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ARTETERAPIA, CAPS E PSICOLOGIA: RELAÇÕES E POSSIBILIDADES DE TRABALHO Edilamara Peixoto de Andrade 1 Pedro Amaral Sousa 2 Edson Peixoto Andrade 3 GT7 – Educação, Linguagens e Artes. RESUMO O presente trabalho tem por finalidade trazer reflexões sócio-históricas-a respeito da problemática das diferentes visões sociais a respeito da normalidade e da patologia, postulando sobre a luta antimanicomial e identificando nos CAPS, a alternativa social para a problemática. Durante a construção desse artigo de revisão bibliográfica vão se delineando os modos de atuação do CAPS, apresentam-se alguns pontos que exigem reflexão e, discorre-se a respeito da importância das abordagens científicas nos trabalhos nos Centros de Atenção Psicossocial. Por fim, postula-se a respeito das arteterapias e da necessidade da presença e atuação do profissional psicólogo nas mesmas oficinas a fim de que os objetivos propostos para o CAPS sejam atingidos. PALAVRAS-CHAVE: Religião; Igreja Católica; Psicologia. ABSTRACT This study aims to bring socio-historical to reflections about the problems of different social views about the normality and pathology, postulating about the anti-asylum fight and identifying in CAPS, social alternative to the problem. During the construction of this literature review article will be outlining the CAPS performance modes present some points that require reflection and talks to about the importance of scientific approaches in the work in Psychosocial Care Centers. Finally, it is postulated about the arteterapias and the need for the presence and performance of the professional psychologist in the same workshops so that the proposed objectives for the CAPS will be achieved. KEYWORDS: Religion; Catholic Church; Psychology. 1. INTRODUÇÃO 1 Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Inglesa, licenciada em Letras pela Faculdade AGES, Acadêmica de Direito pela mesma Instituição, membro do GefilUFS (Grupo de Estudos de Filosofia da Linguagem da UFS), mestranda em Filsofosia pela UFS. dilapa@bol.com.br 2 Prof. Esp. em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa e Inglesa, pedagogo pela AGES, licenciado em Letras Português/Inglês pela UNIT, acadêmico em Direito pela Faculdade AGES, professor da Educação Básica no Estado de Sergipe e no Município de Paripiranga/BA. pedroamaralpv@hotmail.com 3 Especialista em Metodologia do Ensino da História e da Geografia, licenciado em História pela Universidade de Uberaba, Bacharel em Psicologia pela Faculdade AGES, membro do GefilUFS (Grupo de Estudos de Filosofia da Linguagem da UFS), professor da Educação Básica no município de Paripiranga/BA. edsonpsique@yahoo.com.br mailto:edsonpsique@yahoo.com.br 2 Já faz algum tempo que a discussão a respeito da luta antimanicomial vem se ampliando no meio dos envolvidos com a saúde mental, quer sejam profissionais, quer familiares ou sociedade como um todo. Partindo de tais discussões, chega-se ao consenso de que é preciso, antes de tudo, enxergar o indivíduo portador de sofrimento psíquico como um ser humano e não, como extensão do seu problema. Sob esse prisma, o trabalho com tais indivíduos deixa de ser visto apenas como um exercício de procedimentos técnicos e humaniza-se, buscando encontrar o ser humano além da dificuldade; a vida, além da carência; enfim, a saúde do sujeito. Alijado a esta discussão, o presente artigo justifica-se a partir da necessidade de aprofundar os fundamentos dos ideais da luta antimanicomial tendo presente as alternativas que se verificam na sociedade brasileira atual com a emergência dos CAPS e as técnicas arte-terapêuticas como construtoras de novas realidades para indivíduos com sofrimento psíquico. Sendo um trabalho de revisão bibliográfica, o presente texto pretende discutir sobre a atuação dos CAPS, percebendo a visão ideal, proposta pelas esferas governamentais e apresentando pistas de diálogo a partir de algumas problemáticas que são levantadas da percepção da realidade relativa a estas questões. O ponto de partida do trabalho é a história da loucura. Segundo Foucault, é possível avaliar as percepções que os indivíduos possuíam a respeito da loucura quer concebendo-a como algo místico ou mesmo, criando diversos mitos para justificar a segregação e mesmo, exclusão dos indivíduos ditos “loucos”. Muito tempo foi preciso para que a luta antimanicomial pudesse construir novas possibilidades de convivência com a loucura a partir da lógica da compreensão da pessoa em sua individualidade, apesar de sua psicopatologia. Os Centros de Atenção Psicossocial surgem, neste contexto como alternativa da Luta Antimanicomial aos modelos anteriores e, assim, vão se delineando aquilo que se chamou Rede de Atenção a Saúde Mental que surge a partir da ideia de territorialidade e atendimento integral ao sujeito com problemas mentais. A base do CAPS é o acolhimento do indivíduo do jeito que ele é e com as dificuldades que apresenta e assim, numa perspectiva multidisciplinar, delineiam-se diversas estratégias de atuação, objetivando atingir aquilo que Saraceno chama de reabilitação, o que só é possível quando tudo se dá a partir de critérios científicos. Dentro deste cenário, discute-se a respeito da importância do profissional psi dentro das oficinas arteterapêuticas postulando sobre a urgência de se transformar as terapias através da arte em psicoterapias, com a finalidade de atingir os objetivos propostos ao trabalho nos Centros de Atenção Psicossocial. 3 2 O CAPS E A PSICOLOGIA Com a finalidade de aprofundar a atuação dos CAPS é viável verificar na história, as diferentes concepções sobre a loucura. Sabe-se que, durante o Renascimento, uma imagem que surge é a “Nau dos Loucos” que transportava aqueles que não faziam uso da razão de forma coerente com os padrões sociais. Segundo Vieira “Esses barcos faziam parte do cotidiano dos loucos, que eram expulsos das cidades e transportados para territórios distantes”(2007,p.3). Postulando sobre esta situação “Foucault vê nessa circulação dos loucos mais do que uma simples utilidade social, visando a segurança dos cidadãos e evitando que os loucos ficassem vagando dentro da cidade.”(idem). Para o pensador, a “Nau dos Loucos” simbolizava a inquietação a respeito da loucura que permeava a mentalidade do medievo. Havia um pensamento místico que criava mitos sobre tais sujeitos e, ao mesmo tempo, uma necessidade de controlar essa parte da população. Uma segunda forma de enxergar a loucura será encontrada no período Classicista. Segundo Vieira: Primeiramente, a loucura passa a ser considerada e entendida somente em relação à razão, pois, num movimento de referência recíproca, se por um lado elas se recusam, de outro uma fundamenta a outra. Em segundo lugar, a loucura só passa a ter sentido no próprio campo da razão, tornando-se uma de suas formas. A razão, dessa maneira, designa a loucura como um momento. (VIEIRA, 2007,p.6) Nesse contexto, o que distingue o dito “louco” dos demais seres humanos é a inferência ao uso da razão. A loucura deixa de ser considerada sob o ponto de vista da moralidade ou da mística e passa a ser considerada um “não-uso da razão” ou uma “não– razão”. Assim, é perceptível a existência daqueles que têm, na concepção popular, “juízo” e aqueles que, por algum motivo, ficaram desprovidos do mesmo. Aqui entra a discussão sempre premente entre o normal e o patológico. Vieira também demonstra que, a partir do século XVII ocorrerá a relação entre loucura e internamento. Segundo o autor “Foucault prestará atenção à racionalidade própria desse internamento, tentando entender os seus mecanismos e as suas práticas específicas”(VIEIRA, 2007, p.7). É sabido que, a partir de Pinel e Tuke começarão os movimentos pela libertação do internamento e secomeçará a enxergar o ser humano além da psicopatologia presente no mesmo. 4 Nesse aspecto, é de suma importância refletir a respeito da nova concepção social no que tange ao trato da pessoa que possui sofrimento psíquico. A respeito disso, Bleuler postula: Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma pessoa psiquicamente enferma, vê à sua frente dois caminhos: ele pode registrar o que é mórbido. Irá, então, a partir dos sintomas da doença, concluir pela existência de um dos quadros mórbidos impessoais que foram descritos. [...] Ou pode trilhar outro caminho: pode escutar o doente como se fosse um amigo de confiança. Nesse caso, dirigirá a sua atenção menos para constatar o que é mórbido, para anotar sintomas psicopatológicos e, a partir disso, chegar a um diagnóstico impessoal, e mais para tentar compreender uma pessoa humana na sua singularidade e convivenciar suas aflições, seus temores, seus desejos e suas expectativas pessoais. (1985, p.1) Entra aqui, o cerne da luta antimanicomial e da ideia de libertação do internamento. Enxergar o sujeito além da sua dificuldade, conviver com ele, ouvir suas queixas, escutá-lo como a um ser humano que é. Tratar a pessoa com dignidade. Segundo Lobosque, nesse sentido, percebe-se atualmente “uma preocupação com a pobreza dos laços e da produção humana no interior das instituições, e uma tentativa de resgatar este empobrecimento subjetivo pelo viés do grupo, da análise das relações intergrupais, institucionais etc. (2008,p.13) É importante salientar, a partir das reflexões feitas e à guisa de responder à pergunta originária deste trabalho que, “a experiência da loucura [...] diz respeito à família e à cultura, desafia o social e o político, interpela a arte e a linguagem”(idem, p.21). No tocante a essa questão, vê-se a fundamental importância dos CAPS e de toda a sua estrutura no sentido de garantir um novo tratamento do sofrimento psíquico em si e dos indivíduos que vivem tais situações. Lobosque, se referindo à idéia da extinção dos manicômios postula que, as novas propostas de tratamento se articulam a partir de “uma busca do consentimento do sujeito para engajar-se em seu próprio tratamento, e uma direção do tratamento que aponta para sua presença e produção no espaço da cultura.” (LOBOSQUE, 2008, p.25). Segundo a autora, a existência dos hospitais psiquiátricos não favorece a cura do indivíduo uma vez que, é consensual o fato de não haver cura para psicopatologias e sim, a possibilidade de amenizar o sofrimento e aprendizado para conviver com o mesmo. Segundo ela “é possível, sim, tratar pacientes em grave crise psíquica sem recurso ao hospital psiquiátrico, por seu próprio consentimento, num regime que não configura qualquer exclusão.”(idem, p.26) Aqui se vê a importância do CAPS que deverá atuar nesse sentido em detrimento das visões sobre internação do passado. Partindo dessa visão, constata-se que não é só a pessoa 5 que possui sofrimento psíquico que deverá ser tratada mas, toda sua família também precisa de cuidados especiais e de ajuda médico-psicológica. O internamento, conforme reflexão anterior, fora visto como uma tentativa de curar o “louco” ou, ao menos, garantir o “sossego” dos seus “cuidadores”. Hoje, percebe-se que o sofrimento psíquico não imiscui a família do trato relativo à pessoa nem diminui a dignidade do seu portador. Dito isso, verifica-se a urgência de uma nova postura em relação à “loucura” e um trabalho social que possa dar conta de refletir e agir com o indivíduo e com a sociedade familiar como um todo. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) fazem parte da Rede Básica de Saúde Mental e estão dentro do contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles se apresentam como [...]unidades de atendimento intensivo e diário aos portadores de sofrimento psíquico grave, constituindo uma alternativa ao modelo centrado no hospital psiquiátrico, caracterizado por internações de longa permanência e regime asilar. Os Centros de Atenção, ao contrário, permitem que os usuários permaneçam junto às suas famílias e comunidades. (FARAH & BARBOSA, 2000, p.3) Se apresentando como alternativas ao modelo manicomial, os referidos Centros de Atenção precisam dirigir sua atenção aos diversos aspectos constitutivos do sujeito e, para isso, exige recursos variados de ordens diversas. A Rede de Atenção à Saúde Mental, é construída a partir da percepção da comunidade e de sua realidade como ponto de partida de toda e qualquer intervenção. É aquilo que o próprio SUS chama de territorialidade. “É essa noção de território que busca organizar uma rede de atenção às pessoas que sofrem com transtornos mentais e suas famílias, amigos e interessados.”(BRASIL, 2004, p.10). Dessa forma, todo o trabalho do CAPS se dará a partir dos interesses e demandas de dada realidade local. Não se concebem ações voltadas para a saúde mental dentro destas perspectivas que desconsiderem tais prerrogativas. É o sujeito percebido dentro do seu meio que deve ser assumido em sua individualidade e subjetividade e assim, ter seus interesses atendidos. Rompe-se com a lógica antiga do “doente” mental como alguém que precisava ser banido, escondido, afastado do meio social. Olha-se para a pessoa como um indivíduo e procura-se atender às suas exigências. Ainda segundo o Ministério da Saúde, Para constituir essa rede, todos os recursos afetivos (relações pessoais, familiares, amigos etc.), sanitários (serviços de saúde), sociais (moradia, trabalho, escola, esporte etc.), econômicos (dinheiro, previdência etc.), 6 culturais, religiosos e de lazer estão convocados para potencializar as equipes de saúde nos esforços de cuidado e reabilitação psicossocial. Nesta publicação estaremos apresentando e situando os CAPS como dispositivos que devem estar articulados na rede de serviços de saúde e necessitam permanentemente de outras redes sociais, de outros setores afins, para fazer face à complexidade das demandas de inclusão daqueles que estão excluídos da sociedade por transtornos mentais. (idem) A efetividade do trabalho voltado para a saúde mental numa perspectiva de Rede, conforme o exposto acima, não consegue ser feita quando não se constitui a partir da pluralidade e da integração. Se por um lado, sabe-se que as exigências são diversas e, portanto, as ações devem partir de diversas fontes e para várias direções, por outro, há de se entender que, um trabalho desorganizado não consegue atender às suas expectativas, ele precisa estar integrado a outros, para dar certo. Não se cuida da saúde mental olhando apenas a psicopatologia e o indivíduo que a possui, identificam-se as diferentes percepções sobre a situação, visualiza-se o contexto no qual o indivíduo está inserido, buscam-se novas perspectivas para enxergar e compreender a realidade. O objetivo do CAPS enquanto organismo social para promover a saúde mental é o de “acolher os pacientes com transtornos mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia, oferecer-lhes atendimento médico e psicológico”(Ibdem, p.9) e isso é proporcionado mediante a preocupação de “integrá-los a um ambiente social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade onde se desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares”(ibdem). Assim, segundo o Ministério, o CAPS se constitui como “a principal estratégia do processo de reforma psiquiátrica.”(ibdem) É uma forma totalmente diferente de lidar com as psicopatologias, colocando o sujeito no centro do processo, sem retirá-lo de sua realidade. Parte-se da premissa de que todos, com problemas mentais ou não, podem ter uma vida com qualidade, desde que sejam adequadamente tratados. As diretrizes sobre o CAPS, nesse sentido, apontam alguns tópicos que devem ser considerados para que essa visãoseja alcançada. No Artigo 4º da Portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, sobre o funcionamento do CAPS I lê-se, por exemplo, ART. 4.1.1 A assistência prestada ao paciente no CAPS I inclui as seguintes atividades: a – atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros); b – atendimento em grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras); 7 c – atendimento em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio; d – visitas domiciliares; e – atendimento à família; f – atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na comunidade e sua inserção familiar e social; g – os pacientes assistidos em um turno (quatro horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois turnos (oito horas) receberão duas refeições diárias. (Portaria 336 de 19 de fevereiro de 2002, apud, BRASIL,2004, p.31) Para os outros CAPS, as estratégias, embora adequadas para as demandas específicas, seguem os mesmos esquemas de procedimentos. Dito isso, nota-se uma perspectiva multidisciplinar no trabalho do CAPS, com atividades diferenciadas, que enfocam atingir todos os aspectos da vida humana e social mostrando que é possível trabalhar o ser humano em sua integralidade, independente das suas deficiências e patologias. De forma concreta, segundo o Ministério da Saúde na obra supracitada, os CAPS devem realizar “o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários”(idem, p.13) e isso, por meio de atividades variadas, tais como: atendimento em regime de atenção diária; gerenciamento de projetos terapêuticos visando oferecer cuidado clínico de forma eficiente e personalizada; inserção social dos usuários por meio da educação, trabalho, esporte, cultura e lazer, montando estratégias conjuntas de enfrentamento dos problemas, dentre outras atividades (BRASIL, 2004). Os Centros realizam todas essas atividades de diferentes formas, utilizando-se de estratégias diversas, tais como: atividades individuais e grupais, convivência, oficinas tudo com caráter terapêutico e de inserção social. De acordo com o Ministério da Saúde: As práticas realizadas nos CAPS se caracterizam por ocorrerem em ambiente aberto, acolhedor e inserido na cidade, no bairro. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com o sujeito e sua singularidade, sua história, sua cultura e sua vida quotidiana.(idem, p.14) Nesse ponto do presente artigo, faz-se mister destacar a atuação da Psicologia no contexto do CAPS, percebendo que essa atuação se dá tanto no âmbito da saúde, quanto no da Psicologia Social. Dessa forma, é pertinente aludir ao que propõe Saraceno a respeito da ideia de reabilitação como estratégia que se opõe às técnicas e modelos clínicos, definindo-a como “um processo de reconstrução, um exercício pleno de cidadania e, também, de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social” 8 (SARACENO,apud, CREMEF, 2010, p.18). Nesse sentido, o autor propõe que o objetivo da intervenção seja “o incremento da consciência do paciente a respeito de seus problemas (pessoais, familiares,de trabalho, econômicos, sociais e culturais); o incremento da autonomia afetiva-material do paciente” e ainda “o incremento da incorporação do paciente na vida de relação social e política” (SARACENO, apud, CREMEF, 2010, p.18). A mesma obra demonstra que o CAPS, quando se objetiva atingir os padrões necessários visados pela Reforma Psiquiátrica, deve se pautar pelos padrões científicos de pensamento e atuação. Assim, a Psicologia deve estar presente neste contexto, oferecendo instrumentais para que o trabalho seja realizado sendo que, uma das formas de fazê-lo é lançando mão dos instrumentais da arteterapia, verdadeiros arsenais para que se cumpram os objetivos propostos por Saraceno, na obra citada anteriormente. 3. A RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE CAPS, PSICOLOGIA E ARTETERAPIA A fim de, dar conta de analisar a atuação do Psicólogo no CAPS, percebe-se a pertinência de lançar mão da teoria a respeito das psicoterapias psicodinâmicas e breves. O objetivo aqui não é estabelecer analogias entre o trabalho realizado no CAPS e este tipo de intervenção psicoterapêutica mas, encontrar pontos de ligação que possibilitem construir um espaço de avaliação das atuações dos psicólogos nos CAPS e, ao mesmo tempo, da prática da arteterapia nesses ambientes. Parte-se do princípio de que, boa parte do trabalho com arteterapia mantém relações estreitas com aquilo que se postula a partir da teoria sobre as psicoterapias breves. Conforme evidenciado anteriormente, a pretensão nesse ponto não é afirmar que o trabalho do CAPS seja psicoterapia breve mas, pontuar algumas questões por perceber semelhanças entre as temáticas. Freud , na obra Terapia Psicanalítica (1946) questiona a terapia como finalidade de readaptação emocional e, bem como, o princípio da flexibilidade do terapeuta . Segundo Yoshida, a crítica do Pai da Psicanálise se dava por constatar que, muitos psicoterapeutas da sua época, “considerando a doença mental como decorrência do fracasso do ego em sua tarefa de assegurar a gratificação das necessidades do indivíduo, entendiam a finalidade terapêutica como readaptação emocional.”(YOSHIDA,1990, p.16). A partir daí, outra teoria, postulada por Alexander, refere-se à experiência emocional corretiva e se apresentará como de grande valor para as psicoterapias. “Esta consistia em „reexpor o paciente, em circunstâncias mais favoráveis, a situações emocionais que não pôde resolver no passado.”(idem) Mas, será com Habib Davanloo, a partir dos vídeos-tapes produzidos nas sessões de terapia, que se dará a 9 construção da ideia dos triângulos de conflito e de pessoa, naquilo que se chamou psicoterapia dinâmica breve. Assim, para o autor da teoria, “o paciente gentil, mas implacavelmente confrontado com seus sentimentos na sua vida atual, na relação transferencial e no passado e, sempre que possível, vínculos são estabelecidos entre estas três áreas.” (DAVANLOO,apud,YOSHIDA,1990, p.24) E, finalmente,com Knobel, vemos os objetivos das psicoterapias breves (YOSHIDA,1990) Para conseguir atingir as metas propostas, os profissionais do CAPS devem estar atentos ao processo de construção do psicodiagnóstico dos usuários. Nesse sentido, Knobel aponta sobre a importância da análise da história do sujeito. Segundo ele, Ter uma história psicodinâmica, que revele que em determinados momentos evolutivos e situações de crises a pessoa conseguiu superá-las e continuar seu processo evolutivo, com sua particular estruturação do seu mundo objetal (com ou sem manifestações do que habitualmente se chama patologia ou desajuste” (KNOBEL, 1986) É justamente nesse ponto que se percebe a congruência com a arteterapia, no momento em que se pensa construir uma atmosfera de compreensão da subjetividade que dê conta de, a partir da constatação da história individual do paciente, estabelecer vínculos com os conteúdos latentes que, somente a partir da terapia, podem ser descobertos, assimilados e trabalhados. Segundo Yoshida, Esta atividade requer que ele tente entender o sentido latente do comportamento interpessoal do paciente e comunique sua compreensão de forma a ajudá-lo a assimilar aspectos de sua experiência que, até o momento, eram irreconhecíveis ou rejeitados (reprimidos). Além disso, também deve procurar limitar a expressão de atitudes e comportamentos que o funcionamento mal-adaptativo do paciente tende a provocar.(YOSHIDA, 2007, p.40) Nesse sentido, a arteterapia se demonstra muitoeficaz ao abordar aspectos subjetivos de modo simples, mas, profundamente diretiva. “Arteterapia é um termo que designa a utilização de recursos artísticos em contextos terapêuticos; pressupõe que o processo do fazer artístico tem o potencial de cura e crescimento”(GEHRINGER,2005, p.3) devendo-se entender cura como um processo de enfrentamento das dificuldades rumo a novos padrões emocionais de reação diante das realidades da vida. De modo mais simples, a arteterapia se apresenta como propostas simples que, por meio de atividades artísticas como pintura, desenho, teatro, dentre outras, se propõem a um efeito psicoterápico. Tais atividades 10 partem do pressuposto de que “a criatividade e a saúde são instâncias correlacionadas na existência humana, e que processos de criação artística, por sua qualidade inovadora e transformadora, têm um potencial terapêutico e curativo intrínseco.”(idem, p.8) Nas oficinas de arteterapia nenhuma atividade é desprovida de significado, elas seguem uma objetividade definida e perseguem um caminho que vai do autoconhecimento até á resolução de conflitos internos por meio do contato com suas dores emocionais que ficam latentes por meio das atividades vivenciadas, contudo, os teóricos que postulam sobre esta forma de terapia, são unânimes ao afirmar que, o bom resultado das oficinas depende da experiência do terapeuta e da empatia que consegue construir com o paciente. Segundo Coqueiro, et.al. (2010) A arteterapia é um dispositivo terapêutico que absorve saberes das diversas áreas do conhecimento, constituindo-se como uma prática transdisciplinar, visando a resgatar o homem em sua integralidade através de processos de autoconhecimento e transformação.(p.860) A cada atividade que o sujeito vai desenvolvendo, abrem-se possibilidades de diálogo com os seus conflitos internos, com suas habilidades escondidas e assim, podem emergir novas forças de direcionamento da própria experiência de construção humana. Dentro do CAPS, diante de todas as realidades que constituem os indivíduos, tais técnicas podem ancorar em novas possibilidades de reconstrução do ser psíquico, gerando capacidades novas de enfrentamento das questões e ressignificando experiências que podem ajudar no processo de controle dos sinais e sintomas e melhoria da qualidade de vida dos usuários. A essência da arteterapia seria a criação estética e a produção artística em prol da saúde por isso, mesmo havendo a possibilidade de ser feita por qualquer profissional. As oficinas arteterapêuticas só se tornam, de fato, psicoterapêuticas quando são feitas por profissionais habilitados e aqui, entra o papel do psicólogo no contexto do CAPS. Não bastam haver oficinas, é preciso, conforme o CREMESP, que as atividades desenvolvidas no CAPS estejam totalmente prenhes de fundamentos científicos para não incorrer em reducionismos prejudiciais e, ao mesmo tempo inúteis. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo, em obra citada anteriormente, alerta para o risco de fazer do CAPS um lugar onde se faz qualquer coisa para evitar o manicômio, mas que, na verdade, não consegue ajudar os indivíduos que dele necessitam de apoio. Segundo Jorge & França (2001) é preciso que [...] se garanta aos pacientes não somente seus direitos básicos de cidadãos, como também, e principalmente, o direito de ser alvo de atenção profissional de qualidade e poder usufruir dos melhores recursos diagnósticos e 11 terapêuticos disponibilizados pelo progresso da ciência (apud, CREMEF, 2010, p.12-13). Conforme evidenciado anteriormente, o papel do profissional habilitado é o de conduzir todo o processo para não desperdiçar nenhuma das possibilidades terapêuticas que os trabalhos com arte proporcionam. No dizer de alguns, faz-se necessário dar o salto qualitativo que vai do trabalho terapêutico para o psicoterapêutico. Nesse sentido, entende-se que terapia pode ser feita por qualquer profissional, de áreas distintas mas, cabe ao profissional psicólogo, a tarefa ímpar de proporcionar oportunidades psicoterápicas para os indivíduos. Na arteterapia, esse profissional é indispensável quando se quer transformar as atividades propostas em algo mais rentável do ponto de vista psicológico, pois, conforme evidencia Coqueiro et.al. “Na arteterapia, várias modalidades expressivas com propriedades terapêuticas inerentes e específicas são trabalhadas”, o que já foi explicitado anteriormente, sendo que, “fica a cargo do arteterapeuta criar um repertório de informações relativo a cada modalidade, adequando-as às necessidades do usuário a ser atendido”. (2010, p.860) 4. CONCLUSÃO O trabalho no CAPS dentro de um contexto de reforma psiquiátrica e luta antimanicomial, é a resposta profícua que a sociedade oferece a dilemas propostos pela necessidade de inserir grupos inteiros de indivíduos que, anteriormente, eram segregados pelo simples fato de apresentarem algumas patologias. Eles são fundados a partir de uma percepção da identidade comunitária que tais indivíduos apresentam e pretendem, desse modo, agir no sentido de favorecer a inserção social desse contingente populacional. Contudo, segundo a bibliografia visitada, não bastam ter técnicas a serem aplicadas. A efetividade dos CAPS depende basicamente da capacidade de olhar a população usuária e buscar atender suas demandas. Nesse contexto, a arteterapia é de grande valia uma vez que, oferece instrumentais possíveis de adentrar na subjetividade humana e ajudar na reconstrução de áreas que estavam em dificuldade, porém, as técnicas mais adequadas não podem substituir a presença do profissional da psicologia a fim de que seja feito o caminho entre a terapia pura e a psicoterapia que é capaz de modelar novas realidades e transformar situações. A relação entre Psicologia e CAPS deve ser diretiva. O Psicólogo é aquele que, em nome da comunidade científica, soma-se aos demais profissionais a fim de, possibilitar 12 um novo tratamento às demandas situacionais dos usuários do CAPS e assim, possibilitar a inserção e transformação das realidades. Conclui-se afirmando que, não bastam técnicas aplicadas nos Centros de Apoio Psicossocial, é importante e mesmo, indispensável, empreender o esforço para ampliar a atuação do Psicólogo em tais espaços a fim de que, os objetivos desses mesmos espaços sejam alcançados. REFERÊNCIAS BLEULER, E. Psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1985. BRASIL. Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. COQUEIRO, N.F.; VIEIRA, F. R. R.; FREITAS, M. M. C. Arteterapia como dispositivo terapêutico em saúde mental. Acta Paul Enferm, 2010; 23(6):859-62. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n6/22.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2012. CREMEF. Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado de São Paulo.São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2010. FARAH, Marta Ferreira Santos; BARBOSA, Hélio Batista (Org.). Novas experiências de Gestão Pública e Cidadania. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. GEHRINGER, Marta E. Maltoni. Arteterapia: um caminho transpessoal. Campinas: Humanitas, 2005. Disponível em: http://www.humanitatis.com/Trabalhos/trabalhoArteterapia.pdf. Acesso em 11 de novembro de 2012. LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da Loucura. São Paulo: Garamond Universitária, 2008 VIEIRA, P. Piazentini. Reflexões sobre a história da loucura de Michel Foucault. In: Revista Aulas. N.3 dez.2006 – mar.2007 YOSHIDA, Elisaj Medici Pizão. Psicoterapias psicodinâmicas breves e critérios psicodiagnósticos.São Paulo: EPU, 1990 http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n6/22.pdf http://www.humanitatis.com/Trabalhos/trabalhoArteterapia.pdf
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