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Y P o rt u g a l 2 0 1 3 B IO T E C N O L O G IA C A R A C T E R IZ A Ç Ã O D O S E T O R ESTUDO DESENVOLVIDO NO ÂMBITO DO PROJETO “PROMOÇÃO E DINAMIZAÇÃO DE CLUSTERS TECNOLÓGICOS EMERGENTES” Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 2 Março 2013 Imagem da capa: http://2.bp.blogspot.com/- 3afTbgeyni0/TcHlAREnOdI/AAAAAAAAAAk/YHRl5zg4F2U/s1600/Bio.jpg Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 3 Índice 1. Sumário Executivo ............................................................................................... 6 1.1. Definição ........................................................................................................ 6 1.2. Nanotecnologia em Portugal .......................................................................... 6 1.3. Futuro ............................................................................................................. 6 2. Enquadramento do Estudo ................................................................................... 8 3. Biotecnologia: Introdução ao setor ....................................................................... 9 3.1. O caminho desde a biotecnologia tradicional à moderna ............................... 9 3.2. Biotecnologia: O conceito ............................................................................. 15 3.3. As aplicações da biotecnologia .................................................................... 19 4. O setor da biotecnologia a nível mundial ........................................................... 31 4.1. O mercado biotecnológico a nível mundial ................................................... 32 4.2. Número de empresas biotecnológicas por países, ano 2011 ou último ano disponível ............................................................................................................... 43 4.3. Registo de patentes internacionais PCT em matéria de biotecnologia ........ 45 5. Diagnóstico do setor biotecnológico em Portugal. Análise dos principais indicadores ................................................................................................................ 47 5.1. Considerações metodológicas ..................................................................... 47 5 ......................................................................................................................... 48 5.2. Classificação das empresas biotecnológicas de Portugal segundo as suas áreas de atividade ................................................................................................. 51 5.3. Tipo de empresas biotecnológicas portuguesas segundo a sua dimensão . 52 5.4. Distribuição geográfica das empresas biotecnológicas em Portugal ........... 55 5.5. Volume de exploração das empresas biotecnológicas em Portugal ............ 56 5.6. Número de empregos gerados pelas empresas biotecnológicas em Portugal . ..................................................................................................................... 61 6. Os instrumentos de financiamento da I&D&I ...................................................... 64 6.1. Projetos do 7.º PROGRAMA-Quadro ........................................................... 64 6.2. Projetos EUREKA ........................................................................................ 67 6.3. Projetos IBEROEKA ...................................................................................... 75 6.4. Projetos QREN ............................................................................................. 83 6.5. Convocatória NEOTEC ................................................................................ 89 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 4 7. Instrumentos de apoio no âmbito da biotecnologia ............................................ 93 7.1. Programa estratégico para o empreendedorismo e inovação (+E+I) ........... 94 7.2. Sistemas de incentivos do QREN ................................................................ 95 7.3. Sistemas de apoio a parques de ciência e tecnologia e incubadoras de empresas de base tecnológica ............................................................................ 101 7.4. Sistemas de incentivos a acções colectivas (SIAC) ................................... 103 7.5. Capital de risco .......................................................................................... 104 7.6. Sistema de Apoio a Entidades do Sistema Científico e Tecnológico Nacional ................................................................................................................... 106 8. Agentes envolvidos no setor da Biotecnologia em portugal ............................. 109 8.1. Associações biotecnológicas ..................................................................... 109 8.2. Institutos tecnológicos ................................................................................ 112 8.3. Parques tecnológicos ................................................................................. 117 8.4. Agências de inovação ................................................................................ 122 8.5. Portal de notícias ....................................................................................... 123 8.6. Fundações ................................................................................................. 123 8.7. Centros tecnológicos .................................................................................. 124 8.8. Agentes na Europa..................................................................................... 129 9. Fatores de sucesso do setor da biotecnologia em Portugal e oportunidades do meio ........................................................................................................................ 135 10. Aspetos críticos do setor biotecnológico em Portugal e ameaças do meio ...... 142 11. Tendências no setor biotecnológico ................................................................. 151 11.1. À espera do Horizonte 2020 ................................................................... 151 11.2. Tendências do setor biotecnológico ........................................................ 152 11.3. Tendências nos principais setores que aplicam a biotecnologia ............. 155 11.4. A inovação aberta e a difusão das capacidades ..................................... 165 11.5. A internacionalização como saída da crise nas empresas biotecnológicas .. ................................................................................................................ 167 12. Proposta estratégica para o setor biotecnológico em Portugal ........................ 169 12.1. A abordagem da política estratégica. A figura do cluster ........................ 169 12.2. Atuações estratégicas ............................................................................. 171 13. Reflexões finais ................................................................................................ 175 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 5 Bibliografia ....................................................................................................... 179 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 6 1. SUMÁRIO EXECUTIVO 1.1. Definição A biotecnologia é a ciência que faz uso de organismos vivos ou parte deles para a produção de bens e serviços. Nesta definição enquadra-se um conjunto de atividades que o homem vem desenvolvendo há milhares de anos, como a produção de alimentos fermentados (pão, vinho, iogurte, cerveja, entre outros). Por outro lado, a biotecnologia moderna é a que utiliza a informação genética, integrando técnicas de ADN recombinante. A biotecnologia combina disciplinas tais como a genética, a biologia molecular, a bioquímica,a embriologia e a biologia celular, com a engenharia química, as tecnologias de informação, a robótica, a bioética e o biodireito, entre outras. 1.2. Nanotecnologia em Portugal A investigação em biotecnologia desenvolve-se um pouco por todo o país e Regiões Autónomas, tendo sido já constituídos diversos grupos de unidades científicas de investigação aplicada e empresas especializadas, entre os quais se encontra um Parque Tecnológico dedicado à biotecnologia e institutos integrados de investigação multidisciplinar reconhecidos a nível europeu. O processo de desenvolvimento da biotecnologia em Portugal teve o seu início formal em 1989 com a criação da primeira organização de investigação especializada em biotecnologia. As áreas tecnológicas com desenvolvimento mais significativo incluem as ciências da vida, (designadamente doenças genéticas, doenças infeciosas e imunologia, neurociências, stress e biologia estrutural), os biomateriais, os materiais biodegradáveis e biomiméticos. 1.3. Futuro Em termos industriais, tem-se assistido à criação de diversas empresas, resultantes, na sua maior parte, de processos de empresarialização de resultados académicos e científicos. Em Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 7 1998, foi criada a APbio (Associação Portuguesa de Bioindústrias) que atualmente conta, entre os seus associados, com mais de 30 empresas e diversos centros de investigação e incubação. Um dos problemas desta área empresarial é o tempo até ao mercado, que varia normalmente entre 8 e 15 anos, exigindo grandes investimentos até os produtos chegarem aos consumidores. A falta de empresas de capital de risco especializadas e com recursos suficientes para suportar o esforço necessário ao processo de desenvolvimento, certificação, testes e aprovação é a principal ameaça ao sucesso desta área tecnológica em Portugal. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 8 2. ENQUADRAMENTO DO ESTUDO Perante a conjuntura atual e a necessidade de uma rápida reconversão da estrutura económica, a BICS, Associação dos Centros de Empresa e Inovação Portugueses, com o projeto de “Dinamização de Clusters Tecnológicos Emergentes” pretende envolver os principais agentes de 4 áreas estratégicas emergentes: Nanotecnologia, Digital Media, Clean Tech e Biotecnologia, para o impulsionamento de uma clusterização dinâmica. Deste projeto deve resultar uma distinção pela positiva de clusters mais dinâmicos e com maior potencial, fomentando debates de índole regional, recorrendo à promoção do networking e a sistemas de open innovation e oriented innovation, além de criar condições para a geração de externalidades indutoras de efeitos de arrastamento na economia, sendo sensibilizador e incitador do Empreendedorismo, da Inovação e da Cooperação Institucional em Portugal. O projeto decorre paralelamente aos objetivos gerais dos BIC de fortalecer a comunicação e cooperação com as Universidades, Institutos Politécnicos, Centros de Transferência de Tecnologia e Entidades de Apoio às Empresas e aos Empreendedores no sentido de fortalecer as redes regionais de desenvolvimento económico e social, numa perspetiva de sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida e competitividade das regiões. No quadro deste projeto, o estudo de diagnóstico do setor biotecnológico em Portugal pretende analisar a atual situação do setor e demonstrar a biotecnologia como um setor horizontal que conta com grandes ferramentas para o desenvolvimento sustentável da indústria nacional. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 9 3. BIOTECNOLOGIA: INTRODUÇÃO AO SETOR 3.1. O caminho desde a biotecnologia tradicional à moderna A biotecnologia tradicional baseia-se na obtenção e utilização dos produtos do metabolismo de certos micro-organismos. Pode ser definida como “a utilização de organismos vivos para a obtenção de um bem ou serviço útil para o homem”. Embora biotecnologia seja um termo que ao público em geral possa soar como inovador, esta faz parte da vida humana há mais tempo do que as pessoas possam imaginar. A aplicação da biologia na transformação da natureza é uma tecnologia muito antiga, isto é, desde há séculos passados que o homem tem aplicado o uso de processos biológicos como ferramentas de transformação de matérias-primas em produtos finais. Um claro exemplo da utilização da biotecnologia por parte do homem observa-se há séculos na descoberta da fermentação. Ao fermentar as uvas obtinha-se um produto final, o vinho, o mesmo acontecia com a fermentação dos cereais (a cerveja) ou das maçãs (a sidra). Nestes processos intervêm micro-organismos que transformam componentes do suco de frutas ou de cereais em álcool. A biotecnologia também faz parte da fabricação de pão mediante a utilização de leveduras, conseguir produzir queijos através da adição de bactérias, iogurte, entre outros. Embora, naquela altura, os homens não entendessem como ocorriam estes processos, nem conhecessem a existência de micro-organismos, podiam utilizá-los para seu benefício. Todos estes processos foram desenvolvidos a partir de mecanismos de tentativa e erro e “afinados” desde o século XIX com diversas técnicas (em consonância com o desenvolvimento da química). Algo semelhante ocorreu com o desenvolvimento das vacinas e de outros medicamentos de origem biológica: identificado o agente, a sua atenuação permitia a cultura reprodutiva controlada e com isso a geração de vacinas. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 10 O documento intitulado "Biotecnologia" e desenvolvido por ArgenBio1 faz referência a que a biotecnologia começa a ser estudada nos inícios do século XIX, quando a procura de mão-de-obra para a indústria incipiente estimulou o êxodo da população do campo para a cidade. Como consequência, as condições sanitárias, doenças e fome eram cada vez piores. Ao mesmo tempo, o progresso exigia processos industriais mais eficientes. Portanto, o entendimento dos fenómenos naturais tornou-se indispensável para responder às necessidades da sociedade. A partir de 1850 surgem novas áreas do conhecimento; nascem a microbiologia, a imunologia, a bioquímica e a genética. A química industrial evolui aceleradamente e, também, aumenta a intervenção da engenharia agrícola e da pecuária na administração do campo. Em 1914, Karl Ereky, um engenheiro agrónomo húngaro, desenvolve um plano de criação de porcos para substituir as práticas tradicionais por uma indústria agrícola capitalista, baseada no conhecimento científico. Deve-se a Ereky (1919) a primeira definição de biotecnologia, “a ciência dos métodos que permitem a obtenção de produtos a partir de matéria-prima, mediante a intervenção de organismos vivos”. Para ele, a era bioquímica substituiria a Idade da Pedra e do Ferro. O século XX assiste a um desenvolvimento extraordinário da ciência e da tecnologia (eletrónica e informática). Da convergência de ambas resultam êxitos extraordinários em vários setores produtivos, onde os seres vivos constituem a base de aplicações tão diversas como a geração de variedades vegetais mais produtivas, a fabricação de novos alimentos, o tratamento dos resíduos e a produção de enzimas e antibióticos. Sob esta premissa, definir-se-ia a biotecnologia moderna como a aplicação científica e tecnológica a organismos vivos, as suas partes, produtos e modelos destinados a modificar organismos vivos e/ou materiais aplicados à produção de conhecimentos, bens e serviços (OCDE, 2006). 1 Estudo intitulado: BIOTECNOLOGIA. Elaborado para o ArgenBio e a Universidade de Quilmes Editorial. Autora: María Antonia Muñoz de Malajovich. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 11 Pier Paolo Saviotti2 introduz-nos no início da biotecnologia moderna através do Relatóriode Vigilância Tecnológica, Comissão Europeia. Neste estudo indica que a biotecnologia moderna deriva do aparecimento da biologia molecular, uma nova disciplina fundada nos anos 1930 com o objetivo de aplicar os métodos da física à biologia. A descoberta da estrutura do ADN por Watson e Crick demonstrou que os genes contêm a informação para a produção de proteínas. Apesar de que foi imediatamente evidente que esta descoberta poderia ter aplicações potenciais enormes para a medicina bem como para muitas outras áreas de atividade, a aplicação prática deste potencial não começou a ser usada até a descoberta do ADN recombinante e dos anticorpos monoclonais nos inícios dos anos 1970 (McKelvey, 1997; Goujon, 2001; Eliasson, 2000). Estas duas descobertas abriram o caminho às aplicações industriais, das quais eram esperados resultados económicos em períodos de tempo relativamente curtos. A isto seguiu-se uma onda de investimentos que conduziram à criação de muitas empresas e a uma nova forma de organização industrial. Assim, desde o seu começo, a biotecnologia foi uma tecnologia muito intensa a nível científico. Os desenvolvimentos posteriores dependeram fortemente do progresso técnico, por exemplo, da reação em cadeia da polimerase (PCR), que permite a amplificação de quantidades de ADN e de material genético para que esteja disponível para os investigadores, da emergência da bioinformática (Saviotti et al, 2000), uma nova disciplina na interface entre a biologia e as Tecnologias da Informação (TI), que provocou a automatização do sequenciamento de ADN e acelerou, em grande parte, o Projeto Genoma Humano. Este projeto abriu a porta a uma ampla gama de novas aplicações potenciais. Como consequência, o desenvolvimento posterior da biotecnologia pode ser caracterizado como um processo crescente de especialização no qual certas doenças se converteram no centro das atenções e alguns desenvolvimentos técnicos emergentes foram reconhecidos como subdisciplinas da biotecnologia. A biotecnologia abrange hoje uma ampla área do conhecimento que surge da ciência básica (biologia molecular, microbiologia, biologia celular, genética, etc.), da ciência aplicada (técnicas imunológicas e bioquímicas, bem como técnicas baseadas na física e na 2 Pier Paolo Saviotti (UMR-GAEL, Grenoble e GREDEC, Sophia Antipolis). Informe de Vigilancia Tecnológica, Serie de informes de tecnologías clave de la Comisión Europea, Biotecnología. Mi+d. www.madrimasd.org http://www.madrimasd.org/informacionidi/biblioteca/publicacion/doc/VT_ce6_biotecnologia.pdf http://www.madrimasd.org/informacionidi/biblioteca/publicacion/doc/VT_ce6_biotecnologia.pdf http://www.madrimasd.org/ Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 12 eletrónica) e de outras tecnologias (fermentações, separações, purificações, informáticas, robótica e controle de processos) 3. Trata-se de uma rede complexa de conhecimentos onde a ciência e a tecnologia se entrelaçam e se complementam. O processo da biotecnologia como ciência à tecnologia aplicada O documento Biotecnologia e desenvolvimento gerado por CEPAL (Nações Unidas) 4 serve como base para analisar o processo de um desenvolvimento científico a uma técnica e o desta a uma tecnologia com validade comercial. No caso da biotecnologia, este processo implica uma vasta quantidade de procedimentos interrelacionados - com as suas respetivas buscas para atividades terciárias - que podem ser efetuadas por um único agente ou por vários (sendo requeridos, neste caso, mecanismos de direitos de propriedade que facilitem os intercâmbios). Ou seja, trata-se de uma atividade que apresenta uma vasta quantidade de “pontos de fuga” ou de “pontos de rendimento” o que facilita ou requer a possibilidade de interligações. É comum a todas as aplicações posteriores um primeiro conjunto de técnicas. Casos como a identificação de espécies utilizando marcadores moleculares ou as técnicas básicas de clonagem não diferem substantivamente segundo a sua aplicação posterior. Este conjunto de desenvolvimentos é conhecido como tecnologias horizontais e estas são relativamente padronizadas e passíveis de ser integradas como parte de processos formais de formação de recursos humanos (cursos universitários e similares). Têm como elementos críticos elevados níveis de conhecimentos em biologia, química fina, e inclusive bioinformática. Por outro lado, um segundo conjunto de tecnologias é de uso específico em aplicações e casos concretos, daí o seu maior grau de especificidade. Geralmente, o seu desenvolvimento e circulação é limitado a empresas ou instituições, ou faz parte de acordos 3 Fonte: BIOTECNOLOGIA. Elaborado para o ArgenBio e a Universidade de Quilmes Editorial. Autora: María Antonia Muñoz de Malajovich. 4 Documento Biotecnologia e desenvolvimento. Este documento foi preparado por Roberto Bisang e Verónica Cessa, consultores, e Mercedes Campi, assistente de investigação do gabinete da Comissão Económica para a América Latina e Caribe (CEPAL) em Buenos Aires a pedido do gabinete da Secretaria Executiva da CEPAL. http://www.eclac.org/publicaciones/xml/9/35729/DocW35.pdf Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 13 entre ambos. Os seus elementos críticos estão associados a atividades específicas tanto em termos de conhecimentos (fisiologia vegetal e bovina; patologias humanas, etc.), como operacionais (variedades vegetais e animais, equipamentos, etc.). Somado a isso e incrementando a complexidade analítica, cabe acrescentar outros elementos desde a perspetiva da posterior aplicação territorial destas técnicas, ao campo específico. Se se referirem à sua utilização em agricultura e/ou gado, a sua aplicação deve contemplar as especificidades dos solos e dos climas regionais (por outras palavras, a inexistência de solos e climas homogéneos no mundo limita a possibilidade de uma aplicação biotecnológica universal e uniforme); se a aplicação de técnicas gerais e/ou específicas recai sobre o campo da saúde humana, também não é comum encontrar patologias universais únicas, mas sim múltiplas doenças regionais, etc. O processo que vai de uma ideia a um produto, no caso da biotecnologia, tem algumas características específicas: Geralmente, as “buscas científicas” (isolamento de um gene, relação entre um gene e o traço que determina, mapas genéticos, etc.) estão orientadas desde o início pelo desafio de resolver um problema (que gene determina a insuficiência suprarrenal?; qual é o desequilíbrio que altera o comportamento de algumas células e as torna cancerígenas?). O próprio desafio requer uma pré-orientação dos desenvolvimentos científicos; trata-se de usos genéricos. Próximo de realizar a pergunta de investigação, surge a eventual aplicação à solução técnica de um problema. Estamos a um passo do pré-competitivo, no entanto, o caminho técnico selecionado pode não ser o adequado, o qual reformula as ações iniciais do biólogo ou de outro cientista. Trata-se de usos específicos. Obtida a solução técnica, o passo seguinte é a viabilidade produtiva. Dado que o processo é geralmente maleável, isso obriga a reformular todo o esquema de desenvolvimento prévio. Desta maneira, os próprios desafios da biotecnologia implicam uma maior relação entre “o científico”, “o tecnológico” e “os negócios”. A complexidade dos desenvolvimentos científicos recomenda a “desmontagem” das atividades até o ponto de que se geram múltiplas oportunidades/necessidades (novas) de intercâmbio, que sob determinadas circunstâncias, se convertem em Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 14 mercados (reais ou potenciais). Isso leva a revalorizar conhecimentos desenvolvidos previamente e a propor novos mercados. Existe um conjuntode tecnologias comuns a todos os desenvolvimentos, tecnologias horizontais, e outras tecnologias específicas para o desenvolvimento de aplicações concretas em setores novos ou em processos novos de atividades pré-existentes. Geralmente, as especificidades locais (climas e solos, patologias, perfis alimentares, etc.) limitam a “universalidade” destas tecnologias, obrigando a processos adaptativos locais. O caminho de um desenvolvimento em laboratório a um produto provado (funcionalmente) e aprovado (a nível regulamentar), que seja economicamente rentável e que com isso permita um processo de acumulação que estabeleça as bases para o desenvolvimento, implica outra longa série de etapas: Desenvolvido o produto/processo é necessário o escalamento industrial, etapa menos simples que em outras atividades, dado que se trata de produtos biológicos. Esta etapa é concomitante com outro aspeto relevante como é o enquadramento regulamentar. Isto refere-se não só aos direitos de propriedade, mas também às condições de segurança, inocuidade e eficiência dos desenvolvimentos. A etapa produtiva (incluindo fornecedores de um fator de produção, equipas, capacidade laboral, balanço entre a produção interna e a subcontratação, etc.). A distribuição e outros procedimentos até chegar ao consumidor. Dadas as áreas de aplicação final da biotecnologia (medicamentos, vacinas, terapias genéticas, produtos industriais, alimentos, etc.), alguns ativos complementares reclamam importância, como as marcas, as relações contratuais prévias, o armazenamento, as cadeias de frio e, em geral, a logística de distribuição. Em síntese, a total captação do rendimento tecnológico e produtivo, requer não só domínio tecnológico, mas também e fundamentalmente, controlo produtivo, capacidades para dar resposta às regulações e utilização dos canais comerciais do produto até chegar ao consumidor. Em perspetiva, o controlo tecnológico nos desenvolvimentos iniciais funciona só como modo de condição necessária para captação de rendimentos. As condições suficientes associam-se ao controlo das restantes etapas. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 15 Obviamente, isto implica dois modelos polares de organização, formados, o primeiro por grandes empresas com uma alta integração técnica e produtiva (especialmente nas atividades estratégicas) e, o segundo, pela segmentação de atividades em cadeias produtivas mais desconcentradas. 3.2. Biotecnologia: O conceito A biotecnologia é um campo fortemente transversal e heterogéneo, que implica a utilização de diferentes técnicas provenientes de diferentes ramos da ciência e com campos de aplicação muitos variados. Assim, a definição de biotecnologia é um desafio importante que tem sido abordado a partir de diferentes perspetivas nos últimos anos. A palavra biotecnologia 5 é o resultado da união de outras duas: biologia e tecnologia. E a biotecnologia é exatamente isso: tecnologia biológica. Os seres vivos podem ser considerados máquinas biológicas. Utilizamos maquinaria biológica em forma de moléculas para nos movermos, obtermos energia a partir do que comemos, respirarmos, pensarmos, etc. A biotecnologia consiste precisamente na utilização da maquinaria biológica de outros seres vivos para que resulte num benefício para o ser humano, seja porque se obtém um produto valioso ou porque se melhora um procedimento industrial. Através da biotecnologia, os cientistas procuram formas de aproveitar a "tecnologia biológica" dos seres vivos para gerar alimentos mais saudáveis, medicamentos melhores, materiais mais resistentes ou menos poluentes, culturas mais produtivas, fontes de energia renováveis e inclusive sistemas para eliminar a contaminação. O Inventário diagnóstico das biotecnologias no MERCOSUL e a comparação com a União Europeia apresenta os conceitos biotecnológicos existentes6. Neste relatório, estabelece-se que na literatura existem duas opções principais quando se trata de estabelecer uma definição de biotecnologia: por um lado, estabelecer um enunciado único que englobe as possíveis atividades do campo ou utilizar uma lista de 5 Extrato de texto proveniente do portal www.biopositivizate.com 6 O relatório “Inventario diagnóstico de las biotecnologías en MERCOSUR y comparación con la Unión Europea” (BIOTECH ASA-2005-017-350-C2), foi realizado pelo Centro Redes para o Programa Biotech. Direção: Mario Albornoz (albornoz@ricyt.org) http://www.biopositivizate.com/ mailto:albornoz@ricyt.org Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 16 definições de diferentes tipos de biotecnologias. Nos Estados Unidos, durante a primeira metade dos anos oitenta, foram utilizados os dois tipos de definição. A primeira considera a biotecnologia como uma técnica, ou um conjunto de técnicas, que utiliza organismos vivos - ou partes deles - para obter ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais, ou para desenvolver micro-organismos com usos determinados. Esta definição contém os novos instrumentos biológicos e os métodos tradicionais de seleção genética. A segunda definição define a biotecnologia em função da utilização das técnicas modernas do ADNr, a fusão celular e os procedimentos de bioengenharia. A definição da Enciclopédia Britânica destaca a importância da investigação, sem fazer referência a uma área de conhecimento específica: “a aplicação dos avanços nas técnicas e instrumentos de investigação das ciências biológicas à indústria”. No dicionário europeu EURODICAUTOM, define-se a biotecnologia como toda a aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos e organismos vivos ou seus derivados para criar ou modificar produtos ou processos para usos específicos. Num sentido estrito, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) 7 define a biotecnologia como um conjunto de técnicas que modificam organismos vivos (ou parte dos mesmos), transformam substâncias de origem orgânica ou utilizam processos biológicos para produzir um novo conhecimento, ou desenvolver produtos e serviços. Esta definição abrange tanto a biotecnologia tradicional como a moderna, surgida nos anos 1980, já que inclui técnicas de produção utilizadas há milhares de anos, como são o uso de leveduras para a fermentação do pão ou produtos lácteos e técnicas de engenharia genética, utilizadas para modificar e transferir genes de um organismo a outro. Dada a marcada transversalidade da biotecnologia, esta classificação conceitual baseia-se em métodos e técnicas da biotecnologia moderna, que dão como resultado aplicações biotecnológicas. Por sua vez, o controlo da aplicação destas técnicas abrange um amplo leque de situações que incluem: Investigação e desenvolvimento experimental Comercialização Utilização para o desenvolvimento de novos produtos 7 Definição desenvolvida pela OCDE, atualizada em 2005. www.oecd.org Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 17 Utilização para a produção de bens e serviços biotecnológicos Atividades chave em biotecnologia I+D biotecnológi ca Investigação de técnicas biotecnológi cas e desenvolvim ento de produtos ou processos Produtos de conheciment Produtos finais destas técnicas, utilizações finais de produtos biotecnológicos, Técnicas baseadas em ADN/ARN, por genómica Proteínas e outras moléculas Cultura e engenharia celular e de tecidos Técnicas Técnicas que definem a biotecnología Aspetos que podem ser medidos no Produtos e processos biotecnológi cos I+D biotecnológi ca Empresas biotecnológi cas Vendas e rendimentos biotecnológi Modelo conceptual para as estatísticas em biotecnologia da OCDE Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA18 Num sentido ainda mais extenso, a biotecnologia pode também ser definida como o conjunto de técnicas que utiliza organismos vivos ou parte deles, para fabricar ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais, ou desenvolver micro-organismos para usos específicos (Office of Technology Assessment - OTA, 1990). Esta definição englobaria a biotecnologia tradicional. Uma definição aceite internacionalmente é a proposta pela Nações Unidas8, segundo a qual a biotecnologia se refere a toda aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos e organismos vivos ou os seus derivados para a criação ou modificação de produtos ou processos para usos específicos. Na prática, a eleição de uma só definição de biotecnologia é complicada, pelos diferentes significados atribuídos ao conceito em diferentes setores de aplicação. A biotecnologia na agricultura costuma referir-se aos OGM (Organismos Geneticamente Modificados) e às tecnologias associadas como os marcadores de ADN; costuma incluir a cultura de tecidos, mas não as tecnologias tradicionais. A biotecnologia para as aplicações meio-ambientais e industriais inclui tecnologias que não usam OGM, como a biorremediação de terras contaminadas ou o branqueamento da polpa da madeira. No setor da saúde, a biotecnologia refere-se a várias tecnologias avançadas, como a engenharia genética, genómica e proteómica, mas inclui disciplinas, como a química combinatória, que se aplicam em síntese de química tradicional. Utilizar uma lista básica de definições pode ajudar a reduzir algumas das confusões que rodeiam uma só definição e é útil quando as políticas públicas estão orientadas às aplicações e benefícios da biotecnologia, as que variarão com o tipo de biotecnologia em tilização. Também se torna útil quando empresas grandes e diversificadas utilizam a biotecnologia em muitos setores diferentes, dado que possibilitam identificar as mesmas e avaliar o grau de intensidade dos seus respetivos usos. 8 Definição desenvolvida pela Nações Unidas, Convention on Biological Diversity, Article 2. Use of Terms, United Nations. 1992 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 19 3.3. As aplicações da biotecnologia A solução de problemas por métodos biotecnológicos implica abordá-los de maneira multidisciplinar, com ferramentas de uso comum em diferentes disciplinas científicas (biologia, bioquímica, genética, virologia, agronomia, engenharia, química e medicina, entre outras). Na atualidade, o uso destes métodos está a ter um grande impacto nos diferentes setores industriais. Por isso, surgiram várias classificações do conceito de biotecnologia e as suas diferentes aplicações. Uma das mais simplificadas, embora não totalmente aceite, foi desenvolvida durante o Congresso Europeu de Biotecnologia em 2005 e engloba a biotecnologia em quatro áreas principais, dependendo do seu setor de aplicação: vermelha, verde, branca e azul. Biotecnologia Vermelha É a biotecnologia que abrange as aplicações e investigações relativas à saúde Biotecnologia Verde É a biotecnologia que inclui as aplicações e investigações agrícolas, pecuárias e florestais Biotecnologia Branca É a biotecnologia que se dedica às aplicações e investigações industriais e ambientais Biotecnologia Azul É a biotecnologia que se dedica às aplicações com origem em organismos aquáticos. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 20 Com o objetivo de aprofundar esta classificação, o observatório Bioemprende9 descreve cada uma das biotecnologias e as áreas onde se podem aplicar: 9 O Observatório BIOEMPRENDE é um observatório transfronteiriço de inovação em biotecnologia. observatorio.bioemprende.eu Biotecnologia Vermelha ou Sanitária Esta área inclui a utilização de processos relacionados com a medicina e a farmacologia e baseados na manipulação genética de organismos. Compreende as aplicações terapêuticas, diagnósticas, de saúde animal e de investigação biomédica. Em referência ao anterior, é importante mencionar as seguintes áreas de aplicação: Diagnóstico molecular e biossensores: Baseia-se na deteção de marcadores moleculares, sensíveis e específicos, presentes nos seres vivos que sejam indicadores de alguma característica do estado fisiológico do corpo (patologias e doenças, estados de stress celular...). Isto permite um diagnóstico precoce, comprovar o estado da doença e inclusive a seleção do melhor tratamento. Entre os marcadores presentes encontram-se marcadores genéticos (variedades genéticas que predispõem a certas doenças, como o cancro), proteicos (enzimas que silenciam genes ou têm defeitos...) ou moleculares (produtos secundários do metabolismo...). Para isto, utilizam-se microarrays (arrays ou biochips), tanto de genes como de proteínas, técnicas imunohistoquímicas, etc. Desta forma implanta- se a chamada medicina personalizada, onde se administra o medicamento adequado, com a concentração e local exatos graças ao estudo genético, proteico e histológico do paciente. Engenharia celular e de tecidos: Baseia-se na produção de células e tecidos que substituam aqueles que estão danificados, que tenham sido extirpados ou que perderam a sua função, pelo que se considera também medicina regenerativa. Para isso, utilizam o conhecimento da engenharia, culturas celulares, células- http://observatorio.bioemprende.eu/ Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 21 tronco, entre outros. Proteínas recombinantes e anticorpos monoclonais: Baseia-se na utilização das células como ferramentas para produzir fármacos de forma barata e eficiente. Com base nestas tecnologias foi possível descobrir e produzir muitas substâncias com capacidade terapêutica. Terapia genética: Baseia-se na modificação do material genético das células (só na linha somática e não na germinativa, totalmente proibida na legislação), para aumentar, substituir, diminuir ou silenciar a expressão de certos genes e as suas respetivas proteínas decorrentes, com o objetivo de curar alguma doença ou característica fisiológica não desejada. Novos alvos terapêuticos, novos fármacos e novas vacinas: Em conjunto com outras áreas da biotecnologia foi possível descobrir novos fármacos (a partir de dados naturais do mundo marinho, de plantas ou animais) que têm capacidade terapêutica em alvos de doenças já conhecidos ou novos (recetores de membrana, enzimas ou os próprios genes). Da mesma forma, estão a descobrir-se novas vacinas mais eficazes para todo o tipo de doenças, como as chamadas vacinas recombinantes, que utilizam só as partes que conferem imunidade ao corpo sem ter que utilizar o patogénico na sua totalidade. Novos sistemas de administração de fármacos e vacinas: Graças à implantação da nanotecnologia e ao avanço da química, existem novas e promissoras formas de administrar fármacos e vacinas. Por exemplo, a administração controlada de fármacos, que só são libertados perante circunstâncias muito determinadas, à concentração adequada e só na zona afetada. Genética de populações e farmacogenética: Consiste no estudo da distribuição e evolução da variabilidade genética entre os indivíduos de uma ou várias populações, o que faz com que respondam, junto com as variáveis ambientais, de forma diferente às doenças e às diferentes terapias. Desta forma pode obter-se Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 22 informação valiosa sobre as diferentes variáveis genéticas e a sua relação com as doenças e com a resposta às suas diferentes terapias (para assim conseguir uma “medicina personalizada”). Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 23 Biotecnologia Verde A biotecnologia verde é a que se dedica a dar produtos e serviços à área agroalimentar,mais concretamente trata-se de biotecnologia aplicada a processos agrícolas. Em referência ao anterior, é importante mencionar as seguintes áreas de aplicação: Organismos Geneticamente Modificados e plantas transgénicas: Graças aos avanços em engenharia genética é possível criar plantas transgénicas, a partir da variedade de espécies de plantas agrícolas, com uma variedade de novas capacidades: resistência a pragas e pesticidas, resistências a fatores ambientais (secas, salinidade, falta de luz, etc.), aumento da produtividade ou aceleração do crescimento, conteúdo nutricional melhorado (com maior quantidade de certas substâncias ou presença das mesmas quando antes essa planta não as tinha), plantas como biofarmácias (com presença de substâncias terapêuticas), etc. As possibilidades comerciais e de desenvolvimento são muito amplas, com um importante objetivo de aliviar os problemas dos países em desenvolvimento (como o chamado “arroz dourado”). Bactérias e leveduras transgénicas: Consiste na mesma ideia, aplicada aos elementos encarregados de modificar alimentos (produção de vinho, cerveja, queijo...), para que se produzam alimentos com características especiais (melhores características organoléticas, novas substâncias, maior capacidade de tolerância ambiental…) ou melhorar a produção (crescimento mais rápido, melhor eficácia enzimática...). Alimentos funcionais: São aqueles que, sem ter capacidade terapêutica, melhoram o estado de saúde ou previnem em relação a certas doenças (vitaminas, fibra, antioxidantes, probióticos...). Estão cada vez mais presentes numa variedade de alimentos quotidianos. Por exemplo, as sementes de soja com níveis superiores de ácidos gordos monoinsaturados, que conseguem um azeite mais saudável, que resiste mais a altas temperaturas e, portanto, permite um maior usam nas frituras. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 24 Produtos vegetais enriquecidos em macronutrientes e em micronutrientes (vitaminas, minerais), que poderiam melhorar as deficiências nutritivas, especialmente em países pobres cujas populações têm pouca variedade dietética. Inclusive, se se avançar na tecnologia de transferência de múltiplos genes de uma só vez, seria possível, por exemplo, enriquecer o conteúdo de aminoácidos essenciais nas sementes (que os nossos corpos não podem fabricar por si mesmos). Não esqueçamos que muitos países africanos também estão a beneficiar de uma biotecnologia não genética, limpa, barata e real: as culturas in vitro de tecidos e a micropropagação (prática que consiste em multiplicar rapidamente e/ou regenerar matéria vegetal para produzir uma grande quantidade de novas plantas geneticamente idênticas, com métodos laboratoriais modernos) estão a permitir a distribuição material de sementeira livre de vírus e dotada de resistência a fatores adversos. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 25 Biotecnologia Branca Conhecida como biotecnologia industrial, é a que se aplica à indústria e a processos industriais. Esta categoria é muito ampla e engloba muitos setores industriais, incluindo o setor químico, alimentar, meio ambiente, energia, etc. Inclui também a biotecnologia ambiental: aplicação da biotecnologia na conservação do meio ambiente. Este tipo de atividade está a procurar substituir as tecnologias poluentes por outras mais limpas ou amigas do ambiente. Basicamente, emprega organismos vivos e enzimas para obter produtos mais fáceis de degradar, e que requeiram menos energia e gerem menos resíduos durante a sua produção. O uso de enzimas ou biocatalizadores é um dos avanços mais significativos na área da biotecnologia branca. As vantagens da sua utilização residem na alta seletividade e eficiência das enzimas em comparação com os processos químicos. Enquanto os processos químicos convencionais requerem alta pressão e alta temperatura, os micro-organismos e as suas enzimas trabalham a pressão e temperaturas normais. Além disso, as enzimas são biodegradáveis e muitas delas podem funcionar em solventes orgânicos, alta concentração de sais e outras condições extremas. As enzimas são aplicadas hoje a praticamente todas as indústrias, incluindo a farmacêutica, alimentar, química, têxtil, de detergentes, do papel, etc. Neste sentido, a biotecnologia branca pode ajudar em diferentes áreas: Novas fontes de energia e novas tecnologias: Produção de tecnologias limpas ou verdes, como podem ser os processos de biotransformação ou biomateriais que geram resíduos biodegradáveis reduzindo os efeitos tóxicos sobre o meio ambiente (bioplásticos, novos tecidos, materiais para a construção como teias de aranha, etc.). Novas fontes de energia como são os biocombustíveis obtidos a partir de recursos renováveis e menos poluentes que os combustíveis fósseis utilizados atualmente (bioetanol e o biodiesel, ou a biomassa). A substituição destes por biocarburantes supõe uma diminuição das emissões gasosas poluentes. Além Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 26 Biotecnologia Branca disso, por serem biodegradáveis, diminuem o nível do impacto ambiental de derramamentos acidentais. Um dos benefícios mais importantes dos biocombustíveis é a sua contribuição praticamente nula ao aumento de gases com efeito de estufa na atmosfera. Química e Nanobiotecnologia: Os avanços nos conhecimentos biotecnológicos estão a permitir realizar transformações químicas de uma forma mais eficiente e eficaz, utilizando enzimas ou células inteiras desenhadas para otimizar transformações conhecidas e outras ainda por conhecer, que dão lugar a produtos de química básica (como o hidrogénio), biomateriais (como o propanodiol) e de química fina ou bioquímicos (como as vitaminas). Assim, e graças ao desenvolvimento da nanotecnologia, está a começar-se a controlar e a utilizar as moléculas provenientes dos seres vivos como base para produzir novos produtos e serviços (como novos sequenciadores de ácidos nucleicos e proteínas, células artificiais, biossensores...). Fábricas celulares e bioprocessos: Utilizando as células como fábricas e o estudo dos diferentes bioprocessos, estão a ser produzidos todo o tipo de produtos de uma forma mais eficiente ou inovadora. Como novas enzimas para detergentes, degradação ou conservação de materiais, vitaminas, proteínas recombinantes aplicados à saúde ou à alimentação. Limpeza de poluentes: Utilizando plantas e micro-organismos conseguem-se descontaminar águas (lodos ativos e digestões anaeróbias), solos (fitorremediação) e a atmosfera (biofiltros). Melhoria dos processos industriais: Graças à eficiência dos processos biológicos, a biotecnologia ambiental consegue otimizar processos industriais tradicionais ou o desenvolvimento e a geração de outros novos (por exemplo, o uso da bactéria Thiobacillus ferrooxidans nos processos de extração do cobre e ouro). Conservação da biodiversidade: Proporciona ferramentas muito valiosas quanto Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 27 Biotecnologia Branca à identificação, classificação e preservação da biodiversidade. Descoberta e caracterização de novas espécies, especialmente de micro-organismos e fungos; desenvolver e otimizar métodos para a marcação e o controlo de exemplares; conservação da biodiversidade, especialmente no que se refere a diagnósticos veterinários e forenses aplicados à fauna silvestre; análise das vantagens e dos riscos para o meio ambiente dos organismos geneticamente modificados (OGM); utilização respeitável e sustentável da biodiversidade. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 28 Biotecnologia Azul ou Marinha A biotecnologia azul ocupa-se da aplicação de métodos moleculares e biológicos aos organismos marinhos e de água doce. Isto implica o uso destes organismos, e seus derivados, para fins como aumentara oferta de produtos do mar e a segurança, o controlo da proliferação de micro-organismos nocivos transmitidos pela água e o desenvolvimento de novos medicamentos. Aquicultura: Consiste na criação ou cultivo de organismos aquáticos tendo em vista a sua maior produção. Para isso é necessário um estudo minucioso da forma de cultivo e crescimento, criação, dietas e padrões alimentares, patologias, consequências no meio, etc. Por exemplo, as microalgas podem proporcionar uma fonte de alimento fresco para as espécies cultivadas. Deste modo, será possível obter dietas mais adaptadas para as espécies cultivadas que permitam melhorar a produtividade e a qualidade das mesmas. Novas fontes: O mar, uma das zonas menos conhecidas do planeta, é uma fonte potencial de novas espécies e moléculas com capacidade terapêuticas, cosméticas, etc.; novas fontes de energia; novos alimentos e modelos para a descontaminação do meio ambiente ou a biorremediação; biomateriais e estruturas biodegradáveis. Na medicina, por exemplo, espera-se que a biotecnologia azul e a investigação em biologia marinha contribuam para o avanço mediante o desenvolvimento de novas substâncias de origem marinha como compostos bioativos, adesivos, antiadesivos, coloides biocompatíveis, nanoestruturas e materiais porosos. Da mesma forma, existe o potencial de descobrir novas moléculas que alteram a capacidade das células tumorais de se unirem e se multiplicarem ou originarem metástases. Além disso, um grande desafio com o qual os cientistas se deparam atualmente é que se pode isolar uma grande quantidade de compostos inovadores provenientes de invertebrados marinhos. Estudar todas estas moléculas e as suas atividades é muito complicado e requer novas tecnologias em isolamento, identificação, caracterização e técnicas de screening. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 29 Biotecnologia Azul ou Marinha Algologia ou ficologia: O seu estudo e cultura estão a ter como resultado muitas aplicações práticas como biossensores, novos alimentos, biorremediação, cosméticos, produção de novos fármacos, etc. Um dos campos de interesse tem relação com os derramamentos de hidrocarburantes, já que é uma das fontes de contaminação mais importante dos oceanos. Estão a ser desenvolvidos novos dispersores, micro-organismos e enzimas de origem marinha que permitam controlar os derramamentos e favoreçam a sua eliminação. Outro dos campos que está na ordem do dia é o de desenvolver novas fontes de energia não poluentes que ajudem a reduzir as emissões de CO2 e contribuam para o controlo da mudança climática. Neste sentido, as microalgas e as bactérias fotossintéticas constituem uma aposta promissora como fonte para a obtenção de hidrogénio de origem biotecnológica e para a obtenção de biodiesel. Como foi comentado no princípio desta secção, existem várias classificações do conceito de biotecnologia e das suas diferentes aplicações. Uma delas, a cada vez mais utilizada, amplia a classificação anterior (biotecnologia vermelha, biotecnologia verde, biotecnologia branca e biotecnologia azul) em mais duas áreas com os seus respetivos setores de aplicação: Biotecnologia Preta É a biotecnologia que abrange as aplicações e investigações relativas com o bioterrorismo. Trata-se da investigação sobre todos os aspetos relacionados com o bioterrorismo: áreas militares, policiais, de vigilância, luta contra o terrorismo, guerra biológica, entre outros. Biotecnologia Cinza É a biotecnologia relacionada diretamente com o meio ambiente. Divide-se em duas áreas: manutenção da biodiversidade e a eliminação de resíduos poluentes. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 30 Por último, Edgar J. DaSilva difunde a Divisão de Ciências da Vida da UNESCO (2005). Nesta divisão propõe-se uma nova classificação que integra as classificações vistas até agora com quatro áreas novas: biotecnologia dourada, biotecnologia castanha, biotecnologia rosa e biotecnologia amarela: Biotecnologia Dourada Bioinformática e bionanotecnologia. Uso das ferramentas informáticas e modelos computacionais disponíveis na Internet para a conceção de genes, enzimas, vias metabólicas (in silico); bem como também nanoestruturas inovadoras dentro de contextos biológicos. Biotecnologia Castanha É a biotecnologia conhecida como biotecnologia de desertos e zonas áridas, que procura aplicar a biotecnologia neste tipo de terrenos. Biotecnologia Rosa Relativa ao âmbito de patentes, publicações e invenções. Os processos nos que intervém algum organismo vivo ou alguma biomolécula obtida a partir destes são protegidos por patentes. No entanto, ainda é um tema bastante complexo. Biotecnologia Amarela Biotecnologia de alimentos, Ciências da Nutrição. Refere-se ao uso dos organismos vivos e/ou biomoléculas na indústria alimentar. Baseia-se principalmente no uso de enzimas para a produção e processamento dos alimentos. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 31 4. O SETOR DA BIOTECNOLOGIA A NÍVEL MUNDIAL A biotecnologia é uma indústria relativamente nova com um grande potencial de crescimento. O desenvolvimento de novos produtos, um enquadramento regulamentar favorável, o envelhecimento da população e um relativo bom acesso ao capital são fatores que estão a contribuir de forma muito positiva para a sua expansão. Apesar da crise económico-financeira que assola as indústrias a nível mundial desde 2008, o setor da biotecnologia mostra sinais de crescimento desde 2010, após um 2009 que demonstrou sintomas de estagnação e inclusive de leve retrocesso. Em 2012, a biotecnologia atingiu um volume de negócio de 83,4 mil milhões de dólares (Ernst & Young 2012), número semelhante ao registado no ano 2000, quando o negócio biotecnológico estava no seu auge. Parte do sucesso reside em ser uma indústria nascente, que há apenas uma década atrás não existia, pelo que se deram até a data grandes crescimentos. Dado o potencial das aplicações da biotecnologia moderna numa ampla variedade de setores, tais como produtos biofarmacêuticos, plant breeding e a produção biotecnológica dos produtos químicos, a biotecnologia é vista como uma das tecnologias essenciais deste século. Ao mesmo tempo, contribuiu para importantes avanços na ciência básica e é objeto de grandes programas nacionais de incentivo e financiamento. Além disso, a biotecnologia apresenta-se como uma indústria facilitadora de novas oportunidades para fazer frente a muitas necessidades e, portanto, é considerada como um fator importante para o sucesso dos objetivos políticos no crescimento económico e na criação de emprego, na saúde pública, na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento sustentável. É um setor com grandes necessidades de investimento, tanto público como privado. A sua capitalização na bolsa a nível mundial já supera os 376 mil milhões de dólares e espera-se que chegue ao bilião de dólares em 2020. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 32 No entanto, apesar do potencial da biotecnologia, os dados sobre o consumo real da mesma nos diferentes setores da indústria mundial são ainda escassos, mas é certo que nos Estados Unidos da América (doravante EUA) a situação é melhor que no resto do mundo, já que foram pioneiros neste setor. Na atualidade, existe uma crescente preocupação a nível mundial sobre como afetará o setor o agravamento da crise nos últimos anos, não só nos cortes de ajudas públicas, das quais são tão dependentes as empresas baseadas na I&D, sobretudo na União Europeia, mas também em outras indústrias de aplicação ou consumo de biotecnologia. 4.1. O mercado biotecnológico a nível mundial Nesta secção, é realizado um diagnóstico do mercado biotecnológico a nível mundial, prestando especial atenção ao mercado dos EUAe da União Europeia, líderes do setor biotecnológico à escala internacional. Diagnóstico do setor biotecnológico mundial Diagnóstico global de empresas de biotecnologia, 2010-11 (em mil milhões de dólares) 2011 2010 % variação % variação (base normalizada) 10 Dados públicos de empresas Rendimentos 83,4 84,1 -1% 10% Despesas em I&D 23,1 22,6 2% 9% Rendimentos líquidos 3,8 5,0 -24% -5% Capitalização na bolsa 376 401,1 -6% 0,20% Número de trabalhadores 163.630 177.100 -8% 4% Número de empresas 10 As empresasempresas Genzyme, Cephalon e Talecris foram adquiridas por empresasempresas não biotecnológicas, visto que os seus resultados não são considerados para o setor em 2011, realiza-se uma base normalizada para obter uma percentagem de variação ajustada à saída das ditas empresas. 2 Ernst & Young Beyond Borders: Global Biotechnology Report, 2012. Este estudo está focado na análise da situação atual e das tendências da indústria biotecnológica a nível mundial. http://www.ey.com/GL/en/Industries/Life-Sciences/Beyond-borders---global-biotechnology-report-2012 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 33 Empresas públicas (Public companies) 617 629 -2% -1% Fonte: Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. Segundo se conclui do estudo realizado por Ernst & Young Beyond Borders: Global Biotechnology Report 201211, os resultados atingidos pelo setor biotecnológico em 2011 são animadores. Consolida-se a recuperação da indústria biotecnológica que começou em 2010, ano em que o comportamento mostrado pelas empresas biotecnológicas foi muito positivo, iniciando uma drástica recuperação em relação à situação vivida durante 2009, momento em que o setor se viu fortemente afetado pela crise financeira, refletida nos inúmeros cortes sofridos e nas quedas na bolsa das empresas biotecnológicas cotadas no mercado de valores. Com o objetivo de obter uma visão mais realista do comportamento mundial demonstrado pelo setor em 2011, a Ernst & Young constata a saída de três das grandes empresas biotecnológicas americanas, que foram adquiridas por holdings não biotecnológicas. Não representar estas três empresas, Genzyme Corp., Cephalon e Talecris Biotherapeutics, que no seu conjunto contabilizavam rendimentos de 8,5 mil milhões de dólares, afeta negativa e significativamente o comportamento global da indústria biotecnológica neste ano a que se refere o estudo. Portanto, a recuperação em 2011 da indústria da biotecnologia para níveis anteriores à crise de 2008, reflete-se no crescimento dos rendimentos das empresas cotadas na bolsa de valores, rendimentos que regressaram aos dois dígitos pela primeira vez desde que estalou a crise, mostrando uma variação positiva nos rendimentos de 10% entre os anos 2011 e 2010, quando a comparação com os dois anos anteriores se situava num crescimento de 8%, 2010-2009. É certo que estes resultados ainda estão longe das altas taxas de crescimento atingidas pela indústria na década anterior, certamente porque a crise provocou mudanças em aspetos como a prudência dos investidores e a pressão exercida sobre compradores/pagadores, sobretudo em ajustes de preço e pagamento, que é maior. Outro dado que reflete a boa saúde do setor biotecnológico é o referente às despesas em I&D. O investimento em I&D aumentou 9% em 2011, continuando com o crescimento Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 34 mostrado em 2010, somente 2%, e superando completamente o retrocesso vivido em 2009, onde pela primeira vez o orçamento das despesas em I&D diminuiu 21%. Este aumento das despesas em I&D estende-se a todas as categorias da indústria, não se concentrando simplesmente nas grandes empresas do setor. Nos EUA, 62% das empresas aumentaram a despesa em I&D em 2011, em consonância com as tendências históricas, face aos 51% das empresas que aumentaram o orçamento das despesas em I&D em 2010. A situação na Europa é semelhante, 58% das empresas aumentam o I&D em 2011 (face aos 55% em 2010). Por outro lado, os rendimentos líquidos da indústria biotecnológica registaram um ligeiro retrocesso em 2011, consequência das profundas políticas de redução de custos das empresas do setor, iniciadas em 2009 e 2010, que fizeram com que as empresas vissem reduzidos os seus investimentos e, portanto, os seus rendimentos. Além disso, as grandes empresas líderes do setor viram os seus rendimentos líquidos reduzidos por motivos alheios à crise como, por exemplo, a Amgen (780 milhões de dólares por assuntos legais), a Amylin Pharmaceuticals (431 milhões de dólares relacionados com uma aliança estratégica) e a Actelion (407 milhões de dólares fruto de litígios legais). Apesar de os enormes lucros acumulados nos últimos dois anos serem um acontecimento digno de menção, trata-se de uma indústria que tem estado em números negativos ao longo da sua curta história. Uma diminuição dos seus rendimentos líquidos pode ser simplesmente um sinal de que as coisas estão realmente a começar a voltar à normalidade. O mercado biotecnológico nos Estados Unidos (EUA) Diagnóstico do setor biotecnológico nos EUA, 2010-11 (em mil milhões de dólares) 2011 2010 % variação % variação (base normalizada) 12 Dados públicos de empresas Rendimentos 58,8 61,1 -4% 12% 3 As empresas Genzyme, Cephalon e Talecris foram adquiridas por empresas não biotecnológicas, visto que os seus resultados não são considerados para o setor em 2011, se realiza uma base normalizada para obter uma porcentagem de variação ajustado à saída de ditas empresasempresasempresas. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 35 Despesas em I&D 17,2 17,2 0% 9% Rendimentos líquidos (perdas) 3,3 5,2 -36% -21% Capitalização na bolsa 278,0 292,1 -5% 4% Número de trabalhadores 98.560 113.010 -13% 5% Financiamento Capital obtido por empresas públicas (Public companies) 25,4 17,1 49% 49% Número de IPOs 10 15 -33% -33% Capital obtido pelas restantes empresas 4,4 4,4 -1% -1% Número de empresas Número de empresas 1.870 1.914 -2% -2% Fonte: Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. O estudo Ernst & Young Beyond Borders: Global Biotechnology Report 2012, situa os EUA como o país que lidera a indústria biotecnológica mundialmente, a nível de rendimentos, despesas em I&D, rentabilidade, patentes registadas e emprego gerado. A indústria da biotecnologia nos EUA, com rendimentos em 2011 de 58,8 mil milhões de dólares, só tem explorada uma pequena parte das suas numerosas aplicações potenciais. Durante os últimos cinco anos, o seu crescimento anual foi de 2,0% em média. Em 2009, a indústria registou pela primeira vez um saldo líquido positivo nos EUA enquanto os resultados no resto do mundo ainda não superaram a etapa inicial de perdas. Os seus números em 2011 assemelham-se aos resultados globais do setor. As vendas das empresas biotecnológicas americanas cotadas na bolsa de valores contraíram-se principalmente devido à aquisição de empresas como a Genzyme, Cephalon e Talecris por empresas não biotecnológicas e, portanto, os seus resultados não foram considerados para o setor. No entanto, após a normalização destas grandes aquisições, os rendimentos da indústria dos EUA aumentaram 12%, superando a taxa de crescimento de 10% registada em 2010 e 2009. Em termos de rendimentos líquidos, o setor vê um retrocesso Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 36 em cerca de 35% passando de rendimentos líquidos de 5,2 mil milhões de dólares a rendimentos de 3,3 mil milhões de dólares em 2011. Se nos centrarmos no número de empresas ativas em 2011 nos EUA, os valores não são tãonegativos num ambiente de crise mundial como aos que estão submetidas as restantes indústrias. As empresas diminuíram cerca de 2%, número que mostra que a drástica queda produzida em anos anteriores se vê contida e estabilizada, mantendo-se pela primeira vez em níveis estáveis que refletem que o setor sai da crise e volta a ser altamente competitivo. Este crescimento da indústria biotecnológica traduz-se no emprego gerado, que cresce 5% em 2011 (sobre a base normalizada depois das aquisições de grandes empresas biotecnológicas dos EUA) e idêntico ao aumento do quadro em 2010. A biotecnologia nos EUA: Líderes comerciais e outras empresas, 2010-11 (em mil milhões de dólares) 2011 2010 Saldo (US$) % variação Líderes comerciais Rendimentos 48,0 50,3 (2,3) -5% Despesa em I&D 9,2 9,4 (0,2) -2% Rendimentos líquidos (perdas) 10,0 11,5 (1,5) -13% Capitalização na bolsa 190,6 193,4 (2,7) -1% Número de trabalhadores 64.050 79.000 (14,950) -19% Outras empresas Faturação 10,8 10,8 (0,0) 0% Despesas em I&D 7,9 7,7 0,1 2% Rendimentos líquidos (perdas) (6,6) (6,2) (0,4) 6% Capitalização na bolsa 87,0 97,1 (10,1) -10% Número de trabalhadores 34.510 34.010 500 1% Fonte: Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. Com o objetivo de fazer uma análise global sobre a situação das empresas biotecnológicas nos EUA, Ernst & Young elabora uma lista em função das seguintes medidas: rendimentos, despesas em I&D, rendimentos líquidos, capitalização na bolsa e número de empregados. A partir destas medidas a Ernst & Young realiza a classificação de Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 37 dois grandes grupos: por um lado as empresas representativas ou líderes do setor, e por outro, um grupo que contém as restantes empresas. Apesar de o número de líderes comerciais se manter sem mudanças nos últimos 16 anos, as grandes empresas que foram adquiridas por empresas não biotecnológicas (Genzyme, Cephalon e Talecris) eram bem maiores que as três empresas que as substituíram. Como resultado, estas aquisições tiveram um impacto significativo no rendimento generalizado dos líderes comerciais da indústria. Sobre a base normalizada (isto é, a eliminação das três empresas adquiridas e a substituição destas por três líderes comerciais novos a partir dos números obtidos em 2010 e 2011), os rendimentos dos líderes comerciais cresceram 9% e as despesas de I&D aumentaram 4%. No entanto, a rentabilidade líquida diminuiu 7%. As grandes empresas concentram 64.050 trabalhadores, 19% menos que os trabalhadores registados em 2010, resultado menor devido à substituição das três empresas adquiridas por empresas não biotecnológicas, citadas anteriormente, por outras empresas de menor dimensão. No que se refere à capitalização na bolsa de valores, o valor das empresas líderes supera os 190 mil milhões de dólares, enquanto o resto das empresas biotecnológicas incluídas no restante grupo rondam os 90 mil millhões de dólares. O desempenho das outras sociedades - a grande maioria de pequenas e médias empresas cotadas na bolsa de valores - foi relativamente plano, sem mudanças substanciais nas medidas estabelecidas, sobretudo no que se refere aos rendimentos, às despesas de I&D e à perda líquida. Os rendimentos destas empresas situaram-se em 10,8 mil millhões de dólares, com uma despesa em I&D de 7,9 mil millhões de dólares. A perda líquida aumenta 0,4% com respeito a 2010, justificado pelos fortes investimentos que realizam estas empresas para incrementar futuras potencialidades. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 38 Um ponto a destacar é o número de trabalhadores. Enquanto nas empresas líderes diminui, o número de empregados no grupo de empresas de menor dimensão aumenta até situar-se em 24.510 empregos. O mercado biotecnológico na União Europeia (UE) Diagnóstico do setor biotecnológico na UE, 2010-11 (em milhões de dólares) 2011 2010 % variação Dados públicos de empresas Rendimentos 18.911 17.233 10% Despesas em I&D 4.921 4.513 9% Rendimentos líquidos (perdas) (0,3) (568) -100% Capitalização na bolsa 71.519 78.639 -9% Número de trabalhadores 48.330 46.450 4% Financiamento Capital obtido pelas empresas públicas (Public companies) 1.570 2.407 -35% Número de IPOs 6 10 -40% Capital obtido pelas restantes empresas 1.321 1.371 -4% Número de empresas Número de empresas 1.883 1.928 -2% Fonte: Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. A Europa conta atualmente com uma forte e crescente indústria biotecnológica. A União Europeia (UE) considera a biotecnologia como uma das indústrias chave para o crescimento da sua economia e de potencial para o desenvolvimento de emprego. É por isso que procura incentivar esta indústria através de políticas específicas para o setor e programas nacionais de financiamento de investigação. Segundo se conclui do estudo realizado por Ernst & Young, Ernst & Young Beyond Borders: Global Biotechnology Report 2012, na Europa, como nos EUA, o setor biotecnológico continua com a tendência positiva iniciada em 2010, quando voltou ao caminho do crescimento depois de uns anos, 2008 e 2009, de desaceleração fruto da crise económico-financeira mundial. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 39 Este crescimento reflete-se nos rendimentos da indústria biotecnológica que atingiram os 18.911 milhões de dólares, 10% mais que em 2010 e 19% mais que em 2009. Por sua vez, as despesas em I&D, que tinham diminuído 2% em 2009 e aumentado ligeiramente 5% em 2010, aumentou de forma drástica em 2011, 9% mais que no ano anterior. A diferença mais significativa sobre a boa saúde do setor refere-se às perdas líquidas. As empresas biotecnológicas europeias refletiram uma perda líquida de 0,3 milhões de dólares, quando em 2010 este número atingia os 568 milhões de dólares, uma percentagem que se reduziu em mais de 100%, situando o setor à beira da rentabilidade agregada pela primeira vez na sua história. Apesar de o número de empresas se ter reduzido sensivelmente, somente 2%, o número de empregados aumentou 4%, situando-se em 48.330 empregados, face a 1% em 2010 e 2009, outro índice realmente positivo. A biotecnologia na UE: Líderes comerciais e outras empresas, 2010-11 (em milhões de dólares) 2011 2010 Saldo (US$) % variação Líderes comerciais Rendimentos 15.522 13.042 2.480 19% Despesas em I&D 2.641 2.100 541 26% Rendimentos líquidos (perdas) 2.024 1.429 595 42% Capitalização na bolsa 51.667 48.697 2.970 6% Número de trabalhadores 33.570 30.970 2.600 8% Outras empresas Faturação 3.389 4.191 (802) -19% Despesas em I&D 2.280 2.413 (133) -6% Rendimentos líquidos (perdas) (2.024) (1.997) (27) 1% Capitalização na bolsa 19.852 29.942 (10.090) -34% Número de trabalhadores 14.760 15.480 (720) -5% Fonte: Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 40 Como na mesma secção desenvolvida para os EUA, com o objetivo de fazer uma análise global sobre a situação das empresas biotecnológicas nos EUA, a Ernst & Young elabora uma lista em função das seguintes medidas: rendimentos, despesas em I&D, rendimentos líquidos, capitalização na bolsa de valores e número de empregados. A partir destas medidas, a Ernst & Young realiza a classificação de dois grandes grupos: por um lado as empresas representativas ou líderes do setor, e por outro, um grupo que contém as restantes empresas. Nos EUA, a lista de líderes comerciais sofreu mudanças significativas devido a algumas sociedades terem sido absorvidas e outras superaram o limite fixado para estabelecer a diferença entre empresas líderes e convencionais. Na Europa, no entanto, a lista dos líderes comerciais - Actelion, Elan Corporation, Eurofins Scientific,Ipsen, Meda, Novozymes, Qiagen e Shire, entre outros - não mudou desde 2007. Em 2011, o rendimento destes líderes comerciais contrastava fortemente com o do resto da indústria. Os rendimentos dos líderes comerciais aumentaram 19%, enquanto as das outras empresas diminuíram numa percentagem idêntica, -19%. O mesmo padrão repete-se em todos os indicadores principais, mostrando a boa situação dos líderes comerciais e o ligeiro retrocesso das restantes empresas: As despesas em I&D das grandes empresas aumentam 26%, no resto da indústria diminui 6% Os rendimentos líquidos são positivos nos líderes do setor, aumentando em 42% em relação ao ano anterior, enquanto as restantes empresas registam perdas líquidas no valor de 2.024 milhões de dólares. A capitalização na bolsa de valores é de 51.667 milhões de dólares, enquanto no resto da indústria é de 19.852 milhões de dólares. Ambos os grupos geram cerca de 50.000 postos de trabalhos. Resumo comparativo em função dos principais indicadores biotecnológicos analisados Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 41 Os rendimentos das empresas biotecnológicas a nível mundial em 2011 foram cifrados em 83,4 mil milhões de dólares, dos quais 57% (48 mil milhões de dólares) provêm dos rendimentos obtidos por empresas dos EUA, e 22% (18,9 mil milhões de dólares) por empresas provenientes da UE. Estes rendimentos supõem 1% menos em relação a 2010. Fonte: Elaboração própria com dados Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. As despesas destinadas a I&D a nível mundial em 2011 ascenderam a 23,1 mil milhões de dólares, 2% mais que em 2010. O orçamento de despesas em I&D das empresas dos EUA ascende a 17,2 mil milhões de dólares, representando 74% sobre a despesa mundial em I&D. O orçamento de despesas em I&D das empresas da UE ascende a 4,9 mil milhões de dólares, representando 21% sobre a despesa mundial em I&D. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 42 Fonte: Elaboração própria com dados Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 43 Resumo comparativo em função dos principais indicadores biotecnológicos analisados A capitalização mundial, na bolsa de valores, das empresas biotecnológicas já supera os 376 mil milhões de dólares, dos quais 278 mil milhões de dólares é o valor de capitalização das empresas dos EUA, e 71,5 mil milhões de dólares correspondem ao valor de capitalização das empresas da UE. Fonte: Elaboração própria com dados Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. O número de emprego gerado pelas empresas biotecnológicas a nível mundial ascende a 163.630 trabalhadores.Nos EUA, o valor está fixado em 98.560 postos de trabalho gerados, enquanto na UE o número de trabalhadores é de 48.330. Estes números são ligeiramente inferiores aos obtidos em 2010. Fonte: Elaboração própria com dados Ernst &Young e dados das demonstrações financeiras de empresas. 4.2. Número de empresas biotecnológicas por países, ano 2011 ou último ano disponível Para entender os dados apresentados na seguinte tabela informativa desenvolvida pela OCDE, é necessário ter em conta a seguinte informação: Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 44 Empresas biotecnológicas (biotech firms): Empresas que utilizam/consomem biotecnologia para produzir bens ou serviços e/ou para realizar I&D biotecnológica. Empresas cuja atividade principal é a biotecnologia (Dedicated biotech firms): Empresas cuja atividade principal consiste na aplicação de técnicas de biotecnologia para produzir bens ou serviços e/ou para realizar I&D biotecnológica. Biotech R&D firms: Uma empresa que realiza a biotecnologia de I&D. Países Número de empresas biotecnológicas Empresas cuja atividade principal é a biotecnologia Ano Tipo de empresas biotecnológicas predominantes % Dedicado à biotecnologia EUA 6.213 2.370 2009 Biotech R&D firms 38% Espanha 1.715 617 2010 Biotech firms 36% França 1.481 941 2010 Biotech R&D firms 64% Coreia 885 325 2010 Biotech firms/Dedicated biotech R&D firms 37% Alemanha 678 552 2011 Biotech firms 81% Austrália 527 384 2006 Biotech firms 73% Japão 523 .. 2010 Biotech firms .. Reino Unido13 488 .. 2011 Biotech firms .. Nova Zelândia 369 135 2011 Biotech firms 37% Suíça 288 156 2008 Biotech R&D firms 54% Itália 265 146 2010 Biotech firms/Dedicated biotech R&D firms 55% Países Baixos 14 262 65 2010 Biotech R&D firms 25% Irlanda 237 193 2011 Biotech R&D firms 81% Israel 233 216 2010 Biotech R&D firms 93% Bélgica 224 .. 2010 Biotech firms .. Noruega 192 .. 2010 Biotech R&D firms .. Dinamarca 157 66 2009 Biotech R&D firms 42% Finlândia 157 70 2011 Biotech R&D firms 45% Suécia 5 129 65 2011 Biotech R&D firms 50% Portugal 121 51 2010 Biotech R&D firms 42% Áustria 113 77 2010 Biotech firms 68% República Checa 112 77 2011 Biotech R&D firms 69% Polónia 91 31 2011 Biotech firms 34% 13 Para o Reino Unido, estima-se que 66% das empresas de biotecnologia realizam atividades de I&D. 14 Para os Países Baixos e Suécia, somente estão relacionadas na tabela aquelas que contam com 10 ou mais empregados. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 45 África do Sul 78 38 2006 Biotech firms 49% Estónia 45 34 2011 Biotech R&D firms 76% Eslovénia 15 33 14 2011 Biotech R&D firms 42% República Eslovaca 15 13 2011 Biotech R&D firms 87% Fonte: OCDE, Biotechnology Statistics Database, dezembro de 2012 4.3. Registo de patentes internacionais PCT em matéria de biotecnologia Dos últimos dados apresentados pela OCDE em dezembro de 2012 relativos a patentes internacionais PCT, conclui-se que os EUA ocupam a primeira posição como o país que mais registou patentes entre os anos 2008-2010, com 41% de patentes apresentadas em virtude do PCT sobre o total. Em seguida, encontra-se a União Europeia (UE) com 28% das patentes registadas: Alemanha (6,8%), França (4,80%) e Espanha (1,79%) lideram na UE neste aspeto. O Japão, com 11,5% de patentes registadas, e a BRICS, sigla utilizada para referir-se conjuntamente aos países representados pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com 5,3%, seriam os países mais representativos em patentes biotecnológicas depois dos EUA e da UE. Participação dos países em patentes internacionais biotecnológicas em virtude do PCT, 2008-10 Classificação dos 26 primeiros países com maiores percentagens de patentes internacionais biotecnológicas % EUA 40,96 UE 27 27,95 Japão 11,49 Alemanha 6,77 BRICS 5,30 França 4,80 Reino Unido 3,92 Coreia 3,74 China 3,12 Canadá 2,64 Países Baixos 2,44 15 Para a Eslovénia os dados são provisórios. Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 46 Espanha 1,79 Itália 1,68 Austrália 1,68 Dinamarca 1,60 Suíça 1,50 Israel 1,49 Bélgica 1,29 Suécia 1,21 Índia 1,11 Áustria 0,76 Singapura 0,70 Finlândia 0,57 Rússia 0,48 Brasil 0,41 Nova Zelândia 0,38 Noruega 0,35 Irlanda 0,32 Taipé Chinês 0,28 Fonte: OCDE, Patent Database, dezembro de 2012 Caracterização do Setor BIOTECNOLOGIA 47 5. DIAGNÓSTICO DO SETOR BIOTECNOLÓGICO EM PORTUGAL. ANÁLISE DOS PRINCIPAIS INDICADORES Neste capítulo, pretende-se medir a situação da indústria biotecnológica através da análise de uma série de indicadores que nos aproximem da realidade da mesma. O objetivo é examinar o número de empresas que fazem parte da cadeia de valor da indústria biotecnológica classificando-as pelas áreas dependentes do seu setor de aplicação, biotecnologia vermelha, biotecnologia
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