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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 2 1 Conceito de segurança privada .................................................................. 3 1.1 A expansão da segurança privada ....................................................... 4 1.2 A Formação do Mercado Brasileiro de Segurança ............................... 6 1.3 Tendências na segurança empresarial............................................... 11 1.4 Percepção da violência e do crime ..................................................... 13 1.5 A questão das armas de fogo ............................................................. 14 1.6 A dimensão política do problema da segurança privada .................... 15 2 Vigilância patrimonial e segurança orgânica ............................................. 18 2.1 Vigilantes ............................................................................................ 20 3 Inter-relação segurança pública – segurança privada .............................. 23 4 O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA 24 4.1 Requisitos para a autorização de empresas e vigilantes ................... 26 4.2 Treinamento e educação .................................................................... 31 5 Fiscalização sobre a segurança privada ................................................... 33 6 QUANTO A SEGURANÇA PRIVADA CONTRIBUI PARA A SEGURANÇA PÚBLICA 35 7 Policiamento, polícia e segurança privada ................................................ 37 7.1 Polícia e segurança privada ............................................................... 39 8 BIBLIOGRAFIAS ....................................................................................... 43 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 1 CONCEITO DE SEGURANÇA PRIVADA Fonte: alternativaterceirizacao.com.br A segurança privada tem vindo a desenvolver-se cada vez com maior intensidade e assumindo um papel de relevo e preponderância no nosso país e, igualmente, no nosso ordenamento jurídico, as suas funções têm sido alargadas e as suas competências têm vindo a tocar, progressivamente, a esfera pública, nomeadamente policial, para o que muito contribuiu a EURO 2004 e o alargamento da possibilidade de realização de revistas aos agentes destes serviços, mas, deste ponto trataremos mais adiante (MARQUES, 2013). A segurança privada não só é regulada por parte do Estado, como a sua importância de tal forma reconhecida que, em determinados setores existe a obrigatoriedade destes serviços, nomeadamente no Banco de Portugal (Art. 4º/1, DL 34/2013, 16 de Junho), uma instituição, indiscutivelmente, pública que está, então, assim obrigada a adotar este sistema (MARQUES, 2013). Dentre as múltiplas questões pertinentes à problemática da violência e da criminalidade, a disseminação dos serviços de segurança privada tem chamado cada vez mais a atenção, nos últimos anos, da sociedade e de especialistas do assunto, 4 evidenciada pela ampliação de guardas privados e pelo montante de veículos de segurança patrimonial circulando nas ruas das cidades (ZANETIC, 2010). Os segmentos em atuação se dividem em diversas áreas: segurança eletrônica, segurança patrimonial (bancária, comercial, industrial, residencial, de condomínios e de “espaços semi-públicos”, como shopping-centers, estádios de futebol, centros de exposições, casas de eventos e espetáculos diversos), escolta e monitoramento no transporte de valores e de cargas, treinamento dos profissionais que atuam na área da segurança, blindagem de veículos e gestão de presídios (ZANETIC, 2010). De acordo com a literatura internacional especializada sobre o tema, os serviços de segurança privada passaram a se expandir de forma mais significativa no mundo a partir dos anos 60, estimulados por mudanças importantes nas dinâmicas sociais dessas sociedades, em especial nos grandes centros urbanos. Não obstante a presença dos serviços privados de segurança ter se tornado mais evidente desde o início do século XX, a partir do pós-guerra abriram-se novas frentes para o desenvolvimento dessa indústria, que até então, sob o contexto da centralização da polícia nas mãos do Estado, consolidada no século XIX, se encontrava praticamente extinta (ZANETIC, 2010). De uma forma geral, as principais causas dessa expansão identificadas no cenário internacional foram: o incentivo econômico e o espaço legal para o policiamento corporativo, entre os quais o surgimento e a disseminação das "propriedades privadas em massa", também chamadas de espaços semi-públicos; o aumento do crime e da sensação de insegurança; e outros fatores inerentes a esses, como a pressão das companhias de seguros sobre seus clientes para a contratação de serviços especializados de proteção (ZANETIC, 2010). 1.1 A expansão da segurança privada Os serviços de segurança privada passaram a se expandir aceleradamente no mundo (ou ao menos nas democracias desenvolvidas ou em desenvolvimento, onde os dados são mais acessíveis) a partir dos anos 60 (Shearing, 1992, South, 1994), 5 estimuladas por mudanças importantes nas dinâmicas sociais dessas sociedades, em especial nos grandes centros urbanos. É possível identificar dois processos políticos que orientam as concepções teóricas sobre a indústria da segurança: o primeiro diz respeito à centralização do poder político no âmbito da consolidação do Estado-Nação e o segundo, ao avanço do liberalismo como doutrina econômica hegemônica, que abre caminhos para esse movimento de expansão dos serviços privados de segurança (ZANETIC, 2005). Historicamente, podemos observar que a concentração dos serviços de segurança nas mãos do Estado é marcada pela passagem da responsabilidade pelo policiamento para as forças públicas, em meados do século XIX. Até então, diversas formas de organizações destinadas a oferecer segurança são encontradas, desde as polícias helênicas da Antiguidade, pouco coordenadas e profissionalizadas, ou as grandes administrações policiais públicas da República romana, até as polícias de bases locais e comunitárias que se desenvolveram em diversos países europeus durante a Idade Média e permaneceram até os séculos XVIII e XIX (MONET, 2001). Fonte: jc.ne10.uol.com.br 6 Com o novo contexto da centralização da polícia, ganhou força a concepção de que a existência das polícias privadas traria sérias consequências para a paz e os direitos civis. A polícia pública passa a ser identificada diretamente com o interesse público e a polícia privada como desacordo com o interesse público. Além da proteção dos cidadãos, essa centralização passou a absorver a defesa das corporações,impedindo assim a proliferação da demanda por polícias privadas, sobrando como únicas funções aceitáveis os serviços de autodefesa e autoajuda, compreendidas como direitos humanos fundamentais (ou seja, guardas que auxiliavam, de forma bem limitada, as entidades a proteger a vida e a propriedade) (ZANETIC, 2005. Apud SHEARING, 1992). Cristaliza-se, assim, a concepção do policiamento público como “legítimo” e policiamento privado como “perigoso”. O estabelecimento da Nova Polícia, criada em Londres em 1829, significa simbolicamente uma mudança decisiva para a transferência de funções em direção à centralização da polícia nas mãos do Estado, e a partir daí o policiamento privado se reduz até os anos 1950 (ZANETIC, 2005). Essa centralização do policiamento se desenvolveu de forma gradual e não ocorreu uniformemente. Na França, por exemplo, esse processo ocorreu muito antes, no século XVII, enquanto na Rússia até o início do século XX essa função era dividida entre o governo e os proprietários de terra. Mesmo com o recrudescimento gradual até meados do século XX, nos Estados Unidos é mais evidente o fato das polícias privadas nunca terem efetivamente deixado de existir (ZANETIC, 2005). A exemplo do que estava ocorrendo na Inglaterra, os Departamentos de Polícias estaduais começaram a surgir no final do século XVIII, consolidando-se durante o século XIX. No entanto, a corrupção e o treinamento precário dos agentes, incapazes de atender a demanda cada vez maior por segurança nas grandes cidades (onde a industrialização se acelerava) e também fora delas, principalmente nas estradas de ferro e outras rotas de mercadorias, levaram ao surgimento das primeiras grandes empresas de segurança (ZANETIC, 2005). 1.2 A Formação do Mercado Brasileiro de Segurança A segurança privada cresceu linearmente no Brasil desde seu surgimento oficial com o Decreto Federal de 21 de outubro de 1969, tendo seu maior crescimento a partir dos anos 90, notado pelo número de empresas de vigilância, de vigias de rua 7 e na disseminação de tecnologias voltadas à indústria da segurança eletrônica. Embora esse crescimento seja evidenciado em todas as fontes de informações relacionadas ao tema, há uma grande controvérsia em relação a real dimensão dos números que representam o dimensionamento do setor (ZANETIC, 2010). De acordo com o Departamento de Polícia Federal, no final de 2005 havia no país 1.280.147 vigilantes, 1.727 empresas de vigilância, 1.308 empresas de segurança orgânica e 305 empresas de transportes de valores oficialmente cadastradas no órgão, que é formalmente responsável pela autorização, fiscalização e controle do setor dos serviços privados de segurança no país. Por outro lado, segundo informações do 2º ESSEG, estudo desenvolvido pela Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores – FENAVIST sobre o setor da segurança privada no Brasil, os números relacionados ao total de vigilantes em atuação seriam bem mais modestos, estimando-se um total de 557,5 mil vigilantes, entre terceirizados e orgânicos, em 2005 (ZANETIC, 2010). Fonte: cursosrapidosgratis.com.br Apesar de haver discrepâncias também com relação ao número de empresas, sobretudo pela diversificação das atividades desenvolvidas, com diversas empresas atuando em mais de uma das atividades regulares desenvolvidas pelo setor, é com relação aos vigilantes que os números chamam mais atenção. Nesse sentido, ao considerarem apenas os vigilantes que estão efetivamente em atuação, os dados 8 levantados pela FENAVIST possivelmente representem uma estimativa mais realista com relação aos dados do DPF, que correspondem a todos os vigilantes cadastrados e capacitados a atuar, independentemente de estarem regularmente empregados (ZANETIC, 2010). A forma com que o setor da segurança privada se organiza no Brasil compartilha causas e encontra respaldo no que está ocorrendo em outras nações. Entre as mudanças sociais responsáveis pela configuração desse novo contexto pode-se ressaltar também a tendência de as pessoas gastarem atualmente mais tempo nos lugares protegidos por agências não-governamentais do que nos lugares em que o policiamento é público (FELSON, 1987). Além do aumento e especialização da criminalidade, da ampliação do controle social informal e da insegurança, a segurança privada tem como pressupostos de sua expansão importantes transformações no espaço urbano e na circulação da população pelas grandes cidades, que têm criado determinados espaços para os quais se deseja ter segurança reforçada em tempo integral. Com base nessas novas necessidades, a segurança privada vem atender a demandas sociais existentes e cada vez mais comuns no mundo contemporâneo, sobretudo nos grandes centros urbanos, em que tem assumido funções cada vez mais complementares com a segurança pública (CALDEIRA, 2000. Apud KOWARICK, 2001). Tais mudanças podem ser identificadas no trabalho de alguns estudiosos, em especial dos norte-americanos Lawrence Cohen e Marcus Felson, que mostram como esses processos são desencadeados pela gradual substituição, nas grandes cidades, dos agrupamentos comunitários (em que as pessoas trabalhavam, estudavam, iam às compras e desfrutavam do lazer em um mesmo bairro ou em suas proximidades) para as metrópoles modernas (onde as áreas de moradia, negócios, indústrias e espaços de lazer estão dispersos, ligados pelas ruas da cidade por onde os automóveis percorrem diariamente grandes distâncias), em que sobressaem os shopping-centers, a proliferação das empresas e dos centros empresariais e os grandes condomínios (FELSON, 1987). A percepção dessas transformações é importante no sentido de se identificar a forma com que novos espaços e modelos de vida social se relacionam com a criação de oportunidades para o crime em situações específicas, bem como com as inovações em estratégias de prevenção. Essas considerações acerca do novo panorama da vida 9 social, além de significarem uma importante descoberta no campo das teorias criminológicas, nos ajudam a compreender as bases nas quais se dá, principalmente nas grandes cidades, a proliferação e procura pelos recursos privados de proteção, trazendo alguns elementos novos para esta análise, como a incorporação das noções de risco e oportunidade (COHEN, FELSON, 1979). Como na maior parte dos países estudados, em que o modelo regulatório específico dos serviços de segurança tem sido organizado por algum órgão do governo da área da Justiça ou Segurança, no Brasil a regulação é conduzida pelo Ministério da Justiça através do Departamento da Polícia Federal. O modelo que existe no Brasil encontra respaldo nos modelos regulatórios existentes para o setor em diversas regiões e contextos diferenciados que encontramos na literatura internacional. Se esperávamos encontrar uma anomalia na organização jurídica na segurança privada, dada a acelerada proliferação ocorrida nos últimos vinte anos, o que encontramos, ao contrário, foi um modelo que reúne os principais atributos em termos de normas e padrões no cenário internacional (ZANETIC, 2010). Fonte: imirante.com.br O perfil da regulação da segurança no Brasil permite enquadrar o modelo do país como abrangente, porém com baixa capacidade regulatória. Ou seja, é um modelo onde o Estado não apenas regula os trabalhadores da indústria, mas, além disso, introduz regulação substantiva para aumentar o padrão e a qualidade dos 10 serviços, criar salvaguardas para proteção do público e eventualmente proteger as empresas nacionais da competição estrangeira – como ocorre em países como Dinamarca, Finlândia, França, Portugal e Espanha (ZANETIC, 2010). Nos diversos países, a regulação dos serviços de segurança deve se deparar com alguns temasespecíficos que formam o espectro da atividade, e que são comuns aos diferentes contextos encontrados na literatura (ZANETIC, 2010): Registro das companhias, envolvendo o licenciamento das firmas de segurança e dos trabalhadores; Educação e treinamento; Uniforme e identificação visual; Uso de armas de fogo; Fiscalização dos serviços. No país, o surgimento oficial dos serviços de segurança privada ocorreu sob determinação legal do poder público para atuação das empresas de segurança nas instituições financeiras. A principal motivação para a obrigatoriedade da contratação de segurança foi a escalada nos assaltos às agências bancárias desde os anos 1950. Mas o passo decisivo deu-se em decorrência dos constantes assaltos a bancos liderados por grupos guerrilheiros que atuavam contra o regime militar, sobretudo após 1968 (ZANETIC, 2010). Apesar das primeiras empresas terem surgido pouco antes, a obrigatoriedade foi estabelecida no dia 21 de outubro de 1969, com o Decreto Federal 1.034, e desde então os bancos passaram a contratar serviços de segurança ou criar os seus próprios serviços, dando início também a segurança orgânica (ZANETIC, 2010). O marco regulatório atual da segurança privada é legislado pela lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983 e pelos decretos nº 89056/83 nº 1592/95, complementados por decretos e portarias específicas que atribuíram novos requerimentos à regulação. De acordo com o Departamento da Polícia Federal, a segurança privada está autorizada a atuar em sete áreas distintas, dispostas abaixo. As descrições foram construídas a partir da revisão da literatura e da observação e descrição dos serviços existentes, tornando mais tangíveis a sua identificação no espaço real em que atuam (ZANETIC, 2010) 11 A exemplo de muitos dos modelos observados, o grande problema que encontramos no Brasil está na fragilidade dos mecanismos de controle e fiscalização da atividade em seus diferentes segmentos, que atualmente estão a cargo da Delegacia de Controle da Segurança Privada - DCSP de Brasília e das Delegacias Estaduais de Segurança Privada - DELESPs. Além dos poucos recursos dispensados para essa finalidade serem sub-aproveitados, a dificuldade se agrava pelo processo de franca expansão do setor, que age como mais uma barreira ao fôlego necessário para o acompanhamento dessa necessidade de efetivação da regulamentação (MARQUES, 2013). 1.3 Tendências na segurança empresarial Fonte: jc.ne10.uol.com.br O desenvolvimento da segurança no setor empresarial, que é hoje a principal demanda existente na segurança privada, também revela a tendência aos crescentes incentivos ao mercado de proteção. De acordo com uma pesquisa sobre a vitimização em empresas de médio e grande porte realizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública - SENASP em 200322, 65,3% das empresas foi vítima, pelo menos uma vez, de algum tipo de delito no ano de 2002 (ZANETIC, 2005). A percepção geral da maioria das empresas é de que os delitos têm se mantido estáveis, na própria empresa, nos últimos três anos (61% das empresas), sendo que 12 apenas 17,4% delas consideram que os delitos têm aumentado nos últimos três anos. Não obstante a isso, a maior parte das empresas (56,4%) relatou que os investimentos na segurança têm aumentado nos últimos anos, e para 67,1% os investimentos na área da segurança deverão aumentar nos próximos 3 a 5 anos (ZANETIC, 2005). Esses dados corroboram a percepção de que o aumento da preocupação com a segurança e dos investimentos são mais complexos do que sua relação direta com a incidência da criminalidade, sendo influenciado por outros fatores de difícil mensuração, como a influência dos meios de comunicação e as perdas financeiras representada pelos delitos. Essas relações ficam mais claras quando comparamos a prevalência dos delitos estudados com a gravidade representada por cada um deles para as empresas (ZANETIC, 2005). O roubo/ furto de carga é o delito apontado como mais grave pelas empresas, apesar de figurar como o quarto delito de maior prevalência. Na tendência inversa, o furto cometido por estranhos, que é o delito de maior prevalência (43,9% das empresas entrevistadas relataram ter sofrido esse tipo de delito em 2002), cai para a quarta posição de gravidade, certamente por representar menor impacto financeiro para a empresa em relação a outros crimes (ZANETIC, 2005). A preocupação com a segurança é evidenciada ainda por outros dados: em 2002 94,4% das empresas estudadas possuíam seguro (cobertura total ou parcial) contra perdas e danos causados por delitos, e 69,1% das empresas possuíam uma estrutura ou departamento próprio de segurança em suas instalações. Com relação ao perfil do setor de segurança, as empresas estudadas organizavam-se de forma bastante diversificada quanto à composição de sua estrutura interna. No entanto, ao serem observados os diferentes tipos de serviços comuns às empresas, nota-se alguns padrões importantes nesta organização (ZANETIC, 2005). Os serviços mais comuns geridos internamente são os programas relacionados à vigilância, investigações e segurança eletrônica (monitoramento de alarmes e integração de sistemas de segurança). Entre os serviços terceirizados, os mais presentes são os agentes de segurança, apontados por 46%, seguidos dos serviços de vigilância/ investigações, que estão entre os mais presentes nas empresas (apenas 7,1% declararam não ter o serviço), com 41,5% e os serviços de patrulha, 40,3%. 13 Muitas empresas também têm aderido ao sistema chamado de “quarteirização”, em que uma outra empresa é responsável pela administração e operacionalização de contratos com os fornecedores e prestadores de serviços (ZANETIC, 2005). Por fim, se a tendência de crescimento dos investimentos em segurança aparentemente não reflete a preocupação com o crime na mesma medida em que estes ocorrem, tampouco parecem refletir falhas no sistema de justiça criminal, ao contrário do que afirma boa parte da literatura. Ao menos no que diz respeito a esse universo empresarial estudado, a tese de que a segurança empresarial atua nas brechas deixadas pelo poder público não parece ser explicação convincente para a sua expansão. A maior parte dos delitos de que as empresas têm conhecimento são denunciados (84,5%), e entre as empresas atendidas pela polícia, 60,5% se sentiram satisfeitas com o serviço prestado (ZANETIC, 2005). 1.4 Percepção da violência e do crime O recrudescimento da violência, identificado pelos dados e vivenciado diariamente pelos cidadãos, geram na sociedade percepção aguçada sobre a evolução da criminalidade e têm transformado os temas Violência e Segurança uma prioridade na agenda das políticas públicas, dividindo com o desemprego o primeiro lugar entre os problemas que mais afligem a população. Isso pode ser percebido em diversas pesquisas de vitimização que mostram que moradores de diferentes cidades e localidades do país alteraram seus hábitos cotidianos em função do medo da violência, deixando de sair de casa sozinhos ou após certo horário, de se relacionar com pessoas da vizinhança, não circulando por determinados bairros ou até mudando de residência ou de escola (ZANETIC, 2005). Da mesma forma que altera hábitos das pessoas com relação à sua vida nas cidades, o medo do crime também influencia na alocação dos recursos privados investidos na segurança. Para ilustrar esse ponto utilizamos dados de pesquisa realizada pelo Instituto Futuro Brasil em 2003, a partir da qual pudemos observar que na cidade de São Paulo, onde a pesquisa foi realizada, quanto maior o medo da violência maior é a propensão dos indivíduos em investir na segurança. Os 14 investimentos em segurança foram mensurados a partir da questão apresentada aos entrevistadossobre esse tipo de alocação de recursos no ano de 2003 (ZANETIC, 2005). 1.5 A questão das armas de fogo As compras autorizadas de munição e armamento pelas empresas de segurança apresentam números importantes. De acordo com dados do Diário Oficial da União (Relatório Anual FENAVIST), entre 1987 e 2002 essas empresas adquiriram 162.484.135 de munições (cartuchos, projéteis, pólvora, etc.) e 194.211 armas (revólver 32 e 38, espingarda 12, 16 ou 20 e pistola semiautomática), que são utilizadas pelos vigilantes de acordo com a respectiva categoria de formação (os diferentes níveis de especialização e treinamento definem o tipo e o número de armas que cada vigilante poderá portar) (ZANETIC, 2010): Guardas com treinamento básico (que só podem portar um revólver que pertence à empresa); Guardas com treinamento para escolta de cargas valiosas e caminhões de carga de valores, que podem usar uma arma curta e uma arma de cano longo a serviço (uma espingarda ou uma carabina); Guardas com treinamento para segurança pessoal, que podem portar duas armas curtas. Algumas ações recentes de regulamentação da legislação específica sobre o porte e uso de arma tem sido tomada pelas entidades representativas do setor tendo em vista a aprovação do Estatuto do Desarmamento - Lei nº 10.826/03 no final de 2003. Com relação a isso, os principais pontos de conflito dizem respeito a (ZANETIC, 2010): Legislação específica: as empresas de segurança privada são regulamentadas por um conjunto próprio de leis (Lei nº 7.102/83, 8.863/94 e 9.017/95), além de serem regulamentadas por decretos e portarias do Ministério da Justiça e do Departamento de Polícia Federal. Tais normas não foram revogadas, ou seja, ainda têm validade apesar da publicação do estatuto. 15 Idade limite: o estatuto estabelece como a idade limite de 25 anos para a compra de armas de fogo. A legislação própria do setor de segurança privada regulamenta que indivíduos a partir de 21 anos podem exercer a profissão de vigilante e, portanto, portar arma em serviço. Ou seja, o vigilante não compra armas de fogo, somente empresas de segurança são autorizadas para isso. Taxas: as taxas pagas pelas empresas de segurança são estabelecidas pela Lei n° 9.017/95, que não foi revogada pelo estatuto. De acordo com a Fenavist, a cobranças das taxas citadas na nova lei inviabilizaria economicamente a atividade de segurança privada. Outra questão que deve ser ressaltada diz respeito regularização do porte para os vigilantes, sobretudo estando em vigor o Estatuto do Desarmamento que restringe na quase totalidade o porte para os demais cidadãos. Dessa forma, as novas leis de controle de armas provenientes do Estatuto do Desarmamento transformam os vigilantes em uma categoria “especial”, no conjunto da sociedade (ZANETIC, 2010). Com relação a esse aspecto, situando-os em uma posição intermediária entre os policiais e os demais cidadãos: não possuem os mesmos poderes e as salvaguardas dos primeiros, no entanto poderão portar armas quando em serviço, e com idade mínima de 21 anos. De acordo com o Estatuto, mesmo os portes concedidos como exceção, em situações específicas, só serão concedidos para maiores de 25 anos (ZANETIC, 2010). 1.6 A dimensão política do problema da segurança privada A questão da segurança privada figura no rol, já perigosamente amplo, dos temas menoscabados pela tradição jurídica brasileira. É na ciência política e na sociologia que encontramos, especialmente a partir da década de 1990, o escólio crítico capaz de estear uma análise mais fundamentada sobre o assunto. Tal se deve, como é próprio do campo de investigação daquelas ciências, à percepção clara de um fato social tornado, por sua peculiar natureza, um problema político e sociológico: o incremento exponencial das contratações de serviços de segurança privada nas sociedades capitalistas ocidentais (MARTINS, 2010). 16 Fonte: apmgd.com/web.com.br Para se ter uma dimensão do fenômeno, os últimos dados a respeito do desenvolvimento do setor no Brasil (2005) contabilizam 557,5 mil vigilantes efetivamente em atuação, excluídos desse contingente aqueles que atuam fora do âmbito da regulação formal, bem como os que, a despeito de devidamente registrados, estariam desempregados. A título de comparação, em 2003, de acordo com o Ministério da Justiça, o contingente de forças públicas de segurança pública somadas atingia 506,4 mil pessoas, considerando policiais civis (115.960) e militares (390.451) (MARTINS, 2010). O diagnóstico mais corriqueiro, a partir de tais dados, apregoa que a sociedade moderna estaria se movendo conforme um paradigma da insegurança: não sair à noite, evitar lugares determinados, ou manter certos padrões estáveis de comportamento diante do amedrontamento passaram a ser fatos corriqueiros. Muitos haurem vantagens com essa cultura (agentes imobiliários, meios de comunicação e empresas de entrega em domicílio, por exemplo), ao mesmo tempo em que se cria uma nova configuração dos vínculos sociais e dos sistemas de crenças mais elementares a partir de um sentimento socialmente construído (MARTINS, 2010). 17 Desde uma perspectiva política, jurídica e institucional, o recurso crescente às formas de segurança privada poderia denotar certo anacronismo do Estado moderno, eis que, como de universal conhecimento, este reservou para si o monopólio do uso da violência e da força, proibindo os particulares de recorrerem à vingança privada, a despeito de seus impulsos muitas vezes assim o desejarem (FELSON, 1987. Apud MARTINS, 2010). Fonte: fernandomelo.com.br Analistas mais céticos vão afirmar que tal reserva parece cada vez menos aderente às sociedades contemporâneas, considerando uma suposta atomização do Estado, associada à revisitação de alguns padrões de governabilidade; por sua vez, a mudança estrutural da esfera pública e o compartilhamento de funções estatais em um ambiente transnacional reforçariam o mesmo diagnóstico (MARTINS, 2010). Discordamos de um enfoque assim alarmista. Parece comum a todos os ordenamentos jurídicos mais civilizados que certas situações-limite, nas quais não haja possibilidade de recurso útil a segurança pública, sejam perfeitamente admissíveis sem que se considerem perturbados, com isso, os termos do contrato social. O direito de resistência, o estado de necessidade, a legítima defesa, o desforço imediato na defesa da posse e a prisão em flagrante por qualquer indivíduo corroboram a hipótese de que a força privada é reconhecida (MARTINS, 2010). O que se deve empreender, no caso, é uma percepção quanto à mudança de fundamento do monopólio da violência estatal, que constitui, na atualidade, uma garantia de segurança e liberdade dos cidadãos, e não mais um mero instrumento de 18 engrandecimento do poder político, tal como representara no início da Idade Moderna (MARTINS, 2010). No caso da segurança privada, o seu fundamento jurídico-político reside, exatamente, na compreensão de que a autodefesa pelos particulares, dentro dos limites constitucionais, é tolerada o Estado permanece com o monopólio do uso da força, mas não possui o monopólio para a satisfação das necessidades coletivas de segurança. Tal premissa é claramente adotada pelo Texto Constitucional em vigor, quando afirma, em seu art. 144, que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (MARTINS, 2010). É evidente que o reconhecimento dos serviços de segurança privada comporta alguns riscos, como, por exemplo, o de perpetuação e reforço dos mecanismos de desigualdade social, a violação aos direitos humanos, além do estímulo ao desenvolvimento de milícias privadas que se valem de espaços carentes de estatalidade,compondo uma espécie de neofeudalismo. Faz se mister, portanto, destacar que, a despeito de legítimos, os serviços de segurança privada ocupam lugar próprio, especialmente quando contrastados frente à competência de órgãos e serviços de segurança do Estado. A definição de tais contornos e limites é tarefa indispensável à compreensão do seu regime jurídico (MARTINS, 2010). 2 VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E SEGURANÇA ORGÂNICA Fonte: segline-vigilancia.com.br 19 Os serviços de vigilância patrimonial e de segurança orgânica (mais especificamente de vigilância orgânica, pois as empresas que possuem segurança orgânica também podem ter serviços de transporte de valores) são os segmentos que estão presentes na maior parte dos espaços policiados privadamente, tais como bancos, organizações comerciais e industriais diversas, incluindo centros empresariais, edifícios e dependências da administração pública nas diferentes instâncias, condomínios residenciais, shopping centers, estádios destinados a eventos esportivos, centros de exposições (FENAVIST/MEZZO PLANEJAMENTO, 2005). Oficialmente, de acordo com a mais recente atualização normativa do setor, os serviços de vigilância patrimonial devem ser exercidos “dentro dos limites dos estabelecimentos, urbanos ou rurais, públicos ou privados, com a finalidade de garantir a incolumidade física das pessoas e a integridade do patrimônio no local, ou nos eventos sociais”. Com relação específica à atividade desempenhada por esse segmento, esta “somente poderá ser exercida dentro dos limites dos imóveis vigilados e, nos casos de atuação em eventos sociais, como show, carnaval, futebol, devem se ater ao espaço privado objeto do contrato” (FENAVIST/MEZZO PLANEJAMENTO, 2005). Por sua vez, as empresas possuidoras de serviços orgânicos de segurança “são empresas de direito privado autorizadas a constituir um setor próprio de vigilância patrimonial ou de transporte de valores”. Além de empresas de capital privado, diversos órgãos da administração pública também constituem seu próprio setor de segurança, respondendo por 49% das contratações de vigilantes na segurança orgânica (FENAVIST/MEZZO PLANEJAMENTO, 2005). Com relação à abrangência territorial dos serviços de segurança privada, uma delimitação essencial sobre a atuação do setor diz respeito à sua impossibilidade de fazer o policiamento em áreas públicas. Constitucionalmente, apenas as polícias militares podem fazer o policiamento ostensivo nessas áreas (art. 144, § 5º da Constituição Federal). Assim com exceção dos casos de transporte de valores, escolta armada a transporte de cargas e proteção de pessoas (segurança pessoal), os 20 vigilantes estão juridicamente circunscritos a policiarem apenas as áreas restritas aos estabelecimentos privados. Nestes estabelecimentos, somente o serviço de segurança privada autorizado pelo proprietário, de acordo com o contrato firmado entre as partes, pode exercer as funções de policiamento (FENAVIST/MEZZO PLANEJAMENTO, 2005). 2.1 Vigilantes No Brasil, os agentes de segurança autorizados a atuar oficialmente no setor da segurança privada são designados “vigilantes”, que “são os profissionais capacitados pelos cursos de formação, empregados das empresas especializadas e das que possuem serviço orgânico de segurança, registrados no Departamento da Polícia Federal – DPF, responsáveis pela execução das atividades de segurança privada” (ZANETIC, 2009). De acordo com o artigo 109 da Portaria 387/2006-DG/DPF, para o exercício da profissão, o vigilante deverá preencher os seguintes requisitos, comprovados documentalmente: I – Ser brasileiro, nato ou naturalizado; II – Ter idade mínima de vinte e um anos; III – Ter instrução correspondente à quarta série do ensino fundamental; IV – Ter sido aprovado em curso de formação de vigilante, realizado por empresa de curso de formação devidamente autorizada; V – Ter sido aprovado em exames de saúde e de aptidão psicológica; VI – Ter idoneidade comprovada mediante a apresentação de antecedentes criminais, sem registros de indiciamento em inquérito policial, de estar sendo processado criminalmente ou ter sido condenado em processo criminal; VII – estar quite com as obrigações eleitorais e militares; VIII – possuir registro no Cadastro de Pessoas Físicas. Embora inicialmente o perfil dos vigilantes tenha sido marcado pela baixa profissionalização do setor, com um nível de qualificação, escolaridade e renda bastante inferior ao dos policiais, este quadro vem se alterando significativamente ao 21 longo do tempo. De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar – PNAD/IBGE, ocorreram importantes mudanças no perfil socioeconômico e profissional da população empregada tanto na segurança pública quanto na atividade de vigilância e guarda, nas diferentes regiões do Brasil (ZANETIC, 2009). O nível de escolaridade dos vigilantes privados é, ainda hoje, consideravelmente menor do que o dos policiais, porém vem melhorando aceleradamente, assim como entre os profissionais das forças públicas. Em 1985, 10,3% possuíam escolaridade equivalente ao ensino médio (completo ou incompleto), passando para 18,8% em 1995 e para 31,3% em 2001. Na segurança pública, essas proporções eram de 31%, 48,7% e 59%, nos três anos mencionados. Além disso, há uma melhora em termos de profissionais do setor frequentando o ensino superior: de 1985 para 2005, o percentual passou de 0,9% para 2,7% (na segurança pública esse número é muito superior, sendo 14,3% em 1985 e 30% em 2001) (ZANETIC, 2009). Fonte: grupoconservo.com.br É importante notar que a melhora da escolaridade entre os profissionais do setor de segurança privada é significativamente superior àquela verificada para a população em geral: enquanto em 1985 a proporção de indivíduos com nível de ensino médio da população em geral era de 16,2% e a dos profissionais da segurança pública correspondia a 10,3%, em 2001 estes últimos passaram a possuir uma proporção (31,3%) muito acima do total da população (21%) com este nível de escolaridade. 22 Possivelmente, esse aumento na escolaridade possa estar refletindo um crescimento da demanda por profissionais mais qualificados na área de segurança, sobretudo em função da necessidade de atualização e capacitação para operação de equipamentos mais sofisticados cada vez mais em uso no setor (ZANETIC, 2009). Se o nível de escolaridade vem crescendo em ambos os setores, com relação à renda essa melhora é nítida apenas para a segurança privada. Ainda de acordo com as informações da PNAD, enquanto os salários se mantiveram estáveis na segurança pública durante o período de 1985 a 1995, a renda média dos vigilantes cresceu consideravelmente. Em 1985, a maior parcela dos profissionais do setor concentrava- se na faixa de renda entre 1 e 2 salários mínimos (42%), proporção que diminuiu para 24% em 1995, enquanto entre os profissionais da segurança pública esse percentual praticamente não se alterou (MUSUMECI, 1998). A Portaria 387/2006-DG/DPF apresenta também uma descrição detalhada das disciplinas que devem ser cursadas pelos vigilantes no Curso de Formação dos Vigilantes, as quais ajudam a delinear o perfil e as características das atividades desempenhadas por esses profissionais. Os cursos que compõem a grade curricular focalizam desde a compreensão das noções básicas de segurança, da legislação e dos direitos e relações do trabalho até os aspectos técnicos de armamento, tiro e vigilância, passando por defesa pessoal e utilização de equipamentos eletrônicos utilizados na prevenção (ZANETIC, 2009). Os conhecimentos, técnicas, atitudes e habilidades esperadas destes profissionais ao término do curso correspondem a uma gama considerável de funções,às quais se espera que eles estejam adaptados a cumprir. Essas funções vão desde a execução da vigilância e a prevenção de ocorrências inerentes às suas atribuições até a proteção do meio ambiente e adoção de medidas iniciais de prevenção e de combate a incêndios (ZANETIC, 2009). 23 3 INTER-RELAÇÃO SEGURANÇA PÚBLICA – SEGURANÇA PRIVADA Fonte: anjosdaguarda.com.br Não obstante a regulação estar a cargo da Polícia Federal, as principais preocupações sobre a inter-relação segurança privada e segurança pública, na atuação cotidiana destas forças em suas tarefas de prevenção e controle da criminalidade, dizem respeito à interação com as forças estaduais, uma vez que, de acordo com o parágrafo 144 da Constituição Federal, as tarefas de policiamento ostensivo, judiciário, apuração de infrações penais e preservação da ordem pública, no interior dos Estados, competem às Polícias Militares e Civis estaduais (ZANETIC, 2009). No entanto, se as delimitações dos segmentos, a definição de atividades e equipamentos de que a segurança privada pode fazer uso, as áreas permitidas para atuação e toda uma série de instruções normativas relativas ao setor fazem parte atualmente do ordenamento jurídico, o mesmo não se pode dizer sobre a interface entre os setores quando há necessidade de interação entre eles. Não existe nenhuma norma clara que regule a troca de informações, o atendimento da polícia a chamados realizados pelos agentes de segurança, os procedimentos com relação ao aprisionamento, o atendimento a alarmes ou formas complementares de cooperação (ZANETIC, 2009). 24 A rigor, um estabelecimento empresarial, assim como as dependências de um órgão da administração pública, deve receber por parte da polícia o mesmo tratamento que ela confere a qualquer chamado ou atendimento que lhe cabe realizar. Assim, um chamado específico de um estabelecimento relativo a uma ocorrência deverá, ao menos em tese, ser (ou não) atendido de acordo com a ordem de prioridade que a ele será conferida por aqueles responsáveis pelo atendimento. Pode-se imaginar, então, que fatores como maior ou menor proximidade entre os agentes de segurança privada e a polícia poderá agilizar ou retardar esse atendimento (ZANETIC, 2009). É possível imaginar, também, que a polícia possa tender a dar menos prioridade ao atendimento de um estabelecimento que sabidamente disponha de um sistema de segurança privada, caso seja necessário fazer uma escolha. Esta é uma das questões fundamentais em relação à interface entre os setores e que pode influenciar diretamente na distribuição do policiamento público em relação aos espaços e situações que lhe cabem responder. Dada a dimensão que atualmente esses espaços possuem, pode-se afirmar que seu impacto na distribuição do policiamento é bastante significativo, embora não existam informações substantivas capazes de delinear como de fato ocorre esta influência (ZANETIC, 2009). 4 O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA Fonte: operacaofederal.com.br 25 Tendo como referência a realidade de outros países, a primeira seção aborda as características e o funcionamento dos principais dispositivos legais que permitem direta ou indiretamente responsabilizar empresas e agentes de segurança privada. Mais especificamente, são analisados (LOPES, 2007): 1) os requisitos e a política para autorização de empresas e vigilantes; 2) o treinamento e a educação exigidos para os profissionais de segurança privada; 3) a regulação e a política sobre armas de fogo; 4) as definições sobre uniforme e identificação visual dos agentes. A segunda seção analisa os mecanismos que visam incentivar o controle interno e o controle externo realizado pelos clientes e pelas associações de classe. Por fim, a terceira seção aborda o modo como a Polícia Federal fiscaliza a segurança privada e o universo informal dos provedores particulares de policiamento, focalizando os avanços, dificuldades e limites da política de fiscalização (LOPES, 2007). A problemática do controle estatal da segurança privada se insere na temática mais ampla da regulação desses serviços. Como no Brasil a regulação é realizada por um órgão da burocracia executiva (Polícia Federal), ela é conduzida através de normas infra legais tais como portarias, instruções normativas, pareceres e outros expedientes administrativos típicos das burocracias estatais. De 1995 até os dias de hoje dezenas de documentos infra legais foram expedidos pela Polícia Federal para disciplinar a segurança privada. Dentre eles destacam-se dois: a Portaria nº. 992/95- DG-DPF e a Portaria nº. 387/06-DG-DPF (LOPES, 2007). A primeira foi editada em outubro de 1995, quando a Polícia Federal assumiu a competência para regular, controlar e fiscalizar a segurança privada no Brasil. Esta Portaria vigorou até agosto de 2006, quando foi substituída pela Portaria nº. 387/06- DG-DPF, que introduziu mudanças significativas no marco regulatório da segurança privada. São basicamente essas duas portarias as analisadas. A análise, no entanto, foca apenas nos dispositivos que permitem a responsabilização - ou assegura condições para que isso ocorra - e incentivam as demais formas de controle. Ênfase especial é dada às modificações introduzidas pela Portaria nº. 387/06-DG-DPF (LOPES, 2007). 26 Do ponto de vista da estrutura institucional responsável pela regulação, controle e fiscalização da segurança privada, a análise incide sobre todos os níveis de diferenciação. Prioridade é dada à CGCSP pelo fato de ser o órgão central formulador da política de controle. DELESP e CV também são analisadas porque são unidades de controle e fiscalização que possuem considerável autonomia relativa. Já a CCASP é analisada em virtude de seu caráter de órgão colegiado composto pelas entidades de classe do setor de segurança privada com atribuições opinativas sobre a política de controle e deliberativas sobre os processos punitivos aplicados à segurança privada (LOPES, 2007). Algumas mudanças importantes estão em curso e por essa razão não são analisadas. Dentre elas destaca-se a implantação de um novo sistema que informatizará os processos administrativos relativos à área de segurança privada em todo território nacional. Batizado de Gestão Eletrônica de Segurança Privada (GESP), o novo sistema certamente trará grandes consequências sobre o modo como se controla a segurança privada no Brasil. Mas, como este e outros projetos encontram- se em implantação ou gestação, a análise se limita a apontar os possíveis impactos que terão sobre o funcionamento dos dispositivos de responsabilização e sobre a fiscalização da segurança privada (LOPES, 2007). 4.1 Requisitos para a autorização de empresas e vigilantes Requisitos para empresas e profissionais de segurança privada atuar funcionam como uma espécie de filtro que visa garantir que somente pessoas idôneas, qualificadas e em condições de serem responsabilizadas civil e/ou criminalmente venham a entrar no universo da segurança privada. Exigências de requisitos são comuns tanto na Europa quanto América do Norte (LOPES, 2007). As exigências mais encontradas são aqueles referentes a recursos financeiros mínimos para abrir uma empresa, idoneidade dos proprietários/administradores e profissionais de segurança privada, idade mínima e qualificação. O rigor com que esses itens são regulados varia de país para país. Nos Estados Unidos e Canadá essas variações ocorrem entre as unidades federativas, que não possuem um padrão 27 de regulação único. No Brasil essas exigências são relativamente rigorosas. (LOPES, 2007). A Autorização de Funcionamento para empresa de segurança é concedida por um ano. Após vencimento a empresa deve solicitar a renovação daAutorização de Funcionamento mediante a comprovação de todos os requisitos. Tanta autorização de funcionamento quanto as revisões são concedidas para a empresa atuar num determinado estado (LOPES, 2007). Fonte: gestaodesegurancaprivada.com.br A empresa que mantém filial em mais de um estado deve obter autorizações separadamente, uma para cada estado. Quaisquer alterações nos atos constitutivos (mudança societária, na razão social, CNPJ, endereço, no capital social, etc) também dependem de autorização da Polícia Federal. Empresas e instituições que utilizam segurança privada orgânica também estão obrigadas a cumprirem exigências semelhantes quanto à infraestrutura e vida pregressa dos responsáveis pela divisão de segurança, além de autorização da Polícia Federal em caso de alteração dos atos constitutivos (LOPES, 2007). O pretendente a vigilante também deve comprovar possuir os requisitos para poder validar o curso de formação de vigilante perante a Polícia Federal e Delegacia Regional do Trabalho, a primeira responsável pela autorização do profissional e emissão da Carteira Nacional do Vigilante (CNV) e a segunda pela emissão da 28 Carteira de Trabalho. Importante destacar que o exercício de atividades de policiamento privado é permitido apenas para os profissionais formados em cursos específicos e que mantêm vínculo empregatício com uma empresa de segurança privada (especializada ou orgânica) autorizada pela Polícia Federal (COELHO, 2006). Como já colocado anteriormente, o policiamento privado oferecido de modo autônomo, mesmo que o vigilante tenha o curso de formação, é vedado pela Lei nº. 7.102/83. Essa é uma exigência mais rigorosa do que a encontrada em outros contextos regulatórios, que em algumas circunstâncias permitem a prestação de serviços de policiamento privado de maneira autônoma (COELHO, 2006). As legislações de Espanha, México e Cidade Autônoma de Buenos Aires (Argentina), por exemplo, permitem às pessoas físicas habilitadas oferecerem serviços de policiamento privado de forma direta no mercado, através de contrato com o cliente (COELHO, 2006). Como é possível notar, o marco legal brasileiro impõe restrições rígidas para que empresas e profissionais façam parte da segurança privada. A única exceção é a exigência educacional para se tornar vigilante, que no Brasil é apenas a 4º série do ensino fundamental. Nos últimos anos o mercado brasileiro tem demandado profissionais com maior escolaridade, mas de um modo geral a segurança privada continua empregando profissionais com nível educacional baixo. Entre 2001 e 2003 houve um crescimento dos profissionais que possuem maior tempo de estudo, com a contrapartida diminuição daqueles menos escolarizados (LOPES, 2007). Alguns dos requisitos para se tornar agente de segurança privada também apresentaram sérios problemas até recentemente. Duas das exigências mais importantes para o ingresso na profissão - a inexistência de antecedentes criminais registrados e a higidez física e mental dos profissionais de segurança privada - eram até 2006 exigidos de maneira pouco rigorosa. Em relação aos antecedentes criminais registrados, antes da publicação da Portaria nº. 387/06-DG-DPF predominou o entendimento de que essa exigência se referia apenas aos antecedentes judiciais de uma pessoa (LOPES, 2007). 29 Fonte: globalsegmg.com.br Somente pessoas sem condenação na Justiça poderiam desempenhar atividades de policiamento privado. Como a condenação na Justiça pressupõe uma sentença com trânsito julgado, pessoas que se encontravam respondendo a inquérito policial não podiam ser impedidas de ingressarem ou se manterem na profissão de vigilante. Assim, em nome do princípio constitucional da presunção de inocência manteve-se por muito tempo o entendimento de que mesmo as pessoas indiciadas por crimes praticados contra a vida ou o patrimônio poderiam continuar exercendo atividades de policiamento privado (BONFIM, 2003). No tocante às exigências de exames de saúde física, mental e psicológica também houve até recentemente problemas que dificultavam o devido cumprimento da Lei. O Decreto nº. 89.056/83, que regulamentou a Lei nº. 7.102/83, exigiu que, além de um exame inicial para ingressar na profissão, os vigilantes deveriam passar anualmente por um rigoroso exame de saúde física e mental. Contudo, este mesmo Decreto retirou da Polícia Federal a responsabilidade de regular e fiscalizar essas exigências e delegou-a para o Ministério do Trabalho, que ficou incumbido de editar instruções para o exame psicotécnico e norma regulamentadora para os exames de sanidade física e mental, bem como fiscalizar o cumprimento dessas exigências (BONFIM, 2003). Desse modo, como observou Bonfim (2003), “quem tinha o poder-dever de disciplinar e fiscalizar o atendimento a dois requisitos fundamentais para o exercício 30 de uma profissão importante como a do agente de segurança privada, quais sejam, a higidez física e mental do pretendente a atuar nesse campo, deixou ao talante de outrem fazê-lo, ficando alheio ao processo”. O resultado disto foi uma regulação e fiscalização extremamente precárias sobre requisitos fundamentais para o exercício de atividades de policiamento privado (BONFIM, 2003). Foi somente com a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPF que mecanismos de fiscalização mais rigorosos e efetivos começaram a ser implantados para viabilizar o devido cumprimento dos requisitos legais exigidos para que empresas e profissionais de segurança privada venham a atuar. Em relação à fiscalização dos requisitos das empresas, a Portaria nº. 387/06-DG/DPF avançou ao obrigar DELESP e CV a adotarem um procedimento que muitas já vinham adotando para evitar problemas semelhantes aos apontados pela Revista Carta Capital: ouvir em termo de declarações (LOPES, 2007). Os sócios ou proprietários da empresa que pretende obter Autorização de Funcionamento e proceder outras diligências que se fizerem necessárias visando obter informações sobre a atividade econômica exercida anteriormente, a origem dos recursos financeiros apresentados para a formação do capital social da empresa, a eventual participação em empresa de segurança privada cancelada e a razão pela qual ocorreu o cancelamento (LOPES, 2007). Tais mudanças representam um aperfeiçoamento de procedimentos capazes de garantir o cumprimento dos requisitos estipulados em lei para uma empresa de segurança privada funcionar, consequentemente, representam uma fiscalização mais intensa sobre itens fundamentais para a estabilidade de uma empresa e eventual responsabilização civil ou criminal dos donos, sócios ou gerentes (LOPES, 2007). 31 4.2 Treinamento e educação Fonte: amigosdaguardacivil.com Diferentemente dos mecanismos de responsabilização baseados em procedimentos que visam responsabilizar individualmente pessoas por desvios de conduta, os mecanismos de treinamento e educação estão voltados para a prevenção desses desvios através da profissionalização dos agentes de segurança. O treinamento e a educação propiciam aos agentes de segurança privada a profissionalização necessária para que atuem, no exercício de suas funções, especialmente as que envolvem coerção, apoiados em padrões claros e precisos de competência e responsabilidade profissional (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). Assim, o treinamento e a educação profissional operam como mecanismos fundamentais para evitar todo tipo de comportamento impróprio decorrente da falta de competência técnica para agir em determinadas circunstâncias. Apesar da importância do treinamento e da educação dos agentes de segurança privada, nem todos os países fazem exigências sobre o assunto. Nos locais onde eles são exigidos,os padrões estipulados variam enormemente (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). No Canadá, até 2003, apenas três províncias obrigavam programas de treinamento e testes. Na maior parte dos EUA também não há nenhuma exigência de treinamento. Nos estados federados onde ela existe, a carga horária estipulada varia de 4 a 48 horas. Na Europa, o treinamento e educação dos profissionais de segurança 32 privada também variam muito. Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Países Baixos, Espanha e Suécia obrigam treinamentos, mas em outros países eles são voluntários. Os padrões exigidos também variam consideravelmente, de 32 a 280 horas, conforme as especificidades e funções que serão desempenhadas pelos agentes. Alguns países exigem processos de treinamento contínuos (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). Quando comparado aos países da América do Norte e Europa, o Brasil apresenta exigências relativamente rigorosas em relação ao treinamento e educação dos profissionais de segurança privada. O marco regulatório brasileiro exige o treinamento e o aperfeiçoamento contínuo dos profissionais que atuam em empresas de segurança privada. Para se tornar vigilante é necessário frequentar curso preparatório ofertado por instituição autorizada pelo Ministério da Justiça/Polícia Federal (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). São exigidos cursos de três tipos: formação, extensão e reciclagem. O de formação é o curso base que habilita o vigilante ao exercício da atividade de vigilância patrimonial. Os cursos de extensão preparam os candidatos para o exercício das atividades específicas de transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal. Os de reciclagem são aqueles voltados para a requalificação dos profissionais. Para cursar as extensões é necessário ter concluído o curso de formação de vigilante (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). As três modalidades de curso são válidas por dois anos, após o que os vigilantes devem ser submetidos a curso de reciclagem, a expensas do empregador. Desse modo, o marco legal brasileiro exige que, além de treinamento obrigatório, o vigilante deve retornar à sala de aula a cada dois anos para requalificação (CUKIER, QUIGLEY, SUSLA, 2003). Até a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPG, os cursos poderiam ser ministrados tanto por empresas de segurança privada, as chamadas empresas de curso de formação, quanto por órgãos de formação policial ou militar, desde que cadastrados na Polícia Federal. Contudo, na prática, a oferta de cursos para vigilantes foi praticamente monopolizada pelas empresas especializadas (LOPES, 2007). 33 Além de vetar a oferta de cursos por instituições militares e policiais, com a edição da Portaria nº. 387/06-DG-DPF a Polícia Federal realizou mudanças significativas no quadro dos cursos de formação, extensão e reciclagens até então exigidos pela Portaria nº. 992/95-DG-DPF. Esta estipulava curso de Formação de Vigilante com 120 horas/aula e cursos de Extensão em Transporte de Valores e Segurança Pessoal Privada com 66 e 40 horas/aula, respectivamente. A reciclagem era exigida apenas para o curso de Formação de Vigilante (LOPES, 2007). A Portaria nº. 387/06-DGDPF alterou este quadro. Dentre as principais alterações destacam-se: 1) a inclusão de novas matérias na grade curricular dos cursos; 2) criação do curso de extensão em escolta armada) a exigência de reciclagem em todas as extensões (transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal). 5 FISCALIZAÇÃO SOBRE A SEGURANÇA PRIVADA Fonte: direcaoconcursos.com.br A legislação determina que as empresas de segurança privada devam ser fiscalizadas ao menos uma vez por ano. Além desta fiscalização obrigatória, DELESP e CV podem iniciar, a qualquer tempo, fiscalização de ofício, por solicitação da CGCSP, do setor de segurança privada, dos órgãos de segurança pública ou ainda 34 mediante denúncia de terceiros, desde que haja fundada suspeita de irregularidade em atividades típicas de segurança privada. Uma vez constatada alguma irregularidade, é lavrado um Auto de Constatação de Infração e Notificação (ACI) que inicia o processo administrativo punitivo (LOPES, 2007). Como há determinação legal para que se faça ao menos uma fiscalização anual, de um modo geral inexiste uma política pré-determinada por parte da CGCSP para que DELESP e CV priorizem a fiscalização da segurança privada levando em conta critérios como tamanho das empresas, categoria que está autorizada a atuar, etc. Diferentemente de outros órgãos fiscalizadores, a Polícia Federal não exerce uma fiscalização por amostragem, e sim uma fiscalização extensiva a todo o setor (LOPES, 2007). Apesar disso, as lideranças empresariais pressionam a CGCSP e, principalmente, DELESP e CV para que a fiscalização incida prioritariamente sobre as empresas que oferecem preços considerados inexequíveis dentro do mercado de segurança privada. A orientação geral que existe da parte da CGCSP é para que DELESP e CV não se restrinjam a punir, mas também orientem o empresariado de modo a prevenir irregularidades. A punição deve ser utilizada apenas como último recurso, dirigido àqueles que cometem irregularidades flagrantes às normas que regem a segurança privada (LOPES, 2007). DELESP e CV têm autonomia no planejamento de suas ações fiscalizadoras, que são definidas no Plano de Metas Anual (PMA) que os órgãos devem formular (para um exemplo de PMA de DELESP). Por conta dessa autonomia, a fiscalização da segurança privada apresenta grandes variações regionais. Estas variações são determinadas pelos diferentes graus de estruturação das diversas DELESP e CV (recursos financeiros, materiais e humanos disponíveis) e pelas próprias características do mercado regional de segurança privada (LOPES, 2007). 35 6 QUANTO A SEGURANÇA PRIVADA CONTRIBUI PARA A SEGURANÇA PÚBLICA Fonte: macor.com.br A Segurança Pública no Brasil sofre uma constante cobrança, por parte das comunidades, das mídias, do governo e da justiça. Ela é dentre um dos pilares do Estado em garantir as leis, os valores e os costumes entre pessoa e sociedade, devendo estar sempre acompanhando as progressões e evoluções sociais e tecnológicas, para que cumpra suas atribuições com o povo (BRASIL, 1988). A Constituição Federal de 1988 preceitua em seu artigo 144, caput, acerca da manutenção da ordem pública interna do Estado, in verbis, que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares (BRASIL, 1988). O Estado, por meio dos agentes de segurança pública, possui o dever de garantir a ordem, devendo se manifestar “como a instituição de defesa e segurança, cuja principal função consiste em manter a ordem pública, a liberdade, a propriedade e a segurança individuais”. Para isso, não tange apenas a polícia, mas a participação 36 de toda a sociedade “a segurança pública não se resume a uma questão de polícia, mas de toda sociedade. Tanto é assim que a Constituição enuncia, no preceito em epígrafe, que ela é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (BRASIL, 1988). A ordem pública, conforme Cudola (2007) é a primeira condição e a circunstância mais indispensável para a existência de qualquer associação. Em uma sociedade em que as leis não são respeitadas, em uma sociedade em que os funcionários encarregados de executá-las não têm força bastante para fazerem-se respeitados, é impossível que prosperem os interesses materiais e morais. Tudo, pois, que se refira aordem pública é de grande importância, dever e necessidade de uma boa administração. A ordem pública tem a ver com a segurança das pessoas, a tranquilidade dos povos e a segurança interna do Estado. Entende-se que a segurança pública, cada vez mês mais, perde espaço devido ao aumento da criminalidade, a influência política e dos problemas com a justiça, diminuindo a moral e o poder de polícia em garantir seu dever constitucional. O aumento de empresas de segurança privada cada vez mais atinge residências, empresas e órgãos públicos aonde a realidade local, do bairro, da periferia e da cidade demonstram a dificuldade da polícia na segurança das pessoas e dos patrimônios. A relação de segurança pública e privada devem fazer parte da integração do que se refere a segurança de todos como um todo (CUDOLA, 2007). 37 7 POLICIAMENTO, POLÍCIA E SEGURANÇA PRIVADA Fonte: guarulhoshoje.com.br Para uma definição do significado do termo policiamento e do conceito que estamos aqui utilizando é importante em primeiro lugar deixar claro que a noção mais comum hoje compartilhada sobre o termo em muito difere da noção ampla utilizada inicialmente. “Policiamento”, assim como o termo “polícia”, é uma palavra originalmente relacionada à palavra “política”, tendo derivado da palavra grega polis. Policiamento, portanto, nesse sentido primeiro, significava a governança das cidades e dos Estados, e, de uma forma ampla, a regulação social e administração de uma dada comunidade. O termo grego politea dizia respeito a todas as questões relacionadas à sobrevivência e o bem-estar do Estado ou Cidade (polis) (MONET, 2001). A palavra e seu significado foram posteriormente desenvolvidos pelos romanos – cujo termo em latim politia poderia, em tradução livre, ser traduzido como Estado, próximo do significado da palavra polis. O termo, que largamente desapareceu com o fim do Império Romano, voltou a ser utilizado nas universidades medievais, sobretudo para justificar a autoridade do príncipe sobre seus territórios. Entretanto, ainda que o significado dos termos polícia e policiamento tenham se transformado ao longo do tempo, deixando de significar o “conjunto da função governamental”, a visão 38 generalizada sobre a atividade de policiamento referia-se, no século XVIII, “unicamente ao ramo que o cidadão atual chamaria de administração geral, isto é, a regulamentação relativa à manutenção da ordem, da tranquilidade pública, da higiene, do comércio, do trabalho...” (MONET, 2001). No início do século XVIII, na Europa, termos como la police na Itália e die Politzei na Alemanha foram usados com o sentido de administração, bem- estar social, proteção e segurança do território. Da mesma forma, o termo police tornou-se crescentemente popular na Inglaterra até o final daquele século, mas ainda com esse significado mais amplo (EMSLEY, 1996. Apud ROWE, 2008). Assim, o termo policiamento não estava originalmente associado às atividades relativas a uma instituição específica (a “polícia”), noção que surgiu muito mais recentemente na história, e que ganhou força, sobretudo, com o processo de centralização das forças de segurança nas mãos do Estado, que se consolida em meados do século XIX. A partir desse processo mais recente de centralização das forças destinadas a segurança no Estado, o termo se estabeleceu de forma sólida, tal qual o termo polícia, que passou a designar especificamente o corpo de funcionários voltado às tarefas de proteção do Estado, suas instituições e seus cidadãos e à manutenção da ordem pública, sendo diferenciada das demais atividades desenvolvidas por agentes do Estado pela sua capacidade de aplicação do “uso legítimo da força” (WEHMEIER, 2000). De fato, a definição da palavra police apresentada no Oxford Dictionary caracteriza o termo como “uma organização oficial cujo trabalho consiste em fazer as pessoas obedecer a lei e prevenir e resolver os problemas relacionados ao crime” (WEHMEIER, 2000). A partir de meados dos anos 1970, entretanto, uma crescente atenção passou a ser dada à ré emergência e rápida expansão (já em pleno vigor a essa altura) dos serviços de segurança privada, bem como aos demais corpos de agentes estatais voltados à provisão da segurança, mas que não fazem parte da agência de oficiais da polícia, e as diversas agências de investigação e investigadores privados que também compõem o rol de agentes de segurança em diversos países (WEHMEIER, 2000). 39 Fonte: al.se.leg.br/sessao-especial.com A inclusão da segurança privada e dos demais corpos de agentes de segurança tornou bastante problemática a definição de policiamento, uma vez que ampliar o conceito a ponto de incluir todos os agentes e organizações que atuam na promoção da segurança e manutenção da ordem tornaria o conceito de policiamento muito pouco definido e explicativo, confundindo-se também com o difuso conceito de controle social, que se refere virtualmente a todas as atividades que de alguma forma contribuem para a ordem social de uma dada comunidade (o que inclui parentes, escolas, grupos de jovens, mídia, igrejas e uma infinidade de outras entidades correlatas) (ZANETIC, 2010). Ao mesmo tempo, a manutenção do uso da noção restrita de policiamento, caracterizado apenas pelas atividades desenvolvidas pelas polícias, significaria a manutenção de um reducionismo conceitual que desconsideraria a ampla diversidade de corpos e agentes que em realidade desenvolvem esta atividade (ZANETIC, 2010). 7.1 Polícia e segurança privada Além de diferenciar e delimitar o setor da segurança privada do setor das polícias tal qual os estamos apresentando, é importante observarmos a dificuldade existente em se estabelecer de forma precisa esta delimitação, que não se relaciona apenas a suas distinções em termos de natureza (se pública ou privada), mas também 40 em termos de status e das práticas que desenvolvem. A discussão já provém de algumas décadas: no cenário americano, inicialmente a distinção entre as forças recaiu de fato sobre o aspecto de a força ser pública ou privada, tal qual fora estabelecido pelo Private Security Task Forces, conselho criado no âmbito do Ministério da Justiça especificamente para discutir e organizar a relação entre as forças (National Advisory Committee on Criminal Justice, 1977). Posteriormente outros estabeleceram que a questão central seria se o organismo possui poder de polícia (poder de prender). Outro ponto é que muitos organismos públicos que não pertencem às agências policiais em muitos países exercem plenamente as funções policiais, como é o caso da segurança feita em prédios públicos, no transporte público, distritos escolares, em praças e parques, universidades, linhas ferroviárias e estações portuárias. Estes agentes usam o título de “polícia” e têm o poder de prender (poder que pode ser exercido localmente ou que pode abranger qualquer localidade, dependendo do contexto e do país em que a atividade é desenvolvida) (ZANETIC, 2010). Em realidade, apesar de não serem parte do corpo policial e não terem as mesmas responsabilidades, atribuições e treinamento que os policiais, esses profissionais são pagos pelo Estado e desenvolvem funções que por vezes muito se aproxima das desempenhadas pelos policiais e, por outro, são muito próximas também das atividades desempenhadas pelos agentes de segurança privada. A distinção, entretanto, torna-se pouco clara nas situações concretas de atuação do setor privado de segurança, sobretudo em setores de grande contato com o público, como shopping centers, universidades, condomínios, agências bancárias, eventos e outros espaços em que essa participação do setor privado de segurança se faz presente. As próprias características dos agentes de segurançaprivada, atuando muitas vezes com uniformes semelhantes aos dos agentes públicos, pode confundir a população em relação à autoridade que eles de fato representam (ZANETIC, 2010). Por outro lado, é justamente essa semelhança em termos de vestimentas e outras características relativas aos aparatos que utilizam (veículos, bases fixas e móveis em que se situam, etc.) que lhes conferem maior eficácia em seu papel preventivo e atuação enquanto agente de proteção (ZANETIC, 2010). 41 Fonte: pm.se.gov.br O processo de transformação do campo das atividades de policiamento, de fato, caracterizasse também por uma tensão no sentido de ampliação da esfera de ação dos agentes privados sobre a polícia pública, que contribui para a dificuldade na identificação do status dos policiais, dificuldade esta que, na prática, dada a falta de clareza dos limites entre a ação dos policiais e a ação dos agentes privados, é vivenciada rotineiramente pelos agentes de policiamento de ambos os grupos, com os policiais possivelmente vivenciando a sensação de que os agentes privados estão tomando parte de um campo de ação ao qual a polícia tem exclusividade (ZANETIC, 2010). A própria terminologia utilizada para descrever as características de cada força de segurança, uma vez que para ambas são utilizados os mesmos termos para a descrição das atividades que exercem, como patrulhamento, prevenção, ronda, revista e outros similares, confundem a distinção entre elas. Além de muitas das atividades realizadas pelos agentes do policiamento privado e policiais serem de fato muito semelhantes, muitas vezes sendo difícil identificar qualquer distinção entre elas, há uma grande participação de ex-policiais (e mesmo de policiais da ativa) tanto entre os cargos de supervisão como de níveis inferiores - na gestão de empresas de segurança e em nível operacional -, o que contribui para a não diferenciação dos 42 termos existentes e utilizados para as tarefas desempenhadas pelos profissionais das duas forças (ZANETIC, 2010). 43 8 BIBLIOGRAFIAS BONFIM, José Olavo Faria. “O (dês) controle da segurança privada no Brasil: de quem é - ou a quem deveria ser atribuída - a responsabilidade”. Prisma. Brasília, na/fev/mar. De 2003. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros – Crime, segregação e cidadania em São Paulo. 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