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Autores: Prof. Luiz Carlos Martins das Neves Profa. Margarida Szurkalo Colaboradoras: Profa. Sabrina Boto Profa. Laura Cristina da Cruz Dominiciano Tópicos de Atuação Profissional – Química QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Professores conteudistas: Luiz Carlos Martins das Neves / Margarida Szurkalo Luiz Carlos Martins das Neves Graduado no curso de Engenharia Química pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino Inaciano (FEI) em 2000. Professor titular pela Universidade Paulista (UNIP) lecionando no curso de Farmácia, em São Paulo, desde 2003. Possui mestrado (2003) e doutorado (2006) pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) na área de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica e um pós-doutorado em Biotecnologia pela Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo. Experiência na área de Processos Biotecnológicos, Fermentativos e Enzimáticos, onde vem desenvolvendo projetos de pesquisa como colaborador e professor visitante no Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica da Universidade de São Paulo. Margarida Szurkalo Doutoranda em Tecnologia Nuclear, é mestra em Tecnologia Nuclear – Materiais IPEN-USP. Química com 20 anos de experiência em laboratório de pesquisa e desenvolvimento e controle de qualidade e 13 anos de docência no Ensino Médio, Técnico e Superior. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) N518t Neves, Luiz Carlos Martins das. Tópicos de Atuação Profissional - Química / Luiz Carlos Martins das Neves, Margarida Szurkalo. – São Paulo: Editora Sol, 2019. 136 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-068/19, ISSN 1517-9230. 1. Licenciatura. 2. A química. 3. A escola brasileira. I. Szurkalo. Margarida. II. Título. CDU 54 U501.86 – 19 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Aline Ricciardi Ricardo Duarte QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Sumário Tópicos de Atuação Profissional – Química APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 CONCEITO DE PROFISSÃO E OCUPAÇÃO NOS DIAS ATUAIS .............................................................9 1.1 Projeto de carreira e projeto de vida ............................................................................................ 12 1.2 Perfil profissional ................................................................................................................................. 14 1.3 Perfil profissional e formação em Química ................................................................................ 14 1.4 Começando a falar sobre a profissão docente ......................................................................... 20 1.5 Problematizando as visões sobre a profissão docente e suas circunstâncias: “Por que sempre a verdade?” .................................................................................................................. 22 1.6 Poder e discursos de verdade em nossa sociedade ................................................................ 25 1.7 Prosseguindo na busca do caminhar metodológico .............................................................. 27 2 LEVANTAMENTO HISTÓRICO-CRÍTICO SOBRE A ESCOLA BRASILEIRA ....................................... 38 3 LICENCIATURA EM QUÍMICA ...................................................................................................................... 46 3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica ................ 46 3.2 A formação do professor de Química no Brasil e o contexto das diretrizes curriculares ..................................................................................................................................................... 47 3.3 Determinações legais envolvendo a construção de Projeto Político-Pedagógico (PPP) ........................................................................................................................ 52 3.4 Estágio supervisionado para Licenciatura em Química: a escola como locus do trabalho docente ....................................................................................................................... 54 3.5 Práticas de ensino durante o estágio supervisionado ........................................................... 57 3.6 Pós-graduação: programas de aperfeiçoamento do ensino e cursos de extensão ................ 59 4 A QUÍMICA E O PAPEL DO QUÍMICO ....................................................................................................... 63 4.1 A Química e a sociedade ................................................................................................................... 63 4.2 A ciência na sociedade ....................................................................................................................... 65 4.3 A Química em nossas vidas .............................................................................................................. 65 4.4 O ensino da Química ........................................................................................................................... 66 4.5 O papel do químico ............................................................................................................................. 67 4.6 A Química no futuro ........................................................................................................................... 67 4.7 Dia Nacional do Químico .................................................................................................................. 68 4.8 Ética profissional e formação dos professores ......................................................................... 68 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 4.8.1 Formação dos professores ................................................................................................................... 69 4.8.2 Formação e regulação ética do professor .....................................................................................69 4.8.3 Perfil do profissional da Química ..................................................................................................... 70 Unidade II 5 REMUNERAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO DOCENTE NO BRASIL .......................... 80 5.1 Perfil dos professores da Educação Básica ................................................................................. 81 5.2 Aspectos demográficos ...................................................................................................................... 82 6 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE NO BRASIL ..................................................................... 82 6.1 Necessidade de maior número de professores ......................................................................... 83 6.2 Salário ....................................................................................................................................................... 86 6.3 Condições de trabalho ........................................................................................................................ 87 6.4 Tamanho das turmas .......................................................................................................................... 88 6.5 Razão professor/alunos...................................................................................................................... 88 6.6 Rotatividade e itinerância ................................................................................................................ 89 6.7 Currículo .................................................................................................................................................. 89 7 POLÍTICA EDUCACIONAL E ESTRUTURAÇÃO DA ATIVIDADE DOCENTE ..................................... 91 7.1 Reformas educacionais e descentralização do sistema educativo .................................. 96 8 A ESCOLA ........................................................................................................................................................... 98 8.1 Evolução das ideias sobre educação nas últimas décadas .................................................. 99 8.2 Escola e conhecimento ...................................................................................................................... 99 8.3 Características organizacionais e cultura de escola .............................................................105 8.4 Organização das escolas ..................................................................................................................106 8.5 Definição de eficiência no ambiente escolar ..........................................................................106 8.5.1 Envolvimento das comunidades .....................................................................................................107 8.5.2 A cultura organizacional dentro das escolas .............................................................................107 8.5.3 Projeto escolar: atores e avaliação institucional .....................................................................108 8.5.4 Educação e inclusão ............................................................................................................................ 110 8.5.5 Trabalho docente e relações de gênero ....................................................................................... 115 7 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 APRESENTAÇÃO A disciplina Tópicos de Atuação Profissional – Química aborda a relação entre teoria e prática diante de casos concretos ligado à atuação profissional do graduado em Licenciatura em Química. Por ser uma disciplina do curso de Educação a Distância (EaD), será necessário que o estudante tenha uma prática educativa adequada, de forma que seja capaz de construir conhecimento e participar de maneira efetiva do seu próprio conhecimento. Baseando-se na importância de fazer inferências na produção do seu conhecimento, este conteúdo abordará as atribuições legais e as modificações impostas pelo mercado de trabalho em razão da globalização e da necessidade de inovação na atividade docente. Mostra, inclusive, como o profissional dessa área deve dar continuidade ao processo de aprendizado por meio da elaboração de um plano de carreira individual, buscando uma qualificação constante, além da graduação, com vistas a se tornar um profissional bem-sucedido na atividade acadêmica. A disciplina deverá criar condições para que os alunos possam adquirir e produzir os conhecimentos necessários para o desenvolvimento das seguintes competências, sabendo planejar a carreira e as transições profissionais para aproveitar-se das oportunidades do mercado de trabalho: • compreensão de conceitos como profissão e profissionalismo, de forma a instrumentar para exercer sua função em diversos níveis de possíveis atuações; • compreensão das condições atuais, os efeitos da globalização e as tendências nos diversos ambientes de ensino e aprendizagem; • compreensão do papel que a Química desempenha nos âmbitos da sociedade e da ciência e como prática social; • pensamento sistêmico e estratégico para entender a organização escolar e da sala de aula; • desenvolvimento de uma consciência ética e social, necessária para a atuação na área docente; • orientação para as necessidades dos alunos. INTRODUÇÃO Tudo o que nos cerca depende dos resultados das investigações químicas e do desenvolvimento contínuo para garantir a qualidade de vida. Nós dificilmente pensamos no quanto as invenções e as inovações químicas tendem a determinar o nosso cotidiano. Quanto mais se pesquisa, mais se conhece a respeito de um determinado assunto. Dificilmente percebemos como a Química está presente em nossas vidas. Seja na alimentação, quando discutimos a composição de alimentos, no transporte, quando discutimos formas alternativas de combustíveis ou, ainda, quando escolhemos determinado produto para remover uma sujeira, estamos exercendo a Química. Entender esse campo de conhecimento significa muito mais do que estudá-lo. 8 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Exercer a Licenciatura em Química é o primeiro passo para o estudante se tornar competente para transmitir o conhecimento e, assim, fazer com que mais pessoas sejam capazes de entrar no mundo da Química. O conhecimento da estrutura do átomo é fundamental, tanto para evoluir nos estudos da Química como nos da Física. O estudo da Química é divido em três grandes grupos: a química geral, que apresenta todos os fundamentos básicos da Química; a físico-química, que introduz o aluno nas relações entre a Química e a Física e suas inter-relações matemáticas; e, finalmente, o grupo da química orgânica, que se detém no estudo do elemento químico carbono. Aprender a abordar a Química de maneira fácil e dinâmica, integrada e presente no cotidiano de todas as pessoas é uma importante missão do professor de Química. Este livro-texto tem como objetivo fazer uma breve apresentação de todo o conteúdo que consideramos importante para que o aluno possa ter um bom desempenho como docente licenciado em Química e, dessa forma, ser capaz de transferir o conhecimento e de criar a conexão necessária entre a ciência e a realidade dos estudantes. 9 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA Unidade I 1 CONCEITO DE PROFISSÃO E OCUPAÇÃO NOS DIAS ATUAIS As ocupações vêm, desde sempre, definindo papéis sociais ao constituírem os profissionais, corporações e organizações representativas deles. Entretanto, as ocupações se mostram cada vez maisinfluenciadas e, portanto, em constante mutação diante da economia globalizada e em constante atualização tecnológica presente nos dias atuais. Atualmente, no âmbito educacional, tem-se introduzido a ideia de que o profissional terá sempre um posicionamento inconcluso. Assim, a todo o momento, novas leis e pareceres vêm buscando alterar as suas atribuições e incumbências, obrigando-o a uma atualização constante. Tais atualizações acabam por criar uma transformação organizacional permanente, gerando diversos efeitos na construção e evolução das identidades individuais e coletivas. De acordo com Popkewitz (1997), a definição adequada de profissão deve levar em conta como características fundamentais a autonomia profissional, o conhecimento técnico, o controle sobre a remuneração e a questão ética referente à profissão exercida. Contudo, tal definição tem se mostrado frágil por deixar de considerar outros fatores ligados à atividade profissional, como compromissos socioeconômicos e eventuais conflitos de classe. Historicamente, entretanto, o termo “profissão” vem sendo relacionado à identificação de um grupo altamente qualificado, com formação adequada, competente, especializado e dedicado e que apresenta forte confiança sobre suas habilidades e competências por parte da sociedade. Com isso, muitas vezes, a atividade profissional acaba por ser ligada a uma posição social e a eventuais privilégios, que passam a ser conferidos aos profissionais pertencentes a determinado grupo. Para Friedmann e Naville (1973), a tendência da profissionalização se desenvolveu em dois contextos: • nos países de setor público extenso, aconteceu a adaptação às regras do funcionalismo; • nos demais, a profissionalização modelou-se pelas estruturas que integram as empresas privadas (caso específico dos Estados Unidos). Podemos encarar, portanto, situações como a ocorrida nos países de economia socialista, liderados pela União Soviética, onde o Estado, ao assumir um papel mais centralizador sobre as atividades econômicas, acabou por promover um planejamento com poucas empresas ou associações privadas independentes, em contraponto ao observado em economias capitalistas, consideradas menos centralizadoras, em diferentes níveis, de acordo com peculiaridades regionais e características culturais internas. Podemos considerar como economias com menor centralização 10 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I do poder econômico as existentes na Europa, mesmo diante de situações de um Estado mais forte, como na França, onde o serviço público é considerado bem desenvolvido e onde se verifica um alto grau de organização da atividade privada. Em outro extremo, teríamos, nos Estados Unidos, a caracterização de uma economia com baixo grau de estatização, com governos regionais apresentando elevada autonomia, bem como grande liberdade nas relações e atividades econômicas. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, os grupos profissionais desenvolveram-se como mecanismo mediador de problemas de regulação social, em consequência de um Estado debilmente centralizado. O crescimento do poder profissional dos médicos e advogados no século passado não é uma história de altruísmo, mas, sim, o percurso de um crescente desenvolvimento de autoridade social e cultural, na medida em que fizeram dos seus serviços um meio de troca para a obtenção de prestígio, poder e estatuto econômico. Lembrete O termo professionalization, em inglês, significa a tendência para organizar o status profissional segundo o modelo daquilo que, nos países anglo-saxões, se denominam profissões, cuja característica é a possibilidade de carreira (FRIEDMANN; NAVILLE, 1973). Na maioria dos países europeus, o Estado acabou por desempenhar um importante papel na institucionalização de algumas profissões. Conforme exposto por Freidson (1998), os historiadores, ao analisarem o processo de profissionalização na Europa durante os séculos XIX e XX, procuraram distingui-lo do conceito atribuído ao processo por autores anglo-americanos anteriores, examinando os diferentes percursos de profissões em países distintos, com tradições políticas e culturais diversas. Na maioria desses países, o Estado desempenhou papel ativo na iniciação da institucionalização de algumas profissões e na organização de outras, por ter funcionado como principal empregador. Enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos, as ocupações foram obrigadas a montar seu próprio movimento em prol do reconhecimento e da proteção, a situação foi muito diferente na Europa, com semelhante título protetor sendo garantido pelas instituições de educação superior de elite controladas pelo Estado, que assegurava e controlava posições de elite nos cargos de serviço público ou em outros postos gerenciais. Observação Não sem razão, observa Freidson (1998), o profissionalismo tem sido designado como “mal britânico”, embora fosse mais apropriado ser chamado de “mal anglo-americano”. Nas profissões anglo-americanas, a distinção e a posição no mercado estão menos vinculadas ao prestígio das instituições formadoras e mais ao treinamento e identidade como ocupações particulares organizadas corporativamente. No entanto, tanto na visão europeia quanto na americana, 11 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA são imputados a essas ocupações particulares conhecimento especializado, comportamento ético e relevância para a sociedade, o que as torna passíveis de privilégios. É importante frisar, porém, que Freidson (1998) não nega a influência da formação em instituições de educação superior de elite nos países anglo-americanos. Apenas observa que, nos países de língua inglesa, o compromisso e a identidade ocupacionais são consideravelmente mais desenvolvidos do que a identidade como classe instruída de elite ou como segmento passível de fracionamento, interno à categoria (ocupação), em decorrência de capacidades específicas ou mesmo devido a algum tipo de hierarquia. Em Friedmann e Naville (1973), são listadas características usualmente utilizadas nas definições de profissão. As características formação e qualificação, historicamente, têm aproximado a atividade de trabalho ao conceito de profissão. Porém, no entender dos autores, a característica condição econômica tem sido a de maior significação sociológica. Freidson (1998) complementa tal observação ao apontar ser a relação condição profissional e poder fonte de conclusões diametralmente opostas. Uma dessas visões privilegia a influência sobre a política de Estado ou sobre negócios pessoais dos indivíduos; a outra mostra as profissões como instrumentos passivos do capital, do Estado ou de seus clientes individuais, exercendo pouca ou nenhuma influência própria sobre o conteúdo e a política institucional e dos negócios cotidianos. A importância consiste no poder interpessoal, e as distinções se estabelecem nas condições de gerentes, dirigentes ou em ocupações que requerem capacidades específicas. As importantes diferenças entre tradições anglo-americanas e europeias, ao refletir, em parte, o tipo de envolvimento do Estado na consolidação dos dispositivos de formação em certas atividades da classe média, contribuíram para que a profissionalização adotasse rumos diversos. Desse modo, a literatura especializada mais recente concentrou-se na influência política das profissões, na relação das profissões com o Estado, com elites econômicas e políticas e com o mercado e o sistema de classes. Isso levou Popkewitz (1997) a concluir que não existe uma definição fixa e universal para a palavra profissão e a considerá-la um termo de construção social, cujo conceito mudaem função de contextos sociais. Essa conclusão pode ser incrementada com o alerta feito por Contreras (2002) para os riscos inerentes a uma definição pautada em elementos selecionados a priori: o que é considerado como descritivo pode ocultar uma seleção interessada de elementos. Aquilo que se considera como profissão e como é representada socialmente ou como se construíram historicamente as condições de trabalho e as imagens públicas, respeitando-as, responde a uma dinâmica complexa que não pode ser explicada por uma coleção de características. Freidson (1998) concorda com a inexistência de uma forma histórica única e invariável ao definir profissão e acredita ser necessário desvendar a influência do conhecimento profissional tanto na política social quanto na vida normal cotidiana. Contreras (2002) alerta para o fato de a legitimação de profissão pelo conhecimento proporcionar a formação de “comunidade discursiva”, segundo a qual pode se estabelecer uma relação desigual entre o domínio e a capacidade de legitimação dos discursos, ou seja, pessoas detentoras de uma titulação recebem reconhecimento diferenciado no meio social em relação àquelas que, embora detentoras de saber, não a possuem. Na educação, observa o autor, essa legitimação pelo conhecimento tem proporcionado condições favoráveis às diversas reformas educacionais, na medida em que se apoia no fundamento científico 12 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I e na racionalização. Medidas políticas, quando apresentadas convenientemente revestidas de fundamentos científicos ou racionais, não são facilmente contestadas. Assim, possíveis resistências dos professores são eliminadas quando o argumento utilizado para várias reformas não é o mandato administrativo, mas sua base científica, para a qual não se exige obediência, e sim conhecimento e responsabilidade. É bastante compreensível que os docentes não se oponham às mudanças ditadas por interesses alheios à educação e aceitem novas responsabilidades técnicas por as entenderem como novas competências profissionais necessárias ao fazer docente. Outra consequência dessa valorização na educação é o aparecimento de grupos profissionais, resultado do campo de especialização: o papel dos professores em relação ao conhecimento profissional representado pelas disciplinas acadêmicas é o de consumidores, não de criadores. Quem detém o status de profissional no ensino é fundamentalmente o grupo de acadêmicos e pesquisadores universitários, bem como o de especialistas com funções administrativas, de planejamento e de controle no sistema educacional. 1.1 Projeto de carreira e projeto de vida O modelo atual de carreiras deve levar em conta a necessidade de desenvolver novas habilidades e conhecimentos. Além disso, é sabido que existe, nos dias atuais, uma grande pressão da sociedade sobre a gestão de uma carreira e, nessa condição, também se enquadra a necessidade de reavaliar a formação de um profissional com Licenciatura em Química. Muito tem se discutido sobre o impacto que a globalização e a introdução de novas tecnologias têm exercido sobre a carreira do profissional. Veloso, Silva e Dutra (2012) fazem um relato sobre o quanto hoje um profissional tem competência para gerir sua própria carreira, e como o mundo contemporâneo vem criando um ambiente competitivo em todas as áreas. Assim, é importante entender, de início, o real conceito de carreira e sua relação com o projeto de vida das pessoas. Considera-se carreira como sendo um conjunto de estágios (e suas transições), um elemento de negociação entre as expectativas pessoais e as da organização onde o indivíduo está inserido profissionalmente. Existe hoje uma forte e clara tendência de buscar criar uma relação entre o projeto de carreira e o projeto de vida do indivíduo. De acordo com Barduchi (2009), para que se tenha um projeto de carreira adequado, é necessário buscar se adaptar à teoria do “Plan, Do, Check and Learn” (PDCL). Partindo dessas quatro etapas, será necessário, portanto, buscar construir um fluxograma do que seria seu plano de carreira e, a partir daí, mantê-lo escrito para que possa ser executado, checado, e seu planejamento, apreendido. A partir de um projeto, é possível estabelecer e programar estratégias para que objetivos e metas sejam alcançados, viabilizando a carreira e a vida pessoal. Como sugestão, pode-se seguir a orientação em oito etapas apresentada no quadro a seguir: 13 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA Quadro 1 – Orientação das etapas de planejamento de carreira de um profissional Etapa Desenvolvimento 1 Criar uma consciência profunda sobre você, respondendo perguntas como: Quem é você? Quais são os seus valores? Quais são os seus pontos fortes? Quais são as suas oportunidades de melhoria? Quais são as ameaças ao seu projeto? Quanto do seu tempo você vive preso ao passado? Quanto do seu tempo você dedica a pensar no futuro? Quanto do seu tempo você dedica ao presente, materializando seus sonhos em projetos? 2 Criar uma consciência profunda sobre quais as metas que você tem para sua vida, respondendo perguntas como: Qual a sua razão de ser? Qual a finalidade de sua vida, qual o significado dela? Quais as suas metas (o que pretende ser e alcançar na sua vida)? 3 Realizar uma autoavaliação profissional (como fez para a sua vida pessoal, faça o mesmo para sua vida profissional, levantando as suas qualidades, interesses e potenciais para ocupar os vários espaços organizacionais). 4 Estabelecer objetivos de vida e de carreira, devidamente conciliados e detalhados em metas exequíveis, definindo o que pretende alcançar e em quanto tempo e como fazer em cada uma delas. 5 Analisar a necessidade de recursos monetários para realizar seus objetivos e como poderá obtê-los. 6 Programar o projeto de vida e de carreira, obtendo capacitação e convivência com experiências necessárias para poder aproveitar as oportunidades e alcançar as metas de vida e de carreira. 7 Analisar tudo o que pode atrapalhar o seu projeto de vida e de carreira e colocar em prática ações preventivas. 8 Verificar, periodicamente, em que fase do projeto você está, estabelecendo um cronograma e se há necessidade de revisão. Uma vez que os projetos de vida e de carreira tenham como propósito principal a realização de metas exequíveis, promovendo, com isso, a realização pessoal, mostra-se extremamente relevante o papel da educação para tal conquista. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (1998), a educação se fundamenta em alguns pilares importantes de aprendizado: conhecer, fazer, conviver e ser. Assim sendo, o indivíduo deverá se pautar no aprendizado desses quatro itens como forma de garantir uma educação de excelência. Existem quatro dimensões que permitem uma reflexão mais profunda sobre o papel da educação no projeto de carreira e de vida de um indivíduo: social, emocional, racional e espiritual (CATANANTE, 2002). Uma vez compreendidos esses quatro pilares, o indivíduo será capaz de conciliar uma ação à intenção inicial, tornar os relacionamentos mais consistentes e perenes, tomar decisões assertivas e ter maior clareza sobre seu papel no mundo. 14 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I Devemos ter em mente que o ambiente profissional será somente um dos agentes no projeto de vida e de carreira do indivíduo e que, portanto, deve ser visto como apenas um dos ambientes onde este ser estará inserido e exercendo seu papel no mundo.Neste ambiente, como em todos os demais, o indivíduo deverá exercer uma postura consciente e responsável, buscando interação constante e aprendizado, pautando-se na ética em todas as relações ali formatadas. Tendo consciência de sua responsabilidade sobre o seu projeto de vida e de carreira, se faz necessário trabalhar as etapas desse projeto: razão de ser, como forma de ter maior consciência sobre o que espera na profissão e na vida; quais os objetivos relacionados ao que espera alcançar em termos de vida e profissão; valores em que acredita e como pretenderá conciliar os seus objetivos de vida e carreira aos valores pessoais, familiares e profissionais. 1.2 Perfil profissional De acordo com a Sociedade Brasileira de Química (SBQ) (apud GUARIEIRO et al., 2018), existem seis eixos mobilizadores que caracterizam o perfil e a atividade profissional na área química. Tais eixos teriam como foco formação de recursos humanos qualificados, redução da concentração da atividade profissional em regiões tradicionais onde tenha ocorrido forte atividade industrial no passado, estímulo ao empreendedorismo e à busca pela interdisciplinaridade, maior aproximação proativa entre o meio acadêmico e a atividade econômica e combate aos gargalos institucionais. Diante da maior transversalidade relacionada à formação de recursos humanos qualificados, hoje, a formação do profissional na área química vem buscando implantar melhorias nas diretrizes curriculares dos cursos de Química, bem como garantir um aprimoramento na qualificação dos professores universitários e de Ensino Médio que trabalhem com conceitos e disciplinas da área química. Além disso, é notória a importância de buscar um profissional familiarizado com as novas tecnologias e que tenha espírito empreendedor (REBOUÇAS; PINTO; ANDRADE, 2005). Em relação à pós-graduação, um dos eixos procura ampliar a possibilidade de inserção do pós-graduado no setor industrial como forma de aumentar a qualificação do profissional atuante nesse setor, bem como de transformar essa indústria em uma esfera de especialidades químicas dentro do País. Para tanto, uma das metas está em eliminar a verticalização de atribuições e garantir o reconhecimento da pós-graduação na área química como qualificação profissional importante e necessária para a manutenção desse profissional no mercado de trabalho. 1.3 Perfil profissional e formação em Química A Química é uma ciência cujo perfil profissional de quem atua nela exige observação e determinação das estruturas ou composição das espécies químicas da natureza, estejam elas presentes nos seres vivos, no ambiente ou em materiais. Além disso, se trata da ciência que busca realizar a transformação e construção em novas estruturas, de forma a obter melhorias para o cotidiano da sociedade. 15 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA De acordo com Rebouças, Pinto e Andrade (2005), os principais objetivos da Química seriam: • Conhecer e prever a estrutura e as propriedades das substâncias que existem na natureza. • Criar/construir moléculas que não existem na natureza. • Transformar substâncias naturais e sintéticas. Para atingir esses objetivos, a Química envolve o conhecimento de: • Como a estrutura das substâncias está relacionada com as suas propriedades. • Como as reações químicas ocorrem. • Quando os átomos se movem e para onde. • Como a energia é utilizada para promover as transformações químicas. • Como as reações químicas são catalisadas. Diante desses objetivos, a Química pode ser considerada, portanto, uma ciência central e integradora, e isso torna o trabalho do profissional da área química cada vez mais amplo. Entretanto, diante desse cenário, cresce a preocupação com a possível perda de identidade, já que, nos dias atuais, a Química acaba tendo forte inter-relação com outras áreas. Existe, hoje, um consenso sobre as mudanças ocorridas no setor industrial e acadêmico. Nessa questão, o setor industrial apresenta grande preocupação sobre os últimos avanços em termos de obtenção de novos produtos por indústrias químicas, uma vez que se observa uma queda na produtividade dos setores de pesquisa e desenvolvimento, o que torna o setor economicamente menos competitivo quando pensado como modelo de negócios. Em outro extremo do setor químico, a área acadêmica apresenta grandes preocupações sobre a perda de espaço, ou até mesmo a extinção, de departamentos de Química dentro das universidades, fato já presente em diversas instituições inglesas e americanas. Como forma de reduzir o obscurantismo a que tem sido levada a área química, estudiosos vêm propondo a reorganização da Química em novas áreas temáticas, distintas das divisões clássicas (analítica, inorgânica, orgânica e físico-química) (ANDRADE et al., 2004). A partir dessa reorganização temática, seria possível obter um caráter de maior interdisciplinaridade e, assim, criar maior interface entre as possíveis áreas temáticas. Como exemplo, as novas proposições de áreas temáticas estariam inseridas dentro dos setores de química de materiais, química ambiental e química da vida. Já é comum encontrar em produções científicas de alto impacto pesquisas em que se permite a interface entre Biologia e Química, ou entre Engenharia de Materiais e Química. 16 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I Saiba mais Em uma busca realizada no site de periódicos Scielo, é possível encontrar, no Brasil, mais de 150 artigos científicos relacionando as áreas temáticas de Biologia e Química. Por aí, é possível validar a importância que a interface entre as grandes áreas temáticas apresenta nos dias atuais: <www.scielo.org>. Em diversas instituições fora do Brasil, já é realidade a criação de departamentos de Ciências Moleculares, entretanto, Toma (2005) cita que estes ainda apresentam problemas em relação ao desenvolvimento do conteúdo como forma de construir uma nova concepção disciplinar e interdisciplinar. No Brasil, existem iniciativas buscando a integração propiciada pelo Curso de Ciências Moleculares (CCM). Como exemplo, há o curso desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP), que oferece vagas para alunos regularmente matriculados em qualquer graduação da instituição. Tem por objetivo formar profissionais capacitados para atuarem como cientistas. É dividido em um ciclo básico de dois anos, em que os alunos desenvolvem o conhecimento das disciplinas de Matemática, Física, Química, Biologia e Computação, além de terem uma disciplina extra de Biologia Molecular. Ao final do ciclo básico, o aluno deve escolher um orientador a fim de auxiliá-lo em seu projeto científico. Após a conclusão do curso, o aluno estará apto a ingressar em atividades de pós-graduação para concluir seu aprendizado como cientista. Saiba mais São oferecidas 25 vagas no CCM. Para obter mais informações, acesse o site a seguir: <http://www.cecm.usp.br/>. Observação Muitos alunos formados pelo CCM trabalham atualmente em importantes institutos no Brasil e no exterior, demonstrando capacidade para destacar-se no panorama concorrido e globalizado da ciência, tendo como trunfo o conhecimento em diversas áreas e podendo enfrentar desafios de grande porte. Tal informação mostra que a busca por mais interdisciplinalidade na Química pode ser uma ferramenta eficiente de capacitação profissional para aqueles que tenham afinidade com determinada área. 17 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA A visão clássica paraa formação do químico deverá ser modificada de maneira a buscar cada vez mais uma visão interdisciplinar, unindo diversos departamentos, centros de pesquisa e núcleos de formação multidisciplinar. Através dessa interdisciplinaridade, será possível atingir uma formação mais abrangente, de forma que se permita a esse profissional construir novas habilidades, que o coloquem diante das necessidades deste século. Para que se obtenha esse novo modelo educacional, entretanto, se faz necessário que o principal objetivo para a formação esteja na preparação desse futuro químico para o ambiente profissional e, para tal finalidade, a figura de orientadores se mostra essencial, já que possibilitará estimular esses alunos para o desenvolvimento de projetos em equipes multidisciplinares e execução de trabalhos em rede. Por fim, é necessário entender que o novo perfil do profissional graduado em Química exige dele diversas outras habilidades intelectuais: • Capacidade de comunicação interpessoal. • Capacidade de trabalhar em equipe. • Capacidade de gerenciar conflitos de interesse em ambientes profissionais. • Postura ética. • Bom conhecimento sobre técnicas de redação e apresentação em público. • Bom conhecimento e crescimento constante quanto ao domínio de novas ferramentas e tecnologias. • Visão empreendedora e capacidade de observar novas oportunidades profissionais. O profissional químico vem, cada vez mais, deixando de exercer atividades laboratoriais e assumindo responsabilidades gerenciais e de coordenação. Assim, hoje, os químicos assumem diferentes papéis na coordenação e elaboração de projetos, na especificação e manutenção de equipamentos e no controle de qualidade de produtos e processos. Essas novas atividades requerem do químico mais dinamismo e desenvolvimento de habilidades ainda não totalmente incorporadas ao perfil desse profissional. Gerencial e administrativa Técnica Comportamental Figura 1 – Representação das três dimensões do perfil profissional do químico no setor industrial 18 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I De acordo com Rebouças, Pinto e Andrade (2005), para que o novo profissional de Química possa estar inserido no mercado de trabalho e possa exercer, plenamente, suas novas atribuições, é necessário que adquira um perfil desenvolvido em um espaço tridimensional, como o indicado na figura anterior. No perfil desejado para esse novo profissional, deve-se almejar a interdependência entre as três dimensões – comportamental, administrativa e técnica. Em termos comportamentais, esse profissional precisa valorizar características como criatividade, iniciativa, empreendedorismo e capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares. Além disso, criar boas condições de interface com pessoas dentro da própria equipe ou com clientes externos. Apesar de serem características, muitas vezes, inerentes à personalidade do profissional, tal dimensão pode ser trabalhada e melhorada desde o ambiente acadêmico, por meio de atividades como seminários e projetos em grupo, até o momento em que se encontre interagindo com o ambiente empresarial, nesse caso, por meio de estágios supervisionados, visitas técnicas e atuação em empresas juniores. Os cursos de Química contemplam tais atividades em suas diretrizes curriculares, seguindo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), e o Edital nº 4/1997 (BRASIL, 1997) da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação, quando foi proposta a seguinte composição para o quadro curricular: • conteúdos básicos essenciais, envolvendo teoria e laboratório, dos quais deverão fazer parte Matemática, Física e Química; • conteúdos profissionais essenciais para o desenvolvimento de competências e habilidades; • conteúdos complementares essenciais para a formação humanística, interdisciplinar e gerencial; • atividades extraclasse. A segunda dimensão, gerencial e administrativa, está contemplada nas diretrizes curriculares (BRASIL, 1996) por meio de treinamentos para ferramentas específicas como as relacionadas a normas de padrões de qualidade e boas práticas laboratoriais e de fabricação, além de disciplinas que envolvam os graduandos na discussão e desenvolvimento das chamadas tecnologias limpas e gerenciamento de resíduos ou que busquem a formação de lideranças para atuarem no setor químico no século XXI. A terceira e última dimensão seria a técnica, que já pode ser considerada como a mais bem desenvolvida, historicamente, pelos cursos superiores do País. Considera-se que, atualmente, o estudante de Química recebe uma boa fundamentação teórica para atuar nos diferentes segmentos industriais. Entretanto, aumentar a experiência prática do graduando em Química se mostra um desafio constante para as Instituições de Ensino Superior (IES). 19 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA Uma vez que a segunda e terceira dimensões poderão ser ainda mais bem trabalhadas no próprio ambiente profissional, mostra-se fundamental que os cursos de graduação busquem aprimorar no estudante de Química a dimensão comportamental, de forma a prepará-lo para os futuros processos seletivos das empresas do setor. Lembrete A divisão clássica e didática da Química já não faz mais sentido, uma vez que a ciência, seja na academia ou na indústria, demanda conhecimentos nas mais diversas áreas de fronteira. Observação De acordo com a obra A Unidade do Conhecimento – Consiliência, de Wilson (1998, p. 199): “Fronteiras disciplinares dentro das ciências naturais estão desaparecendo, para serem substituídas por domínios híbridos, mutáveis, onde a consiliência está implícita. Esses domínios estendem-se por vários níveis de complexidade, da física química e química física à genética molecular, ecologia química e genética ecológica. Nenhuma das novas especialidades é considerada mais do que um foco de pesquisa. Cada uma é uma indústria de ideias originais e tecnologias em avanço”. A manutenção da função, no entanto, ainda dependerá do seu desempenho real na empresa nas três dimensões, como um profissional completo. A formação de pós-graduados com inserção no setor industrial ainda tem um amplo campo para crescimento, principalmente no âmbito do doutorado. A tradição da pesquisa em Química e a disponibilidade de bons programas de pós-graduação próximos aos grandes centros industriais do País resultam em um bom número de pós-graduados, em sua maioria, mestres, exercendo sua profissão no segmento industrial. A formatação atual dos cursos de pós-graduação, contudo, nem sempre se adéqua às necessidades dos profissionais da indústria. Uma ênfase excessiva no trabalho experimental, com foco na publicação de artigos, pode dificultar e desmotivar a participação desses profissionais, cuja disponibilidade de tempo é limitada. Assim sendo, um modelo mais semelhante ao europeu, com uma formação ampla, teórica e prática, ou que incorporasse características de cursos de especialização no estilo MBA (Master in Business Administration, em português, Mestre em Administração de Negócios), seria muito mais útil ao desenvolvimento do profissional para a indústria nacional. Profissionais pós-graduados dinâmicos, com conhecimentos permeando campos diversos, com o grau de especificidade necessário e não excessivo, poderiam ser decisivos na resolução de problemas reais, no desenvolvimento científico e na inovação tecnológica, transmutando o conhecimento em competitividade empresarial. A falta de convergência do crescimento da pós-graduação com 20 QU IM Rev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I o crescimento industrial apenas transparece a ainda incipiente relação universidade-empresa, tão professada e pouco praticada. Nas universidades, cuja interação com o setor empresarial já é uma realidade, observa-se o reflexo em uma participação mais efetiva dos profissionais nos programas de pós-graduação e resultados reais para a indústria. É preciso ainda consolidar na indústria o reconhecimento da pós-graduação como uma qualificação profissional, de forma a incentivar a formação de novos mestres e doutores com atuação no setor industrial. Há muito que o profissional não é visto pelas empresas como um recurso humano, como no passado. O profissional é o detentor e o agente de transformação do patrimônio do conhecimento da organização, que, utilizando um conjunto de competências, habilidades e atitudes, é capaz de agregar valor ao negócio e garantir a sobrevivência e o crescimento da organização. Apesar desse novo modelo de gestão de pessoas, ainda estamos formando químicos como recursos humanos para a indústria, como se a demanda da sociedade se resumisse a um pacote de conteúdos programáticos. Precisamos formar profissionais, graduados e pós-graduados, com a competência, a habilidade e a atitude para transformar o conhecimento técnico, que, afinal de contas, o diferencia dos demais profissionais, em resultados para as organizações. 1.4 Começando a falar sobre a profissão docente O culto dos dons e dos méritos individuais (o meritocratismo individual) na atividade docente sofreu um deslocamento na década de 1970 em direção ao meritocratismo sindical. C. Vianna (2001) alerta para a possibilidade de o afastamento proporcionado pelo tempo denunciar situações ocultas (às vezes, intencionais, outras, resultado da influência da verdade assumida por uma determinada época) em certos textos. A conclusão recorrente nas pesquisas existentes sobre organização docente referentes às décadas de 1970/1980, observa a autora, é a crença na participação coletiva como elemento central para a compreensão da organização docente, e o modelo privilegiado de atuação ser sempre o sindical. Contudo, tal produção, por ter sofrido forte influência da literatura sociológica, especialmente a que aborda movimentos sociais e a relação do Estado com a educação pública, deu ênfase à força e ao poder do engajamento coletivo e deixou de considerar as dificuldades desse tipo de organização. Outro foco dessas pesquisas foi a inclusão (ou não) do professorado às classes trabalhadoras e/ou às classes médias, mas a condição de classe foi tratada como um dado externo, posto pelo sistema produtivo ou pelas políticas salariais do governo. Conclui-se que a posição ocupada pelos professores tem sofrido alterações ao longo da história, de acordo com a estrutura e a conjuntura social nas quais se inscreve o exercício do magistério público, mas outros fatores também interferem nesse processo e remetem para as condições internas de produção. A organização docente não é uma estrutura em que as posições sociais estão baseadas na profissão como especial princípio de divisão e hierarquização. A profissão pode representar apenas um dos fatores que respaldam a posição social. Os princípios e critérios de hierarquização presentes na vida docente podem vir a ser muito semelhantes aos de outras ocupações. Origens geográficas (tanto referentes à formação como à região na qual se exerce a profissão), origem familiar, militância político-partidária, ocupação de cargos nas burocracias públicas (acadêmicas ou não) e nas organizações de representação corporativa da categoria, atuação como docentes e pesquisadores em IES são parcelas das relações referentes ao poder/saber que propiciam não apenas o fracionamento da categoria, mas também a 21 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA posição social à qual seus membros estão relacionados. Inseridos no sistema educacional, maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos com seus saberes e poderes, é inegável que participam da forma de distribuição, do acesso ou não a qualquer tipo de discurso, norteada “[...] pelas linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais” (FOUCAULT, 2000d, p. 44). Tal percepção não está relacionada a uma lógica fácil, dedutiva, de estender aos elementos da categoria dos docentes o entendimento dado ao contexto de sua prática, que, por ser dependente do fato de que o ensino é uma atividade institucionalizada, assume posições muito variadas no espectro de valores e interesses da sociedade. Os professores podem se encontrar condicionados em suas próprias perspectivas pelo contexto institucional e pela forma com que veem definidas suas tarefas profissionais, mas suas posições materializam valores e interesses que podem perpassar gerações. Os agentes dos fenômenos, cujas técnicas e procedimentos de poder vieram a ser colonizados e sustentados por mecanismos globais, são sujeitos reais, com necessidades reais: “O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (FOUCAULT, 2000d, p. 10). O autor vai mais além ao denunciar que os indivíduos estão sempre em posição de não só serem submetidos ao poder, mas também de exercê-lo: “[...] ‘todos nós temos fascismo na cabeça’; e, mais fundamentalmente ainda: ‘todos nós temos poder no corpo’. E o poder – pelo menos em certa medida – tramita ou transuma por nosso corpo” (FOUCAULT, 2000c, p. 35). Essa possibilidade de análise da organização docente orienta a análise do poder para o âmbito da dominação, das formas de sujeição, das conexões e utilizações dos sistemas dessa sujeição e para o âmbito dos dispositivos de saber. É nesse âmbito que é possível entender como diferentes trajetórias pessoais, distantes muitas vezes das salas de aula ou propriamente da escola, podem ser entendidas como prova de “qualidades extraordinárias” que extrapolam os limites da profissão. E também entender o alerta da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) em relação à homologação da resolução que regulamenta os institutos superiores de educação, Resolução CP nº 1, de 30 de setembro de 1999 (ABMES, 1999), criados a partir da LDB de 1996 (BRASIL, 1996), estabelecendo uma nova figura institucional não universitária que sacramenta a separação entre o ensino, a pesquisa e a extensão (apud CONED, 2002, p. 43). É nesse âmbito da dominação que o meritocratismo sindical parece estar sofrendo um novo deslocamento na direção do culto da profissão (meritocratismo profissional) com a atual política de formação e qualificação atrelada à influência das escolas de gestão e do imperativo da produção total. A análise das diversas atividades relacionadas aos trabalhadores em educação, da legislação que regulamenta sua formação e dos programas e ações oficiais em curso traça um cenário no qual um novo perfil profissional tem sido formado. Conforme observa Kuenzer (1999), o que tem ocorrido é um reforço da tese da polarização das competências, a ser concretizada por meio de sistemas educacionais seletivos, nos quais apenas uma minoria ocupará os postos de trabalho vinculados à criação de ciência e tecnologia, à manutenção e à direção por meio do direito à educação diferenciada nos níveis superiores complementados por cursos de pós-graduação. De acordo com a LDB: Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em22 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. [...] Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado (BRASIL, 1996). A formação pode veicular uma hierarquia, conduzindo, por essa via, a práticas de certo eugenismo formativo e laboral, que reforçariam a tendência para selecionar os sobrequalificados e multiespecializados em detrimento de outros não devidamente qualificados e especializados. Arroyo (1999) concorda com essa afirmação, ao visualizar uma correspondência entre o tipo de profissional almejado e a concepção de educação que a lógica da instituição escolar objetiva ou materializa. Entretanto, a inexistência de um dispositivo que assegure a verdade leva a concluir pela necessidade de uma desconstrução dos discursos, para nos acercarmos do sentido das práticas. Portanto, é necessário questionar a narrativa – no local e na data – transformando esse exercício em um problema local e datado. Outro aspecto a ser considerado nesse distanciamento crítico em relação à formação é a análise das necessidades. Faz mais sentido a análise de necessidades em formação, ou seja, a análise crítica no decorrer do próprio processo de formação. No contexto da educação, esse é um aspecto relevante. Como será visto ainda neste livro-texto, a história das reformas na educação nacional tem sido uma política de necessidades predeterminadas, um exercício constante das relações poder/saber que possibilita, sobretudo, responder às necessidades diagnosticadas (nem sempre explicitadas) pelos aparatos de Estado. 1.5 Problematizando as visões sobre a profissão docente e suas circunstâncias: “Por que sempre a verdade?” Esse subtítulo faz referência a Nietzsche (2004) em aforismo na obra Além do Bem e do Mal: Prelúdio a uma Filosofia do Futuro. Nela, o autor insinuou, a partir da pergunta “Por que sempre a verdade?”, que a “vontade de verdade”, sempre presente nos filósofos, ocultava um desejo cujos verdadeiros motivos eram inconfessáveis por eles mesmos. O itinerário filosófico de procura da “verdade” reveste-se de importância, nesse estudo, não só por estar associado às relações entre o ser humano e o mundo que o abriga (em educação, a busca por entender essas relações é imprescindível), mas também como justificativa da opção por um método de investigação permanente baseado na forma de olhar oferecida por Foucault (1999, p. 8), de que “o próprio sujeito de conhecimento tem uma história, a relação do sujeito com o objeto, ou mais claramente, a própria verdade tem uma história”. A vida cotidiana é heterogênea e solicita as capacidades humanas em várias direções, mas nenhuma com intensidade especial, conforme observa Heller (2000). As complexas condições de existência do ser humano o submetem a uma ampla e constante gama de influências. Caso tivesse que refletir 23 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA constantemente sobre sua atuação, seria impossível atuar adequadamente, face a todas as influências do meio e à tensão resultante. No entanto, a autora alerta sobre as escolhas que têm que ser feitas, em maior ou menor escala, em que os homens jamais escolhem valores: escolhem ideias, finalidades, alternativas concretas. É interessante notar que, no início da tentativa de análise da organização docente feita no tópico anterior, baseada em Foucault, a percepção foi a mesma de Heller (2000): os atos de escolha das pessoas estão relacionados com sua atitude valorativa geral, assim como seus juízos estão ligados à sua imagem de mundo. “Todo juízo referente à sociedade é um juízo de valor, na medida em que se apresenta no interior de uma teoria, de uma concepção do mundo. Isso não quer dizer que seja subjetivo, já que os próprios valores sociais são fatos ontológicos” (HELLER, 2000, p. 13). Em qualquer sociedade, observa Foucault (2000c), múltiplas relações de poder perpassam, caracterizam, constituem o corpo social, e elas não podem dissociar-se, nem se estabelecer, nem funcionar, sem uma produção, uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro. Como não há exercício do poder sem certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e por meio dele, para que conhecimento e tomada de posição passem a não ser mais entidades diferentes, mas dois aspectos distintos de uma manifestação de valor, é necessária uma teoria que revele o caminho de explicitação do valor e dos obstáculos que se opõem ao seu desenvolvimento, como propõe Heller (2000). Caso contrário, a verdade atua como norma e o discurso verdadeiro decide, ele próprio, fazer avançar efeitos de poder. Afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a uma certa maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos específicos de poder. Portanto: regras de direito, mecanismos de poder, efeitos de verdade. Ou ainda: regras de poder e poder dos discursos verdadeiros (FOUCAULT, 2000c, p. 29). Ou seja, é devido a esse aspecto do mecanismo que relaciona poder, direito e verdade que o poder institucionaliza a busca da verdade, a profissionaliza e a recompensa. Portanto, a questão introduzida por Nietzsche (apud LEITER, 2002) “Por que sempre a verdade?” continua pertinente, se a “vontade de verdade” for entendida como “vontade de poder”. No entanto, não raro, essas perspectivas alimentam e nublam discursos que tendem a ver problemas sociais amplos, sejam educacionais ou mesmo profissionais. Contreras (2002) alerta para esse risco ao analisar o tipo de apropriação que tem sido feita do termo reflexivo e suas variantes na literatura pedagógica desde a publicação da obra de Schön, em 1983. A menção à reflexão é tão extensa que se acabou transformando, na prática, em um slogan vazio de conteúdo. A dúvida que o autor deseja instalar é se o objetivo do uso indiscriminado do tema não é a ênfase na absorção por retóricas de maior responsabilização sem aumento de capacidade de decisão. Como exemplo, I. Vianna (2001) observa que a greve tem sido entendida, nas investigações sobre organização docente, como um 24 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I processo de reivindicação e de luta capaz de desencadear a consciência política e a reconstrução da ação pedagógica na escola, mas o que tem sido possível observar é que as greves, mesmo alcançando os objetivos imediatos, nunca atingem os mediatos, pois a vida nas escolas continua a mesma, e os limites de atuação são traçados por políticas educacionais inquestionavelmente estruturadas e organizadas fora das escolas. Os termos “consciência política” e “consciência crítica”, frequentemente apontados pelos professores relacionados aos trabalhos analisados por I. Vianna (2001), são heranças relativas a uma tendência denominada por Foucault (1999) de “marxismo acadêmico” e, ao criar a compreensão de que o capitalismo nubla a visão dos homens, gera a doutrina presente nos estudos sobre ocupação/profissão aqui analisados. Esses termos, sem o apoio de uma teoria que explicite as restrições que a prática institucional impõe às concepções dos professores sobre ensino, tornam-se metáforas. É preciso, alerta Foucault (2000c, p. 49), “[...] mostrar como um sujeito – entendido como indivíduo dotado, naturalmente (ou por natureza), de direitos, de capacidades etc.– pode e deve se tornar sujeito, mas entendido dessa vez como elemento sujeitado numa relação de poder”. Essas metáforas, embora incitem à reflexão sobre a prática docente e a vida particular, ocultam relações de sujeição efetivas que fabricam sujeitos. A necessidade de romper esse círculo vicioso, imposto por esse tipo de cooptação, parece indicar uma característica importante na capacidade de realizar juízos e decisões profissionais, possíveis apenas a partir do conhecimento das condições políticas que são o solo em que se formam o sujeito, os domínios de saber e as relações com a verdade. O esperado é que profissionais da educação suscitem questões e não que ofereçam soluções. Nietzsche (apud FOUCAULT, 1999), observa que não há, no conhecimento, uma adequação ao objeto, uma relação de assimilação. Na raiz do conhecimento, há polêmica, luta, imposição de relações de poder. Os leitores deste livro-texto também o interpretarão segundo as lentes de que dispõem, com uma forma própria de olhar; a proposta é que descubram, segundo suas próprias concepções, valores considerados tipicamente profissionais, que seriam desejáveis na prática docente. Assim, a profissionalização, pode ser, nessa perspectiva, uma forma de defender não só o direito dos professores, mas a educação. Houve sem dúvida, por exemplo, uma ideologia da educação, uma ideologia do poder monárquico, uma ideologia da democracia parlamentar etc. Mas, na base, no ponto em que terminam as redes de poder, o que se forma, não acho que sejam as ideologias. É muito menos e, acho eu, muito mais. São instrumentos efetivos de formação e de acúmulo de saber, são métodos de observação, técnicas de registro, procedimentos de investigação e de pesquisa, são aparelhos de verificação. Isto quer dizer que o poder, quando se exerce em seus mecanismos finos, não pode fazê-lo sem a formação, a organização e sem pôr em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber que não são acompanhamentos ou edifícios ideológicos (FOUCAULT, 2000c, p. 40). 25 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA 1.6 Poder e discursos de verdade em nossa sociedade Conforme observa Foucault (1995), “economia política” de verdade tem cinco características historicamente importantes em nossas sociedades: [...] a verdade é centrada na forma do discurso científico e nas instituições que o produzem; está submetida a uma constante incitação econômica e política (necessidade de verdade tanto para a produção econômica quanto para o poder político); é objeto de várias formas, de uma imensa difusão e de um imenso consumo (circula nos aparelhos de educação ou de informação, cuja extensão no corpo social é relativamente grande, não obstante algumas limitações rigorosas); é produzida e transmitida sob o controle, não exclusivo, mas dominante, de alguns aparelhos políticos ou econômicos (universidade, exército, escritura, meios de comunicação); enfim, é objeto de debate político e de confronto social (as lutas ideológicas) (FOUCAULT, 2000c, p. 13). O corpo social não é constituído por consenso, pela universalidade das vontades; o que o faz surgir é a materialidade do poder se exercendo sobre o próprio corpo dos indivíduos, observa Foucault (1995), ao influir em seus gestos, atitudes, discursos e aprendizagem em sua vida cotidiana. A política, como técnica da paz e da ordem interna, foi concebida como a continuação (se não exata, direta) da guerra, ao procurar colocar em funcionamento o dispositivo do exército perfeito, da massa disciplinada, da tropa dócil e útil, do regimento no acampamento e nos campos, na manobra e no exercício. No desenrolar do processo político, a minuciosa tática política e militar dos exércitos projetada sobre o corpo social foi amenizada a partir da década de 1960, a partir de um poder mais tênue sobre o corpo. Tem-se a impressão que o poder vacila: nada é mais falso, observa o autor, ele recua, desloca-se, investe em outros lugares. Esse novo mecanismo de poder se exerce continuamente por vigilância, pressupõe uma trama cerrada de coerções materiais e “[...] define uma nova economia de poder cujo princípio é o de que se deve ao mesmo tempo fazer que cresçam as forças sujeitadas e a força e a eficácia daquilo que as sujeita, [...] poder com o mínimo de dispêndio e o máximo de eficácia” (FOUCAULT, 2000c, p. 42-43). O autor frisa que a análise do poder não deve ser orientada para o âmbito dos aparelhos de Estado e para o âmbito das ideologias que os acompanham, e sim para o âmbito da dominação, das formas de sujeição, dos dispositivos de saber. Oferece, desse modo, uma interpretação alternativa às relações com o Estado (fator apontado como de grande importância em grande parte dos estudos referentes às profissões). Eu não estou querendo dizer que o aparelho de Estado não seja importante, mas parece-me que [...] uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado em um nível muito mais elementar, quotidiano, não forem modificados (FOUCAULT, 1995, p. 149-150). 26 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I O panoptismo foi uma invenção na ordem do poder a ser utilizado, inicialmente, com o intuito de vigilância total em áreas restritas, como escolas e hospitais. O panóptico de Bentham é uma figura arquitetural. Na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas: uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central e, em cada cela, o indivíduo a ser vigiado. Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Essa organização induz no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático da vigilância, em um processo permanente de efeitos e descontínuo de ação (FOUCAULT, 1999, p. 165-166). Lembrete Uma forma interessante de o futuro professor trabalhar a onipresença do poder é associar a ideia do panoptismo a uma figura constante do cotidiano: “Sorria, você está sendo filmado!”. Esse método, ao ser generalizado, possibilitou a onipresença do poder, ao se reproduzir a todo instante, em todos os lugares. Em contrapartida, existe uma multiplicidade de pontos de resistência no papel do outro termo, o interlocutor, formando assim uma rede de relações de poder. Essas resistências não são apenas negativas, existindo somente como oposição à dominação; elas também ocorrem de forma positiva, como no processo poder/saber. Portanto, adverte Foucault (1995), as redes de dominação e os circuitos de exploração se recobrem, se apoiam e interferem uns nos outros. Os poderes se exercem em níveis variados e em pontos diferentes da rede social, e, nesse complexo, os micropoderes existem de forma integrada ou não ao Estado. As possíveis transformações no âmbito capilar, minúsculo, do poder, não estão necessariamente ligadas às mudanças ocorridas no âmbito do Estado. A dificuldade, conforme observa Foucault (1995), é distinguir os acontecimentos, diferenciando as redes e os níveis a que pertencem. A história tem que ser analisada com foco nas lutas, nas estratégias, nas táticas. Interessante é a leitura feita por Habermas (1990),que pode ser emprestada como uma síntese da forma como Foucault tratou do poder. Para ele, Foucault não invalida a história; antes, funde três operações, ao introduzir a questão do poder no reino dos acontecimentos históricos. Foi mantido o sentido transcendental do poder, mas como o particular que se confronta contra todos os universais; dessa forma, torna possível o entendimento da verdade num conceito de poder que se esconde ironicamente e, simultaneamente, se impõe como vontade de poder. Por outro lado, o papel empírico de uma análise das tecnologias de poder deve explicar o contexto social da função da ciência 27 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA sobre o homem e, finalmente, a existência do contingente, que poderia ser outro, em virtude de não estar submetido a nenhuma ordem reinante. Conforme alerta Foucault (1988, p. 97): Portanto, o caráter perspectivo do conhecimento torna necessário um dispositivo estratégico no exercício da profissão e na própria vida do ser humano, não por escolha especulativa ou preferência teórica, mas porque um dos traços fundamentais das sociedades ocidentais é o fato das correlações de força terem investido na ordem do poder político. Não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro contraposto. Os discursos são elementos ou blocos táticos no campo de correlações de forças; podem existir discursos diferentes e mesmo contraditórios dentro de uma mesma estratégia; podem, ao contrário, circular sem mudar de forma entre estratégias opostas. Não se trata de perguntar aos discursos que ideologia – dominante ou dominada – representam; mas, ao contrário, cumpre interrogá-los nos dois níveis, o de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de poder e saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que conjuntura e que correlação de forças tornam necessária sua utilização em tal ou qual episódio dos diversos confrontos produzidos). Pérez Gómez (1992, p. 19) insere o contexto da prática docente nessa perspectiva ao perceber na instituição escolar um complicado e ativo movimento de negociação, reações e resistências, tanto individuais quanto coletivas: A escola é um cenário permanente de conflitos. [...] O que acontece na aula é o resultado de um processo de negociação informal que se situa em algum lugar intermediário entre o que o/a professor/a ou a instituição escolar quer que os/as alunos/as façam e o que estão dispostos a fazer. 1.7 Prosseguindo na busca do caminhar metodológico Uma característica que tem sido atribuída historicamente às diversas profissões é a capacidade de auto-organização. No entanto, por tudo que foi analisado nos tópicos anteriores (em particular a atividade docente), uma avaliação adequada do potencial auto-organizador das ocupações evidencia a necessidade de dialética entre a hermenêutica da vida dos indivíduos, relacionada a uma ocupação, e a narrativa explicativa de um quadro de referência teórico. Conforme nota explicativa em Bicudo e Garnica (2001, p. 79), [...] hermenêutica refere-se à interpretação. O vocábulo “hermenêutica” significa, principalmente, “expressão” (de um pensamento); daí significar “explicação” e, sobretudo, “interpretação do pensamento”. Ao longo de sua história, que se reporta a Platão e Aristóteles, a hermenêutica tem sido concebida de diferentes modos. Como exegese, é muito usada na interpretação de textos sagrados, quando significa interpretação doutrinal e 28 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 Unidade I interpretação literal. Como uma interpretação baseada em um conhecimento prévio dos dados históricos, filológicos etc., da realidade que se quer compreender e que ao mesmo tempo confere sentido a esses dados. Como um modo de compreensão das ciências humanas e da história por abranger a interpretação da tradição; nesse sentido, a hermenêutica é concebida como o exame das condições em que ocorre a compreensão. Nesse exame a linguagem é fundamental e é entendida como um acontecimento em cujo sentido quer-se penetrar. Garnica (1993) complementa ao considerar três orientações significativas dadas à palavra hermenêutica: dizer, explicar e traduzir. A todas essas orientações, cumpre o papel de ligação entre dois mundos – o mundo das situações que se apresentam em dado contexto e o mundo de quem se defronta com tal contexto. Essas três orientações, na língua portuguesa, podem ser expressas pelo verbo interpretar; tratam, portanto, de abordar o termo hermenêutica com o objetivo de procurar seu significado. A face dialética da hermenêutica consiste na compreensão/interpretação dos dois mundos referidos. Em Bicudo e Garnica (2001, p. 79): “[...] também é entendida como hermenêutica crítica, que atende à exigência da crítica da ideologia exposta por Habermas. Pode ainda ser entendida como análise linguística”. Também para Freidson (1998), para quem profissão é, genericamente, uma ocupação, as distinções entre ocupações são realizadas por conhecimento e competências especializados necessários para a realização de tarefas diferentes numa divisão de trabalho. Para o autor, uma análise do processo de profissionalização exige a definição da direção do processo e o estágio final do profissionalismo para o qual uma ocupação se direciona, não sendo possível extrapolar o conceito popular de profissão sem determinar, com base em alguma posição teórica fundamentada, quais as características, entre as ocupações existentes, dos processos pelos quais elas se desenvolvem, se mantêm, crescem e declinam. Essas características distinguem, teoricamente, agrupamentos ou tipos significativos de ocupações e processos ocupacionais pelos quais são classificadas e compreendidas as ocupações definidas historicamente, inclusive as profissões. O autor afirma que [...] o que é necessário para uma sólida teorização sobre as profissões é o desenvolvimento de uma genuína sociologia do trabalho que trate, de maneira sistemática, de tópicos como a natureza e as variedades do conhecimento e competência especializados que estão incorporados no trabalho, o papel desse conhecimento e competências especializados na diferenciação do trabalho em ocupações e as diversas maneiras pelas quais a diferenciação se torna organizada (FREIDSON, 1998, p. 40-41). Essa estratégia, como observa Freidson (1998), busca o desenvolvimento da teoria das ocupações de forma genuinamente abstrata, mas, ao procurar aplicabilidade, passa a constituir uma teoria das profissões. A profissão é tratada, desse modo, como entidade empírica, sem espaço para generalizações como classe homogênea ou categoria conceitual logicamente excludente; isso porque, para o autor, a definição de profissão consistiria em conceito popular multifacetado e intrinsecamente ambíguo, não 29 QU IM R ev isã o: A lin e - Di ag ra m aç ão : F ab io - 1 5/ 03 /2 01 9 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – QUÍMICA sendo possível uma definição única, com traços e características únicos, verdadeiramente explanatórios, que possam enfeixar todas as ocupações denominadas profissões. A utilização de uma definição, em dado contexto, deve apontar quais características são consideradas e quais não estão inclusas. Como as diferenças nas definições são inevitáveis, torna-se obrigatória a especificação dessas diferenças para que estudos comparativos sejam viáveis. Não há como considerá-las autodetectáveis, tanto por inclusão como por exclusão, sem correr risco de avaliações impróprias. É imprescindível a explicitação de critérios comuns para seleção e análise sistemáticas dos dados analisados. Um
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