de poloneses e centenas de milhares de pessoas 
‘indesejáveis’ como os ciganos (cf. ZIMBARDO, p. 33) foram 
exterminados por pessoas comuns, acima de qualquer suspeita. O fato de 
esses crimes terem sido cometidos por pessoas normais abalou toda 
representação que tínhamos do mal. Bauman (1998) descreve esse ponto 
de modo esclarecedor: 
O Holocausto fez minguar todas as imagens lembradas ou herdadas 
do mal. Com isso, inverteu todas as explicações estabelecidas dos 
feitos maléficos. De repente ficou claro que o mais terrível dos 
males de que se tinha memória não resultou de uma ruptura da 
ordem, mas de um impecável, indiscutível e inatacável império da 
ordem. Não foi obra de uma turba ruidosa e descontrolada, mas de 
homens uniformizados, obedientes e disciplinados, cumpridores das 
normas e meticulosos no espírito e na letra de suas instruções. Bem 
cedo se soube que esses homens, sempre que estavam à paisana, 
não eram de modo algum maus. Portavam-se de forma bem 
parecida à de todos nós. Tinham esposas que amavam, filhos que 
paparicavam, amigos que ajudavam e consolavam no infortúnio. 
Parecia inacreditável que, uma vez uniformizadas, essas mesmas 
pessoas fuzilassem, asfixiassem com gás ou presidissem ao 
fuzilamento e asfixia de outras milhares de pessoas, inclusive 
mulheres que eram esposas amadas de outros homens e bebês que 
eram filhos queridos de alguém. 
Era não só inacreditável, mas aterrador (BAUMAN, 1998, p. 178). 
Dizer que atos cruéis são cometidos por pessoas com uma propensão 
patológica, anormal ou perversa, obscurece o triste mas evidente fato de 
que pessoas comuns, gentis, normais, podem se tornar cruéis se tiverem 
uma chance (cf. BAUMAN, 1998, p. 180). 
Nesse sentido, Bauman adverte que “a notícia mais assustadora trazida 
pelo Holocausto e pelo que soubemos acerca de seus executores não foi 
a probabilidade de que isso pudesse acontecer a nós, mas a ideia de que 
nós poderíamos perpetrá-lo” (BAUMAN, 1998, p. 179, grifo do autor). 
 
3. Uma explicação alternativa para o mal 
 
As críticas baumanianas das explicações tradicionais – explicações que 
endossam a opinião de que é impossível ao homem civilizado, racional, 
cometer atos atrozes – encaminham a discussão à primeira 
 
tese alternativa sobre o mal. A maldade pode surgir no coração de 
condições sociais modernas ou civilizadas. Essa tese é amparada em 
evidências empíricas obtidas por dois estudos clássicos de psicologia 
social experimental, que lançaram luz sobre a problemática da maldade. 
Trata-se dos experimentos de Stanley Milgram sobre obediência à 
autoridade, e o experimento de Phillip Zimbardo sobre as consequências 
psicológicas de condições de aprisionamento. 
O experimento de Milgram, realizado em 1961, foi publicado no 
periódico The journal of abnormal and social psychology, em 1963, e discutido 
em pormenores no livro Obedience to authority: an experimental view, 
publicado em 1974. Os participantes da pesquisa foram recrutados com 
a informação de que fariam parte de um estudo sobre aprendizagem e 
memória, mais especificamente, sobre o papel da punição na 
aprendizagem. Participaram 40 homens, com idade entre 20 e 50 anos, 
das mais diversas ocupações como funcionários do correio, professores, 
engenheiros, e com níveis de escolaridade variados (desde aqueles que 
não tinham completado o ensino médio até aqueles com doutorado). 
Cada sessão do experimento envolvia três pessoas: o sujeito da 
pesquisa, que desempenhava o papel de professor, um experimentador, 
de 31 anos, cujo papel era desempenhado por um professor de biologia 
do ensino médio, e uma pessoa com 47 anos, um contador, que fazia o 
papel de aprendiz. No experimento, o pesquisador e o aprendiz eram 
cúmplices, e sabiam, de antemão, tudo o que iria acontecer. O 
procedimento consistia na apresentação de uma tarefa de memorização 
dada ao aprendiz, e o professor (o sujeito da pesquisa) era instruído a dar 
um choque no aprendiz toda vez que ele errava a tarefa. O aprendiz 
ficava em uma espécie de cadeira elétrica, com eletrodos em seus pulsos. 
Esses eletrodos estavam conectados a um simulador de produção de 
choques. Os comandos que supostamente liberavamos choques 
variavam de 15 a 450 volts. Essas voltagens foram distribuídas em 
categorias tais como: choque leve, moderado, forte, muito forte, intenso, 
extremo, e perigo: choque severo. A cada erro do aprendiz, acendia-se 
uma luz acima do simulador de choque, que sinalizava 
o próximo passo a 
 
ser executado pelo professor: dar o choque. A cada erro o professor 
deveria dar um choque mais forte que o anterior. Antes de administrar o 
choque o professor deveria anunciar qual era a voltagem que seria 
empregada. Vale destacar que o aprendiz não estava recebendo choque 
de verdade. Ele estava apenas simulando; ele gritava, gemia, suplicava 
para o sujeito parar de aplicar o choque quando se tratava das voltagens 
mais elevadas; mas tudo era uma simulação. Apenas o sujeito que fazia o 
papel de professor não sabia da encenação; ele acreditava piamente que 
estava administrando choques com fins pedagógicos (MILGRAM, 
1983). 
Milgram pediu a 14 psicólogos experientes que fizessem uma previsão 
dos resultados considerando cem participantes hipotéticos. De acordo 
com a avaliação dos especialistas, desses cem apenas três chegariam a 
administrar choques de 450 volts, ou seja, pouquíssimos participantes 
iriam além do choque ‘muito forte’. Os resultados contrariaram essas 
expectativas. Dos 40 participantes, nenhum deles parou antes de 
administrar choque de 300 volts; 14 foram um pouco mais adiante, mas 
desistiram de participar do experimento, desobedecendo às ordens do 
pesquisador de ir até o fim. Os outros 26 sujeitos foram até o final, 
administrando o nível de choque mais potente. Os resultados mostraram 
que as pessoas, agindo contra seus valores e convicções comuns, 
obedeceram a uma autoridade, infligindo um grave dano a outra pessoa, 
mesmo diante dos protestos da vítima. Vale ressaltar que essa autoridade 
não tinha nenhum poder especial sobre os participantes, não poderia 
prejudicá-los durante ou após o experimento (MILGRAM, 1983). 
Dez anos depois dos estudos de Milgram, em 1971, Zimbardo 
realizou seu experimento nos porões da Universidade de Stanford. Ele 
construiu um ambiente experimental simulando uma prisão. 
Participaram do estudo 24 universitários normais, sadios e inteligentes 
(todos foram submetidos a testes padronizados de personalidade). O 
objetivo do experimento era investigar a dinâmica comportamental em 
situações de aprisionamento. Mais 
 
especificamente, a ideia era verificar em que medida o arranjo de um 
contexto institucional específico, no caso o de uma prisão, poderia se 
sobrepor às personalidades de pessoas ‘normais’ nessas situações. Para 
tanto, os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos 
de 12 pessoas cada. O primeiro grupo representaria o papel de guardas, 
recebendo, para tanto, instruções, uniformes e equipamentos específicos; 
outro grupo representaria os prisioneiros, sendo literalmente 
apreendidos em suas casas por policiais, e mantidos sob o poder dos 
guardas da prisão experimental. O experimento estava programado para 
durar duas semanas, mas teve que ser interrompido no sexto dia, pois os 
jovens que assumiram o papel de guardas começaram a submeter seus 
‘prisioneiros’, também universitários, a situações humilhantes e 
vexatórias: eles pisavam nas costas dos colegas quando faziam flexões, os 
humilhavam sexualmente, os forçavam a cantarolar músicas obscenas, os 
obrigavam a limpar privadas sem luvas, a defecar em baldes, removiam 
das celas colchões como punição contra eventuais rebeliões, exigindo 
que os prisioneiros dormissem nus no chão de concreto. Por parte dos 
prisioneiros, observou-se greve de fome, distúrbios emocionais 
chegando à despersonificação; na verdade, alguns dos prisioneiros 
tiveram de sair mesmo antes do término precoce do experimento, pela 
sua precária situação emocional (ZIMBARDO, 2012). 
Os estudos de Milgram e Zimbardo mostraram que pessoas 
psicologicamente normais poderiam cometer atos cruéis dadas certas 
condições. Enfim, o mal emana menos de personalidades autoritárias do 
que de condições sociais que o favoreçam. Essas evidências empíricas 
foram discutidas por Bauman no livro Modernidade e holocausto e, com base 
nelas, e em suas análises teóricas sobre as condições sociais que 
propiciaram os atos atrozes no Holocausto, o sociólogo polonês 
concluiu que: 
[...] a crueldade relaciona-se a certos padrões de interação de 
maneira muito mais íntima que às características de personalidade 
ou outras idiossincrasias individuais dos seus executores. A 
crueldade é social na origem, muito mais do que
fruto de caráter. Sem dúvida alguns indivíduos tendem a ser cruéis 
se colocados num contexto que enfraquece as pressões morais ou 
legitima a desumanidade (BAUMAN, 1998, p. 194). 
Com efeito, os binômios racionalidade/humanidade e irracionalidade/ 
desumanidade foram colocados em xeque. Essas análises mostram que 
racionalidade e desumanidade podem caminhar juntas, lado a lado, em 
cooperação, uma alimentando a outra. Se a maldade pode ser um 
produto de condições sociais modernas, civilizatórias, em quais 
circunstâncias podemos fazer o mal? 
 
4. Condições modernas para o mal 
 
As análises sociológicas de Bauman sobre o Holocausto, bem como 
os experimentos de Milgram e Zimbardo, ensejaram a descrição de uma 
série de condições sociais catalisadoras do mal. 
Destacaremos, neste ensaio, duas delas: a) mediação da ação e b) 
responsabilidade flutuante. 
O conceito de mediação da ação está pautado em uma relação muito 
simples: a maldade é uma função direta da distância social. Dessa forma, 
quanto mais fragmentada for a nossa ação, quanto maior for a distância 
entre nossa ação e as consequências que ela produz, maiores as chances 
de cometermos atos atrozes. No caso do Holocausto, a ação da elite do 
exército nazista de ordenar as execuções era mediada por uma longa 
cadeia hierárquica, recortada em especializações funcionais, que 
terminava no soldado que executava a ordem fuzilando as pessoas ou 
acionando os dispositivos das câmaras de gás. O comandante não via, 
não tocava, não experienciava diretamente as consequências de sua ação 
de ordenar a morte de milhares de pessoas. Os resultados de algumas 
manipulações experimentais nos estudos de Milgram endossam essa 
análise: quando os professores tinham que pegar na mão do aprendiz, e 
colocá-la no aparato que, supostamente, dispararia o choque, o número 
de obedientes era em torno de 30%,
mas essa porcentagem aumentava na medida em que aumentava a 
distância entre professor e aprendiz. Quando os professores não podiam 
ver os aprendizes, que ficavam escondidos atrás de uma parede, a 
porcentagem de professores obedientes aos comandos do pesquisador 
chegou a mais de 60%. 
Isso mostra que quanto mais mediada for a nossa ação, quanto mais 
estiver distante das consequências que ela produz, mais suscetíveis 
somos de cometer atos cruéis. Trata-se de uma conclusão que também é 
conhecida pela análise do comportamento, que há muito argumenta que 
o efeito das consequências depende de seu caráter imediato, ou seja, a 
ação só pode ser fortalecida ou punida se as consequências reforçadora 
ou punidora forem imediatamente apresentadas depois da ação. Assim, 
quando nossa ação leva ao sofrimento de outras pessoas, a distância nos 
poupa da agonia de testemunhar os resultados de nossos atos. Por isso, 
Bauman (1998, p. 183, grifo do autor) conclui que “quanto mais 
racional a organização da ação, mais fácil se torna produzir o 
sofrimento – e ficar em paz consigo mesmo”. 
A modernidade cria, então, uma “moralidade da tecnologia”, na qual 
nossa atenção não está voltada para o objeto final de nossa ação, ou para 
quem sofrerá o impacto dela, mas para a eficiência da realização da ação, 
para o quanto ela está em conformidade com as regras prescritas e com 
as ordens dadas (BAUMAN, 1998, p. 188). 
Isso acontece não só quando a ação é mediada, mas também quando a 
ação participa da mediação da ação de outros. Em outras palavras,é mais 
fácil ignorarmos nossa responsabilidade quando somos apenas um elo 
intermediário numa cadeia de ações maléficas, cuja consequência final 
está longe de nossos olhos. 
Nesse contexto, o objetivo de nossa ação é apenas encetar outra ação 
e, nessa dinâmica, a relação entre nossa ação e o sofrimento de outrem é 
diminuída. 
A segunda condição catalisadora do mal, destacada por Bauman 
(1998), é a responsabilidade flutuante, que se caracteriza pelo ato de 
investir outra pessoa (geralmente uma autoridade) da 
 
responsabilidade por nossas ações. Em formas modernas de organização 
social, nas quais as ações são mediadas, é comum imputar ao outro a 
responsabilidade de nossas ações. Com isso, reitera-se a cadeia 
mediacional das ações sempre se deslocando a responsabilidade a uma 
camada superior da hierarquia5. Assim, 
com a instauração de uma responsabilidade flutuante somos afastados 
moralmente das consequências de nossas ações. 
Dessa maneira, a mediação da ação complementa e é complementada 
pela responsabilidade flutuante, fazendo com que ninguém se sinta 
moralmente ligado às consequências de suas ações. Se os comandantes 
no Holocausto dos judeus e nos estupros de Ruanda ficaram insensíveis 
moralmente, pela sua distância das vítimas, os executores não se sentiam 
responsáveis pelos crimes, com a justificativa de que estavam apenas 
cumprindo ordens. Além disso, essa insensibilidade é fortalecida por 
mecanicismos de organização racional da sociedade moderna, que 
privilegiam a compartimentalização e a especialização da ação, que 
valorizam a ação não pelo seu impacto no objeto da ação, mas pela sua 
eficiência e rigor na execução da tarefa e na conformidade às regras 
institucionalizadas. 
 
5. Entendendo o mal na contemporaneidade 
 
As análises anteriores suscitam um questionamento inquietante: será 
que as condições propiciadoras do mal estão presentes ainda hoje? 
Bauman (1998) descreveu essas condições no contexto da modernidade, 
mas elas poderiam ser estendidas à contemporaneidade? Teríamos 
superado essas práticas que sustentaram a maldade de grupos no século 
XX? O próprio Bauman sugere que essas condições para o mal ainda 
estão presentes e, por isso, atos cruéis em grande escala podem 
acontecer não só em qualquer lugar, mas a qualquer momento. O que 
torna essa situação muito mais perturbadora é a consciência de que 
 
isso poderia acontecer nessa escala maciça em outro lugar, portanto 
poderia acontecer em qualquer lugar; está tudo dentro da ordem das 
possibilidades humanas e, gostem ou não, Auschwitz expande o 
universo da consciência não menos do que o pouso na lua. 
Dificilmente pode ser reduzida a ansiedade, tendo em vista o fato 
de que nenhuma das condições que tornaram Auschwitz possível 
realmente desapareceu e nenhuma medida efetiva foi tomada para 
evitar que tais possibilidades e princípios gerem catástrofes 
semelhantes a Auschwitz (BAUMAN, 1998, p. 30). 
Vale acrescentar que além dessas condições ainda estarem presentes e, 
em alguns casos, até exacerbadas, qualquer um de nós pode realizar esses 
atos cruéis. 
Como é que pessoas comuns, como eu ou você, podiam fazer 
aquilo? Com certeza, de alguma forma, ainda que por uma 
pequenina diferença, elas devem ter sido diferentes, pessoas 
especiais, diversas de nós, não? Certamente devem ter escapado ao 
impacto enobrecedor, humanizante, de nossa sociedade civilizada, 
iluminada. Ou, quem sabe, podem ter sido estragadas, corrompidas, 
submetidas a alguma combinação infeliz e viciosa de fatores 
educacionais, que resultaram numa personalidade falha, doentia. 
Provar que todas essas suposições estavam erradas não seria 
acolhido não apenas porque isso desmoronaria a ilusão de 
segurança pessoal que a vida numa sociedade civilizada promete. 
Seria mal recebido também por uma razão muito mais significativa: 
porque exibiria a irredimível ineficácia de toda autoimagem 
moralmente virtuosa e de toda consciência tranquila. A partir de 
agora, toda consciência só podia ficar tranquila até segunda ordem 
(BAUMAN, 1998, p. 178-179, grifo do autor). 
Como podemos entender essa possibilidade em termos 
comportamentalistas? A resposta a essa questão pode ser encontrada em 
alguns pontos discutidos pelo próprio Skinner, sobretudo no campo da 
ética e da política. Mas antes de adentrar 
 
nesse ponto, cumpre esclarecer algumas proposições 
comportamentalistas. 
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o comportamento é um 
fenômeno que tem em sua base um organismo sensível ao mundo. 
Skinner (1981, 1984) esclarece essa tese quando apresenta a história do 
comportamento, defendendo que a sensibilidade às consequências 
produzidas pela ação teria sido crucial para o comportamento, em 
especial, e para a vida, em geral. Isso afasta terminantemente uma 
concepção mecanicista de comportamento, na qual as ações do 
organismo seriam meras reações a eventos anteriores, e ‘cegas’ ou 
insensíveis aos seus efeitos no mundo. A compreensão da própria 
capacidade de aprendizagem operante, ou condicionamento operante, 
depende do abandono dessa concepção mecanicista: alterações na 
probabilidade de ocorrência de ações futuras dependem de uma história 
em que consequências reforçadoras são consistentemente produzidas 
pelas ações. Além disso, se o comportamento é “[...] a atividade contínua 
e coerente de um organismo integral” (SKINNER, 1953, p. 116), essa 
continuidade e coerência dependem justamente da sensibilidade 
subjacente ao fenômeno comportamental. 
Nesse sentido, podemos entender a ocorrência do mal a partir de 
contingências que diminuem ou bloqueiam a sensibilidade do 
comportamento ao mundo, sobretudo, quando outras pessoas 
participam desse mundo. Isso ocorre quando certas contingências 
interpõem ‘barreiras’ ou mediações entre a ação e o mundo social no 
qual essa ação opera. Esses mediadores podem ser variados, mas vale 
mencionar alguns exemplos bastante presentes na nossa vida atualmente. 
O primeiro exemplo de mediação da ação são as regras 
institucionalizadas que governam nosso comportamento no âmbito da 
sociedade contemporânea, fazendo com que nossa ação em relação a 
outras pessoas fique mais sob o controle da norma, do regulamento, da 
burocracia, do que da pessoa que sofre os efeitos de nossa ação. Esse 
controle é especialmente importante para 
 
nossa discussão quando se trata de regras organizadas e mantidas por 
agências controladoras (SKINNER, 1953, 1978). Skinner (1953) definiu 
uma agência controladora como uma parte organizada do grupo social 
que estabelece um controle mais homogêneo sobre um grande número 
de pessoas que participam do grupo. Esse efeito amplo das agências 
controladoras é obtido graças à formalização de normas ou regras que 
passam a operar no interior da agência, bem como de sistemas de 
reforçamento e principalmente de punição que levam os membros do 
grupo a agirem de acordo com as normas instituídas. 
Pelo menos desde Foucault (1979), sabemos o quanto normas, leis, ou 
regras difundidas por agências controladoras – o que esse autor 
denominava ‘poder disciplinar’ – conduzem a uma padronização acrítica 
do comportamento humano, vinculando-se, de modo geral, ao discurso 
sobre a verdade, e criando estratégias para punir a desobediência. 
Quando o controle pela agência é eficaz o resultado são pessoas 
obedientes às regras e, portanto, insensíveis às contingências diferentes 
daquelas descritas pelas regras. 
Interessante nesse caso é que, geralmente, a justificativa para a criação 
e a manutenção das regras institucionalizadas é evitar o mal, evitar que o 
grupo incorra em um caos social, que indivíduos isoladamente 
perturbem o funcionamento do ‘coletivo’. Tudo se passa como se caso 
não houvesse regras mediando o convívio social, se não houvesse uma 
normatização das relações interpessoais, seríamos bárbaros, violentos, 
insensíveis. A tese aqui é justamente a inversa: quanto mais ficarmos sob 
um controle estrito de regras, normas, regulamentos, menos sensíveisseremos ao outro e, consequentemente, maior a chance de fazermos mal 
a ele. Nas palavras de Skinner (1978, p. 12, grifo do autor): 
O comportamento de seguir regras é inferior ao 
comportamento modelado pelas contingências descritas pelas 
regras. […]. Aprendendo as regras de uma cultura somos capazes 
de lidar eficazmente com pessoas, mas nosso comportamento será 
mais sensível às contingências mantidas 
 
“pela pessoa” quando somos diretamente censurados e elogiados, e 
as regras da cultura […] esquecidas. 
Isso não quer dizer que algumas regras sociais não sejam importantes 
para as relações interpessoais. Não podemos negar que um bom 
convívio entre pessoas depende do respeito mútuo, e que a educação e a 
civilidade, um conjunto de regras difundido socialmente nos últimos três 
ou quatro séculos, facilitaram muito a vida na sociedade moderna (cf. 
ELIAS, 2011). O problema está em regras institucionalizadas, que 
representam os interesses de uma ou mais agências controladoras e, por 
isso, despersonificam as ações. Um funcionário do serviço público de 
saúde, por exemplo, tem pelo menos duas fontes de controle de seu 
comportamento de atender as pessoas. De um lado, regras 
institucionalizadas que orientam rigidamente sua ação em diferentes 
situações. De outro lado, contingências presentes que envolvem as 
pessoas que ele precisa atender. Se o comportamento do funcionário 
estiver sob controle exclusivo da regra institucionalizada, ele será 
insensível à pessoa que está atendendo, mesmo que isso gere sofrimento 
a essa pessoa. Já se ele estiver sob controle da pessoa, a regra será 
colocada em perspectiva, e a prioridade será o atendimento e os efeitos 
gerados imediatamente na pessoa atendida. 
O segundo exemplo de contingências que promovem a insensibilidade 
ao outro, muito presente no nosso cotidiano, diz respeito às mediações 
tecnológicas que têm se proliferado nas relações interpessoais. Talvez o 
início mais conspícuo dessa prática tenha sido a difusão dos telefones 
celulares. A telefonia móvel tornou mais fácil conversar com uma pessoa 
por telefone do que pessoalmente, uma vez que com o celular é possível 
falar em diferentes lugares e situações, diminuindo muito o custo da 
resposta de conversar. O próximo passo foi a mudança de mediação da 
ligação telefônica, que ainda mantinha algumas das características de uma 
conversa face a face, para a mensagem de texto. Agora se torna possível 
escrever uma mensagem para alguém em diferentes situações, e até 
mesmo fazendo outras coisas, com um baixo custo de resposta e 
também com a diminuição do custo financeiro (desde 
 
o início da telefonia móvel é mais barato uma mensagem do que uma 
ligação, e hoje todas as operadoras oferecem pacotes promocionais em 
que as mensagens são ilimitadas pagando-se um valor fixo). 
Por fim, complementando e acentuando esse processo de mediação 
tecnológica das relações interpessoais, desenvolveram-se as denominadas 
‘relações virtuais’, consagradas nas redes sociais. 
Com a sociabilidade virtual, boa parte do que já acontecia com o 
celular foi transferido para a internet, com o msn, post’s, twitter’s etc. Tudo 
isso com baixo custo de resposta, maior imediaticidade, e cada vez mais 
barato. Qual o resultado dessa revolução nas relações interpessoais? 
Muitas vezes ouvimos dizer que nesses contextos virtuais as pessoas 
‘falam o que pensam’, sugerindo, com isso, que elas são mais autênticas e 
espontâneas. No entanto, frequentando um ambiente virtual é muito 
comum encontrarmos ‘conversas’ insensíveis, grosseiras, depravadas. O 
interessante é que raramente essas pessoas comportam-se dessa forma 
em relações interpessoais não mediadas; pelo contrário, em contextos 
não virtuais as pessoas são retraídas, contidas, tímidas, impessoais, 
discretas. Será que isso quer dizer que o contexto ‘real’ é castrador, 
repressor, e as redes sociais libertárias e democráticas? Subjaz a essa 
interpretação a crença de que o ser humano é ‘essencialmente’ mal e que 
o convívio social sem mediação mascara essa maldade. 
A tese aqui é outra. Em primeiro lugar, não há uma essência humana, 
boa ou má. O ser humano só é ‘em contexto’. Nesse sentido, em um 
contexto não mediado as relações sociais têm mais chances de se 
autorregularem, isso quer dizer que na ausência de mediações o 
comportamento do outro controla diretamente nosso comportamento, e, 
por isso, temos um impacto direto do mal ou do bem que estamos 
fazendo a ele. Por outro lado, em uma relação mediada, como no caso 
das relações virtuais, essa sensibilidade é impedida ou desviada, o que faz 
com que não tenhamos acesso imediato ao que estamos promovendo na 
outra pessoa. Além disso, mesmo que estejamos fazendo 
mal a ela, esse efeito nos afetará 
 
tardiamente, sendo, por isso, ineficaz para mudar o comportamento que 
promoveu o mal. 
Podemos encontrar amparo para essas análises no próprio texto 
skinneriano, sobretudo, em algumas de suas recomendações políticas. De 
um ponto de vista skinneriano, a política é o campo de discussão e 
planejamento do controle social, mais especificamente, do controle que 
há entre pessoas, o que, geralmente, envolve a participação de agências 
controladoras, como a economia e o Estado. Assim, um dos temas da 
política é o papel que as agências controladoras têm na regulação do 
comportamento individual. 
Discrepando de críticas comumente dirigidas à análise do 
comportamento (cf. CARRARA, 2005), Skinner (1978) defende que a 
melhor forma de política é o controle face a face, o controle de pessoas 
por pessoas, com a menor mediação institucional possível. Nas palavras 
desse autor: 
Quando delegamos o controle de pessoas a instituições políticas e 
econômicas, renunciamos ao controle face a face de um governo 
equitativo de pessoas por pessoas, e é um erro supor que o 
reconquistamos restringindo o escopo daqueles a quem delegamos 
o controle. Uma estratégia melhor é fortalecer o controle face a 
face. Um ambiente social, ou cultura, pode operar sem a ajuda de 
governantes e empresários usurpadores ou delegatários, e ele é mais 
claramente um governo de pessoas pelas pessoas quando faz isso 
(SKINNER, 1978, p. 9, grifo do autor). 
Um dos principais motivos para essa recomendação política está no 
modo de funcionamento das agências controladoras responsáveis pela 
difusão de regras institucionalizadas. De acordo com Skinner (1953), 
depois que uma agência controladora se consolida, ela passa a funcionar 
para o seu próprio bem, para manter-se, e, consequentemente, normas, 
regulamentos e regras difundidas por essa agência começam a ser usadas 
apenas com essa função. 
Identificadas as situações contemporâneas que facilitam a maldade, 
talvez seja possível combatê-la. Se comportamentos maus 
 
dependem de contingências sociais, mais especificamente, se eles 
ocorrem com mais facilidade em grupos permeados pela autoridade e 
por ações mediadas, precisamos arranjar práticas para que os grupos não 
se organizem em torno dessas características. Em poucas palavras, 
precisamos aumentar as chances da ocorrência do bem. 
 
6. Há possibilidades para o bem? 
 
Todas as análises feitas até aqui parecem consistentes com uma 
proposta comportamentalista, na medida em que o mal é uma 
propriedade do comportamento, e não uma referência que transcenda o 
campo comportamental. Enfim, para nenhum dos autores citados existe 
o mal em si, algo de ‘fora’ do comportamento que o influencia ou 
determina. Consequentemente, a discussão é encarnada, é terrena, ou 
seja, é um assunto humano. O mesmo raciocínio vale para o bem. A 
bondade deve ser definida a partir do comportamento; ela diz respeito 
ao que o ser humano faz, ao que ele faz consigo mesmo, com o mundo 
físico e, principalmente, com o mundo social. 
Precisamos combater o mal com o bem. O que nos remete à questão: 
o que é o bem? O que é a bondade? Em que condições ela surge? As 
análises anteriores sugerem que o combate à maldade e a promoção da 
bondade estão emcontingências que desburocratizam as relações 
interpessoais, aumentando, assim, nossa sensibilidade ao outro. Dessa 
forma, é uma condição para a bondade que a relação entre a ação e o 
mundo social, no qual essa ação opera, seja a mais direta possível, sem 
mediações. 
Talvez possamos ampliar a recomendação do controle face a face, 
mencionada alhures, para situações cotidianas criando uma alternativa 
viável e concreta para se combater as contingências responsáveis pela 
maldade. Em primeiro lugar, o controle face a face acaba, por definição, 
com a mediação da ação (SKINNER, 1978) e, por isso, esse tipo de 
relação tende a ser mais calorosa, 
 
humana, sensível. Para evitar o mal e aumentar as chances de promover 
o bem deveríamos preferir relações interpessoais mais diretas, menos 
mediadas; deveríamos, portanto, preferir conversar pessoalmente a 
conversar pelo telefone, deveríamos preferir conversar pelo telefone a 
mandar uma mensagem, deveríamos preferir nos relacionar com pessoas 
a máquinas. 
O controle face a face também é uma alternativa à responsabilidade 
flutuante. Quando diminuímos a interposição entre nossa ação e os 
efeitos que produzimos no outro, sentimos-nos mais responsáveis pelo 
que fazemos com ele, uma vez que somos afetados direta e 
imediatamente por esses efeitos. Consequentemente, nessa contingência 
tornamo-nos sensíveis a outrem. Vale lembrar que há diferentes tipos de 
interposição que precisam ser evitados, como a tecnológica 
(sociabilidade virtual) e a burocrática (regras, normas e regulamentos 
institucionalizados). Assim, além de preferir conversar pessoalmente, 
deveríamos conversar com pessoas e não com cargos. 
 
Considerações finais 
 
Depois de todo esse percurso podemos finalmente levantar a seguinte 
questão: é possível fazer o bem? As análises apresentadas anteriormente 
vão na direção de uma resposta positiva, desde que nos empenhemos em 
promover algumas mudanças. Em primeiro lugar, precisamos romper 
com a lógica medieval de que o ser humano tende naturalmente ao mal, 
de que ele é manchado pelo pecado original, de que sem uma regulação 
externa, sem uma padronização as relações interpessoais serão 
necessariamente violentas. É justamente essa imagem de um ser humano 
‘decaído’ que povoa os argumentos a favor da manutenção do poder das 
agências controladoras. Precisamos combater esse argumento mostrando 
o que corre nos bastidores dessas agências, a função reacionária dos 
regulamentos, das normas e da burocracia em geral. Enfim, precisamos 
aprender a desobedecer quando necessário. 
Além disso, é preciso insistir que o bem e o mal são inerentes ao 
comportamento, e que não somos vítimas do mundo, mas somos, 
sobretudo, responsáveis, já que construímos (ou destruímos) o mundo 
com nossas ações. Isso quer dizer que a chave para a bondade está em 
como agimos, como nos relacionamos com o outro, quanto lutamos 
pelo contato face a face, e quanto resistimos à mediação das nossas 
ações. 
É possível, portanto, fazer o bem, mas isso exige, antes de tudo, uma 
maior atenção às condições responsáveis pelo mal, que continuam mais 
presentes do que nunca em nossa sociedade atual. 
 
 
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ZIMBARDO, Philip. O efeito lúcifer: como pessoas boas se tornam 
más. Tradução T. N. Lima. Rio de Janeiro: Record, 2012. 
 
1 De modo mais preciso, essa vertente refere-se a uma tradição de 
interpretação da teoria moral e política de Hobbes (1979). 
Obviamente, tal leitura não é isenta de controvérsias; para uma análise 
mais detalhada desse assunto, consultar (TUCK, 2011). 
 
2 Havia também uma minoria, cerca de 1%, da etnia Twa 
(OLIVEIRA; GROSSMANN, 2012). 
 
3 Muitos outros exemplos de maldade poderiam ainda ser mencionados em 
diferentes partes do mundo, incluindo a América 
http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005220
http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005220
Latina, com as perseguições políticas e mortes ocorridas durante os 
regimes ditatoriais, que se estenderam por boa parte do século XX nos 
países dessa região. No Brasil, em particular, há também o caso ocorrido 
no Colônia, maior hospício do país, na cidade mineira de Barbacena, no 
qual cerca de 60 mil pessoas morreram de fome, frio, doenças,

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