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4 PACOTES DE VALOR GERADOS E ENTREGUES PELAS OPERAÇÕES – COMPOSTOS BENS- SERVIÇOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM »Entender como hoje os “pacotes de valor” entregues pelas empresas aos clientes incluem um composto de bens físicos e serviços; »Entender as implicações, para a gestão de operações, do significado da expressão “o cliente precisa de furos e não de brocas”, uma importante tendência no mercado; »Entender e saber explicar por que a tradicional dicotomia produtos – serviços pode atrapalhar análises de operações; »Ser capaz de aplicar na prática uma nova forma de classificar operações baseada em quatro variáveis relevantes para a sua gestão. 4.1INTRODUÇÃO Não basta vender. É preciso influenciar o negócio do cliente. Depois de oito meses de reuniões, análises e discussões, essa foi a solução que os executivos da Saint-Gobain encontraram para aumentar a participação no mercado. A empresa é líder mundial na fabricação de abrasivos – peças que provocam atrito, como rebolos ou lixas, e servem para moldar, alisar, tirar arestas dos produtos. Desde novembro de 2002, a Saint-Gobain, com sede em Guarulhos, em São Paulo, passou a propor um desafio a seus clientes: reduzir o custo com abrasivos. Sim, ela se compromete a ajudar o cliente a gastar menos com aquilo que ela mesma produz. “Nossa proposta é fazer uma análise de tudo que é usado na empresa, gerenciar as ferramentas e garantir uma redução substancial no custo de retificação”, diz Paulo Botelho, gerente de mercado da Saint-Gobain. “Transferimos para nós toda a responsabilidade e preocupação de sermos eficientes e atingirmos a redução estabelecida.” Trata-se de um contrato de risco. Se a equipe da Saint-Gobain cumprir o acordo de redução, ótimo: ganha a confiança e a fidelidade do cliente, que passa a usar somente os produtos dela na linha de fabricação. Caso eles não consigam dar conta do recado e ultrapassem o limite de gastos, terão de contabilizar o prejuízo sozinhos. A Saint-Gobain inicialmente realizou a experiência em São José dos Campos, na Eaton, fabricante de autopeças. Lá, a empresa instalou uma sala própria e colocou um de seus engenheiros para fazer todo o acompanhamento do processo – desde a retirada dos abrasivos das embalagens até a utilização dos produtos. Depois de estudar todas as máquinas da Eaton eidentificar a necessidade do negócio, fornecedora e cliente traçaram um acordo: diminuir em 5% o custo com abrasivos. A parceria está dando certo para os dois lados. Enquanto a Eaton já percebe uma redução no índice de quebras dos abrasivos, a Saint-Gobain conquistou todo o estoque da empresa. Não há produto de nenhum concorrente ao lado dos seus. Antes do programa, a participação da Saint-Gobain na Eaton era de aproximadamente 40% em abrasivos convencionais e menos de 10% nos chamados superabrasivos. Para a Eaton, a permanência de um profissional especializado ajudou não somente a reduzir os desperdícios, mas também a mostrar a melhor forma de manusear os equipamentos. “Há uma espécie de treinamento interno para os nossos funcionários”, diz Antonio Carlos Cali, gerente de manufatura da Eaton. “Embora no começo já dê para notar melhorias em todo o processo, o que sinaliza que esse é o caminho a ser seguido também no futuro.” A necessidade de reduzir o custo do cliente para atingir sua própria meta levou a Saint-Gobain a prestar atenção em tudo que pode significar desperdício. “Só depois do programa percebemos o quanto gastávamos com embalagens”, diz Botelho. “Hoje, mudamos o material que embala os abrasivos, permitindo uma despesa muito menor.” A Saint- Gobain já tem duas parcerias em vista para o próximo ano. “Nossa tendência é deixar de olhar tanto para a venda”, diz Botelho. “Devemos aproveitar nosso conhecimento para prestar um serviço ao cliente.” (Fonte: Exame, 29 ago. 2003). Para refletir Em sua opinião, qual o interesse de uma empresa manufatureira como a Saint-Gobain disparar iniciativas como a descrita no artigo? Reflita sobre os prós e contras desta iniciativa. Reflita sobre as alterações que os gestores de operações da Saint-Gobain devem considerar para conseguir, com sucesso, alterar o pacote de valor oferecido a seus clientes, como a Eaton. Considere a situação apresentada no artigo. A Saint-Gobain é uma fornecedora de bens físicos ou de serviços? Neste capítulo, será tratada a questão dos pacotes de valor gerados e entregues pelas operações. Serão discutidas as parcelas “bens físicos” e “serviços”, presentes na maioria dos pacotes de valor das empresas de hoje e do futuro, assim como as diferenças essenciais que devem ser observadas na gestão de operações quando se geram e entregam “bens físicos” e quando se geram e entregam “serviços”. Os temas tratados referem-se, genericamente, às partes enfatizadas em preto no quadro geral apresentado e descrito no Capítulo 1 e reproduzido na página seguinte. 4.2CONCEITOS 4.2.1OS PACOTES DE VALOR BENS-SERVIÇOS As operações existem, são projetadas e gerenciadas para gerar e entregar pacotes de valor para seus clientes. Desses pacotes de valor constam bens físicos e aspectos sem materialidade, ou, como referido na literatura tradicional, “serviços”. Pense, por exemplo, no pacote de valor gerado e entregue por um fabricante de veículos: consta de um bem físico, o automóvel, e de um conjunto de aspectos menos “materiais”: Quadro geral de referência de gestão estratégica de operações com aspectos tratados no Capítulo 4 enfatizados em preto. a disponibilidade de peças sobressalentes e de profissionais habilitados para executar reparos, linhas telefônicas de SAC (Sistemas de Atendimento ao Cliente) para tirar dúvidas, prestar apoio e outros. Pense agora numa companhia aérea: o pacote de valor gerado e entregue inclui o transporte aéreo em si (não “ma-terial”), mas inclui também uma refeição servida a bordo (que é um bem físico). Independentemente de entrarmos no mérito da questão de relevância das partes mais e menos materiais no pacote de valor das várias operações, uma coisa é certa: o gestor da operação não pode se furtar às atribuições de gerenciar os recursos escassos que gerarão e entregarão, tanto as partes mais materiais como as menos materiais, com todas as implicações que isso representa. Isso é um fato. Outro aspecto a considerar nesta discussão, que ganha força no mundo empresarial, é uma abordagem de negócio que pode ter implicações importantes para a gestão das operações. Essa abordagem pode ser ilustrada por esta frase: “O cliente, em muitas situações, não precisa de brocas, mas de furos.” Se o fornecedor “condenar” esse cliente a ter a propriedade da broca para conseguir o furo de que necessita, ele comprará a broca, mas, em muitas situações, se ele tiver a opção disponível, ele preferirá comprar o furo, ou seja, o benefício que a broca traz, e não a broca em si. Isso porque “fazer furos” pode não se encontrar entre as atividades principais do cliente e ser forçado a fazer furos pode exigir que o cliente tenha pessoal especializado em fazer furos, e isso pode significar dispersão de esforços importantes que poderiam, de outra forma, ser alocados às atividades principais. A White Martins, por exemplo, era um tradicional fabricante brasileiro de gases industriais, hoje parte do conglomerado Praxair. De fornecedor de produtos comoditizados (sem diferenciação de marca ou especificações), como oxigênio, por exemplo, passou, no início dos anos 2000, também a oferecer serviços de corte de chapa, processo que utiliza grande quantidade de oxigênio. Com isso, criou a possibilidade de seus clientes concentrarem-se em suas atividades principais, por exemplo, manufatura dos produtos que se utilizam de chapas cortadas – alguns de seus clientes não precisam de oxigênio, precisam do corte das chapas. O movimento que, a exemplo da GE e da Praxair, muitas empresas têm feito no sentido de oferecer “furos” e não “brocas”serve a pelo menos três propósitos: 1.diferenciação: favorece a “descomoditização” dos produtos. Produtos comoditizados, por serem produtos sem diferenciação de especificação, projeto ou marca, estão muito sujeitos à competição por preço. Isso leva as empresas que trabalham nesses mercados a terem lucratividade relativamente baixa. Ampliando a oferta de forma a oferecer mais serviços agregados – o corte de chapas, por exemplo –, criam-se as condições mais favoráveis para que maior diferenciação em relação à concorrência ocorra. Com isso, a empresa diferencia-se via serviços associados ao bem, podendo aumentar sua lucratividade; 2.retenção: a redefinição da empresa no sentido de oferecer o “benefício do uso do produto”, em vez de simplesmente o produto, auxilia numa transformação considerada crescentemente desejável para empresas envolvidas num ambiente competitivo: a transformação de uma relação comercial baseada em “transações isoladas” para uma relação comercial baseada em “relacionamento” com seus clientes. Isso porque, quando se estabelece um contrato que oferece um benefício continuado com o uso de determinado bem, gera-se um fluxo continuado futuro de negócios e correspondentemente um fluxo continuado de interações, receitas e, enfim, de relacionamento. A vantagem disso é que, num relacionamento continuado, fica facilitada a obtenção da chamada retenção do cliente, mais difícil quando a relação de negócios é de transações isoladas de compra e venda de um bem. O benefício disso é que clientes retidos são mais lucrativos; 3.proteção da operação manufatureira: quando se assume a responsabilidade por fornecer o “furo” e não a “broca”, assumem-se também outras responsabilidades. Uma delas, por exemplo, é a responsabilidade pela escolha do fornecedor da broca que será usada para fazer o furo. Isso serve ao propósito de “proteger” a atividade de manufatura do fornecedor. Exemplificando: quando a Praxair passa a fornecer serviços de corte de chapa, ela puxa para si também a responsabilidade pela atividade de suprimentos para a atividade de corte de chapa. Isso significa que passa a ficar sob sua responsabilidade a escolha do fornecedor de oxigênio para essa tarefa. Evidentemente, se a White Martins é uma fabricante de gás, dará preferência ao fornecedor Praxair. Isso fecha importantes oportunidades para a concorrência (outros fornecedores de oxigênio), diminuindo a chance de perda de fatias de mercado pela infidelidade dos clientes. Para refletir Se você pesquisar os websites da Praxair e da GE, notará que a GE continua a prestar os serviços descritos acima, mas que a Praxair voltou a fornecer apenas seus produtos e serviços diretamente relacionados com o fornecimento de gases. Dadas as vantagens listadas acima de “fornecer furos em vez de brocas”, por que você imagina que a Praxair aparentemente reverteu sua iniciativa dos anos 2000? Pense, por exemplo, nas dificuldades operacionais de tornar-se um fornecedor de serviços. Evolução do pensamento sobre os “pacotes de valor” A lógica e a ótica segundo as quais se enxergam as operações que produzem o que tradicionalmente se chama “serviços” e o que tradicionalmente se chama “produtos (físicos)” passaram, ao longo da história, por fases. Inicialmente, ainda no século XVIII, com o pioneirismo de Eli Whitney no desenvolvimento da lógica de intercambialidade de peças, passando por empreendedores importantes como Samuel Colt e Singer ao longo do século XIX e por Frederick Taylor, o Fordismo e as técnicas que embasaram o estabelecimento da produção em massa norte- americana na primeira metade do século XX (veja o Capítulo 1 para uma descrição mais detalhada da evolução da área de gestão de operações), é possível perceber que a origem da área de gestão de operações: 1.centrou-se em operações de manufatura; 2.visava permitir o desenvolvimento da produção de bens em larga escala, e teve nisso grande sucesso. Tão grande foi o impacto desses desenvolvimentos do início do século, principalmente na indústria automobilística, que um dos mais interessantes livros sobre a indústria automobilística chama-se, provavelmente de forma apropriada, A máquina que mudou o mundo (Womack et al., 1990). O que queremos dizer é que os desenvolvimentos dos eventos até a metade do século XX levaram a área de gestão de operações a ter enfoque eminentemente industrial, concentrando-se em operações fabris. A partir de meados do século XX, em torno dos anos 60, começa-se a notar que a economia terciarizava-se (a geração de renda dos países passava a ser crescentemente por empresas do setor terciário da economia, ou seja, o setor de serviços). Ora, se grande parte do produto nacional bruto dos países passa a ser devido à geração de riqueza ligada a operações de serviço, fazia sentido que algum esforço fosse feito para que se sistematizassem formas de gestão mais eficientes e eficazes para as operações que geram serviços. Datam dessa fase, aproximadamente, os primeiros trabalhos que visavam desenvolver técnicas para melhor gerenciar operações de serviços. O caminho trilhado por esses desenvolvedores foi o esperado: como havia uma área do conhecimento (a gestão de operações fabris) já com mais de um século de desenvolvimento que carregava certo grau de similaridade com a área carente de desenvolvimento (gestão de operações de serviços), os esforços iniciais centraram-se em tentativas de adaptar técnicas de gestão fabril à gestão de operações de serviços. Afinal, operações de serviços, a exemplo das operações fabris, também têm de lidar: »com a gestão de estoques (num hospital, por exemplo, o segundo item geral de dispêndio é exatamente o de gastos com materiais); »com a gestão de capacidade produtiva e sua conciliação com a demanda (imagine o problema, por exemplo, de uma linha aérea, com investimentos enormes em capital para capacidade produtiva, lidando com uma demanda cíclica que alterna grande procura na chamada alta estação com baixa procura na baixa estação); »com a gestão de filas e fluxos (pense na gestão de fluxos de clientes num grande parque temático); »com a gestão de qualidade (imagine a preocupação do gestor de operações do McDonald’s com a prestação de serviços no mundo inteiro ser consistentemente conforme as especificações), entre outros. Logo, entretanto, ficou claro que, embora houvesse alguma similaridade entre operações de serviço e operações fabris, havia também importantes diferenças: »se é verdade que estoques são relevantes para muitas operações de serviços, é verdade também que, enquanto em operações fabris podem-se estocar e transportar os produtos, em serviços isso pode não ser possível (pense na tentativa de um hospital estocar atendimentos de emergência para enviá--los a clientes no exterior); »quanto à capacidade produtiva, diferentemente de operações fabris, é necessário que as operações de serviços tenham capacidade muito próxima da demanda em cada momento (a Bauducco começa a produzir seus panetones em setembro, mantém um ritmo mais ou menos constante de produção para acumular panetones de forma a atender ao pico de demanda do Natal – agora pense no absurdo que seria uma companhia aérea acumular assentos transportados durante toda a baixa estação para atender ao pico de demanda da alta estação); »é certo que filas e fluxos têm de ser gerenciados tanto em operações fabris como de serviços, mas, se em operações fabris esses fluxos e filas são predominantemente de materiais sendo fisicamente transformados, em serviços as filas e fluxos são frequentemente de clientes, muitas vezes pessoas. E pessoas têm aspectos psicológicos a serem considerados, enquanto bens materiais, não. Claro que em operações de serviços a gestão de qualidade também é importante, mas é certo também que, em serviços, a qualidade percebida pelo cliente tem muito mais a ver com a “experiência” do serviço, algo muitas vezes dedifícil tratamento objetivo. Mesmo questões aparentemente objetivas, como o tempo de atendimento (que é cronometrável), muitas vezes têm de ser tratadas com cautela, pois os mesmos cinco minutos para uma pessoa podem parecer uma eternidade, e para outra (ou para a mesma pessoa em outra situação) pode parecer um tempo curto de atendimento. Dadas essas constatações, não tardou para que uma segunda fase de desenvolvimento de livros, artigos e técnicas surgisse, agora respeitando mais as diferenças entre produtos e serviços. Isso não significa tratar ambos os tipos de operação como se fossem água e vinho, pois não são. Na verdade, em termos de operações, a divisão estrita entre operações de serviço e operações de manufatura (ou fabris) é falaciosa. Vejamos por quê. 4.2.2A FALÁCIA DA DICOTOMIA BENS-SERVIÇOS As empresas, vivendo num ambiente competitivo como o de hoje e do futuro, visam oferecer a seus clientes um “pacote de valor”. Esse pacote inclui parcelas normalmente consideradas como serviços e parcelas normalmente consideradas como bens ou produtos físicos. Uma empresa aérea oferece predominantemente valor relacionado a transporte, mas no pacote de valor oferece também revista, refeições e possivelmente outros bens físicos. Uma concessionária de veículos oferece o serviço de diagnóstico e instalação, mas vende também as peças sobressalentes necessárias, que são bens físicos. Nota-se que a parcela do valor oferecido referente aos bens físicos e aos serviços varia conforme o negócio analisado. O esquema da Figura 4.1 tenta ilustrar essa ideia. FIGURA 4.1Pacotes de valor entregues ao cliente variam na proporção entre produtos físicos e serviços. O fato de a maioria das empresas oferecer um pacote de valor que inclui serviços e produtos físicos implica que o gestor de suas operações não pode esquivar-se de gerenciar tanto as operações que geram a parte “serviço” como as operações que geram a parte “bem físico”. Entretanto, cremos que essa dicotomia entre serviços e produtos físicos pode levar a decisões e encaminhamentos equivocados. Tradicionalmente, os autores colocavam três principais diferenças entre produtos e serviços: »serviços teriam de ser produzidos e consumidos simultaneamente; produtos, não; »serviços precisariam da presença do cliente para serem produzidos; produtos, não; »serviços seriam intangíveis, produtos seriam tangíveis. Analisemos cada uma delas. Veremos que as coisas na realidade não são tão simples. Simultaneidade de produção-consumo e suasimplicações Quais as implicações da simultaneidade de produção-consumo em serviços, para a gestão de operações, segundo a visão tradicional? Uma delas é que serviços não seriam estocáveis, enquanto produtos, sim. Isso traz implicações importantes para a gestão de capacidade e de demanda. Imagine uma empresa que tenha que atender a um mercado sazonal, com demanda muito mais alta nos meses de verão que de inverno. Imagine, por exemplo, a produção de sorvete. Três opções genéricas e extremas (não considerando as numerosas opções intermediárias) estão abertas ao gestor de operações a cargo de gerenciar a conciliação entre capacidade e demanda. Seguimento da demanda, com a capacidade: o primeiro caso ilustrado no gráfico do lado esquerdo da Figura 4.2 ilustra uma estratégia de seguimento de demanda, ou seja, o plano de produção é tal que quantidades semanais iguais às demandas semanais, para cada semana, são feitas. A vantagem dessa estratégia é evitar a formação de estoques, mas também há desvantagens: para ser capaz de produzir a uma taxa igual às altas taxas do pico da demanda, é necessário que a unidade produtiva tenha capacidade instalada que suporte essas altas taxas de produção no pico. Isso pode representar altos custos de ociosidade durante o período de “vale” (ou “baixa”) de demanda. Nivelamento de produção: o segundo caso, ilustrado no gráfico do meio, na Figura 4.2, apresenta uma alternativa diametral ao primeiro caso: uma política de manter a produção nivelada ao longo do período. Isso implicaria estocar sorvete durante os meses de baixa demanda e usar esse estoque para atender à demanda alta dos meses de pico. Os custos com estocagem ficam maiores, mas os custos com a ociosidade ficam menores, pois não é necessário ter capacidade produtiva instalada tão grande, conforme ilustra a Figura 4.2. Ações sobre a demanda: consiste numa estratégia de tentar agir sobre a demanda para que ela fique mais nivelada ao longo do ano. Uma possibilidade é a produção de sobremesas com base em sorvetes de maior teor de gordura e tentar criar o hábito de os consumidores consumirem esses produtos mesmo nos meses de inverno. Isso, para garantir melhor ocupação dos recursos produtivos durante os meses de demanda menor. Exemplos, além das sobremesas de sorvete, são as cervejas Bock (para tentar criar o hábito de consumo de cervejas mais encorpadas no inverno), a Colomba Pascal (para criar um hábito de consumo de produtos parecidos com panetone mesmo fora do período de Natal), entre outros. FIGURA 4.2Opções extremas abertas para gestão de capacidade × demanda em produtos físicos. Um exemplo de serviço é a hotelaria em locais de veraneio, que desenvolvem pacotes promocionais para empresas interessadas em locais para eventos mesmo fora dos meses de férias ou fora dos fins de semana. Das três opções abertas para o gestor de operações que lida com produtos físicos, apenas duas estão disponíveis para o gestor de operações que geram serviços (ver Figura 4.3). Seguimento de demanda: pela impossibilidade de estocar os serviços de hospedagem produzidos, os hotéis têm necessariamente que ter quartos disponíveis nas quantidades demandadas a cada dia. Nivelamento de produção: impossível pela característica de geração e consumo simultâneos dos serviços: a “produção” do fornecimento de acomodação acontece ao mesmo tempo que essa acomodação está sendo “consumida”. FIGURA 4.3Opções extremas abertas para gestão de capacidade × demanda em serviços. Ações sobre a demanda: bastante utilizadas em hotelaria, com promoções de preços diferenciados para baixa estação e desenvolvimento de serviços com sazonalidade cruzada (ou invertida), como, por exemplo, o oferecimento das instalações dos hotéis para serem usados em eventos por executivos durante a baixa estação. Essa redução das opções gerenciais abertas (não se pode usar o “elemento gerencial” estoque) é uma implicação importante da simultaneidade entre produção e consumo dos serviços. Entretanto, é excessivamente simplificante dicotomizar e assumir que os produtos são estocáveis e, portanto, políticas de nivelamento de produção podem ser usadas livremente. Como será visto, essa dicotomia carrega um pressuposto forte. Analisemos a opção do meio da Figura 4.2, reproduzida na Figura 4.4.menos meio ciclo, na situação ilustrada. Com sazonalidade anual, isso pode significar um prazo de duração (validade) mínimo de seis meses. Mas e se o produto tiver sazonalidade com período longo e, simultaneamente, tiver prazo de validade curto? Evidentemente, o uso dessa política ficará menos possível. Analisemos vários produtos com prazos de validade diferentes. Nesse caso, o prazo de validade é um indicador de quanto (ou por quanto tempo) o produto pode ser estocado, ou, em outras palavras, da estocabilidade do produto. Veja a Figura 4.5 para alguns exemplos. FIGURA 4.4Opção de nivelamento da produção. Observe o “contínuo” definido pelo gráfico da Figura 4.5. Os serviços passam a ocupar uma posição particular: o extremo em que o prazo de “validade” é zero. Isso porque necessariamente o serviço tem de ser produzido e consumido simultaneamente. Isso não quer dizer que desse ponto em diante possamos tratar todos os produtos como se fossem homogêneos, como se fossem todos igualmente “estocáveis” – eles não são. Pense num produto físico, como o BigMac, carro-chefe dalanchonete McDonald’s. Não adianta um gerente de loja saber que a demanda apresentará um pico no horário de almoço – ele continuará impossibilitado de usar a política de nivelamento de produção (por exemplo, produzindo uniformemente durante a manhã e acumulando BigMacs para serem servidos no pico do almoço). As taxas de produção terão, em virtude do prazo curtíssimo de validade (depois de alguns minutos de produzido, o BigMac que não foi consumido é necessariamente destruído por política de qualidade), que ser muito próximas das taxas de demanda. Isso aproxima a gestão das operações que produzem um produto físico como o BigMac da gestão de um serviço, pois ambos estão próximos no “contínuo” de prazos de validade (“estocabilidade”). Já um fabricante de peças sobressalentes para automóveis tem a garantia de que a peça produzida tem prazo de validade de anos. Ele Note que, para que essa opção seja possível de ser adotada, mesmo para quem fabrique bens físicos, os produtos produzidos necessariamente terão de durar pelo menos um período maior que a “duração mínima do produto” assinalada na Figura 4.4, ou seja, pelo pode, por decisão gerencial sua, optar por não estocá-la por longos períodos, mas isso não é para ele um imperativo, pois a peça não se estragará. FIGURA 4.5Diferentes produtos físicos com diferentes prazos de validade (ou, nesses casos, “estocabilidade”). A conclusão desta discussão é de que não importa muito se se trata de um produto ou um serviço, conforme definidos tradicionalmente. Do ponto de vista de gestão de operações, o importante é entender onde o produto (ou produtos) da operação se encontra(m) no contínuo de “estocabilidade”. Gestão da qualidade Há outras implicações da simultaneidade entre produção e consumo. Uma importante refere-se aos mecanismos gerais de gestão da qualidade. Como produtos físicos são (com diferentes graus, conforme discutido anteriormente) produzidos e, depois, consumidos, há a possibilidade de se estabelecer controle de qualidade sobre o produto final, pois há tempo para isso (embora muitas vezes curto, como, por exemplo, no controle que exerce um maître sobre um prato que foi produzido na cozinha do restaurante, nos segundos que separam sua produção e seu consumo pelo cliente). No caso de simultaneidade, a única alternativa que resta é o controle de qualidade do processo. É impossível, por exemplo, para um supervisor de um call center analisar a resposta dada por um atendente antes de esta atingir o cliente, pois isso ocorre de forma simultânea à sua geração. A Figura 4.6 ilustra a ideia. As duas características mencionadas, entretanto, não deveriam ser confundidas. Uma implicação refere-se à não estocabilidade; outra, diferente em natureza, refere-se à simultaneidade entre produção e consumo do produto e consequente impossibilidade de utilizar o elemento gerencial “controle de qualidade do produto acabado”. Pense, por exemplo, num serviço de lavagem a seco de uma peça de roupa. Certamente, trata-se de situação em que a estocabilidade é impossível. Uma lavanderia não tem aberta a opção de utilizar período de baixa demanda para “estocar lavagem de peças”, entre outras coisas porque a peça do cliente não está disponível para isso e sem ela a lavagem é impossível. Entretanto, depois de feito o serviço de lavagem e antes de o cliente ter acesso à peça lavada, é plenamente possível que a qualidade do produto acabado (a lavagem pronta) seja checada. Em outras palavras, nesse caso, o grau de estocabilidade é baixo, mas a simultaneidade produção-consumo não existe e, portanto, o elemento gerencial controle de qualidade do produto acabado pode ser usado. Pode-se perceber que, quando analisando operações, a dicotomia “bens físicos vs. serviços”, nesse caso, não só não ajuda em sua gestão, mas pode, inclusive, atrapalhar: há serviços, na concepção tradicional, por exemplo, que podem contar com o elemento gerencial “controle de qualidade de produto acabado” (lembre-se de nosso exemplo anterior de uma lavanderia) e serviços que não podem (considere, por exemplo, um atendimento num call center – impossível checar a qualidade do atendimento depois de sair da boca do atendente e antes de chegar ao ouvido do cliente). FIGURA 4.6Implicações para a lógica de controle de qualidade da simultaneidade produção-consumo. Ou seja, é muito mais relevante considerar o grau de simultaneidade produção-consumo do produto da operação do que considerar se se trata de um produto ou um serviço, já que, mesmo dentro da categoria “serviços”, será necessário tratar diferentemente as operações, dependendo do grau de estocabilidade e do grau de simultaneidade produção- consumo. Participação do cliente e suas implicações Tradicionalmente, alguns autores costumam colocar essa questão como a necessária “presença” do cliente em operações de serviço, contra a não necessidade de presença do cliente para operações que produzem bens físicos. Com o aumento substancial dos serviços prestados de forma remota, por telefone, internet e outros meios, passou a ficar claro que a presença do cliente não é necessária para a prestação de muitos tipos de serviço. Muitas pessoas compram livros de livrarias virtuais como a mais visível delas, a Amazon.com, possivelmente sem nunca ter estado fisicamente lá ou mesmo sem saber onde ficam localizadas tanto suas unidades administrativas quanto seus grandes centros de distribuição de livros. Esses serviços não requerem, portanto, a presença dos clientes em seu processo produtivo (embora para muitos serviços, como o de um salão de beleza, por exemplo, isso continue umanecessidade). Os serviços não prescindem, na verdade, de algum tipo de contato ou “interação” entre o cliente e o processo prestador. O cliente não precisa estar fisicamente no processo prestador de serviço da Amazon.com, mas http://amazon.com/ http://amazon.com/ necessariamente estabelecerá algum tipo de contato direto com algum aspecto desse processo (mesmo que seja, no caso da Amazon.com, o contato com as páginas da internet). Para produtos físicos, isso pode não ser uma necessidade. A caneta que você está usando pode ter sido comprada por você e usada por longo tempo sem que necessariamente você tenha tido qualquer contato com qualquer aspecto do processo que a produziu (o que não é verdade a respeito do serviço de distribuição que disponibilizou a caneta para você – uma loja de material de escritório, porexemplo). Por outro lado, também é cada vez menos verdade que as operações que geram produtos físicos não tenham a presença do cliente. Hoje é cada vez mais frequente que clientes (principalmente em ambientes B2B – Business to Business, ou entre empresas) requeiram visitas e, até mesmo, avaliações feitas por seus próprios técnicos sobre a capacidade de as instalações fabris do fornecedor atenderem aos níveis de especificação dos produtos requeridos. Isso significa que, cada vez mais frequentemente, veem-se representantes de clientes em processos produtivos fabris de fornecedores, ou seja, tendo contato direto com o processo produtivo do bem fornecido. Sumariando, tanto operações fabris podem ter mais ou menos frequentemente a presença de clientes como as operações de serviço podem também ter diferentes graus de frequência e intensidade de contato com o cliente, conforme a natureza do negócio. Desse ponto de vista, é pouco relevante que se trate de uma operação que convencionemos chamar de manufatura ou de serviços – o que interessa é o grau e intensidade da interação e do contato com o cliente, pois isso tem implicações importantes. Quanto maior a intensidade da interação do cliente com o processo, mais o cliente vai usar o processo (além do produto) em sua avaliação de valor do pacote a ele oferecido. Em outras palavras, quando o grau de interação é tênue entre cliente e processo produtivo, o cliente tende a concentrar sua avaliação de valor(ou de qualidade) no produto do processo. Quando o grau de interação é grande, tende a avaliar a qualidade do processo e do produto de forma mais equilibrada. A implicação é clara: como gestor de operações de processos com alto grau de contato com o cliente, devo preocupar-me particularmente com a experiência do cliente ao participar (ou ter contato com) de aspectos do processo produtivo. A Figura 4.7 ilustra uma forma de ver essa questão. Em operações de alto contato com o cliente, tudo se passa como se o cliente fosse um dos “insumos” para a prestação do serviço. Note na Figura 4.7 o cliente considerado como um insumo do processo de prestação do serviço junto com os recursos e as competências da operação. Numa primeira etapa, estabelece-se a chamada “experiência” do serviço do ponto de vista do cliente e a “produção do serviço”, do ponto de vista do processo. Não necessariamente o cliente tem contato com todo o processo de prestação do serviço, mas aqueles aspectos com os quais ele de fato tem contato formarão nele a impressão favorável ou desfavorável da “experiência”. Durante a extensão de tempo que dura a “experiência”, do ponto de vista do cliente, o grau (intensidade) de contato e interação do cliente com o processo também pode variar. Uma seção de psicanálise tem grau de interação extremamente alto entre o processo prestador e o cliente, por exemplo, enquanto assistir a um programa num canal de TV a cabo pode ter a mesma extensão de tempo da experiência, mas o grau de intensidade de interação é muito menor. FIGURA 4.7Grau de intensidade e extensão no tempo de interação com o cliente. O grau de intensidade da interação refere-se basicamente à riqueza (amplitude, detalhe e profundidade) das informações trocadas em ambos os sentidos na interação e ao grau de necessidade de personalização (também às vezes chamado customização) docontato. Embora a riqueza das informações trocadas em ambos os sentidos seja relevante para a análise do grau de contato, é importante frisar que o fluxo de informações no sentido do cliente para o prestador de serviço tem peso muito maior do que o fluxo de informações do prestador do serviço para o cliente, na definição do grau de interação. Por exemplo, um prestador de serviço de TV a cabo transmite grande riqueza de fluxo de informações para seus milhares de clientes, mas os clientes transmitem um fluxo de informações quase nulo para o prestador de serviço. Isso de fato configura um grau de interação menor do que o grau de interação de um cliente com seu psicanalista, que também dirige a seu paciente grande riqueza de fluxo de informações, mas recebe dele também um fluxo bastante rico, que o leva a necessariamente customizar o atendimento (o que não acontece com a TV a cabo). O grau de interação entre o cliente e o processo tem implicações relevantes para a gestão da operação. Quanto maior o grau de interação (principalmente em termos de quanta informação o cliente emite para o processo), mais o recurso de contato (aquele que representa a “interlocução” com o cliente) tem de ter proficiência para: 1.saber “ouvir” a comunicação (explícita e implícita) emitida pelo cliente; 2.saber interpretar o que ouviu; 3.saber reagir adequadamente ao que interpretou. Isso significa que o recurso de contato (normalmente, mas não sempre, um funcionário da linha de frente, ou que tem contato direto com o cliente) tem de ter um repertório diferente daquele repertório necessário a um recurso da operação com o qual o cliente estabelece grau baixo de interação. Normalmente, o recurso de contato de alta interação terá de ter flexibilidade maior, habilidades interpessoais diferenciadas e, enfim, uma série de habilidades a serem selecionadas na hora da aquisição do recurso e/ou desenvolvidas depois da aquisição. Você sabia? A correta especificação e gestão dos recursos é certamente uma das principais funções do gestor de operações e, para que este possa desenvolver suas atividades de forma adequada, é crucial que saiba reconhecer a qual grau de interação com o cliente o recurso de contato estará sujeito. Em suma, ambos os fluxos são relevantes: do prestador para o cliente e do cliente para o prestador, mas o fluxo do cliente para o prestador é mais determinante da intensidade de contato que o fluxo do prestador para o cliente. O peso relativo da avaliação do processo prestador de serviço vs. o da avaliação do resultado será, em princípio, proporcional a ambos: o grau de interação e a extensão da interação. A Figura 4.8 ilustra alguns exemplos de operações diferentes para diferentes graus de interação e de extensão da interação com ocliente. FIGURA 4.8Diferentes tipos de operação conforme grau de intensidade e extensão da interação. Alterar a extensão da interação pode ser visto como uma ferramenta gerencial no sentido de aumentar a fidelização do cliente (a propensão do cliente tanto de se tornar um cliente frequente quanto sua disposição de trabalhar como divulgador e propagandista voluntário do serviço). São cada vez mais frequentes as iniciativas de tentar mudar a visão que se tem da interação com o cliente de “transacional” para de “relacionamento”. Isso significa pensar a gestão das operações do serviço visando à manutenção do relacionamento com o cliente por extensões maiores de tempo que apenas o tempo que dura uma transação em particular. A rede de concessionárias Sewell (www.sewell.com) é um exemplo. Uma das maiores organizações americanas nesse setor, tem uma política explícita de trabalhar o relacionamento com o cliente mais que centrar-se apenas nas transações em particular. Quando um cliente resolve adquirir um veículo novo da Sewell, o vendedor de veículos novos, depois de encerrada a transação de venda, leva pessoalmente o novo proprietário para conhecer o gerente de serviços na oficina, que ficará responsável pelo relacionamento com o cliente em qualquer revisão de garantia ou problema que possa vir a ocorrer. O cliente estabelece um relacionamento com o funcionário de serviços pós-venda. http://www.sewell.com/ Este faz um acompanhamento proativo das eventuais necessidades do cliente para que este nem sequer tenha a chance de pensar em fazer suas revisões em outra concessionária. FIGURA 4.9Unidade de serviços como o da Sewell (Lexus). Ao longo dos anos, o carro comprado vai envelhecendo e, com o acompanhamento do gerente de serviços, o cliente eventualmente é aconselhado a pensar numa nova troca. O gerente de serviço pós-venda leva o cliente pessoalmente de volta ao gerente de vendas de carros novos (ou usados garantidos, se for o caso) e “passa-lhe o bastão”. Quando a venda é fechada, o cliente então volta a estar sob a responsabilidade do gestor de serviços pós- venda, fechando ciclos continuamente, visando manter o cliente pelo resto da vida. A extensão do contato é ampliada, não só olhando para o serviço de venda do veículo novo, mas também acompanhando seu uso e garantindo que o cliente atinja sucesso com o uso do produto ou serviço, e não apenas considerando que a responsabilidade cessa e o objetivo do processo é atingido quando se fecha uma venda. Para refletir Em sua opinião, quais as vantagens do tipo de atuação da Sewell, aumentando a extensão da interação com o cliente? Por que você imagina que no Brasil as concessionárias não adotam extensivamente esse conceito? Pense em outros tipos de negócio que poderiam aproveitar as oportunidades representadas por maior extensão de interação com o cliente. Como seria feito? O aumento da extensão da interação também tem sido visto como uma tendência por vários fabricantes de produtos. A ideia é tão simples como atraente. Em última análise, não é necessário que as pessoas tenham a propriedade do bem. As pessoas necessitam apenas do benefício que o bem traz. Pense num executivo que usa o veículo da empresa. Ele não precisa ser o dono do veículo, o benefíciodo uso do veículo é que importa. Segundo esse conceito, um usuário não precisaria ser o dono do carpete de sua residência, mas apenas tê-lo disponível e em boas condições de uso. Alguns fabricantes têm visto nisso boa oportunidade de negócios. Imagine um fabricante de carpete que resolva oferecer a alternativa a seus clientes de apenas pagarem pelo uso do carpete instalado. O carpete físico continuaria a ser de sua propriedade. Do ponto de vista do fornecedor, isso representaria a oportunidade de “prender” o cliente quanto aos serviços de manutenção e limpeza, assim como, na renovação do carpete, o cliente teria menor probabilidade de pensar em fornecedores alternativos (lembre-se, estabeleceu-se um relacionamento). Do ponto de vista do cliente, a não necessidade de investimento na compra já é uma vantagem, a somar-se à garantia de manutenção do carpete em bom estado para uso. Agora pense numa extensão desse raciocínio. Se um fabricante de carpete resolver partir para uma estratégia como esta, o carpete continuará de sua propriedade, mesmo durante o uso pelo cliente. Pense na reposição, quando for a hora. O carpete antigo será retirado para a colocação do novo. Parece plausível que esse fabricante passe a ter muito mais interesse em desenvolver, pesquisar e produzir carpetes feitos de fibras recicláveis ou reaproveitáveis, para que possa reutilizar ou reciclar o carpete velho de forma proveitosa. Agora pense na situação em que o fornecedor se vê apenas como um fabricante de carpete e vê sua responsabilidade cessar uma vez que a venda (ou venda e instalação) é fechada. O carpete passa a ser de propriedade do comprador, que, quando decidir por sua substituição, irá simplesmente descartá-lo, por não ter interesse em reciclagem (e todos sabemos o dano para o ambiente que as fibras sintéticas dos carpetes causam, sem que haja uma motivação clara para que os fabricantes passem a produzir produtos recicláveis). Outro exemplo foram as fábricas de remanufatura da Xerox do Brasil (antes de serem terceirizadas), desenvolvidas em parte porque a Xerox trilhou o caminho de alugar, mais que vender, suas copiadoras e tornar-se uma empresa predominantemente de serviços. A partir disso, desenvolveu claro interesse em remanufaturar suas máquinas antigas, utilizando todas as partes possíveis. Dessa forma, parece plausível crer que políticas de aumento da extensão da interação com o espírito de se passar a oferecer o benefício do uso dos produtos, mais que os produtos em si, podem ter papel interessante no sentido de favorecer o desenvolvimento de processos de produção mais sustentáveis (veja o Capítulo 7 para uma discussão mais aprofundada sobre sustentabilidade). Para refletir Fabricante brasileiro de EPI (Equipamento de Proteção Individual) reinventa-se Desde 1985, a JGB do Brasil, empresa sediada no Rio Grande do Sul, produz equipamentos de proteção individual para uso industrial, como luvas de raspa e vestimentas para proteção contra calor. Recentemente, a empresa resolveu que as empresas não necessariamente desejam manter internamente as competências necessárias para especificar adequadamente equipamentos de segurança individual, ou mesmo analisar situações de risco, uma especialidade da JGB. Passou então a expandir seu escopo de atuação; passou também a “elaborar estudos para situações de risco específicas para as diferentes tarefas, prestando assessoramento técnico para o desenvolvimento de produtos e soluções que proporcionem o máximo de segurança para os usuários e tranquilidade para as empresas” (site da empresa <www.jgb.com.br>). Um passo adiante, que é a expansão ora em curso, é oferecer um contrato de prestação de serviços para as empresas clientes que inclui as análises de risco e sua gestão, ou seja, a disponibilização de todo o material e equipamento de proteção individual necessários para o cliente atingir suas necessidades (em grande medida ditadas pela legislação) de segurança industrial. Além do interesse de alguns clientes de terceirizar as atividades de análise e gestão de riscos relativos à segurança individual dos funcionários, a JGB vê nesse movimento um importante passo no sentido de ficar menos sujeita a concorrência exclusiva por preço (tendência trazida pelas compras por leilões pela internet), o que levaria ou à redução de margens de lucro, ou à necessidade de relaxar seus padrões de qualidade para conseguir permanecer competitiva. Do ponto de vista do cliente, a vantagem oferecida é que os custos da segurança, por funcionário por ano, serão reduzidos, já que, argumenta José G. Brasil, presidente daJGB: a.dada sua competência, a JGB consegue especificar necessidades melhor que o próprio cliente, evitando desperdícios; e b.um relaxamento dos padrões de qualidade para permitir um preço inicial menor de um equipamento industrial pode repercutir em uma durabilidade muito menor, levando a uma necessidade de nova compra, com custos mais elevados. Questões para discussão 1.Que tipo de vantagens você consegue identificar, do ponto de vista da JGB, ao adotar a nova estratégia? 2.Quais as desvantagens possíveis de ser identificadas na nova política? 3.Que tipo de resistência você crê que os clientes mais tradicionais terão ao adotar as novas modalidades de contratos oferecidos pela JGB? Os clientes são pessoas e pessoas são diferentes entre si, requerendo tratamento diferenciado. Para que o tratamento adequado seja dispensado a cada um dos clientes (e aos mesmos clientes, que podem estar em diferentes http://www.jgb.com.br/ estados em diferentes momentos), é necessário que o funcionário em contato com o cliente tenha grau de discernimento e autonomia suficientes para poder prestar um serviço adequado. Nos momentos de interação, pode ser conveniente que a operação considere o cliente como funcionário. Em operações de alta interação, o cliente tem pelo menos algum tipo de interação com o processo produtivo e isso abre possibilidades de que algumas atividades produtivas sejam “delegadas” ao cliente. Isso traz evidentes vantagens do ponto de vista da produtividade do processo, pois, caso atividades não sejam delegadas a clientes, elas terão de ser feitas por pessoal da própria operação, consumindo assim mais recursos e, portanto, incorrendo em mais custos. Os bancos, por exemplo, têm seguido uma orientação quase geral de “afastarem” os clientes das agências, incentivando que os clientes paguem suas contas via internet (e, evidentemente, digitem todos aqueles números que de outra forma teriam que ser digitados por um funcionário). Veja a Figura 4.10 para a ordem de grandeza considerada por vários bancos como o custo de uma transação com o cliente. Custo de uma transação do ponto de vista do banco Feita no guichê da agência R$ 12,00 Feita num caixa automático R$ 2,40 Feita pela internet R$ 1,00 FIGURA 4.10 Custo aproximado de uma transação por diversos meios em bancos no Brasil. Olhando para a Figura 4.10, fica fácil de entender, do ponto de vista da produtividade de recursos, o porquê de os bancos estarem tentando “afastar” os clientes de suas agências. Livram-se com isso de custos bastante relevantes. Há também os riscos associados a delegar ao cliente parcelas do processo de prestação do serviço. O cliente passa a ser também uma possível fonte de falhas e defeitos. Por isso, se a empresa pretende ter os benefícios de usar o cliente como funcionário, não pode furtar--se de treiná-lo, de tentar tornar o processo delegado ao cliente o mais possível “à prova de falhas” (esses aspectos serão tratados mais em detalhe no Capítulo 6) e, eventualmente, até remunerar o cliente por seu serviço, dando descontos para o cliente que opte por uma alternativa com maior teor de “autosserviço”. Interessantemente, vários negócios no Brasil não oferecem vantagens para o cliente que auxilie o processo. Nos Estados Unidos e na Europa, é comum que osbancos cobrem uma taxa do cliente que use o serviço na agência, isentando de cobrança aquele cliente que faz a transação de forma remota ou automatizada. Para refletir Você já reparou como o McDonald’s tem uma história de nos “treinar” como clientes para que façamos parte do serviço de limpeza das instalações, que, de outra forma, teria de alocar funcionários para fazerem? A maioria de nós, clientes, ao terminarmos nossas refeições no McDonald’s, recolhemos nossas sobras e embalagens e as levamos ao lixo. Você já notou que as pessoas fazem isso sem que nem sequer haja uma solicitação formal? Não há placas com os dizeres: “Por favor, ao terminar sua refeição, leve as sobras e embalagens ao lixo.” Por experiência, um dia deixe de fazê-lo. É bem capaz que você tenha de encarar olhares de reprovação, não dos funcionários, mas dos outros clientes! Isso é dominar a arte de lidar com o cliente como se ele fosse um funcionário. Sumariando, as discussões a respeito de contato com o cliente, também em relação a essa variável, a divisão entre serviços e produtos físicos, não são uma boa forma de analisar operações, dadas as implicações. Na verdade, há produtos físicos e serviços feitos em condições de maior ou menor intensidade e extensão de interação com o cliente. Em última análise, para que se desenhe e gerencie bem a operação em relação a esse aspecto, não é importante que se considere se se trata de algo que se convenciona chamar serviço ou produto físico. O que interessa é entender o grau de interação e extensão da interação para então desenhar o nível de delegação de tarefas ao cliente, a gestão do contato com o cliente, a forma de encaminhar a questão de análise e a avaliação do valor oferecido ao cliente e outros aspectos relevantes. Intangibilidade e suas implicações Outro aspecto relevante, muitas vezes apontado como fator diferenciador entre operações fabris e de serviços, é a questão da chamada “intangibilidade”. Colocado de forma simplista numa primeira análise, produtos com existência física são tangíveis, palpáveis, “caem no seu pé”. Já os serviços não caem no pé. Não se toca nos serviços. Mas... e as questões limítrofes? Software certamente não cai no pé, mesmo que se sacuda o CD onde ele está gravado. Entretanto, pode-se listar software, corrigir software, transportar e estocar software. Software, portanto, parece serviço pela intangibilidade (não cai no pé), mas, por outros aspectos, parece produto físico (estocável, transportável, produzido e consumido em momentos diferentes). Bem, como foi o caso nas discussões das outras características acima, o que nos interessará aqui são as implicações da questão da maior ou menor intangibilidade para a gestão de operações. Não nos percamos com discussões diletantes. Classificações, em administração, só têm alguma utilidade quando auxiliam no gerenciamento. Uma implicação da intangibilidade maior dos serviços está na maior ou menor facilidade com que se avalia a qualidade do pacote de valor oferecido. Por intangível, o serviço de aconselhamento médico, por exemplo, fica difícil de ser avaliado pelo cliente, mesmo a posteriori do processo de prestação do serviço. Isso acontece principalmente quando o degrau de conhecimento a respeito do processo em questão, entre o prestador do serviço e o cliente, é grande (frequentemente, isso ocorre na prestação de serviços profissionais). Imagine então como é difícil para um cliente avaliar a qualidade ou o valor esperado do pacote que adquirirá, a priori do processo de compra. Por intangível, o serviço também é difícil de ser avaliado em sua qualidade pelo próprio gestor da operação. Como avaliar, por exemplo, se o serviço de atendimento de um concierge de hotel ou do funcionário do SAC de seu fornecedor de biscoitos foi ou não suficientemente cortês? Essa avaliação está muito mais ligada à percepção que o cliente tem da experiência da prestação do serviço que de alguma coisa objetivável, mensurável e controlável. Mesmo questões aparentemente objetiváveis, como o tempo de atendimento, podem trair o gestor. Claro que é possível cronometrar objetivamente o tempo que levou para que o cliente fosse atendido. Entretanto, a percepção é que vai contar na avaliação do cliente. Dez minutos para ser atendido quando o cliente não tem pressa são percebidos diferentemente dos mesmos dez minutos quando o cliente está apressado. Diferentes clientes também têm diferentes graus de tolerância à espera, as pessoas são diferentes entre si e estão diferentes em diferentes situações, conforme já comentado. Tudo isso dificulta a avaliação de qualidade e de valor. A observação que cabe é que isso não é privilégio dos serviços. Claro que bens físicos são em geral mais fáceis de testar, analisar e fazer test drive (experimentá-lo) antes da compra. Isso não significa, entretanto, que todos os produtos conformem-se a essa descrição. Você compra um carro com air-bag, mas não sabe avaliar se e como ele funcionará a priori. Da mesma forma, há serviços que são mais fáceis de avaliar e objetivar. Um lava-rápido pode ser avaliado facilmente por você antes da compra do serviço pela qualidade de lavagem dos carros à sua frente na fila. Colocando de outra forma, não é a intangibilidade ou tangibilidade que importam para o gestor de operações, mas as implicações referentes à avaliação de qualidade e valor (a priori e a posteriori) da compra. Num extremo, estão pacotes de valor muito objetiváveis pelo cliente e pelo prestador. No outro, estão pacotes muito dependentes da percepção durante a experiência do serviço. Os extremos e os estágios intermediários entre os extremos requererão encaminhamentos diferentes quanto às técnicas e abordagens para gestão da qualidade e avaliação de desempenho do pacote oferecido. A Figura 4.11 ilustra o contínuo. FIGURA 4.11Contínuo de grau de objetividade na avaliação de desempenho. Como mostra a Figura 4.11, não importa, a rigor, para o gestor de operações o nível de tangibilidade ou intangibilidade ou se a operação que gerencia é o que tradicionalmente se chama de serviço ou produto físico, mas trata-se das implicações: quanto objetivável pode ser a avaliação de desempenho. Isso sim será importante determinante para que se possa desenhar e gerenciar melhor a operação. 4.2.3FRONT OFFICE (LINHA DE FRENTE) E BACKOFFICE (RETAGUARDA) Quando se afirma que em operações de alto contato o cliente tem algum nível de interação com algum aspecto do processo produtivo, isso não significa que o cliente tem contato com TODOS os aspectos do processo produtivo. O grau de interação e a extensão da interação com o cliente vão determinar, até certo ponto, com quais aspectos, por quanto tempo e que tipo de contato se estabelecerá entre os recursos produtivos (recursos de operação) e o cliente, na execução de atividades chamadas de “alto contato”. Atividades de alto contato, por definição, são atividades pertencentes ao processo de prestação de serviço que ocorrem em contato com o cliente (ou algum dos vários possíveis clientes, pois é frequente o processo de uma operação ter de lidar com vários clientes: uma pré-escola, por exemplo, tem os clientezinhos alunos e os clientes pais dos alunos). »as atividades de alto contato também são chamadas de atividades de “linha de frente” ou de front office; »as atividades que ocorrem sem contato com o cliente são chamadas de atividades de “retaguarda” ou de back office. Não tem sentido falar em pessoas ou recursos de linha de frente ou de retaguarda, pois o mesmo indivíduo, por exemplo, um cozinheiro em um restaurante, que poderia parecer um recurso tipicamente de retaguarda pode, na eventualidade de uma visita de um cliente à cozinha, imediatamente se ver operando como um recurso de linha de frente. É preferível, em geral, qualificar as atividades realizadas pelo cozinheiro quando não em contato com o cliente, como atividades de retaguarda.Outro tipo de atividade realizada pelo mesmo recurso, quando em contato com o cliente, esta, sim, pode ser classificada como atividade de linha de frente. Uma nova classificação mais útil para gestão deoperações A vantagem de usar esse tipo de classificação está ligada às considerações anteriores que fizemos, no sentido de identificar quais as variáveis influentes no projeto e gestão de operações. Listamos as seguintes variáveis: 1.grau de estocabilidade dos elementos do pacote de valor oferecido; 2.grau de simultaneidade entre produção e consumo do produto; 3.grau de intensidade e extensão da interação no contato com o cliente; 4.grau de objetivação possível na avaliação de desempenho. Note que as atividades de front office são atividades que tendem a ter mais baixo grau de estocabilidade, mais alto grau de intensidade, maior grau de extensão e menor grau de objetivação (por serem mais ligadas à percepção quanto à experiência do serviço). Em outras palavras, é nas atividades de front office que se encontram as maiores complexidades, tradicionalmente associadas aos serviços propriamente ditos. Já as atividades desenvolvidas por operações executadas longe do cliente tendem a ter maior grau de estocabilidade, menor grau de interação com o cliente, menor extensão de contato com o cliente e maior grau de objetivação na avaliação de desempenho, características muito mais associadas a operações fabris. Quanto mais distante do cliente a atividade é realizada, a tendência é que seja mais e mais possível que o gestor de operações utilize técnicas de gestão fabril, bem desenvolvidas principalmente no aspecto da eficiência do processo. A Figura 4.12 ilustra a ideia. Note que, embora a classificação de atividades em atividades de linha de frente e de retaguarda seja dicotômica (pois ou se está ou não se está em contato com o cliente), os vários graus de interação e extensão, objetivação da avaliação e estocabilidade podem variar e, conforme já comentamos, isso é que de fato fará a diferença para o gestor de operações em termos das formas de projeto e gestão da operação. Então cabe, dentro das atividades de linha de frente e retaguarda, analisar em que ponto do contínuo se encontram antes de projetar ou gerenciar sua operação. Implicações para operações As implicações da nova classificação proposta das operações são várias. Algumas são anunciadas agora e outras serão abordadas no decorrer dos capítulos restantes deste livro. FIGURA 4.12Atividades de linha de frente e de retaguarda. Implicações quanto ao grau de estocabilidade doresultado Quanto menos estocável for o resultado da operação, menos o gestor poderá utilizar o elemento gerencial “estoque do produto acabado” – isso implica que as opções que ele deverá utilizar para a tarefa de compatibilizar suprimento e demanda da operação ficam limitadas a ou desenvolver habilidades para alterar os níveis de demanda ao longo do tempo para que melhor se adaptem aos níveis de capacidade produtiva, ou a desenvolver habilidades para alterar economicamente os níveis de produção para que eles se ajustem melhor aos níveis de demanda ao longo do tempo. Isso significa que atividades como previsão e gestão de demanda ganham importância relativa, assim como também ganham importância as habilidades referentes a desenvolver flexibilidade de (trabalhar em diferentes níveis de) volume, de forma econômica. Implicações quanto ao grau de simultaneidade entre produção e consumo Quanto menos tempo decorrer entre a produção e o consumo pelo cliente, do resultado da operação, menos oportunidade o gestor de operações terá de executar atividades que, por sua própria natureza, têm que ser realizadas nesse intervalo. Uma delas é o controle de qualidade do produto acabado. Isso significa que a gestão de qualidade terá necessariamente que se basear no controle dos processos, mais que no controle dos produtos. Implicações quanto ao grau de interação e extensão da interação entre o processo e o cliente Em primeiro lugar, quanto maior o grau de interação e extensão do contato, maiores habilidades de relações interpessoais são requeridas dos recursos de contato. Entende-se por isso a habilidade de saber ouvir a comunicação emitida pelo cliente, saber interpretar o que o cliente comunicou e ter o discernimento para decidir qual o melhor encaminhamento a dar como reação a essa interpretação. Em segundo lugar, maior também é a flexibilidade requerida do recurso de contato. Em outras palavras, quanto mais rico, profundo e detalhado o fluxo de informações que flui do cliente para o processo, em termos gerais, maior a lateralidade e a riqueza do repertório de reações requerido do recurso de contato, para personalizar a resposta à comunicação do cliente. Em terceiro lugar, em termos gerais, as possibilidades de utilizar o cliente como funcionário, delegando a ele a execução de partes do processo de operações que de outra forma teriam de ser feitas por funcionários da operação. Implicações quanto ao grau de objetivação possível na avaliação do resultado Quanto menor o grau de objetivação possível da avaliação, pelo cliente, do resultado do processo, maior o nível de responsabilidade a ser assumido pelo gestor de operações, por auxiliar o cliente a avaliar o resultado do processo. O entendimento da natureza da operação que se gerencia, quanto às quatro dimensões descritas, é muito mais importante para o gestor de operações do que a tradicional consideração da dicotomia entre bens físicos e serviços. Em outras palavras, para efeito de gestão de operações, neste livro, não trataremos dicotomicamente da gestão de operações que geram e entregam serviços e de operações que geram bens físicos. Trataremos de gestão de operações, simplesmente. 4.3ESTUDO DE CASO Volvo e Massey Ferguson, exemplos de intensificação de informação/serviço no pacote devalor oferecido A Volvo do Brasil (<www.volvo.com.br>) investiu 80 milhões de dólares no desenvolvimento de uma nova linha de caminhões (NH), que passou a responder pela maioria do faturamento da empresa e aumento de market share, além de ter ganhado prêmios (por exemplo, o “Truck of the Year”). A inovação? Tecnologia da informação. Elementos agregados de software e hardware que levam informação dos elementos do caminhão (motor, transmissão etc.) ao painel do motorista para aumentar os níveis de eficiência de uso. Esses aumentos de eficiência têm sido reportados na faixa de 15%. A Volvo fez mais: acoplou aos caminhões computadores de bordo que permitem ao frotista gestão muito melhor de sua frota. Segundo o site da empresa (<www.volvo.com.br>), o trip manager “é um software especialmente desenvolvido para integrar o computador de bordo do caminhão aos computadores das empresas. Com ele, é possível visualizar facilmente, em um PC, os dados do computador de bordo, ao final de cada viagem, para que a empresa possa ter um acompanhamento detalhado de toda a vida útil de cada veículo da frota”. As informações fornecidas são, por exemplo: »quilômetros rodados; »horas gastas por viagem; »litros de combustível consumidos; »velocidade média; »consumo por quilômetro rodado; »consumo por hora, no caso da tomada de força (litros/hora) e marcha lenta; »tempo conduzindo em estrada; »tempo com tomada de força ligada; »tempo e distância acima da velocidade máxima estabelecida (definida pelo proprietário); »tempo e distância de utilização do piloto automá-tico; »tempo e distância em última marcha; »tempo e distância na faixa econômica; »tempo e distância em rotação acima da estabelecida (definida pelo proprietário); »dados totais do veículo. Um cliente reporta reduções de custo com a operação da frota em torno de 20%, além de reportar melhoria no desempenho em pontualidade de entregas. Com isso, a Volvo deixa de se preocupar exclusivamente com a venda do caminhão para passar a se ver como um parceiro docliente para o resto da vida: apoiando-o para que tenha sucesso com o uso do seu bem fornecido. FIGURA 4.13Caminhão da linha Volvo. http://www.volvo.com.br/ A Massey Ferguson (<www.masseyferguson.com>) é um dos maiores fabricantes de tratores do mundo, com marcas conhecidas, como a Agco. A Agco desenvolveu recentemente o sistema Fuse: usando um aparato de telecomunicação via satélite, montado no próprio trator, o satélite pode identificar a posição do trator com grande acurácia. Os dados de posiçãosão então analisados por um sistema de informação central que cria mapas de produtividade para orientar o operador quanto a distanciamento na deposição de sementes, tipo de implemento mais adequado, taxas de fertilidade do solo e de fertilizantes a serem aplicados mais adequadas, entre outras decisões, on- line (<www.agcocorp.com>). Segundo o site da empresa, o sistema Fuse é composto por sensores modernos para o registro apurado do rendimento, e a tecnologia GPS para o posicionamento das máquinas é a base para o mapeamento preciso da produtividade e da forma de estabelecer o potencial de rendimento da lavoura. Por meio do processamento e da análise dos dados coletados, a aplicação de fertilizantes, sementes e agroquímicos é controlada automaticamente, otimizando-a em função do potencial de cada área. O resultado é o aumento da lucratividade e a preservação do meioambiente. De novo, vê-se uma expansão do escopo de preocupação do fornecedor para visar garantir o sucesso do cliente com o uso dos bens adquiridos. Para isso, a intensificação do componente de informação no pacote de valor oferecido tem papel essencial e pode ser alavancada substancialmente pelas novas tecnologias de informação e telecomunicações. Questões para discussão 1.Que implicações para a questão de fidelização pode ter a iniciativa da Volvo? Que tipo de mudanças na gestão de suas operações é requerido para que de fato se realize a intenção da Volvo de deixar de centrar seu interesse na transação para centrar-se no relacionamento? A Volvo produz bens de capital. Esse tipo de iniciativa se aplicaria também para um fabricante de veículos que fossem bens de consumo (como carros de passeio, por exemplo)? Como? 2.Você considera que as competências principais da Volvo e da Massey Ferguson mudam ou podem mudar como função dessas mudanças narradas no caso? Você crê que há uma tendência de ambas deixarem de se considerar “fabricantes” para se considerarem prestadoras de serviço? Discuta. 3.Os clientes em geral tinham interação com a Massey e com a Volvo através de suas redes de assistência técnica pós-venda. Com as alterações narradas no caso, os fabricantes estabelecerão contato direto com seus usuários. Que tipo de problema você antevê que isso poderá trazer para a relação das fabricantes com as suas redes de serviço pós- -venda? Como gerenciar essa questão? 4.4RESUMO »O que a maioria das empresas entrega aos clientes hoje é um composto que inclui bens físicos e serviços; é necessário que a gestão de operações reconheça as diferenças entre os vários componentes do pacote de valor e gerencie sua produção e entrega de acordo. »Há uma tendência de que as empresas busquem fornecer os benefícios dos produtos (soluções) em vez de apenas os produtos em si. Isso permite que os clientes possam focalizar-se nas suas atividades críticas e aos fornecedores que protejam sua posição competitiva e aumentem sua lucratividade. »É importante que os gestores não subestimem o desafio de levar uma empresa tradicionalmente apenas manufatureira a transformar-se em prestadora de serviços. »Os desafios de uma operação passar a aumentar sua parcela “serviços” podem ser mais adequadamente atacados se for abandonada a tradicional dicotomia “produtos – serviços” como esquema de classificação de operações. »Para embasar análises sobre projeto e gestão de operações, mais útil do que definir se a operação gera “produtos ou serviços” é identificar e analisar as seguintes variáveis: grau de estocabilidade, grau de simultaneidade http://www.masseyferguson.com/ http://www.agcocorp.com/ produção-consumo, grau de intensidade e extensão da interação com o cliente e grau de objetivação possível na avaliação de desempenho da operação. 4.5EXERCÍCIOS 1.Explique o que significa a expressão “o cliente não precisa de brocas, mas de furos”. 2.Discuta as implicações da expressão da Questão 1 para a gestão de operações. 3.Por que a dicotomia entre “produtos físicos e serviços” pode ser falaciosa e levar a decisões equivocadas em gestão de operações? 4.Quais as implicações do período de validade do produto quanto à gestão de operações? Quanto à gestão de capacidade? Quanto à gestão de qualidade? 5.Quais as implicações, para a gestão de recursos de operações, de maior ou menor grau de intensidade de contato com o cliente? Por que é mais relevante, na avaliação da intensidade de contato com o cliente, o fluxo de informações que flui do cliente para o prestador que o fluxo de informações que flui do prestador para o cliente? Analise nesse sentido operações como um jogo de futebol num estádio e um salão de cabeleireiro. 6.Quais as implicações do grau de facilidade (ou dificuldade) que o cliente tem para avaliar a qualidade do pacote (e seus componentes) de valor oferecido pelo prestador para a gestão de operações da empresa? Dê exemplos de produtos físicos e serviços cujos usuários tenham dificuldade de avaliar a qualidade e dê exemplos de produtos físicos e serviços que, por outro lado, são facilmente avaliáveis. 7.Quais as diferenças principais, para o gestor de operações, quando desenhando e gerenciando atividades de front office (linha de frente) e de back office (retaguarda)? Analise uma lanchonete fast food de sua cidade e identifique essas diferenças principais in loco. Liste-as e analise-as. 8.Quais as vantagens e as desvantagens de o gestor mover a linha de visibilidade de forma a ampliar relativamente o percentual de atividades feitas sem contato com o cliente? Dê exemplos de empresas que optaram por reduzir o front office e exemplos de empresas que optaram por ampliar o front office. LOVELOCK, C. (Ed.). Services: marketing, operations and human resources. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1988. 4.6ATIVIDADES PARA SALA DE AULA 1.Dê exemplos de empresas que você conheça e que estejam adotando uma estratégia de oferecer os benefícios que o produto traz mais que apenas o produto em si para seus clientes. Avalie o quanto bem elas estão se saindo e especule sobre as razões para o possível sucesso ou insucesso dessas empresas. 2.Dê exemplos de empresas que você conheça e que, embora não estejam adotando a estratégia descrita na questão anterior, poderiam fazê-lo. Descreva os benefícios que você antecipa para elas e as dificuldades que elas devem encarar se tentarem fazê-lo. 4.7BIBLIOGRAFIA E LEITURA ADICIONAL RECOMENDADA ALBRECHT, K. Revolução nos serviços. São Paulo: Pioneira, 1992. ARMISTEAD, C. Operations management in service industries and the public sector. 4. ed. Chichester: John Wiley, 1988. ______. Introduction to service operations. In: Operations management in service industries and the public sector. 4. ed. 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