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ARAÚJO, Caetano Pereira de 1964, as armas da política e a ilusão armada

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1964
AS ARMAS DA POLÍTICA
E A ILUSÃO ARMADA
Ailton Benedito
Alberto Passos G. Filho
Amilcar Baiardi
Ana Amélia de Melo
Antonio Carlos Máximo
Antonio José Barbosa
Arlindo Fernandes de Oliveira
Armênio Guedes
Arthur José Poerner
Aspásia Camargo
Augusto de Franco
Bernardo Ricupero
Caetano Pereira de Araujo
Celso Frederico
Cesar Benjamin
Charles Pessanha
Cícero Péricles de Carvalho
Cleia Schiavo
Délio Mendes
Dimas Macedo
Diogo Tourino de Sousa
Edgar Leite Ferreira Neto
Fabrício Maciel
Fernando de la Cuadra
Fernando Perlatto
Flávio Kothe
Francisco Fausto Mato Grosso
Francisco Inácio de Almeida
Gilvan Cavalcanti de Melo
Hamilton Garcia
José Antonio Segatto
José Carlos Capinam
José Cláudio Barriguelli
José Monserrat Filho
Lucília Garcez
Luiz Carlos Azedo
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Luiz Eduardo Soares
Luiz Gonzaga Beluzzo
Luiz Werneck Vianna
Marco Aurélio Nogueira
Marco Mondaini
Maria Alice Rezende
Martin Cézar Feijó
Mércio Pereira Gomes
Michel Zaidan
Milton Lahuerta
Oscar D’Alva e Souza Filho
Othon Jambeiro
Paulo Afonso Francisco de Carvalho
Paulo Alves de Lima
Paulo Bonavides
Paulo César Nascimento
Paulo Fábio Dantas Neto
Pierre Lucena
Ricardo Cravo Albin
Ricardo Maranhão
Rubem Barboza Filho
Rudá Ricci
Sergio Augusto de Moraes
Sérgio Besserman
Sinclair Mallet-Guy Guerra
Socorro Ferraz
Ulrich Hoffmann
Washington Bonfim
Willame Jansen
William (Billy) Mello
Zander Navarro
SEPN 509 • Bloco D • Lojas 27/28 • Ed. Isis • 70750-504 • Brasília-DF
Fones: (61) 3224-2269 / 3045-6916 • Fax: (61) 3226-9756
fundacao@fundacaoastrojildo.org.br
www.fundacaoastrojildo.org.br
Efetivos: 
Alberto Aggio 
Ciro Gondim Leichsenring 
Davi Emerich 
Dina Lida Kinoshita
George Gurgel de Oliveira
Giovani Menegoz 
Helena Werneck 
João Batista de Andrade 
João Carlos Vitor Garcia 
José Ribamar Ferreira 
(Ferreira Gullar) 
Juarez Amorim 
Luiz Carlos Azedo 
Luiz Werneck Viana 
Mércio Pereira Gomes 
Raimundo Jorge N. de Jesus 
Regis Cavalcante
Renata Bueno 
Sérgio Camps Moraes
Stepan Nercessian 
Tobias Santana 
Vladimir Carvalho 
Suplentes: 
Antonio Augusto M. de Faria 
Arlindo F. de Oliveira 
Cleia Schiavo Weyrauch 
Maria do Socorro Ferraz 
Aldo Pinheiro 
CONSELHO CURADOR
Presidente de Honra: Armênio Guedes 
Presidente: Caetano Pereira de Araujo 
Vice-Presidente: Luís Sergio Henriques
Secretária: Lucília Garcez
CONSELHO EDITORIAL
Caetano Pereira de Araujo 
(Organizador)
Brasília-DF, 2014
1964
AS ARMAS DA POLÍTICA
E A ILUSÃO ARMADA
© by Fundação Astrojildo Pereira, 2014
Autorizada a reprodução parcial ou total desta obra desde que citada 
a Fundação Astrojildo Pereira e sem fins lucrativos.
FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA (FAP)
SEPN 509 – Bloco D – Lojas 27/28 – Ed. Isis
70750-504 – Brasília-DF
Fones: (61) 3224-2269/3045-6916
Fax: (61) 3226-9756
www.fundacaoastrojildo.org.br
fundacao@fundacaoastrojildo.org.br
Tiragem: 2.000 exemplares
Distribuição
FUNDAÇÃO ASTROJILDO PEREIRA
Capa: Estúdio L&L.
Ficha Catalográfica
A658a Araujo, Caetano Pereira de. 
1964: As armas da política e a ilusão armada / Caetano 
Pereira de Araujo – Brasília: Fundação Astrojildo 
Pereira, 2014.
508p. 23cm
ISBN: 978-85-89216-49-4
1. Teorias políticas. I. Organizador. II Título.
CDU 320.5
SUMÁRIO
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
I 
A defesa intransigente da democracia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 
Roberto Freire
As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática 35 
Luiz Sérgio Henriques
Crise de poder e espoliação da democracia . . . . . . . . . . . . . . . . 46 
José Antonio Segatto
Nos 50 anos do golpe de 1964 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 
Marly de A. G. Vianna
A resistência política aos anos de chumbo . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 
Armênio Guedes
Liberais na luta contra a ditadura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 
Luiz Carlos Azedo
Fazer as mudanças na democracia, um desafio . . . . . . . . . . . . . 76 
Sergio Augusto de Moraes
O conjuntural desaparece por trás do ‘estrutural’ . . . . . . . . . . . 81 
Raimundo Santos
II 
1964 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 
Luiz Werneck Vianna
A pedagogia do passado como construção do futuro . . . . . . . . 97 
Marco Aurélio Nogueira
Lições de 1964 e antes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 
João de Paula Monteiro Ferreira
O golpe de abril e o 15 de novembro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 
Moacir Longo
Ao apagar das luzes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 
Ferreira Gullar
1964: golpe ou revolução? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 
Ivan Alves Filho
Golpe de Estado, regime autoritário e transição democrática 
no Brasil e no Chile: Uma análise comparativa . . . . . . . . . . . . . 149
Alberto Aggio
Da ditadura militar ao garantismo constitucional? . . . . . . . . . 168 
Ruszel Lima Verde Cavalcante
III 
Os erros cometidos em 64 e uma proposta de avanço . . . . . . . 173 
Marco Antônio Tavares Coelho
Breve história do ‘comunismo democrático’ no Brasil . . . . . . . 182 
Maria Alice Rezende de Carvalho
Meio século depois . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 
Celso Frederico
As divisões internas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 211 
Severino Theodoro de Mello
Democracia: o duro aprendizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 218 
Arildo Salles Dória
1964, 1974, 1984, 1994 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222 
Júlio Martins
A destruição do sindicalismo nos governos Dutra e militar . . . 230 
José Carlos Arouca
Derrota anunciada: Luta armada e o PCB . . . . . . . . . . . . . . . . . 237 
Luís Mir
IV 
O Golpe de 1964 e aspectos da política brasileira . . . . . . . . . . 291 
Salomão Malina
Lições básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 314 
Anivaldo Miranda 
Subsídios para uma crítica à ditadura militar . . . . . . . . . . . . . . 319 
Alcides Ribeiro Soares
Memórias de um tempo de barbárie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329 
João da Penha
Repressão e violência de Estado contra as classes populares 
durante os governos militares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 342 
Rivail Carvalho Rolim e Fabiana Cardoso Malha Rodrigues 
Violência na ditadura contra mulheres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 356 
Cristiane Machado Franco 
Que país nos deixaram de herança? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369 
Patrícia Furlanetto
Textos Históricos
VI Congresso do PCB – dezembro de 1967 . . . . . . . . . . . . . . . . 377
Resolução Política do Comitê Estadual da Guanabara do PCB 
(20 de março de 1970) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415
A luta certa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440
Causas da derrocada de 1º de abrilde 1964 . . . . . . . . . . . . . . . . 445 
Assis Tavares
Por que os comunistas disseram não à luta armada . . . . . . . . . 475 
João Batista Aveline
Os comunistas, a abertura e a democracia . . . . . . . . . . . . . . . . 483 
Giocondo Dias
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 489
Sobre o organizador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 505
9
APRESENTAÇÃO
Há boas razões para rememorar o golpe militar de 1964 no seu quinquagésimo aniversário. É preciso lembrar os erros do passado, e o seu custo, para não repeti-los. 
Por isso a memória, na forma de museus, memoriais, arquivos, 
publicações, documentários, livros didáticos e eventos outros de 
toda sorte, é o material com que se constrói a educação política 
das nações modernas. Para consolidar a cultura democrática dos 
brasileiros e preveniro retorno do golpismo, ou seja, da procura 
por soluções contrárias ao Estado democrático de direito, é 
preciso um ajuste de contas com o passado que ultrapasse em 
muito as decisões, inevitáveis, sobre a investigação dos crimes 
cometidos, a punição ou não dos culpados e a reparação das víti-
mas. É preciso compreender o ocorrido e divulgar essa compre-
ensão, de maneira permanente, para as novas gerações. Passam 
até hoje por esse processo os países europeus que vivenciaram 
regimes fascistas e autoritários, assim como nossos vizinhos do 
Cone Sul, egressos do ciclo de ditaduras militares inaugurado 
com o golpe de 1964 no Brasil. Devemos comemorar, portanto, 
o conjunto de publicações recentes dedicadas ao golpe, conjunto 
que o presente volume integra.
A compreensão do passado histórico é um processo dialó-
gico permanente, que exige a manifestação de todos os atores 
envolvidos. No caso do golpe militar de 1964, um dos atores rele-
vantes do período, a esquerda que optou desde o primeiro momento 
pela resistência democrática à ditadura, aglutinada em torno do 
10 1964 – As armas da política e a ilusão armada
Partido Comunista Brasileiro, tem sido parcimoniosa, nos últimos 
anos, na divulgação crítica de suas análises, diagnósticos e propos-
tas da época. O volume agora publicado contribui inegavelmente 
para sanar essa lacuna. A maioria de seus autores viveu parte desse 
período na condição de militante do Partido Comunista Brasileiro 
– PCB e debate a gênese do golpe, as controvérsias em torno da 
estratégia da resistência ao regime e o processo de sua derrota e 
superação a partir da perspectiva desse partido.
São muitas as questões relevantes que os autores deste 
volume apresentam. Destaco, em poucas palavras, algumas entre 
elas que me parecem de particular interesse.
Em primeiro lugar, transparece em vários dos artigos a afini-
dade do evento golpe militar de 1964 com a história brasileira do 
século XX. O golpe não foi um fato isolado, que respondeu a uma 
conjuntura de nova e maior complexidade, à qual o marco institu-
cional da Constituição de 1946 não teria conseguido dar solução. 
Pelo contrário, foi a manifestação derradeira e mais bem sucedida 
de uma corrente golpista que atravessa todo o século XX. 
Os antecedentes imediatos do golpe são conhecidos de todos: 
a tentativa de impedir a posse de João Goulart, quando da renún-
cia de Jânio Quadros; os levantes de oficiais da Aeronáutica 
durante o mandato de Juscelino Kubitschek, a tentativa anterior 
de impedir sua posse; e, antes ainda, a ameaça de deposição de 
Getúlio, que levou a seu suicídio. No entanto, é preciso reconhecer 
que as raízes do golpismo situam-se ainda mais longe no tempo. 
Para muitos autores de textos aqui reunidos remontam a 1930. Um 
desses autores, no entanto, defende, com argumentos convincen-
tes, a tese de que a história republicana como um todo, iniciada 
por meio de um golpe militar, estaria marcada pelo signo do 
golpismo, pela ideia de modernizar o país por meio de atalhos por 
fora e acima da democracia. Março/abril de 1964 teria sido a reali-
zação tardia do sonho dos militares positivistas de 1889.
Em segundo lugar, chama a atenção, aos olhos de hoje, o 
caráter relativamente moderado da agenda de reivindicações do 
governo João Goulart. As então temidas reformas de base desloca-
11Apresentação
ram-se do campo da polêmica de então para o quase consenso de 
hoje. A reforma agrária foi praticamente concluída pelos governos 
posteriores à redemocratização do país. Discute-se hoje a necessi-
dade de formular uma política fundiária pós-reformista. Para nós, 
o fato de a reforma urbana, a limitação da remessa de lucros por 
parte das empresas de capital estrangeiro, para não falar da exten-
são dos direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais, aparecerem 
como uma plataforma radical só é compreensível à luz de um 
contexto internacional de Guerra Fria e do processo de polarização 
que a política brasileira de então vivia.
Em terceiro lugar, destaque-se a contribuição da esquerda 
para a escalada da insensatez que resultou no golpe militar. O 
golpismo de direita já estava estabelecido e organizado, mas só 
conseguiu a maioria na sociedade e inclusive entre os militares 
com a ajuda da vacilação, para dizer o mínimo, da esquerda em 
abraçar de maneira consequente os valores da democracia e da 
legalidade. De acordo com Marco Antônio Coelho, a posse de João 
Goulart, com a consequente derrota da tentativa de golpe, subiu à 
cabeça da esquerda. Esse episódio foi lido como evidência de uma 
correlação de forças tão favorável que tornaria praticamente 
impossível um golpe de direita. Os atores principais desse campo 
não perceberam, à época, que o fato de estarem do lado da legali-
dade institucional foi o fator decisivo para sua vitória. A partir de 
então, começou, no discurso e nas propostas, o processo de afasta-
mento da legalidade: reformas na lei ou na marra, articulação de 
candidaturas para a Presidência da República de lideranças inele-
gíveis, a decisão de encaminhar as reformas por decreto, o 
confronto com a hierarquia militar. Em março de 1964, a bandeira 
da legalidade havia passado às mãos dos golpistas.
Nesse processo, a alternativa política capaz de prevenir o 
golpe chegou a ser formulada: a constituição de uma ampla frente, 
da esquerda ao PSD, em torno de um programa mínimo de refor-
mas, para dar estabilidade ao governo Goulart. No entanto, essa 
alternativa não se concretizou, uma vez que implicaria o fortaleci-
mento da candidatura do PSD à Presidência na eleição de 1965, um 
12 1964 – As armas da política e a ilusão armada
preço muito alto na perspectiva de muitas das lideranças de 
esquerda do governo.
Em quarto lugar, as alternativas de resistência ao governo 
militar. No campo da esquerda, houve dois diagnósticos antagôni-
cos a respeito das causas da derrota e cada um deles resultou na 
definição de uma estratégia e de táticas de luta diferentes. 
Para um grupo, que incluía as dissidências do PCB, o PCdoB, 
e organizações outras, o governo João Goulart teria pecado por 
excesso de prudência e moderação. A conjuntura estaria madura 
para radicalizar a agenda, abandonar as ilusões do reformismo 
burguês e decidir a parada no terreno das armas. Em razão da 
indecisão do governo, no entanto, quando a hora decisiva chegou, 
apenas um dos exércitos saiu a campo. Falharam os militares 
nacionalistas, os grupos dos onze, os camponeses de Francisco 
Julião. Para esse grupo, o apoio conseguido pelas reformas de base 
junto à população era mais do que suficiente. A derrota, portanto, 
não havia sido política, mas militar. Consequentemente, a estraté-
gia da resistência consistia em conseguir armas e soldados para 
travar a batalha que não houve em 1964.
Para o grupo que permaneceu na direção do PCB, no entanto, 
a derrota sofrida havia sido política. O sucesso das marchas orga-
nizadas pela direita nos dias anteriores ao golpe era prova da insu-
ficiência do apoio popular para executar a agenda das reformas. A 
esquerda teria errado por precipitação, não por prudência. Na 
verdade, a agenda proposta estava à frente das reivindicações da 
maioria da população. A estratégia, portanto, não era trazer armas 
e soldados para uma frente inexistente de batalha, mas trazer a 
opinião pública para o lado da democracia, utilizando para tanto 
todos os espaços legais possíveis. 
É importante notar que não se tratava de negar o direito dos 
povos à resistência armada contra regimes despóticos, nem de um 
simples cálculo de correlação de forças militares, que já sinalizaria 
a derrota das tentativas de luta armada. O PCB foi contra esse 
caminho de luta porque considerava indispensável atacar a razão 
13Apresentação
política do sucesso do golpe: o fato de os militares contarem 
naquele momento com o apoio da maioria da população.
Nesse rumo, o PCB ingressou no único espaço legal de oposi-
ção, o MDB. Dentro dele defendeu as bandeiras da anistia, das 
eleições diretas eda convocação da Assembleia Nacional Consti-
tuinte. No congresso do MDB, de 1972, em Recife, essas teses 
ganharam a maioria do partido, contra os conservadores, que 
consideravam essa agenda uma provocação ao regime, e os radi-
cais, que defendiam a autodissolução do partido, num grande 
gesto de denúncia da farsa da democracia controlada no Brasil. 
A partir de então, o MDB ajustou sua ação às diretrizes dessa polí-
tica, cujo acerto foi demonstrado pelos seus resultados: a antican-
didatura de Ulysses Guimarães nas eleições presidenciais e a vitó-
ria nas eleições de 1974, que deu início ao processo, longo e 
conturbado, de recuo da ditadura até a sua derrota, dez anos 
depois, no Colégio Eleitoral.
Caetano Pereira de Araujo 
15
I
A DEFESA INTRANSIGENTE 
DA DEMOCRACIA 
Roberto Freire1
Apesar de o meu pontapé inicial na vida política se ter dado, em 1962, em plena turbulência no governo João Goulart e dois anos antes da quartelada militar que golpeou nossas 
instituições democráticas, o 1º de abril tornou-se para mim uma 
data de definição, pois jovem estudante da Faculdade de Direito 
do Recife, militando clandestinamente no Partido Comunista 
Brasileiro, fui um dos milhares de presentes no Campo das Prin-
cesas, para defender o governador Miguel Arraes, ameaçado de 
ser retirado do poder estadual e ser preso, o que ocorria, naquele 
mesmo dia, com o presidente Jango, obrigado a deixar o Palácio do 
Planalto, em Brasília. 
A violência policial-militar usada naquele dia para nos inti-
midar se consumou com a morte de um adolescente, à bala, e fez a 
multidão se dispersar. Foi desolador, alguns dias depois, saber que 
meu querido companheiro e amigo Gregório Bezerra, após tortu-
rado nas masmorras inquisitoriais, fora arrastado barbaramente 
pelas ruas do Recife, amarrado a um jipe militar. 
Foi, sobretudo, duro para mim, ainda no vigor da juventude, 
assistir à quebra violenta das liberdades e dos direitos democráti-
cos e a truculência da ditadura militar (prisões, espancamentos, 
torturas, cassações etc.) contra as principais lideranças do meu 
1 Advogado, deputado federal, presidente nacional do PPS.
16 1964 – As armas da política e a ilusão armada
estado e do país, assim como contra companheiros de luta e pessoas 
afetivamente muito ligadas a mim. Por conta disso, a partir de 
então, a democracia se tornou uma bandeira de luta, jamais fraque-
jei em defendê-la, em quaisquer condições, por mais adversas que 
fossem. Em suma, daí em diante, introduzi minha vida no complexo 
e delicado jogo da política. 
Nesse rememorar de meio século do Golpe de 1964, não se 
pode esquecer de destacar que, na construção do nosso processo 
civilizatório, instalaram-se não apenas formas muito singulares e 
positivas de convivência humana (a tolerância sempre foi uma boa 
marca presente na nossa sociedade e somos um dos povos mais 
miscigenados do planeta, se não o primeiro deles), mas também 
assumimos atitudes e comportamentos que, apesar de combati-
dos, ainda dificultam a existência de uma sociedade mais equita-
tiva, fraterna e solidária. Apesar dos esforços e ações dos brasilei-
ros, enfrentando essa tradição, deve-se reconhecer que os vários 
períodos e etapas da nossa trajetória como nação, e até mesmo 
neste que estamos atravessando, identificam a continuidade de 
mazelas que precisam ser extirpadas.
Além de tudo, temos algumas características históricas em 
nosso processo político, que há muito exigem solução. Destacam-
-se particularmente o autoritarismo, as decisões verticalizadas, o 
hegemonismo, uma única força ou grupo social que acredita ser 
capaz sozinho de liderar um processo e comandar as mudanças, e 
o golpismo, a busca de soluções para os problemas do Estado e os 
grandes conflitos sociais por meio das forças armadas e da violên-
cia, sempre excluindo o povo. Os militares brasileiros cultivaram, 
juntamente com as elites conservadoras e as nossas camadas 
médias, uma certa vocação golpista que marcou a vida política 
nacional durante o século XX. A esquerda brasileira também se 
impregnou dela.
As tendências golpistas na formação e na política do PCB 
manifestaram-se de forma dramática no movimento de 1935, 
quando a direção do partido, sob influência de Prestes e do Komin-
tern, trocou a política de massas da Aliança Nacional Libertadora, 
17A defesa intransigente da democracia 
reformista e democrática, pelo levante militar puro e simples, em 
Natal, Recife e Rio de Janeiro. Foi uma resposta golpista de 
esquerda ao golpismo das elites e dos setores conservadores, já 
então encastelados no Estado Novo, de Vargas. As consequências 
são conhecidas.
Essas velhas tendências golpistas estavam presentes às 
vésperas do Golpe de 1964. A radicalização política do Grupo dos 
11, de Brizola; a reforma agrária “na lei ou na marra” das Ligas 
Camponesas, de Francisco Julião; e o movimento dos sargentos e 
marinheiros coincidiam com o recrudescimento da Guerra Fria, 
em que Estados Unidos e União Soviética se digladiavam pelo 
mundo afora, e na America Latina a revolução cubana era anali-
sada e vista emocionalmente indo do amor ao ódio. Foi nesse 
ambiente que, dentro e fora do governo Jango, discutiam-se as 
reformas de base.
Uma parte da direção do partido, liderada por Prestes, acre-
ditava na possibilidade de sustentação política e militar dessas 
reformas, mesmo que os reformistas fossem minoria no Congresso. 
Falava-se até em “golpe preventivo”, o que seguramente contri-
buiu para dividir as forças governistas e favoreceu as conspirações 
militares. Há dois aspectos relevantes a considerar: de um lado, a 
chamada esquerda liderada pelo PCB havia rechaçado a “política 
de conciliação” de San Thiago Dantas e a candidatura de Juscelino, 
lançada pelo PSD, embora em Pernambuco, na nossa boa provín-
cia rebelde, nós comunistas defendíamos desde logo a chapa 
Juscelino/Miguel Arraes para as eleições de 1965; de outro, a 
classe média, descontente com a “bagunça” política e o radicalismo 
da esquerda, já derivava em direção aos setores conservadores que 
propunham um “basta” às greves e crises políticas, apoiando polí-
ticos golpistas como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, e militares 
liderados por Castelo Branco.
Quando se materializou o golpe, em 1º de abril, a esquerda já 
estava politicamente derrotada; e o “dispositivo militar” de João 
Goulart, desarticulado. Os comandos militares leais ao presidente 
e mesmo aqueles ligados ao PCB tinham certo poder de fogo, mas 
18 1964 – As armas da política e a ilusão armada
não tinham apoio na sociedade. A decisão dos militares do partido 
na ativa, como o brigadeiro Francisco Teixeira – na época coman-
dante da Base Aérea de Santa Cruz – e dirigentes partidários, prin-
cipalmente daqueles que tinham formação militar, como Prestes, 
Giocondo Dias, Dinarco Reis, Almir Neves e Salomão Malina, 
dentre outros, foi não promover uma resistência armada e um 
possível banho de sangue, iniciando uma guerra civil sem chances 
de sucesso político imediato. A História há de reconhecer a sabe-
doria e a grandeza dessa decisão.
Como se sabe, com o XX Congresso do PCUS, em que 
foram revelados os crimes de Stalin, e a campanha presidencial 
de Juscelino, em 1955, inaugurou-se no Brasil uma aliança inédita 
entre comunistas, trabalhistas e pessedistas. O PCB iniciava sua 
ruptura com o golpismo, consagrada na Declaração de Março 
de 1958, quando o partido assumiu, de forma inequívoca, uma 
posição a favor da democracia, das alianças amplas e da busca de 
uma via pacífica para o socialismo. 
Talvez, corajosamente, pautando-se pelas formulações 
renovadoras iniciadas por aquela Declaração, é que admitimos a 
derrota das forças democráticas no Golpe de 1964 e apresentamos 
a proposta de formação de uma ampla aliança para isolar e 
derrotar o regime militar. Portanto, optamos abertamente por uma 
luta democrática e de massas, negando, assim, toda e qualquer 
tentativa putchista ou ação armada que viria depois a caracterizar 
alguns gruposde esquerda e populistas.
Acusado de capitulação, conciliação e reformismo, o 
partido buscou a ocupação dos espaços legais nos sindicatos 
e centros estudantis, nas redações dos jornais e nas cátedras 
universitárias, no seio de intelectuais e artistas, na estrutura 
do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o partido de 
oposição “consentida” que serviu de abrigo àqueles que se 
opunham ao regime.
Dando consequência a essa proposta política, participei, 
em 1965, da fundação do MDB de Pernambuco, ao lado de outras 
19A defesa intransigente da democracia 
figuras que iriam marcar a vida nacional e a política do estado, 
como Marcos Freire, Fernando Lyra, Jarbas Vasconcelos, e 
companheiros do PCB, principalmente da juventude universitária. 
Logo em seguida, estivemos presentes no caldeirão tenso e rico 
do chamado movimento de 68, quando os jovens levaram para 
as ruas o seu espírito libertário e transformador. No interior 
das esquerdas, o debate acerca dos caminhos da revolução se 
acentuava: o Partidão não abandonou a sua linha, e surgiram no 
cenário vários grupos da esquerda armada, entre eles a Aliança 
Nacional Libertadora (de Carlos Marighela), Partido Comunista 
Brasileiro Revolucionário (de Mário Alves e Jacob Gorender) 
e o Movimento Revolucionário-8 de Outubro (com a chamada 
Dissidência da Guanabara). O PCdoB, cisão do PCB, já se 
preparava para a Guerrilha do Araguaia.
Permitam-me um destaque. Com escasso registro e pouco 
estudado, considero o Encontro Nacional do MDB, realizado 
nas dependências da Assembleia Legislativa pernambucana, em 
maio de 1971, e do qual fui delegado, um marco na luta contra 
o regime militar e um referencial para a resistência democrática. 
Nesse histórico evento, apesar da reação de algumas das 
principais lideranças nacionais do MDB, foi lançada a Carta 
do Recife, documento corajoso e que contribuiu para que, nós 
comunistas e os democratas-liberais emedebistas, sustentássemos 
uma forte luta interna – que se deu após a fragorosa derrota 
eleitoral do ano anterior – contra a tendência de alguns setores 
mais à esquerda que pregavam a autodissolução do partido. 
A superação dessa tendência se deu rapidamente e, a partir de 
1974, esse documento passou a ser agenda de intensos debates e 
já provocando uma inflexão da pauta política oposicionista, que 
veio, indubitavelmente, a conformar um novo MDB.
Na Carta do Recife, foram definidas duas bandeiras funda-
mentais: a defesa da Constituinte e da Anistia. Ressalte-se que essa 
proposta foi a mais criticada por certas lideranças e setores oposi-
cionistas, que alegavam tratar-se de influência de militantes do PCB 
nas fileiras do MDB. De fato, no seu clandestino VI Congresso (em 
20 1964 – As armas da política e a ilusão armada
1967), o PCB havia definido a necessidade da criação de uma ampla 
frente política cujo objetivo era lutar pelas liberdades democráticas, 
por Anistia, Constituinte e eleições diretas em todos os níveis. 
A partir daí, a luta contra a ditadura começava a ganhar 
contornos mais claros. Desenvolveu-se, num crescente, a ideia de 
lançar uma campanha nacional em torno das bandeiras aprovadas. 
O próprio MDB deu início à preparação e divulgação de publica-
ções sobre o tema, e à realização de seminários e atos públicos pró-
-Constituinte por todo o país. A ideia cresceu e ultrapassou o 
âmbito partidário, sendo discutida por vários outros setores da 
sociedade, sindicatos, associações e movimentos populares.
A reação foi imediata, no governo, junto às forças conserva-
doras e em parte da mídia. Um grande jornal do Sul, no dia seguinte 
ao anuncio das novas bandeiras do MDB, acusou-as como “coisa 
de comunista”. E o periódico tinha razão, pois a proposta de Cons-
tituinte e de anistia, que depois empolgaram o Brasil, realmente 
eram “coisa de comunista”.
A construção da frente democrática
O esforço realizado pelos militantes do PCB para reorganizar 
a oposição e uni-la, juntamente com democratas como Ulisses 
Guimarães, Barbosa Lima Sobrinho, Franco Montoro, Tancredo 
Neves, Nelson Carneiro, Josaphat Marinho, Tales Ramalho e 
tantos outros, não foi em vão. Já em 1965, combateram o voto nulo 
então defendido pela Ação Popular-AP e outras forças de esquerda, 
e trabalharam decisivamente nas eleições que se realizaram para 
governos estaduais naquele ano. Ressalte-se que o governo foi 
derrotado em quase todos os estados.
No entanto, a radicalização de alguns grupos de esquerda, 
em 1968, nessa fase, foi um momento muito difícil, até porque 
grande parte dos movimentos da chamada luta armada, das políti-
cas de confronto, da não-participação nas lutas legais dentro do 
MDB, surgiu de rupturas e rachas do velho PCB. É que os setores 
mais radicais do partido, liderados principalmente por Carlos 
21A defesa intransigente da democracia 
Marighela, Joaquim Câmara Ferreira, Mário Alves, Jacob Goren-
der e Apolônio de Carvalho, viam essa estratégia partidária como 
uma capitulação e romperam com o partido.
Partindo da dissidência pecebista na antiga Guanabara, 
vieram os grandes alavancadores do processo de radicalização que 
ocorreu nos setores da esquerda. Claro que antes já tinha a AP, a 
Ação Popular, que foi o grande instrumento de crescimento do 
PCdoB, que era um partido pequeno e com essa dissidência de 
católicos assumidos como marxistas-leninistas, cresceu e também 
se radicalizou no seu processo. 
O PCB criticava a luta armada, pois, em 1935, pegara em 
armas, também equivocadamente. E dessa vez seria mais equivo-
cada ainda. Era uma aventura, uma loucura, um grave equívoco. 
Por isso, a maioria apoiou a direção, a sua política de frente demo-
crática, a estratégia de acumulação de forças e a luta de massas, 
política essa que criou, sem dúvida alguma, as bases para as gran-
des manifestações oposicionistas de 1968, tendo na Marcha dos 
Cem Mil, no Rio de Janeiro, sua maior expressão
Fomos o único partido da América Latina, junto com o 
chileno, que não foi para o encontro da Organização Latino-Ameri-
cana de Solidariedade (Olas), em Cuba, cujo objetivo maior era 
seduzir e conquistar lideranças de esquerda e seus partidos para se 
prepararem para a revolução armada em seus países. 
Parte da juventude brasileira aderiu progressivamente às 
concepções militaristas, à via da luta armada e às organizações 
clandestinas de esquerda que passaram a adotar as teses foquistas. 
Quando há uma revolução vitoriosa, se tende a imaginar que a 
forma, o método e o processo de luta dela podem se expandir e 
conduzir ao seu êxito em outros lugares. O sonho de Che Guevara 
e de outros líderes revolucionários cubanos era recriar 1, 2, 3 Viet-
nãs no mundo, sobretudo na América Latina. Lamentavelmente, 
Che morreu na Bolívia imaginando que podia reeditar o que ocor-
rera em Cuba. Grave equívoco, pois revolução não se copia.
22 1964 – As armas da política e a ilusão armada
Ressalte-se ainda que sequestros a diplomatas, assaltos a 
bancos e focos de combate, urbanos e rurais, promovidos pelos 
guerrilheiros brasileiros acabaram também por contribuir para a 
estruturação de um aparato repressivo policial-militar cuja missão 
era exterminar lideranças políticas da oposição, tanto aquelas que 
atuavam na luta armada, como os dirigentes do PCB e outros 
democratas. É que a ditadura estava em um momento de cresci-
mento da economia (o propagandístico “milagre brasileiro” e o 
enganador “Brasil, ame-o ou deixe-o”), o que lhe permitia manter 
total censura e a repressão física mais dura que tivemos. 
Grande parte da esquerda não entendeu nossa postura. 
Achava que era porque o PCB não queria participar de política de 
confronto, quando na verdade tínhamos clareza e sobretudo 
certeza de que o importante naquele período era arregimentar 
forças as mais amplas e diversas e articulá-las. Não foi outro o 
objetivo da construção da Frente Ampla, juntando adversários 
históricos na tentativa de isolar e assim derrotar a ditadura. 
Quando se esgotou o ciclo de radicalização, de confronto,de 
algumas escaramuças militares, de guerrilha urbana, muito peque-
nas mas que exacerbaram os setores mais à direita do regime, mais 
fascistas, e que provocaram inclusive a repressão contra todos; 
depois que se encerrou esse período, inclusive o fim da tentativa de 
implantar um foco rural na Guerrilha do Araguaia, a única forma 
de continuar a funcionar esse mecanismo de repressão era em 
cima do Partido Comunista, que estava fortalecido dentro da frente 
democrática que era o MDB. 
Houve um momento em que o PCB percebeu que o processo 
em marcha para isolar e derrotar a ditadura era irreversível. 
O governo Geisel começou a ter problemas gravíssimos na sua 
condução econômica. A primeira crise do petróleo abalou o modelo 
que aqui se vinha adotando – o de financiamento fácil internacio-
nal das grandes obras, dos grandes investimentos, do Brasil potên-
cia. Mostrou que tínhamos um certo pé de barro. E a crise que se 
instalou revelava a dificuldade do governo de manter a sua base de 
sustentação. Seu primeiro grande momento ocorreu, particular-
23A defesa intransigente da democracia 
mente, após a primeira grande safra de vitórias da oposição que 
foi, indiscutivelmente, nas eleições de 1974, quando o regime foi 
duramente derrotado nas urnas (de 21 vagas em disputa no Senado 
Federal, o MDB conquistara 16), e com lideranças expressivas que 
apareceram (Marcos Freire, Alencar Furtado, Franco Montoro, 
Tancredo Neves, Ulysses Guimarães etc.). 
Naquele então, o governo ditatorial, talvez pressionado 
pelo seu setor mais à direita, reagiu da forma mais autocrática 
possível, até fechar o Congresso, que discutia uma reforma do 
Judiciário. Mas não era por isso, evidentemente, mas para tentar 
dar uma sobrevida ao regime. Implantou-se o chamado “pacote 
de abril”, grande retrocesso por meio do qual se criou o senador 
biônico, o voto vinculado, como uma forma de ganhar a maioria 
dos governadores. 
Documentos de serviços de inteligência e de repressão da 
ditadura e de organismos das Forças Armadas, trazidos a público, 
que foram objeto de matéria na imprensa brasileira e serviram 
como fonte da magistral obra de Elio Gaspari, dizem bem o que 
foi essa dramática realidade. Revelam, sobretudo, que a grande 
preocupação do regime militar, no início da década de 70, não 
eram as ações armadas nem a guerrilha, então já neutralizadas, 
mas o “trabalho de massa, segundo a tática sempre advogada e 
empregada pelo PCB”. Reconhecia-se que o Partidão era o princi-
pal inimigo do regime mesmo sendo contra a luta armada até 
porque essa estava derrotada e o cuidado passava a ser com a luta 
institucional dos comunistas infiltrados no MDB. Era uma decla-
ração de guerra do sistema de repressão contra nós, visando, 
pura e simplesmente, liquidar o PCB. Daí terem sido criados dois 
grupos ultrassecretos, formados por várias pessoas, quase todas 
militares e de patente de oficiais, autorizadas a matar e a sumir 
com os corpos dos comunistas.
De fato, incentivado pelas mãos do general Sílvio Frota, o 
terror voltou a mostrar suas garras. Em 1974 e 1975, em todo o 
país, foram presos cerca de três mil militantes do PCB e assassina-
dos 11 dirigentes do Comitê Central, integrantes da chamada lista 
24 1964 – As armas da política e a ilusão armada
dos “desaparecidos”. O Partidão sofreu um grande golpe, com 
reflexos diretos no seu difícil processo de reorganização. Basta 
dizer que, nessa época, as bases comunistas nas indústrias meta-
lúrgicas somavam mais de 1.000 trabalhadores.
Ao mesmo tempo, a ditadura, pelos seus setores mais realis-
tas, começou simultaneamente um processo de distensão, que era 
uma forma dela se reacomodar, em função de uma nova realidade 
no país. A “distensão lenta, segura e gradual” do período Geisel era 
uma resposta aos avanços democráticos que a sociedade estava 
começando a experimentar.
É importante que a sociedade brasileira conheça esses fatos, 
até para tê-los na memória. Isso, independente de gostarmos ou 
não, é patrimônio da formação da nacionalidade. E vamos ter que 
saber o que foi feito porque promoveram assassinatos que não 
mais se justificavam, dentro da própria lógica do regime discricio-
nário. Só que nada disso adiantou. 
Outro passo em falso foi a proibição contra o balé Bolshoi, de 
Moscou, que se apresentou em todo o mundo, menos no Brasil, só 
porque era uma expressão cultural da comunista União Soviética. 
Nada mais idiota. Mas essas idiotices existiram e muito. Na proibi-
ção do Bolshoi, a classe média estrilou, reclamou contra a censura, 
pois ela já passara a sofrer também a crise econômica, que revelava 
os primeiros sinais de esgotamento do modelo que tinha susten-
tado o “milagre” e toda sorte de arbitrariedades do regime. 
Envolvimento no plano nacional
Eleito para a Câmara Federal, pela primeira vez, em 1978 
(MDB-PE), assumi meu mandato em janeiro do ano seguinte. 
Nesse período, dediquei-me intensamente à luta pela Anistia, ao 
apoio às greves do ABC paulista e à legalização do PCB e de outros 
partidos clandestinos. Integrei a Comissão Mista, criada no 
Congresso Nacional para examinar e dar parecer sobre o projeto 
de Anistia encaminhado pelo governo militar. E, nessa missão, 
viajei pelo Brasil, junto com outros parlamentares, visitando presí-
25A defesa intransigente da democracia 
dios, contatando presos políticos e seus familiares assim como 
instituições e personalidades ligadas à luta pelos direitos humanos 
e pela Anistia. À frente da comissão, a figura emblemática do sena-
dor Teotônio Vilela. Fruto desse trabalho, coordenei a edição de 
um livro reunindo documentos sobre a batalha da Anistia.
No processo da luta pela Anistia, são imorredouras as 
imagens das visitas que fizemos aos presos políticos, em 1979, nos 
presídios em que foram jogados pelo Estado policial-militar. A 
capacidade de luta deles era fantástica, realizando greves de fome 
para lançar denúncias e manifestos. Recordo uma visita ao presí-
dio na ilha de Itamaracá, quando se travou um debate sobre a 
amplitude da Anistia. Muitos deles defendiam que se deveria votar 
contra o projeto se ele não fosse amplo e irrestrito.
Mas o que podíamos fazer naquele momento? Manter 
Arraes, Brizola, Prestes, Gregório, Julião e milhares de brasileiros 
no exílio? Se não fosse a Anistia, mesmo parcial, não teriam voltado 
para nos ajudar e se somar a centenas de cassados em seus manda-
tos ou na sua atividade política na luta democrática.
Eu sempre advoguei que deveríamos votar a favor, por mais 
restrita que fosse a Anistia, conseguida graças à luta e pressão da 
sociedade. É que esse primeiro passo beneficiaria milhares de pessoas 
e criaria condições para outros passos maiores e mais rápidos. E foi o 
que ocorreu. A Anistia, aprovada pelo Congresso e sancionada a 28 de 
agosto de 1979, não teve a amplitude pela qual lutamos. Porém, de 
imediato, milhares voltaram ao país ou à atividade política; em 
seguida, os presos restantes foram soltos por redução de pena. 
Após a conquista da Anistia, e com o retorno à cena política 
aberta de milhares de lideranças políticas e sociais, o processo que 
se vinha desenvolvendo no país para isolar e derrotar a ditadura 
ganhou nova dinâmica, proporcionando maior liberdade de 
imprensa, o surgimento de novos partidos, maior espaço para a 
ação de trabalhadores e estudantes e para a mobilização de gran-
des contingentes populares, de que foram exemplo as campanhas 
pelas eleições diretas em todos os níveis e pela Constituinte. 
26 1964 – As armas da política e a ilusão armada
De igual maneira, o regime militar foi derrotado nas eleições 
de 1982, quando a oposição elegeu a maioria dos governadores 
(entre os quais se destacavam Brizola, no Rio; Franco Montoro, em 
São Paulo; Tancredo Neves, em Minas, e outros democratas na 
maioria dos estados do Sul). E a partir dali surgiram grandes mani-
festações, imensa mobilização de pessoas, por todo o país. Como se 
analisava, naquele então, a política de abertura lenta, segura egradual do ditador Geisel – tentativa de refrear algo cuja tendência 
se revelava vir sem muito controle – era um prenúncio da vitória. 
Exemplo disso foi a bandeira da anistia. Quando o ditador João 
Batista Figueiredo assumiu, não se falava nem se admitia promovê-
-la. E muito rapidamente, mesmo não sendo ampla, geral e irres-
trita, foi obrigado a sancioná-la. 
Dentro da mesma linha de denúncia da ilegitimidade de um 
governo imposto pela força, explodiu, em 1984, a campanha das 
Diretas-Já. A população saiu às ruas, em multidões, para reivin-
dicar eleições diretas para presidente, ocupando principalmente 
as grandes cidades do país. Quem muito cresceu nos palanques 
desse movimento, algo de fundamental importância, foi o 
processo democrático em geral, já que se cristalizou nos brasilei-
ros a necessidade das liberdades. Ali se tornou irrefreável toda e 
qualquer solução fora da retomada do processo democrático. 
Tanto é verdade que mesmo aqueles que eram refratários a uma 
alternativa, por exemplo, via Colégio Eleitoral, não tiveram mais 
como sustentar suas posições. Ou seja, a ditadura não tinha mais 
como se reproduzir, mesmo com o Colégio Eleitoral, apesar de, 
em principio, ela ter maioria ampla nele e a oposição não ser mais 
que um mero coadjuvante. 
Mesmo com as gigantescas manifestações populares em 
favor das Diretas Já – sem dúvida o ponto alto da luta de massas 
contra o regime – o ditador e seus asseclas ainda achavam que 
iriam controlar a sucessão presidencial. Só que foi irrefreável 
aquela mobilização das ruas. Mesmo com alguns setores minoritá-
rios da esquerda se ausentando do processo, fizemos uma grande 
aliança com alguns setores que nunca foram oposição, mas que, na 
27A defesa intransigente da democracia 
undécima hora, pularam do barco e vieram se associar à vitoriosa 
Aliança Democrática. 
É bom lembrar que o regime autoritário obtivera uma vitória 
de Pirro, quando, em 25 de abril de 1984, a Emenda das Diretas-Já 
foi rejeitada pelo Congresso Nacional. Era imobilismo ficar discu-
tindo as Diretas depois da derrota da emenda Dante de Oliveira, 
pois essa luta objetivava derrotar o regime. Se não foi vitoriosa, 
não tinha porque ficar reclamando, ela tinha que continuar. Nem 
todo o PMDB pensava assim. Tanto que Ulysses cedeu à pressão 
do grupo “Só Diretas”, que era forte e refratário à ideia do Colégio, 
e logo depois, admitiu utilizá-lo na batalha antiditatorial.
A partir da derrota das Diretas-Já, cresceria substancial-
mente o movimento pela Constituinte-Já, paralelamente ao qual 
começou a ganhar força a ideia de realização de um pacto político 
entre a oposição e setores do PDS, partido governista, que estavam 
insatisfeitos com o lançamento da candidatura de Paulo Maluf à 
Presidência da República, pela legenda. 
Tal acordo selaria um compromisso com a retomada da 
legalidade no país a partir do lançamento de um candidato de 
consenso na disputa presidencial, em novembro de 1984, mesmo 
que esta se desse no Colégio Eleitoral, estrutura viciada e que 
fora criada pelo regime para dar a impressão de que era uma 
instituição democrática. Ao se constituir a Aliança Democrática, 
foram lançados, respectivamente, para presidente e vice-presi-
dente, os nomes de Tancredo Neves (PMDB) e José Sarney (dissi-
dente do PDS), com a proposta de perseguir uma “transição 
democrática”. No ato de criação dessa ampla frente política, foi 
reafirmada a necessidade de convocação de uma Assembleia 
Nacional Constituinte no país, livre e soberana. 
Apoiar a candidatura do Tancredo Neves no Colégio Eleito-
ral foi uma atitude acertadíssima. Foi possível unir antigos adver-
sários nessa articulação, pois o MDB, depois PMDB, era uma frente 
democrática que não excluía quem quisesse nela se integrar. 
Exemplo maior disso e grande conquista nossa fora a participação 
28 1964 – As armas da política e a ilusão armada
do senador Teotônio Vilela (AL) na luta pela Anistia, em 1978-79. 
Ele se transformou no grande nome da Anistia e ninguém se 
lembra que, em 1964, ele estava de arma na mão, em Alagoas, em 
favor do golpe, e que durante muito tempo foi senador da Arena e 
líder do regime. A vinda dele (para a oposição) mostrou uma visão 
política de que na frente democrática cabiam todos os que quises-
sem lutar contra a ditadura. 
O PT, na época, estava numa posição profundamente equi-
vocada e numa intransigência tal, ao admitir disputa apenas em 
eleição direta, que chegou ao ponto de punir três de seus parla-
mentares – Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, por terem 
votado na Aliança Democrática. O curioso é que, à distância, a 
gente até minimiza o erro, porque não provocou nenhum retro-
cesso e nem impediu o avanço. Os que assim agiram podiam fazer 
o que fizeram, já que não colocaram em risco a superação da dita-
dura. O que é estranho e curioso é que a grande maioria das lide-
ranças dos partidos de esquerda que se envolveram nas experiên-
cias guerrilheiras, alguns até um pouco na aventura, até hoje não 
fizeram nenhuma autocrítica do seu comportamento político. 
A transição e a construção democrática
Com a inesperada morte do presidente Tancredo Neves, em 
1985, assumiu o vice José Sarney, que comandou o governo de tran-
sição. Mesmo sendo um homem que veio do regime, quero reconhe-
cer, independente de qualquer coisa, que ele ajudou a remover os 
entulhos autoritários da ditadura, legalizou os partidos comunistas, 
convocou a Constituinte, em suma, cumpriu com os compromissos 
da transição, apesar de ter tido os seus erros e equívocos.
A ditadura morreu aos poucos, mas foi enterrada de vez 
somente com a promulgação da nova Constituição, em 1988, e 
dando início ao que é hoje o mais longo período de vivência demo-
crática em nosso país. A elaboração da nova Carta Magna não foi 
algo tranquilo, pelo contrário foi uma dura batalha, mas que 
chegou a bom termo.
29A defesa intransigente da democracia 
A transição à democracia foi pactuada e longa, mas possibi-
litou que se ultrapassasse a tutela que os militares exerceram sobre 
a República, desde a sua proclamação. Hoje, não se escutam os 
clarins da revolução nas ruas, como os defensores da luta armada 
imaginavam ao sonhar com a derrubada da ditadura, mas feliz-
mente o povo decide os destinos do Brasil nas urnas.
Milhares de brasileiros deram sua contribuição à derrota de 
um governo de chumbo que infelicitou o nosso povo por tanto 
tempo. Alguns pagaram com a própria vida essa virada de página 
que conspurcou nossa história. Retomamos o caminho democrá-
tico, e é por ele, unicamente por ele, que poderemos avançar em 
direção a uma sociedade mais livre e justa.
São comuns avaliações que atribuem a Golbery do Couto e 
Silva, estrategista de Geisel, uma bem sucedida estratégia para a 
transição à democracia, como se os militares fossem vitoriosos e a 
oposição democrática derrotada. Evidente que o regime militar 
buscou sua institucionalização como “democracia relativa” e 
somente não atingiu seus objetivos porque foi sucessivamente 
derrotado nas eleições e o mundo mudou.
Cinquenta anos após o Golpe, ainda se discute o comporta-
mento da esquerda naquele ano fatídico para o povo brasileiro. Ao 
longo dos anos, fui aprendendo a avaliar aquela conjuntura muito 
mais pelas suas consequências do que pelas suas causas. 
Temos consciência do papel relevante das lideranças e agru-
pamentos que migraram do regime para apoiar o movimento pela 
redemocratização em 1985. A resistência, porém, tem nomes, rostos, 
sangue derramado, sofrimento, símbolos e uma folha pública de 
serviços prestados à causa da luta contra o autoritarismo. 
Em 1989, a campanha presidencial apresentou cinco candi-
datos representativos da direita e uns cinco candidatos represen-
tativos da esquerda. Fui candidato naquela época, pelo PCB, e 
aquele volume de presidenciáveis, representando um amplo arco 
de forças políticas, espantava alguns setores, depois de trinta anos 
sem eleição. Para mim, foi um momento muito educativo, do ponto30 1964 – As armas da política e a ilusão armada
de vista cívico e democrático da sociedade brasileira. Terminada a 
apuração do primeiro turno, ao ser anunciado que Lula iria para a 
disputa com Collor, fomos emprestar-lhe nosso apoio, de imediato. 
Novo grande erro foi cometido por parte do PT: não aceitar o apoio 
de Ulysses Guimarães (que teve 5 milhões de votos no primeiro 
turno), cuja luta de resistência ao regime ditatorial o colocava 
inquestionavelmente no campo democrático de esquerda, apesar 
de bem representar o centro democrático.
No primeiro grande teste da construção democrática, o 
movimento da campanha e o seu desenlace vitorioso em torno do 
impeachment do presidente Fernando Collor revelaram que as 
instituições eram sólidas. E, mais que isso, possibilitaram se cons-
truir, graças o engenho e arte de Itamar Franco, o primeiro governo 
de centro-esquerda da história brasileira, do qual fui líder na 
Câmara Federal. Não apenas porque foram forças democráticas e 
de esquerda que, num processo de luta, patrocinaram o impedi-
mento do político alagoano, mas pela composição com que se 
estruturou e pelas grandes mudanças que propiciou, como o Plano 
Real, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), medidas de 
reforma agrária, dentre outras. Relembre-se que, na composição 
desse singular governo, estavam dirigentes do PSB, PCB, PSDB, 
PMDB e PCdoB, só não teve do PT (embora alguns petistas como 
Luiza Erundina tenham participado do governo, apesar de amea-
çados de expulsão). Vieram,em seguida, os dois governos de 
Fernando Henrique Cardoso, os dois de Luiz Inácio Lula da Silva e 
o atual, de Dilma Rousseff. 
A história nos deu razão. Eu não tenho dúvida de que a linha 
política vitoriosa que derrotou a ditadura foi a adotada pela frente 
democrática, representada pelo MDB, depois PMDB, que teve o 
PCB como um de seus partícipes. Nossa presença no MDB não era 
de uma força qualquer, havia uma formulação política de um 
partido que era clandestino mas pensava, fazia congresso, tinha 
documentos, apontava caminhos e seus dirigentes e militantes se 
incorporavam às ações e movimentos.
31A defesa intransigente da democracia 
É bom lembrar que os comunistas sempre foram a primeira 
vítima quando aqui se atentou contra a democracia e a liberdade. 
Tivemos todos os entreveros possíveis e praticamos toda a sorte de 
procedimentos, ações e métodos de luta na defesa de uma socie-
dade mais justa. E nós somos, e queremos ser, a continuidade 
disso. Mas somos também ruptura, daquilo que significava toda 
uma visão de partido único ou de hegemonismo, da transição 
socialista via estatização, de questões superadas pelo mundo, 
dentro do processo de mudanças que estamos vivendo, com essa 
revolução científica e tecnológica, que continua afirmando valores 
e dando continuidade à história da esquerda. 
Por sua vez, os que vieram a formar e dirigir o PT se coloca-
ram sempre em posições contrárias às demais forças democráti-
cas. Na batalha da Anistia, só aceitava esta se fosse ampla, geral e 
irrestrita. Na derrota das Diretas-Já, não quis ir ao Colégio Eleito-
ral. Na Constituinte, ela não poderia ser produto de um Congresso 
Constituinte, mas teria que ser necessariamente elaborada por 
uma Assembleia Nacional Constituinte. Por fim, não quis assinar a 
Constituição Cidadã, porque “era vagabunda”.
Relembre-se que o PT foi criado em 1980, após a reforma 
partidária do general Golbery, embora o PCB continuasse na ilega-
lidade (este só foi reconhecido legal, em 1985). Há contradição 
nisso? Não, porque com relação ao PT não tinha nenhum problema. 
O PT não foi criado como uma oposição consentida, mas era uma 
oposição que interessava ao regime. Os comunistas, não. Porque 
tínhamos uma política perigosa contra o regime – trabalho legal, 
unitário e de massa. O próprio regime assim dizia. Era fundamen-
tal dividir o MDB e isolar e fortemente reprimir os comunistas do 
PCB que lá atuavam.
Nossa visão democrática, para além das reformas do Estado, 
passa, também, pela defesa do parlamentarismo como o melhor 
sistema de governo a apontar para o futuro. Ele nasceria como 
fruto de muita discussão, definido por referendo, e podendo ser 
instituído um pouco depois. O presidencialismo se esgotou, virou 
elemento de crise institucional.
32 1964 – As armas da política e a ilusão armada
A realidade – ontem, hoje e amanhã 
Lembrar e debater a implantação do Golpe de 1964 é impor-
tante para o Brasil e para a democracia. Não apenas para lembrar 
aos mais jovens do significado de um regime ditatorial, do proto-
fascismo, da falta de liberdades, o que se faz necessário. Mas, 
sobretudo, para continuar discutindo, reafirmando caminhos 
democráticos, pois o golpismo, presente como já disse em nossa 
cultura, vive a pairar sobre a política, sobre a sociedade, sobre 
nossos homens públicos e nossas instituições.
Estamos convencidos de que não há outro caminho para 
solucionar os graves problemas nacionais, fora da democracia. 
Qualquer atalho dará em desastre. E quando falamos em democra-
cia estamos definindo grandes processos de articulação que possam 
romper com o sebastianismo político, com o salvacionismo que, de 
alguma forma, esteve presente no amplo movimento que levou 
Lula ao poder. Se as alianças políticas dos idos de 1970 e 1980 
foram fundamentais para derrotar o regime, elas são impostergá-
veis para mudar o Brasil. Não alianças de qualquer tipo, com forças 
conservadoras ou oligárquicas, ressuscitando figuras que começa-
vam a cair no ostracismo, feitas apenas em nome da manutenção 
do poder, de uma certa governabilidade canhestra. Falamos de 
alianças estruturais, da montagem de um novo bloco político, 
forte, capaz de levar o Brasil romper com a inércia, criar um novo 
pensamento econômico, uma nova sinergia política.
Nossa postura hoje é de uma política ampla dentro desse 
aspecto que sempre tivemos como objetivo, a de unir as forças 
democráticas. Aquilo que foi importante para derrotar a ditadura, 
é importante hoje para fazer as políticas de transformação da 
sociedade brasileira. Para que não vire mera retórica, para que não 
se tenha um governo que não mude, gargalo que nos sufoca, há 
muito tempo, sobretudo nos últimos 25 anos, período mais longo 
de vivência democrática no país e no qual não se implantaram as 
chamadas reformas de base (a reforma democrática do Estado, a 
reforma tributária, a reforma educacional e tantas outras). 
33A defesa intransigente da democracia 
Tudo indica estarmos vivendo um momento crucial na vida 
política do país, o da ressaca do modelo lulopetista. É que, conta-
mos com um governo hegemonizado, há 12 anos, por um partido 
de esquerda, fato não corriqueiro em nossa história, mas que paga 
pesado tributo por não ter feito até agora nenhuma reforma estru-
turante nem ter apresentado projeto estratégico para o país. 
É que, nesse período, revelou-se uma grande despreocupa-
ção dos seus principais líderes com os princípios e questões demo-
cráticos e republicanos, alicerce dos tempos novos que vivemos, e 
que exigem se propor e se tentar construir um novo ciclo para o 
nosso Brasil. Os governantes lulopetistas não precisavam se render 
ao fisiologismo, ao clientelismo, que sempre foi a marca determi-
nante do Estado patrimonialista que temos, nem muito menos à 
malversação dos recursos públicos e à própria corrupção. 
Já existe um nível de consciência no Brasil de que precisa-
mos buscar um caminho novo. Não podemos ter uma economia 
que patina, uma inflação que cresce, um país que ainda vive (desde 
a chegada dos portugueses, no século XVI) de exportar matérias-
-primas (as chamadas commodities) ao invés de produtos indus-
trializados, agregadores de valor, e uma sociedade perversamente 
desigual, com péssimos serviços de educação, saúde, mobilidade 
urbana e segurança pública. Essa consciência, acho que está em 
todos os brasileiros, e o que falta agora é se ter a capacidade de se 
exigir fim à enganação, à retórica e ao assistencialismo.Precisa-
mos resolver isso, ter um movimento social, um movimento polí-
tico que dê consequência à política transformadora. Pelo menos, 
devemos querer ser um dos atores desse processo de mudança e de 
câmbio da sociedade brasileira.
Nesses 25 anos de reconstrução, estamos superando obstá-
culos. Talvez nunca tenhamos vivido um período de tanta convi-
vência democrática quanto agora. E não faço coro aos que veem, 
por exemplo, nas manifestações, nas intensas mobilizações inicia-
das em junho de 2013 e até nos excessos, de ambos os lados, seja 
da repressão ou dos movimentos sociais, algo que coloque em 
risco a democracia. Acho que isso tem ajudado até a consolidá-la. 
34 1964 – As armas da política e a ilusão armada
Até porque democracia é isso, não são os excessos, evidentemente, 
mas um processo de educação, do próprio movimento social, e 
também de controle que se tem que ter da máquina policial e do 
sistema de repressão e de coação, que pode ser democrático e pode 
transbordar e ter aspectos abusivos. Vamos coibir os excessos, 
vamos nos educar para essa prática democrática, mas não vamos 
ter medo de uma manifestação. E, particularmente, das manifesta-
ções dos excluídos, dos oprimidos, até porque esses nunca tiveram 
tanta oportunidade como agora que o regime democrático está 
ofertando. Porque sempre foram reprimidos. 
É claro que não se pode admitir, por exemplo, a invasão de 
prédios públicos, a quebra de agencias de bancos e de outras 
empresas comerciais, a queima de ônibus e de outros tipos de 
veículos. E muito menos agredir ou matar pessoas. Isso não é 
prática de nenhum movimento social que queira aprofundar a 
democracia. E os governos federal e estaduais precisam ter a capa-
cidade de saber como resguardar a ordem pública, sem ir para a 
repressão com abuso e, inclusive, com mortes, como tem aconte-
cido também, o que é inadmissível. 
Esperamos que a ditadura, definitivamente, tenha sido 
varrida da nossa história como experiência. A democracia, como já 
se disse, talvez tenha muitas imperfeições, mas nada melhor foi 
inventado para ocupar o seu lugar. E olha que venho de uma tradi-
ção, a marxista, que, em épocas distantes, chegou a acreditar em 
uma ditadura, de classe, a do proletariado.
35
AS ESQUERDAS, A DITADURA E O 
PROBLEMA DA FRENTE DEMOCRÁTICA 
Luiz Sérgio Henriques1
Posso, sem armas, revoltar-me?2
Bastante razoável é a ideia de buscar nos anos 1960 e 1970 as origens da política contemporânea brasileira e de muitos atores e dilemas ainda atuais. O movimento de 1964, num 
caminho que não estava inexoravelmente dado desde o começo, 
paulatinamente se mostraria como algo muito diferente de um 
clássico pronunciamiento militar latino-americano, que se realiza, 
não sem crueldade, a partir da deposição de um presidente consti-
tucional, mas de tendências “populistas”, seguida da entronização 
de algum “ridículo tirano” e do furor contra os suspeitos de sempre. 
Ao contrário, como muitos analistas já assinalaram, aquele movi-
mento seria o ato inicial de uma intensa “modernização conserva-
dora” de nossa sociedade, comprimindo para tanto a vida política 
dentro de limites cada vez mais estreitos, especialmente entre 1968 
e 1974, ano em que teve início a “abertura lenta, segura e gradual” 
do regime dos generais – e que terminou sendo mera tentativa de 
controlar, sob a forma de recuo organizado, um processo social 
democratizante fundado, paradoxalmente, nos próprios resulta-
dos da modernização “pelo alto”. 
De fato, com o ciclo militar nada ficaria como antes. Mesmo 
conservadora, a experiência brasileira não teve nada de desindus-
trializante ou voltada unicamente para o passado, ao contrário de 
outras experiências vizinhas, em particular a ditadura argentina 
instaurada em 1976, e produziu como resultado uma economia e 
1 Ensaísta, tradutor, editor do site Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) e vice-presi-
dente da Fundação Astrojildo Pereira.
2 A flor e a náusea, Carlos Drummond de Andrade.
36 1964 – As armas da política e a ilusão armada
uma sociedade cada vez mais complexas e diferenciadas, em 
choque crescente com o autoritarismo mais ou menos aberto que 
presidira seu surgimento. Por isso, a partir de 1964, não só muda-
ria o padrão de relações entre Estado, sociedade e economia, em 
benefício da generalização das relações capitalistas numa escala 
até então inédita. Mudariam também, na mesma medida, todas as 
forças políticas, inclusive as de esquerda, que, no combate ao 
regime, não poderiam ter ficado sempre iguais a si mesmas, para 
não falar das alterações nas correntes de ideias internacionais a 
que se referiam. 
De algum modo, somos ainda todos testemunhas de um 
percurso que começa com o protagonismo de uma força da 
esquerda histórica – o Partido Comunista Brasileiro –, lançada a 
partir de 1964 em movimento progressivo de declínio e fragmenta-
ção, e termina, já em nossos dias, com o protagonismo de um 
partido representativo da “segunda esquerda”, que recolhe e 
expressa as novidades acontecidas na modernização e pratica-
mente anuncia o amadurecimento da nossa democracia política, 
ao vencer as eleições presidenciais de 2002 – quaisquer que 
tenham sido, ou ainda sejam, seus limites e contradições eviden-
ciadas no exercício posterior do governo ao longo de três mandatos 
presidenciais sucessivos.3 
No entanto, esta imagem de uma “passagem de bastão” entre 
as duas forças não deve ocultar os inúmeros acidentes e reviravol-
tas de percurso. Para ter certa perspectiva histórica, é preciso dizer 
alguma coisa a respeito do PCB tal como chegou aos anos críticos 
do governo Goulart. Principal partido da esquerda marxista até 
1964 e mesmo algum tempo depois, o PCB atravessava, desde 
3 Deve-se registrar que, entre intelectuais cuja referência política foi o PCB, existem 
análises já imprescindíveis sobre a ascensão do petismo ao poder central, a comple-
mentação de nossa democracia e a consequente necessidade de redefinição das re-
lações entre esquerda, política e história brasileira. Nesta perspectiva, que combina 
a novidade da chegada ao poder no quadro pós-Guerra Fria e uma visão de ideias e 
fatos como processos de longa duração, sai fortemente circunscrito o mito “refunda-
cional” vigente em certas áreas petistas. Cf., por exemplo, a entrevista de Luiz Wer-
neck Vianna, “A história absolvida”, dada no calor da hora, em 12/2002, em <http://
www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2>. Acesso em: 16/03/2014.
37As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática 
1956, um conturbado processo de renovação, aberto, no conjunto 
dos partidos comunistas de todo o mundo, com a denúncia dos 
crimes de Stalin no XX Congresso do PCUS, em fevereiro de 1956. 
É raro ou, na prática, impossível o caso de uma corrente de opinião 
significativa que não tenha referências internacionais; e, para os 
partidos comunistas, em particular, nascidos no quadro de um 
desafio global à ordem capitalista, o vaivém analítico entre as reali-
dades nacionais das quais nasceram e os problemas gerais do 
movimento assumidamente internacional em que se inseriam – tal 
vaivém, repetimos, é um pressuposto para a compreensão mini-
mamente coerente do sujeito político. 
Assim é que no PCB, como nos demais PCs, aquele processo 
de renovação não foi propriamente radical nem eliminou todo o 
“sectarismo burocrático”, que, segundo conhecida afirmação de 
Lukács, constituía uma característica típica do stalinismo. Por 
certo, a situação de ilegalidade formal, ainda que substantiva-
mente mitigada durante o governo de Juscelino Kubitschek e, 
particularmente, o de Goulart, não era a mais adequada para um 
efetivo aggiornamento político e intelectual. Mesmo levando em 
consideração estes e outros limites, o período em questão da traje-
tória pecebista sem dúvida se caracteriza por um distanciamento 
gradativo da marca de um partido “ideológico”, no sentido nega-
tivo da palavra, clandestino e militarizado, fortemente centrado 
sobre si mesmo e alheio àagenda real da sociedade brasileira.
Com a Declaração de Março de 1958, o PCB estabeleceu alguns 
parâmetros que norteariam sua visão no decorrer das tempestades 
que se seguiriam. Assim, por exemplo, naquilo que então se consi-
derava generalizadamente como a revolução brasileira em curso, 
para o PCB o horizonte imediato não deveria ser o da revolução 
proletária e do socialismo, mas sim o da revolução “nacional e demo-
crática”. Por ser nacional, poderia contar com a burguesia nativa, 
pretendidamente interessada numa forma mais autônoma de capi-
talismo, baseada em forte presença estatal; e, por ser democrática, 
apelaria à reforma agrária radical, golpeando o latifúndio impro-
dutivo, aliado interno do imperialismo e principal beneficiário da 
38 1964 – As armas da política e a ilusão armada
estagnação econômica, e assim incorporaria as massas rurais à 
sociedade moderna e constituiria um mercado consumidor à 
altura do desenvolvimento em curso das forças produtivas capi-
talistas. Uma visão “etapista” da revolução, repetiriam os críticos 
muitas vezes, apontando, não sem razão, a velha origem terceiro-
-internacionalista destes conceitos e ressaltando, nas análises mais 
penetrantes, a impossibilidade de um desenvolvimento capitalista 
autônomo no quadro de industrialização dependente e de inter-
nacionalização da economia já em ritmo acelerado pelo menos 
desde os anos JK.
Mais além da polêmica, no entanto, o fato é que com a Decla-
ração de Março os comunistas do PCB conseguiram pelo menos 
esboçar uma política de “reformas de estrutura”, potencialmente 
capaz de mobilizar a sociedade em torno de objetivos parciais e 
factíveis e não apenas em torno do objetivo final do socialismo. 
Este elemento de gradualismo, que de algum modo implicava valo-
rizar as instituições propriamente democráticas, também signifi-
cou aproximar-se, de modo realista, da corrente principal da vida 
política dominada pelo petebismo e suas “reformas de base” – e 
seria uma das marcas da atuação do PCB antes e, mais particular-
mente, depois de 31 de março de 1964. Como também o seriam a 
definição de uma política ampla de alianças e a possibilidade de 
encaminhar a mudança social num contexto de legalidade demo-
crática e constitucional, precisamente por causa do caráter pluri-
classista das alianças pretendidas. Era o “caminho pacífico da 
revolução brasileira”, para retomar uma audaciosa formulação do 
documento de 1958, tantas vezes contestada no pós-64.
Que não se tratava de mudanças superficiais resta compro-
vado pela nova vitalidade adquirida pelo PCB nos anos imediata-
mente anteriores ao movimento militar e que só teve precedente 
no curto período de legalidade entre 1945 e 1947. Uma renovação, 
de resto, atestada – “a contrario” – pela cisão dita “marxista-leni-
nista” dos antigos setores mais stalinistas e aferrados à lógica da 
inevitável estagnação do capitalismo entre nós. Tais setores, a 
partir de 1962, se reagruparam no PCdoB e buscaram reconstruir 
39As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática 
a ortodoxia, reafirmando a versão “pura e dura” da revolução de 
libertação nacional, típica dos países coloniais, e apontando a 
China maoísta como o modelo de nova sociedade a atingir – e, 
como era congênito à cultura bolchevique das origens, por meio da 
violência revolucionária (Posteriormente, num movimento próprio 
desta mesma velha cultura comunista, o PCdoB deslocaria para a 
Albânia o paraíso encarnado do socialismo).
As mudanças não eram superficiais, mas não chegaram a 
transformar radicalmente o modo de ser dos comunistas no espaço 
de tempo relativamente curto entre 1956 ou 1958 e 1964. Além 
disso, uma mudança desta ordem só seria possível em situação de 
plena legalidade do Partido Comunista, que obrigaria à competição 
democrática com seus requisitos inestimáveis de debate e crítica 
permanente. Não houve tempo nem condições para tanto – e, aliás, 
a subestimação da condição de ilegalidade é um equívoco, há muito 
indesculpável, de diversos historiadores que se debruçaram sobre a 
trajetória do PCB.4 Por isso, a percepção de que, na conjuntura de 
1964, era crucial defender a Constituição de 1946 muitas vezes 
faltou ao PCB – mesmo sendo ele a mais moderada entre as forças 
de esquerda, considerando aqui não só o PCdoB, mas também seto-
res que se reuniam em torno de Goulart, Brizola ou Julião e suas 
Ligas Camponesas, ou, ainda, as novas forças do catolicismo social 
e político aglutinadas pela Ação Popular.5 
4 Este verdadeiro “ovo de Colombo” foi também a observação recorrente de Gildo Mar-Este verdadeiro “ovo de Colombo” foi também a observação recorrente de Gildo Mar-
çal Brandão, autor de brilhante ensaio sobre o conflito entre as inclinações militaris-
tas e civilistas do PCB em praticamente toda a sua trajetória. Veja-se, em particular, 
o seu livro A esquerda positiva. As duas almas do Partido Comunista – 1920/1964, 
São Paulo: Hucitec, 1997.
5 Dois dos mais destacados estrategistas políticos do Partidão, Armênio Guedes e Mar-
co Antonio Coelho, registraram retrospectivamente as contradições entre as almas 
divergentes do próprio PCB em relação ao governo Goulart. Segundo o primeiro, “no 
embate entre Jango e seu mais feroz opositor, o governador da Guanabara Carlos 
Lacerda, da UDN, Prestes achava que o PCB podia ficar no meio da briga e sair ga-
nhando o poder que sobraria depois da mortal briga entre os dois lados”: cf. Sandro 
Vaia, Armênio Guedes – sereno guerreiro da liberdade, São Paulo: Barcarolla, 2013, 
p. 80. Por sua vez, em 2004, em conciso e precioso texto escrito para o quadragésimo 
aniversário do golpe militar, o segundo dirigente lembra, com a precisão de um prota-
gonista, que, “dois meses antes do golpe, a direção do PCB declarou que este partido 
situava-se como ‘oposição ao governo de Goulart’, argumentando que este desenvol-
via uma política de conciliação com setores políticos não comprometidos com as re-
40 1964 – As armas da política e a ilusão armada
Nada casual, portanto, que, instaurado o regime militar, no 
debate que se abre sobre as causas da derrota, as formas de ação 
diante do poder arbitrário e as perspectivas de futuro, não se gene-
ralizasse em toda a esquerda aquela “frente democrática” que, 
mesmo com altos e baixos, se firmava como o núcleo da estratégia 
dos comunistas do PCB. Mais grave ainda: numa sucessão muito 
rápida de “rachas”, dissidências e cisões, que é muito difícil recons-
tituir e merece exame à parte, setores inteiros do Partido Comu-
nista, derrotados no debate interno, partiram para o enfrenta-
mento armado com o regime. 
Quadros históricos como Carlos Marighella, Mário Alves ou 
Jacob Gorender romperam com o “reboquismo” da política pece-
bista, que afirmava a centralidade da luta propriamente política 
contra o regime, e fundaram ou deram substância teórica a grupos 
mais ou menos articulados, que tentavam remediar, retrospectiva-
mente, o que consideravam ter sido o “erro essencial” do PCB e das 
demais forças nacionalistas e reformistas no pré-64 – vale dizer, 
não o abandono da bandeira da legalidade democrática nas mãos 
da direita, mas a perda de uma excepcional ocasião revolucionária 
por causa de um “desvio oportunista de direita”.6 
Nenhuma (auto)crítica quanto às palavras de ordem da 
esquerda contra Goulart – a face política da “burguesia nacio-
nal”, no jargão dos comunistas –, no momento mesmo em que 
uma poderosa coalizão de direita, com sólido apoio nas classes 
médias urbanas e sustentação internacional no contexto da 
formas”: cf. Marco Antônio Coelho, “Os erros que cometemos e o que aprendemos 
com eles”, em <http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=7>. Acesso 
em 16/03/2014. 
6 Jacob Gorender talvez tenha sido, como político e historiador, quem mais nitidam-Jacob Gorender talvez tenha sido, como político e historiador, quem mais nitidam-
ente vocalizou este diagnóstico: “A luta armada pós-64 (...) teve a significação de vio-
lência retardada. Não travada emmarço-abril de 1964 contra o golpe militar direitista, 
a luta armada começou a ser tentada pela esquerda em 1965 e desfechada em defini-
tivo a partir de 1968, quando o adversário dominava o poder do Estado, dispunha 
de pleno apoio nas fileiras das Forças Armadas e destroçara os principais movimen-
tos de massa organizados. (...) A esquerda brasileira de inspiração marxista só não 
pegou em armas quando as condições históricas determinavam que o fizesse” (grifos 
no original). Cf. J. Gorender, Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões 
perdidas à luta armada, 3. ed., São Paulo: Ática, 1987, p. 249-50.
41As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática 
Guerra Fria, se preparava para golpear o regime democrático e 
intervir radicalmente na vida nacional. Nenhuma crítica ao 
próprio Goulart, que, contrariamente ao princípio constitucio-
nal, por certo já buscava a manobra da reeleição, na previsão das 
eleições de 1965. Nenhuma referência aos diferentes movimentos 
sociais, para os quais as reformas de base deviam ser buscadas 
provocadoramente “na lei ou na marra”. 
Nada disso entrava nos cálculos de novos e velhos atores da 
esquerda não pecebista e muitas vezes antipecebista – ao contrá-
rio, de acordo com sua visão, a luta pelo socialismo só agora podia 
se desenvolver sem as ilusões reformistas de antes. O socialismo 
estava na ordem do dia, e da maneira certa. Sem a mediação inde-
sejada da “política democrática”, era uma questão de vontade, de 
homens e armas. Por certo, seria desejável contar, paralelamente, 
com a luta de massas, mas entendidas, estas últimas, fora de qual-
quer enquadramento institucional, necessariamente “burguês”. 
E, na ausência da luta de massas, podia-se provocá-las mediante o 
“foco revolucionário” – de preferência, em áreas rurais afastadas.
Neste ambiente de militarização da política, não havia 
apenas as diferentes dissidências do PCB, as quais denotavam, 
pela sua origem, a permanência do velho paradigma bolchevique 
da revolução como assalto frontal ao Estado. Deve-se observar 
que, no plano global, alguns novos casos de sucesso se impuseram 
com força aparentemente irresistível, como o da revolução chinesa 
e o da revolução cubana. Entre nós, a “guerra popular prolongada” 
do maoísmo foi o horizonte estratégico que possibilitou uma teori-
camente improvável aliança entre o catolicismo radicalizado de 
setores da Ação Popular e os stalinistas do PCdoB, aliança cujo 
desfecho foi a longamente preparada guerrilha do Araguaia. 
O “foco” guevarista, que devia conduzir à criação de um, dois ou 
mil Vietnãs no coração da América Latina, incendiou a imaginação 
de vários grupos, que se jogaram de corpo e alma, como Guevara, 
no assalto aos céus. 
Uma época difícil, como se vê, que também não pode ser 
contada em sua inteireza sem referência à infâmia da tortura, das 
42 1964 – As armas da política e a ilusão armada
brutalidades e do terror de Estado, que se desencadeou metodica-
mente sobre os diferentes grupos armados e os opositores de modo 
geral. Uma época que, ainda hoje, merece ser estudada com aten-
ção: o léxico e a sintaxe da clandestinidade, mesmo quando se 
trata de homens e mulheres valorosos e devotados à justiça social, 
parecem permeados de intolerância, de defesas extremadas da 
“linha justa”, de denúncias radicais de desvios e traições, e não 
poderiam prefigurar uma boa sociedade socialista, ainda que a 
reputássemos possível. 
Mais atento à política em sentido estrito, que, mesmo 
comprimida, continuava a seguir seu curso, o PCB advogava a 
participação no partido de oposição “consentida” e nos sindicatos 
existentes; combatia o voto nulo e o desprezo pelo jogo eleitoral, 
uma perspectiva particularmente preocupante em 1970, com a 
pregação do voto nulo e da dissolução do MDB; assim como, algum 
tempo antes, havia participado de articulações importantes, como 
a da Frente Ampla, que reuniu de forma inesperada Juscelino, 
Goulart e Lacerda, lideranças civis que se contrapuseram violenta-
mente antes de 1964 e que ora se viam deslocadas do jogo do poder 
por uma intervenção militar que parecia ter, crescentemente, 
ambições de afastar os políticos, “subversivos” ou “corruptos”, a 
fim de remodelar aceleradamente todo o país. 
É verdade, o regime militar se crispou ferozmente em dezem-
bro de 1968, com o Ato Institucional no 5; e cassações, torturas e 
mortes se sucederam, como consequência inevitável de todo 
regime discricionário. Mas ao mesmo tempo, e paradoxalmente, 
havia eleições regulares. Não se interrompeu o alistamento obriga-
tório e assim se constituiu paulatinamente um corpo eleitoral em 
permanente e quase explosiva expansão. No MDB, liberais e demo-
cratas se aliaram aos comunistas do PCB e, mais tarde, a várias 
outras forças de esquerda, uma vez destroçadas as tentativas de 
luta armada. O voto urbano foi quase sempre, como nas memorá-
veis eleições de 1974, um voto plebiscitário contra a ditadura. 
E eleições, como sabemos, são sempre o resultado do desloca-
mento de camadas e orientações profundas na vida social, não 
43As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática 
mera contagem aritmética de votos. Tudo isso sem falar de amplos 
setores da hierarquia católica, já definitivamente afastados do 
regime, com o significativo destaque de D. Paulo Evaristo Arns, 
que deram insubstituível testemunho material e moral na defesa 
dos direitos humanos, seja no caso dos presos políticos, seja no de 
homens e mulheres “comuns”, vítimas dos esquadrões da morte. 
Delineou-se assim, com concretude, a substância da política 
de frente democrática, voltada para “derrotar a ditadura” e instau-
rar um regime de amplas liberdades, não para “derrubar o capita-
lismo” e sua expressão ditatorial supostamente necessária. Uma 
política que, aos poucos, tornou-se hegemônica no conjunto das 
esquerdas, uma vez verificada a derrota inapelável da estratégia da 
luta armada, e que também cobrou seu preço em vidas preciosas, 
como, entre muitas outras, as dos membros do comitê central do 
PCB assassinados em 1974 e as de Vladimir Herzog e Manuel Fiel 
Filho, que se transformaram em marcos da reação da nova socie-
dade civil rebelada contra a camisa de força do autoritarismo. 
No entanto, esta generalização da estratégia de luta pelas 
liberdades não significaria a reafirmação do protagonismo do PCB 
na esquerda brasileira nem impediria seu declínio. O PCB, como é 
evidente, integrava o grande ciclo do comunismo histórico inaugu-
rado em 1917 e que, em algum momento, com a consolidação do 
stalinismo e a ruptura com a ideia democrática por parte de todos 
os partidos comunistas no poder, iria significar uma pesada hipo-
teca sobre os PCs que, ao contrário, lutavam em condições muitas 
vezes difíceis de clandestinidade. Uma hipoteca que estes últimos 
nem sempre souberam resgatar, elaborando com ousadia as impli-
cações teóricas necessariamente inerentes a uma estratégia do tipo 
da frente democrática. 
A cultura comunista brasileira, se, por um lado, foi até 
mesmo capaz de recolher a instigante sugestão berlingueriana da 
democracia como valor universal – ponto altíssimo da trajetória 
comunista no Ocidente desenvolvido –, por outro lado demons-
trou limites insuperáveis, como no dissídio final entre Prestes e o 
partido com o qual se confundira por várias décadas. Um dissídio 
44 1964 – As armas da política e a ilusão armada
que, como se veria cerca de uma década mais tarde, refletia o 
declínio e a crise terminal do comunismo do século XX, que reti-
rava o chão e o fôlego do ator da esquerda marxista que melhor se 
conduzira, estrategicamente, no combate ao regime militar. 
A hipótese de renovação democrática da esquerda se veria seria-
mente comprometida pelo enfraquecimento histórico dos comu-
nistas do PCB, bem como pela consequente diáspora intelectual 
produzida neste campo. Temas como a relação com as instituições 
formais da democracia, o diálogo com as versões antigas e moder-
nas do liberalismo

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