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Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade - FACE Departamento de Economia – ECO Disciplina: Formação Econômica do Brasil Docente: Profa. Dra. Tânia Paes Estudante: Luiz Eduardo de Campos Fiorucci Matrícula: 202036302 PROVA 1 (4,0 pontos) Discorra sobre o antigo sistema colonial, desde a chegada dos portugueses à América, século XV, até o advendo da economia da mineração, século XVIII. Destaque fatos históricos, motivações, os ciclos, suas relações e as transformações econômicas e sociais coloniais. Dialogue, em especial, com a interpretação furtadiana sobre o período. Boa prova! Regras: Limite de 5 páginas, mínimo 3 páginas Formatação: Fonte: Times New Roman Tamanho: 12 Espaçamento entre linhas: 1,5 linhas Espaçamento do parágrafo: 6pt antes e 6pt depois Entregar até dia 08/09/2021 A não observância das regras implicará em perda de nota. Brasília, 28 de Setembro de 2021 Na visão furtadiana, a ocupação econômica dessas terras foi um processo de expansão comercial da Europa que, entretanto, não se resume a deslocamentos de população ou de grandes movimentos de povos motivados por alguma ruptura social. Furtado apresenta que foi pelo olhar e pelos resultados iniciais que a Espanha tinha com as novas terras, que o interesse de Portugal se aflorou, pois haveria muito mais para descobrir. Nesse começo, a Espanha será ágil em estabelecer-se e estruturar seus domínios e por dois séculos, somente eles desfrutaram da exploração e da lenta ocupação. Paralelamente, outros países também tentaram se estabelecer visando descobertas compensatórias ou com o intuito futuro de atacar os espanhóis. Seguindo a pressão e ao conceito de efetiva ocupação para possuir o direito, Portugal e Espanha deram início à ocupação econômica do território. Com a vinda dos franceses para a costa setentrional, portugueses perceberam que teriam que realmente ocupar e intensificar esse processo para que seu direito sobre as terras lhes fosse garantido. Como saída, Portugal deixou de empregar recursos em empresas produtivas no Oriente para desviar ao Brasil mirando no ouro que aqui existia. Entretanto, Portugal encontrava-se diante de recursos limitados e que não seriam suficientes por muito tempo. Já a vizinha de exploração, Espanha, mesmo com recursos imensamente maiores foi obrigada a ceder à pressão de invasores. Nesse momento, voltou seus olhos para sua defesa e abastecimento, estabeleceu colônias de povoamento e reduziu a importância econômica que tinha sobre as terras. Ameaçados pelas nações de rápida expansão comercial na época: Holanda, França e Inglaterra, Portugal e Espanha são obrigadas a ‘delegar’ seus direitos e criam estratégias que preservem áreas valiosas dos territórios. A Espanha, por exemplo, apesar de conseguir se financiar com o uso do território, decide concentrar seu esforço em torno do eixo produtor de metais preciosos (México-Peru). Ainda assim, dispor do domínio das riquezas do território não impediu que os inimigos penetrassem no centro de sua defesa: as Antilhas (fato que em séculos posteriores terá grande importância econômica). Portugal precisava achar uma saída que justificasse o emprego de tantos recursos numa terra que no futuro poderia render frutos, mas que inicialmente só despesas. Adotaram então a exploração agrícola como saída. Nesse momento, a América passa a ser parte integrante da economia reprodutiva europeia, cuja técnica e capitais são empregados com a finalidade de criar permanentemente um fluxo de bens para o mercado europeu. O trunfo português estava no conhecimento prévio de produção de açúcar nas ilhas do Atlântico. Nesse sentido, para produzir essa especiaria tão requisitada no período, Portugal forçou um desenvolvimento tecnológico na Metrópole, para fugir do monopólio de equipamentos que a indústria veneziana possuía. A entrada de Portugal na produção rompe com essas barreiras monopolísticas. Ele também ressalta que as relações de Portugal com os flamengos, constituem fator determinante do êxito da colonização do Brasil. A partir da metade do século XVI, a produção portuguesa passa a ser comum a empresa flamenga. Os flamengos recolhiam o produto em Lisboa, refinavam-no e o distribuíam por toda a Europa. Esse papel de disseminador, facilitador e expansor do mercado do açúcar foi o que ajudou a empresa agrícola brasileira. Havia também investimentos por parte deles, em especial dos holandeses. Surgem então as primeiras dificuldades que colocam em risco a produção agrícola: mão de obra, falta de população suficiente que suprisse a produção açucareira no Brasil. Além do desinteresse migratório, mesmo com pagamentos em terras. Eis que a solução foi encontrada no mercado de escravos africanos, o qual nessa época Portugal conhecia bem. Nota-se que nesse período ampliou-se a requisição de mão de obra barata, a qual os índios nesse momento já não conseguiam sozinhos suprir. Já no lado espanhol de exploração de metais, Celso comenta que não houve o mínimo interesse em promover o intercâmbio entre a colônia e a metrópole. Justamente por nas regiões exploradas haver denso povoamento nativo, que já era suficiente para a exploração. Mas essa forma criou um caótico déficit de meios de transporte entre os continentes, resultando em fretes excessivos. Além disso, o poder econômico do governo espanhol cresceu demasiadamente e provocou uma inflação crônica com reflexo em déficits persistentes na balança comercial. O ponto era que a Espanha se tornou uma propagadora da inflação por toda a Europa. Resumindo esse início de exploração, Furtado comenta os seguintes pontos: “cabe, portanto, admitir que um dos fatores do êxito da empresa colonizadora agrícola portuguesa foi a decadência mesma da economia espanhola, a qual se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos”. Já Charles Boxer, trata da escravidão que o processo desencadeou. Para ele o estereótipo de índio filho da natureza, observado inicialmente, logo deu lugar a convicção portuguesa popular de “selvagem irremediável, ‘sem fé, sem rei, sem lei’”, como cita Boxer. Isso acontece em meio a transição da exploração do pau-brasil para a produção de açúcar, em meados do séc XVI, que necessitou de uma força de trabalho mais disciplinada (ou escrava). Nesse período, os ameríndios não sabiam diferenciar os europeus portugueses dos demais inimigos de Portugal, como saída, Dom João III foi a sistemática promoção da colonização no território, levando a adoção das 12 capitanias hereditárias instituídas em 1534. A grande maioria, inicialmente, não obteve êxito devido à dificuldade de penetração territorial e os ataques promovidos pelos nativos. Já a de Pernambuco no Nordeste e São Vicente no extremo setentrional, consumaram-se em centros de crescimento populacional. A respeito dos donatários que ganharam a concessão das terras em 1534, eles não eram da alta nobreza, mas sim de famílias educadas e de pequena nobreza. Dessa forma, não eram pessoas com capital que pudessem investir nas terras visando seu desenvolvimento, apesar de terem enormes benefícios fiscais fornecidos pela Coroa. Dado as decisões anteriores da Coroa, numa tentativa de colonizar para proteger sua posse sobre as terras, culminou numa evidente mudança social, onde milhares de colonos portugueses começaram a se estabelecer no litoral brasileiro. Um começo difícil, mas que evoluiu à medida que receberam lotes de terras e iniciaram o cultivo de cana-de-açúcar (Pernambuco e Bahia). Em 1570 a Coroa chegou a proibir a escravização de indígenas, mas na prática a ação não obteve muito sucesso. A solução surgiu com a expansão e a intensificação do comércio já existente de escravos negros africanos, que agora viriam para o Brasil suprir a necessidade produtiva crescente. Dada a crescenteemigração rumo às terras americanas, Boxer classifica os tipos de interessados em ajudar a construir o Brasil em: marinheiros e marítimos; mercadores e comerciantes; artífices e artesãos; homens que serviam outros como assalariados; e a classe patronal (os mais importantes eram os senhores de engenho, e demais que compunham a aristocracia local). Apesar da postura agregadora que os índios e índias mansas possuíam perante os homens brancos, era o escravo negro africano que constituía o pilar fundamental da economia nas três regiões relativamente mais populosas de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Boxer conclui então que a rápida expansão da indústria açucareira no Brasil, de 1575 a 1600, era um dos maiores acontecimentos do mundo atlântico da época. Pernambuco e Bahia continuavam sendo os centros mais importantes de produção e de população. Naquele período, o açúcar do Brasil já era extremamente mais rentável e lucrativo. Voltando as conclusões de Celso Furtado, chegamos no período em que a Espanha trava uma guerra com a Holanda. Como reflexos aqui no Brasil, temos o fato de além de terem investidos na Colônia, os holandeses também controlavam praticamente todo o comércio dos países europeus realizados por mar. Sem pretensão alguma de renunciar, por conta do conflito com os espanhóis, o seu direito sobre o comércio de açúcar originado nas américas, há o surgimento de um conflito pelo controle do açúcar. Tal iniciativa culmina em um episódio de ocupação pelos batavos, por mais de 25 anos, de grande parte da região produtora dessa especiaria aqui no Brasil. Essa passagem põe fim ao monopólio construído ao longo dos últimos três quartos de século pela parceria portuguesa-holandesa de cooperação, uma vez que eles aprendem e fazem uso dos conhecimentos e tecnologias usados internamente. No terceiro quarto do séc XVII os preços do açúcar caem pela metade e persistirão baixos por todo o séc seguinte. Dado os últimos eventos, Celso Furtado salienta que a renda de Portugal cai ao menor patamar visto, atingindo ¼ do que era alcançado na melhor época. Isso incide sobre a balança de pagamentos de Portugal diretamente, trazendo grande prejuízo. Dado o êxito da empresa agrícola que Portugal instalou aqui, a busca por novos artigos capazes de criar mercados com retornos tão bons, quanto o açúcar foi, torna-se o objetivo das metrópoles que agora investiam na massiva colonização na América do Norte. Com olhos para uma tomada do rico quinhão espanhol, as Antilhas se tornam palco da cobiça inglesa e francesa sobre a já em decadência, Espanha. Essa mudança no modelo de colonização, que ensaia o fim do sistema de pequenas propriedades produtoras, acaba por refletir diretamente no Brasil futuramente. Nesse período, dada as condições de exploração colonial que ingleses e franceses estabeleceram no Norte, ficava evidente que cabia ao Brasil a produção monopolística de açúcar (já que o sistema de propriedades não funcionaria na produção açucareira), e os demais, cabia o direito a produção de todos os outros artigos tropicais. Com essa mudança nas configurações coloniais nas Antilhas, e em paralelo a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro, vemos a facilitação do modelo de produção açucareira ir de encontro com as mudanças expressivas nos territórios do norte. Esmiuçando um pouco o processo de instalação da empresa agrícola, várias foram as facilidades concedidas àqueles que instalassem engenhos: isenção de tributos, garantia contra a penhora dos instrumentos de produção, honrarias e títulos. Havia também a liberdade de escravizar ilimitadamente os indígenas, a fim de suprir a demanda por mão de obra. Nesse momento, a escravidão demonstra ser uma condição de sobrevivência para o colono europeu na nova terra. Furtado ressalta que aqueles colonos que tiveram maiores dificuldades de instalação devido a fatores geográficos, tiveram de empenhar todas as forças na captura de homens da terra. Dessa forma, a captura e o comércio do indígena configuraram a primeira atividade econômica estável para as populações não dedicadas a indústria de açúcar. Essa mão de obra – considerada de segunda classe – possibilitou a permanência de núcleos em partes do território que não possuíam vínculo algum com o açúcar. O autor observa para a colonização que surge no século XVI, ligada diretamente a atividade açucareira. Reforçando que onde a atividade não obteve êxito, mas conseguiu subsistir – como em São Vicente – foi graças à relativa abundância de mão de obra indígena. Portanto, mesmo aquelas comunidades que aparentemente tiveram um desenvolvimento autônomo nessa etapa da colonização deveram sua existência diretamente ao êxito da economia açucareira. Quando a mão de obra africana entra em cena, ela vem para suprir a necessidade de expansão da empresa já instalada. Nesse período, a rentabilidade do negócio já está assegurada e os negros entram, em escala considerável, para compor a base de um sistema de produção mais eficiente e densamente capitalizado Quanto a dimensão da produção, Celso aponta que ao final do século XVI, a produção de açúcar já superava os 2 milhões de arrobas (o que significava mais de 20 vezes a cota de produção que o governo português esperava para o século anterior, em suas atividades nas ilhas do Atlântico). No último quarto do século, a produção mais que decuplicou, tendo cerca de 120 engenhos, no final do século XVI. Concentrada na mão dos donos de engenho (estimativas apontam que 95% de toda a riqueza gerada permanecia nas mãos dos proprietários de engenho e de plantação de cana-de-açúcar), a renda gerada na colônia não chegava a outros setores com intensidade. Furtado aponta que nada além de 5% de todo o açúcar que se chegava ao porto, era destinada a pagamentos por serviços prestados fora do engenho com transporte e armazenamento. Mesmo com trabalho escravo, havia a presença de trabalhadores assalariados com certo nível na hierarquia de trabalho, mas que não comprometia nem 2% de toda a renda gerada. Furtado ressalta que a indústria açucareira era suficientemente rentável para autofinanciar uma duplicação de sua capacidade produtiva a cada dois anos. O que, aparentemente, aconteceu nas etapas mais favoráveis. Isso deve a absorção excepcional que a empresa brasileira teve sobre os mercados compradores. Ao contrário do que ocorreu no Atlântico, não houve superprodução, mostrando habilidade na etapa de comercialização. Quanto ao modelo escravista de suprimento, Celso aponta que, no início da empresa, o trabalho indígena deve ter sido utilizado para a instalação das indústrias, executando tarefas que não exigiam especialidade. Teve sua importância fundamental no fortalecimento da base açucareira que o Brasil formou. O trabalhador africano chega num momento que exigia maior produção, vindo substituir a mão de obra de outro escravo menos eficiente e de recrutamento incerto, sem mexer na estrutura organizacional da produção. O processo de expansão seguiu as mesmas premissas da instalação: gastos com a importação de equipamentos, materiais de construção e mão de obra. Nesse momento, a importação de mão de obra especializada já não ocorria com a mesma intensidade (já que haviam treinamentos/capacitação do público interno). Mencionando o fator da inversão econômica e a escravização, Furtado pontua que a mão de obra escrava pode ser comparada às instalações de uma fábrica: “a inversão consiste na compra do escravo e sua manutenção representa custos fixos. Esteja a fábrica ou o escravo trabalhando ou não os gastos com manutenção terão de ser despendidos”. Não criando fluxo monetário, quando máquinas estragavam e/ou precisavam ser substituídas, o empresário empregava a força de trabalho de seus escravos no melhoramento da infraestrutura local. Essa também é uma inversão que, indiretamente, também beneficiaria a produção, aumentandoos ativos. O fluxo de funcionamento da produção, no geral, seguia o seguinte ritmo: os fatores de produção pertenciam quase que em totalidade ao empresário, logo, a renda monetária gerada também retornava para si (em sua maioria). A composição da renda dava-se pela: totalidade dos pagamentos a fatores de produção mais o gasto de reposição do equipamento e dos escravos importados. Tudo isso era expressado no valor das exportações. O fluxo de renda se resumia a economia açucareira, com simples operações contábeis, reais ou virtuais, sendo uma economia monetária. Cabia, portanto, ao empresário combinar melhor os fatores para reduzir o custo de produção e maximizar sua renda real. O aumento da capacidade produtiva deu-se na tentativa de evitar um colapso nos preços, ao mesmo tempo que tentava-se ampliar a área de consumo do açúcar. O crescimento realmente ocorreu – pincipalmente na colônia. Crescimento que ocorreu sem grandes modificações na estrutura do sistema econômico. Retrocessos ocasionais não refletiam em qualquer modificação estrutural. Destarte, o crescimento da empresa escravista tendia a ser puramente em extensão, sem quaisquer modificações estruturais. O autor também aponta que a economia escravista dependia quase que unicamente, da procura externa. Se ocorresse um enfraquecimento na procura, um processo de decadência surgia e atrofiava o setor monetário. Finalizando o período, Furtado aponta que na segunda metade do século XVII, o mercado passou por uma desorganização e teve início a forte concorrência antilhana, fazendo os preços caírem a metade. Mesmo assim, empresários brasileiros mantiveram elevados os ritmos de produção. No século seguinte ainda perdurava a tendência de baixa nos preços. Por outro lado, a economia mineira (que se expandia no centro-sul) atraia a mão de obra especializada e elevava os preços dos escravos, fator que fez a rentabilidade da empresa açucareira despencar ainda mais. Furtado então conclui: “O sistema entrou, em consequência, numa letargia secular. Sua estrutura preservou-se, entretanto, intacta. Com efeito, ao surgirem novas condições favoráveis, no começo do século XIX, voltaria a funcionar com plena vitalidade”. A formação de um sistema econômico no litoral do nordeste acarretou em consequências diretas e indiretas no restante do território. Dessa forma, foi possível manter a defesa e intensificar a exploração de outras regiões. Havia surgido então, um mercado capaz de justificar a existência de outras atividades econômicas. Configurando o que hoje chamamos de “economia de elevadíssimo coeficiente de importações”, a alta rentabilidade do negócio induzia à especialização e a própria produção de alimentos para escravos dentro do engenho, era vista como antieconômica nessa época. Tratando sobre o povoamento desencadeado ao Sul, em especial em São Vicente, Furtado aponta que o êxito de povoamento foi facilitado pela abundância de terras. Na economia nordestina havia também o fator de fluidez de fronteira, que beneficiava. Furtado atribui essa abundância de terras a criação, no próprio Nordeste, de um segundo sistema econômico, dependente da economia açucareira. A pecuária surge durante a expansão da economia açucareira. Furtado aponta que a necessidade por animais de tiro aumentou. Dessa forma, inicialmente virão oportunidade na criação destes nas faixas litorâneas e em meio as plantações de cana. O fato não deu certo, e levou a Coroa portuguesa proibir a criação de gado em faixa de litoral. Houve assim uma separação das duas atividades econômicas: a açucareira e a criatória. Inicialmente no Nordeste e com expansão posterior ao Sul da colônia, a criação de gado era uma atividade com características radicais e distintas da unidade açucareira. A ocupação da terra era extensiva e itinerante. A forma mesma como ocorria a acumulação de capital na economia criatória induzia a uma permanente expansão - sempre ligada a disponibilidade de terras a serem ocupadas. Furtado ressalta que o surgimento dessa atividade inicialmente era atrelado a economia açucareira e tinha rentabilidade relativamente baixa. Com renda que não ultrapassava 5% do que era gerada pela economia açucareira, esse retorno advinha da venda do gado no litoral e a exportação do couro. À medida que haviam terras a expansão criatória seguia. Dada a natureza das terras do sertão nordestino, a capacidade era baixa. Isso fez com que os rebanhos penetrassem o interior cada vez mais, cruzando o São Francisco e alcançando o Tocantins e, para o Norte, o Maranhão, no começo do século XVII. Porém, à medida que se distanciavam do litoral, os custos aumentavam devido a onerosidade maior gerada. A expansão pecuária consiste simplesmente no aumento dos rebanhos e na incorporação (mesmo que em escala reduzida) de mão de obra. Por outro lado, conforme as distâncias aumentaram, houve uma tendência geral de redução da produtividade na economia. Dessa forma, excluída a hipótese de melhora nos preços relativos à medida que ia crescendo a economia criatória nordestina, a renda média da população nela ocupada ia diminuindo, sendo desfavorável para aqueles criadores que se encontravam a grandes distâncias do litoral. Furtado sugere que a atividade deveria ser ligada apenas a subsistência de sua população. Ao contrário do que ocorria com a açucareira, na economia pecuária não havia necessidade de reposição de capital e de expansão da capacidade produtiva. Enquanto para apenas manter a capacidade, a açucareira dependia da importação de mão de obra e equipamentos. Na pecuária o capital se repunha automaticamente sem exigir gastos monetários de significação. A essas disparidades se devem as diferenças fundamentais no comportamento dos dois sistemas no longo período de declínio nos preços do açúcar. Furtado explica que, ao reduzir-se o efeito dinâmico do estímulo externo, a economia açucareira entra numa etapa de relativa prostração. Há queda, ainda não catastrófica, da rentabilidade do negócio. Os novos preços, nas Antilhas, ainda eram suficientes para espelhar um negócio magnífico. No caso brasileiro, a situação que era altamente favorável (com capacidade de autofinanciamento e duplicação de capacidade a cada ano) para uma situação de rentabilidade muito baixa. Essa situação se agrava no século XVIII quando há um aumento nos preços dos escravos e da emigração da mão de obra especializada (determinadas pela expansão da produção de ouro). Nesse cenário, é provável que parte das antigas unidades produtivas tenham se desorganizado em benefício daquelas que apresentavam condições mais favoráveis de terras e transporte. O autor diz que ao que tudo indica, no longo período que se estende do último quartel do século XVII ao começo do século XIX a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento, no sentido de elevada queda da renda per capita de sua população. Furtado faz uma consideração: “esse atrofiamento constituiu o processo mesmo de formação do que no século XIX viria a ser o sistema econômico do Nordeste, cujas características persistem até hoje”. A expansão da economia nordestina durante esse longo período, consistiu num processo de involução econômica: o setor de alta produtividade ia perdendo importância relativa, e a produtividade do setor pecuário declinava à medida que este crescia. Dessa forma, de sistema econômico de alta produtividade em meados do século XVII, o Nordeste foi se transformando progressivamente numa economia em que grande parte da população produzia apenas o necessário para subsistir. Furtado finaliza o capítulo referindo-se ao cenário que se instalou na região: “a formação da população nordestina e a de sua precária economia de subsistência, estão assim ligadas a esse lento processo de decadência da grande empresa açucareira que possivelmente foi, em sua melhor época, o negócio colonial agrícola maisrentável de todos os tempos”. À medida que cresciam em importância relativa os setores de subsistência no Norte, sul e no interior nordestino, reduzindo-se concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia, tornava-se mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole, o reduzido valor dos impostos que arrecadava. Contudo, o desenvolvimento endógeno da região mineira foi quase nulo. Dada a decadência do processo econômico açucareiro, furtado nos mostra os desdobramentos que a saída encontrada por Portugal obteve para continuar fazendo uso da colônia com sucesso. Em fins do século XVII, os destinos da colônia pareciam incertos. Para Portugal, a única saída estava na descoberta de metais preciosos. Retrocedia-se assim, à ideia primitiva de que as terras americanas só se justificavam economicamente se chegassem a produzir os ditos metais. Para isso, os governantes usaram como trunfo na descoberta, o conhecimento interiorano que os homens do planalto de Piratininga possuíam para iniciar as descobertas. Necessitavam apenas de ajuda técnica, que veio por intermédio da Metrópole. Furtado aponta o estado de prostração e pobreza em que se encontravam a Metrópole e a colônia como explicação para a extraordinária rapidez que se desenvolveu a economia do ouro nos primeiros decênios do século XVIII. De Piratininga a população emigrou em massa; do Nordeste se deslocaram grandes recursos (especialmente na forma de mão de obra escrava); e em Portugal se formou pela primeira vez uma grande corrente migratória espontânea rumo ao Brasil. A economia mineira abriu um ciclo migratório europeu totalmente novo para a colônia. Ela oferecia possibilidades a pessoas de recursos limitados, pois não se exploravam grandes minas - como ocorria com a a prata no Peru e no México - e sim o metal aluvião, que se encontrava depositado no fundo dos rios. Sabe-se, porém, que houve alarme em Portugal, e que se chegou a tomar medidas concretas para dificultar o fluxo migratório. Entretanto, tudo indica que a população colonial de origem europeia decuplicou no correr do século da mineração (1700- 1800). A base da economia mineira também seja o trabalho escravo, por sua organização geral ela se diferencia amplamente da economia açucareira. Os escravos em nenhum momento chegam a constituir a maioria da população. A forma como se organiza o trabalho permite ao escravo tenha maior iniciativa e que circule nem meio social complexo. Haviam vários casos de escravos que trabalhavam por conta própria, pagando periodicamente uma quantia a seu dono. Havia uma configuração social que, diferente da economia açucareira, permitia a ascensão social de homens livres, uma vez que o dinheiro não estava reduzido a poucos empresários, mas disponível para a conquista de todos que estivessem dispostos. A respeito das configurações econômicas da mineração, Furtado coloca que o capital fixo era reduzido, pois a vida de uma lavra era sempre algo incerto. A empresa estava organizada de forma a poder deslocar-se em tempo relativamente curte. A elevada lucratividade do negócio induzia a concentrar na própria mineração todos os recursos disponíveis. Combinar a incerteza e correspondente mobilidade da empresa, alta lucratividade e correspondente especialização, foram marcas da economia mineira. Sendo a lucratividade maior na etapa inicial da mineração, sempre combinada com dificuldades de abastecimento. A fome sempre acompanhava a riqueza nas regiões do ouro. A elevação dos preços dos alimentos e dos animais de transporte nas regiões vizinhas, constituiu o mecanismo de irradiação dos benefícios econômicos da mineração. A pecuária, que encontrara no Sul um habitat excepcional para seu desenvolvimento, passara por uma verdadeira revolução com o advento da economia mineira. O gado do sul, cujos preços haviam permanecido sempre em níveis extremamente baixos, valoriza-se rapidamente e alcança preços excepcionalmente altos. Já o gado do Nordeste, que em virtude da decadência da economia açucareira, tende a deslocar-se para abastecer o mercado da região mineira. Outra característica da economia mineira estava no fato de estar distante do litoral, sempre dispersa e em região montanhosa, a população mineira dependia então de um complexo sistema de transporte. A tropa de mulas constitui autêntica infraestrutura de todo o sistema. A economia mineira constitui-se no século XVIII, um mercado de proporções superiores ao que havia propiciado a economia açucareira em sua etapa máxima de prosperidade. Os benefícios que dela se irradiam para toda a região sul são substancialmente maiores do que os que recebeu o sertão nordestino. A economia mineira abriu um novo ciclo de desenvolvimento para todas as regiões. Por um lado, elevou substancialmente a rentabilidade da atividade pecuária, induzindo a uma utilização mais ampla das terras e dos rebanhos. A base geográfica da economia mineira estava situada numa vasta região compreendida entre a serra da Mantiqueira, no atual estado de MG, e a região de Cuiabá, no MT, passando por Goiás. Em algumas regiões a curva de produção subiu e abaixou rapidamente, provocando grandes fluxos e refluxos de população; noutras, essa curva foi menos abrupta, o que possibilitou o desenvolvimento sadio e o assentamento de núcleos de populações importantes. Quanto a renda média dessa economia é algo que dificilmente pode-se definir, avalia Furtado. Deveria alcançar pontos altíssimos em uma sub-região e quanto mais altos fossem esses picos, maiores eram as quedas subsequentes. Logo, regiões consideradas mais “ricas” se incluem entre as de vida produtiva mais curta. A exploração de ouro cresceu em toda a primeira metade do século XVIII e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760, quando atingiu cerca de 2,5 milhões de libras. Entretanto, o declínio no terceiro quartel do século foi rápido. Por volta de 1780 já não alcançava 1 milhão de libras. Entre 1750 e 1760 constituiu o apogeu da economia mineira, e a exportação se manteve entorno de 2 milhões de libras. Furtado aponta que o total de renda da economia mineira não seria superior a 3,6 milhões de libras na etapa de grande prosperidade. Já a renda média, era substancialmente inferior à que conhecera a economia açucareira na sua etapa de maior prosperidade. O acordo de Methuen constitui um ponto de referência importante na análise do desenvolvimento econômico de Portugal e do Brasil. Ele surge ao prolongar-se a decadência portuguesa da era do açúcar. Ao prolongar-se essa decadência e ao reduzir-se tão persistentemente a capacidade para importar, começou a prevalecer em Portugal o ponto de vista de que era necessário produzir internamente aquilo que o açúcar permitira antes de importar em abundância. Tem início assim um período de fomento direto e indireto da instalação de manufaturas. Durante dois decênios, a partir de 1684, o país conseguiu praticamente abolir as importações de tecidos. Os ingleses se alinharam ao grupo de poderosos produtores e exportadores de vinhos portugueses (dominantes no país) para derrogar a política protecionista portuguesa. Com efeito, o acordo de 1703 concede aos vinhos portugueses, no mercado inglês, uma redução de um terço do imposto pago pelos vinhos franceses. Em contrapartida, Portugal retirava o embargo às importações de tecidos ingleses. Celso diz que não se havia criado nas regiões mineiras formas permanentes de atividades econômicas, era natural que, com o declínio da produção de ouro, viesse uma rápida e geral decadência. À medida que se reduzia a produção, as maiores empresas iam descapitalizando e desagregando. Dessa forma, a decadência se processava através de uma lenta diminuição do capital aplicado no setor minerador. A ilusão de que uma nova descoberta poderia vir a qualquer momento, induzia o empresário a persistirna lenta destruição de seu ativo, ao invés de transferi-lo para outra atividade. Todo o sistema ia se atrofiando, perdendo vitalidade, para finalmente desagregar-se numa economia de subsistência. Outra ressalva de Furtado é quanto à existência do regime de trabalho escravo ter impedido que o colapso da produção de ouro brasileira criasse fricções sociais de maior vulto. A perda maior foi para aqueles que tinham invertido grandes capitais em escravos e viam a rentabilidade destes baixar dia a dia. O sistema se descapitalizava lentamente, mas guardava sua estrutura, ao contrário do que ocorrera com a economia açucareira. Concluindo o período, Furtado aponta que uns poucos decênios foram necessários para que desarticulasse toda a economia da mineração. Com isso, as populações constituem vastos grupos divididos ao longo de territórios isolados. Essa população relativamente numerosa encontrará espaço para expandir-se num regime de subsistência e virá a constituir um dos principais núcleos demográficos do país. A expansão demográfica se prologará num processo de atrofiamento da economia monetária. Encerrando o ciclo, Celso diz: “em nenhuma parte do continente americano houve um caso de involução tão rápida e tão completa de um sistema econômico constituído por população principalmente de origem europeia”. REFERÊNCIAS FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002.
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