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Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:201 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Reitor Carlos Antônio Levi da Conceição Decano do Centro de Letras e Artes Flora De Paoli Faria Diretor da Faculdade de Letras Eleonora Ziller Camenietzki Diretor Adjunto de Pós-Graduação Ângela Maria da Silva Corrêa Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Godofredo de Oliveira Neto Célia Regina dos Santos Lopes Comissão do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Silvia Figueiredo Brandão, Maria Aparecida Lino Pauliukonis, Maria Lúcia Leitão de Almeida (suplente), Alcmeno Bastos, Anélia Pietrani, Adauri Silva Bastos (suplente), Mônica do Nascimento Figueiredo, Teresa Cristina Cerdeira da Silva (suplente), Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco, Maria Teresa Salgado Guimarães da Silva (suplente) Representantes Discentes Leonardo Lennertz Marcotulio (Doutorando em Língua Portuguesa) Juliana Esposito Marins (Doutoranda em Língua Portuguesa) Secretária do Programa Maria Urânia Pacheco Marinho D536 Diadorim : Revista de Estudos Linguísticos e Literários. – N. 8, (2011) –. Rio de Janeiro : UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas, 2011. v.: vi. Semestral ISSN 1980-2552 1. Língua portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 2. Literatura brasileira – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 3. Literatura portuguesa – Discursos, ensaios e conferências – Periódicos. 4. Literatura africana (Português) – Discursos, ensaios e conferências. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. CDU 811.134.3+821.134.3(051) Financiamento Programa de Apoio à Pós-Graduação da CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:202 REVISTA DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS Número 8 - 2011 Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Faculdade de Letras Universidade Federal do Rio de Janeiro Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:203 © 2011, Universidade Federal do Rio de Janeiro Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas Todos os direitos reservados Diadorim: revista de estudos linguísticos e literários Publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da UFRJ, que abrange as seguintes áreas de concentração: Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Literaturas Portuguesa e Africanas. A proposta é divulgar investigações linguísticas e literárias vinculadas às linhas de pesquisa do programa, desenvolvidas por pesquisadores brasileiros e estrangeiros. As edições de número ímpar se dedicam aos estudos literários e as de número par, aos estudos linguísticos. Faculdade de Letras da UFRJ – Sala F-319 Cidade Universitária – Ilha do Fundão 21941-590 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: 55 21 2598-9709 posverna@letras.ufrj.br www.letras.ufrj.br/posverna Organizadoras desta edição Silvia Figueiredo Brandão Maria Eugênia Lamoglia Duarte Secretária do Programa Maria Urânia Pacheco Marinho Capa Heloisa Fortes Editoração R.N.R. Revisão Humberto Soares da Silva Alcir Pécora (Unicamp), Alfredo Bosi (USP), Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa), Ângela Paiva Dionísio (UFPE), Ataliba Teixeira de Castilho (USP), Benjamin Abdala Jr. (USP), Daniel Jacob (Universidade de Colônia, Alemanha), Eneida Maria de Souza (UFMG), Ferreira Gullar (poeta), Francisco Ferreira de Lima (UEFS), Francisco Noa (Universidade de Mondlane, Moçambique), Gilda Santos (UFRJ), Ida Maria Santos Ferreira Alves (UFF), Ivan Junqueira (Academia Brasileira de Letras), Ivo Barbieri (UERJ), Ivo Castro (Universidade de Lisboa), Johannes Kabatek (Universidade de Tübingen, Alemanha), Jorge Macedo (poeta, Moçambique), Konstanze Jungbluth (Universidade de Frankfurt, Alemanha), Laura Cavalcante Padilha (UFF), Lélia Maria Parreira Duarte (PUC-MG), Lucia Helena (UFF), Maria Antónia Coelho da Mota (Universidade de Lisboa), Maria Emília Barcellos da Silva (UERJ), Maria Fernanda Abreu (Universidade Nova de Lisboa), Maria Fernanda Bacelar do Nascimento (Universidade de Lisboa), Maria Lúcia dal Farra (UFS), Maria Theresa Abelha Alves (Faculdades Jorge Amado, Salvador), Marlene de Castro Correia (UFRJ), Paulo Motta Oliveira (USP), Roberto Acízelo (UERJ), Rosa Virgínia Mattos e Silva (UFBA), Silvana Maria Pessoa (UFMG), Silvio Renato Jorge (UFF), Sonia Maria Lazzarini Cyrino (Unicamp), Tania Celestino de Macêdo (UNESP), Tânia Conceição Freire Lobo (UFBA), Uli Reich (Universidade de Colônia, Alemanha), Walnice Nogueira Galvão (USP) Conselho Editorial Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:204 Sumário Nota editorial ....................................................................................... 9 PESQUISADOR CONVIDADO Harmonização gradiente .......................................................................... 11 Leda Bisol ARTIGOS INÉDITOS A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista .................................................................... 27 Elisa Figueira de Souza Corrêa O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais .................... 43 Raquel Meister Ko. Freitag Aquisição e variação das vogais médias pretônicas .................................. 59 Ana Carla Vogeley, Dermeval da Hora e Marígia Ana de Moura Aguiar A síncope das vogais postônicas não-finais: variação na fala popular urbana do Rio de Janeiro ........................................................................ 81 Danielle Kely Gomes Variação, mudança fônica e identidade: a implementação da palatalização de /t/ e /d/ em um falar de português brasileiro ......... 103 Elisa Battisti Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:205 6 Dois momentos do /r/ retroflexo em Lavras – MG: no Atlas Linguístico de Minas Gerais e nos dados do projeto do Atlas Linguístico do Brasil ......... 125 Vanderci de Andrade Aguilera e Helen Cristina da Silva A variação lexical nos campos semânticos corpo humano e ciclos da vida: o que revelam os dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil ............... 143 Marcela Moura Torres Paim Expressões de tempo decorrente com ter e haver na fala carioca ......... 161 Juanito Avelar O locativo na fala culta do Rio de Janeiro: um estudo em tempo real de curta duração ......................................................................................... 181 Elaine M. Thomé Viegas Evidências de novos fatores linguísticos na seleção de preposições de complemento locativo do verbo ir ........................................................ 203 Marcos Luiz Wiedemer Junção em mudança: reanálise morfossintática e redes polissêmicas de que nem .................................................................................................... 223 Sanderléia Roberta Longhin-Thomaz Configurações XSV e XVS no português contemporâneo: complementaridade sintático-semântica e discursiva ........................... 245 Maria da Conceição de Paiva Conectando orações de hu a onde. E para onde mais? .......................... 271 Marilza de Oliveira, Priscilla Barbosa Ribeiro e Hélcius Batista Pereira “Dirigiu-se para a sede social da Elite Flor da Liberdade” e “ofereceu um banquete aos visitantes”: sobre a variação de preposições em complementos verbais ........................................................................... 287 Rosane de Andrade Berlinck Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:206 7 Sujeito: entre ordem e concordância .................................................... 307 Isabel de Oliveira e Silva Monguilhott e Izete Lehmkuhl Coelho A concordância verbal de terceira pessoa do plural em produções escritas de estudantes universitários ...................................................... 329 Gilce Almeida e Vivian Antonino Itinerário do uso e variação de nós e a gente em textos escritos e orais de alunos do Ensino Fundamental da Rede Pública de Florianópolis ...... 351 Ana Kelly Borba da Silva Brustolin La variación de las fórmulas de tratamiento de segunda persona del sin- gular en las publicidades de Montevideo.............................................. 375 Bruno Rafael Costa Venâncio da Silva e Carlos Felipe da Conceição Pinto A variação entre o pretérito mais-que-perfeito simples e composto em textos jornalísticos .................................................................................. 397 Kellen Cozine Martins CURTAS RESENHAS MARCOTULIO, Leonardo Lennertz. Língua e história: O 2º marquês do Lavradio e as estratégias linguísticas da escrita no Brasil Colonial. ...... 417 por Maria Cristina de Brito Rumeu CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova gramática do português brasileiro. .... 421 por Eliete Figueira Batista da Silveira KATO, Mary Aizawa; NASCIMENTO Milton do. Gramática do português falado culto no Brasil, vol. III, A construção da sentença. ........................... 425 por Juliana Marins RODRIGUES, Violeta Virginia (org.). Articulação de orações: pesquisa e ensino ...................................................................................................... 429 por Heloise Vasconcellos Gomes Thompson Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:207 8 Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:208 9 Nota editorial O Volume 8 da Diadorim – Revista de Estudos Linguísticos e Literários – do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ é o primeiro dedicado exclusivamente a estudos de Variação e Mudança Linguística, uma importante e profícua Linha de Pesquisa da Área de Língua Portuguesa. Nada mais justo, portanto, que dedicá-la a quem introduziu a Sociolinguística Variacionista no Brasil – Anthony Julius Naro. É inegável sua importância não só para a formação de várias gerações de pesquisadores espalhados por todo o país que, por sua vez, têm formado novos pesquisadores, mas também para a visibilidade internacional dos estudos que descrevem o português brasileiro. Sua valiosa contribuição para o desenvolvimento da Linguística entre nós está resumida nas palavras de Dinah Callou, uma entre seus inúmeros discípulos e autora da “orelha” deste volume. Leda Bisol, da PUC-RS, outra renomada discípula, especialmente convidada a colaborar com este número, trata de harmonização gradiente no âmbito das vogais pretônicas. Os dezenove artigos que seguem, de autoria de pesquisadores de variadas instituições brasileiras, foram selecionados com a cooperação de um amplo corpo de pareceristas ad hoc, entre os mais destacados especialistas nas áreas focalizadas no grande número de trabalhos que nos foi enviado, um testemunho da grande representatividade dos estudos variacionistas no Brasil. Os artigos abarcam discussões teóricas que envolvem a Sociolinguística, análises fonético- fonológicas, morfossintáticas, lexicais e semânticas nas quais o tratamento da Teoria da Variação e Mudança, fundado em bases empíricas, aparece associado a diversas teorias da linguagem. Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:209 10 O volume traz, ainda, quatro resenhas sobre trabalhos voltados para variação e mudança, seja em textos de sincronias passadas, seja na fala e escrita contemporâneas, bem como na primeira gramática sobre o português falado hoje no Brasil. Esperamos que o volume contribua para ilustrar a diversidade de temas de que se alimenta a pesquisa sobre variação e mudança no Brasil e que realimente novas investigações na área. As organizadoras Silvia Figueiredo Brandão Maria Eugênia Lamoglia Duarte Diadorim8-cad0.pmd 06/12/2011, 22:2010 PESQUISADOR C O N V ID A D O Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2011 Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2012 Harmonização gradiente Leda Bisol1 Este texto tem por tema a harmonização com a vogal alta em duas variedades do português brasileiro, a do Sul/Sudeste e a do Norte/ Nordeste, detendo-se também na neutralização das médias. O estudo tem por base o sistema vocálico definido em graus de abertura, a partir dos quais se explicam neutralizações e assimilações. 1. A harmonização com a vogal alta em variedades do Sul/Sudeste Da proposta de Clements e Hume (1995) que substitui por abertura os traços tradicionais de altura, depreende-se uma escala que expõe em graus de abertura as sete vogais do sistema fonológico do português. (1) O sistema vocálico do português abertura i/u e/o ε/ a aberto 1 – – – + aberto 2 – + + + aberto 3 – – + + escala 0 1 2 3 Embora toda vogal tenha algum grau de abertura, atribui-se (0) à vogal alta de abertura mínima, assinalada por (-) em todos os níveis, a partir do qual os valores relativos da escala se estabelecem. 1 PUCRS, CNPq. c Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2013 14 Pesquisador Convidado Em silabas átonas de variedades do Sul/Sudeste, neutraliza-se a distinção entre as vogais médias, isto é, desassocia-se o traço [+aberto 3], que é substituído automaticamente por seu oposto, [-ab3], com claras evidências na pauta pretônica: lεve> leveza; m le> moleza, constituindo- se um subsistema átono de cinco vogais: (2) /a, ε, e i, u, o, / > / a, e, i, u, o/ Deixando-se de lado a neutralização que reduz o sistema das átonas a três vogais em final de palavra, fixemo-nos na pretônica, onde opera a harmonização vocálica, uma assimilação regressiva, cujo gatilho é a vogal alta e o alvo a média fechada, distinguindo-se uma da outra apenas por um grau de abertura, como se observa em (1). Representam-se em (3) as duas vogais plenamente especificadas e em (4) a assimilação referida. (3) a. Vogal média fechada (alvo) b. Vogal alta (gatilho) V (e) V (i) | | [abertura] [abertura] / | \ / | \ [-ab1] | \ [-ab1] | \ [+ab2] \ [-ab2] \ [-ab3] [-ab3] Trata-se de harmonia privativa, pois, no sistema em pauta, o único alvo disponível é a vogal média fechada como em feliz > filiz ou botim> butim, em que as vogais em pauta se distinguem por um grau de abertura. Não tem efeito algum sobre a vogal /a/, separada de /i/ por três graus de abertura, ainda que esteja a seu lado como em Saci. (4) Harmonização vocálica V V | | [abertura] [abertura] ‡ | [+ab2] [-ab2] O traço [-ab2] da vogal alta estende-se para esquerda, ocupando a posição de [+ab2] do segmento vizinho, que é desassociado, harmonizando-se as duas Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2014 � C V C V C V C V C V C V | | | | | | [abertura] [abertura ] [abertura] [abertura] [ abertura][abertura] | ‡ | ‡ | [+ab2] [+ab2 [-ab2] [+ab2 [-ab 2] C V C V C V | | | [abertura] [abertura ] [abertura] ‡ | | [+ab2] [+ab2 ] [-ab2] Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 10/12/2011, 22:0915 16 Pesquisador Convidado Um fato a ser observado é que na pauta pretônica atuam duas regras de resultados semelhantes: a harmonização em foco (HV) e o alçamento sem motivação aparente (AL). Por vezes, as duas operam na mesma palavra, criando- se um contexto de dupla interpretação.A primeira, no estilo neogramático, possui um condicionador fonético explícito, a vogal alta, e pode estender-se a mais de uma vogal; a segunda, sem condicionador explícito, é conduzida por analogia via grupos de palavras morfologicamente aparentadas, ou seja, por paradigmas derivacionais ou flexionais, a qual, se for considerada como efeito da consoante vizinha, o mais das vezes é uma assimilação progressiva e estritamente local. Exemplos em (7) e (8). HV e AL são, pois, regras diferentes com efeito similar. (7) Alçamento sem condicionador aparente boneca > buneca > embunecar, embunecado colégio > culégio, culegial, culegiado governo > guverno, guvernar, guvernado jogar > jugar, jugando, juguei, jugava moleque > muleque, mulecão, mulecagem Por vezes, as duas entram em ação na mesma palavra como regras conjuntivas: (8) acontecia > aconticia, acunticia (HV), acunteciria (AL, HV) acontece > acunteceu, acuntecia (AL) Se a distinção entre as duas regras mencionadas não for levada em consideração, casos do tipo acuntecia seriam tidos como harmonização vocálica, pois, segundo Bacovic (2007), assimilação regressiva à longa distancia pode não ser adjacente. Isso teria o custo de deixar (7) à deriva. Delineada a pauta pretônica e a harmonia que nela opera em variedades do Sul/Sudeste, passemos à pretônica do Norte/Nordeste. 2. A pretônica em variedades do Norte/Nordeste Ambas as vogais médias se fazem presentes na pauta pretônica de variedades do Norte/Nordeste, como vem sendo documentado em dissertações, teses e artigos. Neste texto, tomamos como referencial os estudos realizados sobre a pretônica de Belém, Pará (Rasky & Santos, 2009) e de Teresina, Piauí, (Nascimento Silva, 2009) que documentam a presença de três regras variáveis, interpretadas como assimilação, responsáveis pela presença das médias. Esse particular diferencia variedades do Norte/Nordeste de variedades do Sul/Sudeste. Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2016 17 Harmonização gradiente Tabela 1: Efeitos da vogal contígua em Belém (readaptação de Razky & Santos, 2009) Os valores mais altos, em negrito, assinalam a vogal média aberta diante de /, a, /, a vogal alta diante de /i, u/ e a fechada diante de /e, o/. Os dados revelam, como afirmam Razky & Santos (2009), três regras de assimilação de altura, como ocorre em d[e]fesa, p[]tca e p[i]rigo. Passemos aos dados de Teresina, Piauí. Para fins de comparação com a Tabela acima, apresentamos somente os resultados da análise da vogal [-post], todavia, as duas médias, em separado, em virtude da organização diferente dos dados. Tabela 2: A Vogal média aberta [-post] na pretônica em Teresina (readaptação de Nascimento Silva, 2009) Vogal contígua Ocorrência Peso relativo Exemplo /a/ 424/494 0,73 mlancia // 201/229 0,76 rptitivo / / 175/212 0,67 mlh r /e/ 289/478 0,47 dpende /i/ 777/1376 0,43 dlito /u/ 146/233 0,35 prjuízo [e] [] [i] Vogal Contígua Total Peso relativo Total Peso relativo Total Peso Relativo /i/ 56/144 .164 25/144 .093 63/144 .743 /u/ 12/34 .367 2/34 .027 20/34 .605 /e/ 112/196 .594 2/196 .013 82/196 .393 /o/ 79/114 .452 16/114 .347 19/114 .201 // 17/92 .062 74/92 .896 1/92 0.62 / / 7/42 .171 12/42 .521 23/42 .308 /a/ 31/180 .142 84/180 .668 65/180 .190 Exemplo mlancia rptitivo mlh r dpende dlito prjuízo Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2017 18 Pesquisador Convidado Tabela 3: A Vogal média fechada [-post] na pretônica Vogal contígua Ocorrência Peso relativo Exemplo Vogal alta 309/1385 0,45 serviço secura Média fechada 263/722 0,72 agradecer reforço Vogal baixa 102/912 0,41 paletó semana Da mesma forma que nas Tabelas anteriores, os resultados mostram a vogal média aberta diante de vogais baixas com índices altos (2a), assim como a vogal média fechada se apresenta diante de médias fechadas (2a’), sugerindo que ambas as vogais são o resultado de assimilações, ideia defendida pela autora deste estudo. Por outro lado, Nascimento Silva, ao analisar a vogal média diante de alta, constata três variantes, apresentando uma lista de exemplos sob o rótulo de variação tripartida. Desses extraímos os seguintes para fins de discussão no item 3. (9) Variação tripartida algria ~ alegria ~ aligria v lume ~ volume ~ vulume fliz ~ feliz ~ filiz p lido ~ polido ~ pulido tcido ~ tecido ~ ticido f rtuna ~ fortuna ~ furtuna mxido ~ mexido ~ mixido n vidade ~ novidade ~ nuvidade rcibo ~ recibo ~ ricibo s frimento ~ sofrimento ~ sufrimento 3. Suposições e análise Diante das Tabelas apresentadas, que denotam a presença de ambas as médias na pretônica, fechada e aberta, como produto de assimilações, portanto, não distintivas na pauta pretônica, no sentido tradicional, partimos do pressuposto de que tais vogais têm a mesma estrutura subjacente, isto é, são subespecificadas (Kiparsky, 1993) quanto a [aberto 3], o traço que as distinguiria (cf. 1). Ambas são [-ab1,+ab2]. Expondo-se, em função dos objetivos, somente o traço assimilador da vogal gatilho, temos a representação do processo de assimilação que produz as médias na pretônica em (10). (10) Assimilação da pretônica diante de média fechada (10a) e diante de média aberta ou vogal baixa (10b) Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2018 19 Harmonização gradiente a. V C V.... ]Word b. V C V.... ]Word [abertura] [abertura] [abertura] [abertura] / \ | / \ | [-ab1] [+ab2] [-ab3] [-ab1] [+ab2] [+ab3] Trata-se de regra de formação de estrutura. Se a vogal seguinte for /e, o/, o traço [-ab3] da vogal seguinte preenche o vazio da média subjacente que se manisfesta como média fechada (10a). Da mesma forma, por assimilação que preenche o vazio, diante de /, , a/, por espraiamento do traço [+ab3], emerge a média aberta como (10b) representa. Os exemplos em (11) mostram as vogais tônica e pretônica harmonizadas. (11) Exemplos de vogais médias produzidas por assimilação a. bl[e]za > beleza b. cEl[]ste > clste sr[e]no > sereno pEd[]stre > pdstre sOl[e]ne > solene sOl[a]co > s laço Vale observar que essas vogais podem aparecer em contextos não harmônicos, como frmento, d cumentário, n vena, fechamento, rfogar, a título de exemplos. Motivos contextuais podem ser identificados: a nasalidade a bloquear a média aberta, a relação da palavra derivada com a base de média fechada, a vizinhança com a fricativa palatal ou a preferência pela vogal default.2 O ponto a chamar atenção é que exemplos do tipo (11a), que são o resultado de assimilação em variedades do Norte/Nordeste, coincidem com o resultado da neutralização em variedades do Sul/Sudeste. Mas são dissimilares em (11b). Isso indica que, embora presentes na pretônica (11a,b), as médias perdem o valor contrastivo que as distingue, pois decorrem de assimilações. Enquanto no Sul/Sudeste, perde-se esse valor opositivopor neutralização, proibindo a média aberta; no Norte/Nordeste, perde-se esse valor por assimilação, permitindo a presença de ambas. Eis um caso de efeitos semelhantes no sistema interno com resultados externos diferentes em decorrência de processos distintos. Retomemos a harmonização vocálica. 2 Sobre variação especificada, ver Barbosa da Silva, (1989). Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2019 � � � � � � ι � � � � Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 11/12/2011, 22:3920 � � � � Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 11/12/2011, 22:3921 22 Pesquisador Convidado Passo 2: Perda do traço de abertura que distingue e de i, por expansão do traço [-ab2] da vogal alta, o gatilho, harmonizando-se as vogais plenamente. b. V C V | | [abertura ] [abertura] ‡ | [ + ab2] [-ab2] feliz > filiz Como efeito do primeiro passo da harmonia, resulta a vogal média fechada. Desliga-se o traço [+ab3] da vogal média aberta, o alvo, para dar lugar ao traço [-ab3] da vogal alta vizinha, provocando a mudança de um grau de abertura. O processo pode parar aqui, aumentando o número das médias fechadas na pretônica. Mas pode prosseguir, quando, no segundo passo, se desassocia o traço [+ab2] da vogal alvo para dar lugar a [-ab2] da vogal alta, completando-se o processo de harmonização vocálica, novamente por mudança de um grau de abertura. Em suma, a partir de fliz, tomado para exemplo, realizam-se, gradativamante, feliz e filiz. Isso ocorre tanto com a média [-post] quanto com a média [+post], como (9) exemplifica. Portanto, o contexto da harmonização com a vogal alta, regra variável de origens remotas que o português brasileiro preserva, revela resultados gradientes em variedades que possuem a média aberta no sistema. Tudo indica que a variação tripartida, constatada com fartos dados por Nascimento Silva (2009), seja o efeito dessa harmonia gradiente. Não se afirma que as três variantes devam estar presentes na fala de cada individuo, mas conjectura-se que a vogal média fechada, fartamente documentada neste contexto, por certo perceptível ao falante- ouvinte, seja no conjunto de dados a presença veiculadora da consecução plena da harmonização vocálica, quando se trata da média aberta diante de vogal alta, alvo e gatilho separados por mais de um grau de abertura. De outra forma, tornar-se-ia difícil explicar a presença de /e/ neste contexto em variedades cuja vogal default é a média aberta. Assim, encerra-se este pequeno texto que discutiu duas faces da harmonização vocálica, privativa e gradiente, e fez a distinção entre assimilação que preenche vazios em estruturas e assimilação que muda traços, ou seja, sons. Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2022 23 Harmonização gradiente 4. Conclusão A harmonização com a vogal alta que, como os demais processos asssimilatórios discutidos neste texto, tem o feito de tornar semelhantes os segmentos de seu domínio, minimizando o esforço articulatório ao reforçar o traço expandido, tem peculiaridades específicas. Opera como harmonia privativa em variedades em que a neutralização anula a vogal média aberta na pauta átona, privilegiando a média fechada, e como harmonia gradiente em variedades em que ambas as médias estão presentes na pretônica. A presença da média baixa na pretônica abre espaço para a harmonia gradiente cujos efeitos podem ser de duas ordens: a) cessar no primeiro passo, aumentando o número de vogais médias fechadas e b) chegar aos efeitos finais, harmonizando as vogais em favor da vogal alta. Por fim, vale observar que, independentemente dos mecanismos que venham a explicar a presença de ambas as médias na pretônica, em se tratando da harmonia com a vogal alta, que deve contar com vogais plenamente especificadas, o caminho fica aberto para a harmonia gradiente. Referências BARBOSA DA SILVA, Myrian. As pretônicas no falar baiano. Tese (Doutorado) – UFRJ, Rio de Janeiro, 1989. BACOVIC, “E. Local assimilation and constraint interaction”. In: LACY, Paul de. The Cambridge handbook of phonology. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 335-352. CLEMENTS, G; HUME, E. “The internal organization of speech sounds”. In: GOLDSMITH, John (org.). The handbook of phonological theory. London: Blackwell, 1995, pp. 245-306. NASCIMENTO SILVA, A. As pretônicas no falar teresinense. Tese (Doutorado) – PUCRS, Porto Alegre, 2009. KIPARSKY, P. “Bloking in non derived environments”. In: HARGUS, S; KAISSE, E. (orgs.). Phonetics and Phonology, vol. 4. Nova Iorque: Academic Press, 1993, pp. 277-210. RAZKY, A; SANTOS, E.G. dos. “O perfil geolinguístico da vogal /e/ no Estado do Pará”. In: RIBEIRO, S. et ali. (org.). Dos sons às palavras. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 17-40. TRUBETZKOY, N. S. Principes de Phonologie. Paris: Editions Klincksiek, 1967. Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2023 24 Pesquisador Convidado Resumo Este estudo diz respeito à harmonização gradiente com a vogal alta e à assimilação que produz vogais médias na pauta pretônica, em variedades do Norte/Nordeste, tomando como ponto inicial o sistema da pretônica no Sul/Sudeste. Palavras chave: harmonização, assimilação, sistema vocálico. Abstract This study concerns the gradient harmonization with the high vowel and the assimilation which produces mid vowels in the pretonic position, in varieties in the North/Northeast, taking as a starting point the pretonic system in the South/Southeast. Keywords: harmonization, assimilation, vocalic system. Diadorim8-cad0-PesqConvid.pmd 06/12/2011, 22:2024 Diadorim8-cap1.pmd 11/12/2011, 22:4325 Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2026 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista Elisa Figueira de Souza Corrêa1 figura de Hermann Paul, embora não tenha sido esquecida, é muitas vezes diminuída ou vista como a de “mais um neogramático” atualmente. Visando reparar essa visão, este artigo procura analisar a postura teórica eA alguns conceitos inovadores propostos por Paul, os quais foram cruciais para o desenvolvimento da Linguística no século XX. Em especial, comparam-se as posturas dele com as de gerativistas e sociolinguistas variacionistas no tocante à aquisição de L1, velocidade e propagação de mudança, analogia e mutação fonética e semântica, e previsibilidade das mudanças. 1. Os neogramáticos No século XIX, os estudiosos da linguagem se concentravam principalmente nas investigações comparativas entre as gramáticas de diversas línguas, em especial das pertencentes ao tronco indo-europeu. Todos sonhavam em reconstituir a “língua original”, da qual teriam vindo todas as outras. Pelo fim desse século, contudo, um grupo de pesquisadores surge com uma proposta um pouco diferente: focar-se não nas línguas do passado, mas nas do presente, não na escrita, mas na língua falada. Esses pesquisadores, em sua maioria alemães, ficaram conhecidos como neogramáticos. Engrossavam suas fileiras figuras como Brugman, Osthoff e Hermann Paul, cujas obras são referência ainda hoje. 1 Doutoranda PUC-Rio Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2027 28 Artigos Inéditos Osthoff e Brugman (apud Lagares, 2008), precursores do movimento, afirmavam que anteriormente, a reconstrução da língua ancestral indo-europeia foi sempre a finalidade principal e o foco de toda a linguística comparativa. A consequência foi que todas as pesquisas estavam direcionadas constantemente a esta língua original [...]. Os desenvolvimentos linguísticos mais recentes eram considerados como estágios de decadência, de declínio, e com certo desdém eram, na medida do possível, desconsiderados. Apesar de não desprezarem o trabalho de seus antecessores, os neogramáticos acreditavam que muito mais interessante que a reconstrução de uma suposta protolíngua seria a observação dos fenômenos que levaram à sua transformação, i.e., as infindáveis e consecutivas mudanças sofridaspelas línguas ao longo do tempo – e, ao invés de se trabalhar apenas com formas hipotéticas (por mais confiáveis que fossem), tanto melhor seria observar esses fenômenos in vivo nas línguas e dialetos à mão. Dessa forma, e aproveitando-se de tudo quanto já fora descoberto, os neogramáticos concentram seus trabalhos na sincronia (caminho que também seria seguido por Saussure, no século XX) e na mudança linguística. É claro que, em parte, essa escolha pela mudança estava também relacionada com a visão que se tinha de “fazer ciência” na época, uma vez que, apesar de os comparatistas já serem fortemente influenciados pela Biologia, a universalidade da aplicação das leis físicas só então foi proposta para as línguas. Em outras palavras, os neogramáticos postularam que as leis fonéticas, conhecidas já desde Grimm, eram absolutas e que quaisquer aparentes exceções eram, na verdade, casos que seriam, algum dia, explicados e re-encaixados em alguma lei – ou, em último caso, explicados através de uma mudança por analogia. 2. As ideias de Hermann Paul Dentre esses pesquisadores, Hermann Paul foi um dos que mais influenciou o pensamento linguístico pelos anos a fora. Seu trabalho procurava explicar como se dava, exatamente, a mudança no indivíduo, em especial, mas também na sociedade em geral, pelo que foi de grande importância para a identificação das regularidades da mudança linguística. Paul chama atenção inclusive para os fatores psíquicos dos falantes que influenciariam na língua, pois essa não era realmente um organismo vivo, Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2028 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 29 acima dos indivíduos, mas sim um organismo psíquico, produto conjunto das alterações individuais e das forças centrípetas sociais. Na verdade, essa crença já estava presente no “manifesto”, de 1878, de Osthoff e Brugman (1967, p. 204), no qual se lê: “language is not a thing which leads a life of its own outside and above human beings, [...] it has its true existence only in the individual”; mas Paul irá se aplicar mais que seus pares para descrever esses fatos, inclusive seu caráter psíquico. Para melhor compreender como se dá o fenômeno da mudança fonética, ou, como chama, alteração fonética, Paul se propõe a analisar as partes que compõem o ato da fala, dividindo-o em três momentos: (a) os movimentos dos órgãos fonadores, (b) o sentido mecânico e (c) as sensações sonoras, com sua contraparte, as imagens da memória (Paul, 1983, p. 59). De suma importância para a compreensão das alterações fonéticas são as imagens que cada som enunciado deixa na memória do próprio falante e, obviamente, também do ouvinte, pois é a partir delas (e aqui Paul chama atenção para o fator psíquico das sensações provocadas pelo estímulo no ouvinte/falante) que o indivíduo tentará reproduzir novamente aquele som. Para essa reprodução, entretanto, não pode contar com mais do que o que sentiu ao produzir ou ouvir dado som, e é aí que nascem as pequenas discrepâncias que poderão, um dia, provocar uma alteração fonética na língua. Sobre a novidade do conceito de imagem da memória e seu valor psicológico, Lagares (2008) comenta: a introdução da noção de imagem da memória, como correspondente nunca totalmente exato da sensação sonora, também faz referência ao processo psíquico de percepção e compreensão sonora e permite explicar a mudança como produto de uma soma de pequenas modificações, acontecidas nesse espaço intermediário entre o físico e o psicológico, onde as equivalências nunca são exatas, que podem acabar produzindo diferenças notáveis. (Grifos do autor). Para Paul, parte do problema da mudança reside no fato de as palavras serem uma série sonora indivisível e de sua produção ser feita de forma inconsciente pelos falantes. Isto é, sendo sua produção e percepção um ato mecânico para os indivíduos, uma pequena alteração dificilmente seria levada em consideração – especialmente quando o indivíduo já possui uma imagem sonora prévia daquela palavra. Nesses casos, a nova sensação sonora se juntará à imagem anterior, formando uma espécie de “média” ou, mais ainda, se sobreporá às anteriores (Paul, 1983, p. 62-64). Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2029 30 Artigos Inéditos Essa constatação não significaria, contudo, que os falantes não possuiriam um controle sobre sua fala. Pelo contrário, esse controle não apenas existe como funciona rechaçando produções que se afastem demais do padrão, isto é, da imagem da memória; mas, como “a possibilidade de graduação nos movimentos dos órgãos fonadores e naturalmente nos sons por eles produzidos é de facto ilimitada” (Paul, 1983, p. 63), se tornam compreensíveis a existência dessas alterações e a tolerância dos indivíduos. Na verdade, sentimos como “essencialmente idênticos” grupos de sons de fato diferentes – sendo esta uma das dificuldades para os que aprendem novas línguas e uma das vantagens ao nos comunicarmos com falantes de dialetos próximos. Esta variabilidade da pronúncia, que não se nota por causa dos estreitos limites em que se move, contém a chave para a compreensão do facto, de resto incompreensível, de que se realiza gradualmente uma modificação do uso no que respeita ao aspecto fonético da língua, sem que aqueles em quem se realiza esta modificação façam dela a mínima ideia. (Paul, 1983, p. 64, grifos do autor). Com essas postulações, Hermann Paul abria, então, caminho para as propostas gerativistas de tantos anos depois, uma vez que também Chomsky, Lightfoot e outros, incorporando a mudança como parte dos estudos linguísticos, pensam que a única forma de compreendê-la e estudá- la seria do ponto de vista do indivíduo. 3. O legado de Paul na linguística gerativa A posição dos gerativistas se explica por estes defenderem que não apenas a língua não poderia ser cientificamente abordada se encarada enquanto entidade social, coletiva – pois, a partir desse ponto de vista, ela não é homogênea –, como também porque seria mais proveitoso estudar diretamente o “sistema de conhecimento” que sustenta a capacidade humana da linguagem. Como se sabe, segundo os postulados chomskianos, a linguagem é específica aos seres humanos e, sendo assim, todo indivíduo já nasce com um conjunto de princípios linguísticos definidos e parâmetros a definir. Dessa forma, pesquisar quais são esses valores inatos e como funcionam é descobrir como podemos aprender a falar. E, dentro disso, pesquisar como a mudança linguística invariavelmente acontece é perceber ou alguma outra característica intrínseca ao mecanismo mental Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2030 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 31 humano, ou o modo como essa mudança ocorre não no conjunto da sociedade, mas internamente a cada um. De fato, é patente que existem realmente diferenças no uso feito por cada falante de uma mesma língua – donde se criou o conceito de idioleto. Mas, se, para Paul, esse fato era um indicativo de dialetos diversos e da dificuldade de re-produção idêntica da imagem/sensação ou até indício de uma mudança em andamento, para os gerativistas, isso será prova da inexistência de uma “língua externa” propriamente dita, isto é, o que existe na verdade são diversas línguas individuais (línguas internas) formando áreas de interseção umas com as outras, as quais constituiriam os pontos de comunicação possível num conjunto altamente heterogêneo. Aqui se torna interessante fazer uma observação, porque, embora reconhecesse as diferenças na fala entre indivíduos, Hermann Paul também (como todos os neogramáticos) defendia a infalibilidade das leis fonéticas. Ora, conforme Lagares (2008): na realidade, a regularidade absoluta da mudança só pode ser pensada concebendo as línguas e dialetos como entidades homogêneas, desconsiderando, portanto, a heterogeneidade das línguas em sociedade, eliminando a variação, pois a introdução de variáveis sociais na análise põe em relevo as descontinuidadese a irregularidade na difusão da mudança. Apregoar “heterogeneidade no uso, mas homogeneidade no conjunto” poderia ser visto como uma contradição no pensamento do linguista alemão, porém esse é, talvez, um indício do fato, como percebido também por Chomsky2, de que as idealizações são indispensáveis para o trabalho investigativo, de modo que Paul precisava tratar como homogêneas as línguas, ainda que as soubesse diferentes em verdade: É claro que se subentende que comunidades linguísticas, no sentido de Bloomfield – isto é, como conjuntos de indivíduos com o mesmo comportamento linguístico –, não existem no mundo real. [Mas] também nós fazemos tal abstracção, tendo apenas em consideração o caso de uma pessoa confrontada com experiência uniforme numa comunidade linguística bloomfieldiana idealizada em que não há diversidade dialectal 2 Mais adiante, contudo, veremos opiniões diferentes para essa questão. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2031 32 Artigos Inéditos nem variação entre os falantes. [...] A legitimidade destas idealizações tem sido por vezes questionadas, mas com bases duvidosas. Na verdade, elas parecem ser indispensáveis. (Chomsky, 1994, p. 36-37). 3.1 A aquisição de língua materna e as teorias de mudança: enfoques diferenciados Para, então, se focarem nesse estudo individual da mudança nas línguas, tanto Hermann Paul quanto os gerativistas concentram sua atenção no momento da aquisição. A interpretação dada a este momento, contudo, diferirá um pouco. Paul vê na primeira infância a mais clara evidência de sua hipótese sobre a sensação sonora e a imagem da memória de cada palavra, já que aquele momento é para cada um de nós uma fase de experimentação, na qual gradualmente aprendemos, através de variados esforços, a reproduzir o que se diz à nossa volta. E quando esta fase atinge a máxima perfeição possível, então inicia-se um período de relativa paralização (sic). [...] Começa a existir uma grande regularidade na pronúncia, caso não surjam perturbações causadas por forte influência dum dialecto estranho ou duma língua escrita (Paul, 1983, p. 63). 3 Mas o que para este autor é uma “relativa paralisação”, para Lightfoot e outros gerativistas será uma parada total. Segundo esses teóricos a gramática internalizada na primeira infância será a única e verdadeira língua-interna do indivíduo, não admitindo alterações posteriores. De fato, para os gerativistas o momento da aquisição da linguagem é o momento de ocorrerem as mudanças em uma “língua social” (isto é, de uma língua não individual, mas observada ao longe, de um modo genérico), pois, uma vez internalizada uma gramática, ela permanecerá a mesma para sempre. As alterações observáveis no discurso de uma mesma pessoa ao longo de sua vida são, então, atribuídas pelos gerativistas às mudanças de 3 Ainda que este não seja o foco do trabalho, vale notar que, por esse trecho, se vê a crença de Paul num processo de aprendizado por repetição (aparentemente bem à moda comportamentalista) por parte das crianças. Os gerativistas estão entre os maiores contestadores dessa teoria, justificando a rapidez e eficiência da aquisição de língua materna pelo mecanismo dos princípios e parâmetros preexistente na mente humana. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2032 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 33 estilo, variedades diafásicas, que um indivíduo incorpora no seu repertório para melhor se adequar ao ambiente. À medida que cresce ouvindo esses diferentes usos – e não só os usos da gramática internalizada de seus familiares – uma criança virá a incorporar, diferentemente dos adultos à sua volta, essas opções de estilo como sua própria língua-interna. E quanto mais crianças sofrerem esse mesmo processo (i.e. internalização do que antes era estilo), mais caminhará aquela língua como um todo na direção de uma mudança paramétrica. Naturalmente, além de simples inovações estilísticas, as crianças também estão expostas a outras construções inovadoras, geradas por motivos adversos, como migrações populacionais. 3.2 Velocidade e propagação da mudança A partir disso percebe-se que Paul e Lightfoot têm diferentes posições quanto a um ponto importante no tocante à natureza da mudança, a saber, se esta ocorre lenta ou rapidamente. Como já visto, o neogramático admitia não apenas a possibilidade de alguém modificar sua fala ao longo de sua vida, mas até a probabilidade disso ocorrer dada a inconsciência do ato da fala. Mais ainda, Hermann Paul ressalta conjuntamente, como fatores de mudança, tanto a facilidade de pronúncia dos sons pelos órgãos fonadores (também chamada Lei do Menor Esforço, extremamente criticada por diversas correntes linguísticas mais tarde), quanto a conformidade das tendências simplificadoras com o “sistema fonético” a que pertenciam, i.e., “a direcção em que o som é desviado tem de ser também condicionada pela direcção dos outros sons” (Paul, 1983, p. 66) – fatores esses que coloca como secundários à explicação relacionada ao sentido mecânico mas que, de qualquer forma, também agem num largo espaço de tempo sobre dada comunidade. Adiciona a esses dois, ainda, fatores de natureza psicológica, admitindo, contudo, que esses ainda carecem de pesquisa sistemática séria (Paul, 1983, p. 68). Naturalmente nem toda discrepância na reprodução resultará em mudança. Além desses fatores propiciadores de mudança, haveria concomitantemente a ação da imagem fonética, elemento que se forma ao longo da experiência de vida ouvinte do indivíduo e que servirá de freio, corrigindo discrepâncias extremas na fala. Eventualmente, além desses fatores inconscientes, também a própria comunidade linguística pode vir a interferir e rejeitar alterações por motivos vários – assunto este do qual trataremos mais adiante. Dado tudo isso, fica claro que, para Paul, a alteração implementava- se paulatina e gradualmente nas línguas, pois, mesmo que ele identificasse na transmissão da língua para as crianças “a causa principal da mutação Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2033 34 Artigos Inéditos fonética” (Paul, 1983, p. 70), não havia ali uma modificação radical, e sim um sentido de continuidade com a fala da geração anterior, sendo quaisquer diferenças fonéticas sempre mínimas. Ou, em suas palavras: “uma modificação no sentido mecânico [...] nasce gradualmente, duma soma de modificações tão pequenas que dificilmente as podemos imaginar uma diferença notável” (Paul, 1983, p. 65) e, sendo a mutação no sentido mecânico o principal agente de mudança, também esta será gradual. O mesmo não se dá na perspectiva de Lightfoot. Como a gramática internalizada de um falante não suporta mudanças, essa só poderá ocorrer “catastroficamente”, i.e., de modo abrupto no momento da aquisição. O fato de uma pessoa, com o tempo, incrementar seu discurso com inovações não é visto normalmente como alteração naquela estrutura adquirida, mas como aprendizagem de outras gramáticas, opcionais e paralelas à sua. Um dos principais argumentos em defesa dessa hipótese é o fato de que, se uma simples divergência de parâmetro entre duas línguas pode provocar diferenças radicais (e.g. os padrões SVO ou SOV de sentenças), também as mudanças devem poder ser radicais. Além disso, a gradação percebida no tempo não seria uma característica da mudança, mas sim de sua difusão. A mudança em si não teria propriedades temporais, logo seria catastrófica: “the natural way for linguists to think of this is that different childhood experiences, different sets of primary linguistic data (PLD), sometimes cross thresholds, which entails that the system shifts, and that a new grammatical property results” (Lightfoot, 1999, p. 91, grifos nossos). A justificativa de Lightfoot para a ilusão de mudança, isto é, a existência de várias gramáticas internalizadas em um mesmo indivíduo, dá conta de algumas contestações teóricas feitas aos gerativistas. Basicamente, em situações de “variedade paramétrica”, como as percebidas nos registros de inglêsarcaico, a hipótese de mudança gradual entraria em choque com a proposição de que, por exemplo, a ordem do discurso SVO ou SOV é uma escolha paramétrica4 nas línguas (já que, em inglês arcaico, ambas essas ordens são encontradas). Sendo assim, pela suposição de gramáticas concorrentes, Lightfoot não apenas garante a continuidade desse parâmetro (cada uma das gramáticas internalizadas atendia a um parâmetro diferente), como também reafirma sua teoria de difusão da mudança, a saber: quando há gramáticas concorrentes, há instabilidade; e, onde há instabilidade, há uma mudança em andamento. Em outras palavras, trata-se de um momento 4 Se parâmetros são termos binários para as línguas, não deveria ser possível dizer às vezes sim e às vezes não para um mesmo dado valor. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2034 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 35 de transição entre a predominância de certos valores paramétricos para outros5. Graças a essa hipótese também se torna possível entender por que existe uma continuidade comunicativa entre pessoas com gramáticas internalizadas parametricamente diferentes: cada uma possui secundariamente a gramática da outra. A defesa da mudança catastrófica é, de fato, uma exclusividade gerativista. O próprio Lightfoot explica que isso ocorre por uma questão de ponto de vista: enquanto ele e outros gerativistas olham para a língua interna, a maioria dos outros teóricos, defendendo uma visão coletivista de língua, olha para o todo e, por isso, vê como mudança o que para eles é apenas a sua difusão. Realmente, sociolinguistas variacionistas são categóricos ao afirmar que a mudança linguística envolve sucessivas gerações de uma comunidade e “não é uniforme nem instantânea; ela envolve a co-variação de mudanças associadas durante substanciais períodos de tempo, e está refletida na difusão de isoglossas por áreas do espaço geográfico” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 126, grifos nossos). Outro ponto de interesse e marcante discordância entre gerativistas e neogramáticos é a maneira como a mudança se propagará. Apesar de Hermann Paul já começar a esboçar uma certa noção de língua como sistema (adiantando uma das grandes contribuições de Saussure no século XX) quando defende que ela possui um “sistema fonético harmonioso” e que há um direcionamento nas alterações fonéticas, teóricos percebem em Paul uma aceitação do acaso como um fator de mudança, já que esta se firmaria conforme a estabilidade dos usos individuais (Castilho, 2006, p. 227). Isto é, cada indivíduo tem sua tendência oscilatória própria refreada apenas pelo convívio social, e cada tendência da sociedade é reforçada e estabilizada pela sua frequência de uso. Os gerativistas, por sua vez, defendem não só um direcionamento na mudança linguística como até mesmo que a predição da mudança, dentro de certos limites, é possível. Em conferência no Brasil, Lightfoot (1993) explica que, através do estudo conjunto dos princípios e parâmetros das línguas humanas, do estudo do processo de aquisição da linguagem e do estudo da gramática internalizada dos indivíduos será possível compreender que as mudanças costumam ocorrer em grupos, motivadas por uma mudança paramétrica (como supramencionado) e que esta ocorre quando, na época da aquisição, há uma alteração na qualidade dos dados linguísticos primários disponíveis. 5 Lightfoot (1999, p. 95) também coloca que uma mudança paramétrica sempre acarreta alterações em todos os fenômenos ligados a ela, na superfície da língua. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2035 36 Artigos Inéditos Qualquer mudança num dado fenômeno é explicada se se mostrar primeiro que o ambiente linguístico mudou de tal forma que uma escolha teórica foi feita de modo diferente. [...] O que não podemos explicar é por que o ambiente linguístico deveria ter mudado inicialmente. As mudanças ambientais são frequentemente motivadas pelo que tenho chamado de fatores do “acaso”, efeitos de empréstimos, mudanças na frequência de formas, inovações estilísticas, que se espalham pela comunidade. (Lightfoot, 1993, p. 290) De qualquer forma, o autor supõe que, com avanços suficientes nas áreas supramencionadas, seria possível, a partir da percepção na alteração de um parâmetro, deduzir quais mudanças ocorreriam numa certa língua. Ou seja, para ele, há uma interação entre acaso (mudança inicial do ambiente) e necessidade/direcionamento linguístico (“reação” em forma de mudança). O próprio Lightfoot (1999, p. 105-106) chega a identificar seis características perceptíveis nas mudanças paramétricas, mas, ao que tudo indica, a previsibilidade pretendida ainda não pôde ser alcançada. 3.3 Mutação fonética, mutação semântica e analogia Sobre as mutações fonéticas, Hermann Paul ressalta ainda que nem todas teriam a ver com uma transformação do sentido mecânico, mas que com esta compartilham a característica de não estarem relacionadas à função da palavra, isto é, são estritamente mudanças sonoras, como, por exemplo, é o caso de metáteses, assimilações, dissimilações. Inversamente, há, então, toda uma classe de mudanças ligadas justamente à função exercida por cada palavra. Aí se encontram a mutação semântica e a analogia. A principal diferença da mutação semântica para a mutação fonética é que, enquanto nesta última há a substituição de um som por outro, na semântica o processo de substituição de uma palavra por outra, se total, é muito lento e, muitas vezes, pára pelo meio, gerando formas paralelas na língua. De fato, embora o surgimento da mutação semântica seja como o da fonética, i.e., por um desvio no emprego, Paul acredita que todas as palavras têm uma significação usual (mais geral) e outra ocasional (mais específica, compreensível apenas com a ajuda de outros fatores, alguns extralinguísticos, e.g. presença do objeto na cena, conhecimentos prévios etc.). “Em todos os desvios da significação ocasional em relação à usual há um começo de mutação semântica”, diz Paul (1983, p. 92-3), mas, como Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2036 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 37 a linha que separa esses dois usos é tênue6, é possível encontrar diversos graus desse processo simultaneamente. No processo de mutação semântica, contudo, e talvez mais até que no de alteração fonética, a necessidade de uma corroboração social é premente. Como diz o autor, “faz parte da natureza deste processo que ele nasça dum emprego repetido e regular da significação originariamente só ocasional” (Paul, 1983, p. 92). O mesmo ocorre no caso das analogias: enquanto as formas inéditas serão aceitas com mais facilidade (preenchendo uma carência da língua), uma forma sinônima criada por analogia deverá contar – a fim de que substitua uma outra existente – com o apoio de vários indivíduos de um mesmo círculo, adotando o que, doutra forma, seria senão um erro/engano de construção (Paul, 1983, p. 125). 4. Hermann Paul e a sociolinguística variacionista Essa crença na importância da interação social como parte fundamental nos processos de mudança linguística é o principal ponto em comum entre o pensamento de Hermann Paul e o dos sociolinguistas variacionistas. Mesmo que Paul concentre sua análise linguística no indivíduo e seu idioleto homogêneo, o neogramático não dissociava nunca do processo de mutação o caráter social da linguagem. O mesmo farão os sociolinguistas, no estudo da mudança. Para eles, apenas o enfoque coletivo de uma língua faz sentido, pois, sendo a língua um objeto social cujas mutações são instigadas por causas sociais, nenhuma outra abordagem é razoável, i.e., fatores sociais e linguísticos estão intimamente interrelacionados e devem ser estudados e explicados em conjunto. Weinreich et alli (2006, p. 114) destacam uma fala de Meillet em que este admitia ser a língua uma instituição social e “disso decorre que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode apelara fim de explicar a mudança linguística é a mudança social, da qual as variações linguísticas são somente as consequências”. Mais que isso, a heterogeneidade passa a ser um fator sine qua non para a ocorrência de mudanças, já que somente num ambiente em que há diferentes opções de uso é possível haver variação de um ponto a outro. A isso chamarão de sistema ordenadamente heterogêneo, um sistema no qual a escolha entre alternativas linguísticas acarreta diferentes funções sociais e estilísticas, de forma que esse sistema muda à medida que 6 “Entre esses dois pontos é possível uma gradação variadíssima” (Paul, 1983, p. 92). Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2037 38 Artigos Inéditos acompanha as mudanças na estrutura social (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 99). Esses autores ressaltam, por isso, o erro de tantos outros linguistas na adoção de modelos simplistas de análise, em que se considera apenas um idioleto individual homogêneo para se estudar a mudança, desconsiderando a interação social, a qual faz com que qualquer inovação seja adotada ou rejeitada, ou com que seja considerada de mais ou menos prestígio por uma comunidade, ou, ainda, seja apenas incorporada ao vasto leque de alternativas estilísticas de cada indivíduo. Ao contrário, os sociolinguistas variacionistas afirmam que para uma investigação frutífera o primeiro passo é abandonar a idealização de língua homogênea e, juntamente com esta, a de idioleto, no sentido redutor que vinha sendo empregado: A estrutura linguística em que os traços mutantes se localizam tem de ser ampliada para além do idioleto. O modelo de língua proposto aqui tem (1) estratos discretos, coexistentes [...] funcionalmente diferenciados e conjuntamente disponíveis para uma comunidade de fala; e (2) variáveis intrínsecas, definidas por co-variação com elementos linguísticos e extralinguísticos. (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 123, grifos nossos). A partir da valorização da comunidade circundante no processo de mudança, outro ponto de concórdia surge entre os sociolinguistas e Paul, a saber, a preferência pelo estudo das línguas atuais às do passado. Mas, ainda que os neogramáticos já tivessem notado a equivalência e melhor observação dos fenômenos in vivo, esse fato será ainda mais óbvio para os variacionistas, pois, uma vez desligados da obrigação de encontrarem, de fato, uma comunidade linguisticamente homogênea e pura de influências externas, e, sobretudo, admitindo a importância da interação social, o trabalho de campo ganhou um sentido ainda maior para esses pesquisadores. Imbuídos deste espírito, Labov, Weinreich e Herzog retomam as investigações neogramáticas, abandonadas com pessimismo por outros (como Bloomfield e Hockett)7, e realizam amplas pesquisas de campo, as quais permitem comprovar a regularidade das mudanças linguísticas. Através de sua longa investigação em comunidades estadunidenses, 7 Cf. LABOV, 1983, p. 213-4. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2038 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 39 Labov (1983) até mesmo cria um modelo com a proposta de responder algumas das questões clássicas sobre as mudanças, a saber, quais os mecanismos das mudanças, suas causas e funções adaptativas. A solução que encontra demonstra, principalmente, como a atribuição de juízos de valor – dando mais prestígio, ou estigmatizando, ou criando identificação com uma classe etc. – às realizações linguísticas de uma determinada comunidade são determinantes para a consolidação e difusão (ou eliminação) das mutações. Um dos mecanismos de mudança mais interessantes apontados por Labov é, provavelmente, o que seria identificado como mais caótico, verdadeiro entrave para as hipóteses de trabalho homogeneizadoras8: a entrada de subgrupos novos numa comunidade. Esses subgrupos, adotando as formas alteradas como formas velhas, inovam ainda mais sobre elas. A isto Labov chamou reciclagem, um dos motivos pelo qual a mudança linguística é contínua e irrefreável. Nem por isso, contudo, Labov e seus colegas veem a mudança como caótica ou aleatória. Pelo contrário, por suas pesquisas, acreditam que ela só ocorre quando “a generalização de uma alternância particular num dado subgrupo da comunidade de fala toma uma direção e assume o caráter de uma diferenciação ordenada” (Weinreich; Labov; Herzog, 2006, p. 125, grifos nossos). Daí que acreditem também em uma certa capacidade de previsão, por parte da Linguística, do rumo que as mudanças de uma comunidade podem tomar. Por último, vale dizer que Paul irá reafirmar o papel da aquisição infantil de linguagem na transmissão das mutações semânticas e das analogias (das quais, aliás, as crianças serão férteis produtoras) – fato no qual, já vimos, tem o apoio dos gerativistas. Nesse tocante, contudo, é interessante notar que Weinreich et alli (2006, p. 122) refutaram qualquer preferência na preservação dos dialetos paternos pelos filhos, apontando que estes adquirem, na verdade, as características do “grupo de pares que dominam seus anos pré-adolescentes”. 5. Considerações finais Enfim, ainda que hoje os postulados dos neogramáticos e de Hermann Paul estejam em boa parte ultrapassados, eles foram, sem dúvida, essenciais enquanto base para os teóricos do século XX e, em certa 8 Vide a pergunta inicial de Weireinch, Labov e Herzog em sua obra conjunta: “se uma língua tem de ser estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como ela funciona enquanto a estrutura muda?” (2006, p. 87, grifos nossos). Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2039 40 Artigos Inéditos medida, vêm servindo como norte ainda no século XXI. O deslocamento do foco investigativo do passado para o presente e a crença na regularidade das mudanças abriram as portas para a estruturação da Linguística como uma Ciência9 (com os ares naturalistas da época, inclusive), tornando-a menos especulativa e teórica, e mais prática e voltada para o presente (e, quiçá, para o futuro também). Graças ao rigor da descrição pormenorizada dos mecanismos de alteração fonética, semântica e morfossintática que Paul fez em sua obra, pôde-se começar a pensar mais organizada e metodicamente nas estruturas linguísticas e em como a mudança age sobre cada uma delas – levando- se em consideração, inclusive, fatores externos à língua, mas próprios aos falantes (psicológicos), agora vistos como parte essencial da equação. Essa linha de pensamento abriu passagem para correntes importantes da atualidade, dentre as quais gerativistas e variacionistas, ainda que adotassem perspectivas diferentes entre si. Mesmo que não se tenha chegado até agora a um consenso sobre o que é língua e qual seria a melhor abordagem para compreender seu mecanismo de aquisição e mudança ou, nem mesmo, se tal mecanismo é abrupto ou gradual; o fato é que a comunicação humana flui no tempo e as vozes do século XIX ecoam ainda hoje entre nós. Referências CASTILHO, Ataliba T. de. “Proposta funcionalista de mudança linguística: os processos de lexicalização...” In: LOBO, T. et al. (org.). Para a história do português brasileiro. Salvador: Edufba, 2006, v. 1, pp. 223-269. CHOMSKY, Noam. “Conceitos de língua”. In: ______. O conhecimento da língua: sua natureza, origem e uso. Porto: Caminho, 1994. cap. 2. LABOV. “El mecanismo del cambio linguístico”. In: ______. Modelos sociolinguísticos. Madrid: Cátedra, 1983. cap. 7. LAGARES, Xoán Carlos. “O século XIX e a perspectiva histórica”. Inédito, rascunho de um capítulo do Manual de historiografia linguística, 2008. LIGHTFOOT, David. “Uma ciência da história?” DELTA, São Paulo, v. 9, n. 2, pp. 275-294, 1993. LIGHTFOOT, David. “Gradualism and catastrophes”. In: ______. The 9 Como admite Tarallo (1990, p. 51), “a busca de regularidades nos resultados parece ter garantido, tradicionalmente, o valor ‘científico’ dos modelos adotados”. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2040 A ideia de mudança em Hermann Paul e seu legado no gerativismo e na sociolinguística variacionista 41 development of languageacquisition, change and evolution. Malden (MA), Oxford: Blackwell, 1999. cap. 4. OSTHOFF, Hermann; BRUGMANN, Karl. Preface to “Morphological investigations in the sphere of the indo-european languages I”. In: LEHMANN, Winfre (org.). A reader in nineteenth-century historical indo- european linguistics. Bloomington, London: Indiana University Press, 1967, cap. 14, pp. 197-209. PAUL, Hermann. Princípios fundamentais da história da língua. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983, pp. 59-130. TARALLO, Fernando. “Regularizando formas”. In: ______. Itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1990, cap. 3. WEINREICH, Uriel; LABOV, William; HERZOG, Marvin I. “A língua como um sistema diferenciado”. In: ______. Fundamentos empíricos para uma teoria da mudança linguística. São Paulo: Parábola, 2006, cap. 3. Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2041 42 Artigos Inéditos Resumo Este artigo procura recuperar a importância do trabalho de Hermann Paul para as correntes linguísticas do século XX e XXI, mais especificamente para gerativistas e variacionistas. Parte-se de uma contextualização de Paul entre os neogramáticos e, então, esclarecem-se alguns dos conceitos inovadores de Paul, a saber: organismo psíquico, sua divisão dos momentos da alteração fonética e o conceito de imagem da memória. Analisam-se a concepção de língua e o enfoque dado à mudança e variação linguística pelo neogramático e por linguistas modernos e demonstra-se como diversas ideias e soluções de Paul foram importantes para a História dos estudos da linguagem. Os temas discutidos comparativamente nessas três correntes são: aquisição de L1, velocidade e propagação da mudança, mutação fonética e semântica e analogia, previsibilidade da mudança. Palavras-chave: Hermann Paul, neogramáticos, gerativismo, sociolinguística variacionista Abstract This paper tries to emphasize the importance of neogrammarian Hermann Paul’s work to the 20th and the 21st century Linguistics, namely to generativists and variationists. It begins looking at Paul’s work as a neogrammarian and, then, clarifying some of his innovative concepts: psychic organism, the division in three moments of phonetic alteration and the concept of image of memory. It analyzes the view of linguistic change and variation by Paul and modern linguists, and shows how several of his ideas were important to the History of linguistic thought. The themes comparatively reviewed here are: L1 acquisition, velocity and propagation of change, phonetic and semantic mutation, analogy, change previsibility. Key words: Hermann Paul, neogrammarians, generative linguistics, variationist sociolinguistics Diadorim8-cap1.pmd 06/12/2011, 22:2042 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais Raquel Meister Ko. Freitag1 Introdução A Sociolinguística Variacionista, impulsionada especialmente pelos projetos que desenvolveram bancos de dados, tem se mostrado um campo de1. estudos altamente produtivo no cenário nacional dos estudos linguísticos, contribuindo para uma ampla descrição do português brasileiro. O quanto esta descrição reflete de fato a realidade social do Brasil em termos linguísticos é uma questão que merece atenção, já que os bancos de dados sociolinguísticos nem sempre refletem a estratificação da sociedade. Assim é pertinente tecer reflexões sobre a forma de controle dos “fatores sociais clássicos” em fenômenos de variação e mudança, especialmente naqueles dos níveis gramaticais mais altos (cf. Freitag, 2009), em que nem sempre os efeitos do controle dos fatores sociais são estatisticamente significativos nos estudos. Para ilustrar as reflexões, toma-se o banco de dados VARSUL, a partir do qual se centra em discutir a questão da homogeneização dos resultados em função da homogeneização da amostra; alertar para a sobreposição de papéis sociais agrupados no rótulo “faixa etária” (cf. Eckert, 1997; Freitag, 2005); e discutir um problema encontrado no banco de dados VARSUL no que se refere à escolaridade: o comportamento anômalo da faixa “ginasial”, com dados de trabalhos que focam a amostra de Florianópolis e fenômenos semântico-discursivos. 1 Professora da Universidade Federal de Sergipe (rkofreitag@uol.com.br) Diadorim8-cap2.pmd 06/12/2011, 22:2043 44 Artigos Inéditos Não é objetivo discutir as influências do social (a noção de social de Durkheim, por exemplo), mas apenas as implicações deste “social” da metodologia da Sociolinguística Variacionista, e em que medida os resultados obtidos são relativizados. Para iniciar, são apresentados bancos de dados sociolinguísticos, com especial atenção ao VARSUL e aos aspectos sociais de sua constituição. 2. Banco de dados e homogeneização da amostra Para viabilizar os estudos sociolinguísticos em termos de prazos e otimização de recursos, ao invés de cada pesquisador realizar a sua própria coleta de dados para a sua investigação, tem se tornado prática a constituição de bancos de dados constituídos de acordo com uma metodologia de coleta muito específica (Labov, 1984). No Brasil, o método da entrevista sociolinguística é o mais difundido. O Programa de Estudos sobre o Uso da Língua – PEUL <http://www.letras.ufrj.br/peul/ index.html>, conhecido originalmente como Projeto Censo da Variação Línguística do Estado do Rio de Janeiro, foi pioneiro em adotar a metodologia da Sociolinguística Variacionista no Brasil, com o objetivo de estudar o português falado no Rio de Janeiro. Nos mesmos moldes, o banco de dados VARSUL <http://varsul.cce.ufsc.br> é resultado do projeto Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil, cujos objetivos são o armazenamento e a disponibilização de amostras de fala de habitantes característicos de áreas urbanas representativas de cada um dos três estados da região sul do Brasil. Nos bancos de dados elencados, a dimensão “sócio” da Sociolinguística é implementada por meio do controle de estratificações sociais que podem ser aferidas, como a faixa etária, a escolaridade, o sexo/gênero do informante. Porém, se os bancos de dados têm como objetivo subsidiar a descrição de uma dada variedade de língua, e esta descrição, por conta da orientação teórico-metodológica, contempla a dimensão social, será que a estratificação das amostras homogeneizadas, como nos bancos de dados do PEUL e do VARSUL, reflete a estrutura social do Brasil? A amostra sociolinguística deve ser representativa de um determinando grupo, denominado “comunidade de fala”; para Labov (2001, p. 38), uma amostra verdadeiramente representativa de uma comunidade de fala precisa tomar como base uma coleta aleatória em que cada um dos muitos falantes que a constituem tenha a mesma chance de ser selecionado. Nem sempre é possível controlar todos os fatores sociais, e, às vezes, o controle de um fator pode quebrar a ortogonalidade dos demais fatores, gerando células sociais impossíveis de serem Diadorim8-cap2.pmd 06/12/2011, 22:2044 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais 45 preenchidas, como, por exemplo, a relação entre escolarização e faixa etária, em que certos níveis de escolarização geram células vazias quando cotejados à faixa etária: salvo raras exceções, não existem crianças e adolescentes que têm curso superior (Freitag, 2005). Ou, ainda, no atual cenário brasileiro, é provável que se encontrem mais adultos analfabetos do que jovens, ou que se encontrem mais analfabetos na região rural do que na região urbana. Apesar destes “buracos” na amostra, as análises sociolinguísticas costumam homogeneizar o tamanho da amostra e a distribuição por célula. Idealmente, seriam necessários entre quatro e cinco informantes por célula social (Oliveira e Silva, 2004; Guy e Zilles, 2007), entretanto, alguns bancos de dados, como o VARSUL, foram constituídos em sua fase inicial com apenas dois indivíduos por célula. A possibilidade de homogeneização da amostra, equiparando-se o número de indivíduos das células sociais independentemente da sua representatividade no conjunto real, é uma decorrência da assunçãoda premissa de que a natureza do sistema linguístico é probabilística (Labov, 2001). Embora os bancos de dados tenham apresentado resultados empíricos efetivos para a descrição do português, não se pode negar que existem problemas na sua constituição. No caso do VARSUL, a amostra básica de cada cidade é formada por um conjunto de 24 entrevistas, correspondentes a 12 perfis sociais (sexo masculino e feminino, três níveis de escolarização e duas faixas etárias) de duas entrevistas (exceto Florianópolis, que dispõe de uma amostra de informantes da faixa etária 15 a 21 anos), totalizando 288 entrevistas (96 em cada Estado). A meta inicial do projeto era contar com um número mínimo de cinco informantes por célula social, mas por conta de questões financeiras, a amostra ficou restrita a apenas dois informantes por célula. Este recorte fomenta questões tais como: A amostra é representativa? A homogeneização da amostra é pertinente? Ou seja, será que os mesmos dois informantes são suficientes para representar uma cidade como Porto Alegre, com aproximadamente 3.900.000 habitantes, e Panambi, com cerca de 36.000 habitantes? A homogeneização dos perfis sociais não distorceria os resultados? E se, por algum descuido, um dos dois informantes não atenda aos critérios? Um informante equivocadamente alocado no banco pode alterar os resultados. A falta de proporcionalidade entre a amostra do banco de dados e a população efetiva da cidade torna o resultado da análise destoante da realidade. As entrevistas que constituem o banco de dados estão estratificadas em três níveis de escolarização. Novamente, cabem questionamentos, motivados por constatações empíricas: será que a homogeneização dos Diadorim8-cap2.pmd 06/12/2011, 22:2045 46 Artigos Inéditos três níveis de escolaridade reflete a realidade social de todas as cidades da amostra? Até que ponto a amostra do banco de dados VARSUL reflete a realidade socioeconômica da cidade considerada? Até que ponto os resultados de uma amostra homogeneizada podem ser generalizados para um grupo maior, heterogêneo? Calvet (2002) questiona se é válida a relação entre a heterogeneidade social e a homogeneização da amostra, o que pode vir a produzir efeitos de interação entre as variáveis sociais e linguísticas; Mollica e Roncarati (2001) também consideram esta questão ao tratar de uma agenda de trabalho para a área no Brasil. A homogeneização da amostra do VARSUL, especialmente no que se refere à estratificação por faixas de escolaridade, pode ser a responsável pelos resultados distorcidos e incongruentes, como tem acontecido em muitos dos trabalhos realizados com o banco de dados. Diante deste quadro, o que fazer com os resultados obtidos nas análises? Como interpretá-los? O que eles indicam? Em fenômenos variáveis nos níveis gramaticais mais altos, nem sempre os fatores sociais se mostram relevantes; e, quando se manifestam, faixa etária e tempo de escolarização costumam se mostrar mais frequentemente significativos. Nas seções a seguir, são discutidos os resultados associados aos fatores sociais faixa etária e escolarização em estudos nos domínios gramaticais mais altos, com base nos dados coletados na amostra do Banco de Dados VARSUL de Florianópolis. 3. Idade e mudança linguística A idade é uma das três supercategorias sociais nas sociedades industrializadas modernas, junto com a classe e o sexo, e seu atributo social é a correlação primária com a mudança linguística. Intuitivamente, percebemos a influência da idade nos processos de variação e mudança linguística: uso de uma expressão “fora de moda”, gírias desatualizadas, enfim, percebemos que o tempo passou e ainda guardamos traços daquela época em nosso repertório linguístico. Para operacionalizar essas intuições acerca da relação entre língua e faixa etária, Labov (1994) propõe uma metodologia que se resume à observação de dois estados de língua e a garantia de que haja continuidade entre eles. Em um dado momento, são coletados dados do fenômeno de uma amostra x. E, passado um período y, repete-se a coleta de dados, na mesma amostra x. A observação de um estado de uma língua é feita através de estudo quantitativo de uma amostra aleatória e representativa de todos os segmentos de uma comunidade de fala. Estudos desse tipo, chamados estudos em tempo real, se subdividem em estudo de tendência e estudo de painel. O estudo de tendência (trend study) é mais simples: requer uma Diadorim8-cap2.pmd 06/12/2011, 22:2046 O “social” da sociolinguística: o controle de fatores sociais 47 amostra aleatória da mesma comunidade de fala em um período y, posterior ao da primeira coleta. Já o estudo de painel (panel study) é mais complexo, pois requer o recontato com os mesmos indivíduos informantes da primeira coleta, com a aplicação do mesmo instrumento. É possível estabelecer algumas correlações entre estudos de tempo real e de tempo aparente no que se refere à estabilidade/instabilidade da mudança e a relação entre comunidade e indivíduo. Se o comportamento linguístico dos indivíduos é estável durante toda a sua vida e o comportamento linguístico da comunidade também, não há variação a analisar. Já se os indivíduos mudam seu comportamento linguístico durante o decorrer da sua vida e a comunidade não mostra a mesma mudança, o padrão é caracterizado como gradação etária. Mudança geracional e mudança comunitária não são transparentes, requerem um controle mais refinado para serem identificados. A outra estratégia para identificar, descrever e analisar um dado fenômeno de variação ou de mudança linguística em um período de tempo reduzido proposta por Labov (1994) é que a mudança pode ser observada em tempo aparente. Essa saída metodológica pressupõe que a idade cronológica dos indivíduos represente uma “passagem no tempo”, e se apoia na hipótese clássica de que a língua de um indivíduo se constitui até cerca de seus quinze anos de idade. A análise em tempo aparente considera a distribuição das ocorrências do fenômeno em estudo em função das faixas etárias para caracterizar uma situação de estabilidade, mudança incipiente, mudança em progresso ou mudança completa. Eckert (1997), porém, vê problemas em estudos que consideram só tempo aparente: a estratificação etária pode refletir mudança em uma comunidade de fala em relação ao tempo (mudança histórica) e também a mudança na fala de um indivíduo em relação ao tempo de sua vida (gradação etária). Segundo a autora, considerar o tempo refletido na idade cronológica dos indivíduos pode levar a equívocos entre mudança em tempo aparente de fato e gradação etária. Isso porque o comportamento linguístico de todos os indivíduos muda no decorrer de sua vida e mudanças linguísticas individuais não são exclusivamente decorrentes de mudanças linguísticas históricas, são mudanças decorrentes da história do indivíduo: nascemos, crescemos, nos tornamos adultos, envelhecemos. A cada etapa do ciclo vital, mudanças de ordem biológica e social ocorrem e se refletem na língua do indivíduo: a aquisição da língua, a entrada na escola, a aplicação da rede de relações sociais, a entrada e a saída do mercado de trabalho são fatores que se refletem diretamente nas faixas etárias. Para Eckert (1997), a faixa etária Diadorim8-cap2.pmd 06/12/2011, 22:2047 48 Artigos Inéditos é apenas um rótulo que agrupa vários fatores de ordem social e biológica do indivíduo. Para efeitos da constituição da amostra é preciso definir quantas e quais as faixas etárias que podem ser controladas e que fornecem pistas significativas para a compreensão real do fenômeno de variação e de mudança linguística. Labov (1994) propõe duas faixas extremas: a dos mais velhos e a dos mais jovens. Chambers (2003) propõe três: crianças, adolescentes e adultos. Eckert (1997), por sua vez, propõe que as faixas etárias representem o curso da vida linguística: infância, adolescência, vida adulta e velhice. Vejamos os efeitos do recorte das faixas etárias em um fenômeno variável do nível semântico-discursivo no português: a variação entre
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