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O que veio primeiro: o solo ou a floresta? Quando as geleiras regrediram na maior parte de Europa e da América do Norte, começando há cerca de 18.000 anos, mudanças dramáticas na vegetação e no solo se passaram através da paisagem. Na Europa Central, estepes frias e secas foram substituídas por florestas coníferas e, depois, pelas florestas decíduas que ocorrem, hoje, por toda região. Aproximadamente na mesma época da transição das coníferas para a floresta decídua, houve uma mudança de solos fortemente podzolizados para ricos solos marrons de floresta. Mas o que veio primeiro? O aquecimento climático resultou em uma transformação de um tipo de solo em outro – o que, por sua vez, resultou em uma mudança na composição da floresta – ou a vegetação mudou primeiro e, subsequentemente, alterou o solo? A resposta, pelo menos para uma área do nordeste da Hungria, veio de uma amostra de sedimentos removidos do pequeno e raso lago Kis-Mohos Tó. Os grãos de pólen ficam aprisionados nos sedimentos do lago, como os minerais carregados pelas águas dos solos que o circundam. O pólen e os minerais contam a história das mudanças na vegetação e nos solos através do tempo. O que a amostra de sedimento do lago revela? Primeiro, o registro de pólen nos conta que a floresta local mudou de conífera para decídua em poucos séculos. Até o momento dessa transição, a maior parte do sedimento do lago era inorgânica, sugerindo que a área era fria e improdutiva. O alumínio, o potássio e o magnésio em abundância no núcleo do sedimento sugerem uma rápida decomposição e lixiviação das partículas de argila nos solos do entorno – típicas de uma área altamente podzolizada. A primeira indicação de mudança foi uma liberação de grande quantidade de estrôncio e bário no lago. As árvores de espruce preferencialmente retiram esses elementos do solo, em vez de cálcio. O estrôncio e o bário são depositados nas acículas do espruce e, depois, acumulam-se no chão da floresta como uma camada espessa de serapilheira. Alguns pesquisadores interpretaram a liberação desses elementos no solo e nas águas superficiais que fluem para o lago Kis-Mohos Tó como um resultado da rápida decomposição da serapilheira do espruce. O que desencadeou essa rápida decomposição? É difícil saber com certeza, mas, novamente, o núcleo do sedimento fornece uma pista na forma de um aumento contemporâneo nas partículas de carvão que entram no lago. Os modelistas de clima sugerem que a Europa Central passou por um período quente e seco entre 10.000 e 9.000 anos atrás, após o fim do Dryas Recente. Esse clima pode ter promovido incêndios naturais que dizimaram as camadas de serapilheira das florestas coníferas. O aparecimento do carvão nas amostras dos sedimentos também está associado a um pico de esporos de samambaias, o que é um sinal seguro de incêndios frequentes. As samambaias colonizam rapidamente áreas queimadas e produzem um crescimento luxuriante poucos anos depois de um incêndio ter varrido por completo uma floresta. Os incêndios marcam a transição de florestas de coníferas para decíduas, porque, nesse momento, os pinheiros desaparecem e são substituídos por carvalhos. Depois que as árvores decíduas de folhas largas se estabeleceram, grandes quantidades de ferro, magnésio e fósforo foram liberadas no lago durante outro período curto. Isso representa um período de lixiviação desses elementos sobre as condições ainda ácidas do solo das florestas, provavelmente acompanhado por uma redução transitória na fertilidade do solo. A fase final da transição é marcada por um aumento do cálcio na amostra do sedimento. O cálcio não é particularmente abundante na rocha subjacente daquela região, mas as árvores decíduas – como os carvalhos – preferencialmente o retiram do solo e começam a enriquecer o conteúdo de cálcio das camadas superiores, através da queda anual de suas folhas. Então, o que mudou primeiro: o solo ou a floresta? Claramente, o solo reteve sua natureza ácida e podzolizada até bem depois do estabelecimento da vegetação decídua. Portanto, nesse caso, aparentemente, a mudança da vegetação causou a mudança de solo, o que ilustra a contribuição da vegetação para o desenvolvimento do solo. A mudança da vegetação em si teve evidentemente como ignição, por assim dizer, os climas mais quentes e secos, que eram menos favoráveis para o espruce, causando incêndios que criaram clareiras nas florestas de pinheiros. Essas clareiras permitiram que o carvalho e outras espécies de folhas largas invadissem a vegetação. Fonte RICKLEFS, R. F. A economia da natureza. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010.
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