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Farmacologia do sistema cardiovascular e os cardiotônicos A insuficiência cardíaca é uma doença em que o paciente relata dificuldade em respirar e presença de edemas periféricos. Uma das causas mais comuns é a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (VE), que se encontra incapaz de manter o volume sistólico adequado e de fornecer o oxigênio necessário para o organismo. Como uma medida compensatória, o volume diastólico aumenta, o que pode levar a um aumento da pressão diastólica no VE com consequente aumento da pressão atrial esquerda e pressão capilar pulmonar. Dependendo do caso, ocorre aumento da pressão venosa sistêmica e formação de edemas pulmonares e periféricos. Existem diferentes classes de fármacos que podem ser usadas no tratamento da insuficiência cardíaca e que aumentam a força de contração do músculo cardíaco – chamados comumente de cardiotônicos. Débito cardíaco: é o volume de sangue bombeado pelo VE por unidade de tempo. É calculado multiplicando a frequência cardíaca e o volume sistólico. Quando este volume é dividido pela quantidade total de sangue no VE, tem-se a fração de ejeção (ou fração ejetada). Diástole: é o período de relaxamento muscular, com dilatação das aurículas e dos ventrículos para permitir a entrada de sangue no coração. Edema: é o acúmulo anormal de líquido no compartimento extracelular intersticial ou em cavidades corporais. Pós-carga: dificuldade oferecida pela resistência vascular contra o bombeamento de sangue pelo coração. O aumento da pressão arterial aumenta a pós-carga, ou seja, mais difícil é a ejeção. Pré-carga: assim como a pós-carga, indica a dificuldade de ejeção do sangue enfrentada pelo ventrículo. Neste caso, está relacionada com aquela antes da ejeção. É medida como o volume diastólico final, ou seja, um aumento no volume durante o enchimento resulta em uma maior quantidade de sangue ejetada e, consequentemente, maior pré-carga. Sístole: ao contrário da diástole, é o período de contração muscular. A contração das aurículas (sístole atrial ou auricular) faz com que o sangue seja impulsionado para os ventrículos, que são contraídos posteriormente para bombear o sangue para o corpo (sístole ventricular). Controle da contração cardíaca normal O coração é o órgão responsável por levar sangue oxigenado às diferentes partes do corpo e receber o sangue desoxigenado que será encaminhado aos pulmões. A contração do músculo cardíaco é controlada por diversos processos que levam ao movimento de filamentos de actina e miosina no sarcômero cardíaco. A chegada de um potencial de ação despolariza a membrana das células musculares cardíacas levando à abertura dos canais de cálcio regulados por voltagem e influxo de cálcio, com aumento da concentração intracelular deste íon. Este cálcio, chamado de “desencadeante” , estimula (abre) os receptores de rianodina (canais liberadores de cálcio) presentes na membrana do retículo sarcoplasmático, liberando mais íons de cálcio para o citoplasma. Este cálcio (dito “ativador”) interage com o sistema actina- troponina-tropomiosina, levando a um encurtamento das miofibrilas por interação da actina com a miosina, resultando em contração. A quantidade de cálcio liberada depende do quanto está armazenado do retículo sarcoplasmático e da quantidade de cálcio que entra nas células durante a passagem do potencial de ação. Note que a presença de ATP é necessária para dissociar o complexo miosina actina e promover o relaxamento da musculatura. Em situações que levam às alterações significativas dos níveis de ATP, como a isquemia, a contração/o relaxamento do miocárdio é comprometido. A regulação da contração do miocárdio ocorre por três formas principais: Interação entre a bomba de sódio e o trocador de sódio-cálcio no sarcolema: a bomba de sódio (Na+/K+-ATPase) é responsável por manter o potencial de membrana em repouso e o gradiente de concentração destes íons, e trabalha conjuntamente com o trocador de sódio-cálcio. Este pode atuar em ambas as direções dependendo das condições internas e externas das células. Por exemplo, concentrações intracelulares baixas de sódio resultam na entrada do próprio sódio na célula e saída de cálcio. A concentração intracelular de cálcio também é mantida pela bomba de cálcio (Ca2+-ATPase) presente na membrana da célula muscular. Armazenamento e liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático: estas atividades são controladas pelos receptores de rianodina e a bomba de cálcio (Ca2+-ATPase do retículo sarcoendoplasmático ou SERCA) cujas atividades, por sua vez, são reguladas pelas concentrações de cálcio e ATP. A SERCA bombeia cálcio do citoplasma para o retículo sarcoplasmático, impedindo que haja depleção de íons nesta estrutura. Outro fato interessante é que as concentrações intracelulares elevadas de AMP cíclico (cAMP) estimulam a proteinocinase A, que fosforila (doa fosfato) à “fosfolambam”, proteína presente na membrana do retículo sarcoplasmático, inibe a SERCA quando ela está na forma não-fosforilada (sem fosfato). Note que a “fosfolambam” controla, ao menos indiretamente, a taxa de relaxamento do músculo por afetar a recaptação de cálcio pela SERCA. Sinalização adrenérgica: como visto na unidade anterior, a estimulação de receptores β1 - adrenérgicos resulta em efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos com o aumento do débito cardíaco. Outro efeito destes agonistas é chamado de lusitrópico positivo, isto é, aumento da taxa e extensão do relaxamento diastólico. A estimulação de outros receptores adrenérgicos na circulação periférica pode resultar em relaxamento (receptores β2 ) ou contração da musculatura lisa vascular (receptores α1 ), levando a uma diminuição ou a um aumento da resistência vascular sistêmica e pós-carga, respectivamente. Insuficiência cardíaca e o tratamento farmacológico A insuficiência cardíaca é resultado de uma disfunção progressiva da contratilidade do miocárdio e que, em alguns casos, pode ocorrer devido à disfunção contrátil provocada por cardiomiopatia idiopática, coronariopatia, hipertensão sistêmica e cardiopatia valvar. Estas condições podem: (a) desregular a homeostasia do cálcio, por reduzir a captação destes íons pelo retículo sarcoplasmático ou pelo aumento do número de trocadores de sódio-cálcio; (b) alterar os elementos contráteis, pela síntese de proteínas disfuncionais; ou (c) alterar a transdução do sinal dos receptores adrenérgicos, com redução do número de receptores na membrana e concentração diminuída de cAMP. Como comentado anteriormente, os principais sintomas da insuficiência cardíaca são taquicardia, diminuição da tolerância a exercícios e esforço, dificuldade respiratória, cardiomegalia (aumento do tamanho do coração) e edemas periféricos e pulmonares. Os outros sinais resultam das tentativas do organismo em compensar o defeito cardíaco, como as que envolvem o sistema nervoso simpático e a via renina-angiotensina- aldosterona. Este último mecanismo será visto em mais detalhes nas próximas seções. Em pacientes com insuficiência cardíaca há aumento da estimulação simpática e diminuição da parassimpática, que leva à taquicardia, aumento da contratilidade cardíaca e do tônus vascular. Esse tônus também é aumentado pela angiotensina II e endotelina (vasoconstritor liberado pelas células endoteliais), que aumenta a pós-carga e reduz a fração ejetada e o débito cardíaco, resultando em um ciclo vicioso que é característico da insuficiência cardíaca. Outra situação observada é o aumento do tamanho do coração (hipertrofia) para ajudar a manter a performance cardíaca, pelo menos inicialmente. No longo prazo, a hipertrofia pode levar a alterações significativas, como o comprometimento doenchimento do coração durante a diástole. O tratamento da insuficiência cardíaca e de outras patologias que afetam a contratilidade do miocárdio é feita principalmente com agentes inotrópicos positivos, como os glicosídios cardíacos, que aumentam a força de contração do músculo cardíaco. Em algumas situações, fármacos que não atuam diretamente no músculo cardíaco podem ser usados, já que a insuficiência cardíaca pode envolver vários processos e órgãos (serão discutidos em mais detalhes nas próximas seções). Glicosídeos cardíacos (ou cardiotônicos): os compostos deste grupo elevam a concentração intracelular de cálcio por inibir a bomba de sódio. Eles apresentam uma estrutura química comum, representada na figura a seguir, e que está relacionada com o mecanismo de ação comum exibido por estes compostos. Exemplos de fármacos incluem os derivados digitálicos ( digoxina e digitoxina) e agentes não digitálicos (ouabaína). A digoxina é o fármaco mais utilizado deste grupo. Ela atua como um inibidor seletivo da bomba de sódio da membrana plasmática, levando a um acúmulo de sódio no citoplasma. Com a integração com o trocador de sódio-cálcio, há uma diminuição do efluxo e aumento do influxo de cálcio, o que eleva a concentração intracelular destes íons. Este acréscimo contribui para a captação de uma maior quantidade de cálcio pelo retículo sarcoplasmático. A despolarização de células tratadas com digoxina libera uma concentração maior de cálcio que pode interagir com a troponina C, facilitando a contração muscular. Apesar da seletividade, a digoxina não é específica para bombas de sódio no sarcolema. Ela pode afetar as bombas presentes em neurônios do SNC e SNP, inibindo a estimulação simpática, sensibilizando barorreceptores e aumentando o tônus parassimpático (via nervo vagal). Agonistas β-adrenérgicos (simpaticomiméticos): como vimos na unidade anterior, o composto e a dose utilizados determinam a ativação dos subtipos destes receptores. Estes fármacos são usados principalmente em situações de curto prazo, devido aos efeitos adversos associados a eles (como taquicardia e arritmia). Exemplos de fármacos usados no tratamento da insuficiência cardíaca incluem a dopamina, dobutamina, epinefrina, norepinefrina e isoproterenol. Quando administrada em doses baixas, a dopamina apresenta um efeito vasodilatador nos vasos periféricos, com aumento da contratilidade do músculo cardíaco (por diminuir a pós-carga) e diminuição da resistência vascular sistêmica. O aumento para doses intermediárias leva à vasodilatação disseminada e maior redução da resistência vascular, além da ativação de receptores β1 -adrenérgicos (aumento da contratilidade e frequência cardíaca). Em doses mais altas, ocorre a ativação de receptores β1 - adrenérgicos na periferia, com vasoconstrição generalizada e consequente aumento da pós- carga. Inibidores da fosfodiesterase (PDE): esta enzima é responsável pela hidrólise do cAMP e cGMP. Como consequência da sua inibição, há aumento da concentração intracelular de cAMP, que indiretamente aumenta os níveis de cálcio, contribuindo para a contratilidade do músculo cardíaco. Os fármacos podem ter ação inespecífica sobre diferentes isoenzimas (como a teofilina) ou seletiva, como os inibidores da forma PDE3 (como a inanrinona e a milrinona), e também são usados em situações de curto prazo. Os fármacos deste grupo também podem apresentar um efeito vasodilatador importante no tratamento da insuficiência cardíaca (por isso, são conhecidos como “inodilatadores”), mas podem causar disritmias que afetam negativamente a sobrevida destes pacientes. Agentes sensibilizadores do cálcio: esta é uma nova classe de fármacos que está em fase de testes. Estes compostos agem sensibilizando a troponina C ao cálcio e também apresentam efeito “inodilatador”. Isso faz que as interações actina-miosina ocorram com qualquer concentração intracelular de cálcio. Exemplo de fármaco: levosimendana.
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