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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG FACULDADE DE DIREITO - FADIR CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS RACHEL FERREIRA OAKES GÊNERO E NORMATIVAS INTERNACIONAIS DE PAZ E SEGURANÇA: A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (1990-2010) E O PLANO NACIONAL DE AÇÃO DO BRASIL (2017) SANTA VITÓRIA DO PALMAR 2021 RACHEL FERREIRA OAKES GÊNERO E NORMATIVAS INTERNACIONAIS DE PAZ E SEGURANÇA: A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (1990-2010) E O PLANO NACIONAL DE AÇÃO DO BRASIL (2017) Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande - FURG, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharela em Relações Internacionais. Orientadora: Profa. Dra. Gabriela M. Kyrillos Co-orientadora: Profa. Ma. Bibiana P. Florio Santa Vitória do Palmar Maio 2021 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer inicialmente a minha família, por sempre me dar o incentivo e suporte necessários para concluir os estudos. Em especial, a minha mãe, minha irmã e meu falecido pai que apesar da distância durante a graduação, foram presentes e tornaram possível este sonho sendo uma incrível rede de apoio e conforto. Agradeço imensamente, aos amigos especiais que fiz nessa jornada da Universidade. Dedicatória às meninas do pensionato, aos colegas e pessoas que conheci através da FURG - Campus Santa Vitória do Palmar que deixaram marcas e memórias que representaram algo que vai além de relações acadêmicas, tornando-se uma parte da minha história, do meu desenvolvimento pessoal e intelectual durante essa fase. Também dedico este agradecimento aos meus amigos de longa data, por acompanharem comigo esta trajetória de quatro anos, que incluiu alegrias, lágrimas e algumas noites em claro. A todo corpo docente e funcionários do Curso de Relações Internacionais da FURG, faço menção, pois me deram as bases para a escrita deste trabalho. Em especial, agradeço à minha orientadora, Gabriela Kyrillos, por ser fundamental em todo o processo de desenvolvimento da pesquisa, mas para além disso, por influenciar outras áreas de interesse de estudos através do INDERI. Também gostaria de agradecer a professora Bibiana Florio como minha coorientadora e que foi uma aliada no processo da escrita do TCC. Ainda, gostaria de agradecer à comunidade de discentes de Relações Internacionais do Brasil que, durante todos os encontros estudantis dos quais participei, proporcionaram-me discussões ricas que fomentaram ideias inspiradoras dentre a área de Relações Internacionais. Por fim, gostaria de agradecer a mim mesma por, durante todo o período da graduação, não ter me deixado abater por críticas, por ter me esforçado e alcançado um aproveitamento do qual me orgulho e por ter dado o máximo de mim para aproveitar as oportunidades e os momentos dentro do curso. Foram diversas experiências proporcionadas por pessoas e instituições diferentes que contribuíram com meu amadurecimento e, para além desta etapa de finalização do curso, para o encerramento de mais um ciclo. RESUMO A inserção da perspectiva de gênero nas normativas que compõem os processos de paz e segurança das Nações Unidas (ONU), contribui para a integração das mulheres no planejamento institucional das operações de paz e segurança. Essa perspectiva é debatida neste trabalho, denotando a sua ausência nos direitos humanos até a sua origem e inserção em todos os processos de paz e segurança, resultando na criação da agenda Mulheres Paz e Segurança (MPS) (2000) do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Devido a relevância desta temática no sistema internacional, adquirida pela crescente disseminação da matéria no campo normativo e acadêmico a partir da década de 1990, este trabalho visa entender a integração da perspectiva de gênero enquanto um aspecto estrutural e como esta abordagem se insere nos processos de paz e segurança da ONU. O trabalho utiliza o referencial teórico produzido por autoras feministas sobre gênero, segurança e direitos humanos aliado a metodologia da análise de conteúdo, conforme proposta por Laurence Bardin (1977). Os documentos analisados na análise de conteúdo são considerados precedentes da criação da Agenda MPS: A Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995); as Conclusões Acordadas do Conselho Econômico e Social da ONU (1997); a Declaração Sobre Uma Cultura de Paz (1999) e a Declaração e Objetivos do Milênio (2000). Ainda, a mesma metodologia é aplicada nas resoluções que compõem a própria Agenda, sendo elas: 1325 (2000); 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009) e 1960 (2010) da Agenda MPS. Como resultados, tem-se a presença de categorias comuns aos dois róis de documentos e que dialogam com a temática do trabalho. Por fim, se salienta o papel do Brasil no avanço da Agenda MPS através da implementação do Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança (PNA, 2017) e se identificam os principais desafios operacionais para a execução de suas metas. Palavras-chave: Gênero. Normativas de Paz e Segurança. Agenda Mulheres Paz e Segurança (MPS/ONU). Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança (PNA). ABSTRACT The emersion of a gender perspective in the norms that make up peace and security processes in the United Nations (UN), contributes to the integration of women in the institutional planning of peace and security operation This perspective is debated in this work, denoting its absence from human rights until its origin and emersion in all the processes of peace and security, resulting in the creation of the Women’s Peace and Security agenda (WPS) (2000) United Nations Security Council (UNSC). Due to the relevance of this thematic in the international system, acquired by the rapid dissemination of the subject in the normative and academic field during the 90s, this work aims to understand the integration of gender perspective as a structural aspect and how this approach is part of the UN peace and security processes. This work references titles produced by feminist authors about gender, security and human rights, and utilises the content analysis methodology proposed by Laurence Bardin (1977). The documents assessed using this methodology are considered precedents for the creation of the MPS Agenda: The Beijing Declaration and Platform for Action (1995); the Agreed Conclusions of the UN Economic and Social Council (1997); the Declaration on a Culture of Peace (1999) and the Millennium Declaration and Objectives (2000). Still, the same methodology is applied in the resolutions that make up the Agenda itself, which are: 1325 (2000); 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009) and 1960 (2010). As a result, we have the presence of categories common to the two lists of documents and which dialogue with the theme of work. Lastly, it highlights the role of Brazil in advancing the WPS Agenda through the implementation of the National Action Plan (PNA) (2017), and the main operational challenges for the achievement of its goals are identified. Key-words: Gender. Peace and Security Standards. Women, Peace and Security Agenda (WPS/UN). National Action Plan on Women, Peace and Security (NAP). LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Categorias Iniciais…………………………………………..........................30 Quadro 2 - Categorias Derivadas………………………………………….....................32 Quadro 3 - Categorias Derivadas Associadas às Categorias Iniciais………………..32 Quadro 4 - Categorias observadas nas resoluções da Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS)………………………………............................................................34 Quadro 5 - Eixos temáticos na estrutura do Plano Nacional de Ação Sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança…………………………………………………...................44 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….....8 2. SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS: CONTEXTO E AUSÊNCIA DAS MULHERES……………………..….10 2.1. O SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS………...10 2.2. UM BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS MULHERES NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA……………………………………..13 2.3. ABORDAGEMDA QUESTÃO DE GÊNERO NA SEGURANÇA INTERNACIONAL COMO CATEGORIA DE ANÁLISE……………….............................................................................19 3. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS REFERENTES À INSERÇÃO DAS MULHERES NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA DA ONU (1990-2000)........................................................................................................25 3.1. METODOLOGIA DA ANÁLISE DE CONTEÚDO APLICADA A ESSA PESQUISA..............................................................................................26 3.2. ANÁLISE DOS DOCUMENTOS QUE ANTECEDERAM A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (MPS)......................................................................................................29 3.3. A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA.....................................34 4. OS DESAFIOS DO CONTROLE E IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA NO BRASIL…………………………….......39 4.1. MUDANÇAS OBSERVÁVEIS A PARTIR DA CONSTRUÇÃO DA AGENDA MPS: O PLANO DE AÇÃO BRASILEIRO...............................40 4.2. LIMITAÇÕES DA AGENDA MPS E ATUAIS DESAFIOS........................45 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………..............................................................51 REFERÊNCIAS..................................................................................................53 8 INTRODUÇÃO A manutenção da paz e da segurança são as razões fundacionais das Nações Unidas. Essas temáticas vêm sendo debatidas dentro dessa organização internacional, na área das Relações Internacionais e em meio às normativas de Segurança Internacional. Uma das razões é que em caso de guerras, dentro e fora dos Estados nacionais, as populações civis são as maiores vítimas, estando à mercê de disputas de interesses e poder. A perspectiva de gênero contribui nesse contexto, pois surge positivamente através da inclusão das mulheres neste debate. No entanto, é verificado que não se priorizam os processos de proteção e promoção dos direitos das mulheres em conflitos armados, até o momento da criação da Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS), em 2000. Por isso, a presente pesquisa visa responder o seguinte problema: Como a Organização das Nações Unidas (ONU) passou a incluir a perspectiva de gênero nos processos de paz, possibilitando o envolvimento de mulheres na estrutura normativa internacional de Paz e Segurança? E como esta agenda chega ao Brasil? A pesquisa da paz e segurança tem sido desenvolvida como disciplina acadêmica desde meados do século XX, tem ampliado seu foco de investigação a partir de uma base prática adquirida de mudanças reais e tem sido influenciada pelas mudanças e os eventos históricos (ARIÑO, 2010). Considerando que a disciplina das Relações Internacionais foi fundamentada, entre outros motivos, pela necessidade de um entendimento multidisciplinar do mundo pós-conflito, emergem diferentes fatores de análise que produzem perspectivas distintas nesse campo de pesquisa. Portanto, de modo a sintetizar o objetivo geral dessa pesquisa, procura-se identificar: de que modo a inserção da perspectiva de gênero e a abordagem teórica feminista contribuíram para a alteração do quadro normativo nos processos de Paz e Segurança da ONU entre 1990 e 2010, e na implementação do Plano Nacional de Ação sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, de 2017. Para cumprir esses propósitos, a pesquisa utiliza a técnica de pesquisa da revisão bibliográfica, através dos referenciais teóricos produzidos por autores(as) feministas das Relações Internacionais, principalmente: Ann Tickner (1997); Carol Cohn (2004); Cynthia Cockburn (2010); Cynthia Enloe (1990); Jacqui True (2001), entre outros autores(as). E utiliza a metodologia da análise de conteúdo, conforme 9 proposta por Laurence Bardin (1977). Essa metodologia objetiva a redução de dados de uma comunicação, através da formulação de categorias que permitem explorar nos documentos escolhidos, as inferências que se está buscando encontrar. Nesse sentido, a análise de conteúdo permite identificar não somente as mensagens explícitas nos textos dos documentos, mas também as que estão implícitas. Para isso, a metodologia se aplica aos documentos escolhidos que se alinham ao problema de pesquisa. Portanto, no primeiro capítulo se discutirá: i) o contexto do processo de paz e segurança das Nações Unidas; ii) a sub-representatividade dos direitos humanos das mulheres no escopo de paz e segurança e iii) a justificativa teórica do uso da categoria de gênero na pesquisa. No segundo capítulo, pretende-se utilizar a metodologia aplicada sobre os documentos relevantes à temática da pesquisa, por entender que estes mencionam categorias que podem ser concebidas como precedentes da criação da Agenda Mulheres, Paz e Segurança. Após, a mesma metodologia será aplicada às resoluções que compõem a referida agenda, por entender que as categorias apresentadas são fundamentais para dialogar os três temas anteriores. No último capítulo, tem-se a apresentação do Plano Nacional de Ação sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança (PNA). Discutem-se os avanços e limites do PNA, que serviram para observar a implementação da agenda sobre mulheres, paz e segurança como um eixo da política externa brasileira. Por fim, conclui-se que nos documentos utilizados na análise de conteúdo, a presença de categorias comuns associadas aos dois róis de documentos, são resultados possíveis e, portanto, representam termos norteadores para o avanço da Agenda Mulheres, Paz e Segurança. Ademais, pode-se concluir que a formalização de uma agenda aliada ao princípio de igualdade de gênero, consagrado nas normativas da ONU, não é suficiente se não estiver acompanhada de expressivas políticas públicas que coloquem em prática este princípio no âmbito doméstico. 10 SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS: CONTEXTO E AUSÊNCIA DAS MULHERES 2.1 O SISTEMA DE PAZ E SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS O campo das Relações Internacionais surge em um momento de desordem internacional, com a finalidade de compreender o fenômeno dos conflitos mundiais. O contexto da eclosão das Primeira e Segunda Guerra Mundiais requisitou aos teóricos e intelectuais das ciências sociais que se refletisse, debatesse e estudasse mais acerca dos conflitos a nível internacional, pois já não era possível abordar o assunto pela via interna dos Estados ou compreendendo a relação entre poucos atores. Em um contexto de conflitos internacionais de grandes proporções, discussões sobre esta temática fizeram-se necessárias, com as mazelas trazidas pela sucessão de Guerras Mundiais. O uso de artefatos atômicos utilizados ao final da Segunda Guerra Mundial como instrumentos de expressão de poder, acabaram agravando as consequências dos conflitos armados, gerando assim, demandas internacionais que expressaram a relevância do debate sobre a prevenção, promoção e manutenção da paz e da segurança. Para tanto, em casos de discordâncias internacionais, foram criadas medidas pacíficas de resolução de conflitos1 que deveriam ser empregadas. Em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada, com a finalidade de servir de fórum aos Estados e garantir medidas para a paz e segurança internacionais2. Além disso, a sua criação está intimamente ligada com o fracasso da Liga das Nações (1919) como instituição que pretendia evitar novos conflitos após a Primeira Guerra. Segundo Corrêa (2011, p. 310) : ''[...] as Nações Unidas se construíram sobre a ideia da manutenção da paz através da preservação da aliança vitoriosa de 1945'' . A estrutura das Nações Unidas é composta por três órgãos deliberativos, quais sejam: 1) Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU); 2) Conselho Econômico e Social (ECOSOC) e 3) Conselho de Segurança (CSNU). Todos 2 Artigo 1 da Carta das Nações Unidas: Os propósitos das Nações Unidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19841.htm> 1 O artigo 33 da Carta das Nações Unidas indica como meiospacíficos de soluções de controvérsias: negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais ou qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 11 possuem um caráter congressual, onde a tomada de decisões é, de certa forma, articulada entre todos os participantes. No entanto, formulada sob a lógica do pós-guerra, essas instâncias remetem à unidade de poder das cinco grandes potências, as quais seriam responsáveis pela manutenção da paz e da segurança. Compõem o CSNU China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia, como países permanentes e com poder de veto. No CSNU, ainda existem outros 10 membros rotativos, com mandatos de 2 anos, sem poder de veto. Considerando a alta mortandade da II Guerra Mundial, as novas definições de política internacional e o contexto de reconstrução no qual foi criada a ONU, era necessário fomentar maneiras de operacionalizar os propósitos de manutenção da paz previstos pela Carta da ONU. As operações de paz surgiram com o objetivo de colocar em prática os princípios firmados, como a manutenção da paz e da segurança internacionais e o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos da Convenção de São Francisco (1945). O uso deliberado e a constante necessidade da ONU de dar uma resposta às demandas internacionais por auxílio, acabam por originar um dos instrumentos de apoio à organização para a realização da manutenção da paz e da segurança internacional (MAIDANA, 2013). Entende-se operações de paz como: ''[...] um complexo de grupos de atividades distintas. A sua base, no entanto, é essencialmente militar'' (MAIDANA, 2013, p. 48). A evolução dessas operações pode ser dividida em três fases distintas, conforme descreve Maidana (2013, p. 46): ''1a) O surgimento das operações, contextualizado pela Guerra Fria; 2a) O aprimoramento, devido a expansão e complexidade dos conflitos armados e, atualmente, se encontra na 3a) fase, de consolidação''. Apesar da ONU ser a instituição precursora das operações de paz, por ter criado os moldes das operações, as missões articuladas com o propósito de segurança não estão necessariamente sujeitas ao aval da ONU. Independentemente da organização responder por mais da metade das operações de paz já criadas, desde o início dos anos 1990 (SAINT-PIERRE e VITELLI, 2018), estas podem entrar em curso com ou sem a participação das Nações Unidas (MAIDANA, 2013). De acordo com Maidana (2013), as operações de paz podem ser categorizadas em quatro gerações distintas. A primeira é a mais tradicional, caracterizada pelo propósito de monitoramento ao cumprimento ou não de tratados 12 internacionais e de acordos de cessar fogo. A segunda, refere-se à complexidade dos conflitos armados e envolve a prevenção e intervenção por parte da ONU, que atua através da capacitação do contingente militar, envio de policiais da própria organização e oferecimento de instrução, para fim de estabelecimento da segurança, ao pessoal local. Logo, a primeira e a segunda geração se caracterizam por seu aspecto tradicional e multidimensional, respectivamente. A terceira geração se caracteriza pela imposição da paz em locais de conflito e visa a aplicação do uso da força em locais onde uma operação de manutenção da paz, já em curso, esteja em vias de falir (MAIDANA, 2013). Por fim, segundo Maidana sobre a quarta geração: ‘’mencionada por alguns autores, não se encontra devidamente definida nem reconhecida pela maior parte da doutrina que se dedica a esse tema’’ (MAIDANA, 2013, p. 47). As operações de paz da primeira geração caracterizam-se por serem essencialmente militares, porém, as missões de paz da ONU não possuem unicamente esse propósito. Apesar das missões de paz da primeira geração se dedicarem exclusivamente para tal fim, as missões militares não são as únicas atividades possíveis no âmbito da ONU. Há que se fazer a diferenciação entre as terminologias que compõem este meio. As mais utilizadas são: peacemaking, peacebuilding, peacekeeping e peace enforcement (UNITED NATIONS PEACEKEEPING, 2020). Peacemaking inclui medidas para acessar conflitos em progresso e normalmente envolve ações diplomáticas para trazer as partes a um acordo (MAIDANA, 2013), isso porque o consentimento dos Estados, caracteriza os mecanismos de diplomacia preventiva, que incluem o peacemaking, peacebuilding e peacekeeping (IZZO, 2009). O Peacebuilding refere-se ao processo longo e árduo de criar condições necessárias para a paz sustentável, ao tratar das questões centrais que afetam o funcionamento da sociedade e Estado (MAIDANA, 2013). Entende-se por Peacebuilding, a execução de atividades que busquem consolidar uma paz negociada. Este termo ganhou força na década de 1990, com as operações de paz marcando a multilateralidade e o caráter humanitário, integrando o tripé “paz, desenvolvimento e direitos humanos”, característico do pós-Guerra Fria (IZZO, 2009). 13 Já Peacekeeping remete às operações de manutenção de paz, a princípio desdobradas para apoiar acordos de paz ou cessar-fogo, porém muitas vezes solicitadas para desempenhar um papel ativo nos esforços de Peacemaking e que também podem estar envolvidas nas atividades de Peacebuilding (MAIDANA, 2013). Por último, destaca-se o mecanismo denominado Peace Enforcement, que trata de medidas coercitivas, obtendo a instância da imposição da paz. As medidas utilizadas podem incluir a força militar, e de acordo com a Organização, requerem a explícita autorização do Conselho de Segurança (UNITED NATIONS PEACEKEEPING, 2020). Contudo, essas medidas, caracterizam o renascimento das operações de segurança coletiva, marcando a diferença com os outros mecanismos, pois o caráter humanitário relativiza a necessidade de autorização das partes envolvidas para que o Peace Enforcement ocorra (IZZO, 2009). Definidas as diferenciações terminológicas, pode-se salientar a necessidade de participação das mulheres, em um espaço onde se firmam mudanças sociais, políticas e institucionais em prol do binômio paz e segurança. (IZZO, 2009). Para que se possa, posteriormente, indagar sobre a assertividade da perspectiva de gênero nestas instâncias, primeiro é necessário revisar o aporte conceitual capaz de justificar o debate sobre o olhar de gênero desses processos. 2.2 BREVE HISTÓRICO DOS DIREITOS DAS MULHERES NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA Há uma crescente preocupação com os direitos humanos e a questão das mulheres, pois esta era invisibilizada no mundo político e social. E esse pensamento nasce da dificuldade da sociedade em reconhecê-los e respeitá-los em suas diferenças (IORA, 2013). Sabe-se que as mulheres foram por muito tempo deslocadas dos assuntos decisivos na esfera da segurança internacional, pois quanto à participação delas, há falta de vontade de incluí-las em iniciativas de mudança, sinalizando uma falta da sua participação e perspectiva em processos de manutenção da paz (ARIÑO, 2010). Dito isso, corrobora com esta análise Ghisleni (2011), ao enfatizar que temas como a paz e a segurança internacionais não possuíam ligação direta com a temática dos direitos humanos. Portanto, quanto à proteção das mulheres 14 envolvidas em conflitos armados, não existiam, até os anos 2000, os mecanismos necessários, ou eram insuficientes. Conflitos armados indubitavelmente têm efeitos devastadores sobre os seres humanos, mas as experiências das mulheres em conflito são sensivelmente diferentes. Durante os conflitos as mulheres são alvos majoritários de violência sexual. Também estão sujeitas a violência econômica, pois são privadas e discriminadas. Não obstante, acentua-se a falta de acesso à educação e a oportunidades de emprego nesse contexto, contribuindo para a subordinação econômica e pobreza das mulheres (AROUSSI, 2015). O lento avanço normativo deste campo associado ao esvaziamento da matériano tocante a questão das mulheres é corroborada por autores(as), que destacam: ''a resistência por parte das instituições políticas em inserir as temáticas de gênero em suas pautas'' (BIROLI; MIGUEL, 2014, p. 7). Logo, pode-se observar a falta de mecanismos internacionais firmados em função dos conflitos com a perspectiva de gênero. A partir dessa afirmativa, esta seção pretende observar a ausência de mecanismos que dão conta de proteger mulheres no contexto dos conflitos armados. De acordo com Ann J. Tickner, importante expoente da teoria feminista nas Relações Internacionais: escritos de acadêmicas feministas tem focado mais em indivíduos e suas configurações sociais, políticas e econômicas em vez de Estados unitários descontextualizados e estruturas internacionais anárquicas (TICKNER, 1997, p. 616). Essa visão, diferentemente de outros aportes teóricos mais tradicionais de Relações Internacionais, contribui para a análise das especificidades das mulheres como sujeitos de direitos humanos, visto que os direitos humanos tangenciam o direito à vida, à liberdade de ir e vir, à integridade física e moral, entre outros. Apesar de possuírem diferentes vertentes e correspondências entre si, foram os assuntos abordados por autoras(es) e intelectuais feministas3 que forçaram o debate entre o entendimento das demandas políticas reivindicadas por movimentos sociais de mulheres e as especificidades das mesmas no contexto da segurança internacional. Este assunto será aprofundado no capítulo 2 com a articulação de 3 Para consultar mais autoras feministas que discutem sobre movimentos de mulheres e o contexto de paz e segurança, ver: COCKBURN (2010); COHN (2004); ENLOE (1990); SJOBERG (2010) e TICKNER (1997;2006). 15 movimentos sociais de mulheres que foram responsáveis pela implementação da Resolução 1325 (2000). Previamente, é necessário remeter aos documentos que remontam a trajetória recente dos direitos humanos das mulheres, justificando o marco temporal deste trabalho. Entende-se que, foi o avanço das discussões de gênero no campo internacional dos Direitos Humanos, que levou a inclusão dessa perspectiva nas discussões sobre conflitos armados. O guião ético do estabelecimento dos direitos humanos foi o escopo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) em 1948 (IORA, 2013). A formulação da DUDH, instaura uma lógica formal de proteção universalista de todos os indivíduos. No entanto, essa visão existente não priorizou a proteção dos direitos humanos específicos das mulheres, que apesar de serem precedidos na Carta da ONU, através da Convenção do Status da Mulher. Sendo assim, os direitos das mulheres estavam resguardados pela doutrina, porém inalcançáveis na prática, quando ocorriam violações de forma diferente dos homens, ou seja, abusos e violações específicas de gênero. Dito isso, pode-se pensar na necessidade de especificação dos sujeitos, principalmente no contexto de paz e segurança. Conforme a característica de universalização dos direitos, formulada na DUDH, não contemplou as especificidades desses sujeitos de direitos humanos, deve-se pensar nesse processo de especificação dos sujeitos como um processo de desnaturalização da pessoa humana e de politização dos direitos humanos (VITALE; NAGAMINE, 2018 APUD BUTLER, 2004). Segundo Crenshaw (2002), exemplos podem ser encontrados quanto às violações e abusos de direitos humanos que estão mais propensos a acontecer com as mulheres. De acordo com a autora: [...] As mulheres quando eram estupradas, espancadas sob domicílio ou impedidas de ascender a espaços de poder e decisão, essas diferenças tornaram-se secundárias, conferindo a estas um lugar secundário e marginal no tratamento básico dos direitos humanos[...] (CRENSHAW, 2002, p. 172, tradução nossa). Logo, à medida que acenava a afirmação de caráter inato e natural desses direitos, o universalismo pretendido excluía a possibilidade da discussão sobre os direitos das mulheres (VITALE; NAGAMINE, 2018). 16 Os tratados gerais que englobam a promoção e proteção dos direitos humanos são: no plano global, os dois pactos de Direitos Humanos da ONU e, no plano regional: o sistema Africano, o Interamericano e o Europeu (HEYNS; PADILHA; ZWAK, 2006). Após contestações sobre a ordem internacional, na Conferência de Bandung, em 1955 e através de outros mecanismos multilaterais como a articulação de países não-alinhados em relação às superpotências e o caos sentido com a Guerra do Vietnã e os Estados Unidos, era preciso uma plataforma para dialogar com os países do Terceiro Mundo. Através da consolidação das primeiras normativas de direitos humanos que se tem conhecimento, baseando-se na Carta das Nações Unidas e na DUDH, foi possível perscrutar caminhos para o debate sobre o princípio da igualdade de gênero (SCHWETHER, 2020). Em virtude da mudança de paradigmas no tratamento dos direitos humanos e da cidadania, conferências gerais e exclusivas destinadas às pautas das mulheres foram surgindo após a segunda metade do século XX (PRÁ; EPPING, 2012). Essas conferências foram fruto dos espaços de participação, reivindicação, cooperação e representação conquistados pelo movimento feminista (SÁLOMON, 2020). Em 1975, ocorreu o Ano Internacional das Mulheres. A Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher foi realizada na Cidade do México, no mesmo ano, e estabeleceu a Década da Mulher (1976-1985), período no qual o tema da persistente discriminação contra as mulheres recebeu atenção especial. A Segunda e a Terceira Conferência Mundial sobre a Mulher foram realizadas respectivamente na cidade de Copenhague, em 1980, e Nairóbi, em 1985, onde participou ativamente a Comissão Sobre o Status das Mulheres (CSW) (SCHWETHER, 2020). A década da mulher foi significativa pela criação de dois documentos cruciais para a inserção do princípio da igualdade de gênero na agenda internacional. Posteriormente, esse princípio foi explicitado no texto da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (em inglês, Convention for the Elimination of All Forms of Discriminantion Against Women - CEDAW), criada em 1979. A CEDAW teve como principal objetivo a sistematização dos direitos humanos aplicados às mulheres, rompendo com a visão pretensamente universalista dos direitos do homem (KYRILLOS, 2018). Com o desdobramento do direito das mulheres em direitos específicos e a partir da obtenção de tutela internacional, a 17 CEDAW afirmou as mulheres como sujeito de direitos humanos e, pela primeira vez, tratou, em profundidade, os problemas enfrentados pelas mulheres (SCHWETHER, 2020). Ainda, o princípio da igualdade de gênero, baseado na Carta das Nações Unidas e na DUDH, foi explicitado apenas na CEDAW. Apesar de serem mencionadas na DUDH e em outras regulações de Direitos Humanos, as mulheres não foram priorizadas nesse contexto. Após o fim da Segunda Guerra, as mulheres foram contextualizadas como sujeitos específicos de conflitos armados e segurança, nos Protocolos adicionais da Convenção de Genebra (1977) (BOUCHET-SAULNIER, 2005). Estas, asseguraram a necessidade do direito humanitário em favor de pessoas consideradas protegidas, entre elas: crianças e mulheres (BOUCHET-SAULNIER, 2005). Porém, a IV Convenção de Genebra (1949) que tratou especificamente dos direitos da população civil em conflitos armados, não mencionou a proteção específica de gênero. Os eventos que deram suporte à criação dos direitos humanos das mulheres foram principalmente as convenções sobre as mulheres.4 Entre estas, constam os esforços na promoção da pauta do Programa de Ação do Cairo (1994), que apesar de não ter sido uma conferência, reuniu importantes diretrizes sobre o tema. Referente especificamente às mulheres, a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena (ou Convenção de Viena), de 1993, é relevante pois salientou a importância dos direitos humanos das mulheres no escopo dos direitos humanos universais.Nesta Conferência, as mulheres pleitearam dois principais objetivos: gendrificar os Direitos Humanos e responsabilizar o Estado por ações de violência contra as mulheres, não apenas na esfera pública, mas, principalmente, no âmbito privado (SCHWETHER, 2020). O Artigo 18 desta declaração afirma que: Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. [...] Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das Nações Unidas na área dos direitos humanos (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE DIREITOS HUMANOS DE VIENA, 1993). Destas conferências, foram realizados encontros onde, através da formulação e debate de relatórios que citavam os problemas enfrentados por mulheres, 4 A saber: A Conferência de Copenhague em 1980; Nairóbi em 1985; Beijing em 1995 (PRÁ; EPPING, 2012). 18 paralelamente obtinham êxito e a garantia da inclusão de suas deliberações nos documentos oficiais. Em decorrência disso, tais conteúdos passariam a influenciar na elaboração de programas e políticas públicas voltados à inclusão da igualdade de gênero. Segundo Crenshaw (2002), o motivo de relativo reconhecimento se deu pelos esforços em obter uma nova perspectiva, quanto à relevância da diferença de gênero no projeto de ampliação do escopo dos direitos humanos das mulheres. A incorporação desta perspectiva concedeu maior atenção à pauta das mulheres, pois qualificou a proteção dos direitos humanos voltada a uma sensibilidade característica do aspecto de gênero. Os anos 1990 ampliaram significativamente o debate sobre paz e segurança e, de acordo com Ariño (2020, p. 11): “[...]tem-se no final da Guerra Fria um interesse crescente nos estudos de resolução de conflitos em geral e nos processos de paz em particular[...]”. Nessa década, as Nações Unidas começaram a relacionar questões de gênero com as operações de manutenção de paz (REBELO, 2013). Até a aprovação da Resolução 1325 do CSNU, o único instrumento existente nessa seara era a Declaração sobre a Participação das Mulheres na Promoção da Paz Internacional e da Cooperação, aprovada em reunião plenária da Assembleia Geral da ONU, no ano de 1982, durante a Década da Mulher (SCHWETHER, 2020). Dessa forma, gradativamente, foram incluídas iniciativas e perspectivas sobre igualdade de gênero, até então pouco utilizadas, nas agendas de paz e segurança na comunidade internacional (REBELO, 2013). Com o advento da Convenção de Viena, em 1993, foram feitas duas Resoluções pelo CSNU que abordavam questões de direitos humanos e direito internacional humanitário na agenda da Organização (FLORIO; PINTO; PIACENTINI, 2017). Os anos 1990 e primeiros anos do século XXI foram marcados por diversos conflitos. Em decorrência disto, houve um aumento no estudo das resoluções dos mesmos que, inicialmente, visavam diminuir a violência, mirando numa expansão para incorporar medidas para a construção da paz, incluindo reconciliação pós-conflito, estabelecendo sistemas de manutenção de conflito, entre outros temas (KRIESBERG, 2009). Como muitas outras disciplinas, a pesquisa sobre a paz tem ampliado seu foco de investigação a partir de uma base prática, adquirida em situações reais e tem sido influenciada pelas mudanças e os eventos históricos (ARIÑO, 2010). 19 Reflete-se sobre essa afirmação o fato que mulheres, geralmente, são excluídas dos processos de paz e segurança e que os atores em conflitos, majoritariamente, são homens. Há, portanto, uma base valiosa para uma análise de gênero acerca dos processos de paz e segurança. A autora Cynthia Cockburn (2018, p. 5), corrobora com essa afirmativa, ao destacar que: ''[...] está claro que um grande número de mulheres são estupradas e submetidas a outros tipos de tortura sexual durante a guerra [...]'', deixando assim um espaço para este trabalho da análise de gênero. Além disso, existe uma associação da participação das mulheres na vida política e a busca pela construção de uma agenda da paz no plano internacional (informação verbal)5. Portanto, este trabalho terá como eixo a perspectiva de gênero, para fins de compreensão do conceito como um aspecto estrutural dentro do âmbito normativo da ONU. Para tal propósito utiliza-se a contribuição de autoras feministas, entre outros aportes teóricos sobre a paz e a segurança. Dessa forma, estudos e mapeamentos que foram feitos através de movimentos sociais de mulheres, que demandam a disseminação e maior discussão da Resolução 1325 do CSNU (2000), foram responsáveis pelas associações que serão discutidas neste texto. 2.3 ABORDAGEM DA QUESTÃO DE GÊNERO NA SEGURANÇA INTERNACIONAL COMO CATEGORIA DE ANÁLISE Dada a insuficiente menção às mulheres e seu envolvimento em processos de paz e segurança até a década de 1990, é necessário utilizar outras ferramentas teóricas para analisar esse esvaziamento normativo de forma crítica. De acordo com o propósito deste trabalho, que pretende abordar a inserção das mulheres nas normativas de paz e segurança da ONU, é necessário entender por quais motivos as teorias tradicionais de Relações Internacionais não se adequam ou são insuficientes para a análise dessa temática. Procura-se compreender de que forma a inserção do debate sobre sensibilidade de gênero está presente nas discussões, nas normativas e no arcabouço jurídico correspondente aos processos de paz da ONU. As afirmações discutidas aqui, que dialogam com os direitos e as especificidades das mulheres no 5 Fala da Embaixadora Irene Vida Gala na palestra: O Feminismo nas Relações Internacionais, organizada pelo CARI Unifesp, de forma online, em 2020. 20 contexto da paz e da segurança internacional, com efeito, ‘’representam contestações das práticas discursivas em instituições internacionais de paz e segurança’’ (COHN, 2004, p. 13). No entendimento de Joan Scott (1989), autora do artigo ''Gênero: uma categoria útil de análise histórica'', o gênero serve para determinação da organização social das relações entre os sexos. Ou seja, o gênero se torna uma maneira de indicar as construções sociais das ideias sobre os papéis próprios às mulheres e aos homens. Para a autora, enquanto as formas das relações de gênero entre culturas distintas podem variar, elas são quase sempre desiguais, tornando o gênero, no sentido estrutural, um caminho primário para significar relações de poder. Na concepção de Judith Butler (2004), embora o sexo pareça imutável em termos biológicos, o gênero é construído culturalmente. Ou seja, não é nem permanentemente fixo quanto o sexo e nem decorrente deste. A autora defende que o conceito carrega subjetividade, podendo designar tanto o aparato de produção mediante o qual os sexos são concebidos e o próprio meio discursivo/cultural pelo qual se estabelecem. Numa perspectiva mais recente, Tedeschi (2012) fala que: O uso da categoria de gênero como ferramenta de análise nos possibilita entender os contextos em que os sujeitos estão inseridos [...] pensado como um meio pelo qual se possa compreender como se organizam as relações sociais, sexuais, marcando experiências e trajetórias de vida. (TEDESCHI, 2012, p. 3) Apesar das dissonâncias, a sua aceitação ou a proposta da inserção desta categoria nas pautas de Relações Internacionais é recente. Somente em meados da década de 1980, quando os discursos de mulheres e política internacional e publicações nessa área proliferaram, houve o uso do gênero como categoria analítica nas Relações Internacionais. (TICKNER, 2006) Nos anos 1980, a perspectiva de gênero começou a ser tratada como disciplina quando surgiu a importância dada ao debate sobre a categoria na política internacional, notadamente um acontecimento recente (TICKNER, 2006). Entende-se que essa possui implicações, à medida que as relações internacionais tiveram grande relevância para os padrões de relações de gênero, assim como as dinâmicas de gênero influenciaram os processos globais de militarização eglobalização econômica, por exemplo (TRUE, 2001). 21 A demora em utilizar essa perspectiva, provavelmente foi devido ao fato dos acadêmicos tradicionais de Relações Internacionais entenderem que as relações se dão exclusivamente entre os Estados, e não em matéria de análise social. Além disso, ainda existe, por parte destes, uma resistência ao aprofundamento teórico dessa temática, em virtude do entendimento de que o gênero permeia tão somente as relações interpessoais entre homens e mulheres, não se tratando de um assunto cabível a esfera da política internacional (TICKNER, 1997). Nesse sentido, utiliza-se o referencial teórico de acadêmicas feministas que, desde a década 1980, abriram caminho para o envolvimento entre gênero e o campo das Relações Internacionais, em um contexto anteriormente cego e teoricamente abstrato no referido campo. (ACKERLY; STAN; TRUE, 2006). O feminismo pode ser definido, segundo Laura Sjoberg e Sandra Via (2010, p. 9) como: “uma teoria política que coexiste e interage com um movimento político dedicado a erradicar os problemas que mulheres enfrentam em função de seu sexo”. Logo, o uso deste referencial torna-se positivo em uma pesquisa sobre paz e segurança, pois, segundo Ariño (2010, p. 12): “[...]estudos sobre a paz possuem um compromisso político e sua pesquisa está voltada à transformação social, objetivo este que é compartilhado com o feminismo.” De acordo com True (2001), existem três abordagens feministas sobrepostas no campo das Relações Internacionais. Segundo a autora, estas representam formas de discutir a contribuição variada do campo. São elas: (1) feminismo empírico, que enfoca as mulheres e/ou explora o gênero como uma dimensão empírica das relações internacionais; (2) feminismo analítico, que usa o gênero como categoria teórica para revelar o viés de gênero dos conceitos de Relações Internacionais e explicar aspectos constitutivos das relações internacionais; e (3) feminismo normativo, que reflete sobre o processo de teorização como parte de uma agenda normativa de mudança social e política (TRUE, 2001, p. 214, tradução nossa). As correntes feministas se consideram a partir do movimento de mulheres do século XX. Este movimento é caracterizado por diferentes ondas com suas reivindicações específicas. A primeira onda disse respeito aos direitos políticos como o voto, marcando o sufrágio universal. A segunda onda, mais tardia, aos direitos sociais, como a libertação sexual e o empoderamento das mulheres nas relações de poder, marcando o feminismo com as associações feitas hoje. (MATOS, 2010) A 22 terceira onda abrangeu a causa, incluindo novas organizações coletivas dentro do movimento feminista, onde pautas como o movimento negro e pós-coloniais foram arregimentadas através da discussão das diferenças intragênero (ou seja: entre as próprias mulheres) (MATOS, 2010). Ainda, deu maior ênfase aos processos de institucionalização da pauta. A quarta onda, e mais recente, compreendeu temas como direitos reprodutivos e apoio à comunidade LGBTQI+ (MATOS, 2010). Os movimentos feministas são baseados na igualdade como premissa fundamental, nesse sentido, acreditam que mulheres devem desfrutar das mesmas liberdades e direitos concedidos aos homens. Esse movimento produz efeitos políticos, segundo Biroli e Miguel (2014), na medida em que: [...]ao denunciar a situação das mulheres como efeito de padrões de opressão, o pensamento feminista caminhou para uma crítica ampla do mundo social, que reproduz assimetrias e impede a ação autônoma de muito de seus integrantes[...] (BIROLI; MIGUEL, 2014, p.17). Porém, a igualdade almejada é estabelecida em bases desiguais e não neutras, já que os espaços pretendidos por mulheres já foram destinados e formulados sob óticas masculinas, numa sociedade marcada por desigualdades de gênero. Este entendimento se agrega à perspectiva de gênero em estudos de todas as áreas, e também, sobre a paz, segurança e nas Relações Internacionais. Até a década de 1980, o campo das Relações Internacionais estudava as causas da guerra e da expansão global do comércio, sem nenhuma referência particular às pessoas (TRUE, 2001). É notório então, que acadêmicos das teorias mais convencionais de Relações Internacionais (realistas, liberais, neorrealistas, neoliberais) possuem o marcador em comum de nunca terem utilizado o gênero como categoria de análise (TICKNER, 1997). Em razão disso, pode-se inferir que o sistema internacional normaliza a guerra e o conflito, e esse sistema é essencialmente masculino (informação verbal)6. Isso ocorre devido ao fato da violência ter sido um dos pilares que sustentam a estrutura patriarcal ao longo da história, o que reforça a necessidade de se incorporar a perspectiva de gênero ao processo da paz (ARIÑO, 2010). Segundo Tickner, foi a partir da década de 1980, que marcou o início da era pós-positivista, juntamente com estudiosos(as) de outras abordagens críticas, que 6 Fala da Embaixadora Irene Vida Gala na palestra: O Feminismo nas Relações Internacionais, organizada pelo CARI Unifesp, de forma online, em 2020. 23 as abordagens feministas situaram-se como bases científicas sociais, desafiadoras no campo das Relações Internacionais. De acordo com True (2001), as análises feministas revelaram o gênero masculino como fator dominante de políticas, e ainda, a suposição de gênero que esses mesmos formadores de políticas são atores estrategicamente racionais. Algumas das discussões teóricas mais relevantes no campo dos Direitos Humanos dizem respeito ao Universalismo e ao Relativismo Cultural. O discurso universalista, que foi postulado na DUDH, intenciona abranger a todos como sujeitos de direitos humanos. Apesar disso, feministas do século XX rejeitaram o conceito do universalismo e questionaram se este promoveria igualmente a proteção dos direitos das mulheres, quando requisitados em situações adversas àquelas vividas por homens.7 Essa perspectiva surgiu em prol do que foi posteriormente chamado de ''política da diferença'' (BIROLI e MIGUEL, 2014). Acadêmicas feministas de Relações Internacionais encontram problemas estruturais ao teorizar sobre a segurança (TICKNER, 1997). A exemplo destes, há o questionamento sobre o papel dos Estados como os provedores adequados de segurança. Análises de segurança centradas nos Estados, e não nos indivíduos, acabam forçando pesquisadoras(es) feministas a questionar o poder e as capacidades militares, diferentemente dos acadêmicos tradicionais de Relações Internacionais (TICKNER, 1997). Por efeito do campo das Relações Internacionais ter sido tradicionalmente pensado por homens, e onde a perspectiva estadocêntrica é preponderante, é visível que esse seja marcadamente androcêntrico (TICKNER, 2006). No que tange às especificidades das mulheres, principalmente nos conflitos armados, as abordagens mais centralizadas nos Estados, em detrimento das relações entre indivíduos, prejudicam a análise de problemas contundentes e recorrentes das mulheres. Entre problemas observados por críticas feministas, constam o uso contínuo do serviço militar, que tem como resultado, a produção de uma grande diferença de gênero administrada pelo Estado (COCKBURN, 2010). Ainda, o contingente militar é interpretado em alguns estudos como instável e antiético, por ser tido como uma 7 A autora Kimberlé Crenshaw explora essa problemática do Universalismo em torno da proteção de direitos específicos de mulheres, conforme o texto: CRENSHAW, Kimberlé. Documento Para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, p. 171-188, jan./jul. 2002. 24 instituição que define e promove um padrão ideal militarizado em sua atuação, legitima o tipo de ordem social que, por vezes, pode valorizar a violência estatal. No dever de garantir a segurança, as respostas aos problemas encontrados pelos Estados, muitas vezes bélicas, desestabilizamainda mais a segurança, particularmente de mulheres (TICKNER, 2006). Corrobora com essa afirmativa o fato de que: ‘’durante os conflitos armados, as mulheres são alvos de violência sexual’’ (AROUSSI, 2015, p. 10). Tickner (1997) chama a atenção para a prática de estupro nas guerras, não como casos isolados ou acidentes, mas sim, como uma estratégia militar sistemática. Além deste problema contundente que acarreta no sofrimento de mulheres, decorrente da violência física, elas também estão à mercê da privação econômica, discriminação, falta de acesso à educação e a oportunidades de emprego durante conflitos armados (AROUSSI, 2015). Soma-se a isso, o fato de constituírem grande parte do contingente de pessoas refugiadas e deslocadas internamente, tudo isso acarretando a subordinação econômica e pobreza das mulheres (AROUSSI, 2015). Por entender que o gênero tem papel nas relações humanas e, por consequência, gera implicações nas coordenações políticas, o gênero é utilizado nesta pesquisa como uma categoria de análise. A seguir, tomando como base os elementos históricos e teóricos apresentados, dá-se continuidade à pesquisa por meio da utilização da metodologia de análise de conteúdo aplicada aos documentos selecionados. Para desta maneira identificar de que modo a inserção da perspectiva de gênero e a abordagem teórica feminista contribuíram para a alteração do quadro normativo nos processos de Paz e Segurança da ONU, no período que compreende 1990-2010. 25 CAPÍTULO 2: O INÍCIO DA AGENDA DE MULHERES, PAZ E SEGURANÇA ANÁLISE DOS DOCUMENTOS REFERENTES À INSERÇÃO DAS MULHERES NO CONTEXTO DE PAZ E SEGURANÇA DA ONU (1990-2010) Qual seja o arcabouço normativo que situa as mulheres no contexto dos direitos humanos, necessita-se também, localizar os documentos que promovem a sua inserção no contexto de paz e segurança. Estes são significativamente cruciais para determinar a criação da agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) da ONU, apresentada no item 3.3 do presente trabalho. Conflitos armados e a inserção das mulheres nos processos decorrentes destes já vinham sendo tópicos dos debates feministas, porém, o que se consegue observar na Resolução 1325 do CSNU de 2000, é um marco na institucionalização desse debate (DRUMOND; REBELO, 2018a). Esta resolução fez a intersecção entre a questão de gênero com a pauta de segurança internacional na Organização. A Resolução, para além de abordar somente os impactos dos conflitos armados sobre as mulheres, também prevê a proteção e a inserção das mulheres em todos os processos decorrentes deste (DRUMOND; REBELO, 2018a). O fim da Guerra Fria alterou a conjuntura do Sistema Internacional, que passou de um sistema bipolar para multilateral. Assim, durante a década de 1990, houve uma mudança na natureza das reuniões do CSNU. Esse fato trouxe novos conflitos que obtiveram maior enfoque junto às questões humanitárias, portanto ampliando o conceito de segurança, antes exclusivamente focado em matérias bélicas e militares, para um que abrangesse a segurança humana e as raízes sociais (AROUSSI, 2015). Esta variante foi fundamental para aumentar a participação de agentes não-governamentais nas reuniões e incluir a adoção de Resoluções temáticas na agenda do CSNU, que geralmente eram raras (IZZO, 2009). Foram os movimentos sociais de mulheres, especialmente organizações feministas pró-paz, que pressionaram o CSNU a adotar a Resolução 1325, que oficialmente integra a perspectiva de gênero na organização. A aprovação desta foi resultado de iniciativas feministas, lançadas por ONGs e posteriormente adotada por defensores das mulheres dentro da ONU (COHN, 2004). Esse fator deslocou os agentes nas instâncias da ONU, contribuindo com a atuação não-estatal, sendo observada uma reivindicação da implementação de uma agenda que assegurasse 26 os direitos das mulheres no contexto de paz e segurança por parte desses atores civis. Assim, houve a ação conjunta de instâncias da ONU, representantes dos interesses das mulheres e movimentos da sociedade civil, como grupos feministas. Estes, se articulavam entre si, desde as Convenções anteriores que versavam sobre os Direitos Humanos das mulheres (SCHWETHER, 2020). A atuação desses movimentos foi fundamental, pois até a passagem da 1325 no CSNU, não havia concentração de esforços para aplicar a integração de uma perspectiva de gênero na área de segurança (COHN, 2004). Antes da perspectiva de gênero ser efetivamente agregada aos processos de paz e segurança, foram criados alguns documentos que alinham seus objetivos com a construção da Agenda MPS, na década de 1990. Estes associam em seus conteúdos a intenção de aliar os discursos normativos da ONU de paz e segurança às especificidades das mulheres em conflitos, sinalizando uma sensibilidade de gênero. Entende-se que as mudanças descritas acima contribuíram para a formulação da Agenda MPS, pois destas mudanças, decorreu a maior abrangência da esfera de segurança internacional para as questões sociais. 3.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE DE CONTEÚDO APLICADA A ESSA PESQUISA Para fazer a análise dos documentos, pretende-se utilizar a metodologia desenvolvida por Laurence Bardin (1977), denominada análise de conteúdo. Esta metodologia de pesquisa escolhida é útil para viabilizar a sistematização e análise de documentos enquanto fontes primárias. A análise de conteúdo inclui a seleção dos materiais, denominados de unidades de contexto que, ao serem agrupados, possibilitam à/ao pesquisador(a) realizar inferências sobre os conteúdos explorados nos materiais. Ainda, constitui uma abordagem para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Desse modo, faz parte de uma busca teórica e prática, com seu uso obtendo destaque no campo das investigações sociais (MORAES, 1999). A análise de conteúdo é bastante versátil, já que pode ser utilizada para investigações qualitativas e quantitativas. Segundo Moraes (1999), a metodologia de análise de conteúdo tem como objetivo básico produzir uma redução de dados de 27 uma comunicação. Esta, por sua vez, compreende as seguintes fases: 1) Apreensão geral das ideias dos materiais escolhidos (leitura flutuante); 2) Codificação em unidades de registro e unidades de contexto, para posterior formulação de categorias de análise; 3) Categorização utilizando as unidades coletadas nos referenciais e as indicações trazidas pela leitura geral; 4) Descrição, onde se pretende comunicar os resultados obtidos do trabalho e, por último 5) Interpretação, na qual é feita uma exploração profunda sobre os significados expressos nas categorias de análise (MORAES, 1999). Seguindo a metodologia, em um primeiro momento foi necessário realizar a leitura dos documentos propostos e apreender de uma forma geral as ideias e os significados dos textos, técnica denominada leitura flutuante. A fim de conciliar a pesquisa documental com o objetivo de analisar a inserção da perspectiva de gênero nas normativas de paz e segurança, foi necessário que os documentos escolhidos justificassem esta proposição. Sendo assim, a Análise de Conteúdo foi feita nos documentos que precedem a criação da Agenda MPS (2000), por entender que ações e normativas voltadas às mulheres no contexto de paz e segurança da ONU, já vinham sendo debatidas e construídas antes mesmo da efetivação do tema na Organização. Posteriormente, a presente pesquisa também utiliza a metodologia com o propósito de produzir inferências acerca do conteúdo presente nos documentos analisados. Para tal objetivo, a mesma metodologia será aplicada nas resoluções que compõem a Agenda MPS, para fazer associações entre os dois róis de documentos. Constam como unidades de análise a integralidade dos documentos escolhidos. Estes, em suma, formulados em realizações jurídicas dentro do aparato organizacional das Nações Unidas são: A. Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, de 1995; B. Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionaisdo Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU, de 1997; C. Declaração e Programa de Ação Sobre uma Cultura de Paz da ONU, de 1999, e; D. Declaração do Milênio e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de 2000. Cada um destes documentos foram selecionados por razões distintas, porém complementares. A (A) Declaração e Plataforma de Ação de Pequim foi escolhida por ser considerada um marco no avanço pela inserção das mulheres, dos seus 28 direitos e por ter estabelecido de forma inédita o termo ‘’gênero’’ em uma conferência mundial. A Declaração, adotada pelos membros na Quarta Conferência Mundial Sobre a Mulher, de 1995, estabeleceu uma série de compromissos divididos em 12 áreas e um roteiro para a obtenção de novos avanços. No ano 2000, os Estados-membros revisaram a plataforma e se comprometeram a acelerar sua aplicação nas revisões globais de cinco anos, 10 anos em 2005, 15 anos em 2010 e 20 anos em 2015. A (B) Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) é um relatório da sessão plenária do Conselho Econômico e Social da ONU, de 1997. Este documento foi escolhido por simbolizar a primeira reunião de um órgão deliberativo internacional onde se buscou integrar a perspectiva de gênero em todos os seus programas e políticas, dentro das resoluções acordadas. A (C) Declaração e Programa de Ação Sobre uma Cultura de Paz da ONU, de 1999, foi escolhida por salientar a importância da participação das mulheres como parte integrante do processo de desenvolvimento econômico, social e de paz duradoura e sustentável. Também salienta a importância de integrar a perspectiva de gênero na aplicação de todos os instrumentos internacionais pertinentes. No ano 2000, (D) a Declaração e Objetivos do Milênio foi adotada por todos os Estados-membros da ONU e demonstrou um conjunto de metas para promover a igualdade de gênero e combater diversos problemas sociais até 2015. Optou-se por demonstrar atenção às necessidades específicas de gênero como um dos pilares para a consagração do milênio. Em um segundo momento, com vistas a relacionar os documentos escolhidos, a análise de conteúdo será aplicada também nas resoluções que compõem a Agenda MPS. As resoluções referentes a Agenda MPS e que serão analisadas aqui, são: ● 1325 (CSNU, 2000) ● 1820 (CSNU, 2008); ● 1888 (CSNU, 2009a); ● 1889 (CSNU, 2009b) e; ● 1960 (CSNU, 2010). Após a seleção do material, é feita a leitura flutuante, onde o processo de formação das categorias se concretizou, conforme proposto por Bardin (1977): 29 originado na exploração dos documentos, sendo observada uma repetição de termos que se associam à pesquisa. Cabe reconhecer que a Análise de Conteúdo é uma técnica de pesquisa que trabalha com a palavra, permitindo de forma prática e objetiva produzir inferências sobre o conteúdo de uma comunicação replicáveis ao seu contexto social (MORAES, 1999). Desse modo, as categorias formuladas foram: 1) Autonomia das mulheres; 2) Desigualdade em relação a participação no poder político e nas instâncias decisórias; 3) Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde; 4) Os efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres; 5) A associação da paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres; 6) A necessidade de proteção dos direitos da menina; 7) Integração da perspectiva de gênero em todos aspectos institucionais da Organização e 8) Violência contra a mulher. Assim, definidas as categorias, por serem consideradas precedentes à Agenda MPS, deu-se continuidade à metodologia. Posteriormente, a exploração do conteúdo foi realizada. Nessa metodologia, observou-se uma repetição destas categorias no corpus dos documentos analisados, tornando possível a associação dessas à temática deste trabalho. 3.2 ANÁLISE DOS DOCUMENTOS QUE ANTECEDERAM A AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (MPS) Os documentos foram analisados intencionando demonstrar os precedentes jurídicos que possibilitaram a resolução 1325 do CSNU. Para a análise dos mesmos, buscou-se fazer a formulação de categorias, baseadas na inferência destes termos nos documentos. Junto à resolução 1325 posteriormente relacionada, a pesquisa procurou responder à questão primordial levantada: quais documentos intencionam a presença da perspectiva de gênero no contexto normativo de paz e segurança no âmbito da ONU? A partir da pesquisa dos documentos foram elaboradas as categorias iniciais, conforme a sua presença foi observada nos textos. Portanto, a seguir, tem-se a aplicação da metodologia nas categorias escolhidas: 30 Quadro 1 - Categorias iniciais. Categoria de análise Princípio norteador N° de menções da categoria Documento onde essa categoria está presente Autonomia das mulheres Fomenta a autonomia de mulheres como parte integrante do processo de desenvolvimento 3 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) 2- Declaração e Programa de Ação Sobre Uma Cultura de Paz (1999) 3- Declaração e Objetivos do Milênio (2000) Desigualdade em relação a participação no poder político e nas instâncias decisórias Deflagra a desigualdade de gênero presente na participação política entre homens e mulheres. 1 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde Menciona a desigualdade de gênero presente no acesso a serviços de educação e assistência à saúde 1 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) Os efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres Os documentos reconhecem que indubitavelmente mulheres e homens possuem consequências diferentes em conflitos armados. Essas consequências podem ser econômicas e sociais. 1 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) A associação da paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres Reconhecer a importância dada ao avanço das mulheres e associá-lo com o desenvolvimento da paz sustentável 3 1- Declaração e Programa de Ação para uma Cultura de Paz (1999) 2- Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) (1997) 3- Declaração e Objetivos do Milênio (2000) A necessidade de proteção dos direitos da menina Priorizar a proteção e a promoção dos direitos humanos da criança 1 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) 31 Integração da perspectiva de gênero em todos aspectos institucionais da Organização Norteia os programas e políticas das Nações Unidas pautados sob uma perspectiva de gênero 4 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) 2- Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) 3- Declaração e Programa de Ação para uma Cultura de Paz (1999) 4- Declaração e Objetivos do Milênio (2000) Violência contra a mulher Violências graves são cometidas sobre as mulheres, principalmente em períodos de conflitos armados. Incluem o assassinato, a tortura, as violações sistemáticas, a gravidez e os abortos forçados e políticas de depuração étnica. 1 1- Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (1995) Fonte: primária. Elaborado pela autora a partir dos documentos: Declaração e Plataforma de Ação de Pequim (1995), Adoção de Agenda e Outros Assuntos Organizacionais do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) (1997), Declaração Sobre uma Cultura de Paz (1999) e Declaração e Objetivos do Milênio (2000). Por terem sido analisadas simultaneamente, algumas categorias incidiram em mais de um documento. Observando essa repetição dos termos e com vistas a ampliar a análise dos dados obtidos, algumas categorias iniciais foram aglutinadas entre si para as formulações de categorias derivadas, conforme as repetições ocorreram. Pretende-se fazer uma associação entre as categorias mencionadas nesses documentos com a inserçãoda perspectiva de gênero no âmbito dos debates sobre paz e segurança da ONU, seguindo a metodologia da análise de conteúdo, que permite fazer essas associações, conforme estas sirvam para cumprir com o objetivo da pesquisa (MORAES, 1999). Além disso, as categorias derivadas foram criadas pelo método dedutivo, sendo levada em consideração a abrangência dos termos encontrados e o contexto das categorias iniciais formuladas anteriormente. Conforme o esquema demonstra: 32 Quadro 2 - Categorias derivadas das categorias iniciais. Categorias derivadas Princípio norteador 1. Igualdade de gênero Quando as relações sociais decorrem em bases desiguais e não neutras, refletem-se dificuldades de acesso entre homens e mulheres proporcionais às medidas pensadas que, de fato, não alcançam igualmente ambos os sexos. 2. Equilíbrio de gênero Ênfase na questão das mulheres como uma matéria de direitos humanos, não se tratando de uma situação decorrente exclusivamente de problemas econômicos e sociais. 3. Transversalidade de gênero Visiona assegurar que a perspectiva de gênero integre efetivamente as políticas públicas e programas de todas as esferas de atuação governamental. Fonte: primária. Posteriormente, seguindo a metodologia, pode-se deduzir uma associação das categorias de análise derivadas com as categorias iniciais, simbolizando o propósito dos documentos escolhidos com inferências sobre os mesmos. Conforme demonstrado a seguir: Quadro 3 - Categorias derivadas associadas às categorias iniciais. Categoria derivada Princípio norteador Junção das categorias iniciais Igualdade de Gênero Quando as relações sociais decorrem em bases desiguais e não neutras, refletem-se dificuldades de acesso entre homens e mulheres proporcionais às medidas pensadas que, de fato, não alcançam igualmente ambos os sexos. Desigualdade na participação em instâncias decisórias Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde Violência contra a mulher Necessidade de proteção dos direitos da menina 33 Equilíbrio de Gênero Ênfase na questão das mulheres como uma matéria de direitos humanos, não se tratando de uma situação decorrente exclusivamente de problemas econômicos e sociais. Autonomia das mulheres Reconhecimento das especificidades entre homens e mulheres Efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres Transversalidade de Gênero Visiona assegurar que a perspectiva de gênero integre efetivamente as políticas públicas de todas as esferas de atuação governamental Associação da paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres Integração da perspectiva de gênero em todos aspectos institucionais da organização Fonte: primária. Pode-se constatar que dentre as menções dos documentos, inúmeras buscam salientar a questão da divisão desigual existente nas relações entre homens e mulheres. Essa desigualdade pode resultar em dificuldades que marcam diferenças no alcance das mulheres a espaços, acessos a serviços específicos, segurança econômica, entre outras situações que não estão em igualdade com as vividas por homens. Desta afirmativa acima criou-se a categoria Igualdade de Gênero. Os esforços em relação ao Equilíbrio de Gênero fazem referência ao reconhecimento das mulheres e a associação indispensável de seus direitos como matéria indissociável de Direitos Humanos. Diferentemente da Igualdade de Gênero, onde o obstáculo se dá nas diferenças no alcance de mulheres e homens, o equilíbrio de gênero aborda a necessidade de se olhar a ausência de debates e a subrepresentatividade dos direitos das mulheres no escopo dos Direitos Humanos de forma crítica. Já no tocante a abordagem da perspectiva de gênero em discussões políticas e sua aplicação prática em ações no escopo das Nações Unidas, pode ser entendida e ampliada para a categoria Transversalidade de Gênero. Esta, segundo o próprio entendimento do Plano Nacional de Ação Sobre a Agenda Mulheres, Paz e Segurança, é um conceito que pretende a inserção desta perspectiva em todos os aspectos da organização (BRASIL, 2017). 34 Ao serem separadas e analisadas isoladamente, pode-se inferir que as categorias iniciais retiradas dos documentos fazem menção à situação das mulheres em diversos âmbitos, incluindo no contexto de paz e segurança. Essa afirmação possibilitou a dedução das três categorias derivadas, mais generalistas. Dessas categorias, associadas às categorias iniciais, buscou-se sintetizar, de forma abrangente, quais termos que não estão explícitos nos documentos que precederam a Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS), mas que podem ser inferidos através de análise. Cabe mencionar que não foram encontrados nos textos dos documentos menção à categoria: estupro sistemático das mulheres nos conflitos, porém, foram observados termos semelhantes. No lugar dessa categoria, foi colocada a categoria referente à violência contra as mulheres. 3.3 ANÁLISE DAS RESOLUÇÕES DA AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA (MPS) Aqui pretende-se complementar a análise da matéria, acerca da inserção da perspectiva de gênero nas normativas de paz e segurança da ONU. Desse modo, a mesma metodologia será aplicada nas resoluções do CSNU que compõem a Agenda MPS, sendo utilizadas as mesmas categorias para uma aproximação entre os documentos escolhidos nesta análise. Portanto, as resoluções que compõem a Agenda MPS e que serão analisadas são: 1325 (2000), 1820 (2008); 1888 (2009); 1889 (2009) e 1960 (2010).8 Quadro 4 - Categorias observadas nas resoluções da Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) do CSNU Categoria de análise Princípio norteador N° de menções da categoria Resolução onde essa categoria está presente Autonomia das mulheres Fomenta a autonomia de mulheres como parte integrante do processo de desenvolvimento 1 1- Resolução 1325 (2000) 8 A agenda MPS prosseguiu com mais resoluções no CSNU no período posterior a 2010: a Resolução 2240 (2013), a Resolução 1927 (2013), a Resolução 2242 (2015) e a Resolução 2467 (2019). Como o trabalho pretende observar a inserção da questão de gênero, paz e segurança no período proposto (1990-2010), estas resoluções não foram exploradas neste trabalho. 35 Desigualdade em relação a participação no poder político e nas instâncias decisórias Deflagra a desigualdade de gênero presente na participação política entre homens e mulheres. 1 1- Resolução 1960 (2010) Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde Menciona a desigualdade de gênero presente no acesso a serviços de educação e assistência à saúde 1 1- Resolução 1889 (2009b) Os efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres Os documentos reconhecem que indubitavelmente mulheres e homens possuem consequências diferentes em se tratando de conflitos armados. Essas consequências podem ser econômicas e sociais. 1 1- Resolução 1325 (2000) A associação da paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres Reconhecer a importância dada ao avanço dos direitos das mulheres e associá-lo ao desenvolvimento da paz sustentável 1 1- Resolução 1889 (2009b) A necessidade de proteção dos direitos da menina Priorizar a proteção e a promoção dos direitos humanos da criança 1 1- Resolução 1889 (2009b) Integração da perspectiva de gênero em todos aspectos institucionais da Organização Norteia os programas e políticas das Nações Unidas pautados sob uma perspectiva de gênero 1 1- Resolução 1325 (2000) Violência contra a mulher Violências graves são cometidas sobre as mulheres, principalmente em períodos de conflitos armados. Incluem o assassinato, a tortura, as violações sexuais sistemáticas, a gravidez e os abortos forçados e políticas de depuração étnica. 2 1- Resolução 1820 (2008) e Resolução 1888 (2009a) Fonte: Primária. Elaborado pela autora com base nos dados do CSNU (2000, 2008, 2009a, 2009b, 2010). A partir da presença das mesmas categorias iniciais nos textos das Resoluções, pode-se inferir que a menção destas, ao passo que foram surgindo nodebate do CSNU, foram imperativas para que o gênero fosse tratado como uma 36 dimensão da agenda global. Isto posto, a aprovação da resolução 1325 é significativa, pois este marco regulatório advém, sobretudo, do CSNU, grupo deliberativo de suma importância no âmbito da ONU, onde ocorrem as tomadas de decisões relevantes e recorrentes sobre Paz e Segurança. Logo, pode-se constatar que dos anos 2000 em diante, também incidiu em maior densidade e destaque às questões relacionadas com o gênero nas Relações Internacionais (VITALE; NAGAMINE, 2018). Por meio da série de resoluções que compõem a agenda MPS, o CSNU visa atribuir significado concreto ao princípio de igualdade de direitos, consagrado no preâmbulo da Carta da ONU. Ainda, associa em si o trinômio “gênero, paz e segurança internacional” (IZZO, 2009). Conforme debatido no capítulo 1, a igualdade de gênero nos debates sociais e políticos, não era concebida como um direito humano básico (GHISLENI, 2011) no período prévio à criação da agenda MPS. No entanto, a sua conquista possui enormes ramificações socioeconômicas pois o empoderamento9 de mulheres alimenta economias prósperas, gerando produtividade e crescimento. Dadas essas afirmativas, pode-se compreender a significativa importância de uma agenda que desloca esforços materiais e físicos para assegurar direitos das mulheres em meio aos conflitos armados, onde ocorrem diversas violações sistemáticas de direitos humanos. A deliberação de uma agenda que resguardava a sensibilidade de gênero no contexto de paz e segurança, portanto, ocorreu de forma inédita no CSNU, através da Resolução 1325. A Resolução 1325 afirma a inserção das mulheres em acordos de prevenção, gestão e resolução de conflitos. Por ser a primeira resolução dessa temática, está guiada de acordo com 3 objetivos (3 p 's): prevenção, proteção e participação. Assim, ela encoraja a participação das mesmas como Representantes Especiais e enviadas especiais do Secretário Geral das Nações Unidas (SGNU); Insta o SGNU a aderir a participação das mulheres como observadores militares e policiais; dispõe do interesse de incorporar a perspectiva de gênero nas operações de manutenção da paz; reitera aos Estados o dever de respeitarem o direito internacional humanitário, especialmente no que tange às mulheres e intenciona que os 9 Segundo o Embaixador José Lindgren Alves, a palavra ‘’empowerment’’ contém um sentido amplo, sendo utilizada para referenciar capacitação, participação no poder político, econômico etc. (ALVES, 2001). Por essa abrangência, o termo ‘’empoderamento’’, tradução literal do termo original, será utilizado. 37 processos de manutenção da paz considerem as necessidades distintas de homens e mulheres ex-combatentes (CSNU, 2000). Essa resolução pode ser associada às categorias anteriormente mencionadas: Autonomia das mulheres; Os efeitos dos conflitos armados sobre as mulheres e Integração da perspectiva de gênero em todos aspectos institucionais da Organização. Resoluções posteriores, como a 1820 (2008) e a 1888 (2009) determinam diretrizes referentes à violência sexual nos conflitos armados. Para o enfrentamento dessa prática tão recorrente em países desestabilizados por conflitos. Além disso, esclarecem a importância de um Representante Especial do SGNU sobre a temática, incentiva os Estados a adotarem medidas preventivas e punitivas para a prática e reforça a intolerância zero a crimes de violência sexual contra civis. Essas resoluções, fazem referência a categoria supracitada, a Violência contra a mulher (CSNU; 2008, 2009a). A resolução 1889 (2009) reitera a importância da presença das mulheres em processos de manutenção da paz (CSNU, 2009b). Através de medidas como: solicitação de estratégias para o aumento no número de mulheres nas missões políticas, de paz e em atividades de consolidação da paz; solicita ao SGNU incluir seção voltada a proteção das mulheres e meninas em todos seus relatórios; insta os Estados a lidarem com situações pós-conflito sob a perspectiva de gênero, garantindo o direito ao acesso à educação nesses casos; reforça a criação de indicadores mundiais para controle da aplicação das resoluções da agenda MPS e solicita ao SGNU a elaboração de relatório quanto à inclusão e participação das mulheres em processos de consolidação da paz (CSNU; 2009b). Essa resolução associa-se com as categorias anteriormente mencionadas: Desigualdade em relação aos acessos: à educação e aos serviços de saúde; A associação da paz sustentável com o avanço dos direitos das mulheres e A necessidade de proteção dos direitos da menina. A resolução 1960 (2010) refere-se a capacitação de pessoal voltada especificamente à perspectiva de gênero (CSNU, 2010). Incentiva o treinamento militar específico sobre gênero e o aumento no número de pessoal militar e policial mulheres, caracterizando uma demanda da presença das mulheres em processos de paz e segurança por parte das Nações Unidas. Essa última resolução associa-se à categoria inicial: Desigualdade em relação à participação no poder político e nas instâncias decisórias. 38 Para buscar entender quais os desafios para a implementação da Agenda MPS por parte do Estado Brasileiro, no próximo capítulo serão discutidos os respectivos alcances e dificuldades operacionais da Agenda. Para tal, será apresentado, num primeiro momento, o Plano Nacional de Ação sobre Mulheres, Paz e Segurança, documento adotado pelo Brasil em 2017, resumindo seus principais avanços e mecanismos utilizados para proteção dos direitos das mulheres no país, em resposta aos apelos das Nações Unidas para que seus Estados-membros promovessem estratégias nacionais para a implementação dos compromissos assumidos pela Resolução 1325 do CSNU. O segundo momento abordará os problemas centrais para o avanço da Agenda Mulheres, Paz e Segurança no contexto nacional. 39 CAPÍTULO 3: OS DESAFIOS DO CONTROLE E IMPLEMENTAÇÃO DA AGENDA MULHERES, PAZ E SEGURANÇA NO BRASIL Os documentos analisados nos itens 3.2 e 3.3 do presente trabalho mostram que a discussão sobre gênero nos processos de paz e segurança é recente, sendo institucionalizada pela ONU através da Resolução 1325 de 2000. Assim, pode ser inferida a presença da perspectiva de gênero no rol dos documentos anteriormente analisados (no item 3.2), considerando estes como precedentes da criação da Agenda MPS. Em outras palavras, os documentos intencionam garantir o avanço da agenda de gênero nas normativas da ONU. A Agenda MPS, criada para prever a proteção e promoção dos direitos das mulheres, ser um mecanismo de política externa e fazer a intersecção entre gênero e processos de paz (CSNU, 2000) foi pautada na objetivação de políticas em prol da igualdade de gênero nos setores de defesa, segurança e relações exteriores. Isto posto, chamar atenção para as necessidades específicas de mulheres e meninas aliada à maior participação de mulheres em processos de paz e consolidação da paz tornaram-se imperativos para a paz duradoura (GIANNINI, 2016). Apesar dessa discussão também ser recente no Brasil, o país assumiu um posicionamento favorável à defesa dos direitos humanos das mulheres em ações precedentes à criação dessa agenda10. Segundo Salomón (2020), a partir da década de 1980, a participação brasileira ativa em conferências e fóruns regionais e internacionais sobre a matéria expandiu significativamente. Os compromissos globais e regionais assinados pelo país sobre o tema dos direitos das mulheres, contou com a sua manifestação ativa nos fóruns de discussão em que estes são periodicamente debatidos e revisados11. 11 Dentre esses eventos que contaram com a participação do Brasil, estão: A Comissão das Nações Unidas sobre a Situação da Mulher (CSW); a Comissão Interamericana da OEA sobre a Mulher; as Conferências Regionais da CEPAL sobre a Mulher na América Latina e no Caribe e as Reuniões de Ministros e Autoridades Superiores do Mercosul sobre a Mulher. (SALOMÓN, 2020) 10 O
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