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Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 469-472, 2016 reSeNHa do livro “UNe archéologie théoriqUe”, de JeaN- claude gardiN (pariS: HacHette, 1979) Marília Perazzo Valadares do Amaral1 Daniela Cisneiros2 A obra de Jean-Claude Gardin Une Archéologie Théorique, ainda sem tradução para o português, com a primeira edição datada de 1979, continua atual. É a expressão de um trabalho meticuloso, cujas contribuições à pesquisa documental, para a formalização de dados (códigos descritivos) e raciocínio (análi- se logicista) ultrapassam a epistemologia arqueológica, colabo- rando para a construção de bases teóricas em ciências sociais. No atual cenário acadêmico brasileiro, com a ampliação de cursos de Graduação e Pós-Graduação em Arqueologia, o livro ganha singular relevância, ao trazer um conjunto de reflexões so- bre a natureza das operações mentais que os arqueólogos prati- cam, entre o interfluxo da coleta de dados materiais (escavações) e construções explicativas (textos) sobre culturas pretéritas. O elemento principal defendido pelo autor é a necessidade de trabalhar e construir a pesquisa arqueológica de forma siste- mática, decompondo as etapas da pesquisa desde a ordenação e compilação dos dados passando pela descrição até chegar às construções explicativas. O modelo formal de construção da pesquisa arqueológica é proposto a partir de uma análise lógi- co-semântica, a qual permite ao pesquisador entender a cadeia operatória da pesquisa, possibilitando a compreensão sistemá- tica e formal das construções arqueológicas. 1 Doutora em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Subs- tituta do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. 2 Doutora em Arqueologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora do Departamento de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco. MIOLO Revista IAHGP n. 69.indd 469 27/10/2017 11:45:31 470 Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 469-472, 2016 Marília Perazzo Valadares do Amaral Daniela Cisneiros O modelo lógico-semântico está baseado, sobretudo, na ne- cessidade preliminar da definição dos conceitos abordados na pesquisa e na formalização operacional dos processos intrín- secos a esta. Tal formalização é de fundamental importância para a construção do conhecimento arqueológico, uma vez que permite ao pesquisador construir um raciocínio arqueo- lógico a partir de uma sequência de operações aplicadas aos termos da pesquisa. Na abordagem do modelo logicista, proposto para a constru- ção do conhecimento arqueológico, o autor elabora um esque- ma geral relativo às construções compilativas e explicativas. No que concerne ao âmbito da compilação, afirma que deve existir uma relação entre a natureza dos objetivos e a escolha dos ma- teriais que constituem o corpus da pesquisa, os quais devem ser ordenados e descritos a partir dos mesmos parâmetros. Desta forma, será possível traçar paralelos entre os objetos que têm ou não características recorrentes, a partir das descrições reali- zadas no início do referido processo. Após a fase de compila- ção dos dados inicia-se a classificação, que constitui uma forma elementar das construções explicativas. No que concerne às construções explicativas, o autor propõe que a classificação não é o centro da atenção das construções teóricas em arqueologia, ao menos na definição dada, mas tão somente a etapa inicial de raciocínios conduzidos ao fim da in- terpretação. Para chegar às construções explicativas afirma que é necessário compreender as construções tipológicas dos obje- tos / dados para se chegar ao estágio das interpretações. Dessa forma, levanta questionamentos acerca da diferença entre a po- sição do material em uma compilação (Cc), e uma tipologia do mesmo material em uma construção explicativa (Ce). A respos- ta passa pelo debate acerca do conceito de tipologia definido como toda ordenação de um conjunto de objetos, onde o autor extrai inferências relativas aos fatos que não se encontram na representação inicial de tais objetos, os quais possuem atributos intrínsecos e extrínsecos. Os atributos intrínsecos estão relacionados às características intrínsecas dos objetos, como marcas, formas, decorações, en- MIOLO Revista IAHGP n. 69.indd 470 27/10/2017 11:45:31 471 Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 469-472, 2016 RESENHA DE LIVRO GARDIN, Jean-Claude. Une Archéologie Théorique. Paris: Hachette, 1979 quanto que as categorias julgadas extrínsecas se relacionam com o Tempo, o Lugar, a Função (utilitário, sociológico, sim- bólico). No caso das tipologias as classes serão definidas pelas propriedades intrínsecas. As construções explicativas estão relacionadas ao processo pelo qual o significado é ligado a qualquer tipo de ordem, tal como uma série de objetos formados com base em suas seme- lhanças ou de uma classe de objetos atribuídos ao mesmo tem- po e unidade de espaço. Consequentemente, as construções interpretativas são aquelas em que o autor vai além da fase for- mal de ordenação, em uma tentativa de explicar o significado das séries de classes propostas nas classificações. A interpreta- ção constitui o estágio final das construções explicativas. Quando o autor faz uma análise logicista das construções explicativas verifica-se o ponto principal da discussão acerca das diversas formas de se construir cientificamente e formal- mente uma pesquisa, seja utilizando um método indutivo, seja utilizando um método dedutivo. O modelo de classificação uti- lizada em cada pesquisa vai determinar, necessariamente, a es- colha do processo de interpretação dada pelo pesquisador. Os caminhos de interpretação na construção arqueológica podem ser guiados pelos dados empíricos, como base para chegar às proposições conceituais (indução), ou partindo do campo teórico e da formulação de hipóteses para uma compro- vação material (dedução). Em ambos os casos se verifica que as construções explicativas podem ser vistas como uma pirâmide de proposições, podendo derivar estas das descrições ou de hi- póteses. Para o autor, não há um caminho certo a ser seguido, o que importa é que a pesquisa esteja construída e formalizada a partir das etapas propostas pelo modelo logicistas. Desta forma, Gardin critica o método hipotético-dedutivo afirmando que a característica principal da nova arqueologia é a sua adesão ao modelo de leis de cobertura da explicação científica, com ênfase no método hipotético-dedutivo para o ensaio das conclusões derivadas de dados arqueológicos. Para ele a formulação de leis não é o principal objetivo, afirmando que a relação entre explicação científica e o conceito de lei, MIOLO Revista IAHGP n. 69.indd 471 27/10/2017 11:45:31 472 Revista do IAHGP, Recife, n. 69, pp. 469-472, 2016 Marília Perazzo Valadares do Amaral Daniela Cisneiros não é o fundamental. O fato de que certos fenômenos podem ser passíveis de formulação de uma lei não significa que este seja o caminho principal para se construir uma pesquisa cien- tífica, uma vez que os fenômenos podem ser explicados sem estarem referidos às leis, mesmo nas ciências naturais. Afirma que a expressão de certas regularidades no campo formal das leis pode resultar em encobrimentos ou mesmo distorções dos dados observados. MIOLO Revista IAHGP n. 69.indd 472 27/10/2017 11:45:31
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