Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
113 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Unidade III 7 INTERAÇÃO FISIOTERAPEUTA-CLIENTE 7.1 Tópicos de psicologia social Figura 39 7.1.1 Psicologia social psicológica e psicologia social sociológica Psicologia social é o ramo da psicologia que estuda, basicamente, o comportamento dos indivíduos quando estão interagindo. Essa área da psicologia surgiu recentemente, no século XX, como campo de interação da psicologia com as ciências sociais – sociologia, antropologia, geografia, história, ciência política. Por exemplo, da interação da psicologia com a etnologia (ramo da antropologia) resultou a etnopsicologia, que considera aspectos sociais, históricos e culturais dos fenômenos psicológicos. Ao realizar um balanço do estado atual da psicologia social, nos âmbitos nacional e internacional, Maria Cristina Ferreira (2010) registra sua evolução na América do Norte, na Europa e na América Latina, aqui particularizando a recente produção brasileira. Vimos que, ao longo da história da psicologia, houve grande pluralidade e multiplicidade de abordagens teóricas. O mesmo ocorreu no âmbito de cada área específica dessa ciência, e com a psicologia social não teria sido diferente. Os estudos e pesquisas foram reunidos em dois grandes conjuntos, um dos quais reúne aqueles cuja ênfase recai nos indivíduos e outro cuja ênfase recai na relação estabelecida entre indivíduos. Dessa classificação resultam duas modalidades de psicologia social: 114 Unidade III • a chamada psicologia social psicológica; • a chamada psicologia social sociológica. Vejamos melhor o que significa isso. A psicologia social psicológica privilegia a vida intrapsíquica do indivíduo: seus pensamentos, sentimentos e comportamentos quando ele se encontra diante da presença real (ou imaginada) de outras pessoas. Em outras palavras, a psicologia social psicológica enfatiza aquilo que se passa na interioridade dos indivíduos, seus processos intraindividuais que determinam o modo pelo qual os indivíduos respondem a estímulos sociais. A psicologia social sociológica, por sua vez, privilegia a experiência social adquirida pelo indivíduo ao longo de suas diversas participações em diferentes grupos sociais. Em outras palavras, a psicologia social sociológica enfatiza os fenômenos observáveis em grupos e coletividades. Entre os principais temas de estudo da psicologia social, estão incluídos os seguintes: atitudes, relações entre funções cerebrais e cognição social (neurociência social), processos coletivos que ocorrem em grupos de todos os portes, desde os processos próprios da relação interpessoal, que envolve somente dois participantes, passando por processos próprios dos grupos, instituições e comunidades, até atingir os processos próprios das redes sociais, sejam elas presenciais ou virtuais. O que o campo da psicologia social pode oferecer de melhor aos fisioterapeutas? Parece-nos que, dessa área da psicologia, o mais útil para você, aluno de Fisioterapia, é a aquisição de alguns conhecimentos sobre estrutura e dinâmica de grupos. O estudo de grupos é indispensável a profissionais que integram ou muito possivelmente virão a integrar equipes multi e interdisciplinares de trabalho. 7.1.2 Noções de estrutura e dinâmica de grupos Ao tratarmos de particularidades da estrutura e dinâmica dos grupos, ingressamos em vasto território da psicologia, pois, havendo uma multiplicidade de abordagens teóricas, das quais decorrem distintas sugestões práticas, nós, autores deste livro-texto, nos vemos obrigados, mais uma vez, a eleger temas cujo estudo possa ser útil a você. Para darmos andamento à abordagem desse tema, vamos recorrer mais uma vez ao já mencionado Enade Psicologia: material instrucional específico, produzido pela UNIP. Nesse material, vemos que sociólogos e psicólogos elaboraram muitas definições de grupo, uma das quais de uso frequente: basicamente, grupo é um conjunto de pessoas que desempenham distintos papéis para que possam atingir, juntas, um ou mais objetivos em comum. Cada grupo é um todo dinâmico, é como um organismo coletivo, de modo que qualquer alteração em algum de seus elementos repercute nos demais elementos e no sistema como um todo. Além disso, num grupo bem conduzido, a produção coletiva é sempre maior e melhor que a soma das produções individuais de seus membros. 115 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Durante a convivência e a realização de trabalhos em conjunto, vão se sucedendo processos grupais, e essa dinâmica psicossocial proporciona aos integrantes do grupo o compartilhamento de representações, de crenças e de conhecimentos, o desempenho de múltiplos papéis e o sentimento de pertença grupal. Esses benefícios do grupo podem favorecer o desenvolvimento, o autoconhecimento e a elevação da autoestima de seus integrantes. Diversas modalidades de intervenção grupal compõem o repertório de profissionais da saúde, da educação, de organizações de trabalho, de sistemas jurídicos, de instituições e de comunidades. Múltiplas estratégias de análise e de intervenção nos processos grupais são tradicionalmente utilizadas por coordenadores, facilitadores e moderadores de grupo, para adequar os indivíduos a interesses corporativos ou para favorecer exercícios cooperativos de ação grupal, quando se tem em vista a promoção da autonomia de sujeitos e de coletividades. O trabalho grupal demanda compatibilidade entre as condições do contexto, os objetivos da estratégia adotada e as necessidades dos participantes do grupo. Figura 40 Assim, da vasta diversidade de estratégias grupais utilizáveis em distintos contextos profissionais, é preciso que a escolha dos procedimentos a serem adotados se apoie em uma cuidadosa avaliação da situação e dos objetivos da intervenção para que se possa escolher o tipo de intervenção mais adequado aos objetivos e demandas do grupo e à necessidade dos indivíduos que o compõem. Há diversas modalidades de grupo. Entre elas, é de nosso particular interesse nesse contexto o grupo operativo, proposto por Enrique Pichon-Rivière (1977). 7.1.3 O grupo operativo de Pichon-Rivière Pichon-Rivière (1977, p. 42) define grupo como um “conjunto de pessoas reunidas por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua representação interna, que se propõe, implícita ou explicitamente, uma tarefa, que constitui a finalidade do grupo”. Os grupos operativos têm por objetivo a realização de uma tarefa. 116 Unidade III Eduardo Frias (2020) nos lembra que Pichon-Rivière descreve o sujeito como emergente de uma trama complexa de relações sociais em que ocorrem internalizações recíprocas (vínculos) e relações sociais (nexos). Este autor também descreve o indivíduo como um ser que se movimenta num drama interno enquanto participa de vários dramas externos. E, baseado em seus conhecimentos de psicanálise, explica que as pessoas com quem um indivíduo se relaciona se inscrevem em sua interioridade por meio de um progressivo processo de internalização das múltiplas e sucessivas experiências vividas nessas interações. Múltiplas imagens, originadas de múltiplos objetos internalizados, se articulam na subjetividade do indivíduo, sistema interno que compreende hábitat e grupo interno, isto é, compreende um cenário e, nele, personagens em relação, segundo um script ou argumento, como numa obra teatral. Composto Como antropófago Faço de pedaços das pessoas que amo e odeio Partes de mim mesmo. €_FR!@s Fonte: Frias, E. R. (2013). Foi possível entender esse conceito de Pichon-Rivière? Para tornar mais inteligível sua maneira de compreender o indivíduo colocado em relação social, basta considerarmos que cada um de nós representa vários papéis sociais ao interagir com outras pessoas: cada um de nós é filho; pai ou mãe; trabalhador em determinado lugar, exercendo determinadas funções; amigo; comprador; vendedor, e assim por diante. Essas interações podem ser entendidas como se cada um de nós, sem perda da própria unidade identitária, estivesserepresentando diversos papéis em palcos de teatro. Pichon-Rivière (1977) vai além, ao propor que nossa interioridade é habitada por personagens em interação, havendo contínua comunicação entre os dramas vividos por essas personagens internas e os dramas vividos por nós em nossas interações sociais. Figura 41 117 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Às relações significativas estabelecidas entre os seres que habitam nossa interioridade Pichon-Rivière dá o nome de nexos, e às relações significativas por nós estabelecidas com outras pessoas em nosso dia a dia ele nomeia de vínculos. O fato de as personagens internas não serem estáticas e de interagirem justifica a denominação grupo interno. Graças a um complexo dinamismo de introjeção e projeção de imagens, no cenário interno, a realidade externa é reconstruída, com maior ou menor grau de distorção, já que o sujeito transforma dados da realidade externa ao interpretar a experiência: configura-se, assim, a trama argumental interna (argumento interno). Estando em grupo, as pessoas compartilham tempo, lugar e campo psicológico. Formam vínculos, manifestam emoções, têm vivências, expressam ideias e ideais. Os integrantes de um grupo interagem por meio de um complexo mecanismo de atribuição e assunção de papéis. A mútua representação interna (internalização recíproca) é o processo por meio do qual cada integrante de um grupo reconstrói em sua interioridade a trama de relações de que participa. Para lidar com obstáculos e dificuldades próprias de nossa vida cotidiana, é preciso, entre outras coisas, superar obstáculos e dificuldades nas relações que nossas personagens internas estabelecem entre si. Esse trabalho a ser realizado na esfera subjetiva de cada um de nós é pré-requisito para podermos lidar de modo eficiente e eficaz com o que ocorre externamente, em nossas relações sociais. Assim, para lidar com obstáculos e dificuldades próprias de nosso fazer profissional, é preciso que, além dos recursos teórico-técnicos propostos por Pichon-Rivière e outros pensadores da psicologia, possamos superar nossa dificuldade para lidar com determinadas questões. Pode ocorrer, por exemplo, que a educação que recebemos nos tenha levado a sentir antipatia, medo ou aversão por pessoas diferentes de nós. Diferentes por pertencerem a outra classe social, ou a outro segmento étnico-racial, ou por terem orientação de gênero distinta daquela que consideramos a única correta ou, ainda, por serem pessoas velhas, gordas, portadoras de algum tipo de deficiência, por estarem morrendo, e assim por diante. Estereótipos negativos e preconceitos sempre têm raízes profundamente arraigadas em nós. E eis que em nossa prática profissional nos vemos diante da necessidade de cuidar de pessoas que, em nossa interioridade, em nosso cenário interno, são representadas como aversivas ou desprezíveis ou aterrorizantes. Lembrete A percepção de si é tarefa exigente a ser realizada na subjetividade de um fisioterapeuta, de um psicólogo e de qualquer profissional chamado a oferecer cuidados a alguém. 118 Unidade III 7.1.4 Etapas do desenvolvimento dos grupos de trabalho Quanto ao desenvolvimento de grupos de trabalho, quer utilizemos a técnica de grupos operativos, quer utilizemos outra, vale fazer algumas observações. A vida de grupos e de equipes de trabalho se desenvolve em conformidade com as seguintes etapas: • formação; • conflito; • normatização; • desempenho; • desintegração. Figura 42 As etapas do processo grupal nem sempre obedecem exatamente a essa sequência, porque podem ocorrer retornos a etapas anteriores antes do avanço para etapas seguintes. O conhecimento das etapas dos processos grupais nos dá a conhecer que os períodos de turbulência fazem parte desses processos. As etapas de formação, conflito, normatização, desempenho e desintegração de uma equipe de trabalho acham-se descritas a seguir. Durante a etapa de formação têm início os contatos interpessoais e o reconhecimento mútuo dos integrantes do grupo. Nessa etapa, o objetivo coletivo é identificado e são estabelecidas as regras de tempo, lugar, papéis e funções. Durante essa etapa da vida grupal não ocorrem disputas pelo poder no interior da equipe, pois os indivíduos ainda se locomovem em meio a incertezas relativas às responsabilidades e papéis de cada um e ainda não reconhecem a si mesmos como membros do grupo. Durante a etapa de conflito, nitidamente marcada pela incerteza, os membros do grupo já estão identificados. Tem início então o processo de ajustes relativos às tarefas que serão realizadas, à decisão de quem fará o que e de que maneira. Durante essas negociações, os integrantes do grupo podem 119 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA redefinir regras. As lideranças começam a emergir, o que poderá determinar a ocorrência de disputa pelo poder de condução do grupo e pequenos poderes começam a ser divididos e disputados entre os membros. Isso não implica, necessariamente, litígios, pois, apesar de serem esperadas discordâncias, as negociações podem ocorrer sem hostilidades. Durante a etapa de normatização, a energia da equipe se concentra nos processos de coesão grupal, de identificação dos membros do grupo e de maior proximidade entre eles. Também têm início o compartilhamento de sentimentos e percepções e o intercâmbio de informações. Aumenta a tolerância frente às divergências. A concordância explícita com os objetivos do grupo se inclui entre as características dessa etapa. As lideranças, já aceitas, definem junto com os integrantes do grupo papéis e funções, bem como normas de desempenho. Durante a etapa de desempenho, as tarefas são executadas. Já ultrapassada a etapa de normatização, durante a qual foram estabelecidas relações mais próximas, foram compartilhados percepções e sentimentos e aumentou a coesão grupal, a energia do grupo se volta agora para a realização de atividades. Ainda que possa haver oscilações ao longo do percurso, essa é a fase de ouro da produtividade grupal. A desintegração é a última etapa do processo grupal. Tendo sido atingidos os objetivos do grupo, sua existência passa a ser desnecessária. É importante assinalar que, nas equipes permanentes de trabalho, durante essa etapa pode ocorrer a renovação de metas e de recursos, bem como a substituição de membros. Uma atenção integral à saúde exige o reconhecimento da multiplicidade e da complexidade dos fatores implicados no processo saúde-doença-cuidado. Por isso, o trabalho interdisciplinar é fundamental nos sistemas de saúde. Daí a importância de nos apropriarmos de conhecimentos básicos da estrutura e dinâmica de grupos: para tornarmos nossa ação mais eficaz. 8 TÓPICOS RELATIVOS À QUALIDADE DE VIDA E À INSERÇÃO DA FISIOTERAPIA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) Damos início a esta seção apresentando o que se entende por qualidade de vida e inclusão dessa temática no âmbito da atenção básica em saúde, programa integrante do Sistema Único de Saúde (SUS). 8.1 Qualidade de vida No âmbito das ciências humanas e biológicas, há um interesse crescente por questões relacionadas à qualidade de vida, o que, certamente, não se restringe a um mero controle de sintomas, nem à redução dos índices de mortalidade, nem ao aumento da expectativa de vida. Há autores que consideram qualidade de vida apenas um sinônimo de saúde física e mental. Outros autores, no entanto, consideram que boas condições de saúde física e mental integram, junto com outros fatores, o conjunto de condições da qualidade de vida. 120 Unidade III Esse conceito varia de uma área para outra, podendo ser compreendido como sinônimo de saúde, felicidade, satisfação pessoal, condições e estilo de vida. Etimologicamente, a palavra “qualidade” advém do latim qualis, que significa “modo peculiar de existência de algo ou de alguém”. Muito frequentemente a qualidade de vida é avaliada com base em indicadores, tais como nível de escolaridade, ausência de sintomas de doenças, condiçõesde moradia. Os estudos sobre qualidade de vida são classificados em quatro abordagens: socioeconômica, psicológica, médica e holística. A abordagem socioeconômica adota indicadores sociais como principal parâmetro de avaliação. Os indicadores econômicos, tidos inicialmente como principal parâmetro, logo se fizeram acompanhar de indicadores sociais, estando ambos voltados exclusivamente para fatores externos – instrução, renda e moradia, entre outros. A abordagem psicológica privilegia indicadores de caráter subjetivo, privilegiando a experiência da pessoa. Essa abordagem favorece a compreensão das pessoas com base em critérios de autoavaliação: as pessoas são solicitadas a descreverem a si mesmas como felizes, satisfeitas, dotadas de boa qualidade de vida. Tradicionalmente, a abordagem médica esteve restrita a aspectos relativos às condições de saúde, à cura de doenças, ao prolongamento do tempo de vida. Tais condições demandam possibilidade de acesso a serviços médico-assistenciais, bem como políticas públicas adequadas, articulação intersetorial do poder público e mobilização da população. A abordagem holística considera a qualidade de vida multidimensional, o que inclui o respeito aos interesses e valores dos beneficiários. Curiosamente, segundo essa perspectiva, não é a qualidade de vida que depende da boa saúde e sim a saúde é que depende da boa qualidade de vida. É preciso associar parâmetros subjetivos (bem-estar, felicidade, amor, prazer, realização pessoal) e objetivos (recursos sociais de atendimento a necessidades individuais e coletivas) para avaliar qualidade de vida. Observação Estamos anexando a este livro-texto um instrumento de avaliação da qualidade de vida que poderá ser útil a você: Wisconsin Quality of Life – Escala de Autoclassificação da Qualidade de Vida. 8.2 Sistema Único de Saúde (SUS) e a promoção de qualidade de vida O Sistema Único de Saúde (SUS), que tem por princípios básicos a universalização, a descentralização, a integralidade e a participação da comunidade, é integrado desde 1994 pelo Programa Saúde da Família (PSF), cujas equipes são compostas de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, que estabelecem vínculos de corresponsabilidade com a população beneficiária dos serviços para atingirem, juntos, o objetivo de promover a saúde e elevar a qualidade de vida das pessoas e de sua comunidade de pertença. 121 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Baseado na abordagem holística, esse programa de assistência à saúde não se limita a intervenções de cunho epidemiológico e sanitário, por entender que para atingir o objetivo de melhorar a qualidade de vida das pessoas é preciso definir estratégias de ação com base em fatores físicos, psicológicos, históricos, geográficos e socioeconômicos, entre outros. Por considerar oportuno, recorremos a Carvalho e Nogueira (2016), do campo da educação física, que, buscando refletir criticamente sobre o processo de institucionalização e fortalecimento das práticas corporais e atividades físicas entre as ações de promoção da saúde na atenção básica do SUS, realizaram uma análise crítica das interações, interfaces e distanciamentos que se processam entre as práticas corporais e as atividades físicas. Ao realizarem a pesquisa aqui referida, havia se passado dez anos da publicação da Política Nacional de Participação Social (PNPS), ocorrida em 2006. Por meio de resgate histórico e análise crítica das relações e configurações que permeiam o processo de institucionalização de práticas corporais e atividades físicas entre as ações de promoção da saúde na assistência básica, esses pesquisadores identificaram ter havido um expressivo aumento dessa oferta em serviços e programas da assistência básica, o que favoreceu o acesso da população. Observaram que ainda há um importante desafio a ser superado: a visão baseada nos saberes da biologia e da epidemiologia, que considera as práticas corporais e atividades físicas como restritas à prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, ainda é hegemônica em pesquisas científicas, políticas, programas e práticas de saúde pública. Essas constatações levaram os autores a considerar que no âmbito da atenção básica é preciso que as Equipes de Saúde da Família (ESF), em ação conjunta com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), avancem na oferta de práticas e atividades, ampliando o escopo e as modalidades oferecidas, estimulando a participação social e o acesso de populações ainda pouco presentes na atenção básica, como adolescentes e homens, para, progressivamente, contribuírem para expandir a compreensão de que tais práticas e atividades são ferramentas potentes de promoção da saúde, pois propiciam benefícios biológicos à saúde individual, fortalecem a equidade, a autonomia, o empoderamento e o protagonismo dos indivíduos e, simultaneamente, contribuem para a integralidade e sustentabilidade do cuidado no sistema de saúde. Carvalho e Nogueira (2016) chamam atenção ao fato de que, embora tenhamos avançado em publicações e experiências que levam ao entendimento de que práticas corporais e atividades físicas são recursos do cuidado ampliado, grande parte dos conteúdos de formação profissional, de artigos científicos, das políticas e das normativas e práticas em saúde pública compartilham a compreensão de que tais ações promovem benefícios biológicos à saúde individual, em geral expressos por alguma medida de aptidão física. É preciso que tais achados das ciências naturais sejam expandidos por meio de uma profícua interlocução com as ciências sociais e humanas para ampliação dessa perspectiva de compreensão dos fenômenos. Os autores observam que os binômios promoção da saúde/prevenção de doenças e práticas corporais/ atividade física são utilizados como sinônimos nos âmbitos leigo, científico e/ou político, embora a cada um desses termos estejam subjacentes distintas visões de mundo e distintos projetos de sociedade. 122 Unidade III 8.3 Inserção do fisioterapeuta no SUS Considerando a necessidade de regulamentar a atenção em fisioterapia no âmbito do SUS, o Ministério da Saúde aprovou a Portaria n. 2.916, de 13 de novembro de 2007, que, em seu artigo 3º, inclui a assistência fisioterápica com suas respectivas formas de organização e procedimentos (BRASIL, 2007). Esse ato foi bastante divulgado desde então. Um exemplo disso é a matéria veiculada em 2 de março de 2017 pelo Diário da Manhã, intitulada “Fisioterapia na saúde coletiva”, de autoria de Glenia Feitosa dos Santos Barbosa, fisioterapeuta especialista em saúde pública e analista de saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás. Em poucas palavras, Barbosa (2017) descreveu a fisioterapia como ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinético-funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas; e o fisioterapeuta, como profissional de saúde habilitado em curso superior para realizar diagnóstico de distúrbios cinético-funcionais, prescrever condutas fisioterapêuticas e acompanhar a evolução do quadro clínico funcional e as condições para alta do serviço. Chamando atenção ao fato de o fisioterapeuta ser visto exclusivamente como um profissional cuja ação se efetiva no nível de atenção terciário (atividades de cura e reabilitação), reconhece que, diante das mudanças na organização social e na organização dos sistemas de saúde, passou a ser exigida a expansão de suas atividades para o nível da atenção básica em saúde, ou seja, para o campo da promoção da saúde e prevenção de doenças, conforme a Resolução n. 10, de 3 de julho de 1978, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO, 1978), que estabelece como responsabilidade fundamental do fisioterapeuta prestar assistência ao homem, participando da promoção, tratamento e recuperação de sua saúde e, como membro de uma equipe de saúde, participar de programasde assistência à comunidade, em âmbito nacional e internacional. A atuação profissional do fisioterapeuta, nesse nível, acha-se afinada com o novo paradigma de saúde, que privilegia ações de cunho social, realizadas por equipes multi e interdisciplinares. Saiba mais Sobre a oferta dos serviços de fisioterapia e terapia ocupacional na saúde pública, visite os sites a seguir, da World Confederation of Physical Therapy (WCPT) e da World Federation of Occupational Therapists (WFOT): https://world.physio/ https://www.wfot.org/ Bispo Jr. (2010), do Instituto Multidisciplinar de Saúde da Universidade Federal da Bahia (IMS/UFBA), publicou o artigo “Fisioterapia e saúde coletiva: desafios e novas responsabilidades profissionais”, no qual chama atenção ao fato de o fisioterapeuta estar se dedicando quase exclusivamente à cura de doentes e reabilitação de sequelados. Tal restrição não condiz com o novo perfil epidemiológico e a 123 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA nova lógica de organização do sistema de saúde, voltados para o propósito de reestruturar práticas profissionais e redefinir o campo de atuação desse profissional. No artigo mencionado, o autor aborda o tema da reorientação do campo de atuação profissional da fisioterapia e novas possibilidades de atuação no SUS, e conclui em favor da necessidade de expandir o campo de ação dos fisioterapeutas da reabilitação de casos individuais para uma prática de cunho coletivo. Enumera algumas possibilidades de atuação do fisioterapeuta na atenção básica do SUS, com destaque para o nível primário, sem esgotar outras possibilidades de ação. O autor considera necessário que essa atuação seja norteada pelos seguintes princípios e regras: • Atuar em equipe multiprofissional e com abordagem interdisciplinar, objetivando a integralidade da assistência. • Seguir a lógica da territorialização e inserir a prática do cuidado continuado. • Agir preferencialmente no âmbito coletivo, com envolvimento e participação da população. • Articular suas ações com a ação promovida por diversos setores da sociedade e dos governos, considerando a necessidade de estar sempre atento aos determinantes e condicionantes sociais da saúde. O autor volta seu olhar também para a formação profissional dos fisioterapeutas, que, diante do gradual deslocamento da ênfase curativo-reabilitadora para a ênfase promocional-preventiva, deve incluir e valorizar, tanto na formação básica quanto na educação continuada, conhecimentos inerentes às ciências sociais, à saúde coletiva e ao SUS. Observação Fisioterapeutas encontram novas oportunidades de inserção profissional em órgãos do SUS. Como todo novo campo de ação, este também apresenta desafios a serem enfrentados e superados em favor da população beneficiária e em favor dessa classe profissional. 8.4 O fisioterapeuta, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do SUS e o binômio espiritualidade-saúde Desde sua criação pelo Ministério da Saúde em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) foi implantada no SUS com o objetivo de implementar tratamentos alternativos à medicina baseada em evidências na rede de saúde pública do Brasil, através do SUS. A ampliação de ofertas conduziu ao atual conjunto de 29 modalidades de práticas integrativas e complementares, entre as quais as seguintes: 124 Unidade III • arte terapia; • biodança; • dança circular; • dança sênior; • dinâmica energética do psiquismo; • fitoterapia e plantas medicinais; • homeopatia; • hortas comunitárias; • medicina antroposófica, que inclui a prática de euritmia; • medicina tradicional chinesa (que inclui acupuntura, meditação e práticas corporais, como o tai chi chuan); • medicina tradicional indiana (aiurveda); • musicoterapia; • naturopatia; • oficina de memória; • osteopatia; • quiropraxia; • reiki; • relaxamento; • shantala; • teatro do oprimido; • terapia comunitária; • terapia de florais; 125 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA • termalismo; • ioga. Ao redigir o editorial da HU Revista, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em número especialmente dedicado ao tema Espiritualidade e Saúde: Aplicações Práticas, Resende et al. (2018) informam que, em levantamento recente, foi identificado que cerca de 84% da população mundial possui alguma filiação religiosa, estando previsto que até o ano de 2060 esse número aumentará para 87%. No Brasil, mais de 90% da população refere possuir uma religião e 84% consideram a religião como muito importante (MOREIRA-ALMEIDA et al., 2016 apud RESENDE et al., 2018). Esses dados não deixam dúvida: o tema da religiosidade é importante para a grande maioria da população mundial e, em especial, para a população brasileira. Essa publicação não poderia ser mais importante do que está sendo, neste momento em que o tema saúde e espiritualidade ocupa tantos e diversificados palcos de debate. Para nós, autores deste livro-texto, por exemplo, que estamos entabulando um diálogo com você, aluno de Fisioterapia da UNIP, essa publicação caiu como uma luva, chegou na hora certa. Esses dados de alta religiosidade e espiritualidade da população mundial são relevantes para todos os profissionais da saúde. O conhecimento sobre as inter-relações entre saúde e religiosidade e espiritualidade vem sendo disseminado entre nós nas últimas décadas, mas permanece a necessidade apontada por Resende et al. (2018), de preparar profissionais da saúde para que esse conhecimento seja integrado nas práticas de saúde. O preparo desse volume especial da HU Revista (2018) teve por objetivo colaborar para que profissionais da saúde possam incluir a abordagem da religiosidade e espiritualidade em sua prática cotidiana, de modo ético e baseado em evidências, sem desrespeito aos princípios de laicidade do Estado brasileiro. A seguir, reunimos particularidades de alguns artigos dessa revista. Santiago e Pinheiro (2018) enfatizam que encontrar um sentido de vida também pode ser considerado como um recurso de promoção de saúde via espiritualidade. Diante da indagação “como a espiritualidade pode atuar na promoção da saúde?”, esses autores procuraram por respostas realizando uma revisão de achados referentes às associações entre, de um lado, espiritualidade e religiosidade, o que incluiu aspectos de intervenção com uso de prece intercessória, e, de outro lado, atividade imunológica, saúde mental, neoplasias, doenças cardiovasculares e mortalidade. Os autores puderam constatar que a literatura especializada vem identificando influências positivas e negativas de crenças religiosas e espirituais no enfrentamento de enfermidades: o envolvimento religioso está relacionado a melhores resultados tanto na preservação de doenças físicas e mentais quanto em sua recuperação. No entanto, por outro lado, esse envolvimento também pode estar associado a resultados negativos, devidos ao fanatismo, às mortificações e ao tradicionalismo opressivo de algumas religiões. 126 Unidade III O cuidado espiritual frequentemente colide com o cuidado de saúde a ser oferecido durante o exercício de papéis profissionais. Ou seja, o profissional de saúde receia associar essas duas modalidades de cuidado. No entanto, a análise qualitativa dos dados de pesquisa possibilitou identificar benefícios do cuidado espiritual oferecido por profissionais da saúde a seus clientes. Foi constatado, por exemplo, que o cuidado espiritual coloca tanto o paciente com câncer quanto a enfermeira oncológica no caminho do crescimento espiritual. Ao promover conforto e sensação de paz no paciente, a enfermeira obtém, eventualmente, satisfação interior. Santiago e Pinheiro (2018) concluem seu relato propondo que seja elaborado um plano sistemático de sensibilização de enfermeiros oncológicos para que fiquem incentivados a incluir o cuidado espiritual em seus planos de intervenção. Com o objetivo de revisar pesquisas sobre intervenção espiritual/religiosa(IER) em saúde física, Gonçalves e Vallada (2018) realizaram a triagem de mais de 4 mil artigos científicos, dos quais selecionaram 30 que abordaram, de modo criterioso, a IER em desfechos físicos/clínicos. Identificaram que as IERs descritas apresentam foco espiritual ou religioso, sendo variadas as técnicas de abordagem utilizadas. Os desfechos incluíram diversas variáveis, entre as quais qualidade de vida, perda de peso e atividade física, dor e promoção de comportamento saudável. Relativamente aos resultados clínicos, alguns foram considerados insignificantes, outros considerados relevantes, mas nenhum estudo apresentou desfecho negativo que contraindicasse a IER. Saad, Medeiros e Peres (2018) voltaram sua atenção à relação entre religiosidade/espiritualidade e saúde física e mental quando se trata de pacientes internados em hospital. A assistência religiosa-espiritual hospitalar (AREH), referente à atenção profissional oferecida aos mundos espirituais e religiosos subjetivos dos pacientes, se volta para mundos compostos de percepções, suposições, sentimentos e crenças que os pacientes têm sobre a relação do sagrado com sua doença, sua hospitalização, sua recuperação ou possível morte. Baseados em sua experiência profissional, esses autores identificam que há pelo menos cinco razões para que uma instituição invista em um programa de AREH: • o bem-estar religioso-espiritual, prioritário durante uma internação; • a apreciação religiosa-espiritual como padrão para a acreditação hospitalar; • as oportunidades para que mal-entendidos religiosos-espirituais que afetariam o tratamento sejam desfeitos; • o desejo de pacientes que querem uma perspectiva religiosa-espiritual da instituição; • a redução de custos hospitalares com a oferta de apoio religioso-espiritual. As AREHs podem ser oferecidas de modo individual ou coletivo. Podem se restringir a alguma denominação religiosa específica ou podem ser multifé. Em um nível básico, essa modalidade de apoio 127 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA pode ser da alçada dos profissionais de saúde e, em um nível crescente de especialização, pode ser oferecida por um voluntário treinado, por um ministro religioso da comunidade ou por um capelão hospitalar. O público-alvo da AREH inclui, além do paciente internado, seus familiares, seus cuidadores e os profissionais de saúde. Apesar de haver leis que garantem o acesso do interno ao apoio religioso, no Brasil não há regulamentação para a profissionalização dessa atividade. Os autores concluem seu artigo sugerindo aos serviços de internação hospitalar que realizem investimento em ações de apoio a recursos religiosos-espirituais e que busquem formas de atendimento. Com o propósito de descrever a trajetória e atuação do Programa de Saúde, Espiritualidade e Religiosidade (ProSER), desde sua fundação, e sua atuação nas áreas de ensino, pesquisa e assistência, Braghetta et al. (2018) publicaram um artigo sobre esse programa, implantado em 2008 no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, pertencente à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP). Reconhecendo que crenças e valores espirituais são parte integrante da experiência dos pacientes, podendo, por isso, ser utilizados como recursos para lidar com problemas emocionais e com sofrimentos, o ProSER inclui, entre seus objetivos, conceder especial atenção às necessidades religiosas e espirituais. Entre as atividades do ProSER, está incluído um curso teórico-prático, intitulado “Espiritualidade no cuidado em saúde: como conduzir uma avaliação religiosa e espiritual na prática clínica”, voltado para a capacitação de profissionais, e um programa de assistência cujo protocolo é adaptado a oito semanas de intervenção, com uma hora de prática semanal em grupo, incentivo de prática diária de pelo menos dez minutos e a manutenção de um diário de anotações. Na pesquisa “Ensino de ‘saúde e espiritualidade’ na graduação em Medicina e outros cursos da área de saúde”, Damiano, Lucchetti e Lucchetti (2018) tiveram por objetivo desenhar o panorama do ensino de temas relacionados a saúde e espiritualidade na graduação em saúde no mundo, com particular enfoque na educação médica brasileira. Para atingir seu objetivo, os pesquisadores realizaram uma revisão narrativa da literatura especializada no Brasil e no mundo, em bases de dados como PubMed e SciELO, sem restrição de data e com limitação de artigos em português, espanhol e inglês. Foram usados os descritores (em português e inglês), com várias combinações: “espiritualidade”, “religião”, “religiosidade”, “educação médica”, “estudantes de medicina”, “estudantes de enfermagem”, “estudantes de fisioterapia”, “estudantes de psicologia”, “estudantes”, “educação” e “saúde”. Foi possível identificar que o avanço da interface saúde-religiosidade-espiritualidade no campo de pesquisas se fez acompanhar de crescimento no ensino dessa temática em universidades brasileiras e internacionais, embora a maioria das escolas brasileiras ainda não possua uma inserção consistente da temática na grade curricular, e embora haja 45 ligas acadêmicas de saúde e espiritualidade espalhadas pelo Brasil. Importante destacar que a literatura científica brasileira e mundial avança cada vez mais em direção a uma prática de saúde mais humanizada, que procura integrar as necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais dos pacientes. Há um movimento internacional de entidades no sentido de estimular a introdução dessa temática nos currículos das universidades. 128 Unidade III 8.5 Relação fisioterapeuta-cliente e relação corpo-mente: dois importantes binômios Além de preocupadas com a relação fisioterapeuta-cliente, as pesquisadoras Canto e Simão (2009) decidiram investigar também alguns aspectos da integração corpo-mente por meio de um estudo de caso. Estudos sobre a relação corpo-mente são realizados há muito tempo. Em muitas crenças religiosas e populares, o corpo é entendido como instrumento da alma. Descartes não falará nunca em alma. A ótica proposta por ele trata da relação corpo-mente como uma relação entre duas substâncias distintas e independentes, que interagem. Esse modo de entender o binômio corpo-mente influenciou, e continua influenciando, o pensamento médico-científico ocidental, que fragmenta o ser humano em duas partes: uma parte fisiológica e a outra psicológica. Cada uma dessas partes demanda cuidados específicos, e por isso médicos e outros profissionais da saúde física ficam incumbidos de cuidar do corpo; e psicólogos ficam incumbidos de cuidar da alma. Segundo observaram essas pesquisadoras, o atendimento fisioterapêutico, muitas vezes, faz parte de um atendimento multi ou interdisciplinar, e a preocupação do fisioterapeuta fica restrita à intenção de lidar com a específica queixa física trazida à sessão. As expectativas e emoções vividas pelo cliente que sofre algum tipo de limitação física, bem como as emoções mobilizadas pelo próprio tratamento, geralmente não são consideradas relevantes para o sucesso do tratamento. Não podemos minimizar a importância do fato de que profissionais do cuidado estão continuamente expostos ao sofrimento de outras pessoas. A vivência cotidiana de estar próximo a pessoas em estado de sofrimento tende a (in)sensibilizar esses profissionais, que desenvolvem uma relativa indiferença à dor alheia e preferem desconhecer as circunstâncias existenciais do cliente para pouparem a si mesmos do confronto com os próprios sentimentos. Além disso, é pressuposto por profissionais, clientes e seus familiares que, para haver objetividade por parte do profissional, é indispensável que ele isole as próprias emoções. Com base nessa crença compartilhada, a objetividade é incluída entre as qualidades de um bom fisioterapeuta. E é isso o que presenciamos frequentemente nos locais de atendimento clínico e psicológico: profissionais da saúde substituindo pessoas por casos clínicos e reduzindoa relação terapeuta-cliente a seus aspectos técnicos. Isso é geral para todos os profissionais do cuidado em saúde. Ao particularizarmos a questão no âmbito da fisioterapia, vemos que também nesse âmbito são válidas as regras mencionadas. A objetividade reforça a dicotomia corpo-mente e facilita a rotina profissional, ao evitar que o fisioterapeuta, em contato com diversos clientes, sempre desafiado pelo imprevisível, tenha que lidar com as próprias emoções e com as emoções dessas pessoas. 129 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Outro dado importante da pesquisa de Canto e Simão (2009) é o relativo à tensão produzida pelo fato de serem continuamente confrontados distintos valores e distintas concepções durante a interação fisioterapeuta-cliente. Quanto aos valores e concepções relativos à relação corpo-mente, que também são colocados em confronto durante o atendimento, as pesquisadoras verificaram que esse confronto produz tensões no diálogo estabelecido entre fisioterapeuta e cliente. Expliquemos melhor: durante esse diálogo, pode ficar evidente que fisioterapeuta e cliente entendem de modo diferente a relação corpo-mente. No caso de haver distintas perspectivas no modo de ambos perceberem a relação corpo-mente, o que pode ocorrer? Pode ocorrer que um bom diálogo favoreça a preservação de um bom relacionamento fisioterapeuta-cliente. Mas também pode ocorrer que seus modos de entender essa relação sejam conflitantes e, nesse caso, as consequências podem ser desfavoráveis tanto para o processo terapêutico quanto para aspectos gerais da vida cotidiana e profissional. Estamos afirmando que as consequências podem ser desfavoráveis. Não estamos afirmando que as consequências serão desfavoráveis. Na pesquisa aqui relatada, as autoras constataram que, em alguns momentos, a busca de solução para os conflitos acabou gerando perspectivas inesperadas. Tratando aqui da relação fisioterapeuta-cliente, até agora privilegiamos o polo do fisioterapeuta nessa relação. Vamos nos voltar agora para o cliente, que chega trazendo sua doença e suas inquietações. Afinal, ele está sofrendo física e psicologicamente, ele está sendo obrigado a aceitar o papel de doente, ele está lidando com limitações e transtornos sociais e econômicos que vieram no “pacote” dessa doença. Para ele, a doença que ameaça sua integridade física e psicossocial exige que ele dirija seu olhar para uma relação que é psicossomática ou somatopsíquica. E é possível que ele nunca tenha sido chamado a fazer isso. Enquanto o profissional da saúde está preocupado com o caso clínico, o cliente está preocupado com as transformações impostas pela doença à sua rotina de vida. Esse desencontro nos focos de preocupação pode promover desequilíbrio cognitivo e afetivo na interação de ambos. As autoras continuam discorrendo sobre suas conclusões, salientando outros detalhes importantes dessa relação: durante o processo de atendimento fisioterapêutico, é preciso avançar com exercícios cada vez mais exigentes, e normalmente o cliente rejeita novos exercícios. Agarrado ao que já é capaz de realizar, se recusa a enfrentar novos desafios, receoso de fracassar. No entanto, ele sabe que deve avançar e isso o mobiliza a buscar recursos subjetivos para superar sua dificuldade. Canto e Simão (2009) apontam para o ganho adicional obtido pelo cliente quando ele supera a ambiguidade entre avançar no tratamento ou permanecer empacado: essa superação contribui para o desenvolvimento do processo fisioterapêutico, proporcionando melhora física e, ao mesmo tempo, aumento de sua capacidade pessoal de solucionar conflitos. Segundo essas autoras, a empatia é um fator fundamental: havendo empatia entre ambos, fisioterapeuta e cliente se tornam capazes de “ler” as intenções um do outro, capazes de discernir sentimentos, decodificar gestos e alcançar significados manifestos e latentes da comunicação estabelecida entre ambos. 130 Unidade III Quando um fisioterapeuta entra em contato com sentimentos experimentados por seu cliente e, de outro lado, quando um cliente entra em contato com sentimentos experimentados por seu fisioterapeuta, ambos vivenciam o aumento de possibilidades pessoais. Cada um dos dois reconhece em si mesmo sentimentos experimentados pelo outro. E é a isso que se dá o nome de empatia, que, etimologicamente, resulta da fusão de duas palavras gregas: in, “para dentro”, e pathos, “qualquer sentimento que uma pessoa experimente”. Ou seja, empatia é a capacidade de “trazer para dentro de si sentimentos experimentados por outra pessoa”. Lembrando que as palavras empatia e compaixão têm significados próximos: compassĭo, ōnis, palavra latina, significa “sofrimento comum”, “comunidade de sentimentos”. Com-paixão é “sentir com”. O ponto comum entre essas palavras – empatia, de origem grega, e compaixão, de origem latina – é que ambas se referem à capacidade humana de sintonizar profundamente com outra pessoa e experimentar em si mesmo sentimentos alheios. Como a questão do corpo é especialmente importante em processos fisioterapêuticos, trataremos a seguir de procedimentos terapêuticos que incluem o contato corporal. 8.6 Abordagens corporais em psicoterapia e possíveis articulações com a fisioterapia No contexto da psicologia, a noção de que ao tocarmos um corpo tocamos mais do que somente essa dimensão física do ser deu lugar a algumas propostas de intervenção psicoterapêutica, entre as quais particularizamos, nesse contexto, a análise bioenergética, criada em 1955 pelos estadunidenses Alexander Lowen e John Pierrakos. Esses autores e outros, entre os quais Keleman, tomando por base as teorias de Wilhelm Reich, desenvolveram propostas de intervenção psicoterapêutica. Wilhelm Reich (1897-1957), psiquiatra e psicanalista, discípulo de Freud, dele se afastou para construir uma nova teoria. Considerando que as energias vitais são de natureza essencialmente sexual, postulou a existência de uma energia, por ele denominada orgone, cuja liberação considerava fundamental para a obtenção, preservação ou recuperação de equilíbrio mental. Alexander Lowen (1910-2008), um de seus principais seguidores, desenvolveu a análise bioenergética, psicoterapia mente-corporal cuja prática consiste em intervir sobre o corpo da pessoa para (re)conectá-la com suas emoções. Também denominada bioenergética, psicoterapia bioenergética ou terapia bioenergética, essa modalidade de psicoterapia postula a necessidade de atuarmos simultaneamente nos níveis psíquico e somático. Partindo do conteúdo verbal levado pelo cliente à sessão de psicoterapia, e entendendo que o movimento e os padrões de tensão corporal narram uma história, o psicoterapeuta realiza intervenções corporais e verbais para promover o reencontro do indivíduo com o próprio corpo e com a própria história. Para conquistar integração pessoal e crescimento com prazer e satisfação, essa psicoterapia propõe a realização de uma viagem ao inconsciente, que, segundo entendem esses teóricos, acha-se ancorado no corpo. 131 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Em artigo publicado em 1994, Ricardo Amaral Rego discorre sobre a questão do corpo na psicoterapia, privilegiando aspectos práticos. Ele pergunta: como compreender e influenciar o impalpável a partir do palpável, o invisível a partir do visível? Ao tocar o palpável – o corpo –, como influenciar dimensões do ser responsáveis pela capacidade humana de ter consciência de si e do mundo, de sentir e pensar, de imaginar, planejar e criar? Como tocar essa dimensão que tem recebido diversas denominações – mente, espírito, psiquismo, alma? Ao formular essas questões, Rego (1994) está situado nos domínios de um campo de trabalho muitas vezes chamado de psicoterapia de abordagem corporal, psicoterapia somática ou psicoterapia corporal. E, estando nesses domínios, à pergunta se é possível haver alguma abordagem em psicoterapia que possibilite trabalhar apenas sobre o mental, sem “abordar de algum modo o corpo”, Rego(1994) responde: não, de maneira alguma! E, para a abordagem desse tema, lembra que a interação entre as pessoas não se restringe à linguagem verbal, por haver um contínuo intercâmbio de informações em nível não verbal – forma, gestos, expressões, ruídos, tom de voz, odores... Nas psicoterapias de base reichiana, é imprescindível a chamada leitura corporal, utilizada há milênios na tentativa de decifrar pensamentos, sentimentos e intenções das pessoas. A leitura corporal inclui a biopsicotipologia ou fisiognomonia, leitura de estruturas corporais de longa duração, com características psíquicas estáveis, relativas ao caráter, à personalidade e ao temperamento, e a comunicação não verbal, leitura de expressões continuamente mutáveis – posturas, gestos, modo de ocupar o espaço e de definir a distância entre corpos. Não podemos encerrar esta seção sem nos determos mais demoradamente em aspectos da psicossomática. Constatado o fato de as condições de saúde física poderem ser afetadas por sofrimentos psíquicos, a psicossomática, ramo da psicologia, estuda a dinâmica por meio da qual emoções humanas são convertidas em distúrbios orgânicos, configurados como sinais de alerta para a necessidade de cuidado psicológico e/ou psiquiátrico. Segundo Lipowski (1988 apud COELHO; ÁVILA, 2007, p. 279), a somatização pode ser definida como “uma tendência que o indivíduo tem de vivenciar e comunicar suas angústias de forma somática, isto é, através de sintomas físicos que não têm uma evidência patológica”, esses sintomas geralmente levam os pacientes a procurarem ajuda médica. Já Ramos (1994 apud CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006) alerta para o fato de o termo “psicossomática” resultar da junção de “psique” e “soma” (mente e corpo), indicando não haver separação entre o organismo biológico e o psiquismo – elementos inconscientes, emoções e funções cognitivas, sendo impossível dissociar essas duas instâncias do ser, dada a sua interdependência. 132 Unidade III Figura 43 O levantamento bibliográfico e as entrevistas realizadas por Assis et al. (2013) os conduziram à conclusão de que o termo “psicossomática” é empregado para designar a influência do psiquismo sobre o corpo, ou a ação de fatores psíquicos, como a tensão, as emoções e o estresse, no organismo, ocasionando sintomas físicos não detectáveis por exames clínicos. Os sintomas psicossomáticos podem ser compreendidos como um recurso de comunicação utilizado pelo inconsciente para alertar à necessidade de cuidado psicológico: indicam ser preciso recorrer a cuidados médicos e psicológicos para atendimento holístico e integral. O diagnóstico médico de doenças psicossomáticas é realizado por exclusão de hipóteses: primeiramente são verificadas todas as possíveis causas orgânicas e, não sendo identificadas tais causas, se entende que algum sofrimento psíquico está sendo somatizado. Os sintomas psicossomáticos geralmente ocorrem, ou se tornam mais intensos, quando a pessoa está sob situação estressante ou sob pressão. Situações traumáticas, sobrecarga profissional, situações de maus-tratos, de violência física e/ou sexual são algumas das condições que contribuem para a instalação de quadros de sofrimento psicossomático. A depressão e os distúrbios de ansiedade também podem induzir a quadros de distúrbios psicossomáticos, merecendo nossa atenção. No plano psíquico, os sintomas podem incluir ansiedade, irritabilidade, impaciência e desinteresse; e no plano físico, falta de ar, aumento da pressão arterial, dores de cabeça, alterações da visão, dores musculares, irritações de pele, urticária, náuseas, dores no estômago, vômitos, constipação, diarreia, queda de cabelos e insônia, entre outros. 133 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA As doenças mais comumente associadas a processos psicossomáticos incluem alergias de pele, alergias respiratórias, gastrite, enxaqueca, impotência e esterilidade. Seu tratamento demanda medicação para suprimir sintomas físicos, e psicoterapia para suprimir causas da produção de sintomas. Como os sintomas psicossomáticos cumprem a função de sinais de alerta para a necessidade de cuidado psicológico, eles não podem ser negligenciados. É preciso que essa mensagem do psiquismo seja ouvida e atendida, o que implica a necessidade de encaminhamento para cuidados imediatos para evitar o agravamento de sintomas e de doenças relacionadas. Saiba mais Esse tema é de fundamental importância para todas as profissões da saúde. Sugerimos a você que expanda seus conhecimentos consultando fontes bibliográficas e virtuais, começando pelo artigo de Rego, aqui exposto: REGO, R. A. Psicoterapia e corpo. I-Biopsicotipologias. Revista Reichiana, São Paulo, v. 3, p. 24-43, 1994. Conforme mencionado, Reich e seguidores são os principais representantes dessa vertente da psicologia. Os neorreichianos Lowen e Keleman elaboraram propostas de biopsicotipologias (ou fisiognomonias), resumidas por Rego (1994). A proposta de Lowen, de base psicanalítica, correlaciona três elementos: • características físicas; • características psíquicas; • caráter. Tomando por base a concepção de Reich, segundo a qual as vicissitudes e fixações ocorridas ao longo das fases de desenvolvimento da libido (oral, anal, fálica, genital) gerariam um tipo específico de caráter, Lowen afirma que, segundo a bioenergética, os diversos tipos de estrutura de caráter são classificados em cinco tipos básicos, cada qual com um padrão peculiar de defesas tanto em nível psicológico quanto muscular. Estabelece que os cinco tipos são: “esquizoide, oral, psicopático, masoquista e rígido” (LOWEN, 1982, p. 131-132) e a cada tipo desses corresponde um biotipo específico. Como vemos pelos designativos dos tipos, a teoria de Lowen tem por base a psicanálise e a psicopatologia e, segundo essa concepção, os seres humanos nascem mais ou menos indiferenciados quanto à sua anatomia e disposições psíquicas. Tanto sua estrutura física quanto a caracterológica são moldadas pelas experiências, conflitos e traumas ocorridos durante a infância. 134 Unidade III O nova-iorquino Stanley Keleman (1931-2018) também está incluído entre os principais neorreichianos. Seu interesse pelo corpo, iniciado com o atletismo, foi intensificado por sua formação pelo Instituto Quiroprático de Nova York, onde se graduou em 1954. Keleman propõe uma biopsicotipologia distinta da proposta por Lowen: postula a existência nos animais superiores de um reflexo de susto que lhes serve de recurso para lidar com emergências. Descreve uma sequência de eventos por ele denominada continuum do estresse: do alerta à luta, depois a fuga, o encolher, o render-se e o colapso final. Esses eventos, normalmente temporários, podem constituir um padrão estrutural, caso ocorra imobilização em alguma fase do referido continuum. A proposta de Keleman também correlaciona três elementos entre si: • características físicas; • características psíquicas; • estrutura. Keleman considera que há interação entre características constitucionais herdadas e condições ambientais. As tipologias de Lowen e de Keleman apresentam similaridades, embora esses autores tenham utilizado distintos fundamentos teóricos. Rego (1994) é de opinião de que ainda precisamos de pesquisa científica que possibilite conhecer de modo rigoroso a correlação entre características psíquicas, tônus muscular e estilos de respiração; questiona o porquê de os nomes utilizados nas tipologias neorreichianas terem quase todos uma conotação fortemente patológica e alerta para o risco do uso de tipologias biopsicológicas que tentam reduzir a complexidade humana a algumas poucas categorias: ao utilizarmos uma classificação biopsicotipológica, não podemos perder de vista que toda regra tem exceção e eis que a pessoa a quem estamos atendendo talvez seja uma exceção à regra. Observação É recomendável a estudantes de Fisioterapia e a fisioterapeutas uma ampliação de conhecimentos sobre a terapia bioenergética (psicologiacorporal, análise bioenergética). Estamos convencidos de que os alunos de Fisioterapia apreciarão muito expandir conhecimentos sobre esse assunto. Além de vídeos veiculados na internet, outras informações podem ser encontradas em sites especializados. 135 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Saiba mais Para conhecer melhor a prática dessa modalidade de terapia, sugerimos a você que visite o site do Centro Reichiano & Volpi: CENTRO REICHIANO & VOLPI PSICOLOGIA CORPORAL. Psicologia corporal – análise bioenergética. [s.d.]. Disponível em: http://centroreichiano.com.br/ psicologia-corporal-analise-bioenergetica/. Acesso em: 28 dez. 2020. Além disso, acesse, no YouTube, gravações de sessões de terapia e vídeos de entrevistas realizadas com Lowen. Outras abordagens do corpo em psicoterapia foram propostas por outros autores, entre as quais mencionamos os métodos de relaxamento propostos por Johannes Heinrich Schultz e Pethö Sándor. O treinamento autógeno, método de relaxamento desenvolvido na Alemanha por Johannes Heinrich Schultz entre 1908 e 1912, é um método de aprendizagem progressiva, que pode ser usado por indivíduos sem apoio de terapeutas. Esse método é utilizado para induzir autocontrole e estados subjetivos de tranquilidade. Favorece alívio do estresse, elaboração de incidentes afetivos inesperados, melhora no rendimento físico e no rendimento cognitivo, mais disposição e maior resistência a fadigas física e intelectual. O treinamento autógeno demanda a prática diária de exercícios de concentração durante um período que varia de três a quatro meses. As pessoas realizam sua prática diária sem a presença de terapeutas e a aprendizagem do método é realizada durante um breve processo individualmente ou em pequenos grupos. Criado originalmente para ser usado como método preventivo, foi incluído no conjunto de psicoterapias não verbais. Os psiquiatras de orientação pavloviana têm nesse método uma ferramenta terapêutica importante. O relaxamento global proporcionado por esse treinamento ilustra o que foi afirmado por teóricos que, apoiados nos trabalhos de Wallon, defendem a tese de que há uma relação muito estreita entre a vida tônica e a vida emocional. Outro método de relaxamento corporal, denominado calatonia, bastante conhecido e utilizado, é o proposto pelo médico Pethö Sándor, nascido no sul da Hungria, região da atual Iugoslávia, em 28 de abril de 1916. A calatonia é utilizada em processos de individuação, ou seja, em processos psicoterápicos de atualização de potencialidades inatas por meio do estabelecimento de equilíbrio entre consciente e inconsciente. A individuação, encontro com o Si-mesmo, se intensifica geralmente na segunda metade da vida e, embora esse processo seja natural, ou seja, possa ocorrer de modo instintivo, há métodos psicoterápicos que favorecem sua ocorrência por possibilitarem aos indivíduos a ampliação de conhecimentos sobre si por meio da tomada deliberada de consciência de dinamismos psíquicos próprios. 136 Unidade III A calatonia, realizada por meio de toques suaves em pontos específicos do corpo do cliente, proporciona um relaxamento do tônus muscular, atuando em vários níveis da complexa estrutura psicofísica do indivíduo. Os toques trazem à tona lembranças de fatos vividos e de outras vivências, que são elaboradas posteriormente, durante a sessão de psicoterapia verbal. A calatonia é, pois, uma técnica de relaxamento que favorece o processo de individuação. Esse recurso psicoterapêutico tem por base a convicção de que toques realizados em determinadas partes do corpo ativam memórias adormecidas, que, ao serem despertadas, se fazem acompanhar de emoções, por vezes muito intensas, que frequentemente conduzem a crises de choro. A terapia verbal que sucede à sessão de calatonia deverá garantir ao cliente os recursos necessários para a elaboração de sentimentos e emoções dinamizados pelo toque corporal. Fica como alerta aos fisioterapeutas este fato: toques corporais despertam lembranças, imagens, sentimentos, emoções, que demandam acolhida, compreensão e aceitação. Não havendo preparo profissional para lidar com esses emergentes emocionais, o que se espera de fisioterapeutas e outros profissionais da saúde é o compromisso ético de trabalharem em parceria com profissionais da psicologia. 8.7 Importância do diálogo na interação fisioterapeuta-cliente Indispensável dizer que a interação do fisioterapeuta com seu(s) cliente(s) não exige apenas conhecimentos teóricos e domínio de técnicas. Também exige condições pessoais para estabelecer vínculos e para dialogar. Fatores pessoais do fisioterapeuta favorecem, dificultam ou impossibilitam a formação de vínculos, e, havendo dificuldade ou impossibilidade de estabelecer vínculos, a ocorrência de diálogo fica dificultada ou impedida. De modo geral, em todos os coletivos há indivíduos incapazes de dialogar, seja por algum tipo de impedimento físico ou psicológico, seja por impossibilidade de estabelecer relações dialéticas e dialógicas. Indivíduos incapazes de estabelecer vínculos, impedidos de estabelecer relações dialéticas ou dialógicas, tendem a estabelecer relações dilemáticas. Todos necessitamos escapar de angústias inerentes à solidão e, como diz Enrique Pichon-Rivière, alguns de nós buscam alívio para o temor da solidão estabelecendo relações dialógicas ou dialéticas: buscam “estar com” para não estar sós. Os incapazes disso estabelecem relações dilemáticas: buscam “estar contra” para não estar sós. O que pretendemos dizer aqui, ao nos referirmos à formação de vínculos e ao estabelecimento de relações dialéticas, dialógicas e dilemáticas? Para não deixar dúvidas quanto ao significado que estamos atribuindo a essas palavras, vamos recorrer a conceitos elaborados por Enrique Pichon-Rivière, antes de prosseguirmos na abordagem do tema que dá título a esta seção. Para realizarmos intervenções eficientes e eficazes, seja na área da educação, seja na área da saúde, é preciso antes de mais nada superarmos desconfortos íntimos, limitações e restrições. Não nos iludamos: há um imaginário coletivo, compartilhado por todos nós. 137 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA Constante Em uma parte Do inconsciente Ficava tudo Acontecendo Sempre. €_FR!@s Fonte: Frias, E. R. (2015). No imenso reservatório de imagens compartilhadas, há inúmeras representações negativamente estereotipadas. Entre os estereótipos negativos que vivem nesse reservatório de imagens, estão incluídos os que dizem respeito à África, aos africanos e seus descendentes, aos LGBTI, aos miseráveis, aos marginais de nosso sistema social e a todo e qualquer segmento da população considerado minoritário. As mesmas inclinações ao preconceito e à discriminação presentes na subjetividade de muitos daqueles que buscam nossa ajuda profissional também marcam presença em nossa própria subjetividade. Por que não estariam? Por que seria diferente? Representações negativamente estereotipadas são como ervas daninhas a serem removidas. E, como ervas daninhas, mesmo removidas, tornam teimosamente a brotar, exigindo de nós vigilância e trabalho contínuos para manter limpo nosso campo íntimo de plantio e colheita. Diante dos desafios próprios das relações interpessoais, indivíduos preconceituosos tendem a ser “naturalmente” excluídos de equipes de trabalho e, caso isso não ocorra, sua permanência poderá vir a comprometer a coesão grupal, o que aumentará as chances de haver “trincas e rachaduras” em equipes de trabalho, estremecimento ou ruptura de vínculos, enfraquecimento de ânimos e, no limite, falência do grupo. Ribeiro (2018b) considera que, dada a relevância do fator individual na composição dos coletivos, podemos concluir que o cultivo do diálogo nos grupos depende em boa parte da condição psicológica de seus componentes, o que inclui o reconhecimento das próprias fraquezas. Depende também da disposição de cada integrante para dialogar e para construir em bloco, solidariamente.Lembrando o provérbio africano – “são muitas as pessoas da pessoa” – ou o poema de Mário de Andrade (1955, p. 221) – “Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta, (...) mas um dia afinal eu toparei comigo...” –, e observando nossa própria subjetividade, constatamos que o diálogo e o cultivo de disposição para o diálogo interpessoal exigem disposição para outro tipo de diálogo, talvez mais exigente: aquele que deve ocorrer nesse âmbito íntimo. Uma pessoa que tenha, por exemplo, dupla ou múltipla pertença religiosa, o que não é raro no Brasil, precisará que esses distintos corpos de crença que convivem em sua interioridade dialoguem satisfatoriamente entre si. Essa necessidade é óbvia. Ao considerarmos que os fatores da dinâmica psicológica intrassubjetiva interagem continuamente com fatores de ordem sociocultural, temos a dimensão do que sejam os desafios para o diálogo autêntico. 138 Unidade III Embora a disposição para a acolhida, o dom e a dádiva sejam requisitos básicos para a realização de autênticos diálogos intrassubjetivo e interpessoal, é preciso considerar outros componentes que interferem nas relações em grupo: os de atribuição de sentido existencial e outros, de ordem psicossocial, econômica, política e religiosa. A identidade é fortemente marcada pelas relações maioria/minoria e, no caso brasileiro, em que a identidade branco-cristã constitui modelo identificatório hegemônico e o segmento branco é apresentado como “maioria”, tal identidade tornou-se marco de referência para os demais segmentos, impropriamente considerados minoritários e “inferiores”. Nas sociedades ocidentais, os homens são, sobretudo, autocentrados: agem de acordo com os próprios interesses, raramente movidos pela gratuidade, e sim pelo desejo de posse, domínio e prestígio. Nessas sociedades, o componente econômico favorece o desenvolvimento de atitudes egoístas, que, transbordando a esfera do econômico, impregnam as demais esferas. O sistema capitalista, que opera segundo a lógica do lucro, exige otimização de resultados, eficácia e produtividade, em conformidade com uma lógica que deixa pouca margem a valores como verdade, justiça, igualdade e solidariedade. Na dinâmica de relações estabelecidas em espaços institucionais, interfere também o componente político: o poder simbólico, como todo poder, simultaneamente complacente e intransigente, inclusivo e excludente, gera uma dinâmica de exclusão-inclusão. Observando a rotina de atores sociais, sejam quais forem seus papéis, seja qual for a posição por eles ocupada no sistema hierárquico dos coletivos a que pertencem, certamente presenciaremos relacionamentos cuja ênfase recai ora na competição, ora na cooperação. O fenômeno mencionado por Weber (apud PEREIRA, 2009) da transformação de cenários religiosos em “palcos de luta pacífica” é observável em outros cenários de convivência, devendo-se essa dinâmica de exclusão-inclusão, em parte, à dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de termos nas sociedades hierarquizadas espaços institucionais que não reproduzam tal modelo de relações. Nesse complexo conjunto de componentes do diálogo, não pode ficar à margem o sentido existencial da adesão a coletivos. Por exemplo, no caso da adesão a coletivos religiosos, ocorre o seguinte: como a experiência religiosa é dotada de forte potencial de transformação individual, ela oferece recursos simbólicos para a ressignificação de cenários, seres e cenas da própria trajetória biográfica, e possibilita, com base nisso, mudanças de atitudes e de condutas. Rabelo et al. (2002 apud BIZERRIL; NEUBERN, 2012) se referem ao potencial de ressignificação e reorientação existencial das terapêuticas religiosas, atualizado por meio da reinterpretação dos próprios dramas existenciais à luz de cosmologias religiosas e sob o impacto de ritos. Ao trazer para debate do graduando de Fisioterapia essas particularidades da dinâmica psicológica própria das situações de diálogo entre pessoas diferentes e ao utilizar exemplos relativos a crenças religiosas, temos a intenção de sensibilizar futuros fisioterapeutas para que atentem a essa temática. Sem a menor dúvida, durante sua prática profissional, muitas vezes serão chamados a cuidar de pessoas e de grupos em que haja pessoas com as quais não estabelecerão empatia, 139 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA as quais talvez provoquem sensações e sentimentos negativos, o que comprometerá a eficácia de sua ação profissional. Observação Estamos ingressando agora no universo de debates sobre o tema do diálogo, fundamental para todos nós que nos propusemos a cuidar de pessoas. 8.8 Acolhida e dádiva: condições indispensáveis para o diálogo Buscando uma boa metáfora para a dinâmica interpessoal própria dos verdadeiros diálogos, Ribeiro (2018b) encontrou em Teixeira (2003) um versículo bíblico que poeticamente sintetiza as principais condições para o estabelecimento de um diálogo verdadeiro. Discorrendo sobre o diálogo no âmbito de reflexões sobre o diálogo inter-religioso, Teixeira (2003) recorre ao profeta Isaías (Is 54,2), que diz: “Alarga o espaço da tua tenda, estende as cortinas das tuas moradas (...), alonga as cordas, reforça as estacas”. Essa metáfora reúne os requisitos indispensáveis para a realização de um diálogo autêntico: afirmação da própria identidade (“reforça as estacas”), abertura ao diferente (“estende as cortinas das tuas moradas” e “alonga as cordas”) e disposição para a acolhida (“alarga o espaço da tua tenda”). Todo diálogo exige compromisso com a própria convicção e exige, simultaneamente, disponibilidade para se deixar transformar, e essas atitudes são indispensáveis para o exercício da escuta acolhedora e da dádiva. Recorrendo mais uma vez a Pichon-Rivière, podemos dizer que o diálogo exige conhecimento do próprio ECRO e disponibilidade para conhecer – sem juízo de valor – o ECRO de nosso interlocutor. Entendamos o que significa a expressão Esquema Conceitual, Referencial e Operativo (ECRO) de Pichon-Rivière (1977). Essa expressão designa um conjunto articulado de conhecimentos, ou seja, um sistema de ideias (esquema conceitual) que serve de referencial para que possamos operar adequadamente sobre determinada situação concreta que pretendamos pesquisar ou resolver. Significa, pois, um esquema de conceitos sobre si e sobre o entorno, que servem de referência para a adoção de posicionamentos e para as ações. Assim descrita, a situação de diálogo parece fácil, mas sua realização nem sempre é fácil, podendo ser difícil, muito difícil, ou mesmo impossível. Não é à toa que, ao escrever seu artigo sobre a temática específica do diálogo inter-religioso, o já referido Teixeira (2003) o intitulou “Diálogo inter-religioso: o desafio da acolhida da diferença”. Sim. Dispor-se a dialogar é dispor-se a enfrentar desafios, dos quais os mais difíceis sejam talvez o de acolher o diferente e o de se deixar transformar. Como cada interlocutor possui ECRO próprio, durante o confronto interpessoal é estabelecido um jogo entre ECROs distintos, ainda que não necessariamente contraditórios. Durante a relação de alteridade podem ocorrer mudanças nos ECROs dos envolvidos e também em suas identidades. 140 Unidade III Para estabelecer um bom diálogo, é indispensável “pôr para conversar” os eus, as personagens que compõem o coletivo que nos constitui como indivíduos (aparentemente únicos) e, nesse coletivo intrapessoal, a convivência entre partes nem sempre é saudável. Dispor-se a dialogar não é simples, porque o pluralismo de ideias provoca dissonância cognitiva, desconforto psíquico e sentimento de insegurança. O pluralismo desestabiliza e ameaça romper o esquema cognitivo já instalado. Dispor-se ao diálogo implica conviver com o diverso. Teixeira (2003) oferece algumas pistas para a realização de um bom diálogo: • humildade; • abertura ao valor da alteridade; • fidelidade à própria tradição; • disposição para a busca compartilhada da verdade. Interessante é o modocomo o escritor africano Mia Couto aborda essa questão: “A vida tem fome de fronteiras”, diz. Recorrendo a metáforas proporcionadas pela natureza, lembra que as membranas orgânicas, entidades vivas e permeáveis, delimitam e negociam, possibilitando trocas entre o de dentro e o de fora, e propõe que essa imagem inspire a criação de fronteiras permeáveis, que sejam varandas propiciadoras de vizinhanças. Outro aspecto assinalado por esse escritor é o da felicidade advinda da constatação de ser possível colocar em diálogo as múltiplas identidades que constituem nossa unidade identitária. Mia Couto propõe a construção de pontes em vez de fortalezas e de fronteiras permeáveis que, como varandas, convidem à vizinhança. Propõe que ultrapassemos fronteiras interiores: viajemos, nos percamos de nós mesmos para nos encontrarmos em outros. Havendo forte interação entre os âmbitos intra e intersubjetivo, cada conquista em um desses âmbitos aumenta as chances de sucesso nos demais. O que significa isso? Significa que a possibilidade de estabelecermos relações dialógicas e dialéticas com pessoas que pensam de modo radicalmente diferente do nosso depende em grande parte da possibilidade pessoal de colocar em diálogo “as pessoas de nossa pessoa”. Consistência e congruência pessoais favorecem, e muito, o diálogo que se pretende estabelecer. Na contramão, boas experiências de diálogo favorecem diálogos intrassubjetivos. Retornamos agora, finalmente, ao tema interação do fisioterapeuta com seu(s) cliente(s), interação que, conforme foi dito, exige mais do que apenas conhecimentos teóricos e domínio de técnicas: exige, também, condições pessoais para estabelecer vínculos e para dialogar. Como vimos em parágrafos anteriores, fatores pessoais do fisioterapeuta favorecem, dificultam ou até mesmo impossibilitam a formação de vínculos e, havendo dificuldade ou impossibilidade de estabelecer vínculos, o diálogo dificilmente ocorrerá. 8.9 Desafios da prática e preparo do fisioterapeuta Durante sua prolongada permanência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marília Ancona-Lopez orientou muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado que contribuem para dar consistência e legitimidade à adoção de práticas advindas de distintas racionalidades de 141 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA prevenção e cura. A título de exemplo, fazemos referência a uma das dissertações de mestrado orientadas por ela: o trabalho de Rosmaninho (2010), intitulado Tornar-se terapeuta: a contribuição da prática da meditação na formação do psicólogo clínico de orientação fenomenológica. Embora esse trabalho tenha privilegiado o processo de tornar-se psicoterapeuta, sem dúvida suas conclusões transbordam o campo da psicologia para se estender a outros campos de cuidados da saúde. Trabalhos como esse são úteis também a fisioterapeutas. Rosmaninho (2010) constatou que é indispensável a um terapeuta desenvolver sua capacidade de escuta e sua capacidade de estar inteiramente presente durante os atendimentos, uma vez que sua pessoa é o principal instrumento para a compreensão do cliente. A autora considera que o acolhimento a ser oferecido ao cliente depende fundamentalmente da capacidade do terapeuta de fazer-se inteiramente presente para bem escutar. Mas como conseguir isso em meio a tantas demandas simultâneas do cotidiano? Como conseguir “isolar” todo tipo de preocupação? Como desenvolver a capacidade de colocar entre parênteses os próprios pensamentos, sentimentos, sofrimentos e inquietações e ficar inteiramente disponível para ouvir o outro e acolhê-lo em seus sentimentos, sofrimentos e inquietações? Como criar uma condição de silêncio interior, de quietude interior? Rosmaninho (2010) assinala que a condição ideal de escuta do outro demanda mudanças de atitude para tornar possível o desenvolvimento da capacidade de estar presente. Em processos psicoterapêuticos, o primeiro passo é reconhecer que o cliente é o único dotado de poder para tomar as rédeas da própria vida e conduzi-la do modo que lhe aprouver, pois ao psicoterapeuta compete apenas ouvi-lo e acolher suas escolhas. Nesses processos, frequentemente é preciso que o cliente seja orientado quanto a procedimentos e exercícios que deve realizar. Mas, sendo ele o único dotado de poder para conduzir sua vida do modo que lhe aprouver, a ação do fisioterapeuta fica restrita a lhe apresentar o modo como entende o que está sendo vivido por ele e lhe oferecer orientação. Para realizar um bom atendimento, é preciso que o fisioterapeuta seja capaz de estar inteiramente presente, seja capaz de silenciar a si mesmo para ouvir seu cliente. Ou, pelo menos, que esteja preocupado em desenvolver essa condição pessoal. É preciso também que o fisioterapeuta tenha uma boa percepção de si mesmo e a capacidade de não confundir seus sentimentos com os sentimentos de seu cliente. Rosmaninho (2010, p. 67) ilustra isso, citando Rubem Alves: A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração, e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que nos parece muito melhor. E a autora conclui sugerindo a prática de meditação, por ela considerada um bom recurso de ação terapêutica, por favorecer o autoconhecimento e o desenvolvimento de uma escuta ativa e empática. 142 Unidade III Figura 44 Solicitado a nos oferecer uma descrição sucinta da meditação, Hernan Maximilian Rolim de Vilar, psicólogo clínico, mestre em Ciência da Religião e monge budista, em informação verbal fornecida em 30 de maio de 2020, contribuiu com as informações apresentadas a seguir. Segundo Goleman e Davidson (2017, p. 14), “meditação é uma palavra abrangente para uma miríade de variedades da prática contemplativa, assim como esporte se refere a uma ampla gama de atividades atléticas”. Cebolla, Campayo e Demarzo (2016, p. 19) correlacionam meditação com o termo inglês mindfulness, comumente traduzido por “atenção plena”, e apresentam a seguinte definição: “Mindfulness é o traço ou estado mental de estar intencionalmente atento à experiência presente”. Uma condição para sua prática é aceitar os acontecimentos sem julgamento de valor sobre o que ocorre. Referindo-se à compreensão do psiquismo, Ricard e Singer (2018) contrapõem ao conhecimento gerado no ocidente pela psicologia, o conhecimento gerado no oriente pelo budismo. No ocidente, fatos marcantes foram a criação de um laboratório de estudos da consciência por Wiliam James em 1875, e a busca de compreensão do psiquismo e de fenômenos da consciência característica da terceira força da psicologia, inaugurada em 1962 por Abraham Maslow. Como vemos, o conhecimento teórico desse tema, construído pela psicologia no ocidente, data, quando muito, de menos de 200 anos, enquanto o conhecimento empírico construído pelo budismo no oriente data de 2.500 anos. No budismo encontramos métodos práticos para “realizar uma transformação gradual das emoções, do temperamento e dos traços de personalidade”: a mente devidamente treinada é capaz de fazer emergir o que há de melhor no potencial humano – “capacidades humanas inatas permanecem em estado latente a menos que façamos alguma coisa para levá-las ao ponto de funcionamento ótimo” (RICARD; SINGER, 2018, p. 13-14). Segundo Campayo e Demarzo (2015, p. 20), mindfulness é um exercício da atenção que pode ser aprendido e praticado por meio de técnicas que nos possibilitem: • evitar a distração e a atenção multifocal; • permanecer centrados no presente, deixando fora de foco eventos passados ou futuros; 143 PSICOLOGIA APLICADA À FISIOTERAPIA • exercitar a intencionalidade, isto é, praticarmos nossa volição; • assumir uma atitude ativa de curiosidade perante a experiência vivida no agora, em detrimento de uma atitude passiva ou resignada; • manter essa qualidade de atenção por período
Compartilhar