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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG
FACULDADE DE DIREITO - FADIR
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
RACHEL FERREIRA OAKES
GÊNERO E NORMATIVAS INTERNACIONAIS DE PAZ E SEGURANÇA: A
AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (1990-2010) E O PLANO NACIONAL
DE AÇÃO DO BRASIL (2017)
SANTA VITÓRIA DO PALMAR
2021
RACHEL FERREIRA OAKES
GÊNERO E NORMATIVAS INTERNACIONAIS DE PAZ E SEGURANÇA: A
AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (1990-2010) E O PLANO NACIONAL
DE AÇÃO DO BRASIL (2017)
Trabalho de Conclusão de Curso,
apresentado ao curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal do
Rio Grande - FURG, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharela
em Relações Internacionais.
Orientadora: Profa. Dra. Gabriela M.
Kyrillos
Co-orientadora: Profa. Ma. Bibiana P.
Florio
Santa Vitória do Palmar
Maio 2021
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer inicialmente a minha família, por sempre me dar o
incentivo e suporte necessários para concluir os estudos. Em especial, a minha mãe,
minha irmã e meu falecido pai que apesar da distância durante a graduação, foram
presentes e tornaram possível este sonho sendo uma incrível rede de apoio e
conforto.
Agradeço imensamente, aos amigos especiais que fiz nessa jornada da
Universidade. Dedicatória às meninas do pensionato, aos colegas e pessoas que
conheci através da FURG - Campus Santa Vitória do Palmar que deixaram marcas e
memórias que representaram algo que vai além de relações acadêmicas,
tornando-se uma parte da minha história, do meu desenvolvimento pessoal e
intelectual durante essa fase. Também dedico este agradecimento aos meus amigos
de longa data, por acompanharem comigo esta trajetória de quatro anos, que incluiu
alegrias, lágrimas e algumas noites em claro.
A todo corpo docente e funcionários do Curso de Relações Internacionais da
FURG, faço menção, pois me deram as bases para a escrita deste trabalho. Em
especial, agradeço à minha orientadora, Gabriela Kyrillos, por ser fundamental em
todo o processo de desenvolvimento da pesquisa, mas para além disso, por
influenciar outras áreas de interesse de estudos através do INDERI. Também
gostaria de agradecer a professora Bibiana Florio como minha coorientadora e que
foi uma aliada no processo da escrita do TCC.
Ainda, gostaria de agradecer à comunidade de discentes de Relações
Internacionais do Brasil que, durante todos os encontros estudantis dos quais
participei, proporcionaram-me discussões ricas que fomentaram ideias inspiradoras
dentre a área de Relações Internacionais.
Por fim, gostaria de agradecer a mim mesma por, durante todo o período da
graduação, não ter me deixado abater por críticas, por ter me esforçado e alcançado
um aproveitamento do qual me orgulho e por ter dado o máximo de mim para
aproveitar as oportunidades e os momentos dentro do curso. Foram diversas
experiências proporcionadas por pessoas e instituições diferentes que contribuíram
com meu amadurecimento e, para além desta etapa de finalização do curso, para o
encerramento de mais um ciclo.
RESUMO
A inserção da perspectiva de gênero nas normativas que compõem os processos de
paz e segurança das Nações Unidas (ONU), contribui para a integração das
mulheres no planejamento institucional das operações de paz e segurança. Essa
perspectiva é debatida neste trabalho, denotando a sua ausência nos direitos
humanos até a sua origem e inserção em todos os processos de paz e segurança,
resultando na criação da agenda Mulheres Paz e Segurança (MPS) (2000) do
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Devido a relevância desta
temática no sistema internacional, adquirida pela crescente disseminação da matéria
no campo normativo e acadêmico a partir da década de 1990, este trabalho visa
entender a integração da perspectiva de gênero enquanto um aspecto estrutural e
como esta abordagem se insere nos processos de paz e segurança da ONU. O
trabalho utiliza o referencial teórico produzido por autoras feministas sobre gênero,
segurança e direitos humanos aliado a metodologia da análise de conteúdo,
conforme proposta por Laurence Bardin (1977). Os documentos analisados na
análise de conteúdo são considerados precedentes da criação da Agenda MPS: A
Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995); as Conclusões Acordadas do
Conselho Econômico e Social da ONU (1997); a Declaração Sobre Uma Cultura de
Paz (1999) e a Declaração e Objetivos do Milênio (2000). Ainda, a mesma
metodologia é aplicada nas resoluções que compõem a própria Agenda, sendo elas:
1325 (2000); 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009) e 1960 (2010) da Agenda MPS.
Como resultados, tem-se a presença de categorias comuns aos dois róis de
documentos e que dialogam com a temática do trabalho. Por fim, se salienta o papel
do Brasil no avanço da Agenda MPS através da implementação do Plano Nacional
de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança (PNA, 2017) e se identificam os
principais desafios operacionais para a execução de suas metas.
Palavras-chave: Gênero. Normativas de Paz e Segurança. Agenda Mulheres Paz e
Segurança (MPS/ONU). Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança
(PNA).
ABSTRACT
The emersion of a gender perspective in the norms that make up peace and security
processes in the United Nations (UN), contributes to the integration of women in the
institutional planning of peace and security operation This perspective is debated in
this work, denoting its absence from human rights until its origin and emersion in all
the processes of peace and security, resulting in the creation of the Women’s Peace
and Security agenda (WPS) (2000) United Nations Security Council (UNSC). Due to
the relevance of this thematic in the international system, acquired by the rapid
dissemination of the subject in the normative and academic field during the 90s, this
work aims to understand the integration of gender perspective as a structural aspect
and how this approach is part of the UN peace and security processes. This work
references titles produced by feminist authors about gender, security and human
rights, and utilises the content analysis methodology proposed by Laurence Bardin
(1977). The documents assessed using this methodology are considered precedents
for the creation of the MPS Agenda: The Beijing Declaration and Platform for Action
(1995); the Agreed Conclusions of the UN Economic and Social Council (1997); the
Declaration on a Culture of Peace (1999) and the Millennium Declaration and
Objectives (2000). Still, the same methodology is applied in the resolutions that make
up the Agenda itself, which are: 1325 (2000); 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009)
and 1960 (2010). As a result, we have the presence of categories common to the two
lists of documents and which dialogue with the theme of work. Lastly, it highlights the
role of Brazil in advancing the WPS Agenda through the implementation of the
National Action Plan (PNA) (2017), and the main operational challenges for the
achievement of its goals are identified.
Key-words: Gender. Peace and Security Standards. Women, Peace and Security
Agenda (WPS/UN). National Action Plan on Women, Peace and Security (NAP).
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Categorias Iniciais…………………………………………..........................30
Quadro 2 - Categorias Derivadas………………………………………….....................32
Quadro 3 - Categorias Derivadas Associadas às Categorias Iniciais………………..32
Quadro 4 - Categorias observadas nas resoluções da Agenda Mulheres, Paz e
Segurança (MPS)………………………………............................................................34
Quadro 5 - Eixos temáticos na estrutura do Plano Nacional de Ação Sobre a Agenda
Mulheres, Paz e Segurança…………………………………………………...................44
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….....8
2. SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS: CONTEXTO E AUSÊNCIA DAS MULHERES……………………..….10
2.1. O SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS………...10
2.2. UM BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS MULHERES NO
CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA……………………………………..13
2.3. ABORDAGEMDA QUESTÃO DE GÊNERO NA SEGURANÇA
INTERNACIONAL COMO CATEGORIA DE
ANÁLISE……………….............................................................................19
3. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS REFERENTES À INSERÇÃO DAS
MULHERES NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA DA ONU
(1990-2000)........................................................................................................25
3.1. METODOLOGIA DA ANÁLISE DE CONTEÚDO APLICADA A ESSA
PESQUISA..............................................................................................26
3.2. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS QUE ANTECEDERAM A AGENDA
MULHERES, PAZ E SEGURANÇA
(MPS)......................................................................................................29
3.3. A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA.....................................34
4. OS DESAFIOS DO CONTROLE E IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA
MULHERES, PAZ E SEGURANÇA NO BRASIL…………………………….......39
4.1. MUDANÇAS OBSERVÁVEIS A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DA
AGENDA MPS: O PLANO DE AÇÃO BRASILEIRO...............................40
4.2. LIMITAÇÕES DA AGENDA MPS E ATUAIS DESAFIOS........................45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………..............................................................51
REFERÊNCIAS..................................................................................................53
8
INTRODUÇÃO
A manutenção da paz e da segurança são as razões fundacionais das
Nações Unidas. Essas temáticas vêm sendo debatidas dentro dessa organização
internacional, na área das Relações Internacionais e em meio às normativas de
Segurança Internacional. Uma das razões é que em caso de guerras, dentro e fora
dos Estados nacionais, as populações civis são as maiores vítimas, estando à
mercê de disputas de interesses e poder.
A perspectiva de gênero contribui nesse contexto, pois surge positivamente
através da inclusão das mulheres neste debate. No entanto, é verificado que não se
priorizam os processos de proteção e promoção dos direitos das mulheres em
conflitos armados, até o momento da criação da Agenda Mulheres, Paz e Segurança
(MPS), em 2000. Por isso, a presente pesquisa visa responder o seguinte problema:
Como a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a incluir a perspectiva de
gênero nos processos de paz, possibilitando o envolvimento de mulheres na
estrutura normativa internacional de Paz e Segurança? E como esta agenda chega
ao Brasil?
A pesquisa da paz e segurança tem sido desenvolvida como disciplina
acadêmica desde meados do século XX, tem ampliado seu foco de investigação a
partir de uma base prática adquirida de mudanças reais e tem sido influenciada
pelas mudanças e os eventos históricos (ARIÑO, 2010). Considerando que a
disciplina das Relações Internacionais foi fundamentada, entre outros motivos, pela
necessidade de um entendimento multidisciplinar do mundo pós-conflito, emergem
diferentes fatores de análise que produzem perspectivas distintas nesse campo de
pesquisa. Portanto, de modo a sintetizar o objetivo geral dessa pesquisa, procura-se
identificar: de que modo a inserção da perspectiva de gênero e a abordagem teórica
feminista contribuíram para a alteração do quadro normativo nos processos de Paz
e Segurança da ONU entre 1990 e 2010, e na implementação do Plano Nacional de
Ação sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, de 2017.
Para cumprir esses propósitos, a pesquisa utiliza a técnica de pesquisa da
revisão bibliográfica, através dos referenciais teóricos produzidos por autores(as)
feministas das Relações Internacionais, principalmente: Ann Tickner (1997); Carol
Cohn (2004); Cynthia Cockburn (2010); Cynthia Enloe (1990); Jacqui True (2001),
entre outros autores(as). E utiliza a metodologia da análise de conteúdo, conforme
9
proposta por Laurence Bardin (1977). Essa metodologia objetiva a redução de
dados de uma comunicação, através da formulação de categorias que permitem
explorar nos documentos escolhidos, as inferências que se está buscando
encontrar. Nesse sentido, a análise de conteúdo permite identificar não somente as
mensagens explícitas nos textos dos documentos, mas também as que estão
implícitas. Para isso, a metodologia se aplica aos documentos escolhidos que se
alinham ao problema de pesquisa.
Portanto, no primeiro capítulo se discutirá: i) o contexto do processo de paz e
segurança das Nações Unidas; ii) a sub-representatividade dos direitos humanos
das mulheres no escopo de paz e segurança e iii) a justificativa teórica do uso da
categoria de gênero na pesquisa.
No segundo capítulo, pretende-se utilizar a metodologia aplicada sobre os
documentos relevantes à temática da pesquisa, por entender que estes mencionam
categorias que podem ser concebidas como precedentes da criação da Agenda
Mulheres, Paz e Segurança. Após, a mesma metodologia será aplicada às
resoluções que compõem a referida agenda, por entender que as categorias
apresentadas são fundamentais para dialogar os três temas anteriores.
No último capítulo, tem-se a apresentação do Plano Nacional de Ação sobre a
Agenda Mulheres, Paz e Segurança (PNA). Discutem-se os avanços e limites do
PNA, que serviram para observar a implementação da agenda sobre mulheres, paz
e segurança como um eixo da política externa brasileira.
Por fim, conclui-se que nos documentos utilizados na análise de conteúdo, a
presença de categorias comuns associadas aos dois róis de documentos, são
resultados possíveis e, portanto, representam termos norteadores para o avanço da
Agenda Mulheres, Paz e Segurança. Ademais, pode-se concluir que a formalização
de uma agenda aliada ao princípio de igualdade de gênero, consagrado nas
normativas da ONU, não é suficiente se não estiver acompanhada de expressivas
políticas públicas que coloquem em prática este princípio no âmbito doméstico.
10
SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS:
CONTEXTO E AUSÊNCIA DAS MULHERES
2.1 O SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS
O campo das Relações Internacionais surge em um momento de desordem
internacional, com a finalidade de compreender o fenômeno dos conflitos mundiais.
O contexto da eclosão das Primeira e Segunda Guerra Mundiais requisitou aos
teóricos e intelectuais das ciências sociais que se refletisse, debatesse e estudasse
mais acerca dos conflitos a nível internacional, pois já não era possível abordar o
assunto pela via interna dos Estados ou compreendendo a relação entre poucos
atores.
Em um contexto de conflitos internacionais de grandes proporções,
discussões sobre esta temática fizeram-se necessárias, com as mazelas trazidas
pela sucessão de Guerras Mundiais. O uso de artefatos atômicos utilizados ao final
da Segunda Guerra Mundial como instrumentos de expressão de poder, acabaram
agravando as consequências dos conflitos armados, gerando assim, demandas
internacionais que expressaram a relevância do debate sobre a prevenção,
promoção e manutenção da paz e da segurança.
Para tanto, em casos de discordâncias internacionais, foram criadas medidas
pacíficas de resolução de conflitos1 que deveriam ser empregadas. Em 1945, a
Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada, com a finalidade de servir de
fórum aos Estados e garantir medidas para a paz e segurança internacionais2. Além
disso, a sua criação está intimamente ligada com o fracasso da Liga das Nações
(1919) como instituição que pretendia evitar novos conflitos após a Primeira Guerra.
Segundo Corrêa (2011, p. 310) : ''[...] as Nações Unidas se construíram sobre a ideia
da manutenção da paz através da preservação da aliança vitoriosa de 1945'' .
A estrutura das Nações Unidas é composta por três órgãos deliberativos,
quais sejam: 1) Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU); 2) Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) e 3) Conselho de Segurança (CSNU). Todos
2 Artigo 1 da Carta das Nações Unidas: Os propósitos das Nações Unidas. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm>
1 O artigo 33 da Carta das Nações Unidas indica como meiospacíficos de soluções de controvérsias:
negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou
acordos regionais ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha.
11
possuem um caráter congressual, onde a tomada de decisões é, de certa forma,
articulada entre todos os participantes. No entanto, formulada sob a lógica do
pós-guerra, essas instâncias remetem à unidade de poder das cinco grandes
potências, as quais seriam responsáveis pela manutenção da paz e da segurança.
Compõem o CSNU China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia, como
países permanentes e com poder de veto. No CSNU, ainda existem outros 10
membros rotativos, com mandatos de 2 anos, sem poder de veto.
Considerando a alta mortandade da II Guerra Mundial, as novas definições de
política internacional e o contexto de reconstrução no qual foi criada a ONU, era
necessário fomentar maneiras de operacionalizar os propósitos de manutenção da
paz previstos pela Carta da ONU. As operações de paz surgiram com o objetivo de
colocar em prática os princípios firmados, como a manutenção da paz e da
segurança internacionais e o desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de
autodeterminação dos povos da Convenção de São Francisco (1945).
O uso deliberado e a constante necessidade da ONU de dar uma resposta às
demandas internacionais por auxílio, acabam por originar um dos instrumentos de
apoio à organização para a realização da manutenção da paz e da segurança
internacional (MAIDANA, 2013). Entende-se operações de paz como: ''[...] um
complexo de grupos de atividades distintas. A sua base, no entanto, é
essencialmente militar'' (MAIDANA, 2013, p. 48). A evolução dessas operações pode
ser dividida em três fases distintas, conforme descreve Maidana (2013, p. 46): ''1a) O
surgimento das operações, contextualizado pela Guerra Fria; 2a) O aprimoramento,
devido a expansão e complexidade dos conflitos armados e, atualmente, se
encontra na 3a) fase, de consolidação''.
Apesar da ONU ser a instituição precursora das operações de paz, por ter
criado os moldes das operações, as missões articuladas com o propósito de
segurança não estão necessariamente sujeitas ao aval da ONU. Independentemente
da organização responder por mais da metade das operações de paz já criadas,
desde o início dos anos 1990 (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018), estas podem entrar
em curso com ou sem a participação das Nações Unidas (MAIDANA, 2013).
De acordo com Maidana (2013), as operações de paz podem ser
categorizadas em quatro gerações distintas. A primeira é a mais tradicional,
caracterizada pelo propósito de monitoramento ao cumprimento ou não de tratados
12
internacionais e de acordos de cessar fogo. A segunda, refere-se à complexidade
dos conflitos armados e envolve a prevenção e intervenção por parte da ONU, que
atua através da capacitação do contingente militar, envio de policiais da própria
organização e oferecimento de instrução, para fim de estabelecimento da
segurança, ao pessoal local.
Logo, a primeira e a segunda geração se caracterizam por seu aspecto
tradicional e multidimensional, respectivamente. A terceira geração se caracteriza
pela imposição da paz em locais de conflito e visa a aplicação do uso da força em
locais onde uma operação de manutenção da paz, já em curso, esteja em vias de
falir (MAIDANA, 2013). Por fim, segundo Maidana sobre a quarta geração:
‘’mencionada por alguns autores, não se encontra devidamente definida nem
reconhecida pela maior parte da doutrina que se dedica a esse tema’’ (MAIDANA,
2013, p. 47).
As operações de paz da primeira geração caracterizam-se por serem
essencialmente militares, porém, as missões de paz da ONU não possuem
unicamente esse propósito. Apesar das missões de paz da primeira geração se
dedicarem exclusivamente para tal fim, as missões militares não são as únicas
atividades possíveis no âmbito da ONU. Há que se fazer a diferenciação entre as
terminologias que compõem este meio. As mais utilizadas são: peacemaking,
peacebuilding, peacekeeping e peace enforcement (UNITED NATIONS
PEACEKEEPING, 2020).
Peacemaking inclui medidas para acessar conflitos em progresso e
normalmente envolve ações diplomáticas para trazer as partes a um acordo
(MAIDANA, 2013), isso porque o consentimento dos Estados, caracteriza os
mecanismos de diplomacia preventiva, que incluem o peacemaking, peacebuilding e
peacekeeping (IZZO, 2009).
O Peacebuilding refere-se ao processo longo e árduo de criar condições
necessárias para a paz sustentável, ao tratar das questões centrais que afetam o
funcionamento da sociedade e Estado (MAIDANA, 2013). Entende-se por
Peacebuilding, a execução de atividades que busquem consolidar uma paz
negociada. Este termo ganhou força na década de 1990, com as operações de paz
marcando a multilateralidade e o caráter humanitário, integrando o tripé “paz,
desenvolvimento e direitos humanos”, característico do pós-Guerra Fria (IZZO,
2009).
13
Já Peacekeeping remete às operações de manutenção de paz, a princípio
desdobradas para apoiar acordos de paz ou cessar-fogo, porém muitas vezes
solicitadas para desempenhar um papel ativo nos esforços de Peacemaking e que
também podem estar envolvidas nas atividades de Peacebuilding (MAIDANA, 2013).
Por último, destaca-se o mecanismo denominado Peace Enforcement, que
trata de medidas coercitivas, obtendo a instância da imposição da paz. As medidas
utilizadas podem incluir a força militar, e de acordo com a Organização, requerem a
explícita autorização do Conselho de Segurança (UNITED NATIONS
PEACEKEEPING, 2020). Contudo, essas medidas, caracterizam o renascimento
das operações de segurança coletiva, marcando a diferença com os outros
mecanismos, pois o caráter humanitário relativiza a necessidade de autorização das
partes envolvidas para que o Peace Enforcement ocorra (IZZO, 2009).
Definidas as diferenciações terminológicas, pode-se salientar a necessidade
de participação das mulheres, em um espaço onde se firmam mudanças sociais,
políticas e institucionais em prol do binômio paz e segurança. (IZZO, 2009). Para
que se possa, posteriormente, indagar sobre a assertividade da perspectiva de
gênero nestas instâncias, primeiro é necessário revisar o aporte conceitual capaz de
justificar o debate sobre o olhar de gênero desses processos.
2.2 BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS MULHERES NO CONTEXTO
DE PAZ E SEGURANÇA
Há uma crescente preocupação com os direitos humanos e a questão das
mulheres, pois esta era invisibilizada no mundo político e social. E esse pensamento
nasce da dificuldade da sociedade em reconhecê-los e respeitá-los em suas
diferenças (IORA, 2013). Sabe-se que as mulheres foram por muito tempo
deslocadas dos assuntos decisivos na esfera da segurança internacional, pois
quanto à participação delas, há falta de vontade de incluí-las em iniciativas de
mudança, sinalizando uma falta da sua participação e perspectiva em processos de
manutenção da paz (ARIÑO, 2010).
Dito isso, corrobora com esta análise Ghisleni (2011), ao enfatizar que temas
como a paz e a segurança internacionais não possuíam ligação direta com a
temática dos direitos humanos. Portanto, quanto à proteção das mulheres
14
envolvidas em conflitos armados, não existiam, até os anos 2000, os mecanismos
necessários, ou eram insuficientes.
Conflitos armados indubitavelmente têm efeitos devastadores sobre os seres
humanos, mas as experiências das mulheres em conflito são sensivelmente
diferentes. Durante os conflitos as mulheres são alvos majoritários de violência
sexual. Também estão sujeitas a violência econômica, pois são privadas e
discriminadas. Não obstante, acentua-se a falta de acesso à educação e a
oportunidades de emprego nesse contexto, contribuindo para a subordinação
econômica e pobreza das mulheres (AROUSSI, 2015).
O lento avanço normativo deste campo associado ao esvaziamento da
matériano tocante a questão das mulheres é corroborada por autores(as), que
destacam: ''a resistência por parte das instituições políticas em inserir as temáticas
de gênero em suas pautas'' (BIROLI; MIGUEL, 2014, p. 7). Logo, pode-se observar a
falta de mecanismos internacionais firmados em função dos conflitos com a
perspectiva de gênero. A partir dessa afirmativa, esta seção pretende observar a
ausência de mecanismos que dão conta de proteger mulheres no contexto dos
conflitos armados.
De acordo com Ann J. Tickner, importante expoente da teoria feminista nas
Relações Internacionais: escritos de acadêmicas feministas tem focado mais em
indivíduos e suas configurações sociais, políticas e econômicas em vez de Estados
unitários descontextualizados e estruturas internacionais anárquicas (TICKNER,
1997, p. 616). Essa visão, diferentemente de outros aportes teóricos mais
tradicionais de Relações Internacionais, contribui para a análise das especificidades
das mulheres como sujeitos de direitos humanos, visto que os direitos humanos
tangenciam o direito à vida, à liberdade de ir e vir, à integridade física e moral, entre
outros.
Apesar de possuírem diferentes vertentes e correspondências entre si, foram
os assuntos abordados por autoras(es) e intelectuais feministas3 que forçaram o
debate entre o entendimento das demandas políticas reivindicadas por movimentos
sociais de mulheres e as especificidades das mesmas no contexto da segurança
internacional. Este assunto será aprofundado no capítulo 2 com a articulação de
3 Para consultar mais autoras feministas que discutem sobre movimentos de mulheres e o contexto
de paz e segurança, ver: COCKBURN (2010); COHN (2004); ENLOE (1990); SJOBERG (2010) e
TICKNER (1997;2006).
15
movimentos sociais de mulheres que foram responsáveis pela implementação da
Resolução 1325 (2000).
Previamente, é necessário remeter aos documentos que remontam a
trajetória recente dos direitos humanos das mulheres, justificando o marco temporal
deste trabalho. Entende-se que, foi o avanço das discussões de gênero no campo
internacional dos Direitos Humanos, que levou a inclusão dessa perspectiva nas
discussões sobre conflitos armados.
O guião ético do estabelecimento dos direitos humanos foi o escopo da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948 (IORA, 2013). A
formulação da DUDH, instaura uma lógica formal de proteção universalista de todos
os indivíduos. No entanto, essa visão existente não priorizou a proteção dos direitos
humanos específicos das mulheres, que apesar de serem precedidos na Carta da
ONU, através da Convenção do Status da Mulher. Sendo assim, os direitos das
mulheres estavam resguardados pela doutrina, porém inalcançáveis na prática,
quando ocorriam violações de forma diferente dos homens, ou seja, abusos e
violações específicas de gênero.
Dito isso, pode-se pensar na necessidade de especificação dos sujeitos,
principalmente no contexto de paz e segurança. Conforme a característica de
universalização dos direitos, formulada na DUDH, não contemplou as
especificidades desses sujeitos de direitos humanos, deve-se pensar nesse
processo de especificação dos sujeitos como um processo de desnaturalização da
pessoa humana e de politização dos direitos humanos (VITALE; NAGAMINE, 2018
APUD BUTLER, 2004).
Segundo Crenshaw (2002), exemplos podem ser encontrados quanto às
violações e abusos de direitos humanos que estão mais propensos a acontecer com
as mulheres. De acordo com a autora:
[...] As mulheres quando eram estupradas, espancadas sob domicílio ou
impedidas de ascender a espaços de poder e decisão, essas diferenças
tornaram-se secundárias, conferindo a estas um lugar secundário e
marginal no tratamento básico dos direitos humanos[...] (CRENSHAW, 2002,
p. 172, tradução nossa).
Logo, à medida que acenava a afirmação de caráter inato e natural desses
direitos, o universalismo pretendido excluía a possibilidade da discussão sobre os
direitos das mulheres (VITALE; NAGAMINE, 2018).
16
Os tratados gerais que englobam a promoção e proteção dos direitos
humanos são: no plano global, os dois pactos de Direitos Humanos da ONU e, no
plano regional: o sistema Africano, o Interamericano e o Europeu (HEYNS;
PADILHA; ZWAK, 2006). Após contestações sobre a ordem internacional, na
Conferência de Bandung, em 1955 e através de outros mecanismos multilaterais
como a articulação de países não-alinhados em relação às superpotências e o caos
sentido com a Guerra do Vietnã e os Estados Unidos, era preciso uma plataforma
para dialogar com os países do Terceiro Mundo.
Através da consolidação das primeiras normativas de direitos humanos que
se tem conhecimento, baseando-se na Carta das Nações Unidas e na DUDH, foi
possível perscrutar caminhos para o debate sobre o princípio da igualdade de
gênero (SCHWETHER, 2020). Em virtude da mudança de paradigmas no tratamento
dos direitos humanos e da cidadania, conferências gerais e exclusivas destinadas às
pautas das mulheres foram surgindo após a segunda metade do século XX (PRÁ;
EPPING, 2012). Essas conferências foram fruto dos espaços de participação,
reivindicação, cooperação e representação conquistados pelo movimento feminista
(SÁLOMON, 2020).
Em 1975, ocorreu o Ano Internacional das Mulheres. A Primeira Conferência
Mundial sobre a Mulher foi realizada na Cidade do México, no mesmo ano, e
estabeleceu a Década da Mulher (1976-1985), período no qual o tema da
persistente discriminação contra as mulheres recebeu atenção especial. A Segunda
e a Terceira Conferência Mundial sobre a Mulher foram realizadas respectivamente
na cidade de Copenhague, em 1980, e Nairóbi, em 1985, onde participou ativamente
a Comissão Sobre o Status das Mulheres (CSW) (SCHWETHER, 2020).
A década da mulher foi significativa pela criação de dois documentos cruciais
para a inserção do princípio da igualdade de gênero na agenda internacional.
Posteriormente, esse princípio foi explicitado no texto da Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (em inglês,
Convention for the Elimination of All Forms of Discriminantion Against Women -
CEDAW), criada em 1979.
A CEDAW teve como principal objetivo a sistematização dos direitos humanos
aplicados às mulheres, rompendo com a visão pretensamente universalista dos
direitos do homem (KYRILLOS, 2018). Com o desdobramento do direito das
mulheres em direitos específicos e a partir da obtenção de tutela internacional, a
17
CEDAW afirmou as mulheres como sujeito de direitos humanos e, pela primeira vez,
tratou, em profundidade, os problemas enfrentados pelas mulheres (SCHWETHER,
2020). Ainda, o princípio da igualdade de gênero, baseado na Carta das Nações
Unidas e na DUDH, foi explicitado apenas na CEDAW.
Apesar de serem mencionadas na DUDH e em outras regulações de Direitos
Humanos, as mulheres não foram priorizadas nesse contexto. Após o fim da
Segunda Guerra, as mulheres foram contextualizadas como sujeitos específicos de
conflitos armados e segurança, nos Protocolos adicionais da Convenção de
Genebra (1977) (BOUCHET-SAULNIER, 2005). Estas, asseguraram a necessidade
do direito humanitário em favor de pessoas consideradas protegidas, entre elas:
crianças e mulheres (BOUCHET-SAULNIER, 2005). Porém, a IV Convenção de
Genebra (1949) que tratou especificamente dos direitos da população civil em
conflitos armados, não mencionou a proteção específica de gênero.
Os eventos que deram suporte à criação dos direitos humanos das mulheres
foram principalmente as convenções sobre as mulheres.4 Entre estas, constam os
esforços na promoção da pauta do Programa de Ação do Cairo (1994), que apesar
de não ter sido uma conferência, reuniu importantes diretrizes sobre o tema.
Referente especificamente às mulheres, a Conferência Mundial de Direitos
Humanos de Viena (ou Convenção de Viena), de 1993, é relevante pois salientou a
importância dos direitos humanos das mulheres no escopo dos direitos humanos
universais.Nesta Conferência, as mulheres pleitearam dois principais objetivos:
gendrificar os Direitos Humanos e responsabilizar o Estado por ações de violência
contra as mulheres, não apenas na esfera pública, mas, principalmente, no âmbito
privado (SCHWETHER, 2020). O Artigo 18 desta declaração afirma que:
Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e
constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. [...]
Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das
atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos
(CONFERÊNCIA MUNDIAL DE DIREITOS HUMANOS DE VIENA, 1993).
Destas conferências, foram realizados encontros onde, através da formulação
e debate de relatórios que citavam os problemas enfrentados por mulheres,
4 A saber: A Conferência de Copenhague em 1980; Nairóbi em 1985; Beijing em 1995 (PRÁ;
EPPING, 2012).
18
paralelamente obtinham êxito e a garantia da inclusão de suas deliberações nos
documentos oficiais. Em decorrência disso, tais conteúdos passariam a influenciar
na elaboração de programas e políticas públicas voltados à inclusão da igualdade de
gênero.
Segundo Crenshaw (2002), o motivo de relativo reconhecimento se deu pelos
esforços em obter uma nova perspectiva, quanto à relevância da diferença de
gênero no projeto de ampliação do escopo dos direitos humanos das mulheres. A
incorporação desta perspectiva concedeu maior atenção à pauta das mulheres, pois
qualificou a proteção dos direitos humanos voltada a uma sensibilidade
característica do aspecto de gênero.
Os anos 1990 ampliaram significativamente o debate sobre paz e segurança
e, de acordo com Ariño (2020, p. 11): “[...]tem-se no final da Guerra Fria um
interesse crescente nos estudos de resolução de conflitos em geral e nos processos
de paz em particular[...]”. Nessa década, as Nações Unidas começaram a relacionar
questões de gênero com as operações de manutenção de paz (REBELO, 2013). Até
a aprovação da Resolução 1325 do CSNU, o único instrumento existente nessa
seara era a Declaração sobre a Participação das Mulheres na Promoção da Paz
Internacional e da Cooperação, aprovada em reunião plenária da Assembleia Geral
da ONU, no ano de 1982, durante a Década da Mulher (SCHWETHER, 2020).
Dessa forma, gradativamente, foram incluídas iniciativas e perspectivas sobre
igualdade de gênero, até então pouco utilizadas, nas agendas de paz e segurança
na comunidade internacional (REBELO, 2013). Com o advento da Convenção de
Viena, em 1993, foram feitas duas Resoluções pelo CSNU que abordavam questões
de direitos humanos e direito internacional humanitário na agenda da Organização
(FLORIO; PINTO; PIACENTINI, 2017).
Os anos 1990 e primeiros anos do século XXI foram marcados por diversos
conflitos. Em decorrência disto, houve um aumento no estudo das resoluções dos
mesmos que, inicialmente, visavam diminuir a violência, mirando numa expansão
para incorporar medidas para a construção da paz, incluindo reconciliação
pós-conflito, estabelecendo sistemas de manutenção de conflito, entre outros temas
(KRIESBERG, 2009).
Como muitas outras disciplinas, a pesquisa sobre a paz tem ampliado seu
foco de investigação a partir de uma base prática, adquirida em situações reais e
tem sido influenciada pelas mudanças e os eventos históricos (ARIÑO, 2010).
19
Reflete-se sobre essa afirmação o fato que mulheres, geralmente, são excluídas dos
processos de paz e segurança e que os atores em conflitos, majoritariamente, são
homens. Há, portanto, uma base valiosa para uma análise de gênero acerca dos
processos de paz e segurança. A autora Cynthia Cockburn (2018, p. 5), corrobora
com essa afirmativa, ao destacar que: ''[...] está claro que um grande número de
mulheres são estupradas e submetidas a outros tipos de tortura sexual durante a
guerra [...]'', deixando assim um espaço para este trabalho da análise de gênero.
Além disso, existe uma associação da participação das mulheres na vida política e a
busca pela construção de uma agenda da paz no plano internacional (informação
verbal)5.
Portanto, este trabalho terá como eixo a perspectiva de gênero, para fins de
compreensão do conceito como um aspecto estrutural dentro do âmbito normativo
da ONU. Para tal propósito utiliza-se a contribuição de autoras feministas, entre
outros aportes teóricos sobre a paz e a segurança. Dessa forma, estudos e
mapeamentos que foram feitos através de movimentos sociais de mulheres, que
demandam a disseminação e maior discussão da Resolução 1325 do CSNU (2000),
foram responsáveis pelas associações que serão discutidas neste texto.
2.3 ABORDAGEM DA QUESTÃO DE GÊNERO NA SEGURANÇA
INTERNACIONAL COMO CATEGORIA DE ANÁLISE
Dada a insuficiente menção às mulheres e seu envolvimento em processos de
paz e segurança até a década de 1990, é necessário utilizar outras ferramentas
teóricas para analisar esse esvaziamento normativo de forma crítica. De acordo com
o propósito deste trabalho, que pretende abordar a inserção das mulheres nas
normativas de paz e segurança da ONU, é necessário entender por quais motivos as
teorias tradicionais de Relações Internacionais não se adequam ou são insuficientes
para a análise dessa temática.
Procura-se compreender de que forma a inserção do debate sobre
sensibilidade de gênero está presente nas discussões, nas normativas e no
arcabouço jurídico correspondente aos processos de paz da ONU. As afirmações
discutidas aqui, que dialogam com os direitos e as especificidades das mulheres no
5 Fala da Embaixadora Irene Vida Gala na palestra: O Feminismo nas Relações Internacionais,
organizada pelo CARI Unifesp, de forma online, em 2020.
20
contexto da paz e da segurança internacional, com efeito, ‘’representam
contestações das práticas discursivas em instituições internacionais de paz e
segurança’’ (COHN, 2004, p. 13).
No entendimento de Joan Scott (1989), autora do artigo ''Gênero: uma
categoria útil de análise histórica'', o gênero serve para determinação da
organização social das relações entre os sexos. Ou seja, o gênero se torna uma
maneira de indicar as construções sociais das ideias sobre os papéis próprios às
mulheres e aos homens. Para a autora, enquanto as formas das relações de gênero
entre culturas distintas podem variar, elas são quase sempre desiguais, tornando o
gênero, no sentido estrutural, um caminho primário para significar relações de poder.
Na concepção de Judith Butler (2004), embora o sexo pareça imutável em
termos biológicos, o gênero é construído culturalmente. Ou seja, não é nem
permanentemente fixo quanto o sexo e nem decorrente deste. A autora defende que
o conceito carrega subjetividade, podendo designar tanto o aparato de produção
mediante o qual os sexos são concebidos e o próprio meio discursivo/cultural pelo
qual se estabelecem.
Numa perspectiva mais recente, Tedeschi (2012) fala que:
O uso da categoria de gênero como ferramenta de análise nos possibilita
entender os contextos em que os sujeitos estão inseridos [...] pensado como
um meio pelo qual se possa compreender como se organizam as relações
sociais, sexuais, marcando experiências e trajetórias de vida. (TEDESCHI,
2012, p. 3)
Apesar das dissonâncias, a sua aceitação ou a proposta da inserção desta
categoria nas pautas de Relações Internacionais é recente. Somente em meados da
década de 1980, quando os discursos de mulheres e política internacional e
publicações nessa área proliferaram, houve o uso do gênero como categoria
analítica nas Relações Internacionais. (TICKNER, 2006)
Nos anos 1980, a perspectiva de gênero começou a ser tratada como
disciplina quando surgiu a importância dada ao debate sobre a categoria na política
internacional, notadamente um acontecimento recente (TICKNER, 2006).
Entende-se que essa possui implicações, à medida que as relações internacionais
tiveram grande relevância para os padrões de relações de gênero, assim como as
dinâmicas de gênero influenciaram os processos globais de militarização eglobalização econômica, por exemplo (TRUE, 2001).
21
A demora em utilizar essa perspectiva, provavelmente foi devido ao fato dos
acadêmicos tradicionais de Relações Internacionais entenderem que as relações se
dão exclusivamente entre os Estados, e não em matéria de análise social. Além
disso, ainda existe, por parte destes, uma resistência ao aprofundamento teórico
dessa temática, em virtude do entendimento de que o gênero permeia tão somente
as relações interpessoais entre homens e mulheres, não se tratando de um assunto
cabível a esfera da política internacional (TICKNER, 1997).
Nesse sentido, utiliza-se o referencial teórico de acadêmicas feministas que,
desde a década 1980, abriram caminho para o envolvimento entre gênero e o
campo das Relações Internacionais, em um contexto anteriormente cego e
teoricamente abstrato no referido campo. (ACKERLY; STAN; TRUE, 2006). O
feminismo pode ser definido, segundo Laura Sjoberg e Sandra Via (2010, p. 9)
como: “uma teoria política que coexiste e interage com um movimento político
dedicado a erradicar os problemas que mulheres enfrentam em função de seu sexo”.
Logo, o uso deste referencial torna-se positivo em uma pesquisa sobre paz e
segurança, pois, segundo Ariño (2010, p. 12): “[...]estudos sobre a paz possuem um
compromisso político e sua pesquisa está voltada à transformação social, objetivo
este que é compartilhado com o feminismo.”
De acordo com True (2001), existem três abordagens feministas sobrepostas
no campo das Relações Internacionais. Segundo a autora, estas representam
formas de discutir a contribuição variada do campo. São elas:
(1) feminismo empírico, que enfoca as mulheres e/ou explora o gênero
como uma dimensão empírica das relações internacionais; (2) feminismo
analítico, que usa o gênero como categoria teórica para revelar o viés de
gênero dos conceitos de Relações Internacionais e explicar aspectos
constitutivos das relações internacionais; e (3) feminismo normativo, que
reflete sobre o processo de teorização como parte de uma agenda
normativa de mudança social e política (TRUE, 2001, p. 214, tradução
nossa).
As correntes feministas se consideram a partir do movimento de mulheres do
século XX. Este movimento é caracterizado por diferentes ondas com suas
reivindicações específicas. A primeira onda disse respeito aos direitos políticos como
o voto, marcando o sufrágio universal. A segunda onda, mais tardia, aos direitos
sociais, como a libertação sexual e o empoderamento das mulheres nas relações de
poder, marcando o feminismo com as associações feitas hoje. (MATOS, 2010) A
22
terceira onda abrangeu a causa, incluindo novas organizações coletivas dentro do
movimento feminista, onde pautas como o movimento negro e pós-coloniais foram
arregimentadas através da discussão das diferenças intragênero (ou seja: entre as
próprias mulheres) (MATOS, 2010). Ainda, deu maior ênfase aos processos de
institucionalização da pauta. A quarta onda, e mais recente, compreendeu temas
como direitos reprodutivos e apoio à comunidade LGBTQI+ (MATOS, 2010).
Os movimentos feministas são baseados na igualdade como premissa
fundamental, nesse sentido, acreditam que mulheres devem desfrutar das mesmas
liberdades e direitos concedidos aos homens. Esse movimento produz efeitos
políticos, segundo Biroli e Miguel (2014), na medida em que:
[...]ao denunciar a situação das mulheres como efeito de padrões de
opressão, o pensamento feminista caminhou para uma crítica ampla do
mundo social, que reproduz assimetrias e impede a ação autônoma de
muito de seus integrantes[...] (BIROLI; MIGUEL, 2014, p.17).
Porém, a igualdade almejada é estabelecida em bases desiguais e não
neutras, já que os espaços pretendidos por mulheres já foram destinados e
formulados sob óticas masculinas, numa sociedade marcada por desigualdades de
gênero. Este entendimento se agrega à perspectiva de gênero em estudos de todas
as áreas, e também, sobre a paz, segurança e nas Relações Internacionais.
Até a década de 1980, o campo das Relações Internacionais estudava as
causas da guerra e da expansão global do comércio, sem nenhuma referência
particular às pessoas (TRUE, 2001). É notório então, que acadêmicos das teorias
mais convencionais de Relações Internacionais (realistas, liberais, neorrealistas,
neoliberais) possuem o marcador em comum de nunca terem utilizado o gênero
como categoria de análise (TICKNER, 1997). Em razão disso, pode-se inferir que o
sistema internacional normaliza a guerra e o conflito, e esse sistema é
essencialmente masculino (informação verbal)6. Isso ocorre devido ao fato da
violência ter sido um dos pilares que sustentam a estrutura patriarcal ao longo da
história, o que reforça a necessidade de se incorporar a perspectiva de gênero ao
processo da paz (ARIÑO, 2010).
Segundo Tickner, foi a partir da década de 1980, que marcou o início da era
pós-positivista, juntamente com estudiosos(as) de outras abordagens críticas, que
6 Fala da Embaixadora Irene Vida Gala na palestra: O Feminismo nas Relações Internacionais,
organizada pelo CARI Unifesp, de forma online, em 2020.
23
as abordagens feministas situaram-se como bases científicas sociais, desafiadoras
no campo das Relações Internacionais. De acordo com True (2001), as análises
feministas revelaram o gênero masculino como fator dominante de políticas, e ainda,
a suposição de gênero que esses mesmos formadores de políticas são atores
estrategicamente racionais.
Algumas das discussões teóricas mais relevantes no campo dos Direitos
Humanos dizem respeito ao Universalismo e ao Relativismo Cultural. O discurso
universalista, que foi postulado na DUDH, intenciona abranger a todos como sujeitos
de direitos humanos. Apesar disso, feministas do século XX rejeitaram o conceito do
universalismo e questionaram se este promoveria igualmente a proteção dos direitos
das mulheres, quando requisitados em situações adversas àquelas vividas por
homens.7 Essa perspectiva surgiu em prol do que foi posteriormente chamado de
''política da diferença'' (BIROLI e MIGUEL, 2014).
Acadêmicas feministas de Relações Internacionais encontram problemas
estruturais ao teorizar sobre a segurança (TICKNER, 1997). A exemplo destes, há o
questionamento sobre o papel dos Estados como os provedores adequados de
segurança. Análises de segurança centradas nos Estados, e não nos indivíduos,
acabam forçando pesquisadoras(es) feministas a questionar o poder e as
capacidades militares, diferentemente dos acadêmicos tradicionais de Relações
Internacionais (TICKNER, 1997).
Por efeito do campo das Relações Internacionais ter sido tradicionalmente
pensado por homens, e onde a perspectiva estadocêntrica é preponderante, é
visível que esse seja marcadamente androcêntrico (TICKNER, 2006). No que tange
às especificidades das mulheres, principalmente nos conflitos armados, as
abordagens mais centralizadas nos Estados, em detrimento das relações entre
indivíduos, prejudicam a análise de problemas contundentes e recorrentes das
mulheres.
Entre problemas observados por críticas feministas, constam o uso contínuo
do serviço militar, que tem como resultado, a produção de uma grande diferença de
gênero administrada pelo Estado (COCKBURN, 2010). Ainda, o contingente militar é
interpretado em alguns estudos como instável e antiético, por ser tido como uma
7 A autora Kimberlé Crenshaw explora essa problemática do Universalismo em torno da proteção de
direitos específicos de mulheres, conforme o texto: CRENSHAW, Kimberlé. Documento Para o
Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, jan./jul. 2002.
24
instituição que define e promove um padrão ideal militarizado em sua atuação,
legitima o tipo de ordem social que, por vezes, pode valorizar a violência estatal. No
dever de garantir a segurança, as respostas aos problemas encontrados pelos
Estados, muitas vezes bélicas, desestabilizamainda mais a segurança,
particularmente de mulheres (TICKNER, 2006).
Corrobora com essa afirmativa o fato de que: ‘’durante os conflitos armados,
as mulheres são alvos de violência sexual’’ (AROUSSI, 2015, p. 10). Tickner (1997)
chama a atenção para a prática de estupro nas guerras, não como casos isolados
ou acidentes, mas sim, como uma estratégia militar sistemática. Além deste
problema contundente que acarreta no sofrimento de mulheres, decorrente da
violência física, elas também estão à mercê da privação econômica, discriminação,
falta de acesso à educação e a oportunidades de emprego durante conflitos
armados (AROUSSI, 2015). Soma-se a isso, o fato de constituírem grande parte do
contingente de pessoas refugiadas e deslocadas internamente, tudo isso
acarretando a subordinação econômica e pobreza das mulheres (AROUSSI, 2015).
Por entender que o gênero tem papel nas relações humanas e, por
consequência, gera implicações nas coordenações políticas, o gênero é utilizado
nesta pesquisa como uma categoria de análise. A seguir, tomando como base os
elementos históricos e teóricos apresentados, dá-se continuidade à pesquisa por
meio da utilização da metodologia de análise de conteúdo aplicada aos documentos
selecionados. Para desta maneira identificar de que modo a inserção da perspectiva
de gênero e a abordagem teórica feminista contribuíram para a alteração do quadro
normativo nos processos de Paz e Segurança da ONU, no período que compreende
1990-2010.
25
CAPÍTULO 2: O INÍCIO DA AGENDA DE MULHERES, PAZ E SEGURANÇA
ANÁLISE DOS DOCUMENTOS REFERENTES À INSERÇÃO DAS MULHERES
NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA DA ONU (1990-2010)
Qual seja o arcabouço normativo que situa as mulheres no contexto dos
direitos humanos, necessita-se também, localizar os documentos que promovem a
sua inserção no contexto de paz e segurança. Estes são significativamente cruciais
para determinar a criação da agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) da ONU,
apresentada no item 3.3 do presente trabalho.
Conflitos armados e a inserção das mulheres nos processos decorrentes
destes já vinham sendo tópicos dos debates feministas, porém, o que se consegue
observar na Resolução 1325 do CSNU de 2000, é um marco na institucionalização
desse debate (DRUMOND; REBELO, 2018a). Esta resolução fez a intersecção entre
a questão de gênero com a pauta de segurança internacional na Organização. A
Resolução, para além de abordar somente os impactos dos conflitos armados sobre
as mulheres, também prevê a proteção e a inserção das mulheres em todos os
processos decorrentes deste (DRUMOND; REBELO, 2018a).
O fim da Guerra Fria alterou a conjuntura do Sistema Internacional, que
passou de um sistema bipolar para multilateral. Assim, durante a década de 1990,
houve uma mudança na natureza das reuniões do CSNU. Esse fato trouxe novos
conflitos que obtiveram maior enfoque junto às questões humanitárias, portanto
ampliando o conceito de segurança, antes exclusivamente focado em matérias
bélicas e militares, para um que abrangesse a segurança humana e as raízes
sociais (AROUSSI, 2015). Esta variante foi fundamental para aumentar a
participação de agentes não-governamentais nas reuniões e incluir a adoção de
Resoluções temáticas na agenda do CSNU, que geralmente eram raras (IZZO,
2009).
Foram os movimentos sociais de mulheres, especialmente organizações
feministas pró-paz, que pressionaram o CSNU a adotar a Resolução 1325, que
oficialmente integra a perspectiva de gênero na organização. A aprovação desta foi
resultado de iniciativas feministas, lançadas por ONGs e posteriormente adotada por
defensores das mulheres dentro da ONU (COHN, 2004). Esse fator deslocou os
agentes nas instâncias da ONU, contribuindo com a atuação não-estatal, sendo
observada uma reivindicação da implementação de uma agenda que assegurasse
26
os direitos das mulheres no contexto de paz e segurança por parte desses atores
civis.
Assim, houve a ação conjunta de instâncias da ONU, representantes dos
interesses das mulheres e movimentos da sociedade civil, como grupos feministas.
Estes, se articulavam entre si, desde as Convenções anteriores que versavam sobre
os Direitos Humanos das mulheres (SCHWETHER, 2020). A atuação desses
movimentos foi fundamental, pois até a passagem da 1325 no CSNU, não havia
concentração de esforços para aplicar a integração de uma perspectiva de gênero
na área de segurança (COHN, 2004).
Antes da perspectiva de gênero ser efetivamente agregada aos processos de
paz e segurança, foram criados alguns documentos que alinham seus objetivos com
a construção da Agenda MPS, na década de 1990. Estes associam em seus
conteúdos a intenção de aliar os discursos normativos da ONU de paz e segurança
às especificidades das mulheres em conflitos, sinalizando uma sensibilidade de
gênero. Entende-se que as mudanças descritas acima contribuíram para a
formulação da Agenda MPS, pois destas mudanças, decorreu a maior abrangência
da esfera de segurança internacional para as questões sociais.
3.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE DE CONTEÚDO APLICADA A ESSA
PESQUISA
Para fazer a análise dos documentos, pretende-se utilizar a metodologia
desenvolvida por Laurence Bardin (1977), denominada análise de conteúdo. Esta
metodologia de pesquisa escolhida é útil para viabilizar a sistematização e análise
de documentos enquanto fontes primárias.
A análise de conteúdo inclui a seleção dos materiais, denominados de
unidades de contexto que, ao serem agrupados, possibilitam à/ao pesquisador(a)
realizar inferências sobre os conteúdos explorados nos materiais. Ainda, constitui
uma abordagem para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de
documentos e textos. Desse modo, faz parte de uma busca teórica e prática, com
seu uso obtendo destaque no campo das investigações sociais (MORAES, 1999).
A análise de conteúdo é bastante versátil, já que pode ser utilizada para
investigações qualitativas e quantitativas. Segundo Moraes (1999), a metodologia de
análise de conteúdo tem como objetivo básico produzir uma redução de dados de
27
uma comunicação. Esta, por sua vez, compreende as seguintes fases: 1) Apreensão
geral das ideias dos materiais escolhidos (leitura flutuante); 2) Codificação em
unidades de registro e unidades de contexto, para posterior formulação de
categorias de análise; 3) Categorização utilizando as unidades coletadas nos
referenciais e as indicações trazidas pela leitura geral; 4) Descrição, onde se
pretende comunicar os resultados obtidos do trabalho e, por último 5) Interpretação,
na qual é feita uma exploração profunda sobre os significados expressos nas
categorias de análise (MORAES, 1999).
Seguindo a metodologia, em um primeiro momento foi necessário realizar a
leitura dos documentos propostos e apreender de uma forma geral as ideias e os
significados dos textos, técnica denominada leitura flutuante. A fim de conciliar a
pesquisa documental com o objetivo de analisar a inserção da perspectiva de
gênero nas normativas de paz e segurança, foi necessário que os documentos
escolhidos justificassem esta proposição.
Sendo assim, a Análise de Conteúdo foi feita nos documentos que precedem
a criação da Agenda MPS (2000), por entender que ações e normativas voltadas às
mulheres no contexto de paz e segurança da ONU, já vinham sendo debatidas e
construídas antes mesmo da efetivação do tema na Organização. Posteriormente, a
presente pesquisa também utiliza a metodologia com o propósito de produzir
inferências acerca do conteúdo presente nos documentos analisados. Para tal
objetivo, a mesma metodologia será aplicada nas resoluções que compõem a
Agenda MPS, para fazer associações entre os dois róis de documentos.
Constam como unidades de análise a integralidade dos documentos
escolhidos. Estes, em suma, formulados em realizações jurídicas dentro do aparato
organizacional das Nações Unidas são:
A. Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995;
B. Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionaisdo Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) da ONU, de 1997;
C. Declaração e Programa de Ação Sobre uma Cultura de Paz da ONU, de
1999, e;
D. Declaração do Milênio e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de 2000.
Cada um destes documentos foram selecionados por razões distintas, porém
complementares. A (A) Declaração e Plataforma de Ação de Pequim foi escolhida
por ser considerada um marco no avanço pela inserção das mulheres, dos seus
28
direitos e por ter estabelecido de forma inédita o termo ‘’gênero’’ em uma
conferência mundial. A Declaração, adotada pelos membros na Quarta Conferência
Mundial Sobre a Mulher, de 1995, estabeleceu uma série de compromissos divididos
em 12 áreas e um roteiro para a obtenção de novos avanços. No ano 2000, os
Estados-membros revisaram a plataforma e se comprometeram a acelerar sua
aplicação nas revisões globais de cinco anos, 10 anos em 2005, 15 anos em 2010 e
20 anos em 2015.
A (B) Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) é um relatório da sessão plenária do Conselho
Econômico e Social da ONU, de 1997. Este documento foi escolhido por simbolizar
a primeira reunião de um órgão deliberativo internacional onde se buscou integrar a
perspectiva de gênero em todos os seus programas e políticas, dentro das
resoluções acordadas.
A (C) Declaração e Programa de Ação Sobre uma Cultura de Paz da ONU, de
1999, foi escolhida por salientar a importância da participação das mulheres como
parte integrante do processo de desenvolvimento econômico, social e de paz
duradoura e sustentável. Também salienta a importância de integrar a perspectiva
de gênero na aplicação de todos os instrumentos internacionais pertinentes.
No ano 2000, (D) a Declaração e Objetivos do Milênio foi adotada por todos
os Estados-membros da ONU e demonstrou um conjunto de metas para promover a
igualdade de gênero e combater diversos problemas sociais até 2015. Optou-se por
demonstrar atenção às necessidades específicas de gênero como um dos pilares
para a consagração do milênio.
Em um segundo momento, com vistas a relacionar os documentos escolhidos,
a análise de conteúdo será aplicada também nas resoluções que compõem a
Agenda MPS. As resoluções referentes a Agenda MPS e que serão analisadas aqui,
são:
● 1325 (CSNU, 2000)
● 1820 (CSNU, 2008);
● 1888 (CSNU, 2009a);
● 1889 (CSNU, 2009b) e;
● 1960 (CSNU, 2010).
Após a seleção do material, é feita a leitura flutuante, onde o processo de
formação das categorias se concretizou, conforme proposto por Bardin (1977):
29
originado na exploração dos documentos, sendo observada uma repetição de
termos que se associam à pesquisa. Cabe reconhecer que a Análise de Conteúdo é
uma técnica de pesquisa que trabalha com a palavra, permitindo de forma prática e
objetiva produzir inferências sobre o conteúdo de uma comunicação replicáveis ao
seu contexto social (MORAES, 1999).
Desse modo, as categorias formuladas foram: 1) Autonomia das mulheres; 2)
Desigualdade em relação a participação no poder político e nas instâncias
decisórias; 3) Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de
saúde; 4) Os efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres; 5) A associação da
paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres; 6) A necessidade de
proteção dos direitos da menina; 7) Integração da perspectiva de gênero em todos
aspectos institucionais da Organização e 8) Violência contra a mulher.
Assim, definidas as categorias, por serem consideradas precedentes à
Agenda MPS, deu-se continuidade à metodologia. Posteriormente, a exploração do
conteúdo foi realizada. Nessa metodologia, observou-se uma repetição destas
categorias no corpus dos documentos analisados, tornando possível a associação
dessas à temática deste trabalho.
3.2 ANÁLISE DOS DOCUMENTOS QUE ANTECEDERAM A AGENDA
MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (MPS)
Os documentos foram analisados intencionando demonstrar os precedentes
jurídicos que possibilitaram a resolução 1325 do CSNU. Para a análise dos mesmos,
buscou-se fazer a formulação de categorias, baseadas na inferência destes termos
nos documentos.
Junto à resolução 1325 posteriormente relacionada, a pesquisa procurou
responder à questão primordial levantada: quais documentos intencionam a
presença da perspectiva de gênero no contexto normativo de paz e segurança no
âmbito da ONU?
A partir da pesquisa dos documentos foram elaboradas as categorias iniciais,
conforme a sua presença foi observada nos textos.
Portanto, a seguir, tem-se a aplicação da metodologia nas categorias
escolhidas:
30
Quadro 1 - Categorias iniciais.
Categoria de
análise
Princípio norteador N° de
menções
da
categoria
Documento onde essa
categoria está presente
Autonomia das
mulheres
Fomenta a autonomia de
mulheres como parte
integrante do processo de
desenvolvimento
3 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
2- Declaração e Programa de
Ação Sobre Uma Cultura de
Paz (1999)
3- Declaração e Objetivos do
Milênio (2000)
Desigualdade em
relação a
participação no
poder político e
nas instâncias
decisórias
Deflagra a desigualdade
de gênero presente na
participação política entre
homens e mulheres.
1 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
Desigualdade em
relação aos
acessos: à
educação e aos
serviços de saúde
Menciona a desigualdade
de gênero presente no
acesso a serviços de
educação e assistência à
saúde
1 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
Os efeitos dos
conflitos armados
sobre as mulheres
Os documentos
reconhecem que
indubitavelmente mulheres
e homens possuem
consequências diferentes
em conflitos armados.
Essas consequências
podem ser econômicas e
sociais.
1 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
A associação da
paz sustentável
com o avanço dos
direitos das
mulheres
Reconhecer a importância
dada ao avanço das
mulheres e associá-lo com
o desenvolvimento da paz
sustentável
3 1- Declaração e Programa de
Ação para uma Cultura de Paz
(1999)
2- Adoção de Agenda e Outros
Assuntos Organizacionais do
Conselho Econômico e Social
(ECOSOC) (1997)
3- Declaração e Objetivos do
Milênio (2000)
A necessidade de
proteção dos
direitos da menina
Priorizar a proteção e a
promoção dos direitos
humanos da criança
1 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
31
Integração da
perspectiva de
gênero em todos
aspectos
institucionais da
Organização
Norteia os programas e
políticas das Nações
Unidas pautados sob uma
perspectiva de gênero
4 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
2- Adoção de Agenda e Outros
Assuntos Organizacionais do
Conselho Econômico e Social
(ECOSOC)
3- Declaração e Programa de
Ação para uma Cultura de Paz
(1999)
4- Declaração e Objetivos do
Milênio (2000)
Violência contra a
mulher
Violências graves são
cometidas sobre as
mulheres, principalmente
em períodos de conflitos
armados. Incluem o
assassinato, a tortura, as
violações sistemáticas, a
gravidez e os abortos
forçados e políticas de
depuração étnica.
1 1- Declaração e Plataforma de
Ação da IV Conferência Mundial
Sobre a Mulher (1995)
Fonte: primária. Elaborado pela autora a partir dos documentos: Declaração e Plataforma de Ação de
Pequim (1995), Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho Econômico e
Social (ECOSOC) (1997), Declaração Sobre uma Cultura de Paz (1999) e Declaração e Objetivos do
Milênio (2000).
Por terem sido analisadas simultaneamente, algumas categorias incidiram em
mais de um documento. Observando essa repetição dos termos e com vistas a
ampliar a análise dos dados obtidos, algumas categorias iniciais foram aglutinadas
entre si para as formulações de categorias derivadas, conforme as repetições
ocorreram.
Pretende-se fazer uma associação entre as categorias mencionadas nesses
documentos com a inserçãoda perspectiva de gênero no âmbito dos debates sobre
paz e segurança da ONU, seguindo a metodologia da análise de conteúdo, que
permite fazer essas associações, conforme estas sirvam para cumprir com o objetivo
da pesquisa (MORAES, 1999).
Além disso, as categorias derivadas foram criadas pelo método dedutivo,
sendo levada em consideração a abrangência dos termos encontrados e o contexto
das categorias iniciais formuladas anteriormente.
Conforme o esquema demonstra:
32
Quadro 2 - Categorias derivadas das categorias iniciais.
Categorias derivadas Princípio norteador
1. Igualdade de gênero Quando as relações sociais decorrem em bases
desiguais e não neutras, refletem-se dificuldades
de acesso entre homens e mulheres
proporcionais às medidas pensadas que, de fato,
não alcançam igualmente ambos os sexos.
2. Equilíbrio de gênero Ênfase na questão das mulheres como uma
matéria de direitos humanos, não se tratando de
uma situação decorrente exclusivamente de
problemas econômicos e sociais.
3. Transversalidade de gênero Visiona assegurar que a perspectiva de gênero
integre efetivamente as políticas públicas e
programas de todas as esferas de atuação
governamental.
Fonte: primária.
Posteriormente, seguindo a metodologia, pode-se deduzir uma associação
das categorias de análise derivadas com as categorias iniciais, simbolizando o
propósito dos documentos escolhidos com inferências sobre os mesmos. Conforme
demonstrado a seguir:
Quadro 3 - Categorias derivadas associadas às categorias iniciais.
Categoria derivada Princípio norteador Junção das categorias
iniciais
Igualdade de Gênero Quando as relações sociais
decorrem em bases desiguais
e não neutras, refletem-se
dificuldades de acesso entre
homens e mulheres
proporcionais às medidas
pensadas que, de fato, não
alcançam igualmente ambos
os sexos.
Desigualdade na
participação em instâncias
decisórias
Desigualdade em relação
aos acessos: à educação
e aos serviços de saúde
Violência contra a mulher
Necessidade de proteção
dos direitos da menina
33
Equilíbrio de Gênero Ênfase na questão das
mulheres como uma matéria
de direitos humanos, não se
tratando de uma situação
decorrente exclusivamente de
problemas econômicos e
sociais.
Autonomia das mulheres
Reconhecimento das
especificidades entre
homens e mulheres
Efeitos dos conflitos
armados sobre as
mulheres
Transversalidade de
Gênero
Visiona assegurar que a
perspectiva de gênero integre
efetivamente as políticas
públicas de todas as esferas
de atuação governamental
Associação da paz
sustentável com o avanço
dos direitos das mulheres
Integração da perspectiva
de gênero em todos
aspectos institucionais da
organização
Fonte: primária.
Pode-se constatar que dentre as menções dos documentos, inúmeras
buscam salientar a questão da divisão desigual existente nas relações entre homens
e mulheres. Essa desigualdade pode resultar em dificuldades que marcam
diferenças no alcance das mulheres a espaços, acessos a serviços específicos,
segurança econômica, entre outras situações que não estão em igualdade com as
vividas por homens. Desta afirmativa acima criou-se a categoria Igualdade de
Gênero.
Os esforços em relação ao Equilíbrio de Gênero fazem referência ao
reconhecimento das mulheres e a associação indispensável de seus direitos como
matéria indissociável de Direitos Humanos. Diferentemente da Igualdade de
Gênero, onde o obstáculo se dá nas diferenças no alcance de mulheres e homens,
o equilíbrio de gênero aborda a necessidade de se olhar a ausência de debates e a
subrepresentatividade dos direitos das mulheres no escopo dos Direitos Humanos
de forma crítica.
Já no tocante a abordagem da perspectiva de gênero em discussões políticas
e sua aplicação prática em ações no escopo das Nações Unidas, pode ser
entendida e ampliada para a categoria Transversalidade de Gênero. Esta, segundo
o próprio entendimento do Plano Nacional de Ação Sobre a Agenda Mulheres, Paz e
Segurança, é um conceito que pretende a inserção desta perspectiva em todos os
aspectos da organização (BRASIL, 2017).
34
Ao serem separadas e analisadas isoladamente, pode-se inferir que as
categorias iniciais retiradas dos documentos fazem menção à situação das mulheres
em diversos âmbitos, incluindo no contexto de paz e segurança.
Essa afirmação possibilitou a dedução das três categorias derivadas, mais
generalistas. Dessas categorias, associadas às categorias iniciais, buscou-se
sintetizar, de forma abrangente, quais termos que não estão explícitos nos
documentos que precederam a Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS), mas que
podem ser inferidos através de análise.
Cabe mencionar que não foram encontrados nos textos dos documentos
menção à categoria: estupro sistemático das mulheres nos conflitos, porém, foram
observados termos semelhantes. No lugar dessa categoria, foi colocada a categoria
referente à violência contra as mulheres.
3.3 ANÁLISE DAS RESOLUÇÕES DA AGENDA MULHERES, PAZ E
SEGURANÇA (MPS)
Aqui pretende-se complementar a análise da matéria, acerca da inserção da
perspectiva de gênero nas normativas de paz e segurança da ONU. Desse modo, a
mesma metodologia será aplicada nas resoluções do CSNU que compõem a
Agenda MPS, sendo utilizadas as mesmas categorias para uma aproximação entre
os documentos escolhidos nesta análise.
Portanto, as resoluções que compõem a Agenda MPS e que serão analisadas
são: 1325 (2000), 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009) e 1960 (2010).8
Quadro 4 - Categorias observadas nas resoluções da Agenda Mulheres, Paz e
Segurança (MPS) do CSNU
Categoria de análise Princípio norteador N° de
menções
da
categoria
Resolução onde essa
categoria está presente
Autonomia das
mulheres
Fomenta a autonomia de
mulheres como parte
integrante do processo de
desenvolvimento
1 1- Resolução 1325 (2000)
8 A agenda MPS prosseguiu com mais resoluções no CSNU no período posterior a 2010: a Resolução
2240 (2013), a Resolução 1927 (2013), a Resolução 2242 (2015) e a Resolução 2467 (2019). Como o
trabalho pretende observar a inserção da questão de gênero, paz e segurança no período proposto
(1990-2010), estas resoluções não foram exploradas neste trabalho.
35
Desigualdade em
relação a
participação no
poder político e nas
instâncias decisórias
Deflagra a desigualdade de
gênero presente na
participação política entre
homens e mulheres.
1 1- Resolução 1960 (2010)
Desigualdade em
relação aos acessos:
à educação e aos
serviços de saúde
Menciona a desigualdade
de gênero presente no
acesso a serviços de
educação e assistência à
saúde
1 1- Resolução 1889 (2009b)
Os efeitos dos
conflitos armados
sobre as mulheres
Os documentos
reconhecem que
indubitavelmente mulheres
e homens possuem
consequências diferentes
em se tratando de conflitos
armados. Essas
consequências podem ser
econômicas e sociais.
1 1- Resolução 1325 (2000)
A associação da paz
sustentável com o
avanço dos direitos
das mulheres
Reconhecer a importância
dada ao avanço dos
direitos das mulheres e
associá-lo ao
desenvolvimento da paz
sustentável
1 1- Resolução 1889 (2009b)
A necessidade de
proteção dos
direitos da menina
Priorizar a proteção e a
promoção dos direitos
humanos da criança
1 1- Resolução 1889 (2009b)
Integração da
perspectiva de
gênero em todos
aspectos
institucionais da
Organização
Norteia os programas e
políticas das Nações
Unidas pautados sob uma
perspectiva de gênero
1 1- Resolução 1325 (2000)
Violência contra a
mulher
Violências graves são
cometidas sobre as
mulheres, principalmente
em períodos de conflitos
armados. Incluem o
assassinato, a tortura, as
violações sexuais
sistemáticas, a gravidez e
os abortos forçados e
políticas de depuração
étnica.
2 1- Resolução 1820 (2008) e
Resolução 1888 (2009a)
Fonte: Primária. Elaborado pela autora com base nos dados do CSNU (2000, 2008, 2009a,
2009b, 2010).
A partir da presença das mesmas categorias iniciais nos textos das
Resoluções, pode-se inferir que a menção destas, ao passo que foram surgindo nodebate do CSNU, foram imperativas para que o gênero fosse tratado como uma
36
dimensão da agenda global. Isto posto, a aprovação da resolução 1325 é
significativa, pois este marco regulatório advém, sobretudo, do CSNU, grupo
deliberativo de suma importância no âmbito da ONU, onde ocorrem as tomadas de
decisões relevantes e recorrentes sobre Paz e Segurança. Logo, pode-se constatar
que dos anos 2000 em diante, também incidiu em maior densidade e destaque às
questões relacionadas com o gênero nas Relações Internacionais (VITALE;
NAGAMINE, 2018).
Por meio da série de resoluções que compõem a agenda MPS, o CSNU visa
atribuir significado concreto ao princípio de igualdade de direitos, consagrado no
preâmbulo da Carta da ONU. Ainda, associa em si o trinômio “gênero, paz e
segurança internacional” (IZZO, 2009). Conforme debatido no capítulo 1, a igualdade
de gênero nos debates sociais e políticos, não era concebida como um direito
humano básico (GHISLENI, 2011) no período prévio à criação da agenda MPS. No
entanto, a sua conquista possui enormes ramificações socioeconômicas pois o
empoderamento9 de mulheres alimenta economias prósperas, gerando
produtividade e crescimento.
Dadas essas afirmativas, pode-se compreender a significativa importância de
uma agenda que desloca esforços materiais e físicos para assegurar direitos das
mulheres em meio aos conflitos armados, onde ocorrem diversas violações
sistemáticas de direitos humanos. A deliberação de uma agenda que resguardava a
sensibilidade de gênero no contexto de paz e segurança, portanto, ocorreu de forma
inédita no CSNU, através da Resolução 1325.
A Resolução 1325 afirma a inserção das mulheres em acordos de prevenção,
gestão e resolução de conflitos. Por ser a primeira resolução dessa temática, está
guiada de acordo com 3 objetivos (3 p 's): prevenção, proteção e participação.
Assim, ela encoraja a participação das mesmas como Representantes Especiais e
enviadas especiais do Secretário Geral das Nações Unidas (SGNU); Insta o SGNU a
aderir a participação das mulheres como observadores militares e policiais; dispõe
do interesse de incorporar a perspectiva de gênero nas operações de manutenção
da paz; reitera aos Estados o dever de respeitarem o direito internacional
humanitário, especialmente no que tange às mulheres e intenciona que os
9 Segundo o Embaixador José Lindgren Alves, a palavra ‘’empowerment’’ contém um sentido amplo,
sendo utilizada para referenciar capacitação, participação no poder político, econômico etc. (ALVES,
2001). Por essa abrangência, o termo ‘’empoderamento’’, tradução literal do termo original, será
utilizado.
37
processos de manutenção da paz considerem as necessidades distintas de homens
e mulheres ex-combatentes (CSNU, 2000). Essa resolução pode ser associada às
categorias anteriormente mencionadas: Autonomia das mulheres; Os efeitos dos
conflitos armados sobre as mulheres e Integração da perspectiva de gênero
em todos aspectos institucionais da Organização.
Resoluções posteriores, como a 1820 (2008) e a 1888 (2009) determinam
diretrizes referentes à violência sexual nos conflitos armados. Para o enfrentamento
dessa prática tão recorrente em países desestabilizados por conflitos. Além disso,
esclarecem a importância de um Representante Especial do SGNU sobre a
temática, incentiva os Estados a adotarem medidas preventivas e punitivas para a
prática e reforça a intolerância zero a crimes de violência sexual contra civis. Essas
resoluções, fazem referência a categoria supracitada, a Violência contra a mulher
(CSNU; 2008, 2009a).
A resolução 1889 (2009) reitera a importância da presença das mulheres em
processos de manutenção da paz (CSNU, 2009b). Através de medidas como:
solicitação de estratégias para o aumento no número de mulheres nas missões
políticas, de paz e em atividades de consolidação da paz; solicita ao SGNU incluir
seção voltada a proteção das mulheres e meninas em todos seus relatórios; insta os
Estados a lidarem com situações pós-conflito sob a perspectiva de gênero,
garantindo o direito ao acesso à educação nesses casos; reforça a criação de
indicadores mundiais para controle da aplicação das resoluções da agenda MPS e
solicita ao SGNU a elaboração de relatório quanto à inclusão e participação das
mulheres em processos de consolidação da paz (CSNU; 2009b). Essa resolução
associa-se com as categorias anteriormente mencionadas: Desigualdade em
relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde; A associação da
paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres e A necessidade de
proteção dos direitos da menina.
A resolução 1960 (2010) refere-se a capacitação de pessoal voltada
especificamente à perspectiva de gênero (CSNU, 2010). Incentiva o treinamento
militar específico sobre gênero e o aumento no número de pessoal militar e policial
mulheres, caracterizando uma demanda da presença das mulheres em processos
de paz e segurança por parte das Nações Unidas. Essa última resolução associa-se
à categoria inicial: Desigualdade em relação à participação no poder político e
nas instâncias decisórias.
38
Para buscar entender quais os desafios para a implementação da Agenda
MPS por parte do Estado Brasileiro, no próximo capítulo serão discutidos os
respectivos alcances e dificuldades operacionais da Agenda. Para tal, será
apresentado, num primeiro momento, o Plano Nacional de Ação sobre Mulheres,
Paz e Segurança, documento adotado pelo Brasil em 2017, resumindo seus
principais avanços e mecanismos utilizados para proteção dos direitos das mulheres
no país, em resposta aos apelos das Nações Unidas para que seus
Estados-membros promovessem estratégias nacionais para a implementação dos
compromissos assumidos pela Resolução 1325 do CSNU. O segundo momento
abordará os problemas centrais para o avanço da Agenda Mulheres, Paz e
Segurança no contexto nacional.
39
CAPÍTULO 3: OS DESAFIOS DO CONTROLE E IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA
MULHERES, PAZ E SEGURANÇA NO BRASIL
Os documentos analisados nos itens 3.2 e 3.3 do presente trabalho mostram
que a discussão sobre gênero nos processos de paz e segurança é recente, sendo
institucionalizada pela ONU através da Resolução 1325 de 2000. Assim, pode ser
inferida a presença da perspectiva de gênero no rol dos documentos anteriormente
analisados (no item 3.2), considerando estes como precedentes da criação da
Agenda MPS. Em outras palavras, os documentos intencionam garantir o avanço da
agenda de gênero nas normativas da ONU.
A Agenda MPS, criada para prever a proteção e promoção dos direitos das
mulheres, ser um mecanismo de política externa e fazer a intersecção entre gênero
e processos de paz (CSNU, 2000) foi pautada na objetivação de políticas em prol da
igualdade de gênero nos setores de defesa, segurança e relações exteriores. Isto
posto, chamar atenção para as necessidades específicas de mulheres e meninas
aliada à maior participação de mulheres em processos de paz e consolidação da paz
tornaram-se imperativos para a paz duradoura (GIANNINI, 2016).
Apesar dessa discussão também ser recente no Brasil, o país assumiu um
posicionamento favorável à defesa dos direitos humanos das mulheres em ações
precedentes à criação dessa agenda10. Segundo Salomón (2020), a partir da década
de 1980, a participação brasileira ativa em conferências e fóruns regionais e
internacionais sobre a matéria expandiu significativamente. Os compromissos
globais e regionais assinados pelo país sobre o tema dos direitos das mulheres,
contou com a sua manifestação ativa nos fóruns de discussão em que estes são
periodicamente debatidos e revisados11.
11 Dentre esses eventos que contaram com a participação do Brasil, estão: A Comissão das Nações
Unidas sobre a Situação da Mulher (CSW); a Comissão Interamericana da OEA sobre a Mulher; as
Conferências Regionais da CEPAL sobre a Mulher na América Latina e no Caribe e as Reuniões de
Ministros e Autoridades Superiores do Mercosul sobre a Mulher. (SALOMÓN, 2020)
10 O

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