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CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA FONTES, MÉTODOS E INFLUÊNCIAS NA TRADUÇÃO DE JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA Itapetininga, SP Janeiro / 2020 FONTES, MÉTODOS E INFLUÊNCIAS NA TRADUÇÃO DE JOÃO FERREIRA DE ALMEIDA SÉRGIO MARTINS SILVA FILHO Monografia apresentada PITT, como requisito parcial para licenciatura e ordenação. Itapetininga, SP Janeiro - 2020 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 7 2 FONTES DA TRADUÇÃO DE ALMEIDA ............................................................ 10 2.1 Da infância até adolescência .......................................................................... 10 2.2 Em Lisboa ........................................................................................................ 11 2.3 Período Holandês ............................................................................................ 12 2.4 Quais línguas sabia João Ferreira de Almeida? ........................................... 14 2.5 De quais Línguas Almeida traduziu a bíblia? ............................................... 15 2.6 A língua holandesa.......................................................................................... 15 2.7 A língua grega ................................................................................................. 16 2.8 A língua hebraica ............................................................................................ 17 3 MÉTODO DE TRADUÇÃO DE ALMEIDA ........................................................... 19 3.1 Definição: Equivalência formal ...................................................................... 19 3.2 Definição: Equivalência dinâmica ................................................................. 19 3.3 As dificuldades enfrentadas por Almeida no processo de tradução .......... 20 3.4 O método de tradução de Almeida ................................................................ 21 3.5 A escritura para Almeida ................................................................................ 21 3.6 O método usado por Almeida ........................................................................ 22 4 AS INFLUÊNCIAS DOUTRINARIAS, HISTÓRICAS E SOCIOCULTURAIS NA TRADUÇÃO DE ALMEIDA ...................................................................................... 25 4.1 O contexto histórico dos domínios portugueses no oriente ....................... 27 4.2 O contexto histórico dos domínios holandeses no oriente ........................ 28 4.3 Os conflitos entre portugueses e holandeses nas índias orientais............ 30 4.4 Uma tradução com clara interpretação calvinista? ...................................... 30 4.5 Conclusões sobre as influências históricas, culturais e teológicas na tradução de Almeida ............................................................................................... 31 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 34 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 37 7 1 - INTRODUÇÃO A tradução de um texto de um idioma para outro nunca foi tarefa fácil, mas o desafio se torna imensamente maior quando se fala sobre a bíblia, pois então a complexidade não está somente na verificação da fidelidade linguística ao autor humano, mas tomando como pressuposto ser ela mensagem de Deus inspirada dentro de complexa realidade cultural, histórica e literária, exige-se ainda do tradutor decisões cruciais a respeito do sentido do texto e a maneira de expressá-lo para que cause o mesmo efeito que produziu sobre seus leitores originais, também existe a dificuldade que tais textos, considerados sensíveis, trazem de impacto sobre grupos confessionais e as resistências que podem ser criadas por motivos dogmáticos. Em língua portuguesa o texto revisto e revisado em tantas versões, mais amado e utilizado ao longo dos séculos de protestantismo brasileiro é a tradução de João Ferreira de Almeida. Diante da grandiosidade expressiva e espaço ocupado dentro do protestantismo brasileiro pela tradução de Almeida, um estudo a respeito das línguas utilizadas pelo tradutor, as influências histórico-religiosas e os métodos empregados para confecção do texto final produzido, contribuem para um clareamento da importância da tradução bíblica em termos gerais, abre espaço para um análise em relação a tradução de Almeida, o que pode contribuir significativamente para teologia luso-brasileira impulsionando uma discussão crítica do texto e para sua compreensão, tendo para isso algumas importantes informações a respeito dos pressupostos que orientaram o tradutor, não esquecendo ainda que a reflexão levantada é de máxima importância não apenas dentro do cristianismo mas de toda literatura em língua portuguesa. A maior obra sobre o assunto e que contém a maior parte do arcabouço teórico que até então se tem estabelecido é de Alves (2006), Frei Capuchinho e Português que reuniu e publicou sua tese de doutoramento com quantidade inigualável de conteúdo sobre o tema, reproduzindo inclusive as fontes holandesas integralmente, que são de crucial importância para o tema da pesquisa por se tratarem exatamente do período em que Almeida trabalhava em seu texto, daí provém atas e documentações primárias sobre o tema pesquisado. 8 Sobre as discussões a respeito do preparo de Almeida, tem muito a dizer Hallock e Swellengrebel (2000, p.65) que em dado momento expressam de maneira nítida que Almeida tinha grande habilidade teológica e profundidade em seus estudos bíblicos, vencendo os debates em que se envolvia com os Católicos Romanos. Também afirma Alves (2006, p.452) a respeito do preparo e utilização de línguas de Almeida, “João Ferreira d’ Almeida dotado certamente de uma inteligência rara, cultivou não somente as línguas da bíblia, mas sobretudo as línguas necessárias para sua atividade pastoral, nos territórios onde cruzavam diferentes povos e culturas.” e recente contribuição oferece Tomé (2017) com um apanhado primoroso de dados historiográficos e uma sólida reconstituição formativa educacional de Almeida desde a infância até o preparo em vida adulta. Sobre o método de tradução nos diz Santos (1806, p.44), “Consultou as melhores traducções, que então corrião, como taes, e mui particularmente a nova versão hollandeza que se havia publicado em 1637”, também Cavalcante Filho (2013, p. 49-64) traz grande contribuição ao assunto quando trabalha os conceitos de equivalência formal e dinâmica em uma análise da tradução de Almeida, o que coloca em uma perspectiva crítica a metodologia empregada pelo tradutor, oferecendo-nos grande contribuição na discussão se Almeida teria usado e seguido traduções de línguas vernáculas e em qual medida se manteve rígido e guiando-se pelas línguas bíblicas originais. Quanto as influências que adentram a tradução no processo de transmissão de um idioma a outro, diz Raupp (2015 p.118): Em outras palavras, é razoável e prudente admitir que há vários motivos para crer que o tradutor é influenciado por uma série de Fatores que definem sua maneira de traduzir, já que não restam dúvidas de que transportar um texto de uma língua para outra é uma imbricada atividade que envolve interpretação, transmutação, preenchimento de lacunas, produção de significados e, principalmente, apropriação do original. O mesmo autor traz contribuição significativa para discussão da inserção depressupostos históricos, ideológicos e teológicos nas traduções bíblicas em geral. Focalizando-se na tradução de Almeida dentro do seu ambiente formativo Fernandes (2014) tem importante material de pesquisa histórico para compreensão dos conflitos católico-protestante nas índias orientais que auxiliam significativamente no entendimento do pensamento teológico e das relações humanas conflituosas no período e local onde foi produzido o texto. 9 A pesquisa analisa as estruturas bases da formação linguística de João Ferreira de Almeida, bem como se o texto de tradução final provém diretamente das línguas originais ou tem sua origem em línguas vulgares conhecidas pelo tradutor, ou ainda se ambas se mesclam como fontes das quais o tradutor se serviu para verter um texto em português, também será analisada a metodologia utilizada por Almeida em sua tradução adentrando na discussão e tensão entre equivalência dinâmica e equivalência formal e uma análise das influências históricas, sociais e dogmáticas no texto final da tradução. Com o objetivo de obter o resultado da presente pesquisa foi efetuada uma leitura analítica e crítica dos livros de referência com a intenção de trazer à tona uma compreensão coerente e mais explicativa possível para as hipóteses previamente levantadas. A pesquisa está exposta em três etapas no seu corpo de conteúdo principal baseando-se nas referências bibliográficas, cada parte é responsável por um assunto no tema delimitado e a partir disso foi apresentada uma conclusão do referido objeto de pesquisa. Em primeiro foram consultadas as fontes biográficas que tratem da preparação nos estudos de Almeida, para isso se utilizou informações de sua formação desde a mocidade até seu treinamento formal como ministro, a partir disso se estabeleceu o percurso educativo e os idiomas que Almeida teria então aprendido e se utilizado como fonte para seu texto, também se analisou a metodologia principal utilizada por Almeida, isso é, uma análise do texto no que refere a perceber sua inclinação para equivalência formal ou dinâmica e a partir disso explicitar em qual classificação geral podemos colocar sua tradução, para isso foi utilizada bibliografia já produzida sobre seu texto e fontes documentais que fazem referência a tradução. 10 2 - FONTES DA TRADUÇÃO DE ALMEIDA A pergunta sobre o preparo de Almeida como um tradutor exige alguma compreensão a respeito de sua origem e fatos pontuais de sua trajetória que envolvam seus estudos e experiências, e ainda uma compreensão do seu contexto histórico- cultural que ajudem a responder seu conhecimento linguístico e seu preparo como tradutor. João Ferreira de Almeida é um homem importante do século XVII, mas ao mesmo tempo como diz Alves (2006, p.75) “um grande desconhecido”, isso é, sua biografia é de difícil construção devido à falta de registros e de pesquisas a seu respeito nos períodos próximos de seu tempo, ou quando existentes, relata Alves (2006, p.77) “sofrem do mal da parcialidade” devido ao contexto de grande conflito no local em que Almeida se encontrava, onde existia um aberto combate entre holandeses, que abastecidos de ganhos econômicos recentes expandiam seus territórios tomando áreas já colonizadas por outros países, e portugueses, sendo esses seus maiores opositores, sempre lutando por manter suas posses e meios comerciais. Nesse contexto temos paradoxalmente o tradutor, português e católico de nascença, converso a fé calvinista e integrante da igreja holandesa, países em guerra e terra em conflito, isso sem esquecer do problema geral das inclinações apologéticas inflamadas entre católicos e protestantes do século XVII. 2.1 - Da infância até adolescência Existe pouca informação precisa sobre Almeida e sua infância, nada muito concreto pode ser exposto antes que chegasse em Batávia em 1642 (um estranho caso de um celebre desconhecido), pode-se afirmar, porém, que seu nascimento se deu por volta de 1628 em Torre de Tavares no norte de Portugal, cidade pequena e com pouca expressão (HALLOCK; SWELLENGREBEL, 2000; SCHOLZ, 2006). Segundo Siqueira (1670, p. 148-149, apud ALVES, 2006, p. 77), João Ferreira “nasceo de pais católicos” sendo ele “nascido e baptizado na Igreja Romana” e ainda afirma BARATA (2001, p. 2) que “Sabe-se, no entanto, que ainda bebê perdeu os seus progenitores.” e por isso “Almeida foi entregue aos cuidados de um seu tio, sacerdote da Igreja Católica, que exercia o múnus espiritual em Lisboa” o que já nos dá indícios 11 de ter ele recebido treinamento em línguas e educação formal “com a esperança de ele ser padre algum dia” (HALLOCK; SWELLENGREBEL,2000, p. 36), aqui já é possível perceber e inferir algum contato de educação religiosa já em sua adolescência, ainda em seu período em Lisboa, um indicativo também da afirmação de uma esperança de que um dia viesse a ser padre nos dá fortes indícios de ter estudado alguns idiomas uteis e muito provavelmente o latim, o que acaba por ser corroborado por sua tradução do Novo testamento pouco tempo depois a partir do texto de Beza. 2.2 - Em Lisboa Almeida permaneceu com seu tio em Lisboa até os 14 anos de idade, sendo provavelmente esse o início de seus estudos de maneira mais sistemática e séria, tendo em vista que em Torre de Tavares não haveria possiblidade de tais aprendizados pela precariedade do local e falta de desenvolvimento, isso porque o contexto da cidade era rural e sem um local próprio de capacitação educacional, um ambiente que teria pouca chance de levar Almeida a algum nível possível do que vemos posteriormente já em sua adolescência. (ALVES, 2006, p. 82). Hallock e Swellengrebel (2000, p. 36) escrevendo a respeito da tradição da história de Almeida dizem “O fato de que se tornou conhecedor de tantas línguas aos 16 anos poderia indicar uma educação fora do comum”, o que remete a confirmação de seus estudos terem ocorrido durante o período em que estava sobre os cuidados de seu tio, a esse respeito diz Moreira (1928, apud BARATA, 2001, p. 3) “certamente, Almeida, em sua formação, passaria da Gramática ao Latim e porventura à Lógica, ajudaria à Missa, conheceria a Tábua de Pitágoras e o Lunário Perpétuo e terá folheado, com as mãos espertas, alguma HISTÓRIA SAGRADA, e, por certo, teria decorado JOÃO DE BARROS”. Todo esse tempo sob a tutela e cuidado de seu tio clérigo foram estruturais para formação educacional de Almeida, vindo de lugar sem capacidade para educa-lo, seu contato primário com um tipo de estudo mais elevado e sistematizado acontece apenas aqui e seria a base dos desdobramentos posteriores de sua capacitação, isso pode ser observado por seu bom domínio aos 16 anos de italiano, espanhol e latim, sua educação foi bem conduzida no seu tempo e Lisboa. 12 2.3 - Período Holandês Aos 14 anos Almeida deixa Lisboa para Holanda, sobre o motivo de tal mudança é possível encontrar apenas conjecturas sendo o mais provável a instabilidade social que ocorria no período em Portugal e tendo em vista ser a Holanda no tempo do tradutor um local promissor e agitado para um jovem construir sua vida, por isso Alves (2006, p. 87) diz “para um jovem aventureiro como ele, a Holanda, com suas muitas colônias, apresentava-se como um mundo novo a descobrir”. A respeito de sua chegada a Holanda, Matos ( 2002, p. 13) escreve “talvez no primeiro semestre de 1641, ou mesmo em 1640, ano da tomada de Malaca pelos holandeses, Almeida tinha então 14 anos incompletos”, entrando em um efervescente contexto de expansão e domínio, já que os holandeses estavam a todo vapor no que diz respeito a domínio de territórios e expansão da sua fé para outros países que não tinham contato com as crenças reformadas, sendo nesse momento as índias orientais um local de nova conquista e com oportunidadespara os mais diversos tipos de setores e trabalho, inclusive para um jovem que se sentisse vocacionado ao ministério. Nessa mudança de Almeida para Holanda está o contato e conversão religiosa para o calvinismo, que se alastrava nos territórios de Carlos V em meio a controvérsias religiosas e políticas, que tiveram forte influência sobre o tradutor, tendo em vista o caráter polemista e apologético de seus escritos em períodos posteriores (ALVES, 2006, p. 133), também teve forte influência sobre sua conversão do catolicismo para o protestantismo o livreto em castelhano Differença d’a Christandade, que posteriormente foi traduzido pelo próprio Almeida, em sua leitura desse pequeno escrito apologético o ainda jovem Almeida encontrou sentido em sua defesa polemista de fé e nas críticas duríssimas que faz ao catolicismo romano, nas leituras e releituras desse texto acaba por abraçar a fé calvinista tornando-se um defensor ferrenho dá mesma, a respeito dessa história escreve Barata (2001, p. 3): Pelo que o próprio Ferreira de Almeida nos relata nas notas à edição da Diferença da Cristandade, o navio que o levou da Holanda para Malaca terá feito escala por Batávia, onde esteve algum tempo. Quando reiniciou a viagem de Batávia para Malaca, foi-lhe parar às mãos, o livro Diferença da Cristandade. Lendo, relendo e tornando a ler a referida obra, acabaria por abraçar a Fé nascida da leitura das Santas Escrituras, passando a frequentar a Igreja Reformada Holandesa, de língua portuguesa, desde o ano de 1642. 13 Almeida parte em determinado momento para índias orientais, que a pouco tempo haviam passado para o domínio holandês, a data mais provável é 1641 e possivelmente já se apresentando para o serviço do presbitério. (ALVES, 2006, p. 89). Já pouco após esse período, Almeida apresenta grande habilidade para tradução e para as línguas e uma consciência da necessidade de traduzir o texto em língua falada pelo povo, que no caso dos domínios recentes da Holanda nas índias orientais seguia sendo o português, e com apenas com 16 anos traduz parte do Novo Testamento a partir do latim, sobre isso diz Cavalcante Filho (2013, p.17): Com firme convicção de dar ao leitor lusitano a Bíblia em sua própria língua, já aos dezesseis anos de idade traduz para o português boa parte do Novo Testamento a partir da edição latina de Beza (uma versão reformada), auxiliado pelas traduções de Cassiodoro de Reyna (espanhol) e a de Giovanni Diodati (italiano). Passado algum tempo o tradutor se junta oficialmente ao serviço da igreja holandesa ocupando várias funções e cargos nos períodos que se seguem nas índias orientais, passando a estudar e ter algum treinamento formal para se tornar ministro, o que incluía algum conhecimento das línguas bíblicas. Alves (2006, p. 450) afirma “nessa altura não havia seminário propriamente dito em Batávia, pois todos os missionários vinham da Holanda com seus estudos já feitos e ordenados pastores” o que leva a entender que os estudos de Almeida foram particulares, orientados por um pastor segundo antiga fonte documental Archief I (1884, p. 48 apud ALVES, 2006, p. 555) que diz “examinaram e fizeram candidato para o ministério um certo Joh. Ferreyra d’Almeyda de naturalidade portuguesa, que durante algum tempo estudou no meio deles em privado”, ainda assim é preciso perceber não ser esse um estudo sistematizado que permita elucidar qual o exato preparo de Almeida, já que claramente existe uma abismal diferença entre essa capacitação particular básica oferecida ao tradutor do extenso estudo feito na própria Holanda por aqueles que chegavam a missão nas índias orientais, mas ainda assim é possível afirmar que tinha grande capacidade como declara Hallock e Swellengrebel (2000, p. 65) “Almeida sempre estudou as escrituras em profundidade. Como dissemos acima, conhecia os escritos e as ideias dos grandes líderes da reforma. Mas era verdadeiro teólogo e autoridade em assuntos bíblicos.” 14 2.4 – Quais línguas sabia João Ferreira de Almeida? Essa pergunta é de máxima importância ao tema da pesquisa, principalmente no que se refere as línguas bíblicas (grego, hebraico). Alves (2006, p. 452) diz “De facto se Almeida não sabia grego nem hebraico, as conclusões a tirar a propósito da sua tradução são muito diferentes das que tiramos, se partimos do pressuposto contrário”, o que confirma a importância de definir-se uma resposta à pergunta do preparo linguístico de Almeida. Já foi exposto, conforme declarado acima no seu período de baixo dos domínios holandeses, que Almeida aos dezesseis anos já havia traduzido o Novo testamento a partir do latim, auxiliado pelo espanhol e italiano, o que leva a concluir que aos 16 anos de idade já dominava ambos, sendo altamente compreensível devido à similaridade entre as línguas, principalmente no século XVII e dado o ano em que tal tradução acontece, o mais provável é que o domínios desse idioma tenham se dado ainda no seu tempo em Lisboa aos cuidados de seu tio clérigo. Sobre seu período nas índias orientais, diz Hallock e Swellengrebel (2000, p. 92-93) “durante o primeiro período, 1644-1645, Almeida não sabia usar as línguas originais, nem no segundo período 1651-1655” mas continuam afirmando “Em 1668, seu trabalho de tradução do Novo Testamento sai da escuridão onde havia desaparecido em 1655, e parece que, neste interim, ele havia estudado grego”, o que nos leva a concluir que houve durante esses anos um estudo preparatório do tradutor e uma evolução nos seus conhecimentos da língua grega, mas ainda permanece a pergunta sobre onde teria ele estudado as línguas bíblicas, sobre esse questionamento afirma Alves (2006, p. 452) “Isso pode levar-nos a pensar que os missionários calvinistas holandeses teriam em Batávia pelo menos uma incipiente “Escola Bíblica”, onde ministravam estudos das línguas da Bíblia e técnicas de tradução”, porém é preciso estar atento que tal preparo possível para se fazer uma efetiva tradução só se dá a partir do período de sua formação para ministro e conforme indicado por Alves essa escola ainda estaria no início de seus trabalhos e que provavelmente não contava com grandes mestres de línguas e tradução. (ALVES, 2006, p.454). Sobre a conclusão a respeito das línguas que eram de conhecimento de Almeida, existem duas importantes afirmações que servem de resumo, a de Alves (2006, p.452) que diz “João Ferreira d’ Almeida dotado certamente de uma 15 inteligência rara, cultivou não somente as línguas da bíblia, mas sobretudo as línguas necessárias para sua atividade pastoral, nos territórios onde cruzavam diferentes povos e culturas.” e Barata (2001, p. 6) que conclui seu argumento dizendo "Há que saber que Almeida terminou a primeira tradução do espanhol, no ano de 1645. Este manuscrito teve que ser emendado por Almeida à mão. Mas a edição de 1681 já evidencia claramente os conhecimentos que Almeida tinha do grego, hebraico e holandês." Baseado portanto, nas obras traduzidas por Almeida e sua biografia conclui-se que o tradutor conhecia o Latim, tendo estudado o idioma com seu tio clérigo ainda na adolescência e aperfeiçoado em seus treinamentos como tradutor, também teria aprendido o holandês no seu período nas índias orientais sobre domínio da Holanda, ainda o espanhol e italiano conforme podem ser confirmados por seus trabalhos, e posteriormente após treinamento formal para ministro e tradutor aprendeu grego e talvez o hebraico em alguma medida, sendo esse o caso mais complexo a se afirmar. 2.5 – De quais Línguas Almeida traduziu a bíblia? Já tendo estabelecido quais línguas sabia Almeida, uma outra pergunta se coloca com muita importância na construção de suas fontes, isso é, quais línguas o tradutor utilizou em sua tradução? Quando se trata das fontes de sua tradução o assunto acerca de quaislínguas e outras traduções Almeida teria usado, toma gigante proporção para se concluir se teria vertido o texto diretamente do grego e hebraico ou de outra tradução que conhecia, a verdade é que o tema é um pouco nublado por fontes de período posterior que fazem afirmações generalizadas e pouco prováveis. 2.6 – A língua holandesa Não é possível desvencilhar a influência da língua holandesa sobre Almeida, tendo em vista ter ele passado a maior parte de sua vida debaixo dos domínios da Holanda. (Alves, 2006, p. 456). Hallock e Swellengrebel (2000, p. 94) afirmam “Antes de 1668 já havia dominado o idioma Holandês. Desde 1665 tinha pregado naquela língua”, o que leva a conclusão de que Almeida tinha domínio do 16 idioma e de seu uso a partir desse período, sendo imprescindível que o tradutor o aprendesse devido a suas atividades como ministro da igreja holandesa e contato frequente com professores e liderança a quem respondia e que se comunicavam pelo holandês. Um dos grandes empecilhos para impressão de sua tradução foi exatamente a versão oficial Holandesa da bíblia, quando o tradutor apresentou seu texto traduzido em português, os revisores do concílio declararam como irregular sua tradução por não seguir a versão oficial holandesa e que deveria ser corrigida onde divergisse da mesma. (HALLOCK E SWELLENGREBEL, 200, p. 103), Almeida, então foi obrigado a corrigir toda e qualquer divergência da bíblia holandesa em seu texto, assim diz Alves (2006, p. 459) “exigem que a tradução de Almeida seja comparada e corrigida pela versão holandesa, em todas as passagens em que seja necessário.” , com clareza também afirma o catálogo de Darlow e Moule (1911)1, que Almeida utilizou a bíblia holandesa na edição de 1681 de sua tradução, e soma-se a isso ainda que a edição de capa, sumários e frontispício são idênticos ao da versão holandesa. (ALVES, 2006, p. 458). A conclusão, portanto, é que Almeida foi grandemente influenciado e se utilizou da língua holandesa para sua tradução em português, e não teria como não fazê-lo tendo em vista que a impressão de sua tradução dependia correlativamente a comparação e igualdade possível entre a versão oficial holandesa e seu texto, pois, sempre que esses divergiam era negada a impressão e circulação de sua tradução. 2.7 – A língua grega De todas as línguas do qual Almeida poderia ter se servido para sua tradução, as bíblicas, isso é, o grego e hebraico, são as que compõem maior importância devido a serem elas os idiomas em que os textos foram originalmente escritos e especificamente no caso do Novo Testamento o grego. Alves (2006, p. 460) afirma ser palavra do próprio Almeida a afirmação de que terminaria a tradução do Novo testamento o mais breve possível, porém antes a compararia a versão grega, o que inicialmente explicita um indicativo de que o tradutor conhecia o idioma nesse período e o utilizo ainda que como correção as diferenças 1 Item Número 3307 do catalogo 17 que percebeu entre o grego e outras traduções, já Santos (1806, p.44) vai fazer afirmação mais enfática desse processo, assim ele diz: Almeida trabalhou esta versão sobre o próprio texto grego, seguindo- o sempre em todos os lugares em que discordava da vulgata, não só na interpretação, mas também nos acréscimos, e diminuições e na mesma transposição de alguns versículos, já nos mesmos capítulos, já de huns para outros, como se acha no texto grego. Tal afirmação também corrige antiga tradição que diz ser a tradução de Almeida a partir da vulgata, teoria essa pouco provável diante da construção biográfica e afirmações a respeito de sua tradução que confirmam ter seu texto e posterior revisão sido feita do grego, não deixando é claro de pontuar que nesse processo é quase unanime a percepção de que outras traduções continuaram a ser utilizadas como guia e quando divergiam, conforme entendeu Almeida, da tradução fiel ao texto original grego, eram então corrigidas. 2.8 – A língua hebraica A língua hebraica representa um grande desafio devido a sua complexidade de aprendizado e tempo que exigia para que alguém pudesse ser considerado qualificado para, por exemplo, traduzir o antigo testamento com qualidade. Nessa pesquisa o desafio também está na falta de conclusão precisa a respeito da capacitação de Almeida em relação ao hebraico, e as vezes nas afirmações contraditórias a respeito de seu preparo e uso da língua na sua tradução, contudo, as informações possíveis de serem coletadas serão aqui expostas com suas probabilidades.(ALVES, 2006, p. 461-463) Alves (2006, p. 461) escreve a respeito da informação contida no prefácio do Antigo Testamento na tradução de Batávia (vol.1), onde existe a afirmação de que Almeida sabia hebraico, mas também vai relatar a dificuldade de achar a certeza disso em documentos do tempo do tradutor. Uma afirmação contrária a edição de Batávia que afirma ter Almeida domínio do hebraico pode ser encontrada em David Lopes (1936, p. 117 apud Alves, 2006, p. 462) que diz “Almeida não fez sua tradução dos livros sagrados dos textos originais”, argumento corroborado por Alves em relação ao hebraico, o autor diz dentre vários pontos argumentativos que existe a impossibilidade de tempo entre as traduções e o período de preparação de Almeida, o que o leva concluir que o tradutor não sabia hebraico, ou se o sabia era muito pouco para o 18 capacitar para tradução. (ALVES, 2006, p. 462). Em discordância ao discurso de Alves, Cavalcante Filho (2013, p. 62) vai afirmar: Almeida traduzia mesmo do hebraico o Antigo Testamento, e não de uma língua intermediária (quer espanhol, francês, holandês ou latim), sem negar, evidentemente, a ajuda que cada uma delas poderia dar, o que foi fato em todas as traduções da Reforma Conclui-se então a respeito das fontes utilizadas por Almeida em sua tradução, que se valeu de traduções consagradas da língua espanhola, italiana, latina e holandesa (da qual foi orientado a seguir para adaptar sua tradução a pedido expresso do concilio e seus revisores), e que utilizou a língua grega para comparar sua tradução com o texto bíblico em língua original. Quanto ao Antigo Testamento e o hebraico é mais provável afirmar diante da construção biográfica dos períodos do tradutor que ele teria seguido como pode o texto original hebraico, porém, sempre mantendo as traduções já estabelecidas como método de comparação e auxilio, ou se sabia muito bem o hebraico isso poderia ter vindo de uma hipótese que diz ser ele de origem Judaica, assim conheceria o idioma desde a infância (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 23), também como hipótese pode ter sido orientado por revisores holandeses capacitados (que de fato afirmam terem corrigido seu texto a partir do hebraico em edições posteriores) em hebraico e que Almeida poderia ter conhecimento mínimo do idioma. Fato é que definir esse ponto se torna um tanto quanto dificultoso, mas apesar de ser impossível afirmar o nível de conhecimento e uso de Almeida em relação a língua hebraica, é evidente declarar que ele a utilizou em alguma medida como fonte em sua tradução. 19 3 – MÉTODO DE TRADUÇÃO DE ALMEIDA Estabelecidas as fontes, o preparo como tradutor e as línguas utilizadas, a atenção se volta agora para a metodologia empregada a respeito da equivalência formal ou dinâmica pelo tradutor. Se faz primordial estabelecer o que se entende por equivalência formal ou dinâmica e sua classificação, também observarmos o contexto em que se insere Almeida dentro dos possíveis parâmetros que norteiam sua metodologia, bem como, as dificuldades que enfrenta para concluir seu trabalho. 3.1 – Definição: Equivalência formal Entende-se por equivalência formal em metodologia de tradução a abordagem que se prende de maneira mais rígida a gramáticado texto de origem, inclusive preservando ao máximo sua estrutura, assim nos resume Zimmer (2014, p. 89): A tradução por equivalência formal orienta-se principalmente pela língua fonte, ou seja, guia-se pela mensagem na sua forma original. Por dar mais importância ao texto fonte, o tradutor que segue o princípio de equivalência formal em seu trabalho procura conservar, o máximo possível, as características gramaticais, a estrutura de cláusulas e frases e a consistência na tradução dos termos da língua original. Assim o tradutor que se utiliza da equivalência formal tende a produzir um texto menos fluido de leitura para língua receptora por tentar ao máximo reproduzir a estrutura, inclusive com a ordem de palavras e o menor número possível delas na língua receptora, mantendo-se no que compreende ser fidelidade a língua de origem, ainda que tal percepção de fidelidade seja motivo de crítica, principalmente quando torna o sentido do texto dificultoso para o leitor. 3.2 - Definição: Equivalência dinâmica A equivalência dinâmica, ou também chamada, equivalência funcional, tem como objetivo central a transmissão de uma língua para outra o significado do texto e manter-se fiel a ele comunicando-o em linguagem que cause o mesmo impacto na língua receptora que causou aos seus primeiros leitores nas línguas originais. Zimmer (2014, p. 94) resume dizendo: 20 A tradução por equivalência funcional, também chamada de comunicacional, busca manter-se fiel ao texto original e também orientar-se pelo impacto dessa mensagem sobre o receptor. Nesse sentido, uma tradução por equivalência funcional trata de comunicar, da maneira mais natural e adequada possível, a mesma ideia em linguagem contemporânea, usando as características gramaticais e a estrutura da língua receptora. No geral os tradutores que estão empenhados na equivalência dinâmica como método de tradução utilizam de maneira muito apurada estudos de linguística, sociologia e antropologia na busca de atingir uma comunicação efetiva para as pessoas da língua receptora, por compreenderem que é preciso usar e ou explicar elementos de construção de mundo e significados presentes no texto, para que cheguem de maneira mais perceptiva aos leitores (ZIMMER, 2014, p.94) É valido ressaltar que ainda que a grande prevalência hoje seja inclinada a equivalência dinâmica, existe um consenso geralmente equilibrado de que nenhuma das metodologias seja completa em si mesma para obter um resultado adequado da árdua tarefa que se põe sobre as traduções bíblicas, por isso é possível afirmar que ambos os métodos são utilizados e que cada texto particular deve ser considerado no momento de sua aplicação, por isso nos diz Zimmer (2014, p.98) “Não é possível radicalizar na aplicação rígida de nenhum dos princípios aqui estudados” e “Em geral, especialmente nos dias de hoje, as traduções bíblicas mesclam o principio formal com o funcional”. 3.3 – As dificuldades enfrentadas por Almeida no processo de tradução Entender algumas das dificuldades que cercam o processo de tradução de Almeida ajuda a lançar luz sobre seu texto e da trabalhosa missão de se traduzir as escrituras, bem como os cuidados e sensibilidades a serem observados nesse processo, afinal como devemos observar quanto a traduções de textos bíblicos o que diz Gohn (2001, p. 149) “são sensíveis porque são passíveis de suscitar objeções por motivos ligados à religião. Há de se reconhecer, assim, que alguma coisa de peculiar existe em relação à sua tradução.” Assim o caso de Almeida também apresentou empecilhos, quando seus revisores exigiam uma servidão a tradução Statatenvertaling holandesa com muito mais ênfase do que o tradutor estava pré-disposto e por isso uma de suas dificuldades no processo de tradução foram os revisores e suas perspectivas já engessadas em 21 relação ao que significava uma boa tradução, tendo como régua a versão holandesa. (ALVES, 2006, p. 471) Um dos pontos já antes levantados nessa pesquisa, quando se procurava pelas línguas que Almeida utilizou em sua tradução, foi a respeito de sua formação. Ficou evidenciado o processo muitas vezes tortuoso dos estudos do tradutor, uma falta de formação sistemática e de uma capacitação formal para tradução se estabelece também como uma das barreiras que enfrentou e que em geral, seja por ausência ou por má preparação por parte dos que ensinam, se caracteriza como um empecilho a expansão de traduções bíblicas até os dias de hoje, há ainda de se citar os conflitos políticos e preconceitos para com um tradutor de origem portuguesa em domínios holandeses, tudo isso foram obstáculos para o processo de tradução de Almeida. 3.4 – O método de tradução de Almeida Tendo-se estabelecido resumidamente o conceito de equivalência formal e dinâmica dentro de como cada método enxerga a melhor maneira de se verter um texto para outra língua, se partirá agora para uma elucidação a respeito da metodologia de Almeida. Inicialmente é importante ressaltar que as categorias acima discutidas sobre metodologia são posteriores ao tempo do tradutor, o que portanto nos leva entender que ele não as tinha sistematizadas em mente durante seu labor de tradução, mas os pressupostos que as compõem podem ser observados ao longo de toda história da tradução. 3.5 – A escritura para Almeida Parte importante para compreensão da metodologia de tradução de Almeida, está em sua concepção a respeito da escritura, isso é, como o tradutor se relaciona e pensa o texto bíblico. Primeiro precisa-se notar o fato de Almeida intencionar traduzir a bíblia em língua lusófona mesmo em meio a gigantescas barreiras e insistir em sua conclusão, o que vai acabar por revelar a grande importância que o tradutor dava a escritura, sobre isso diz Cavalcante Filho (2013, p. 28): 22 Devido à sua experiência religiosa, Almeida sentiu o impulso de tornar conhecidas as Escrituras Sagradas a todo o leitor que se servisse da língua portuguesa, numa tradução honesta, que não omitisse e não acrescentasse palavras ou distorcesse o sentido original. Deste seu desejo, fica claro como o religioso Almeida encarava a Bíblia: Eram as Santas Escrituras, um livro sagrado, que, ao lê-lo, o leitor entraria em contato com as palavras inspiradas pelo próprio Deus A tradução para Almeida era de grande importância por ser a escritura na visão protestante calvinista o meio pelo qual se transmitiria a palavra de Deus e isso necessitava de acesso por meio de idioma do povo, por isso é possível observar o cuidado e atenção do tradutor para com o texto que trabalhava. De um modo geral essa era a concepção de linha protestante a respeito da escritura, e não havia portanto, possibilidade de Almeida encarar o texto bíblico como folclore judaico, fabula ou apenas narrativas, ou de ver sua tarefa com leviandade e pouca importância para as palavras ali contidas, pelo contrário, era para ele a divina e inspirada palavra de Deus, o que guiou seu cuidado e tradução durante todo seu trabalho. (CAVALCANTE FILHO, 2013. p.30) 3.6 – O método usado por Almeida Hoje o método de tradução mais utilizado é o proposto por Eugene Nida e é conhecido, conforme acima já definido, por equivalência dinâmica, que entre a escolha de sacrificar parte da estrutura e forma ou o sentido de um texto, sempre escolhe preservar o sentido para língua receptora. Almeida está distante de tal abordagem, na verdade o pressuposto do tradutor é muito mais simples, dentro dos cânones de Nida a classificação da tradução de Almeida seria literal, ou como abordado e classificado nessa pesquisa, equivalência formal. (RAUPP, 2015, p.50) É preciso se notar que em geral as traduções do período da reforma e pós reforma, para os protestantes, tem uma marca de literalidade, umas mais elevadas e outras com menos rigidez, assimdeclara Cavalcante Filho (2013, p.51): De um modo geral, todas as traduções originadas depois da Reforma (e sob a sua influência) seguiram, umas mais outras menos, o modelo literal. A tradução de Almeida, estaria no extremo mais elevado da escala da literalidade, enquanto que a tradução de Lutero estaria no extremo oposto. Também afirma Alves (2006, p. 473) “Para ser fiel ao texto, Almeida utilizou o primeiro método – o da equivalência formal – princípio que seguiam todos os 23 Reformadores do seu tempo”. Almeida era homem de seu tempo e por conseguinte utilizava os métodos que tinha disponível e que compreendia serem a melhor maneira de se verter o texto bíblico para determinado idioma, também é importante pontuar a influência sobre sua metodologia por conta das resoluções do sínodo de Dordrecht que deram origem a bíblia holandesa, e que consequentemente estavam como regra estabelecida para a metodologia da tradução que Almeida, sendo possivelmente considerados por diversas vezes como um aspecto comparativo ao trabalho que exercia e os consagrados meios aplicados a tanto tempo em domínios holandeses. Tratando dos graus da formalidade da tradução por equivalência formal, encontramos na metodologia de Almeida o maior possível em literalidade ao ponto de Carvalho (1993, p.11) classificar sua metodologia como “método de transferência direta” isso por que transparece em sua tradução uma perceptível busca por encontrar em português um correspondente possível para as línguas de origem com o menor uso de palavras que o pudesse fazer, tudo para que mantivesse o texto mais enxuto possível no que estivesse ao seu alcance, podemos então afirmar sua rigidez em guiar-se pela gramática como regra de tradução e isso fica ainda mais evidenciado em sua tradução do Antigo Testamento, ali transparece sua metodologia, sobre isso nos diz Cavalcante Filho (2013 p.51): Tendo muito mais texto, e sendo comparativamente ao Novo Testamento, menos utilizado nas leituras litúrgicas, é a porção do Antigo Testamento, a parte da tradução de Almeida que esteve, portanto, menos sujeita ao zelo dos revisores reformados holandeses, e dela advêm as melhores passagens-chave. Por ser a parte traduzida por Almeida do Antigo Testamento menos sujeita ao zelo dos revisores holandeses e suas intervenções sobre o texto, encontramos nela de maneira mais clara a literalidade do método do tradutor e o produto de seu esforço. No caso da tradução de Almeida, pelos mesmos motivos existem aqueles que fazem de sua tradução um alvo de críticas e de elogios, uns por acreditarem ser a literalidade de seu texto aquilo que a torna a tradução mais fiel a “verdadeira palavra de Deus”, ou como nos diz Raupp (2015, p. 70) que em terras brasileiras ela teria “um certo status canônico” advindo principalmente de pensamentos mais fundamentalistas e por ser o texto culturalmente enraizado nas igrejas de origem protestante em pátria brasileira, em contra partida, existem os grupos que compreendem a importância e serviço prestados ao longo dos séculos pela tradução de Almeida e sua revisões, mas 24 que acreditam ser a rigidez de sua tradução um problema, ou como diz Alves (2006, p.473) “trata-se de uma fidelidade que pode tornar-se, por vezes, infiel ao leitor do seu texto, tornando-o menos claro”, em geral essa constatação parte daqueles que acreditam ser a equivalência dinâmica mais produtiva e útil, isso porquanto, tenta ainda que usando mais palavras na língua receptora transmitir o sentido do texto e torna-lo mais acessível ao leitor. É preciso também se considerar que esse problema não é exclusivo do texto de Almeida, mas que traduções de textos bíblicos causam sempre um impacto profundo e acabam mexendo em lugares sensíveis, ou como afirma Gohn (2001, p. 149); O que se observa com esse tipo de texto é que, diferentemente do que pode ocorrer com a maioria de outros tipos de texto, há um grande envolvimento emocional por parte dos usuários e reações extremadas por parte dos ouvintes/leitores podem ser esperadas e têm acontecido na história da tradução, se pensarmos, por exemplo, nos tradutores da Bíblia que perderam a vida por terem vertido dessa ou daquela forma o texto Sagrado. O texto de Almeida não tem sido diferente em relação ao seu impacto e controvérsia, seja como for, é inegável as discussões e manifestações críticas a respeito de sua tradução, principalmente em terras brasileiras que tanto usufruem de seu texto. Concluindo o assunto de sua metodologia, Cavalcante Filho (2013, p. 32) faz o seguinte resumo: Concluindo, o método de tradução empregado por Almeida está cristalinamente bem determinado. Está além do método de equivalência formal, pois procura preservar o sentido e a construção da língua original, mesmo quando esta estrutura soa estranha a um ouvido lusófono. Conclui-se portanto que a metodologia de Almeida acompanha em grande medida as traduções do período da reforma e que portanto se utilizou principalmente da metodologia que hoje classificamos como equivalência formal e que mesmo dentro do espectro de seu tempo, sua tradução ainda pode ser classificada como literal na sua mais extrema aplicação, por muitas vezes soando estranha a um leitor de língua portuguesa por manter-se presa a estrutura das línguas originais tornando em diversas partes a leitura menos fluída e a compreensão mais dificultosa. 25 4 - AS INFLUÊNCIAS DOUTRINARIAS, HISTÓRICAS E SOCIOCULTURAIS NA TRADUÇÃO DE ALMEIDA Uma pergunta essencial para estabelecer-se uma análise crítica a respeito de determinada tradução, principalmente dos textos que são comumente tomados como construtores de significação de mundo como o caso dos religiosos, dentre os quais a bíblia, é sobre as influências que teria determinado tradutor e como seus pressupostos norteiam ou afetam o resultado final de seu labor na tradução. Não se pode ignorar que a tradução bíblica seja alvo das influências do tradutor, inclusive em suas tomadas de decisões a respeito do significado e melhor maneira de traduzir determinada parte de um texto bíblico. Raupp (2015, p. 25) a esse respeito declara: Mas um aspecto que não pode ser ignorado no que concerne à Bíblia é que os seus diversos projetos de tradução, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, são executados por indivíduos via de regra ligados a entidades religiosas que professam credos específicos, as quais certamente já possuem uma postura consolidada no que diz respeito à maneira de enxergar e interpretar o seu texto fundador. Consequentemente, fica difícil negar que cada tradução possui as suas especificidades, que variam conforme as premissas que nortearam os seus idealizadores Assim é preciso observação crítica e cuidadosa em relação a toda tradução, já que é produto de esforço humano e influenciável pelos pressupostos daquele que a traduziu, portanto é razoável a crítica e análise de possíveis influências, assim Raupp (2015, p. 27) afirma: Parece sensato reconhecer que toda tradução da Bíblia vai refletir, em alguma medida, as posições ideológico-doutrinárias dos seus patrocinadores, pois acreditamos que tudo que expomos até aqui serve para revelar que o processo tradutório da Bíblia não ocorre no vazio, uma vez que está inevitavelmente sujeito a influências dogmáticas, teológicas e hermenêuticas, típicas em contextos religiosos, as quais podem aparecer sob múltiplas e variadas formas no texto alvo Tal reconhecimento ajuda a compreender e valorizar o aspecto laborativo daqueles que tem doado seu tempo, vida e missão para traduzir as escrituras para os mais diferentes idiomas, mas sem ter nisso uma infantilidade a respeito das inevitáveis influências que serão depositadas sobre o texto alvo, ainda se pode levantar as 26 marcas deixadas na tradução por direcionamentos pré estabelecidos, ouconforme diz Pegano (2003, p.15): Os objetivos pretendidos, o público-alvo, a função que se busca atribuir ao texto traduzido e outros fatores, mercadológicos ou não, [...] participam das decisões a serem tomadas na criação de um texto numa nova língua e cultura. É importante ressaltar o aspecto não consciente de tais influências e que nem toda modificação ou alteração de sentido recai sobre o texto alvo por interesses de grupos ou de indivíduos, mas que muito do que vemos sendo projetado no trabalho final de tradução acontece pela influência do meio, isso é, os aspectos econômicos, culturais, históricos, formativos e religiosos que compõem a experiência de vida daquele que traduz e inconscientemente acabam chegando ao seu texto. (RAUPP, 2015, p. 117). Ou se desejamos observar isso em aspecto prático não podemos negar as diferenças encontradas nas traduções e interpretações das escrituras, isso é, como mesmo em meio protestante e de confissão muito próxima em relação a ser a bíblia, não apenas um livro e uma narrativa, mas a própria palavra de Deus inspirada e sua regra de fé e prática, nos deparamos com diferenças teológicas evidentes dentro das leituras interpretativas e traduções disponíveis, sobre isso diz Carson (2008, p. 16): é muito angustiante perceber quantas diferenças existem entre nós com relação ao que a Bíblia realmente diz. [...] O fato é que, em meio aos que creem que os [...] livros canônicos são nada menos que a Palavra de Deus escrita, há uma incômoda lista de opiniões teológicas mutuamente incompatíveis. Diante da clara identificação das influências possíveis em uma tradução se partirá para uma análise do caso de Almeida, isso é, que aspectos doutrinários, históricos e socioculturais podem ter motivado e de alguma forma influenciado no texto de sua tradução, é valido notar que o trabalho de sua tradução envolve um período especifico e com seus próprios acontecimentos que constroem o pensamento de Almeida, dentre eles podemos pontuar a expansão europeia e consequentemente o desejo de propagar seus valores e dentre eles estava a tradução bíblica, que cumpria um importante papel e foi estimulada na missão reformada em diversas partes do mundo por meio dos domínios dos países que aderiram a reforma. A importância de analisar tais aspectos para uma aproximação, naquilo é possível, da compreensão das influências da tradução de Almeida é descrita por Alves (2006, p. 171) da seguinte 27 forma “Para um melhor conhecimento da bíblia de João Ferreira de Almeida, teremos que a situar no ambiente histórico, cultural e religioso em que ela apareceu”. 4.1 – O contexto histórico dos domínios portugueses no oriente Os descobrimentos portugueses e o constante desejo de Portugal por expansão fizeram com que atingissem os mais remotos lugares do mundo se tornando um dos maiores feitos da história universal, em um século Portugal consegue se tornar potência mundial e assumir grande protagonismo no comércio, evangelização e domínio territorial. (ALVES, 2006, p. 174) Parte do domínio português está localizado no oriente, a respeito dessa chegada e expansão Alves (2006, p. 178) vai dizer: Depois da viagem de Vasco da Gama (1498), que desembarcou na povoação de Kappad, a norte de Calecute, os portugueses foram se instalando um pouco por todo oriente, umas vezes pela força, outras, por tratado de paz. Desde o final do século XV Portugal havia se instaurado passo a passo por diversas partes do oriente e nesse ínterim passou a estabelecer na maioria das vezes acordos com fins de domínio e comércio, optando apenas algumas vezes pela força para tomar territórios, sobre isso diz Maciel (2013, p. 22): os monarcas portugueses iam cada vez mais, à medida que a exploração marítima ia avançando para oriente, tomando consciência de que um passo acertado seria o de encetar relações diplomáticas com alguns destes povos, dando maior importância ao estabelecimento de acordos de amizade, em detrimento das ações bélicas. Nesse caminho de acordos e em alguns casos conquistas a força, Portugal foi estabelecendo sua base no oriente, e expandindo seus valores, inclusive religiosos, pelas regiões aonde se estabelecia. Um dos mais profundos motivadores de Portugal para expandir-se em território e domínio estava na religião, um aspecto que sempre transparece nos escritos do tempo de suas conquistas e em períodos brevemente posteriores, era o desejo de expandir os territórios da igreja e a conversão dos povos que mantinham outra fé, a exemplo dos mouros. (ALVES, 2006, p. 172-173) Nessa missão de acordos comerciais, expansão marítima e territorial e motivações religiosas, Portugal consegue profundo impacto em todo oriente, tendo 28 desdobramentos culturais profundos em hábitos alimentares, comportamentais, nas artes, tecnologia e principalmente na língua. (RICARDO, 2016, p. 3-4) É inegável o profundo impacto que Portugal exerceu nas regiões em que teve domínio, e também que as marcas culturais mais variadas e seu idioma permanecem muito presentes em diversas partes desses territórios, não sendo exceção, as índias orientais, sobre isso vai relatar Ricardo (2016, p. 5): No entanto, a verdade é que a ação civilizadora de Portugal nas suas antigas colónias e nos seus povos foi muito mais profunda e duradoura em vários sentidos, tanto que ainda se podem encontrar vestígios desse mesmo facto. Esse domínio e posterior influência fica muito evidente na língua portuguesa e sua permanência em diversas partes de seu domínio, isso é, como ainda após seu período de relações com esses países o idioma permanece vivo, assim pouco tempo após a chegada dos holandeses o idioma das índias orientais era oficialmente o português, ainda que por diversas vezes os holandeses tivessem tentado resistir e suprimir a língua, contudo sem sucesso verdadeiro e nunca conseguindo implantar o holandês como língua falada pelo povo. Almeida, portanto, apesar de estar correlacionado a crença e motivações holandesas teve que conviver com a cultura e língua de seus patrícios, isso por que em relação ao contexto cultural, Ricardo (2016, p. 12) traz luz ao afirmar “os territórios dominados pelos portugueses tornaram-se importantes centros religiosos e culturais” que expressavam a cultura portuguesa, não atoa o empreendimento de Almeida em traduzir a bíblia para o português foi tão importante e impactante, sendo essa a língua falada nos territórios, agora, ocupados pela Holanda. Ali estava Almeida, nascido em Portugal e educado por um tio português, possivelmente católico romano, mas na sua adolescência havia se convertido a fé protestante, especificamente a fé calvinista e se integrado a igreja da Holanda, e agora estava em domínio holandês em franca guerra entre ambos, sua terra de nascença e sua terra de escolha, cercado pelas influências de ambas as nações. 4.2 – O contexto histórico dos domínios holandeses no oriente Almeida chega a uma Holanda em guerra, especificamente a guerra dos 30 anos, que conforme nos diz Moita (2012, p.1) pode ser resumida da seguinte forma: 29 A Guerra dos 30 anos que devastou a Europa entre 1618 e 1648 foi um conflito complexo onde se misturaram dimensões religiosas, interesses das potências da época, rivalidades dinásticas e rebeliões dos príncipes contra Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Teve grande impacto mundial o conflito no qual a Holanda esteve envolvida entre 1642-1648, apesar disso os domínios holandeses e a expansão marítima prosperam ao ponto de Alves (2006, p.214) destacar que “Talvez fosse o país mais rico da Europa”, sendo Amsterdã o centro financeiro de todo continente, a prosperidade estava em alta na Holanda e seu potencial em sua mais alta ascensão, assim Pissurno (2016) vai dizer “Também conhecida como “idade de ouro holandesa” ou “era de ouroholandesa”, o termo "século de ouro holandês" designa um período de autonomia e importância”. As investidas holandesas para ganhar território e poder se basearam na tomada de territórios já colonizados, assim Santiago (2018) diz: A estratégia da nova potência, recém-independente da Espanha, em 1581, foi a de se estabelecer em entrepostos já consolidados pelas duas únicas forças ultramarinas à época, ou seja, a sua antiga metrópole, a Espanha, e Portugal. É assim, que quase ao mesmo tempo os holandeses irão ocupar os entrepostos lusos no Brasil, São Tomé & Príncipe, Angola, Índia Portuguesa, Sri Lanka, Formosa (Taiwan), Japão e Indonésia. Desde o inicio de sua liberação de possessão espanhola e então expansão territorial independente, a Holanda, teve conflitos e esteve em guerra com os portugueses tomando boa parte de seu território que a duras perdas Portugal conseguiu reaver em partes. O estabelecimento da companhia das índias orientais holandesas leva o país a Ásia, local onde desembarca Almeida e vive a maior parte de seu labor como ministro da igreja da Holanda. Junto com seu comércio os holandeses trazem sua fé reformada calvinista que impulsionou a sua expansão por seu próprio propósito e percepção do evangelho desde a sua gênesis, assim Alves (2006, p. 505) diz que “O cristianismo só pode tomar duas atitudes em relação ao mundo: renunciar a ele ou domina-lo” e segundo o autor “O calvinismo optou por essa segunda atitude” e assim entendeu ser parte da sua responsabilidade a evangelização dos cidadãos dos territórios em que ocupam, e no caso da Holanda, o discurso anticatólico apologético estava presente de maneira muito viva nos dias de Almeida. 30 4.3 – Os conflitos entre portugueses e holandeses nas índias orientais Com a tomada dos territórios nas índias orientais anteriormente dominadas pelos portugueses, o contexto local se tornou de franca rivalidade e agressividade, os holandeses se demonstraram por diversas vezes agressivos e sempre ríspidos ao inimigo Portugal e muito combativos sobre seus domínios comerciais e religiosos. (ALVES, 2006, p.117-121). Quanto ao contexto que mais nos interessa para essa pesquisa, isso é, o religioso, podemos pontuar que em nada perdia para o conflito existente no âmbito do comércio entre ambas as nações, sendo os ataques e as apologias as mais frontais e condenatórias possíveis de ambos os lados, e por diversas vezes caluniosas e apelativas, como no relato dado por Fernandes (2013, p. 9) onde um Padre denominado Siqueira diz sobre Almeida, “Jerônimo da Siqueira, em sua Carta Apologética contra João Ferreira de Almeida, fazia referências ignominiosas ao Islã, comparando repetidas vezes o tradutor calvinista ao seu profeta Maomé.”, assim também Almeida faz ataques ferrenhos aos católicos presentes nas índias orientais, por vezes debatendo com vários deles.(Fernandes, 2013, p.1-5) Em resumo a respeito da reconstrução do contexto histórico cultural fica evidenciado diante do então acima exposto, um ambiente de extremo conflito entre as nações da Holanda e Portugal sobre domínio territorial e comercial, além de um claro conflito religioso entre ambos os lados com apologias polemicas e ataques escritos aqueles que propagavam as ideias de ambos os lados. Percebemos também que apesar do momento de domínio estar ligado a Holanda, a cultura ainda permanecia em grande parte sobre as influências portuguesas, e o esforço missionário de Almeida se fez muito importante nesse processo, já que o povo não recebia o holandês como seu idioma oficial e de uso diário, mas permaneciam na língua portuguesa, sendo assim, uma tradução bíblica nesse idioma partindo da missão holandesa era imprescindível para a propagação de suas crenças e ensino ao povo, já que para os calvinistas não poderia existir outra regra de fé e ensino senão as escrituras. 4.4 – Uma tradução com clara interpretação calvinista? Muitos autores no passado afirmaram que a tradução de Almeida tinha “erros calvinistas”, mas diante do tumultuado material presente no período polemista apologético, fica difícil uma confiança nesses ataques frontais (ALVES, 2006, p. 513). 31 Podemos elencar aqui um desses acusadores de ter a tradução de Almeida um viés calvinista, assim declarou Almeida (1912, p. 439) que a tradução de João Ferreira de Almeida continha manipulações nos seguintes textos, Mt 16.26-28; Mc 14.22-29; Lc 22; 17; 19; 20; 1Co 11,24; Ef 5,32; 2Tm 4.5. Alves (2006, p. 515) apesar de português e católico vai dizer “não nos parece que sejam reais esses erros” e ainda vai salientar que a apologética era ferrenha e sempre pronta ao ataque, mas que possivelmente “Trata-se mais de um problema de interpretação e não de tradução”, falando diretamente da Ceia como um exemplo de tal problema, sobre como o pronome demonstrativo “isto”, “este” ou as vezes substituído por “contém” dava uma interpretação teológica a crença dogmática a respeito da ceia dependendo do viés confessional em que determinada tradução tivesse nascido. Assim sendo havia com frequência interpretações teológicas postas sobre a tradução das palavras, o que não poderia acontecer de outra forma já que as traduções partiam de indivíduos ou grupos com suas crenças e dogmas. Não é possível negar que a tradução de Almeida possivelmente tenha, assim como todas as outras, suas decisões interpretativas baseadas por vezes em sua experiência ideológica, conforme afirma Lefevere (1992, p. 39, tradução nossa) “em cada nível do processo de tradução, pode ser demonstrado que, quando questões linguísticas entram em conflito com questões de natureza ideológica e ou poética, essa última tende a prevalecer.” 2 Portanto é esperado que a tradução de Almeida em algumas de suas decisões que dependam de interpretação dogmática não solucionável pelas questões linguísticas, tenham recebido influência da confissão do tradutor. 4.5 – Conclusões sobre as influências históricas, culturais e teológicas na tradução de Almeida Diante do já exposto, percebe-se ser quase impossível a quem quer que seja não ter sobre seu trabalho de tradução a influência do meio e dos pressupostos com que se põe a traduzir, assim, Almeida não constitui exceção, ainda que difícil de provar devido a complexidade de tais percepções e do ponto de quem as julga, tendo 2 “on every level of the translation process, it can be shown that, if linguistic considerations enter into conflict with considerations of an ideological and or poetological nature, the latter tend to win out” 32 também em vista que a área de um estudo sistematizado a respeito de traduções em caráter crítico ainda é algo muito recente, ou como aponta Raupp (2013, p. 115): Apesar de a atividade tradutória ser bastante antiga, a elaboração de teorias e reflexões sistematizadas e, principalmente, a consolidação dos Estudos da Tradução como área da Academia são fenômenos bem recentes. É preciso, porém perceber que a influência que tratamos aqui se estende muito além de gramática e sentido primário das palavras, mas podemos falar em algo mais abrangente conforme postula Tymoczko (2013, p. 118): a ideologia de uma tradução não reside simplesmente no texto traduzido, mas no modo de expressão e na postura do(a) tradutor(a), bem como na relevância dessa tradução para o seu público. E sobre a abrangência das influências esclarece Mojola e Wendland (2003, p. 8, tradução nossa3) quando declara: os teóricos da tradução, em geral, têm reconhecido que a leitura, a interpretação e a tradução de textos são influenciadas por pressupostos, suposições, preconceitos, tendências, sistemas de valores e de crenças, tradições, visões de mundo, ideologias e interesses. Os leitores não têm acesso ao original puro, ou ao pensamento puro do autor do original. Eles interpretam o texto através daslentes da linguagem, valendo-se da sua experiência, idioma, sistema de crenças, circunstâncias e interesses. Isso demonstra que a ideia de influência está constituída sobre uma diversidade enorme de circunstâncias e causas, o que por consequência torna impossível ao ser humano escapar límpido em sua função como tradutor de tamanho campo de significação e criação de pressuposto que orienta a maneira e as decisões a respeito do texto, e ainda é valido ressaltar que esse processo nem sempre é uma percepção consciente daquele traduz, ou como diz Raupp (2013, p. 119): No entanto, convém mencionar que existe a dúvida de se a manipulação ideológica que aparece em determinados textos traduzidos é consciente ou é uma reprodução bastante inconsciente do meio do qual o tradutor é parte integrante. Ou seja, não há como saber ao certo se o tradutor que insere aspectos ideológicos estranhos ao original em determinados pontos do texto de chegada está agindo por si só ou reproduzindo, consciente ou inconscientemente, um sistema que recebeu do meio em que está inserido. 3 No original: “translation theorists generally have come to recognize that the reading, interpretation and translation of texts are influenced by presuppositions and assumptions, prejudices and biases, value systems and belief systems, textual traditions and practices, world views, ideology and interests. 33 Assim se conclui que Almeida tem em sua tradução a influência apologética característica de seu tempo e que possivelmente o tradutor em suas decisões a respeito de significados do texto, contrapôs teologicamente muitos termos em uso frequente nas traduções católicas que entendia levarem ao erro, conforme entendimento da visão calvinista, também é valido notar que a tradução contém o seu viés dogmático em alguma medida, sendo que possivelmente em diversos textos basilares a fé reformada, Almeida abastecido de suas crenças e percepções teológicas decidiu pelo viés em conformidade a sua confissão, é valido notar que não atribui-se a isso maldade e intensão manipuladora, mas como já por tantas vezes aqui foi exposto, é algo que é propriamente humano a respeito da sua imersão na cultura e contexto histórico em que vive, bem como, pelas crenças que possui e isso por diversas vezes nem mesmo está no processo consciente daquele que traduz. 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo para as considerações finais e as conclusões a que se chegou, inicia-se pontuando os principais resultados obtidos a partir de dessa pesquisa bibliográfica. Em primeiro a respeito das fontes utilizadas por Almeida, isso é, as línguas que teria usado para traduzir seu texto e de quais outras traduções se serviu, chegamos à conclusão de ter o tradutor inúmeros textos que serviram de base e auxiliadores em sua tradução, assim podemos citar Reina-Valera, Theodoro Beza, Diodati como traduções de línguas vulgares das quais se serviu Almeida, sendo na ordem, espanhol, latim, italiano e ainda como grande orientadora, ainda que imposta pelos revisores, a tradução oficial holandesa Statatenvertaling. A respeito das línguas originais temos a informação de que seu texto foi corrigido no grego e portanto acompanhou provavelmente a compilação do Textus Receptus, sendo esse o mais difundido e conceituado no tempo em que Almeida fazia sua tradução, como corretor para as diferenças que encontrava entre as outras bíblias, já em relação ao hebraico, não temos certezas sobre o nível de uso e de conhecimento que o tradutor tinha, as hipóteses levantadas são, em primeiro, de que Almeida conhecia bem a língua e isso seria possível por uma suposta origem judaica do tradutor, e portanto, sua tradução do Antigo Testamento foi feita por ele sem muito uso de outras traduções, a segunda hipótese, que parece mais provável, é de Almeida saber o hebraico razoavelmente, mais ter constantemente se servido das traduções disponíveis e ter sido orientado por revisores holandeses mais experientes e com domínio do hebraico. Sobre seus métodos ficou evidente ter ele utilizado a equivalência formal em sua forma mais extrema, ou seja, dentre o que era comum em seu tempo a respeito de tradução, Almeida ainda ocupa um alto grau de rigidez em relação a metodologia. Se o comparamos a Lutero, por exemplo, veremos que ambos estão bem distantes em metodologia, assim também é preciso dizer que por diversas vezes a tradução de Almeida pareceu estranha ao ouvido lusófono e com uma leitura pouco fluída devida a sua percepção do que seria a metodologia adequada para traduzir, isso é, presa a estrutura original do texto, isso mesmo quando na língua receptora se tornava estranho e diferindo do uso normal do idioma. Em um panorama histórico, cultural e da confissão dogmática do tradutor foi exposto a respeito das influências que possam ter sobrevindo sobre suas escolhas 35 em relação a tradução, ficou evidenciado que ninguém traduz no vazio, mas que existe inerentemente sobre o ser humano os pressupostos de suas experiências, as orientações de suas crenças, em linguagem menos acadêmica poderíamos dizer “aquilo que ele leva no coração” acabam por afetar sua tradução, ainda que isso aconteça inconscientemente. Assim se deduz que Almeida tem sobre suas escolhas de tradução características anticatólicas, podendo ser vistas em alguns textos onde a simples gramática não pode resolver a questão, mas acaba ser dependente de interpretação, o que no caso de Almeida significa uma interpretação calvinista e de caráter apologético contra o catolicismo romano provenientes do seu período, do ambiente de confronto direto com os portugueses em que vivia e do caráter apologético polemista que tomava toda a região, quanto a sua confissão calvinista, entendemos ser extremamente improvável provar tais influencias de maneira clara, mas que como já antes levantado sobre como tudo que é vivido e crido influência na tradução, podemos inferir que naquilo que o texto dependia de escolhas teológicas, onde a simples significação de um termo não resolvia, sua tradução escolhe o caminho de sua confissão. Acredito que esse estudo tenha contribuído para uma desmitificação a respeito da tradução de Almeida, uma valorização geral a respeito da tradução e uma percepção crítica sobre as influências que sobrevém em cada projeto de traduzir o texto bíblico para outro idioma. A exemplo da vida de Almeida e do grande percurso que viveu para produzir um texto em língua do povo, muitos outros tradutores se esforçam diariamente para pensar o texto bíblico e seu sentido para hoje e por diversas vezes são ignorados na pesquisa acadêmica, espero que esse trabalho possa contribuir para a valorização aos olhos da teologia dos tradutores e do árduo trabalho que envolve seus projetos, também acredito que se faz necessário para grupos fundamentalistas a desmistificação das traduções de Almeida e de seu caráter canônico, assim aprendemos a ver um homem, dedicado, disciplinado e capaz, mas um homem dado as influências do meio e com seus próprios limites intelectuais, é desejo desse trabalho alargar a compreensão desses grupos sobre o que significa uma tradução, sem contudo, que percam a valorização do trabalho dos tradutores. Houve durante o processo dessa pesquisa diversas limitações que antes de seu início não eram tão perceptíveis, dentre elas eu destaco a falta de material biográfico mais diverso sobre Almeida para construção de seu percurso educativo, 36 material biográfico que se desdobrasse especificamente sobre o texto de Almeida com olhar crítico de análise e discussões de metodologias. A história do império holandês é um tanto escassa em livros em português o que dificultou a reconstrução do contexto histórico de Almeida. É preciso admitir que essa pesquisa não parecedefinitiva nos pontos em que levantou, mas que oferece um passo inicial em direção aos temas abordados e com humildade é posta diante dos leitores, ainda que com suas limitações e diversos pontos que poderiam se estender diante de maior material bibliográfico. Em todas as limitações acima expostas permanece o desejo de continuar a pesquisa a respeito do já assim chamado “ilustre desconhecido” João Ferreira de Almeida, tendo em vista a importância que ele representa para língua portuguesa, assim como, os tradutores ao longo da história e suas traduções se tornaram um tema recorrente para se continuar compreendendo e pesquisando, esperando que no contato com esse trabalho outros se sintam estimulados a alargar a pesquisa sobre as traduções e sobre o preparo, história e dedicação desses grandes homens que deram sua vida para nos legar a bíblia em idioma compreensível. Preciso confessar a extrema alegria que tal trabalho me trouxe e como esse primeiro processo de pesquisa acadêmica com fonte bibliográfica mais vasta foi um grande incentivo para continuar, o tema representou um grande desafio por sua escassez, mas também um grande salto de conhecimento a respeito de tradução de um modo geral. Finalizando esse processo e essa pesquisa acredito e me sinto grato pelo tema, pelo resultado (ainda que limitado) e pelas escolhas que me levaram a encontrar em Almeida grande inspiração, exemplo de fé, de não desistência ainda que em momentos de rejeição e conflito e principalmente de amor as pessoas exemplificado em seu máximo esforço para levar a elas as escrituras e consequentemente o conhecimento a respeito de Jesus. 37 REFERÊNCIAS: ALMEIDA, F. D. História da igreja em Portugal. Lisboa: Imprensa académica, v. 2, 1912. ALVES, H. A Bíblia de João Ferreira Annes d' Almeida. 1ª. ed. Lisboa: Difusora Bíblica, 2006. ARCHIEF. I - Sínodo Holandês. [S.l.]: [s.n.], 1884. BARATA, A. D. C. João Ferreira de Almeida o Homem e sua Obra. Universidade do Porto - Faculdade de Letras. [S.l.]. 2001. CARSON, D. A. Os perigos da interpretação bíblica: a exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 2008. CARVALHO, J. S. D. Deus, o homem e a bíblia. Lisboa: Sociedade Bíblica, 1993. 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