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Curitiba 2020 Introdução à Gestão Hospitalar Josemar Batista Marli Aparecida Rocha de Souza Pâmela Moreira Weinhardt _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 1_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 1 08/12/2020 16:12:0908/12/2020 16:12:09 Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael. B333i Batista, Josemar Introdução à gestão hospitalar / Josemar Batista, Marli Aparecida Rocha de Souza, Pâmela Moreira Weinhardt . – Curitiba: Fael, 2020. 240 p. il. ISBN 978-65-86557-27-5 1. Hospitais – Administração I. Souza, Marli Aparecida Rocha de II. Weinhardt, Pâmela Moreira III. Título CDD 362.11 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Imagem da Capa Shutterstock.com/smolaw Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 2_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 2 08/12/2020 16:12:1008/12/2020 16:12:10 Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Cuidado, saúde e assistência hospitalar | 7 2. Síntese da saúde pública no Brasil | 29 3. Organização e funcionamento dos estabelecimentos assistenciais de saúde | 51 4. Gestão, administração, gerenciamento e ferramentas de gestão | 75 5. Planejamento e gestão estratégica em saúde | 97 6. Administração hospitalar e processos administrativos | 121 7. Indicadores de qualidade na gestão hospitalar | 139 8. Serviços complementares de atenção à saúde | 155 9. Humanização na Gestão Hospitalar | 169 10. Papel do gestor hospitalar | 187 Gabarito | 207 Referências | 219 _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 3_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 3 08/12/2020 16:12:1108/12/2020 16:12:11 _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 4_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 4 08/12/2020 16:12:1108/12/2020 16:12:11 Prezado(a) aluno(a), Você está sendo convidado a entender a evolução do cuidado e das práticas de saúde, bem como a organização do sistema de saúde, com destaque para a área hospitalar e seus serviços comple- mentares. Essas questões são relevantes e necessárias para a atu- ação do gestor hospitalar. Atrelado a esses conteúdos, se planejar estrategicamente e escolher e aplicar ferramentas gerenciais e indi- cadores de qualidade oportunos para o momento histórico, social, tecnológico, demográfi co e epidemiológico são demandas do mer- cado corporativo do século atual, cujos resultados visam impactar na oferta de serviços resolutivos e direcionados às demandas da população. Esperamos que essa edição atenda a sua singularidade, supere suas expectativas e que você encontre as respostas necessá- rias para o seu aprendizado. Bons estudos! Carta ao Aluno _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 5_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 5 08/12/2020 16:12:1308/12/2020 16:12:13 _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 6_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 6 08/12/2020 16:12:1308/12/2020 16:12:13 1 Cuidado, saúde e assistência hospitalar O cuidado em saúde e a evolução da assistência hospitalar estão intimamente relacionados à percepção individual e coletiva. Referem-se ao entendimento do que é ser cuidado, ser doente ou ter saúde em um determinado contexto histórico, cultural, social, econômico e científi co. Nesse sentido, essas concepções e bases conceituais se diferenciam partindo das dimensões histórica, teórica, fi losófi ca e espiritual e impactam, de maneira geral, nas práticas e modelos de saúde utilizados em épocas antepassadas, bem como nas usualmente adotadas na contemporaneidade. O propósito deste capítulo é refl etir sobre a evolução do cuidado, do processo saúde-doença e da assistência hospitalar. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 7_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 7 08/12/2020 16:12:1508/12/2020 16:12:15 Introdução à Gestão Hospitalar – 8 – 1.1 Evolução histórica do cuidado Os cuidados existem desde o início da vida. Os homens, como todos os seres vivos, sempre precisaram de cuidados, porque cuidar, antes de tudo, tem como finalidade permitir a continuidade da vida (COLLIÈRE, 2003). No contexto da saúde, por exemplo, podemos referendar a área da enfermagem, e Salviano et al. (2016) afirmam que a ação do cuidar vai ao encontro do compromisso de manter a dignidade e a singularidade do ser cuidado. O progresso do conhecimento científico agregou novos saberes à humanidade e, dessa forma, contribuiu para a evolução do homem e do cuidado. Geovanini et al. (2019) ressaltam que retomar o passado demons- tra que as práticas de saúde e de enfermagem são tão antigas quanto a humanidade, pois são inerentes à própria condição de sobrevivência. Essas práticas foram influenciadas pelas doutrinas e dogmas religiosos, marcando a trajetória histórica de forma contundente, conforme apontado no Quadro 1.1. Quadro 1.1 – Práticas de cuidado em diferentes civilizações País Prática de cuidado Assíria e Babilônia A medicina baseava-se em crendices e magias. Eram comercializados talismãs com orações contra demônios, que, na época, acreditava-se serem causadores de doenças. As curas eram milagres de Deus. Os documentos não men- cionavam hospitais e nem a presença de profissionais de saúde. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 8_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 8 08/12/2020 16:12:1508/12/2020 16:12:15 – 9 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar País Prática de cuidado China Por intermédio do islamismo, a influência árabe alcançou a Índia, a China e outras culturas. Com a tradução dos escri- tos de Hipócrates e de Galeno, os doentes eram cuidados com plantas medicinais nos templos por sacerdotes. As doenças eram resultantes de forças anímicas e dos maus espíritos, divididas entre benignas, médias e malignas, e ocupavam-se da cura de acordo com essa classificação. Foram construídos hospitais e casas de repouso, conheciam a arte da cirurgia e tratavam sífilis e varíola, anestesiavam com ópio e utilizavam arsênio em doenças de pele, além da acupuntura e da cauterização. Deixaram como legado o princípio da medicina chinesa. Ouvir, ver, sentir, observar e indagar foram ações realizadas antes de um diagnóstico. Egito Detentores de saberes e práticas da medicina de sua época, as receitas deveriam ser tomadas ao mesmo tempo que eram recitadas fórmulas mágico-religiosas. A hospitalidade e o auxílio aos necessitados faziam parte das suas práticas, as quais eram conduzidas em ambulatórios gratuitos. Utilizavam a interpretação de sonhos e o hipnotismo na cura das doenças. Índia Conhecimento de anatomia e arte humanística dos hindus no ramo da saúde, destacando-se como verdadeiros mes- tres da cura. O budismo influenciou o desenvolvimento da medicina e da enfermagem. Os edifícios hospitalares foram expandidos, com a inserção da musicoterapia e os narrado- res de histórias. Trepanações, suturas, amputações e corre- ções de fraturas eram frequentes nessa época. Japão Uso intensivo da hidroterapia na cura das doenças. A cul-tura favorecia e estimulava a prática da eutanásia. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 9_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 9 08/12/2020 16:12:1508/12/2020 16:12:15 Introdução à Gestão Hospitalar – 10 – País Prática de cuidado Grécia A mitologia grega, os deuses e os heróis foram marcan- tes na história da medicina ocidental por intermédio de sacerdotes e cirurgiões-barbeiros. Hipócrates dissociou a crendice das práticas de saúde e originou uma nova ver- são mais científica da história da medicina. Os tratamentos com banho de sol, ar puro, água pura, sangrias, massagens e dietas eram realizados nos templos. Roma A prática médica era voltada para questões de higiene e saúde pública por meio de seus aquedutos, esgotos,cister- nas e banhos públicos. A medicina romana aliava o reli- gioso, o mágico e o popular e, durante anos, foi exercida por estrangeiros e escravos. Fonte: Geovanini et al. (2019). É possível perceber e reconhecer que a compreensão dos seres huma- nos acerca de como agir sobre seus grupos e em seus grupos e as ações de cuidado com intuito de promover a saúde são distintos. Isso se deve ao fato de que eventos históricos e sociais, mudanças tecnológicas, demográ- ficas e econômicas, configurações familiares e de cultura são diferentes entre os pares. Assim, a história da construção do cuidado, basicamente, se relaciona com a sobrevivência do ser humano no mundo (BRITTO; JOAQUIM, 2013). Com base nessas considerações, a periodização relacionada ao desen- volvimento histórico das práticas de saúde no mundo primitivo, medieval e moderno está sintetizada na Figura 1.1. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 10_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 10 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 – 11 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar Figura 1.1 – Práticas de saúde Fonte: adaptada de Geovanini et al. (2019). A Figura 1.1 ilustra a trajetória da história do cuidado, que teve iní- cio com as práticas de saúde instintivas. Nesse período, o cuidado teve como pano de fundo as concepções evolucionista e teológica. Os homens exerciam as funções patriarcais e o sexo feminino desempenhava a prática do cuidado, principalmente das crianças, que eram sacrifi cadas por atra- palharem as atividades dos grupos. Ademais, a permanência delas em uma determinada área geográfi ca era condicionada à presença abundante de recursos naturais para os integrantes do grupo (GEOVANINI et al., 2019). Nas práticas de saúde no pensamento mágico-sacerdotal, o cui- dado passou a ser realizado por feiticeiros, pajés ou sacerdotes. A prática de saúde associava-se à prática religiosa, em uma luta de milagres e encan- tamentos contra os demônios causadores de doenças. Os sacerdotes exer- ciam o papel de mediador entre os homens e os deuses, investindo-se dos atributos das divindades e do poder de cura, da vida ou da morte. A cura era um jogo entre a natureza e a doença. Essa prática mágico-sacerdotal permaneceu por muitos séculos sendo desenvolvida em templos. Esses ambientes também eram utilizados de forma simultânea para o ensino dos conceitos primitivos de saúde (GEOVANINI et al., 2019). As práticas de saúde no alvorecer da ciência iniciaram-se no século V a.C., estendendo-se até os primeiros séculos da Era Cristã. Surgiram os primeiros fi lósofos e o conhecimento sobrenatural perde espaço. As prá- ticas de saúde passam a basear-se nas relações de causa e efeito, essen- cialmente marcadas pela experiência e pelo raciocínio lógico. Cuidar dos doentes era tarefa praticada por feiticeiros, sacerdotes e mulheres natu- _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 11_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 11 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 Introdução à Gestão Hospitalar – 12 – ralmente dotadas de aptidão e que possuíam conhecimentos rudimentares sobre ervas e preparo de remédios (GEOVANINI et al., 2019). Por volta do ano de 476 d.C., nos primeiros séculos do período cris- tão, as práticas de saúde sofrem a influência dos fatores socioeconômicos e políticos do medievo e da sociedade medieval. As práticas de saúde no período monástico-medieval apresentaram notáveis progressos, mas também retrocessos (GEOVANINI et al., 2019). Esse período foi marcado por grandes epidemias e pestes, entre elas varíola, difteria, sarampo, influenza, ergotismo, tuberculose, escabiose, erisipela, antraz, tracoma, miliária, mania dançante e a peste bubônica. A lepra foi considerada a grande praga da Idade Média e era vista como possessão do diabo, consequência de feiti- çarias, bem como sinais de purificação e da expiação dos pecados. A fé e a religiosidade eram consideradas fundamentais no trata- mento e cura, sendo a terapêutica baseada em milagres, adquiri- dos por meio da súplica, da mortificação e do arrependimento dos pecados (GUTIERREZ; OBERDIEK, 2001, p. 6-8). A igreja deteve, nessa época, o monopólio moral, intelectual e finan- ceiro e, enquanto precursora da lei, da caridade e da bondade, difundiu o dogmatismo cristão, pelo argumento de autoridade e hegemonia eclesiás- tica. O conhecimento em saúde era minado pelo ceticismo e desvinculado do interesse científico (GEOVANINI et al., 2019). As práticas de saúde pós-monásticas correspondem ao período que se estende do final do século XIII ao início do século XVI. Ocorreu a evo- lução das práticas de cuidado no contexto do movimento renascentista e da Reforma Protestante. O regime feudal entra em declínio em detrimento das mudanças revolucionárias da economia. Foi inevitável o colapso entre o clero e as autoridades políticas. As práticas de saúde avançaram para objetividade da observação e da experimentação com a expansão das uni- versidades da Europa (GEOVANINI et al., 2019). Gutierrez e Oberdiek (2001, p. 11) apontam que: A efervescência cultural da Renascença impulsionou o estudo do homem e da natureza. O Universo já não era aceito mais como obra do sobrenatural, fruto dos preceitos cristãos. Surge então alguns cientistas de renome como Nicolau Copérnico (1473-1543) que refuta o geocentrismo, formulando a teoria heliocêntrica, e Johann _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 12_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 12 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 – 13 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar Kepler (1571-1630) que apontou o movimento elíptico dos astros, preparando caminhos para Isaac Newton (1642-1727) descobrir a lei da gravitação universal, entre outros. Esse período foi centrado no estudo do organismo humano, seu com- portamento e doenças com divisão hierárquica acentuada entre nobres, burgueses e artesãos e pobres. Na prática médica, despontaram Miguel Servet (1511-1553) e William Harvey (1578-1657), que descobriram o mecanismo da circulação sanguínea, ou seja, a circulação pulmonar pelas artérias e o retorno do sangue ao coração pelas veias; André Vesálio (1514- 1590), que se transformou no pai da anatomia moderna; e Ambroise Paré (1509-1564), que defendeu a laqueação das artérias no lugar da tradicional cauterização (GUTIERREZ; OBERDIEK, 2001). As práticas de saúde no mundo moderno foram analisadas sob a ótica do sistema político-econômico da sociedade capitalista. Teve início com a Revolução Industrial no século XVI. Nessa época, a população migrou do campo para os novos centros industriais, o que, por sua vez, resultou na propagação de doenças transmissíveis em virtude das precá- rias condições sanitárias. Dessa forma, a doença passou a ser vista como um obstáculo à força produtiva do trabalhador, com destaque para redução da produção e da economia, e a saúde sob a ótica de objeto de consumo (GEOVANINI et al., 2019). Assim, o cuidado humano esteve direcionado para a prática da recuperação da saúde da população pela necessidade crescente de força laborativa. Lourenço et al. (2012, p. 20) destacam que nos séculos XVII e XVIII ocorreram muitos avanços na medicina, com o descobrimento do microscópio e o desenvolvimento da bacteriologia. A teoria da unicausalidade das doenças sofreu modificações e, já no iní- cio do século XX, especialmente a partir da década de 1920, o modelo da multicausalidade tornou-se dominante nas práticas de saúde (VECINA NETO; MALIK, 2012). A epidemiologia assume a multicausalidade de influência positi- vista para explicar a ocorrência das doenças, haja vista que a unicausa- lidade não estava suprindo elucidar a transição ocorrida entre as doenças infecciosas e parasitárias e as doenças crônico-degenerativas oriundas da expansão econômica e do processo de envelhecimento da população. O surgimento da tríade ecológica (agente, hospedeiro e meio ambiente) sis- _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 13_MIOLO_Introduçãoà Gestão Hospitalar.indb 13 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 Introdução à Gestão Hospitalar – 14 – tematizou estudos epidemiológicos com intuito de controlar e prevenir doenças (RAMOS et al., 2016), contribuindo com as práticas assistenciais de saúde. Na contemporaneidade, apesar de o paradigma da objetividade ser onipresente nas práticas de saúde, torna-se necessário mobilizar os profis- sionais de saúde de apoio assistencial a realizarem práticas direcionadas a valorizar o cuidado racional e também empoderar o lado da subjetividade (SALVIANO et al., 2016). Desse modo, equacionar os paradigmas referentes ao cuidado é demanda crescente. Ayres (2017, p. 1-2) esclarece que: Em um mundo marcado por iniquidades, injustiças, violências, sofrimentos, é quase intuitivo perceber que tomar o cuidado como tema constitui um movimento reconstrutivo (reconstrução de valo- res, de conceitos, de práticas). [...] por tão radicais e duradouras assimetrias de visibilidade e possibilidades de expressão entre as pessoas, pensar o cuidado não pode senão nos levar à busca de dar voz a essas perspectivas subjetivas negligenciadas, oprimidas ou desconhecidas. E não é diferente no campo da saúde; não poderia ser, especialmente nesse campo que lida tão próxima e cotidiana- mente com a vida, em suas indissociáveis expressões corporais, mentais e existenciais. 1.2 Bases conceituais do processo saúde- doença e sua determinação social e histórica Os conceitos de saúde e doença são construídos ao longo da história considerando aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais, ocasio- nando significados contraditórios entre as pessoas. Isso ocorre porque a construção desses conceitos é influenciada pela época, lugar, classe social e valores individuais, somada a concepções científicas, religiosas e filosó- ficas (SILVA, 2016). Campos et al. (2012, p. 113-4) colocam que: O conceito de saúde, ao longo do tempo, vem sendo modificado, adquirindo novos contornos e conexões com outros campos de ação da vida humana. Não se contenta mais com a sua simplifi- cação, e dizer que “saúde é um estado caracterizado pela ausência _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 14_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 14 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 – 15 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar de doenças” é reduzi-lo a um patamar muito pobre em que saúde e doença se configuram apenas em opostos destituídos de qual- quer ação humana. Mesmo a tentativa da Organização Mundial de Saúde, de conceber um conceito mais ampliado de saúde, na década de 40 no século passado, como “completo bem-estar biop- sicossocial”, parece ter esbarrado em uma certa totalidade ideali- zada, em que, de novo, não aparece quem seriam os responsáveis pela produção do “completo estado de bem-estar”, caso ele fosse possível. A saúde pode ser entendida como resultado das condições concretas (objetivas) da vida da população, que, por sua vez, resulta da ação política (condições subjetivas) dos sujeitos sociais, que disputam recursos finan- ceiros, políticos, institucionais, entre outros (CAMPOS et al., 2012). A Figura 1.2 ilustra elementos para a construção do conceito de saúde. Figura 1.2 – Elementos para construção do conceito de saúde Fonte: adaptada de Almeida Filho (2011). Ao considerar o conceito de saúde como resultado de um amplo espectro de fatores, tais como educação, habitação, alimentação, lazer, entre outros, remete-se à proposição de um discurso social sobre a saúde (SOUZA et al., 2018). Nesse sentido, construir a medicina social foi importante para construção teórico-conceitual do termo, com pesqui- sas sociais e epidemiológicas acerca dos determinantes econômicos da doença e do sistema de saúde (CAMPOS et al., 2012). Nesse campo, as primeiras aproximações que contribuíram para a conformação do que hoje _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 15_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 15 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 Introdução à Gestão Hospitalar – 16 – se reconhece como “conceito ampliado de saúde” se deram até mesmo antes da consolidação do modelo biologicista, predominante nos dias atu- ais (SOUZA et al., 2018). Almeida Filho (2011) indica que a saúde constitui um objeto com- plexo, que se referencia por meio de conceitos (pela linguagem comum e pela filosofia do conhecimento), apreensível empiricamente (pelas ciên- cias biológicas e, em particular, pelas ciências clínicas), analisável (no plano lógico, matemático e probabilístico, pela epidemiologia) e percep- tível por seus efeitos sobre condições de vida dos sujeitos, pelas ciências sociais e humanas. Ou seja, essas ciências, por exemplo, antropologia, sociologia, ética e estética, consolidaram-se e tornaram-se relevantes para compreender o processo de vida, do trabalho, da saúde e da doença. Tais abordagens somente foram possíveis porque essas disciplinas utilizaram da bagagem teórico-conceitual, a qual orientou as investigações e a busca de nexos de sentido entre o biológico, o social e o cultural (CAMPOS et al., 2012). No que diz respeito à reconceitualização das necessidades de saúde, almeja-se recuperar os aspectos culturais envolvidos na sua definição, principalmente seus componentes psicológicos e subjetivos: Saúde e doença, bem-estar e mal-estar são fenômenos não apenas físicos que se manifestam pelo bom ou mau funcionamento de um órgão, mas ao mesmo tempo possuem uma dimensão psicológica que passa pelo vivenciar e pela emoção de cada indivíduo. São fenômenos que possuem uma dimensão sociocultural, coletiva, e outra psicobiológica, individual, que não deveriam ser dicotomi- zadas. Devem então ser compreendidos enquanto parte do modo de organização da vida cotidiana e da história pessoal de cada um (VAITSMAN, 1992, p. 157-158 apud PAIM, 1997, p. 17). Já em relação à reconceitualização de saúde, autores criticam o cha- mado “conceito ampliado de saúde” por restringir-se à concepção de saúde como resultado das formas de organização da produção. A existência de saúde, que é física e mental – está ligada a uma série de condições irredutíveis umas às outras [...] É produzida dentro de sociedades que, além da produção, possuem formas de organização da vida cotidiana, da sociabilidade, da afetividade, da sensualidade, da subjetividade, da cultura e do lazer, das rela- _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 16_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 16 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 – 17 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar ções com o meio ambiente. É antes resultante do conjunto da expe- riência social, individualizada em cada sentir e vivenciada num corpo que é também, não esqueçamos, biológico. Uma concep- ção de saúde não reducionista deveria recuperar o significado do indivíduo em sua singularidade e subjetividade na relação com os outros e com o mundo. Pensar a saúde hoje passa então por pensar o indivíduo em sua organização da vida cotidiana, tal como esta se expressa não só através do trabalho mas também do lazer – ou da sua ausência, por exemplo – do afeto, da sexualidade, das rela- ções com o meio ambiente. Uma concepção ampliada da saúde passaria então por pensar a recriação da vida sobre novas bases [...] (VAITSMAN, 1992, p. 171 apud PAIM, 1997, p. 17). Dessa forma, considera-se que saúde e doença são [...] um único processo que resulta da interação do homem consigo mesmo, com outros homens na sociedade e com elementos bióti- cos e abióticos do meio. Esta interação se desenvolve nos espaços sociais, psicológico e ecológico, e como processo tem dimensão histórica [...]. A saúde é entendida como o estado dinâmico de adaptação a mais perfeita possível às condições de vida em dada comunidade humana, num certo momento da escala histórica [...]. A doença é considerada, então, como manifestação de distúrbios de função e estrutura decorrentes da falência dos mecanismos de adaptação, que se traduz em respostasinadequadas aos estímulos e pressões aos quais os indivíduos e grupos humanos estão conti- nuamente submetidos nos espaços social, psicológico e ecológico (SILVA, 1973, p. 31-32 apud PAIM, 1997, p. 13). E o processo saúde-doença é considerado [...] um qualificativo empregado para adjetivar genericamente um determinado contexto social, qual seja, a maneira específica de passar de um estado de saúde para um estado de doença e seu modo recíproco. Descontextualizada, a expressão saúde-doença refere-se a uma ampla gama, que vai desde “o estado de completo bem-estar físico, mental e social” até o de doença, passando pela coexistência de ambos em proporções diversas. A ausência gra- dativa ou completa de um desses estados corresponde ao espaço do outro, e vice-versa (ROUQUAYROL; GURGEL, 2018, p. 10). Hodiernamente, os condicionantes e determinantes de saúde são elementos envolvidos no processo saúde e doença. Para Oliveira et al. (2015), os determinantes estão relacionados às condições materiais neces- sárias à subsistência, à nutrição, à habitação, ao saneamento básico e às _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 17_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 17 08/12/2020 16:12:1608/12/2020 16:12:16 Introdução à Gest ão Hospitalar – 18 – condições do meio ambiente. Já os condicionantes estão voltados para os estilos de vida, formas social e culturalmente determinadas de vida que se expressam no padrão alimentar, no dispêndio energético cotidiano no trabalho e no esporte, em hábitos como fumo, consumo de álcool e lazer. Na compreensão apresentada, a saúde é entendida como uma dimen- são de caráter social, dinâmico e interativo com outros aspectos; enquanto a doença pode ser decorrente do desequilíbrio de áreas relevantes para continuidade da vida. Por exemplo, a Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/1990), a qual dispõe sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, aponta que os níveis de saúde expressam a organi- zação social e econômica do país. A saúde tem como determinantes e con- dicionantes, entre outros (BRASIL, 1990), os apresentados na Figura 1.3. Figura 1.3 – Principais condicionantes e determinantes de saúde, segundo a Lei n. 8.080/1990 Fonte: adaptada de Brasil (1990). Por outro lado, George (2011) apresenta os determinantes de saúde em cinco categorias, sintetizadas na Figura 1.4. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 18_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 18 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 – 19 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar Figura 1.4 – Determinantes de saúde Fonte: adaptada de George (2011). Para exemplifi car a complexidade do processo saúde e doença, vamos analisar os dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE) sobre o Fundo Municipal de Saneamento Básico (Figura 1.5) versus a proporção de municípios com ocorrência de endemias ou epidemias causadas pelo mosquito Aedes aegypti segundo as Grandes Regiões (Figura 1.6) e de acordo com as classes de tamanho da população dos munícipios brasileiros em 2011 e 2017 (Figura 1.7). Figura 1.5 – Proporção de municípios com Fundo Municipal de Saneamento Básico, segundo as Grandes Regiões e as classes de tamanho da população dos municípios – 2011/2017 Fonte: IBGE (2017, p. 26). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 19_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 19 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 Introdução à Gest ão Hospitalar – 20 – Figura 1.6 – Proporção de municípios com ocorrência de endemias ou epidemias causadas pelo mosquito Aedes aegypti, segundo as Grandes Regiões – 2017 Fonte: IBGE (2017, p. 31). Figura 1.7 – Proporção de municípios com ocorrência de endemias ou epidemias causadas pelo mosquito Aedes aegypti, segundo as classes de tamanho da população dos municípios – 2017 Fonte: IBGE (2017, p. 31). É possível observar que, embora tenha ocorrido uma elevação do fundo municipal para saneamento básico, nota-se que a ocorrência de endemias ou epidemias é superior em regiões com recursos mais limita- dos. Por exemplo, em 2017 a região Nordeste apresentou a menor taxa de fundo municipal e, por consequência, o maior índice de doenças causadas pelo mosquito Aedes aegypti. Apesar de o fundo ser maior em muníci- pios brasileiros com população superior a 500 mil habitantes, observa-se _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 20_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 20 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 – 21 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar uma disparidade na ocorrência das doenças quando se compara a regi- ões menos privilegiadas desse tipo de recurso orçamentário. Ainda que não seja uma análise aprofundada do tema abordado, os dados indicam que, do ponto de vista do processo saúde e doença, é necessário avaliar outros determinantes de saúde, bem como entender os modelos explicati- vos desse processo ocorridos no decorrer da história da humanidade, com vistas à resolutividade desse problema nacional. Dessa forma, os cinco principais modelos explicativos do processo saúde-doença estão sintetizados a seguir. 2 Modelo mágico-religioso: com predomínio na Antiguidade. O adoecer era resultado de transgressões de natureza individual ou coletiva (CRUZ, 2012). Assim, as doenças eram concebidas por forças sobrenaturais e pela noção de pecado-doença e redenção- -cura. 2 Modelo biomédico: vinculado ao contexto do Renascimento. Também conhecido como modelo mecanicista, predominante nos dias atuais. Adota-se a unicausalidade em busca de iden- tificar a causa que, por determinação mecânica, unidirecional e progressiva, explicaria o fenômeno do adoecer (PUTTINI; PEREIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2010; CRUZ, 2012). 2 Modelo sistêmico: a compreensão mais abrangente do processo saúde-doença ocorreu no final da década de 1970. Deu início à concepção do processo sistêmico e sinérgico, no qual dois fato- res elevariam o risco de adoecer. Esse é, portanto, resultado da sinergia e uma multiplicidade de fatores como, por exemplo, políticos, econômicos, sociais, culturais e psicológicos, entre outros. Contestava a ótica unidimensional e fragmentária do modelo biomédico, na medida em que os diferentes elementos do ecossistema contribuíam no processo saúde-doença (CRUZ, 2012). As diarreias são um bom exemplo da estruturação sinér- gica dos fatores que conduzem à doença e sua continuidade (Figura 1.8). Destaca-se em posição central a interação sinérgica entre a síndrome diarreica e a desnutrição. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 21_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 21 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 Introdução à Gest ão Hospitalar – 22 – Figura 1.8 – Sinergismo multifatorial na determinação das doenças diarreicas Fonte: adaptada de Rouquayrol et al. (2002) apud Cruz (2012, p. 26). 2 Modelo processual: proposto por Leavell e Clark (1976), baseia-se na história natural das doenças (multicausalidade). De acordo com esse modelo, a saúde é o resultado do equilíbrio de três elementos, a saber: o indivíduo, o meio ambiente e o agente etiológico. O resultado do desequilíbrio desses elementos seria a doença (SOARES et al., 2013). A saúde é vista como um processo com acúmulo de conhecimento científi co, com expan- são de ações individuais e coletivas que visem promover a saúde e prevenir doenças de indivíduos acometidos ou não por doen- ças (PUTTINI; PEREIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2010). Esse modelo divide-se em dois períodos (Figura 1.9): 2 pré-patogênico – refere-se ao perí odo anterior à doenç a se instalar ou se desenvolver no ser humano. Nesse perí odo, é possí vel desenvolver aç õ es primárias de proteç ã o especí fi ca e promoç ã o como, por exemplo, vacinas e educação em todos os níveis, respectivamente (GALLE- GUILLOS, 2014). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 22_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 22 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 – 23 – Cuidado, saúdee assistência hospitalar 2 patogênico – corresponde ao momento em que a doenç a se instala e pode apresentar sinais e sintomas, assim como consequê ncias mais ou menos importantes, e até sequelas. Cabem ações de prevenção secundária (diagnóstico pre- coce, tratamento imediato e limitações de incapacidades) e terciária (reabilitação, por exemplo) (GALLEGUILLOS, 2014). Figura 1.9 – História natural da doença Fonte: Rouquayrol e Gurgel (2018). A depender dos fatores e da forma como que se estruturam no perí- odo pré-patogênico, podem ocorrer situações de risco. Por exemplo, indi- víduos com melhores condições de vida, os quais dispõem de meios ade- quados, possuem baixa probabilidade de adoecerem por cólera. No outro extremo, os usuários de substâncias injetáveis, ao compartilhar coletiva- mente a mesma agulha, favorecem os fatores pré-patogênicos, os quais estão expostos a uma situação de alto risco em adquirir doenças, entre _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 23_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 23 08/12/2020 16:12:1708/12/2020 16:12:17 Introdução à Gestão Hospitalar – 24 – elas, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, também denominada AIDS (ROUQUAYROL; GURGEL, 2018). 2 Modelo da determinação social: construção democrática em saúde dos determinantes sociais, ecológicos e políticos e da organização do sistema de saúde, que se inspira na promoção de saúde para o planejamento dos variados tipos de atenção, complexidade e organização do sistema de saúde. Os Determi- nantes Sociais da Saúde (DSS) compreendem os determinantes vinculados aos comportamentos individuais, às condições de vida e de trabalho, bem como os relacionados à macroestrutura econômica, social e cultural. De modo geral, visam reduzir as iniquidades em saúde (GALLEGUILLOS, 2014). A Comissão Nacional sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) coloca que os DSS são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocor- rência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população. Com base nos mais variados estudos sobre os DSS e as iniquidades em saúde, foi possível elencar modelos que visem esquematizar as relações entre os vários níveis de determinantes sociais e a situação de saúde (CNDSS, 2008). Atualmente, o modelo de Dahlgren e Whitehead é o mais estudado no Brasil. Esse modelo, conforme mostra a Figura 1.10, estabelece níveis de determinantes que vão do individual ao macrossocial. Figura 1.10 – Determinantes sociais: modelo de Dahlgreen e Whitehead Fonte: CNDSS (2008). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 24_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 24 08/12/2020 16:12:1808/12/2020 16:12:18 – 25 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar O modelo de Dahlgren e Whitehead dispõe os DSS em diferentes camadas, de acordo com o seu nível de abrangência, desde aquelas que expressam as características individuais até aquelas em que se situam os macrodeterminantes. A Figura 1.10 mostra que os indivíduos estão na base do modelo, com suas características individuais, tais como idade, sexo e fatores genéticos que, evidentemente, exercem influência sobre seu potencial e suas condições de saúde (CNDSS, 2008). O nível seguinte é representado pelo comportamento e os estilos de vida individuais. Situa-se no limiar entre os fatores individuais e os DSS, pois os comportamentos, além de dependerem das opções individuais, são dependentes de DSS, como acesso a informações, propagandas, pressão de pares, possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços de lazer, entre outros (CNDSS, 2008). A camada seguinte aponta influência das redes comunitárias e de apoio, cuja maior ou menor riqueza expressa o nível de coesão social, reconhecidamente de fundamental importância para a saúde da sociedade como um todo. No próximo nível, estão representados os fatores rela- cionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais (saúde e educação). Indicam que desvantagens sociais retratam exposição e vulnerabilidade a riscos à saúde de forma distinta, decorrentes de condições habitacionais inade- quadas, exposição a condições mais perigosas em atividades laborativas e acessibilidade aos serviços com menor frequência. No último nível, encontram-se os macrodeterminantes que influenciam todas as camadas. Estão relacionados às condições econômicas, culturais e ambientais da sociedade, incluindo os determinantes supranacionais, como o processo de globalização (CNDSS, 2008). 1.3 Origem dos hospitais A palavra hospital, utilizada desde o século XII, é de raiz latina (Hos- pitale). Vem de hospes (hóspedes), pois, naquela época, as casas eram direcionadas à assistência de peregrinos, pobres e enfermos. Renomados medievalistas, tais como Marc Bloch (1886-1944), Georges Duby (1919- 1996), Michel Mollat (1911-1996), Bronislaw Geremek (1932-2008) ou _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 25_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 25 08/12/2020 16:12:1808/12/2020 16:12:18 Introdução à Gestão Hospitalar – 26 – Jacques Le Goff (1924-2014), dedicaram-se a esses locais, considera- dos de passagem e acolhimento, majoritariamente, de caráter religioso e demonstrado no século VII pelo termo Hôtel-Dieu, na França (FIGUEI- REDO, 2019). De acordo com Catão (2011, p. 102): Desde a Idade Média que o hospital é fundamental para a vida urbana do Ocidente, mas não como uma instituição médica, pois, nessa época, a medicina não se tratava de uma prática exclusiva- mente nosocomial, haja vista que até o século XVIII, o personagem principal do hospital não era o doente a ser curado e sim o pobre que estava morrendo e precisava ser assistido material e espiritu- almente, sendo esta a função essencial do nosocômio. Nesse perí- odo, dizia-se que o estabelecimento hospitalar era um local onde se entrava para morrer, um morredouro e, devido a isto, as possibili- dades de hospitalização eram temidas pelas populações de poucas posses. Logo, as pessoas que atuavam nas estruturas hospitalares não tinham o objetivo específico voltado para a cura do enfermo, mas a conseguir a salvação do mesmo, sendo, consequentemente, um pessoal caritativo, podendo ser religioso ou leigo. Para Badalotti e Barbisan (2015), o hospital como espaço pleno de simbologia e significado passa ao longo dos séculos por uma evolução da edificação e de sentido. Inicialmente, servia como uma estrutura de sepa- ração e exclusão e, evolutivamente, passa a um ambiente de diagnóstico e cura. O Quadro 1.2 organiza a evolução do edifício hospitalar através dos tempos em três períodos, a saber: Antiguidade, Idade Média e Idade Moderna. Quadro 1.2 – Evolução do edifício hospitalar Período Características Antiguidade Compreendeu o ano de 4.000 a.C. até o ano de 476 d.C., a época da queda do Império Romano. A pro- posta arquitetônica desse período baseava-se na assis- tência à alma dos indivíduos, um espaço de acolhi- mento de peregrinos e doentes. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 26_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 26 08/12/2020 16:12:1808/12/2020 16:12:18 – 27 – Cuidado, saúde e assistência hospitalar Período Características Idade Média Deu-se início ao conceito de hospital como lugar de atenção ao enfermo em regime de internação. A ima- gem do hospital era usualmente associada à morte, seu objetivo maior era além do abrigo aos viajantes, o confinamento das pessoas doentes como, por exem- plo, leprosários. Geralmente, as pessoas que busca- vam o hospital era para morrer. Idade Moderna Compreendeu os anos entre 1453 e 1789, data da Revolução Francesa. Nessa época, surgiu o hospital pavilhonar, considerado a solução arquitetônica ideal, após a descoberta da transmissão de microrganismos em 1860. Com o fortalecimento da força de trabalho na produção industrial, a prática de cuidado voltou- -se para recuperação dasaúde dos indivíduos. O hos- pital se transforma em um ambiente terapêutico e de produção de conhecimento científico, e o cuidado começa a ser exercido por profissionais de saúde e/ou profissionais treinados. Fonte: Badalotti e Barbisan (2015); Salviano et al. (2016). O surgimento do hospital como instrumento terapêutico foi obser- vado no final do século XVIII, quando foram iniciadas visitações e obser- vações sistemáticas pelos nosocômios europeus, cuja finalidade era definir um programa de reforma hospitalar. Com efeito, o hospital moderno é o resultado histórico das políticas sociais dos Estados e dos progressos cien- tíficos da humanidade (CATÃO, 2011). O termo hospital tem hoje a mesma acepção de nosocomium, de fonte grega, cuja significação é “tratar os doentes”. Nos dias atuais, o hospital é conceituado como qualquer estabelecimento com pelo menos cinco leitos para a internação de pacientes, que garanta um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médico (BRASIL, 2011). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 27_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 27 08/12/2020 16:12:1808/12/2020 16:12:18 Introdução à Gestão Hospitalar – 28 – Saiba mais THE1 HEALTH Adviser. A evolução da saúde. 9 fev. 2018. Disponí- vel em: <http://the1.com.br/a-evolucao-da-saude/>. Acesso em: 18 out. 2019. Atividades 1. Quais foram as principais práticas de saúde expressadas no decorrer histórico da humanidade? 2. Cite alguns determinantes de saúde que estão envolvidos na pro- liferação do Aedes aegypti e a ocorrência de dengue. 3. Aponte fragilidades do modelo biomédico no processo saúde- -doença. 4. Descreva, sucintamente, a evolução dos hospitais. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 28_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 28 08/12/2020 16:12:1808/12/2020 16:12:18 2 Síntese da saúde pública no Brasil Neste capítulo, objetiva-se analisar a trajetória histórica da saúde pública para concretização do Sistema Único de Saúde (SUS); e compreender os fundamentos legais desse sistema, buscando identifi car seus avanços e desafi os. Para entender as difi culdades do sistema de saúde brasileiro, é possível citar algu- mas situações, como fi las frequentes, falta de leitos hospitalares, escassez de recursos humanos, técnicos e orçamentários, doenças emergentes e reemergentes e melhorias, ou não, em indicadores epidemiológicos. É importante reconhecer as rupturas e continui- dades dos eventos históricos, políticos, sociais e econômicos que impactaram na construção do SUS, da mesma forma que conti- nuam a refl etir sobre as ações de saúde pública do século atual. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 29_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 29 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 30 – 2.1 Trajetória histórica da saúde pública – antecedentes e era SUS A evolução histórica das políticas de saúde não pode ser dissociada da evolução política, social e econômica do país. Rouquayrol e Gurgel (2018) descrevem que, no sistema capitalista, a saúde nunca foi tratada como prioridade. Historicamente, a saúde pública só recebeu atenção dos governantes quando ocorreram grandes epidemias, como a da COVID- 19, que ameaçam a economia do país. Por outro lado, a organização e a reivindicação dos trabalhadores contribuíram para as conquistas sociais do direito à saúde e à previdência em diferentes momentos históricos (POLIGNANO, 2001). Conforme salienta Polignano (2001, p. 1), ao analisar o contexto his- tórico das políticas de saúde brasileiras, faz-se necessária a definição de algumas premissas importantes, elencadas a seguir: a) não existe dicotomia entre a evolução histórica das políticas de saúde e a evolução político-social e econômica da sociedade brasileira. b) o processo evolutivo sempre esteve norteado pela ótica do avanço do capitalismo, com forte influência do capitalismo internacional. c) no Estado brasileiro, a saúde sempre foi deixada às margens do sistema, principalmente quando relacionada a problemas de saúde enfrentados pela população e à destinação de recursos vol- tados para o setor da saúde. d) as ações de saúde governamentais buscavam incorporar os pro- blemas de saúde em grupos sociais de regiões socioeconômicas igualmente importantes dentro da estrutura social vigente; essas ações têm sido direcionadas para grupos, em geral, organizados e não socialmente dispersos. e) a conquista dos direitos sociais (saúde e previdência) tem sido resultante do poder de luta, de organização e de reivindicação _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 30_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 30 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 31 – Síntese da saúde pública no Brasil dos trabalhadores brasileiros, e nunca como uma prioridade do Estado, como alguns governos querem fazer parecer. f) a falta de definições claras faz com que a história da saúde se confunda com a história da previdência social no Brasil em determinados períodos. g) a medicina preventiva e curativa sempre foi uma constante rival nas diversas políticas de saúde implementadas pelos mais varia- dos governantes. Outros autores, como Paim et al. (2011), reforçam que a reforma sanitária brasileira ocorreu pela luta da sociedade e civil, e não por orga- nizações partidárias brasileiras ou internacionais. As políticas públicas de saúde foram construídas e sustentadas em diferentes períodos históricos. Os primeiros relatos são identificados no período colonial (1500-1822), com ações restritas de saúde pública à popu- lação urbana. Até 1850, as atividades de saúde pública estavam limitadas às funções sanitárias, em especial, para controlar as doenças pestilentas oriundas do transporte marítimo e dos portos (POLIGNANO, 2001). O Quadro 2.1 sintetiza, com recortes históricos, como ocorreu a construção do SUS. Quadro 2.1 – Principais marcos históricos para construção do Sistema Único de Saúde Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde Colonial (1500– 1822) - A matéria- -prima era explorada sob monopólio de Portugal. - Portugal mantinha o controle político e cultural. - Governo unitário e centra- lizador. - Criação de hospitais da Santa Casa de Misericór- dia (Santos, São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro, Belém e Olinda). - Organização sani- tária incipiente. - Doenças pestilentas. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 31_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 31 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 32 – Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde Império (1822– 1889) - Surge o capita- lismo moderno e começa a industrialização. - Cen- tralismo político e sistema de coronelismo. - Controle político por grandes proprietários de terra. - Polícia sanitária vigente nas estruturas de saúde. - Ênfase na centralização dos municípios para administrar a saúde. - 1828-1850 (Formação das primeiras institui- ções para controlar os portos e as epidemias). - Doenças pestilentas. - Prioridade da vigilância sanitária. República Velha (1889– 1930) - Economia agropecuária e exporta- dora (capital comercial). - A crise da produção cafeeira e portos insalubres. - Predo- mínio do liberalismo oligárquico. - As questões sociais tornaram-se emergentes e as revoltas milita- res eram constantes. - 1897 (Diretoria Geral de Saúde Pública – DGSP). - 1907 (Reformas das competências da DGSP – Oswaldo Cruz). - 1923 (Caixas de Apo- sentadoria e Pensão – Lei Eloy Chaves). - Fase tímida da assis- tência à saúde pela previdência social. - Saúde pública e previdên- cia social dicotômicas. - Doenças pestilenciais, por exemplo, febreama- rela, varíola, peste, tubercu- lose, sífilis, endemias rurais, entre outras, como doenças de massa. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 32_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 32 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 33 – Síntese da saúde pública no Brasil Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde Era Vargas (1930– 1945) - Industrializa- ção e manuten- ção da atividade agrária. - “Estado Novo”. - Estado autoritário entre 1937 e 1938, identificado com o nazi- fascismo. - A saúde pública pas- sou a ser instituída pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, enquanto a previdência social e a saúde ocupacional ficaram sob responsabilidade do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. - Ações campanhistas contra febre amarela e tuberculose. - 1933-1938 (Institutos de Aposentadoria e Pensão – IAP – extensão da previ- dência social aos trabalha- dores da área urbana). - 1941 (1.ª Conferência Nacional de Saúde com o lema da defesa sanitá- ria, da assistência social e da proteção materno- -infantil e adolescência). - Predomi- nância de endemias rurais (p. ex., doença de Chagas, esquistos- somose ancilostomí- ase, malária), tuberculose, sífilis e deficiências nutricionais. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 33_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 33 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 34 – Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde Instabili- dade demo- crática (1945– 1964) - As impor- tações foram substituídas, crescimento das cidades, migrações. - Início das indústrias de automóveis e investimen- tos de capital internacional. - Governos liberais e populistas. - 1950 (2.ª Conferência Nacional de Saúde: higiene e segurança do trabalho e prevenção da saúde a trabalhadores e gestantes). - 1953 (Criação do Ministério da Saúde). - 1960 (Leis unificam os direitos de previdência social dos trabalhadores urbanos). - 1961 (Código Nacio- nal de Saúde). - Expansão da assis- tência hospitalar. - As empresas de saúde ganham notório destaque. - 1963 (3.ª Conferên- cia Nacional da Saúde, cuja proposta era des- centralizar a saúde) - Doenças modernas emergentes (p. ex., doen- ças crônicas e causas externas). Ditadura Militar (1964– 1985) - Internacio- nalização da economia. - 1968-1973 (Milagre econômico). - Final do mila- gre econômico. - Capitalismo cresce no campo e no serviço. - 1964 (Golpe militar). - 1966 (Reforma adminis- trativa). - 1974 (Crise política e novas eleições). - 1974/1979 (Abertura política lenta, segura e gradual). - 1966 (IAP são unificados no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, a assistência médica foi privatizada e ocorreu a capi- talização do setor da saúde). - 1967 (4.ª Conferência Nacional de Saúde, enfa- tizando a necessidade de recursos humanos no país). - A medicina pela previdên- cia social é capitalizada. - O sistema de saúde em crise. - Predomínio das enfer- midades da moder- nidade. - Persistem as endemias rurais e a urbanização. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 34_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 34 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 35 – Síntese da saúde pública no Brasil Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde - 1976 (Cria- ção do Cen- tro Brasileiro de Estudos da Saúde e movimentos sociais). - 1979 (1.º Simpósio de Política de Saúde do Congresso). - 1974/1984 (Transição política). - 1979 (Criação da Associação Brasileira em Pós- -Graduação em Saúde Coletiva). - Programas de Extensão de Cobertura (PEC) para populações rurais com menos de 20 mil habitantes. - 1975 (5.ª Conferência Nacional de Saúde: elaborar política nacional de saúde; implementar o Sistema Nacional de Saúde; Programa de Saúde Materno-Infantil; Sistema Nacional de Vigilância). - Crise na previdência social. - 1977 (Instituto Nacional da Assistência Médica da Pre- vidência Social – INAMPS). - 1977 (6.ª Conferência Nacional de Saúde: controle das grandes endemias e interiorização dos serviços). - 1980 (7.ª Conferência Nacional de Saúde: implantar e desenvolver serviços básicos de saúde – PrevSaúde – para expan- dir as ações de saúde). - Centralizar o sistema de saúde, fragmentar institu- cionalmente, ocasionando benefícios ao setor privado. - Estados e municípios são financiados pelo INAMPS. - Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste se destaca- ram no aco- metimento da população por doenças infecciosas e parasitárias. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 35_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 35 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 36 – Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde Transição demo- crática (1985– 1988) - Fim da reces- são, reconheci- mento da dívida social e planos de estabilização econômica. - 1985 (Iní- cio da “Nova República”). - Saúde é incluída em pautas políticas. - A reforma sanitária com maior destaque. - Assembleia Nacional Constituinte. - 1988 (Nova Consti- tuição). - INAMPS conti- nuou a financiar esta- dos e municípios. - Expansão das ações integradas em saúde – AIS. - 1986 (8.ª Conferência Nacional de Saúde: Marco da Reforma Sanitária. Saúde com Direito; reformulação do Sistema Nacional de Saúde e financiamento setorial). - 1987 (Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde – SUDS). - Contenção das polí- ticas privatizantes. - Novos canais de par- ticipação popular. - A mortali- dade infantil e de doenças imunopre- veníveis teve queda. - As doenças cardiovas- culares e cânceres persistiam na população. - Elevado o número de óbitos decorrentes de violências e relaciona- das à AIDS. - Epidemia de dengue. Demo- cracia (1988– 2010) - Crise econômica (hiperinflação). - 1994 (Ajuste macroeconô- mico – Plano Real). - Presidente Fernando Collor de Mello eleito e submetido a impea- chment. - 1993-94 (Restante do mandato presidencial exercido pelo vice- -presidente Itamar Franco). - Criação do SUS. - Descentralização do sistema de saúde. - 1992 (9.ª Conferência Nacional de Saúde: descentralizando e democratizando o conhecimento. Municipalização é o caminho). - 1993 (Extinção do INAMPS). - 1994 (Criação do Programa de Saúde da Família). - Epidemias de cólera e dengue. - Mortali- dade por causas externas. - Princi- pais causas de morte: doenças do sistema _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 36_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 36 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 37 – Síntese da saúde pública no Brasil Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde - Estabilidade econômica, recuperação dos níveis de renda, movi- mento cíclico (altos e baixos), persistência das desigualdades, continuidade da política monetarista. - 1995-1998 e 1999-2002 (Governos de Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB). - 1995 (Reforma do Estado). - 2003-06 e 2007-10 (Governos de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhado- res – PT). - 1996 (Crise de financiamento e criação da Contribuição Provi- sória sobre a Movimen- tação Financeira). - 1996 (10.ª Conferência Nacional de Saúde: construindo um modelo de atenção à saúde para a qualidade de vida). - Tratamento gratuito para HIV/AIDS pelo SUS. - 1998 (Financiamento via Piso da Atenção Básica). - Normas OperacionaisBási- cas (NOB) e de assistência à saúde (regionalização). - Planos de saúde priva- dos são regulamentados. - 1999 (Criada a Agên- cia Nacional de Vigi- lância Sanitária). - 2000 (11.ª Conferência Nacional de Saúde – Efe- tivando o SUS: acesso, qualidade e humaniza- ção na atenção à saúde com controle social). - 2000 (Criada a Agên- cia Nacional de Saúde Suplementar). - Criada a lei dos medi- camentos genéricos. cardiovas- cular, causas externas e cânceres. - A mortali- dade infantil foi reduzida. - Casos de tuberculose estacionados. - Estabili- zação da prevalência de AIDS. - Dengue, leishmaniose visceral e malária com taxas crescentes. - Expectativa de vida em torno de 72,8 anos (69,6 para homens e 76,7 para mulheres) no início do século XXI. - Mortali- dade infantil de 20,7 por mil nascidos vivos (2006). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 37_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 37 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 38 – Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde - Saúde do indígena como parte do SUS (Lei Arouca). - 2000 (Emenda Constitucio- nal 29 visando à estabili- dade de financiamento do SUS. Definiu as respon- sabilidades da União, estados e municípios). - 2001 (Aprovada a Lei da Reforma Psiquiátrica). - Expansão e consolida- ção da atenção primária. - 2003 (12.ª Conferência Nacional de Saúde – Con- ferência Sérgio Arouca – Saúde: um direito de todos e um dever do Estado. A saúde que temos, o SUS que queremos). - 2003 (Criado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU). - 2006 (Estabelecido o Pacto pela Saúde, Pacto de Defesa do SUS, Pacto de Gestão, Pacto pela Vida). - 2006 (Política Nacio- nal de Atenção Básica e Política Nacional de Promoção da Saúde). - 2006 (Comissão Nacio- nal sobre Determinantes Sociais da Saúde e Política Nacional de Saúde Bucal – Brasil Sorridente). _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 38_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 38 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 39 – Síntese da saúde pública no Brasil Período Contexto macroeco- nômico e socioeconômico Contexto político Sistema de saúde Principais desafios de saúde - 2007 (13.ª Conferência Nacional de Saúde – Saúde e qualidade de vida: política de Estado e desenvolvimento). - 2008 (Unidades de Pronto- -Atendimento – UPA 24h, criadas em municípios com populações > 100 mil). - 2008 (Criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF, junto ao PSF). - A preva- lência de hanseníase e doenças preveníveis pela imuni- zação com declínio. - Aumento da expecta- tiva de vida entre homens e mulheres. Fonte: adaptada de Paim et al. (2011, p. 16-17), Brasil (2011, p. 5-7) e CCMS (2016). 2.2 SUS: regulamentação, arcabouço jurídico-legal e relação público-privado A Constituição Brasileira de 1988 reconhece o direito de acesso uni- versal à saúde a toda a população por meio do SUS. Alguns pontos da seção II da Constituição Brasileira de 1988 (artigos 196 até o 200) mere- cem destaque: 2 a saúde passa a ser reconhecida como um direito de todos e de competência do Estado. Este necessita garantir políticas sociais e econômicas, cuja finalidade é reduzir o risco de doenças e outros agravos à saúde da população. 2 acessibilidade, universalidade e igualdade da população aos ser- viços de saúde. 2 cabe ao poder público regulamentar, fiscalizar e controlar os ser- viços públicos ou privados devidamente conveniados aos SUS, bem como o desenvolvimento de suas respectivas atividades. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 39_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 39 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 40 – 2 os serviços de saúde necessitam integrar uma rede regiona- lizada e hierárquica, os quais são organizados de acordo com os seguintes preceitos: ser descentralizado com direção única, ações integrais e participação popular. 2 o SUS é financiado com recursos oriundos da União, dos esta- dos, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes, respeitando a legislação vigente. 2 agentes comunitários de saúde e de endemias poderão ser admi- tidos pelos gestores locais mediante processo seletivo público, de forma a atender as necessidades de saúde do município (BRASIL, 1988). A iniciativa privada pode participar do SUS de forma complementar mediante contratos à luz da legislação vigente, desde que respeite as dire- trizes estabelecidas pelo sistema de saúde público do Brasil. No entanto, recursos públicos para auxílio a essas instituições são vedados no âmbito nacional (BRASIL, 1988). Cabe destacar que, na época da promulgação da Constituição Brasileira, era vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país. Entre- tanto, a partir da Lei n. 13.097/15 houve alteração dessa premissa, a qual passou a permitir a participação de capital estrangeiro para assistir à popu- lação brasileira em casos específicos como, por exemplo, a participação direta ou indireta de pessoas jurídicas com finalidade de desenvolver ações e pesquisas voltadas ao planejamento familiar (BRASIL, 2015). As Leis n. 8.0801 e n. 8.1422 (Leis Orgânicas da Saúde) regulamentam os serviços, a participação da sociedade e as bases de funcionamento do SUS (BRASIL, 2003). A Lei n. 8.080/90 realça que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indis- pensáveis ao seu pleno exercício. É possível destacar alguns objetivos dessa lei, como: 1 Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organi- zação e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. 2 Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 40_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 40 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 41 – Síntese da saúde pública no Brasil 2 identificar e divulgar fatores contribuintes ao processo saúde- -doença. 2 formular políticas públicas direcionadas ao perfil econômico e social. 2 prestar assistência integral com o desenvolvimento de ações para promover, proteger, recuperar e reabilitar os usuários aten- didos por esse sistema de saúde. Nesse ínterim, cabe destacar que a execução de ações de vigilân- cia como, por exemplo, sanitária e epidemiológica, são de competência do SUS, bem como a participação da formulação e execução de políticas voltadas para as questões de saneamento básico, medicamentos, equipa- mentos, imunobiológicos (p. ex., vacinas), dentre outras ações que visam a manutenção da saúde da população brasileira (BRASIL, 1990). Outro ponto relevante concentra-se na saúde do trabalhador. Além de ações sanitárias e epidemiológicas destinadas à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, as atividades atribuídas ao contexto público tam- bém visam recuperar e reabilitar os trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, tais como: 2 assistir ao trabalhador após a ocorrência do acidente de trabalho ou doença ocupacional. 2 participar para o avanço científico e avaliar o impacto tecnoló- gico na área. 2 normatizar, fiscalizar e controlar as condições predisponentes de riscos à saúde do trabalhador, dentre eles transportar, distribuir e manusear substâncias em instituições públicas e privadas do país (BRASIL, 1990). Essas ações estão expostas na Constituição Federal de 1988, no que se refere às atribuições do SUS, e corroboram a portaria ministerial n. 1.823, de 23 de agosto de 2012, a qual institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora – PNSTT (BRASIL,2018). Essa política tem como finalidade definir os princípios, as diretrizes e as estraté- gias a serem articuladas pelas três esferas de gestão do SUS, com o intuito _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 41_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 41 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 42 – de atendimento integral à saúde e segurança de trabalhadores formais e não formais. A vigilância dos agravos relacionados à saúde do trabalhador decorrentes do desenvolvimento de processos produtivos, principalmente da área industrial, deve ser contínua, visando promover e proteger os tra- balhadores em seu âmbito laborativo, conforme preconizado pelas diretri- zes do SUS (BRASIL, 2018). Nesse sentido, o Estado deve assegurar a segurança a trabalhadores, em especial em crises sanitárias que assolam a população como, por exem- plo, a pandemia de COVID-19. Embora as condições de trabalho sejam desfavoráveis e perpetuadas ao longo da história da população mundial, inclusive no Brasil, a atual pandemia enalteceu a fragilidade das leis e das normas que asseguram a saúde e segurança do trabalhador, com destaque para aquelas direcionadas aos profissionais de saúde (BARROSO et al., 2020). Os serviços públicos e privados contratados ou conveniados que inte- gram o SUS precisam obedecer aos princípios doutrinários (universali- dade, integralidade e equidade) e aos princípios organizativos (descentra- lização, regionalização e hierarquização e participação da comunidade), que estão apresentados no Quadro 2.2. Quadro 2.2 – Princípios do Sistema Único de Saúde Princípios Descrição Universalidade Saúde é direito de todos e dever do governo, seja ele municipal, estadual ou federal. A universalidade garante ao indivíduo ter acesso a todos os serviços públicos de saúde, bem como àqueles contratados pelo poder público, independentemente das particu- laridades individuais da pessoa. O sistema necessita garantir atenção à saúde a todo e qualquer cidadão. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 42_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 42 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 – 43 – Síntese da saúde pública no Brasil Princípios Descrição Integralidade Significa reconhecer que, na prática, os cuidados ofertados pelos serviços devem levar em considera- ção que cada pessoa é um todo indivisível e inte- grante de uma comunidade. Dessa forma, as ações que visam promover, proteger, recuperar não podem ser, em hipótese alguma, fragmentadas. Equidade É um princípio de justiça social. Tem como finali- dade diminuir desigualdades e investir em comu- nidades mais vulneráveis, onde a carência é maior. É necessário compreender e reconhecer que os indivíduos não são iguais e possuem necessidades diferentes. Para isso, a rede de serviços deve estar atenta às necessidades reais da população a ser aten- dida. Regionaliza- ção e hierar- quização A divisão de níveis de atenção visa garantir as for- mas de acesso a esses serviços respeitando os níveis de complexidade/densidade tecnológica crescente (hierarquização). As áreas geográficas precisam ser delimitadas e planejadas com base no perfil epide- miológico e com a definição e o conhecimento da clientela a ser atendida, incorporando os fluxos de atendimento (referência e contrarreferência). Descentra- lização Visa redistribuir poder e responsabilidades entre os três níveis de governo. Na saúde, esse processo tem por objetivo ofertar serviços de maior qualidade, garantir o controle e a fiscalização pelos cidadãos. No SUS, a descentralização das ações para os muni- cípios permite aos gestores locais condições favo- ráveis de gestão técnica, administrativa e financeira para exercer essa função. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 43_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 43 08/12/2020 16:12:2008/12/2020 16:12:20 Introdução à Gestão Hospitalar – 44 – Princípios Descrição Participação da comunidade A participação da sociedade deve ser além das dis- cussões ocorridas na origem do SUS. As políticas públicas de saúde apenas serão efetivas mediante o controle social. Assim, devem ser criados canais de participação popular na gestão do SUS, como, por exemplo, a participação e voz da sociedade em con- selhos e conferências de saúde, que têm como fun- ção formular estratégias, controlar e avaliar a execu- ção da política de saúde. Fonte: Brasil (1990), CONOF/CD (2011) e Gil et al. (2016). Para operacionalizar a implantação do SUS, foram editadas normas operacionais, apresentadas no Quadro 2.3. Quadro 2.3 – Características principais das normas operacionais do SUS Norma operacional Principais pontos NOB-SUS 01/1991 Resolução n. 258/1991 INAMPS - A Unidade de Cobertura Ambulatorial (UCA) foi criada com o intuito de financiar atividades ambu- latoriais. - Foi instituída a Autorização de Internação Hospi- talar (AIH) com a finalidade de financiar as interna- ções hospitalares. - Essa norma foi bastante criticada, por considerar o convênio como elemento para articular e repassar os recursos, bem como pela característica centraliza- dora, embora se apresentasse como apoio à descen- tralização e com reforço do poder municipal. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 44_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 44 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 – 45 – Síntese da saúde pública no Brasil Norma operacional Principais pontos NOB-SUS 01/1992 Portaria n.234/1992/MS - Criação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e o Conselho de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS). Ambas são instâncias gestoras colegiadas do SUS. - Deu ênfase à necessidade de descentralização de ações e serviços de saúde. - O Fundo Nacional de Saúde foi normatizado. - Ocorreu a descentralização, planejamento e a dis- tribuição de AIHs entre as Secretarias Estaduais de Saúde. NOB-SUS 01/1993 Portaria n.545/1993/MS - Foi lançado o documento “Descentralização das Ações e Serviços de Saúde – a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei”. - Os princípios aprovados na IX Conferência Nacio- nal de Saúde (1992) foram então formalizados. - Enfatizou a municipalização da saúde. - A Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) foram cria- das e instituídas como órgãos de assessoramento técnico ao Conselho Nacional de Saúde e aos conse- lhos estaduais de saúde, respectivamente. - Estabeleceu padrões de gestão do sistema: inci- piente, parcial e semiplena. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 45_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 45 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 Introdução à Gestão Hospitalar – 46 – Norma operacional Principais pontos NOB-SUS 01/1996 Portaria n.1.742/1996/MS - Instituiu responsabilidades, prerrogativas e requisi- tos das condições de gestão plena da atenção básica e plena municipal da saúde para os municípios, avan- çada do sistema estadual e plena de sistema estadual para os Estados. - O município passou a ser o principal responsável por assistir às demandas de saúde do cidadão, ao passo que os Estados tornaram-se mediadores. - A União passa a normalizar e financiar, enquanto o município gera e executa. - Surgiu o Piso de Atenção Básica (PAB). - Houve a criação da Programação Pactuada e Inte- grada (PPI). - Definiu como gestão a atividade e a responsabi- lidade de dirigir um sistema de saúde em âmbito municipal, estadual ou federal, exercendo as funções de coordenar, articular, negociar, planejar, acompa- nhar, controlar, avaliar e de auditoria. _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 46_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 46 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 – 47 – Síntese da saúde pública no Brasil Norma operacional Principais pontos NOAS-SUS 01/2001 Portaria n. 95/2001/MS - A municipalização dá lugar à ênfase na regionali- zação. - Houve o fortalecimento da capacidade dagestão do SUS, bem como ocorreu a atualização de critérios de habilitação de estados e municípios. - Instituiu o Plano Diretor de Regionalização (PDR) e o Plano Diretor de Investimentos (PDI). - Ocorreu a criação da gestão plena de atenção básica ampliada. - Os municípios passaram a se habilitar em gestão plena de atenção básica ampliada e em gestão plena de sistema municipal, enquanto os estados puderam se habilitar em gestão avançada do sistema estadual e em gestão plena do sistema estadual. NOAS-SUS 01/2002 Portaria n.373/2002/MS - Estabeleceu modificações e revogou a NOAS-SUS 01/2001. - Compromissos foram assumidos entre gestores municipais, estaduais e federais e perante a popula- ção de sua área de responsabilidade. Fonte: Figueiredo et al. (2011). 2.3 SUS: desafios e perspectivas Campos et al. (2012) indicam que, à luz dos princípios e diretrizes constitucionais, o SUS revela sucessos, paradoxos, contradições e des- compassos entre as experiências na sua implantação e implementação e as expectativas dos que lutam pela sua efetivação. A tripla carga de doença no Brasil (infecciosas, crônicas e causas externas) associada à rápida transição demográfica, epidemiológica e _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 47_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 47 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 Introdução à Gestão Hospitalar – 48 – tecnológica e o persistente sistema fragmentado são lacunas que expõem o SUS a dificuldades persistentes e contínuas. Mendes (2013) enfatiza que o sistema de saúde fragmentado torna-se incapaz de responder social- mente, com efetividade, eficiência e qualidade à situação de saúde vigente. Após 25 anos do surgimento do SUS, a Figura 2.1 ilustra os três prin- cipais desafios elencados por Mendes (2013). Figura 2.1 – Desafios para o SUS Fonte: adaptada de Mendes (2013). Do ponto de vista da organização macroeconômica do sistema de saúde nacional, observa-se que o princípio da universalidade vem se trans- formando em um modelo segmentado. Isso resulta, por um lado, integrar verticalmente cada segmento, por outro, ocorre uma segregação horizon- tal entre eles, em que cada segmento (público/privado) são executadas as macrofunções relativas ao financiamento, regulação e prestação de servi- ços para sua clientela particular e específica (MENDES, 2013). No plano microeconômico, superar a fragmentação é uma necessi- dade crescente. Mendes (2013) coloca que existe a necessidade de uma transição no que se refere à organização, passando de um sistema hierar- quizado para aqueles que se estruturam em Redes de Atenção à Saúde (RAS), coordenadas pela Atenção Primária à Saúde (APS). Após completar 30 anos de sua existência, esses desafios persistem e fazem parte da construção histórica do SUS, conforme apontado por revisão integrativa conduzida com dados publicados entre 2009 e 2019. Ela apontou que entre os desafios e entraves para organização e funciona- _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 48_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 48 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 – 49 – Síntese da saúde pública no Brasil mento de serviços e ações no setor público brasileiro, estão direcionados a insuficiência de profissionais de saúde e de formação de recursos humanos para atuação no SUS; a falta de planejamento e organização da gestão de trabalho; a ineficiência da APS, com ações de saúde de baixa qualidade e dificuldades de acessibilidade dos usuários aos serviços; RAS inoperantes e articulação entre equipes e gestores municipais e estaduais inexistentes; subfinanciamento; falta de participação social e interferência política par- tidária na alocação de recursos humanos e financeiros (SANTOS, 2019). Para Funcia (2019), o subfinanciamento crônico do SUS mostra cla- ramente a necessidade de incluir novas fontes de receitas permanentes, estáveis e exclusivas para alocar recursos que visem atender as necessi- dades de saúde da população. Emendas Constitucionais, tais como a n. 86/2015 e a n. 95/2016 produzem efeitos negativos acerca do planeja- mento e execução orçamentária e financeira do Ministério da Saúde, o que, por sua vez, agrava o processo de subfinanciamento do SUS (FUN- CIA, 2019). Esses fatos contribuem para um futuro incerto no desenvolvi- mento de ações nesse sistema. Por fim, Campos et al. (2012, p. 581) apontam que: O desafio maior do sistema neste século é assegurar acesso oportuno, resolutivo e humanizado a todos os cidadãos que procuram atendimento. Pois a significativa ampliação dos serviços na esfera municipal, sobretudo, na atenção primária não tem con- seguido equacionar os problemas do conjunto da população, que continua a enfrentar dificuldades de acesso, baixa resolutividade e longo tempo de espera em diversas áreas de atendimento, em especial, na atenção especializada. O enfrentamento desse desafio pressupõe ir além de arranjos nos processos de gestão e adentrar no campo das práticas de atenção avançando na mudança do modelo assistencial ainda fortemente orientado por uma abordagem cura- tiva e individual, centrada em procedimentos e medicamentos. Em contraste, temos um dos melhores e mais eficientes Sistemas de Transplantes do mundo. Contudo, prevalecem diferenciais signifi- cativos na oferta de ações e serviços entre regiões do país e entre segmentos populacionais, em contradição à promessa de equidade. A resposta para suprir, em parte, esses desafios, é apontada por Men- des (2013), ao indicar a necessidade de restabelecer a coerência entre a situação de saúde e a forma de organizar o sistema de saúde no plano _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 49_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 49 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 Introdução à Gestão Hospitalar – 50 – microeconômico, com o intuito de acelerar mudanças necessárias que levem à conformação de um sistema integrado em redes, que operem de forma contínua e proativa e que sejam capazes de responder, com efici- ência, efetividade, qualidade e equilíbrio às condições agudas e crônicas. Ademais, é necessário evoluir nos aspectos relacionados ao financiamento do setor e ao controle social. Nesse contexto, esses desafios só podem ser resolvidos com vontade política e participação da população. É necessário avançar nas questões relativas ao financiamento, com maiores investimentos por parte das três esferas de governo; investir na organização do sistema, com mais infor- mações para que a população compreenda os fluxos entre os serviços e o papel de cada um; organizar os serviços em RAS e reduzir as desigualda- des regionais, pois estados mais ricos possuem serviços em maior quanti- dade e melhor distribuídos entre suas regiões (SOLHA, 2014). Saiba mais POLÍTICAS de saúde no Brasil – um século de luta pelo direito à s aúde. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YmUsYSpi- -GQ>. Acesso em: 18 out. 2019. Atividades 1. Qual foi a importância da 8.ª Conferência Nacional de Saúde? 2. Cite os princípios doutrinários e organizacionais do SUS. 3. Descreva diferenças organizativas do sistema de saúde e do modelo de cuidado antes e após a Constituição Brasileira de 1988. 4. Quais são os principais desafios do SUS? _MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 50_MIOLO_Introdução à Gestão Hospitalar.indb 50 08/12/2020 16:12:2108/12/2020 16:12:21 3 Organização e funcionamento dos estabelecimentos assistenciais de saúde Conforme visto no capítulo anterior, a Constituição Federal reconhece o direito universal à saúde. Para que isso ocorra de forma integrada e sistematizada, é necessário que os estabeleci- mentos de saúde estejam organizados em redes, com o intuito de ofertar o cuidado à população dentro dos princípios e diretrizes preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa forma, o objetivo do presente capítulo é apresentar as formas de organi- zação e funcionamento dos serviços de saúde brasileiros e identi- fi car elementos para
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