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TEMA 2 Constitucionalizacao do direito civil

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RESUMO DIREITO CIVIL (Sala de aula virtual) 
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL – TEMA 2 – CRÉDITO DIGITAL 
 
MÓDULO 01 - Reconhecer a relação entre o Direito Civil e o texto da Constituição brasileira 
de 1988 
 
1. O DIREITO CIVIL 
 
O Direito Civil encontra-se codificado (Código Civil brasileiro vigente - Lei 10.406, de 10 de janeiro 
de 2002) e tem em suas disposições legais o objetivo de regular as relações privadas entre 
pessoas físicas, pessoas jurídicas e entes despersonalizados. Foi dividido preliminarmente da 
seguinte maneira: 
 
Pessoas 
Pessoas físicas e jurídicas. 
 
Bens 
Bens classificados, basicamente, entre móveis, imóveis e semoventes. 
 
Entes despersonalizados 
Entes como espólio, condomínio, massa falida, nascituro. 
 
Embora tais classificações e relações jurídicas estejam sistematizadas e reguladas no plano 
infraconstitucional, a leitura dessas proposições legislativas deve ser interpretada a partir do 
texto da Carta Magna de 1988, em face do princípio da supremacia da Constituição e da 
interpretação conforme o texto constitucional. Interpretar o Código Civil conforme a Constituição 
Federal, como nos recomenda o referido princípio, promove não apenas uma importante 
organização do sistema jurídico em seu aspecto evolutivo, mas também uma notória segurança 
jurídica a respeito da eficácia e incidência das normas infraconstitucionais (ex. leis federais). 
 
Eticidade, socialidade e operacionalidade são as novas diretrizes teóricas propostas pelo 
atual Código Civil brasileiro. 
 
Eticidade 
Quanto à eticidade, há uma preocupação evidente do legislador infraconstitucional com a ética 
como fator regente das relações jurídicas constituídas entre os particulares, justificando os 
princípios da boa-fé objetiva e subjetiva nas relações contratuais. 
 
Socialidade 
A socialidade, por sua vez, rompe com o individualismo exacerbado no Código Civil brasileiro 
de 1916, propondo uma ressignificação das relações entre particulares. Isso é evidenciado, por 
exemplo, na função social da propriedade privada, que perde seu caráter absoluto e dá lugar a 
uma visão menos privatística, pois o proprietário ou possuidor deverá cumprir as diretrizes 
coletivas para exercer legitimamente o seu direito fundamental à propriedade. 
 
Operacionalidade 
Operacionalidade, terceiro princípio regente, estabelece o desapego à linguagem rebuscada, 
ou seja, a legislação proposta deve ser em uma linguagem clara, concisa, objetiva e de fácil 
entendimento para a sociedade civil. Esse cuidado manifesta a preocupação do legislador com 
a acessibilidade do texto legal, promovendo mais democraticidade no exercício dos direitos civis 
previstos no plano legislativo. 
 
A função social da empresa é outro exemplo que ilustra a socialidade como fundamento regente 
do Direito Civil contemporâneo, assim como a função social dos contratos. Na realidade, “o 
princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem 
perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana” (GONÇALVEZ, 2002, p. 5). 
 
A despatrimonialização do Direito Civil é fenômeno jurídico contemporâneo que coincide com a 
sua constitucionalização. Compreender o Direito Civil e interpretá-lo sob a ótica 
constitucionalizada é um meio de romper com as premissas patrimonialistas da legislação civil 
brasileira do início do século XX, a qual deixava claro o interesse do legislador em proteger a 
propriedade privada em detrimento da pessoa humana. 
 
O regime dotal de casamento, por exemplo, evidenciava a intenção patrimonialista da legislação 
– do artigo 278 ao 288 havia uma autorização ao pai para pagar um dote a quem se casasse 
com sua filha, manifestando o desprestígio da pessoa humana no contexto da legislação civil e 
patrimonialista vigente no início daquele século. 
 
O inciso III do Art. 1º da Constituição assegura a institucionalização da dignidade humana como 
um dos fundamentos da República. A partir de então, o Direito Civil deixou de ser lido e 
interpretado na perspectiva patrimonialista, pois o eixo central do ordenamento jurídico-
constitucional brasileiro passa a ser a ampla e integral proteção da pessoa humana. 
 
 
A natureza principiológica da dignidade humana “decorre de seu conteúdo aberto, utilizado como 
referencial teórico à compreensão sistemática do direito que prioriza a proteção jurídica das 
pessoas na sua maior amplitude possível, seja no aspecto individual ou coletivo” (COSTA, 2019, 
p. 216). 
 
O advento dos direitos fundamentais, como tratados no texto constitucional, é o referencial 
lógico-jurídico de interpretação das normas previstas no Código Civil brasileiro vigente, pois os 
direitos fundamentais são “concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa 
humana, consagrado expressamente em nossa Lei Fundamental” (SARLET, 2004, p. 81). 
 
A proposta de constitucionalização do Direito Civil demonstra que seu objeto não pode ficar 
adstrito às questões patrimoniais. Além de privilegiar a dignidade humana como critério regente 
das relações privadas, a liberdade e a igualdade também são consideradas referenciais hábeis 
à interpretação dos direitos civis. Significa dizer, por exemplo, que as pessoas são livres na forma 
de constituição de família; os filhos são iguais no exercício de direitos; homens e mulheres 
possuem os mesmos direitos e deveres no âmbito do casamento e da união estável; é 
juridicamente inadmissível tratamento discriminatório entre cônjuges e companheiros para fins 
sucessórios; proíbem-se designações discriminatórias no âmbito das relações contratuais, além 
do direito conferido às pessoas de optarem de modo autônomo se escolherão ou não se 
submeter a tratamento médico-terapêutico em caso de doenças graves. 
 
A releitura do Direito Civil a partir do texto da Constituição de 1988 advém do Estado Democrático 
de Direito, com o objetivo central de assegurar a liberdade individual, a igualdade jurídica nas 
relações privadas, o tratamento digno da pessoa humana e a autonomia nas relações 
contratuais, cujo eixo central deixa de ser o patrimônio e passa a ser a ampla e integral proteção 
jurídica da pessoa humana. 
 
Assim, “a dignidade humana corretamente compreendida está relacionada ao autorrespeito, 
como a ideia segundo a qual toda e qualquer vida é importante e tem o mesmo valor, e à 
autenticidade, relacionada à ideia segundo a qual cabe a cada ser humano desenvolver 
livremente seus projetos de felicidade” (OMMATI, 2018, p. 23). O centro gravitacional do direito 
contemporâneo é a preservação e o exercício dos direitos fundamentais, representando: 
 
em geral o estabelecimento de limites negativos e positivos ao processo democrático, 
uma vez que tais direitos exercem uma função negativa ou restritiva quando proíbem a 
prática de determinadas condutas ao Estado e a particulares, e exercem uma função 
positiva ou diretiva quando impõem, principalmente ao Estado, a prática de outras 
condutas 
 
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais materializa proposições teóricas para proteger 
constitucionalmente as relações jurídicas entre particulares. Em outras palavras, “os direitos 
fundamentais também poderão ser opostos aos próprios particulares, sejam pessoas naturais ou 
jurídicas, isto é, os direitos fundamentais devem ser aplicados às relações privadas”. 
 
A horizontalidade aproxima as garantias constitucionais de seus verdadeiros protegidos, no caso, 
a população brasileira, posto que de nada adianta a sofisticação de um texto constitucional 
quando ele se limita a ser um conjunto de folhas de papel. A eficácia deve ser notada nos 
direcionamentos da República e na solução de casos concretos entre particulares. 
 
 
2. APLICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS 
 
 
Como garantir efetivamente a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações jurídicas entre 
particulares? 
 
a. IGUALDADE JURÍDICA ENTRE FILHOS 
 
O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 355 a 366, admitia designações discriminatórias entrefilhos. O legislador infraconstitucional à época reconhecia como legítimo apenas o filho 
concebido na constância do casamento, os demais eram categorizados como adulterinos, 
espúrios, incestuosos e ilegítimos, além de não serem titulares de iguais direitos em comparação 
aos legítimos. A ciência do Direito reconhecia e legitimava esse tratamento jurídico desigual, 
contudo, com o advento da Constituição de 1988, o Código Civil passou a ser interpretado sob 
a ótica do direito fundamental à igualdade e dignidade humana. A partir de então, não se admitiu 
mais qualquer tratamento desigual e discriminatório, uma vez que os direitos civis assegurados 
aos filhos passaram a ser iguais, independentemente da forma de sua concepção. 
 
O direito à herança, ao reconhecimento de paternidade, aos alimentos e à convivência com o 
pai, com a mãe, avós e tios passaram a ser inerentes à dignidade humana. O Estatuto da Criança 
e do Adolescente (Lei 8069/90) e o atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002) ratificaram a 
igualdade dos filhos estabelecida pelo texto da Constituição. 
 
b. IGUALDADE JURÍDICA ENTRE CÔNJUGES 
 
O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 6º, considerava a mulher casada como sujeito 
relativamente incapaz, legitimando a sua desigualdade jurídica em relação ao homem. A 
institucionalização patriarcado, com homem sendo considerado chefe da família, era refletida no 
Art. 36, parágrafo único, o qual estabelecia o domicílio do marido como também sendo o da 
mulher casada, robustecendo ainda mais o tratamento desigual. As normas jurídicas que 
vigoraram no Direito brasileiro legitimavam o desigual tratamento conferido aos cônjuges, e 
somente após a aprovação do Estatuto da Mulher Casada a esposa deixou a condição de 
relativamente incapaz rem relação ao marido. 
 
A Constituição brasileira de 1988, Art. 5º, caput, é categórica ao estabelecer, perante a lei, a 
igualdade de todos e o exercício dos direitos fundamentais previstos no plano constituinte e 
instituinte. Nesse contexto propositivo, institucionalizou-se a igualdade jurídica entre homens e 
mulheres no âmbito das relações privadas, sendo proibido qualquer tratamento desigual ou 
discriminatório. 
 
Ao menos no plano normativo, a Constituição democrática desconstruiu o patriarcado no 
casamento. As premissas do legislador constituinte de 1988 são confirmadas em legislações 
infraconstitucionais posteriores, como o atual Código Civil brasileiro, que ratifica, no plano 
normativo, a igualdade jurídica de ambos os sexos no âmbito do casamento. 
 
c. PROIBIÇÃO DE RELAÇÕES CONTRATUAIS CUJO OBJETO É O COMÉRCIO DE 
ÓRGÃOS HUMANOS 
 
A autonomia privada, corolário do direito fundamental à liberdade e autodeterminação da pessoa 
humana, confere aos contratantes a legitimidade jurídica de escolherem o que contratarão e 
como será planejado e executado o contrato realizado. Contudo, essa liberdade não é irrestrita, 
em vista do dirigismo contratual, ou seja, os contratos não poderão ser instituídos de modo a 
permitir a violação de direitos fundamentais ou da dignidade humana de um dos sujeitos que 
integram a relação contratual. Isso é refletido no Art. 199, § 4, da Constituição de 1988, que 
vedou expressamente todo tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas 
para fins de transplante. 
 
Apesar de ser livre e ter autonomia quanto ao seu próprio corpo, um indivíduo não pode vender, 
por exemplo, um de seus rins. A limitação jurídica no que tange à realização de contratos se 
justifica constitucionalmente a partir do princípio da dignidade, que veda expressamente a 
coisificação e a patrimonialização da pessoa humana no âmbito das relações jurídicas 
constituídas entre particulares. 
 
Essa conclusão somente é viável mediante a interpretação constitucionalizada, sistemática e 
integrativa do Direito Civil, cuja finalidade central deverá ser sempre a ampla e integral proteção 
da pessoa humana. 
 
d. IGUALDADE JURÍDICA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS 
 
As relações contratuais no âmbito do direito privado são regidas pela liberdade conferida às 
partes concernente à definição do objeto e da forma como estabelecerão a relação contratual. A 
legislação civil brasileira vigente estabelece em normas específicas tanto a forma como o objeto 
a ser contratado. A realização do contrato de casamento, por exemplo, deve ser solene e pública. 
Isso evidencia o dirigismo contratual. 
 
Os artigos 423 e 424 do atual Código Civil brasileiro são categóricos ao estabelecer que, quando 
houver contrato de adesão com cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar a 
interpretação mais favorável ao aderente. O estabelecimento dessa interpretação constitui uma 
forma adotada pelo legislador infraconstitucional de garantir igualdade dos sujeitos integrantes 
da referida relação contratual. 
 
Ao aderente, foram impostas todas as cláusulas contratuais como condição à realização do 
contrato, portanto nada mais justo lhe garantir a interpretação mais favorável e digna. 
e. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA E DOS CONTRATOS 
 
A liberdade de contratar não pode ser exercida ampla e irrestritamente, e sim nos limites da 
função social do contrato, conforme estabelecido pelo artigo 421 do atual Código Civil. 
 
Embora o contrato seja reflexo do exercício da liberdade conferida às partes de contratar, tais 
relações jurídicas não podem atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana. 
 
Por exemplo, não é admitido firmar contratos que autorizem exploração da mão de obra escrava, 
mesmo com consentimento, pois tal modalidade vai de encontro à função social dos contratos e 
ofende o princípio da dignidade humana. No mesmo sentido, a legislação infraconstitucional e 
constitucional estabelece a função social da propriedade com um dos parâmetros regentes ao 
exercício do respectivo direito fundamental. 
 
Assim, evidencia-se que a propriedade privada não possui caráter absoluto, pois seu proprietário 
ou possuidor tem o deve de cumprir sua função social, dando-lhe utilidade para atender os 
interesses privado e público. 
 
Exemplo: o Estado institui no âmbito urbano a destinação a ser dada a cada propriedade (imóvel 
residencial ou comercial), como também proíbe o cultivo de plantas psicotrópicas em 
propriedades privadas rurais (cultivo de maconha, por exemplo). As limitações legais previstas 
ao exercício do direito fundamental de propriedade objetivam evidenciar a superação de seu 
caráter eminentemente individual e absoluto, regulamentando a obrigatoriedade quanto ao 
cumprimento da função social. 
 
f. PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA DA PESSOA CURATELADA 
 
A curatela prevê a possibilidade de nomear um curador para pessoa comprovadamente 
incapacitada de praticar os atos da vida civil de maneira autônoma. Para isso, é necessária a 
propositura de ação judicial (do artigo 747 ao 763 do Código de Processo Civil de 2015), quando 
o magistrado analisará se a pessoa demandada possui ou não autonomia em relação ao 
exercício dos atos da vida civil. Se ficar comprovada essa incapacidade, será nomeado um 
curador. Todos possuem capacidade para gerir os atos da sua vida civil, seja no âmbito 
patrimonial ou no âmbito existencial. 
 
O instituto da curatela, previsto no plano infraconstitucional, deverá ser compreendido e 
analisado sob a ótica do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 
 
É estabelecido que os limites judiciais para a atuação do curador restringem-se às questões de 
ordem material, preservando a autonomia do curatelado nas escolhas existenciais, e à gestão 
das questões materiais (patrimoniais) do curatelado. 
 
g. LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TESTAR 
 
O testamento é um instituto jurídico que oportuniza ao testador o direito de planejar a destinação 
de seus bens após seu falecimento. A liberdade de testar não é irrestrita, pois há previsão legal 
que delimita o exercício da autonomia e do direito fundamental à liberdade de escolha do 
testador. 
 
O Art. 1.846 do atual Código Civil brasileiro estabelece que pertenceaos herdeiros necessários 
(descendentes, ascendentes ou cônjuges), de pleno direito, a metade dos bens da herança. 
Nesse caso, o testador somente poderá testar 50% do seu patrimônio. 
 
A leitura constitucionalizada desse dispositivo legal leva-nos a concluir que o Estado intervém na 
autonomia privada e na liberdade das pessoas ao não permitir que seja objeto de testamento 
100% de seu patrimônio em caso de existência de herdeiro necessário. Tal leitura sugere que 
esse dispositivo legal poderia ser considerado inconstitucional, pois atenta contra o direito 
fundamental de liberdade do testador. O testamento é pouquíssimo utilizado no Brasil, posto que 
o cidadão brasileiro não possui um bom diálogo com a morte e, por consequência, com os seus 
efeitos, em especial na organização de sua sucessão patrimonial. 
 
h. DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE NA FORMA DE CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIAS 
 
A liberdade é um dos direitos fundamentais mais densos, importantes e necessários à construção 
da sociedade democrática. Indivíduos livres exercem com legitimidade democrática todos 
direitos previstos no plano normativo, de maneira igual e digna. No âmbito do direito das famílias, 
deve-se reconhecer o direito de cada um escolher livremente a forma como constituirá sua 
entidade familiar, sem intervenção ilegítima e arbitrária do Estado. Em uma sociedade 
democrática, o papel do Estado é o de legitimar e reconhecer as formas livres e plurais de 
constituição familiares. 
 
A partir da interpretação sistemática e extensiva do texto da Constituição, o conceito de família, 
no Estado Democrático de Direito, é aberto, plural, inclusivo e marcado pela diversidade. 
 
Devido a essa liberdade, não se admite a interferência do Estado na vida privada, segregando 
modelos familiares não encontrados nas diretrizes impostas aprioristicamente por padrões 
morais e religiosos, caso contrário seria legitimar a ofensa sistematizada do texto constitucional. 
 
Os critérios jurídicos para a definição de família são: reunião de duas ou mais pessoas, 
vinculadas ou não afetivamente, que possuem o animus de viver em família, não podendo tais 
sujeitos sofrer qualquer intervenção do Estado quanto às suas escolhas individuais. Nesse 
contexto, destacam-se as chamadas famílias unipessoais, pois as pessoas que vivem sozinhas 
devem ser juridicamente consideradas como membro familiar para gozarem, por exemplo, do 
direito à impenhorabilidade do bem de família. 
 
A amplitude desse conceito é exemplificada nas espécies de família admitidas 
constitucionalmente no direito brasileiro: 
 
Família matrimonial: Constituída por pessoas casadas. Na atual sistemática jurídica adotada 
pelo direito brasileiro, poderão contrair matrimônio tanto indivíduos heterossexuais quanto 
homossexuais. 
 
União estável: Sociedade de fato constituída por duas pessoas (casais heterossexuais e pares 
homoafetivos) que livremente se apresentam na sociedade como se casados fossem. A 
produção dos seus efeitos jurídicos se condiciona ao reconhecimento judicial. 
 
Família monoparental: Constituída por qualquer dos genitores (pais) juntamente com seus 
descendentes (filhos), biológicos ou adotivos (trata-se das entidades familiares constituídas por 
pais e mães solteiros, respectivamente na companhia de seus filhos); 
 
Família homoafetiva: Constituída por pessoas do mesmo sexo (dois homens ou duas mulheres) 
via casamento ou união estável. 
 
Família substituta: Constituída pela adoção, guarda ou tutela de menores. Essa modalidade de 
família independe da existência de vínculos biológicos entre os seus integrantes. 
 
Família anaparental: Constituída por pessoas com vínculos parentais. Não se incluem nessa 
modalidade os pais (genitores). São exemplos de famílias anaparentais aquelas constituídas por 
primos, irmão, tios e sobrinhos. 
 
Família mosaico, pluriparental, recomposta ou reconstituída: Entidades familiares 
constituídas por genitores que possuem a guarda de filhos de relacionamentos anteriores e 
resolvem constituir uma nova família. São exemplos dessa modalidade de família: a mãe solteira 
que se casa com um homem divorciado que possui a guarda de sua filha menor. Essa 
modalidade permite a convivência entre padrastos e madrastas com seus respectivos enteados 
(considera-se família reconstituída quando apenas um dos genitores possui filho de 
relacionamento anterior, como é o caso do homem solteiro que se casa com uma mãe solteira, 
dispensando-se que ambos possuam filhos de relacionamentos anteriores). 
 
Família eudemonista: Etimologicamente, eudemonia significa felicidade. Essa modalidade de 
família é constituída por duas ou mais pessoas que não possuem vínculo de parentesco 
(consanguíneo, afetivo ou civil), mas, em razão do estreito laço afetivo existente, reconhecem-
se como membros integrantes de uma mesma entidade familiar, possuindo como objetivo 
comum a felicidade. Esse é o caso, por exemplo, de amigos que resolvem não se casar e nem 
constituir relações afetivas com parceiros(as) e, por isso, optam por viverem juntos. 
 
Família multiparental: A multiparentalidade é um instituto jurídico que reconhece a possibilidade 
de uma mesma pessoa possuir mais de um vínculo de filiação com pai ou mãe. É o caso, por 
exemplo, do filho que possui em seu registro de nascimento o nome do pai biológico e do pai 
afetivo (padrasto), situação essa já reconhecida pelo Direito brasileiro. Nesse sentido, a família 
multiparental é constituída por filhos que possuem, simultaneamente, múltiplos vínculos de 
filiação com mais de um pai ou mais de uma mãe em seu registro de nascimento. 
 
Famílias poliafetivas: Entidades familiares constituídas por mais de duas pessoas (homens, 
mulheres e pessoas trans) que decidem viver afetivamente como família, haja vista o afeto e o 
interesse que possuem em conviver umas com as outras. Importante ressaltar que essa 
modalidade de entidade familiar decorre da interpretação extensiva e sistemática do direito 
fundamental à liberdade e dignidade humana, não se admitindo que o Estado proíba um novo 
modo de viver em família, até porque qualquer intervenção estatal nesse sentido pode ser 
caracterizada como ofensa ao princípio constitucional da não discriminação, expressamente 
previsto no artigo 3, inciso IV da Constituição brasileira de 1988. 
 
Tal classificação de entidades familiares somente se torna viável com a constitucionalização do 
Direito Civil, cujas bases estão no direito fundamental à liberdade, inclusive a de escolha da 
forma e do meio de constituição dos vínculos familiares, priorizando-se a construção digna e 
igualitária de modos diversos de relacionamentos afetivos protegidos juridicamente. 
 
i. DIREITO DE GAYS DOARAM SANGUE E A PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO NAS 
RELAÇÕES PRIVADAS 
 
O Art. 5, caput, da Constituição brasileira de 1988, assegura a todos o exercício dos direitos 
fundamentais à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. O Art. 199, § 4, prevê o 
direito de qualquer indivíduo de ser doador de órgãos, sangue ou qualquer parte do corpo 
humano, sendo proibido qualquer tipo de comercialização. 
 
O Art. 3, inciso IV, prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa a 
promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras 
formas de discriminação. Nosso ordenamento jurídico-constitucional explicita o direito 
fundamental à igualdade e o princípio da não discriminação como nortes interpretativos do 
Código Civil brasileiro, o que justifica a construção de leituras constitucionalizadas dos direitos 
civis considerados essenciais ao exercício da cidadania. 
 
A doação de sangue é considerada um Direito Civil que deverá ser indistintamente assegurado 
a todos os brasileiros, independentemente de sua orientação sexual. 
 
Mesmo diante desse contexto propositivo, a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a 
Resolução 34/2014 da ANVISA são claras ao proibirem homens declaradamente gays de 
doarem sangue. 
 
O estudo crítico dessaPortaria constitui um meio de demonstrar que a legislação brasileira 
vigente é responsável por reproduzir o discurso de ódio, segregação e tratamento desigual 
conferido aos homossexuais, naturalizando o preconceito mediante a estigmatização de pessoas 
em razão de sua orientação sexual. O Art. 64, inciso IV, da Portaria 158 evidencia a 
institucionalização da homofobia quando considera o homem gay como integrante do grupo de 
risco para fins de doação de sangue. O Art. 129 estabelece que “o serviço de hemoterapia 
realizará testes para infecções transmissíveis pelo sangue, a fim de reduzir riscos de transmissão 
de doenças e em prol da qualidade do sangue doado”. 
 
Se a finalidade dos bancos de doação de sangue é auferir previamente a qualidade do sangue 
doado, mediante exames específicos, por que ainda há a estigmatização do homem gay doador? 
Certamente, pelo fato de o próprio Estado reconhecê-lo como parte de um grupo de risco. 
 
Simbolicamente, isso se relaciona com a premissa de que tais sujeitos seriam promíscuos e mais 
aptos às doenças sexualmente transmissíveis somente devido à sua condição e orientação 
sexual. 
 
O Art. 2, § 3, da Portaria 158, define que o objetivo dos serviços de hemoterapia é promover a 
melhoria da atenção e acolhimento dos candidatos à doação de sangue, mediante triagem clínica 
com vistas à segurança do receptor, “porém com isenção de manifestações de juízo de valor, 
preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida, 
atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à 
segurança do receptor” (BRASIL, 2016). A incongruência da portaria revela a institucionalização 
legal de práticas homofóbicas ao pôr o homem gay no grupo de risco dos doadores de sangue, 
pois, “se por um lado a portaria garante um acolhimento isento de discriminação em razão da 
orientação sexual dos doadores, por outro exclui deliberadamente homens gays que tenham 
uma vida minimamente ativa, mesmo que em relações estáveis e com uso de preservativos” 
(CARDINALI, 2016, p. 116). 
 
Em 09 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as normas que 
proíbem gays de doarem sangue. 
 
A proibição estatal, além de inconstitucional por violar o direito à igualdade, os princípios da 
dignidade humana e não discriminação, constituía ofensa direta aos direitos da personalidade, 
expressamente previstos no Código Civil brasileiro vigente. 
 
A sistematização legal dos direitos da personalidade objetiva a proteção jurídica do patrimônio 
existencial da pessoa humana. A doação de sangue e a liberdade sexual são dois exemplos de 
direitos da personalidade que objetivam proteger a pessoa humana quanto ao exercício legítimo 
da autonomia privada de querer ou não ser doador de sangue. Quando o Estado proíbe pessoas 
de serem doadoras em razão de sua orientação sexual, interfere na esfera da autodeterminação 
do sujeito, além de robustecer a institucionalização do preconceito e da discriminação sexual. 
 
j. DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE HUMANA DOS TRANSEXUAIS DE UTILIZAREM 
O NOME SOCIAL 
 
O nome é juridicamente considerado direito da personalidade previsto no Art. 16 do Código Civil 
brasileiro e meio legitimo de individualizar as pessoas, proporcionando condições essenciais ao 
exercício dos atos da vida civil. O direito ao nome é corolário da dignidade humana, direito à 
igualdade e forma de garantir a proteção da honra objetiva, ou seja, por meio dele conhecemos 
e identificamos cada indivíduo socialmente. Juridicamente, o nome é uma categoria 
classificatória em nossa sociedade, pois referenda a existência da pessoa humana perante o 
Estado e as instituições públicas e privadas. 
 
A sociedade civil define a priori papéis ao indivíduo a partir do gênero (masculino ou feminino) 
ora assumido e construído ao longo da vida. A ciência do Direito compreende o sexo jurídico na 
vertente biológica e, a partir disso, o nome categoriza os sujeitos como machos e fêmeas. 
 
Nessa perspectiva clássico-conceitual, o nome é visto como mecanismo de exclusão e 
marginalidade do transexual, pois sua escolha ocorre no ato do nascimento e considera somente 
aspectos anatômico-evolucionistas da genitália: se tiver pênis, o nome será masculino; se tiver 
vagina, o nome será feminino. Nesse contexto, há uma categorização do indivíduo antes mesmo 
da construção da sua identidade de gênero. Por essa razão, o nome é considerado mais um 
elemento que retira da pessoa transexual o direito de livremente adequar-se à sua identidade de 
gênero. Mas o uso do nome social pela criança transexual é uma forma de garantir sua inclusão 
no âmbito escolar e viabilizar mais efetivamente o exercício da cidadania? 
 
No dia 28 de abril de 2016, a então presidente da república Dilma Rousseff editou o Decreto 
8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de 
pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e 
fundacional. 
 
Inicialmente, tal diploma legislativo foi comemorado pelos ativistas, por entenderem que 
asseguraria inclusão e visibilidade àqueles indivíduos. Certamente, essa é uma importante 
conquista no âmbito legislativo, porém insuficiente para garantir a igualdade jurídica aos 
transgêneros quanto ao exercício pleno da cidadania e dos seus direitos civis. O nome social 
não resolve a questão central, o nome civil, por meio do qual as pessoas são conhecidas e 
individualizadas pelo Estado. Tanto o transexual quanto o travesti que se utilizam do nome social 
continuam civilmente vinculados a um nome que não condiz com sua identidade de gênero. Por 
essas razões, a proposta do uso do nome social constitui medida paliativa que não enfrenta 
diretamente a problemática, pois não soluciona a problemática do nome civil, perpetuando a 
discriminação, marginalidade e preconceito vivenciado pela população transgênero no âmbito 
institucional. 
 
A identidade de gênero não é definida aprioristicamente por acepções biológico-evolucionistas, 
ou seja, o “ser homem” e o “ser mulher” não podem ser reflexo direto da concepção e do modelo 
clássico de heterossexualidade impostos por convenções morais e religiosas. 
 
O gênero de cada indivíduo decorre de construções psicossociais advindas da subjetividade de 
cada um em querer se desenhar no contexto de seus desejos e de suas percepções do mundo. 
 
Ver como doença o transexualismo é uma maneira de categorizar pessoas e estimular a 
marginalidade, o preconceito, a exclusão e a opressão de gênero. Trata-se de método utilizado 
como parâmetro para coisificar os transexuais e rotulá-los como indivíduos que não se 
encontram incluídos nos padrões vigentes, submetendo-os a uma constante violência silenciosa 
e simbólica (violência moral e psicológica). 
 
O Provimento 73, do Conselho Nacional de Justiça, do dia 28 de junho de 2018, passou a 
autorizar que pessoas trans requeiram diretamente ao cartório a mudança de nome e de gênero. 
Tal diploma normativo representa, simbolicamente, maior dignidade, igualdade e inclusão 
desses indivíduos, além de ser um avanço significativo no exercício de um Direito Civil básico ao 
nome. 
 
No dia 1º de março de 2018, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275, o Supremo 
Tribunal Federal entendeu ser possível a alteração de nome (prenome) e gênero (homem e 
mulher) no assento de registro civil, independentemente de autorização judicial (maioria de 
votos), ou seja, tal alteração poderá ser realizada administrativamente, mediante averbação junto 
ao assentamento de nascimento. Ademais, a alteração do nome e gênero independe da 
realização da cirurgia de modificação de sexo. 
 
 
MÓDULO 02 - Descrever os critérios hermenêuticos de interpretação democrático-
constitucionalizada do Código Civil 
 
1. CRITÉRIOS HERMENÊUTICOS 
 
Hermenêutica é a ciência que sistematiza critérios de interpretação do direito aplicado aos casos 
concretos. Por meio dosmétodos de interpretação (literal, comparativa, teleológica, gramatical, 
sistemática, sociológica), fundamentados em critérios racionais, os operadores da ciência do 
Direito deverão encontrar a maneira mais adequada e pertinente de tornar concretas as 
proposições legais e constitucionais previstas no plano normativo. 
 
Nesse sentido, é importante esclarecer que o Direito Civil deve ser interpretado conforme e a 
partir do texto da Constituição brasileira de 1988. Medida essa considerada essencial para 
permitir que as relações jurídicas entre particulares observem o direito fundamental à igualdade, 
dignidade humana, liberdade e não discriminação. 
 
Dignidade humana 
 
A dignidade humana possui previsão expressa no Art. 1º, inciso III, da Constituição, sendo 
categorizada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Trata-se de 
macroprincípio constitucional de onde irradiam todos os critérios utilizados para a interpretação 
e aplicabilidade dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. A proteção integral 
da pessoa humana se reflete diretamente no âmbito do Direito Civil, a partir do fenômeno da 
despatrimonialização das relações privadas e da atenção especial dada às questões 
existenciais. 
 
O papel do Direito Civil, compreendido sob a ótica constitucionalizante e democrática é proteger 
de modo amplo, plural e igualitário a pessoa humana, vedando qualquer tipo de tratamento 
desigual, discriminatório, ultrajante, degradante ou indigno que venha a coincidir com a 
coisificação de um indivíduo. 
 
Algumas propostas decorrentes do princípio da dignidade humana são: respeito às diferenças e 
ao pluralismo (ideias, concepções e visões de mundo); superação da vertente patrimonialista, 
que privilegia a propriedade em detrimento da pessoa humana; liberdade de escolha 
materializada no exercício da autonomia privada; igualdade de tratamento jurídico no exercício 
dos direitos civis; interpretação ampla, sistemática e inclusiva dos direitos fundamentais. Nesse 
contexto: 
 
a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os 
direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 
 
Na realidade, “a dignidade humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se 
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida” 
(MORAES, 2004, p. 52), considerando que “traz consigo a pretensão ao respeito por parte das 
demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve 
assegurar” (MORAES, 2004, p. 52). De maneira excepcional, são admitidas “limitações ao 
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que 
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos” (MORAES, 2004, p. 52). 
 
Pensar a dignidade humana como referencial constitucional para o entendimento das relações 
privadas é, inicialmente, pôr a pessoa humana no centro gravitacional de toda proteção jurídica 
que rege as relações interpessoais. Deve-se admitir que toda relação jurídica firmada entre 
particulares não poderá ter como guia o desprestígio do indivíduo. Tais premissas evidenciam a 
imprescindibilidade de tratamentos igualitários, não discriminatórios, plurais e inclusivos nas 
formas jurídicas de constituição de relações entre particulares. Ademais, a dignidade humana 
deve ser pensada e efetivada tanto na perspectiva individual quanto na coletiva. O direito 
democrático proposto pelas sociedades contemporâneas não admite a constituição de relações 
ou a ratificação de condutas que coincidam com a coisificação de sujeitos, independentemente 
da perspectiva e proposta buscada. 
 
A efetividade do macroprincípio da dignidade humana, no âmbito do Direito Civil, é visualizada 
nos seguintes exemplos: 
 
- As relações contratuais não podem ser vistas como espaços de legitimação da desigualdade 
jurídica e estrutural entre os contratantes, devendo a ciência do Direito intervir no sentido de 
propor tratamento jurídico diferenciado às pessoas consideradas hipossuficientes ou 
vulneráveis, como é o caso dos consumidores. 
- O nome, categorizado como um direito da personalidade hábil a individualizar os sujeitos nos 
espaços coletivos, não pode causar constrangimentos ou situações vexatórias, pois admitir isso 
é legitimar a ofensa à dignidade humana. 
- Estabelecimentos comerciais não poderão adotar critérios raciais para impedir que pessoas 
negras frequentem o espaço destinado ao divertimento, pois tal prática, além de estimular a 
discriminação, atenta diretamente contra o princípio da dignidade humana. 
- Uma empresa não poderá produzir campanha publicitária com o fim de enaltecer a mulher 
branca em detrimento da negra, pois tal prática vai contra os parâmetros constitucionais 
propostos pelo Estado Democrático de Direito. 
- Instituições privadas de ensino não poderão impedir a matrícula de pessoas trans que ainda 
não retificaram seu registro civil de nascimento, pois tal prática reforça estruturas sociais que 
reproduzem o preconceito e a discriminação sexual. 
 
Esses exemplos demonstram que, por mais que as pessoas sejam consideradas livres para 
construir suas relações jurídicas no âmbito privado, tal liberdade deverá ser regrada e dirigida 
pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Constitucional brasileiro institui limites 
à liberdade contratual e ao exercício dos direitos civis. O eixo central que direcionará o respectivo 
regramento constitucional encontra-se no princípio da dignidade humana. 
 
Autonomia privada 
 
A autonomia privada é uma proposição teórica do direito contemporâneo que possui estreita 
relação com o direito fundamental à liberdade. 
 
É um poder conferido a cada sujeito de se autogovernar na “sua esfera jurídica, tendo como 
matriz a concepção de ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o que 
é bom ou ruim para si, e que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com essas escolhas, 
desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores relevantes da 
comunidade” (SARMENTO, 2005, p. 182). 
 
A autonomia privada não pode ser confundida com a autonomia da vontade, pois são conceitos 
que devem ser interpretados e diferenciados a partir do momento histórico em que foram 
propostos. 
 
 
 
 
Autonomia da vontade 
 
A autonomia da vontade se relaciona com a liberdade individual no contexto do Estado liberal, 
cujo foco central de proteção jurídica do Direito Civil era a propriedade privada, não a pessoa 
humana, haja vista o individualismo regente nesse período histórico. O direito de propriedade 
privada, na ótica da autonomia da vontade, sistematizava um modelo por meio do qual as 
pessoas eram livres para dar a destinação que quisessem à sua propriedade, não se vinculando 
às premissas sociais hoje tratadas pelo princípio da função social da propriedade. Do mesmo 
modo, as relações contratuais estabelecidas no contexto da autonomia da vontade priorizavam 
essencialmente os direitos individuais, pois os contratos tinham como foco a proteção jurídica 
dos direitos dos contratantes, uma vez que o compromisso jurídico não se estendia à proteção 
dos direitos sociais. 
 
Autonomia privada 
 
Em contrapartida, verifica-se que o instituto da autonomia privada é uma construção teórica que 
compreende as liberdades não apenas sob a ótica individual, já que a autodeterminação das 
pessoas deve ser exercida em compatibilidade com os direitos coletivos (sociais). Nesse 
contexto propositivo, surgiu a função social da propriedade privada e a função social dos 
contratos, com o exercício direito à propriedade privilegiando, também, o interesse coletivo 
mediante o cumprimento da função social da propriedade. 
 
No mesmo sentido, os contratos, ainda que sejam acordos de vontade entre particulares, não 
poderão ser voltados a um objeto que contrarie os direitos da coletividade. Esse é o caso, por 
exemplo, de contratos de exploração de minério que não priorizam a observância das normasambientais, já que o meio ambiente é um direito metaindividual. 
 
Essa revisitação teórica do direito fundamental à liberdade e à autonomia da pessoa humana 
nas relações privadas somente foi possível a partir da releitura constitucional proposta pelo texto 
da Constituição brasileira de 1988, a qual, em seu Art. 5, inciso XXIII, é clara ao estabelecer que 
a propriedade privada deverá atender sua função social. 
 
Direito à igualdade 
 
O direito fundamental à igualdade é uma conquista histórica da modernidade que se desenhou 
a partir de premissas jurídico-legais. 
 
Em razão das desigualdades estruturais naturalizadas socialmente, foi necessária a intervenção 
da ciência do Direito como ferramenta hábil para coibir e amenizar as diferenças que 
caracterizam as relações interpessoais. 
 
A desigualdade social pode ser verificada nos mais diversos aspectos, por razões econômicas, 
sociais, sexuais, intelectuais, políticas, ideológicas, de gênero, idade, raça, crenças ou origem. 
 
O pluralismo e a diversidade são características marcantes da sociedade contemporânea, 
tornando-se indispensável a criação de proposições normativo-legais no sentido de corrigir tais 
desigualdades. No âmbito das relações privadas, persistem tais desigualdades, o que justifica a 
interpretação das normas do Código Civil brasileiro a partir das premissas previstas no texto da 
Constituição Federal de 1988 (CF). 
 
Tratar os iguais de modo igual, no âmbito de suas desigualdades, é uma proposição teórica que 
evidencia a importância da análise de cada caso concreto quando se pretende reconhecer a 
aplicabilidade do direito à igualdade. A igualdade material ou substancial somente se efetivará 
quando, diante de uma situação concreta, puder verificar qual é a melhor e mais justa 
interpretação construída para se alcançar a dignidade humana dos sujeitos envolvidos. 
 
Essa lógica deverá guiar as premissas utilizadas na interpretação dos direitos que regem as 
relações privadas, de modo que toda relação jurídica instituída entre sujeitos não coloque um 
dos envolvidos em posição de desigualdade e vulnerabilidade. 
 
A letra fria do texto legal não garante por si só a igualdade entre as pessoas. Será a interpretação 
constitucionalizada, construída a partir da dignidade humana, que assegurará, em cada caso 
concreto, a efetiva igualdade esperada. Para isso, a proteção jurídica da vida humana, como um 
dos mais importantes bens jurídicos, deve se sobrepor, por exemplo, ao direito de propriedade. 
 
Sistematizar premissas teóricas para reger os critérios humanísticos de interpretação dos direitos 
fundamentais é o primeiro passo para a igualdade esperada no âmbito das relações privadas. 
Nenhum direito existente é absoluto a ponto de ser aplicado genericamente de maneira idêntica 
a casos concretos distintos. Tais proposições se tornam relevantes para evidenciar o quanto é 
justo, sob o ponto de vista constitucional, propor parâmetros hermenêuticos (interpretativos) com 
referência central no princípio da supremacia da Constituição. 
 
Negar a existência de um estreito diálogo interpretativo entre as normas constitucionais e as 
previstas no Código Civil brasileiro constitui um meio de robustecer a desigualdade naturalizada 
estruturalmente nas relações interpessoais. Partindo-se do princípio de que as pessoas 
convivem com desigualdades que marcam a vida em sociedade, só por meio de interpretações 
constitucionalizadas, que primam pela dignidade humana, será possível pensar um sistema que 
privilegie a igualdade material. 
 
A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de 
desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não 
recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como 
norma suprema, proclama. 
 
A interpretação nos ditames propostos pelo texto da Constituição garante a integridade na 
aplicação do direito fundamental à igualdade no âmbito das relações jurídicas constituídas entre 
particulares. Qualquer interpretação contrária a essas premissas gerará injustiças, pois 
endossará as estruturas sociais que naturalizam as desigualdades estruturais. O grande desafio 
hermenêutico enfrentado quando se debate o direito à igualdade é saber até que ponto o 
tratamento desigual conferido a uma pessoa não ensejará novas desigualdades nas relações 
privadas. Isso exigirá do intérprete o cuidado especial de não se ater apenas aos aspectos 
teóricos apresentados, tendo em vista que o estudo pormenorizado das peculiaridades do caso 
concreto é algo essencial para se desenhar a interpretação mais justa e que mais adere às 
premissas constitucionais e democráticas vigentes. Para esclarecer de maneira prática a 
aplicabilidade do direito fundamental à igualdade no âmbito das relações jurídicas regidas pelo 
direito privado, confira os exemplos: 
 
- A presunção de hipossuficiência econômica de crianças e adolescentes, que permite a 
concessão automática dos benefícios da gratuidade judiciária em processos judiciais, constitui 
um primeiro exemplo prático de tratamento diferenciado conferido à pessoa humana como 
medida hábil a assegurar a igualdade de acesso à justiça. 
- A prioridade de atendimento médico conferido às crianças (Art. 4, parágrafo único da Lei 
8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente) constitui um modo de tratamento diferenciado 
para assegurar a igualdade material diante de casos concretos específicos. 
- A prioridade de atendimento médico conferido a idosos (Art. 3, parágrafo único da Lei 
10.741/2003 – Estatuto do Idoso) também constitui mais um exemplo que evidencia o interesse 
do legislador em assegurar a igualdade material nas relações jurídicas regidas pelo direito 
privado. 
- A igualdade entre pai e mãe no exercício da guarda do filho menor é mais um exemplo previsto 
no Código Civil de aplicabilidade do direito fundamental à igualdade no plano infraconstitucional. 
- A igualdade de direito entre os filhos, vedando-se qualquer designação discriminatória, é mais 
um clássico exemplo prático de efetividade do direito fundamental à não discriminação, conforme 
será exposto no item anterior. 
 
Princípio da não discriminação 
 
Tem previsão expressa no Art. 3, inciso IV, da CF, que estabelece como um dos objetivos 
fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceitos 
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras maneiras de discriminação. 
 
O princípio da não discriminação é o desdobramento lógico da interpretação extensiva, 
sistemática e constitucionalizada do direito fundamental à igualdade e do princípio da dignidade 
da pessoa humana. 
 
Qualquer tratamento jurídico desigual ou discriminatório coloca o discriminado em posição 
jurídica de desigualdade perante os demais, além de reconhecer sua condição jurídica de 
indignidade. Desse modo, o não discriminar constitui-se em um meio de assegurar a igualdade 
material e as condições reais de exercício da cidadania por meios dignos de existência. Trata-
se de direito aplicável por igual a todos os indivíduos, que não deverão suportar estar em posição 
de real desigualdade jurídica, tendo em vista tratar-se de fundamento regente da teoria dos 
direitos humanos. No momento em que a ciência do Direito legitima tratamentos discriminatórios, 
reforça a exclusão, marginalidade e segregação naturalizada nas estruturas sociais e vivenciada 
cotidianamente por muitas pessoas. 
 
A dignidade humana, assim como o direito fundamental à igualdade e o princípio da não 
discriminação, traduz juridicamente o ideal de valorização da pessoa humana no âmbito do texto 
constitucional vigente e serve de norte condutor de todo o ordenamento jurídico-legal em vigor, 
tanto no âmbito do direito público quanto do privado. 
 
O princípio da dignidade, tendo em vista o fator limitante e regulamentador da autonomia privada, 
veda a coisificação do ser humano e torna inviável o fenômeno de sua degradação. 
 
O princípioda não discriminação nada mais é do que uma vertente negativa do direito à 
igualdade, considerando que sua efetividade torna viável o exercício dos direitos da 
personalidade, expressamente previstos no Código Civil vigente. 
 
A proibição de discriminação no âmbito das relações contratuais constitui um meio legítimo de 
assegurar a igualdade entre os contratantes. Por mais que o Direito Civil assegure às pessoas a 
liberdade quanto ao objeto e à forma de contratação, a autonomia privada no âmbito contratual 
deve observar o dirigismo contratual, pois não é admissível, constitucionalmente, que contratos 
sejam espaços de tratamentos discriminatórios e desiguais. 
 
Determinada pesquisa (COSTA; PINTO, 2020) analisou a licitude de uma prática corriqueira no 
mercado de entretenimento brasileiro, a distinção de preços de ingressos entre homens e 
mulheres em locais de eventos. Ao final dela, foi possível inferir a inadmissibilidade de 
tratamentos diferenciados e desprovidos de qualquer justificativa que objetivam tão somente 
discriminar a pessoa, de modo a reduzi-la e colocá-la em situação vexatória, desigual, 
degradante ou humilhante. Assim, não devem ser tolerados tratamentos diferenciados 
dissociados do exercício legítimo de direitos fundamentais, em especial, quando o critério de 
discriminação estiver baseado na raça, origem étnica, identidade de gênero ou orientação 
sexual, os quais, em regra, são presumidamente odiosos. O ordenamento jurídico deve rechaçar 
práticas diferenciadas que afetem a dignidade daquele que é discriminado. 
 
Ao analisar a eficácia do princípio da igualdade nas relações jurídicas envolvendo 
estabelecimentos abertos aos públicos, verificou-se que a recusa em se admitir o ingresso de 
indivíduos em razão de suas características pessoais tende a ser inadmitida, uma vez que, em 
regra, expõe quem não foi admitido a tratamento público vexatório e desigual, principalmente, se 
a recusa se basear em questões de natureza sexual, por exemplo. 
 
Quando há oferta realizada ao público, o ofertante acaba por renunciar ao direito de selecionar 
os contratantes sob bases individuais, de modo que a recusa, nessas circunstâncias, evidencia 
uma conduta discriminatória, um ato de desprezo pela pessoa inadmitida. 
 
 
 
Nessa perspectiva teórica, tende a ser considerada ilícita e, portanto, inadmitida a cobrança de 
preços distintos para admissão de homens e mulheres em estabelecimentos abertos ao público. 
Essa desequiparação torna o gênero feminino inferior e tem por intuito fomentar a discriminação 
em seu sentido negativo (depreciativo), não constituindo, inclusive, prática amparada pela 
liberdade de contratação e pela livre iniciativa. 
 
Eventual reconhecimento da licitude na diferenciação de preços de ingressos nesse caso 
desprivilegia o exercício isonômico dos direitos fundamentais em razão do gênero, ou seja, 
fomenta a desigualdade jurídica entre homens e mulheres, além de constituir, de maneira velada 
e simbólica, prática de violência de gênero. Tal cobrança de valores distintos é conduta apta a 
ensejar a legítima intervenção estatal com o propósito de evitar abuso de poder econômico, além 
de prevenir a institucionalização da desigualdade de gênero. 
 
Quando o Estado intervém nessa seara, regulamentando a questão, deixa claro que a livre 
iniciativa e a autonomia privada dos fornecedores devem ser exercidas de modo compatível com 
a igualdade e dignidade humana dos fornecedores. 
 
A cobrança diferenciada de preços, além de coisificar a mulher, coloca o homem em posição de 
desigualdade jurídico-contratual, pois o obriga a pagar valor maior para desfrutar da mesma 
prestação de serviços oferecida às pessoas do sexo feminino. Mesmo que os estabelecimentos 
abertos tornem públicos os critérios diferenciados de admissão de clientes, como o caso da 
cobrança diferenciada entre homens e mulheres, tal informação constitui cláusula contratual 
abusiva e lesiva aos consumidores, que são tratados juridicamente de modo desigual. 
 
A dignidade humana é princípio constitucional para despatrimonializar as relações jurídicas entre 
pessoas, garantir a igualdade jurídica de contratação, estabelecer regras ao exercício da livre 
iniciativa e sistematizar o exercício da autonomia privada a partir da boa-fé objetiva. 
 
Assim, conclui-se pela ilegalidade da prática de cobrança de valores diferenciados entre homens 
e mulheres para ingresso em eventos, como medida hábil a garantir a construção de critérios 
interpretativos inclusivos, isonômicos e constitucionalmente dignos. 
 
MÓDULO 03 - Reconhecer a relação entre os direitos da personalidade e a Constituição 
brasileira de 1988 
 
1. DIREITOS DA PERSONALIDADE 
 
 
Os direitos da personalidade encontram-se previstos entre os artigos 11 e 21 do Código Civil 
brasileiro vigente. Foram criados e sistematizados a partir dos direitos fundamentais e dos 
direitos humanos, pois têm como propósito a proteção da esfera extrapatrimonial das pessoas e 
“uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente, como a vida, a integridade 
física, a intimidade, a honra entre outros” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 180), como 
é o caso do nome. 
 
Os direitos da personalidade objetivam tutelar juridicamente o patrimônio existencial e imaterial 
das pessoas, com critérios e parâmetros para evitar a violação de determinados bens jurídicos 
não monetariamente quantificáveis. 
 
Tais direitos são desdobramentos interpretativos da dignidade humana e fundamentais à 
igualdade, liberdade, vida e princípio da não discriminação, ou seja, “os direitos da personalidade 
são necessários e inexpropriáveis, pois, por serem inatos, adquiridos no instante da concepção, 
não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver por dizerem respeito à qualidade humana” 
(DINIZ, 2008, p. 120). 
 
Um dos fundamentos constitucionais que dialogam diretamente com a sistematização teórica 
dos direitos da personalidade é previsto no Art. 5, inciso X, da CF, que evidencia a proteção 
jurídica da inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, 
assegurando o direito à indenização por dano material e moral decorrente de sua violação. 
Assim, os direitos da personalidade são: 
 
direitos subjetivos que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu 
aspecto físico, moral e intelectual 
 
 
O Art. 11 do Código Civil brasileiro vigente é categórico ao estabelecer que os direitos da 
personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer 
limitação. Qualquer conduta ilícita contrária ou lesiva aos direitos da personalidade permitirá que 
a pessoa lesada pleiteie perdas e danos. 
 
O nome é um dos mais importantes direitos da personalidade previstos na legislação brasileira. 
É a designação dada a uma pessoa física ou jurídica e tem como objetivo individualizar os 
sujeitos perante a coletividade. Via de regra, o nome da pessoa física é imutável, em homenagem 
ao princípio da segurança jurídica, contudo, situações excepcionais admitem a sua modificação, 
por exemplo quando geram constrangimento ou situações vexatórias. Também há possibilidade 
de a pessoa trans retificar seu registro civil de nascimento nos termos previstos no Provimento 
73 do CNJ. 
 
Se o nome de uma pessoa física ou jurídica for indevidamente incluído nos cadastros de restrição 
de crédito (se essa inserção for a única anotação), terá a vítima o direito à indenização por danos 
morais no valor proporcional à extensão do dano sofrido, pois se deu a prática de conduta ilícita 
e danosa contra um direito da personalidade. 
 
Outro direito da personalidade previsto nos artigos 13 e 14 do Código Civil brasileiro vigente é a 
integridade física e o corpo da pessoa humana. Por se tratar de um direito personalíssimo, a 
legislação autoriza que cada indivíduo, no âmbito da sua liberdade e autonomia privada, 
manifeste interesse em doar gratuitamente órgão ou parte do corpo humano para fins de 
transplante ou para auxiliartratamento médico de terceiros (doação de sangue, por exemplo). 
Tal manifestação de vontade deverá ser livre e não remunerada, pois o próprio texto do Art. 199, 
§ 4, da CF proíbe o comércio de órgãos ou partes do corpo humano. 
 
O Decreto n° 9.175/2017 regulamenta a situação de transplantes no território brasileiro, 
admitindo a retirada desde que sejam órgãos duplos (ex. rins), partes regeneráveis de órgãos 
(ex. fígado) ou tecidos (ex. pele ou medula óssea), e a pessoa receptora esteja 
comprovadamente necessitando do órgão. O doador deverá lavrar documento escrito, assinado 
por duas testemunhas, onde anotará o órgão e a pessoa receptora, com seus respectivos 
endereços. Essa regra não se aplica à doação de sangue, a qual poderá ser livremente doada. 
 
O Art. 14 regulamenta a possibilidade jurídica de a pessoa humana, em vida, manifestar 
interesse em doar seus órgãos após a morte. Essa vontade deve ser respeitada e cumprida por 
se tratar de direito da personalidade, de natureza personalíssima, indisponível e irrenunciável. 
 
O Art. 15 do Código Civil vigente estabelece o direito de toda pessoa livremente escolher se 
aceita se submeter a tratamento médico ou cirurgia em caso de doença grave que lhe cause 
risco de morte. Portanto, diante do direito fundamental à liberdade, corolário da dignidade 
humana, nenhum médico poderá impor ao paciente um tratamento médico ou cirúrgico, pois todo 
indivíduo tem autonomia de escolher o tratamento terapêutico a que pretende ou não se 
submeter. 
 
Características dos direitos da personalidade 
 
Considerando o conteúdo imaterial e a ausência de natureza pecuniária dos direitos da 
personalidade e dos desdobramentos lógicos e jurídicos dos direitos humanos e fundamentais, 
torna-se relevante apresentar, nesse contexto teórico, suas características e peculiaridades. “O 
caráter absoluto dos direitos da personalidade se materializa na oponibilidade erga omnes, 
irradiando efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitá-los”. 
 
Os direitos da personalidade são: 
 
Indisponíveis 
Nem mesmo por vontade própria do indivíduo o direito da personalidade pode mudar de titular. 
 
Intransmissíveis 
Não pode ser objeto de transferência, a qualquer título. 
 
Personalíssimos 
É o direito ínsito na própria natureza do sujeito de direito, de exercício único e exclusivo pelo seu 
titular. 
 
Irrenunciáveis 
Não pode ser disponibilizado pelo seu respectivo titular. 
 
Nos direitos de personalidade, não são admitidas negociações pautadas em parâmetros 
pecuniários, pois integram o patrimônio imaterial e existencial relacionado à dignidade humana 
de cada sujeito. 
 
Os direitos de personalidade possuem ainda outras 3 características: 
 
GENERALIDADE 
A generalidade é outra característica inerente aos direitos da personalidade que “são outorgados 
a todas as pessoas, pelo simples fato de existirem” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 
189). São direitos extrapatrimoniais, ou seja, não possuem conteúdo patrimonial direto. Também 
não são quantificáveis monetariamente, porém, se violados, seus titulares podem pleitear 
reparação ou indenização compensatória e proporcional à extensão do dano. 
 
IMPRESCRITIBILIDADE 
A imprescritibilidade é outra característica a se destacar no estudo dos direitos da personalidade, 
devendo-se esclarecer “que inexiste um prazo para o seu exercício, não se extinguindo pelo não 
uso” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 192). Assim como os direitos fundamentais e os 
humanos, os da personalidade não são regidos temporalmente por disposições legais 
preexistentes, pois, em razão das suas peculiaridades e finalidades, deve-se aplicar a regra geral 
da imprescritibilidade, como referencial teórico hábil a legitimar sua efetividade e concretude. A 
impenhorabilidade é um desdobramento lógico da indisponibilidade, bem como da ausência de 
natureza monetária como elemento central dos direitos aqui debatidos. 
 
VITALICIEDADE 
A vitaliciedade, última característica relevante, considera que “os direitos da personalidade são 
inatos e permanentes, acompanhando a pessoa desde a primeira manifestação de vida até o 
seu pensamento” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 193). Os direitos da personalidade 
são auferíveis desde a concepção, diante da proteção jurídica do nascituro expressamente 
prevista no ordenamento jurídico brasileiro, até após a morte da pessoa física, em face do direito 
de proteção jurídica de seu nome. No parágrafo único do Art. 12 do Código Civil brasileiro, 
admite-se que o cônjuge sobrevivente e parentes até quarto grau pleiteiem indenização 
decorrente de ato ilícito e danoso praticado contrariamente ao direito ao nome de pessoa 
falecida. 
 
 
MÓDULO 04 - Identificar o objeto e os princípios do Biodireito e da Bioética 
 
 
1. A BIOÉTICA 
 
A Bioética é uma disciplina científica recente, tratada, primeiramente, em uma conferência 
ocorrida de 23 a 24 de setembro de 1992 na Universidade de Washington. Trata-se de uma nova 
ética para a Medicina, visando revisitar a história e projetar o futuro, ou seja, uma espécie de 
filosofia moral praticada no campo médico. A Bioética pode ser definida como: 
 
o estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, 
enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios morais 
 
Embora abarque a ética médica, não se restringe a essa área, pois tem conceito mais amplo, 
que ultrapassa o debate das questões éticas envolvendo médico e paciente. Também pode ser 
vista como “o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e 
normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias 
éticas num contexto interdisciplinar” (JUNGES, 2003, p. 21). 
 
O eixo central das proposições teóricas abordadas pelos bioeticistas é fomentar reflexões no 
sentido de compreender a relação existente entre ética e avanços biotecnológicos no campo da 
Medicina. Tem como objeto o debate, por exemplo, da clonagem, do transplante e da doação de 
órgãos, da reprodução medicamente assistida, do direito à eutanásia (direito à morte digna) e da 
manipulação de embriões humanos. 
 
Pesquisas envolvendo pessoas são eticamente admitidas? O paciente doente e em estado 
terminal tem direito à eutanásia para morrer com dignidade? É cientificamente admissível, sob o 
ponto de vista ético, a manipulação e a seleção de embriões humanos nos casos de reprodução 
assistida? Qual a destinação dada aos embriões humanos congelados em clínicas de 
reprodução assistida? Essas são algumas das inúmeras indagações da Bioética, que 
problematiza os limites éticos a serem observados pelos cientistas no progresso das ciências 
médicas envolvendo a pessoa humana. 
 
Três princípios regentes da bioética 
 
 
BENEFICÊNCIA 
O progresso da ciência e a evolução biotecnológica serão considerados eticamente adequados 
se trouxerem para as pessoas humanas benefícios no que tange à qualidade de vida, não se 
admitindo procedimentos ou condutas que venham a causar sofrimento ou violação de direitos 
dos indivíduos. 
 
AUTONOMIA PRIVADA 
Tal princípio se relaciona com a autodeterminação da pessoa humana, sua liberdade de escolha 
em contribuir diretamente para o progresso da ciência, desde que tal decisão não lhe cause 
sofrimento, penosidade ou indignidade. 
 
JUSTIÇA 
Trata-se de princípio “que obriga a garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos 
benefícios dos serviços de saúde” (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p.44). Além de trazer 
benefícios para a humanidade, o progresso da ciência deverá privilegiar, também, a justiça no 
que tange à diminuição das desigualdades sociais existentes. 
2. O BIODIREITO 
 
Embora seja considerado por alguns estudiosos como uma pós-Bioética, deve-se esclarecer que 
o Biodireito: 
 
é parte integrante do Direito Civil e que seu aspecto jurídico e particular está relacionado 
aos direitos de quarta geração como alguns juristas preferem chamar 
 
Dentre os eixos de debates propostospelo Biodireito, estão os limites da evolução biotecnológica 
no campo da Medicina clínica e reprodutiva, Farmacêutica, Agropecuária e Meio-ambiente. 
Pretende-se investigar no Biodireito quais são os desdobramentos jurídicos dos avanços 
tecnológicos no campo das relações privadas regidas pelo Direito Civil. 
 
É juridicamente possível pleitear reparação civil quando se comprova danos sofridos em razão 
do consumo de alimentos transgênicos? É juridicamente possível responsabilizar terceiros pela 
produção de um número excessivo de embriões humanos nos procedimentos de reprodução 
assistida? O paciente tem direito de redigir documento público autorizando o desligamento dos 
aparelhos médicos quando estiver em estado terminal? Como discutir a paternidade ou a 
maternidade em caso de indivíduos clonados? O Direito brasileiro autoriza a manipulação e a 
seleção de embriões humanos saudáveis (descarte de embriões que podem gerar a concepção 
de pessoas com deficiência) em clínicas de reprodução assistida? O doador anônimo de sêmen 
pode ser demandado posteriormente em uma ação de reconhecimento da paternidade? O filho, 
concebido mediante sêmen de doador anônimo tem direito de saber quem é o seu pai? 
 
Essas e outras tantas indagações permeiam o objeto de estudo do Biodireito. Enquanto a 
Bioética é vista como “a disciplina que estuda os aspectos éticos das práticas médicas e 
biológicas, avaliando suas implicações na sociedade e as relações entre os homens e entre estes 
e outros seres vivos” (NAVES, 2002, p. 131), o Biodireito tem como objeto de investigação os 
desdobramentos dos avanços biotecnológicos e médicos no campo das relações jurídicas de 
direito privado, ora regidas pelo Direito Civil. 
 
 
FIM DO TEMA 2

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