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O que é marxismo - MILCIADES PEÑA 19276

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O QUE É O MARXISMO?
Notas de iniciação marxista
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Miciades_miolo.indd 2 30/04/2015 15:30:32
Milcíades Peña
O QUE É O MARXISMO?
Notas de iniciação marxista
São Paulo, 2014
Miciades_miolo.indd 3 30/04/2015 15:30:32
Editora Sundermann
Avenida Nove de Julho, 925, Bela Vista, São Paulo, SP.
Telefone: 11 – 4304 5801
vendas@editorasundermann.com.br
www.editorasundermann.com.br
 2015, Editora José Luís e Rosa Sundermann
A editora autoriza a reprodução de partes deste livro para fins 
acadêmicos e/ou de divulgação eletrônica, desde que mencionada a 
fonte.
Coordenação Editorial: 
Henrique Canary
Jorge Breogan
João Simões 
Martha Piloto
Revisão e edição: João Simões
Tradução: Paula Maffei
Diagramação e capa: Martha Piloto
Revisão final: Henrique Canary e João Simões
©
Peña, Milcíades
O que é o marxismo? Notas de iniciação marxista. [1. reimpr.]. São Paulo: 
Sundermann, 2015.
112 p.
 ISBN: 978-85-99156-63-6
 1ª edição mimeografada data de 1958. 
 1.Marxismo - iniciação. 2. Marxismo – conceitos básicos. 3.Curso introdutório 
- marxismo I. Título. 
 CDD: 335.4
Dados internacionais de catalogação (CIP) elaborados na fonte
por Iraci Borges – CRB-8 - 2263
1ª edição: setembro de 2014; 1ª reimpressão: maio de 2015.
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SUMÁRIO
Nota dos editores, 7
Notas de iniciação marxista - I, 13
[O processo de aprendizado], 13
[O processo de conhecimento], 14
[Esquema do curso: concreto, abstrato, concreto], 16
O que é e o que propõe o marxismo?, 18
[A alienação], 21
[A concepção marxista de liberdade], 27
[Conclusão], 31
Notas de iniciação marxista - II, 33
[A alienação nos textos da maturidade de Marx], 33
[Marxismo e filosofia], 41
[A dialética], 43
[O materialismo], 52
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Notas de iniciação marxista – III, 57
[A consciência e a “teoria do reflexo”], 57
[Necessidade do socialismo], 61
[A práxis], 63
[O marxismo, totalidade aberta], 64
Notas de iniciação marxista – IV e V, 67
[Marxismo e ciências sociais], 67
[Marxismo e economicismo], 73
[Concepção materialista das ideologias], 80
[Teoria das classes sociais], 82
Notas de iniciação marxista – VI, 85
[Teoria das classes - continuação], 85
[Sobre a fórmula estrutura/superestrutura], 98
Bibliografia, 103
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NOTA DOS EDITORES
O presente livro busca suprir uma demanda frequente-
mente manifestada por nossos leitores: a de bons materiais 
de introdução ao marxismo. Das obras hoje disponíveis ao 
público brasileiro, a maior parte peca por apresentar o pen-
samento de Marx ou de forma excessivamente acadêmica, 
portanto sem conexão com a realidade concreta dos traba-
lhadores e jovens que despertam para as lutas sociais e se in-
teressam pelos ideais socialistas, ou por reduzir o marxismo 
a um mero aglomerado de conceitos, de maneira mecânica, 
linear, simplista e antidialética. A riqueza deste trabalho de 
Milcíades Peña vem justamente da preocupação do autor em 
apresentar o marxismo de maneira ampla e aberta, como 
uma visão de mundo, sem deformá-lo no esforço de simpli-
ficação. Para que o socialismo científico possa ser uma arma 
nas mãos dos trabalhadores na luta por sua libertação, é pre-
ciso que ele seja encarado como uma teoria viva, uma ciên-
cia aberta, que permita compreender a sociedade capitalista 
em todas as suas contradições. 
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8 Milcíades Peña
Esta importante tarefa, de escrever uma apresentação do 
marxismo que una a simplicidade na forma e a profundidade 
no conteúdo, é, na verdade, bastante difícil. Para realizá-la, 
foi necessário um autor com grande domínio da teoria, mas 
também de raro talento como escritor e professor, além de 
uma sólida experiência prática revolucionária.
Infelizmente, Milcíades Peña permanece um autor quase 
desconhecido no Brasil. Esta obra, datada de 1958, é fruto 
das anotações mimeografadas de um curso introdutório ao 
marxismo, aplicado por ele a militantes de uma pequena or-
ganização argentina chamada MAR (Movimiento de Acción 
Reformista). Apesar da juventude do autor, que então tinha 
apenas 25 anos, a solidez de seu marxismo já é evidente.
Em sua apresentação do pensamento de Marx, Milcíades 
Peña vai recusar a noção que vê a teoria marxista como uma 
caixa cheia de respostas prontas para os problemas da luta 
de classes. Para ele, esta concepção é a própria negação da 
dialética e do marxismo. Mas tampouco o marxismo é “ape-
nas uma teoria” ou mais um método sociológico. É “uma 
concepção geral e total do homem e do universo”. E, insepa-
rável desta visão de mundo, o marxismo traz consigo uma 
crítica do capitalismo e um programa para a criação de uma 
nova sociedade. No marxismo, o programa de transforma-
ção e a concepção de homem e de universo são inseparáveis. 
Para o autor, o marxismo é portanto uma totalidade aberta, 
ou seja, uma visão global de mundo, em permanente aper-
feiçoamento e alteração.
Junto com o mecanicismo do “marxismo de manuais”, 
Milcíades Peña recusa também o determinismo economi-
cista, que, durante boa parte do século 20, o stalinismo pre-
tendeu apresentar como sendo o único marxismo possível. 
Neste livro veremos como Peña tem grande cuidado em 
evitar simplificações redutoras da complexa síntese entre as 
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9O que é o marxismo?
determinações econômicas, sociais e culturais da realidade. 
Ao recolocar no centro das preocupações do marxismo a 
questão da alienação e da consciência (recusando sua lei-
tura como mera derivação da economia), o autor vai recu-
perar a centralidade do conceito de liberdade para o mar-
xismo. Um marxismo que não seja vivo e em permanente 
desenvolvimento não serve para a luta pela transformação 
da sociedade. Um marxismo engessado e estagnado nunca 
vai servir para compreender e desvendar uma realidade so-
cial extremamente dinâmica e contraditória, e menos ainda 
para transformá-la.
Milcíades Peña foi um homem de trajetória singular e um 
dos grandes historiadores argentinos. Nascido em 1933 na 
cidade de La Plata em uma família problemática (sua mãe, 
esquizofrênica, foi internada logo após seu nascimento), foi 
criado pela tia materna e seu marido, funcionário público de 
uma universidade. Durante os estudos secundários (que nun-
ca concluiu), entrou em contato com o movimento trotskista, 
se aproximando da corrente dirigida por Nahuel Moreno (na 
época, o Grupo Obrero Marxista, ainda um embrião de parti-
do). Nunca cursou a universidade, mas aos 17 anos começou 
por conta própria a estudar a história argentina. Se aplicou 
a fundo sobre o tema, com o fervor de quem via na história 
uma arma de combate, e apesar de seu isolamento (o mundo 
acadêmico, sempre hermético, fez o que pôde para ignorá-lo), 
logo se destacou pela originalidade de seu pensamento e esti-
lo. Destes estudos sairiam diversos escritos que, postumamen-
te, foram organizados em nove livros, quantidade impressio-
nante se levarmos em conta a curta duração de sua vida.
Em seus trabalhos sobre a história da Argentina, Milcíades 
Peña põe seu estilo agudo, por vezes irônico, veloz, a serviço 
de uma cuidadosa análise marxista da história de seu país, 
buscando entender as particularidades da organização social 
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10 Milcíades Peña
e econômica da Argentina desde suas origens coloniais até sua 
inserção na economia mundial do século 20. A análise das 
especificidades da história argentina não serve aqui para fazer 
nenhum discurso excepcionalista, mas, ao contrário, para 
entender a localização precisa e as relações estabelecidas entre 
esta parte do mundo e a totalidade da sociedade capitalista. 
Através da relação entre economia nacional e mundial, entre 
os interesses das diversas classes e seus setores nas condições 
locais, Peña busca compreender o sentido maisprofundo da 
vida política argentina, das mudanças de governos, crises 
e reviravoltas. É através de uma profunda compreensão 
da dinâmica da economia argentina e da composição de 
suas classes sociais que ele vai propor uma das melhores 
interpretações do peronismo, um movimento altamente 
contraditório, mas central para a vida política argentina.
Precoce na elaboração de sua obra histórica e em sua 
formação marxista, infelizmente foi também cedo demais que 
Milcíades Peña nos deixou. Afastado da militância partidária, 
desmoralizado com a situação política de seu país e se sentindo 
deprimido, se suicidou em 1965, aos 32 anos. Vítima das 
angústias de uma geração profundamente marcada por essa 
era de guerras e revoluções e pelo poder destrutivo do capital, 
seguiu reivindicando o trotskismo e a organização onde 
começou a militar até o final de sua vida, mesmo tendo tido 
diversas e por vezes duras polêmicas com Nahuel Moreno e 
com os herdeiros do GOM (o grupo ao redor do jornal Palabra 
Obrera). Apesar de nunca ter participado do mundo acadêmico, 
sua obra chegou a ter um relativo reconhecimento em círculos 
acadêmicos e políticos dentro e fora da Argentina, e é ainda 
hoje um marco na historiografia daquele país, por seu aporte 
original e lúcido à compreensão da realidade nacional.
Baseamos o presente trabalho em uma edição crítica pu-
blicada pelo Colectivo Editorial “Ultimo Recurso” em 2007, na 
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11O que é o marxismo?
Argentina. Também desta edição, adotamos as subdivisões 
(apresentadas entre colchetes), que não constam do manus-
crito original, mas facilitam o estudo temático. Optamos por 
substituir as traduções de Milcíades das obras citadas por tra-
duções consagradas e de fácil acesso em língua portuguesa 
(salvo quando a obra em questão não foi publicada em nossa 
língua), para facilitar a consulta por aqueles interessados em 
aprofundar seus estudos.
Apresentamos ao público brasileiro pela primeira vez em 
português estas anotações de introdução ao marxismo, na 
esperança de que sirvam de ponto de partida e de apoio às 
novas gerações que se agregam à luta revolucionária.
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[O processo de aprendizado]
O marxismo recusa a concepção tradicional do ensino 
como um processo em que uma pessoa ativa ensina e muitas 
pessoas passivas aprendem. Esta concepção, que se baseia na 
divisão entre teoria e prática, entre o trabalho manual e o traba-
lho intelectual, deve ser trocada por uma que vê o ensino como 
um processo criador, no qual todo o grupo - o que ensina e os 
que aprendem - trabalham ativamente, confrontando seus co-
nhecimentos e suas ideias, e, através deste confronto, aquele que 
aprende consegue partilhar de um novo conhecimento e o que 
ensina aprofunda seus conhecimentos.
Engels disse a seus alunos: “a primeira coisa que devem 
aprender aqui é a estar de pé”. Quer dizer, em tensão, alertas e 
em atividade, em atitude criadora. “Se o aprender se limitasse 
simplesmente a receber, não daria resultado muito melhor que 
escrever em água”. Aquele que estuda algo deve recriar esse algo 
dentro de si mesmo. Não é questão de receber algumas noções 
de marxismo. É preciso investigar o marxismo, enfrentá-lo, pe-
NOTAS DE INICIAÇÃO MARXISTA I
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14 Milcíades Peña
netrar intensamente na matéria que se requer aprender e dei-
xar que essa matéria penetre profundamente no intelecto e na 
emoção daquele que aprende. Caso contrário, não é possível a 
aprendizagem.
Só se aprende através da investigação. De modo que nossa 
tarefa será investigarmos juntos o marxismo. Juntos teremos 
que descobrir e redescobrir o marxismo, começando por sua 
essência, que é o mais difícil de se captar, e fugindo das vulga-
rizações e simplificações de estilo de alguns manuais, como o 
chamado Manual de Filosofia de Politzer, que se parecem tanto 
com o marxismo quanto uma folha seca se parece com uma 
rosa recém-colhida.
[O processo de conhecimento]
Há algumas fórmulas básicas e elementares do marxismo, 
tais como a luta de classes, a importância da estrutura econô-
mica da sociedade, o materialismo etc., que foram as mais po-
pularizadas pelos divulgadores e vulgarizadores do marxismo, 
que escreveram manuais para uso das grandes massas. Estas 
fórmulas, que não são nada mais que elementos do pensamento 
marxista, parecem à primeira vista oferecer explicações maravi-
lhosamente simples e finais para os problemas mais complexos. 
E claro, as mentalidades semi-intelectualizadas se agarram com 
unhas e dentes a essas fórmulas, que lhes permitem a explica-
ção de todos os problemas, isto é - eles assim o creem - sem 
nenhum esforço mental. Infelizmente, o movimento revolucio-
nário, assim como todos os grandes movimentos de massa e os 
grandes aparatos burocráticos da classe operária estão cercados 
por inúmeros semi-intelectuais, operários e pequenos burgue-
ses semi-intelectualizados que tomam o marxismo como meio 
que substitua o trabalho de pensar e dê resposta a todos os pro-
blemas. Para estas pessoas o marxismo é uma espécie de má-
quina de calcular: aperta-se o botão e sai uma resposta para o 
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15O que é o marxismo?
problema a ser solucionado. Pois bem, o marxismo não é isso, e 
isso é a negação do marxismo. Pois o marxismo exige um sério 
e intenso esforço do pensamento. Labriola disse:
Os doutrinadores e teóricos de todo tipo, que necessitam de ídolos in-
telectuais, os criadores de sistemas que continuariam bons por toda a 
eternidade, os compiladores de manuais e enciclopédias, buscarão em 
vão no marxismo pelo que este nunca ofereceu a ninguém. Estas pessoas 
imaginam o pensamento e o conhecimento como coisas que têm existên-
cia material, mas não entendem que o pensamento e o conhecimento são 
atividades em processo de construção1.
O pensamento popular - disse Hegel - acredita que o verdadei-
ro e o falso são entidades imóveis, coisas com existência própria, 
uma das quais se alcança do lado de lá, e outra do lado de cá, cada 
uma delas isolada e fixa, sem contato com a outra. Este também 
é o modo de pensar do marxismo popular, do marxismo dos bu-
rocratas, que querem converter o pensamento marxista em um 
dicionário onde está classificado tudo o que é verdadeiro e tudo o 
que é falso, tudo o que se deve conhecer e tudo o que não se deve 
conhecer. Frente a isto, o pensamento dialético, o autêntico pen-
samento marxista, afirma com Hegel que: “a verdade não é uma 
moeda forjada que pode ser dada e embolsada banalmente”2.
A verdade se alcança por esforço contínuo do pensamento, 
e se alcança através do erro, do permanente confronto entre a 
verdade e o erro. O marxismo não é uma moeda cunhada que 
se toma e se dá. O marxismo é o pensamento vivo e vívido, que 
está em permanente confronto com a realidade e consigo mes-
mo, se afirmando e negando a si mesmo a cada instante para 
poder afirmar-se novamente em um nível superior.
O marxismo é implacável consigo mesmo porque o mar-
xismo vai contra os mitos e a falsidade, contra a mistificação. 
1 LABRIOLA, Antonio, Discorrendo di socialismo e di filosofia em Scritti fi-
losofici e politici, vol. II, Turim, Einaudi, 1973, capítulo II.
2 HEGEL, Georg, Fenomenologia do espírito, Petrópolis, Vozes, 1992, p. 41.
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16 Milcíades Peña
O marxismo quer tirar os disfarces, impor a clareza. Disse 
Lukács: “Para o proletariado a verdade é uma arma portadora 
da vitória e o é tanto mais quanto mais audaciosa for”3.
Tudo o que afirmamos até então nos leva a tomar em con-
sideração o seguinte: aqui não vamos dar nem tomar o mar-
xismo em pílulas. Mas sim, conheceremos as linhas funda-
mentais do marxismo, para depois investigá-lo, cada qual com 
seu pensamento.
Além disso, levemos em consideração que esta sala, este 
grupo de pessoas do qual fazemos parte,constitui um sistema 
social que reflete a sociedade na qual vivemos.
A sociedade, suas diferenças de classes, suas facções mate-
riais e ideológicas, estão já aqui neste grupo, dentre nós, nos 
conhecimentos, nos hábitos, na personalidade que cada um 
carrega ao cruzar esta porta. E a sociedade também está neste 
pequeno sistema social constituído pelo nosso grupo porque 
desde o momento em que nos reunimos para estudar o mar-
xismo, todos estamos assumindo um conceito a respeito de 
cada um dos demais: estamos tendo e iremos ter diferenças 
e agrupamentos, simpatias e antipatias, prestígios e falta de 
prestígio. Isto é, todas as categorias da sociedade e dos con-
flitos existentes na sociedade estão já representados em nosso 
grupo, como em todo grupo de trabalho. E nós, diferente-
mente do que ocorre no ensino tradicional, que finge ignorar 
estes problemas, temos que estar conscientes disso, torná-lo 
explícito, e aproveitar as tensões e conflitos que surgem para 
tornar mais penetrante e mais profundo o nosso estudo do 
marxismo.
[Esquema do curso: concreto, abstrato, concreto]
Entendo que o objetivo a que nos propomos, tomar os fios 
condutores fundamentais do pensamento marxista, que de-
3 LUKÁCS, Georg, História e consciência de classe, São Paulo, Martins Fontes, 
2003, p. 171.
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17O que é o marxismo?
pois nos permitirão uma investigação pessoal do marxismo, 
pode ser alcançado em oito reuniões básicas4.
Na primeira, trataremos de responder a esta pergunta: o 
que é e o que propõe o marxismo? Esta é a pergunta chave 
com a qual se deve iniciar e encerrar todo estudo do marxis-
mo. Dentro de alguns instantes vamos enfrentar esta pergun-
ta. E em nossa última reunião vamos discutir novamente so-
bre “o que é e o que propõe o marxismo”, porém em um nível 
mais elevado, mais rico em conteúdo.
Assim sendo, partimos de um enfoque sintético e concre-
to do marxismo, que teremos hoje, até um enfoque analíti-
co abstrato, ou seja, considerando não só a totalidade, mas 
elementos isolados que obteremos nas próximas reuniões. E 
finalmente, voltaremos a realizar um informe sintético e con-
creto, porém muito mais concreto que o obtido hoje, porque 
teremos à nossa disposição, então, um conteúdo mais rico: 
teremos o conhecimento conceitual e o conhecimento inter-
pessoal que iremos obtendo em nossas sucessivas reuniões.
A sequência dos problemas que estudaremos nas próxi-
mas reuniões está estabelecida pela seguinte consideração: 
existem três categorias (ou seja, três pontos de vista) para 
se estudar a realidade que são básicas para a compreensão 
do marxismo. Estas categorias são: a natureza; o trabalho; a 
sociedade.
A natureza é a realidade fundamental de onde provém a 
vida em geral, a vida do homem em particular e os elementos 
básicos para a perpetuação desta vida.
A sociedade é a realidade propriamente humana, inse-
parável do homem, porque jamais existiu o homem como 
indivíduo isolado, e ao dizer homem, implicamos socie-
dade.
4 Das oito aulas originais, só foram preservadas as anotações das seis aqui 
publicadas (N. do E.).
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18 Milcíades Peña
O trabalho é a atividade criadora mediante a qual o ho-
mem, isto é, a sociedade, atua sobre a natureza, modificando o 
próprio homem e a sociedade.
Pois bem, a concepção das relações entre sociedade, natu-
reza e trabalho é o abecê da filosofia marxista, e a este assunto 
nos dedicaremos na próxima reunião.
A concepção marxista da relação entre trabalho e socie-
dade, e da relação da sociedade consigo mesma é o tema do 
que podemos denominar sociologia marxista, e a veremos na 
terceira reunião.
O problema da evolução da sociedade no tempo é a te-
mática da concepção marxista da história e será estudado na 
quarta reunião.
Dessa crítica da sociedade capitalista se desprendeu um 
prognóstico marxista sobre a evolução do capitalismo e sobre 
a nova sociedade que nasceria da sociedade capitalista. E se 
desprendeu também uma política marxista que tende a des-
truir a sociedade capitalista. O problema do prognóstico mar-
xista, isto é, a teoria do socialismo, será visto na sexta reunião. 
E o problema da política marxista será estudado na sétima.
Finalmente, na última reunião veremos quais são os proble-
mas atuais, os novos problemas e os novos enfoques para os velhos 
problemas com que se enfrenta hoje em dia o marxismo. E assim 
responderemos novamente, porém dispondo de novos elementos, 
à pergunta que vamos enfrentar pela primeira vez agora mesmo.
O que é e o que propõe o marxismo?
O marxismo é uma concepção geral e total do homem e 
do universo. Em função dessa concepção de mundo, é uma 
crítica da sociedade em que nasceu o marxismo, isto é, uma 
crítica da sociedade capitalista.
Em função dessa crítica, e como resultado dessa crítica da 
sociedade capitalista, o marxismo é uma política, é um pro-
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19O que é o marxismo?
grama de ação para a transformação revolucionária da socie-
dade, para a criação de uma nova sociedade, isto é, para a cria-
ção de um novo tipo de relação entre os homens.
Em geral, para o público, inclusive para o público que 
supõe ser marxista, o marxismo é apenas uma crítica da so-
ciedade capitalista e um programa de luta pelo socialismo. 
Contudo, na realidade, estas são apenas partes do marxismo, 
e partes subordinadas à concepção marxista do homem, que é 
a essência e o ponto de partida do marxismo - lógica e crono-
logicamente. Por isso, para responder à pergunta feita acima, 
é preciso começar, imprescindivelmente, pela parte essencial e 
menos conhecida - mais oculta, poderia ser dito - do marxis-
mo, que é a concepção marxista do homem.
O marxismo afirma que não há nada na terra e seus ar-
redores superior ao próprio homem. O único criador que o 
marxismo reconhece é o homem. O homem, que com seu 
trabalho cria um novo mundo, modifica a natureza e a si 
mesmo. O marxismo rejeita o conceito de Deus e de qual-
quer força extra ou sobre-humana colocada acima do ho-
mem e que o domine, seja ela chamada de Deus, ou história, 
ou destino, ou Espírito Santo5. O marxismo afirma que todo 
o poder que as religiões atribuem aos deuses não é mais que
poder humano que o homem, por diversas circunstâncias,
projetou fora de si mesmo e atribui a seres ou coisas exis-
tentes fora dele6. O marxismo crê que o paraíso e o inferno
5 “A história”, segundo Marx, “não faz nada, não possui riqueza alguma, nem 
empreende nenhuma luta. O homem real e vívido é quem faz, possui e luta. 
Não é a história que emprega o homem como meio para desfrutar de seus fins, 
a história não é nada mais que a atividade do homem que persegue seus fins”. 
O homem é o autor e o ator de sua história. Em outra parte Marx assinala tam-
bém: “Toda a pretensa história do mundo não é outra coisa senão a produção 
do homem obtida pelo trabalho humano, e por conseguinte, o surgimento da 
natureza por obra do homem” (N. do A.).
6 O marxismo quer reivindicar para o homem, como propriedade do homem, 
“os tesouros antes desperdiçados no céu” (Hegel) (N. do A.).
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20 Milcíades Peña
não estão fora do mundo, mas aqui na terra, e que o cria-
dor e o senhor do paraíso e do inferno é o homem, que os 
cria com seu trabalho7. O marxismo não crê que a história 
se deterá um dia, que virá um dilúvio e então a humanidade 
se precipitará em um inferno eternamente cheio de torturas 
ou em um paraíso onde não haverá problemas de nenhuma 
natureza. 
O marxismo crê que sempre haverá problemas, lutas e con-
flitos, porém o marxismo é profundamente otimista, porque crê 
que o homem é capaz de produzir um destino cada vez mais 
humano, isto é, um destino no qual o homem não explore ou-
tro homem, no qual o homem possa utilizar o máximo de sua 
capacidade criadora, não para lutar contra outros homens para 
se alimentar e vestir, mas sim criar uma vida mais cheia de con-
fortoe beleza, de solidariedade e de liberdade, isto é, uma vida 
propriamente mais humana. Sendo assim, o marxismo fixa so-
bre a terra o futuro venturoso que as religiões preveem para o 
céu. Ao futuro sem exploração e lutas entre as pessoas que as 
religiões prometem para o céu, após a morte, o marxismo loca-
liza mais próximo, aqui na terra, e não como produto da morte, 
mas como produto da vida criadora do homem.
O marxismo é profundamente otimista, e somente esta 
característica basta para torná-lo irredutivelmente inimigo 
de toda forma de religião. No entanto, atenção! O otimismo 
revolucionário do marxismo não tem relação alguma com 
o “progressivismo”. Esta doutrina crê que as contradições se 
resolvem por si mesmas ao longo do tempo. Lukács vai criti-
car a concepção “que via na técnica o princípio objetivamente 
motor e decisivo do desenvolvimento das forças produtivas.
7 O marxismo nega o além e por consequência afirma a capacidade criadora 
deste mundo. O marxismo nega uma vida melhor no céu, pois crê no seguinte: 
a vida deve e tem que melhorar na terra. O futuro melhor, que é para as religiões 
o objeto de uma fé ociosa no que virá após a morte, se transforma com o marx-
ismo no objeto do dever, da atividade humana (N. do A.).
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21O que é o marxismo?
[...] Evidentemente, isso conduz a um fatalismo histórico, à 
eliminação do homem e da práxis social”8.
A confiança cega no ilimitado progresso do “campo da URSS 
e do socialismo”, por exemplo, é a réplica pseudomarxista da 
confiança que tinham os liberais spencerianos9 do século pas-
sado na paz perpétua e no mundo de fraternidade livre-cam-
bista que se alcançaria pelo comércio universal. O marxismo 
tem otimismo e confia no porvir. Mas seu otimismo não é o 
otimismo cego e complacente do “progressivismo”. O marxismo 
sabe que a categoria de perigo é essencial, é parte integrante e 
fundamental de todo processo de avanço e desenvolvimento, e 
também do processo de desenvolvimento da humanidade. E, 
por isso, o marxismo sabe que o término desse processo pode 
ser catastrófico, e que as maiores possibilidades de se criar um 
melhor destino humano são incessantemente acompanhadas 
pelas mais tremendas possibilidades de se voltar atrás e anular 
todo o futuro da humanidade. E o único que tem a chave para 
a troca, para indicar o caminho que será tomado é o homem, e 
somente a vontade ativa e consciente do homem decidirá, por 
exemplo, se construiremos um novo mundo com o átomo, ou se 
 destruiremos o mundo também com o átomo.
[A alienação]
As religiões pregam que os sofrimentos do homem, a ex-
ploração do ser humano por outro ser humano, existem por-
que o homem é homem e só poderão deixar de existir quando 
este morrer. Por isso falam da salvação do homem postmor-
tem, no além. O marxismo, pelo contrário, afirma que o sofri-
mento humano e a exploração do ser humano existem porque 
8 LUKÁCS, Georg, História e consciência de classe. op. cit., p. 41.
9 Spencerianos são os seguidores das ideias do filósofo inglês Herbert Spencer 
(1820-1903). Filósofo de tendência positivista e liberal clássico, foi o fundador 
do “darwinismo social”, que pretendia aplicar mecanicamente a teoria de Dar-
win às sociedades humanas (N. do E.).
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22 Milcíades Peña
o homem não é plenamente homem, porque se alienou, e só 
deixarão de existir quando o homem se tornar plenamente 
homem e se desalienar. Por isso, o marxismo fala não de sal-
vação no além, mas sim do resgate do homem, do reencontro 
do homem com suas novas qualidades.
Utilizamos as palavras alienação e desalienação. Estas duas 
palavras sintetizam os conceitos fundamentais do marxismo. 
O conceito de alienação e de luta pela desalienação são a es-
sência, o coração do pensamento marxista.
Alienação quer dizer que o homem está dominado por 
coisas que ele mesmo criou. Alienação quer dizer que o ho-
mem projetou para fora de si partes de si mesmo, que partes 
dele próprio se transformaram em coisas, e que essas coisas 
dominam o homem10. Desalienação quer dizer que o homem 
põe sob seu controle essas coisas que o oprimem e que são 
partes dele mesmo, produtos de seu trabalho. Desalienação 
quer dizer que, ao dominar essas partes de si mesmo que se 
converteram em coisas que hoje o oprimem, o homem se 
reencontra consigo mesmo, resgata a si próprio.
Como se produz a alienação do homem?
Desde que o homem existe, está ligado a três realidades que 
se vinculam intensamente entre si; elas são: o trabalho, a produ-
ção de novas necessidades e a família.
10 A alienação é o definido por Heine na Inglaterra: “onde as máquinas se com-
portam como seres humanos e os homens como as máquinas”. Diz Marx: “A 
ação conjunta dos indivíduos cria mil forças produtivas. Mas, uma vez criadas, 
estas forças deixam de pertencer aos seus criadores, tornam-se hostis a eles e os 
tiranizam”. “Assim como na religião o homem é dominado pelo produto de sua 
própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo produto de suas próprias 
mãos” (O Capital, livro I).
“[Os preços das mercadorias] variam constantemente, independentemente 
da vontade, da previsão e da ação daqueles que realizam a troca. Seu próprio 
movimento social possui, para eles, a forma de um movimento de coisas, sob 
cujo controle se encontram, em vez de eles as controlarem” (O Capital, livro 
I) (N. do A.).
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23O que é o marxismo?
O trabalho é a soma de todos os esforços, antes de tudo 
práticos, e depois também teóricos, que o homem tem que 
realizar para poder sustentar sua vida em geral. A produção de 
novas necessidades é produto do trabalho realizado para sa-
tisfazer as necessidades primárias, porque para satisfazer uma 
necessidade, o homem cria um instrumento, e este por sua vez 
origina uma nova necessidade, e assim por diante.
Todavia, os homens não só trabalham para satisfazer suas 
necessidades elementares, não só criam novas necessidades, 
mas também fazem outros homens, isto é, se reproduzem. En-
tra-se assim na relação entre homem e mulher, entre pais e 
filhos, ou seja, na família.
Pois bem, nestas três realidades - trabalho, produção de 
necessidades novas e produção de homens, isto é família - es-
tão dados todos os elementos que originam a alienação do ho-
mem ao longo da história até nossos dias.
Pelo trabalho, nascem objetos que possuem uma espécie de 
existência independente a respeito de seu criador, que é o ho-
mem. Nas sociedades primitivas, onde o produtor consome seus 
próprios produtos, a independência do objeto se esgota rapida-
mente, no momento em que seu criador os consome. Mas quan-
do começou a produção de mercadorias, sobretudo na sociedade 
capitalista, os objetos, convertidos em mercadorias, escapam ao 
controle do produtor - que já não os consome, adquirem inde-
pendência e dominam o homem através da lei do valor, do di-
nheiro, do preço e demais categorias e leis econômicas.
Por outro lado, tanto a produção de objetos como a produ-
ção de outros homens só podem ser feitas pela cooperação de 
indivíduos distintos. Desta cooperação, surge uma rede de rela-
ções sociais e de instituições que vão aumentando em extensão 
e complexidade e terminam por dominar o homem, dando-lhe 
a aparência de serem coisas naturais, tão distantes de seu 
controle como os astros ou os outros planetas.
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24 Milcíades Peña
No que diz respeito à produção dos outros homens, existe 
uma situação que cada vez se desenvolve mais, à medida que 
aumenta o domínio da humanidade sobre a natureza. Trata-se 
da divisão do trabalho. Homem e mulher têm distintas fun-
ções no trabalho da reprodução, e esta é a primeira divisão de 
trabalho conhecida pelo homem. Mas depois surgem novas 
divisões. Surge a tremenda divisão entre o trabalho manual e 
o trabalho intelectual. E surge a possibilidade - e logo a reali-
dade - de que uma parte da humanidade se convertaem bene-
ficiária do trabalho da outra parte. Surge a possibilidade para 
alguns homens de apropriar-se do produto do trabalho alheio.
E com a divisão do trabalho começa o desenvolvimento 
unilateral do homem. Desde o começo da divisão do trabalho 
cada um tem uma função determinada e exclusiva que lhe é 
imposta e da qual não se pode sair. O homem já não é mais 
primordialmente homem: é, antes de tudo, operário, campo-
nês, burguês ou artesão, e tem que continuar sendo assim se 
não quiser perder o seu meio de subsistência.
A divisão do trabalho, o trabalho produtivo e a produção 
de novas necessidades se desenvolvem através da história. E 
com eles crescem os objetos produzidos pelo homem, mas 
que o homem não domina; crescem as instituições criadas 
pelo homem, mas que o homem não domina. O homem se 
aliena no que diz respeito às suas obras, às coisas que ele 
criou, isto é, estas lhe parecem como objetos estranhos re-
gidos por leis próprias que são impostas mesmo contra sua 
vontade. E, finalmente, ao se dividir a sociedade em classes, 
o homem se aliena de si mesmo e se produz a alienação entre 
o homem e o homem. Isto é, assim como os produtos de seu 
trabalho lhe dão “coisas” cujo controle lhe escapa, o homem 
começa a utilizar outro homem como um meio ou um ins-
trumento, como uma coisa para a satisfação de suas próprias 
necessidades.
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25O que é o marxismo?
O homem se converte em coisa, em mercadoria que outros 
homens compram para seus fins. E tudo o que o homem tra-
balhador produz já não só lhe parece como uma coisa estra-
nha que ele não domina. Agora esse produto de seu trabalho 
se converte em um poder estranho, no poder de outra classe, 
de outros homens que se encontram sobre ele.
E, desde então, ao ficar alienado, o homem torna alie-
nado seu trabalho. Já não só os produtos de seu trabalho 
parecem, ante o homem, coisas e poderes estranhos. Agora 
é seu próprio trabalho que lhe parece estranho, externo. O 
homem já não trabalha porque trabalhar é a essência hu-
mana e somente no trabalho ele se realiza. Agora o homem 
alienado trabalha para viver. Isto é, o trabalho já não é a 
condição e o pressuposto superior de vida, mas simples-
mente um meio, um instrumento, não para realizar a vida, 
mas para poder satisfazer as mais importantes necessidades 
biológicas.
Este é o panorama geral - num passar de olhos - do que 
o marxismo chama de alienação do homem, e que podemos 
resumir em uns poucos pontos. A alienação se revela em 
que:
• Os produtos do trabalho do homem têm existência in-
dependente; o mundo das coisas criadas pelo homem se 
move independentemente da vontade humana;
• As relações sociais entre os homens aparecem como 
coisas que escapam também ao controle do homem e 
parecem ser regidas por leis próprias, quase “naturais”;
• O homem já não existe como homem, mas sim como 
homem parcial: como trabalhador ou lojista, como inte-
lectual ou pedreiro, como parte de homem, nunca como 
totalidade humana;
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26 Milcíades Peña
• O próprio homem se converte em coisa, em instrumento 
que outros homens utilizam para seus próprios fins;
• E por fim... o próprio trabalho se separa do homem e se 
converte em coisa. Já não é a realização da capacidade cria-
dora do homem, mas uma coisa, um meio para satisfazer 
suas necessidades.
E em que consiste a alienação do trabalho?
Segundo Marx, consiste em que:
Primeiro, que o trabalho é externo ao trabalhador, isto é, não pertence ao 
seu ser, que ele não se afirma, portanto, em seu trabalho, mas nega-se nele, 
que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve nenhuma energia 
física e espiritual livre, mas mortifica sua physis e arruina o seu espírito. 
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si 
[quando] fora do trabalho e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa 
quando não trabalha e, quando trabalha, não está em casa. O seu trabalho 
não é portanto voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho 
não é, por isso, a satisfação de uma carência, mas somente um meio para 
satisfazer necessidades fora dele. Sua estranheza evidencia-se aqui [de 
forma] tão pura que, tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, 
foge-se do trabalho como de uma peste. O trabalho externo, o trabalho no 
qual o homem se exterioriza, é um trabalho de auto-sacrifício, de mortifi-
cação. […] Sem dúvida. O trabalho produz maravilhas para os ricos, mas 
produz privação para o trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o 
trabalhador. Produz beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui 
o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta 
a um trabalho bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, 
mas produz imbecilidade, cretinismo para o trabalhador11.
Isto disse Marx em 1844. Pois bem, em nossos dias os me-
lhores sociólogos norte-americanos estão, por via empírica, 
chegando às mesmas conclusões e redescobrem o problema da 
alienação do homem12.
11 MARX, Karl, Manuscritos econômico-filosóficos, São Paulo, Boitempo, 
2004, pp. 83; 82 (na ordem de aparição).
12 CHINOY, Eli, Auto mobile Workers and the American Dream, Nova Iorque, 
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27O que é o marxismo?
[A concepção marxista de liberdade]
Propondo-se chegar às massas mais atrasadas, e precisamen-
te para poder chegar a estas massas, o marxismo se simplificou, 
se vulgarizou. Pagou um preço tremendo, pois se desnaturalizou 
e perdeu sua riqueza, chegou a ser confundido com uma sim-
ples interpretação econômica da história, ou com um simples 
programa de melhorias para a classe trabalhadora. A isto foi re-
duzido.
E então, os aparatos burocráticos que se erigiram sobre a 
classe operária e que adotaram o marxismo como um instru-
mento para a justificação de sua política, ajudaram com todo seu 
poderio material a manter as noções vulgares do marxismo e a 
ocultar a essência do marxismo, isto é, a luta contra a alienação, 
a luta para desalienar o homem. Claro, os aparatos burocráticos 
têm que ocultar isso, porque revelar isto equivale à sua própria 
liquidação. Se o marxismo fosse só lutar por melhorias econô-
micas, ou pela reorganização da economia, os aparatos burocrá-
ticos não correriam nenhum perigo, e até poderiam apresentar-
se como camadas executoras do marxismo. Mas se o marxismo 
é - e efetivamente o é - a luta permanente contra a alienação, isto 
é, contra todas as potências materiais e místicas que oprimem o 
homem, então os aparatos burocráticos estão absolutamente con-
denados e não há convivência possível entre eles e o marxismo.
Explica-se, assim, que no chamado Dicionário Filosófico 
Marxista de M. Rosenthal e P. Yudin, o conceito de alienação 
não apareça de nenhuma forma, nem explícita ou implicita-
mente, nem direta ou indiretamente.
Em um texto de 1842, Marx escreveu que “a liberdade é a 
essência do homem”. Lefebvre retomou esta citação esquecida 
e afirma com profunda razão que “o marxismo nasce de uma 
1955. WALKER, Charles, The man on the Assembly Line, Massachussetts, 
1952. MILLS, C. Wright, Las clases medias en Norte América, Madrid, 1957 
(N. do A.).
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28 Milcíades Peña
aspiração fundamental para a liberdade, de uma exigência im-
paciente, do desejo de um florescimento”13.
Um crítico stalinista o reprova, dizendo que com isto Lefe-
bvre quer fundamentar o marxismo “não sobre o materialismo 
e a ciência, mas sobre uma exigência moral ...”. Na realidade, o 
conceito de desalienação, de liberdade do homem, é a essência 
do marxismo, tendo Lefebvre razão.
Em 1857, enquanto prepara O Capital, Marx escreve um 
trabalho sobre economia política que foi publicado em Mos-
cou em 1939. Nesse trabalho, Marx disse que até então a his-
tória registrara dois tipos de sociedade: uma na qual existem 
relações pessoais de dependência; outra, como o capitalismo, 
na qual existe a independênciapessoal fundada na depen-
dência material. A próxima etapa, o socialismo, será aquela, 
segundo Marx, na qual existirá “a livre individualidade fun-
dada sobre o desenvolvimento universal dos indivíduos e a 
subordinação de sua produtividade coletiva, social, como seu 
poder social”14.
Desta forma, a missão da sociedade socialista é inaugurar 
o reino da individualidade humana livre sobre a Terra. Disse 
Marx:
O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer quando as relações 
cotidianas da vida prática se apresentam diariamente para os próprios ho-
mens como relações transparentes e racionais que eles estabelecem entre 
si e com a natureza. A figura do processo social de vida, isto é, do processo 
material de produção, só se livra de seu místico véu de névoa quando, 
como produto de homens livremente socializados, encontra-se sob seu 
controle consciente e planejado15.
13 LEFEBVRE, Henri, Problèmes actuels du marxisme. Paris, PUF, 1958.
14 MARX, Karl, Grundrisse: Manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços 
da crítica da crítica da economia política, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 106.
15 MARX, Karl, O Capital: crítica da economia política – Livro I, São Paulo, 
Boitempo Editorial, 2013, p. 154.
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29O que é o marxismo?
Observe-se: homens livremente associados. Por sua vez, 
Engels afirma no Anti-Dühring: 
Cessa a luta pela existência individual e, assim, em certo sentido, o 
Homem sai definitivamente do reino animal e se sobrepõe às con-
dições animais de existência, para submeter-se a condições de vida 
verdadeiramente humanas. As condições que cercam o homem e até 
agora o dominam colocam-se, a partir desse instante, sob seu domí-
nio e seu comando e o homem, ao tornar-se dono e senhor de suas 
próprias relações sociais, converte-se pela primeira vez em senhor 
consciente e efetivo da natureza. As leis de sua própria atividade 
social, que até agora se erguiam frente ao homem como leis naturais, 
como poderes estranhos que o submetiam a seu império, são ago-
ra aplicadas por ele com pleno conhecimento de causa e, portanto, 
submetidas a seu poderio. A própria existência social do homem, 
que até aqui era enfrentada como algo imposto pela natureza e a 
história, é de agora em diante obra livre sua. Os poderes objetivos e 
estranhos que até aqui vinham imperando na História colocam-se 
sob o controle do próprio homem. Só a partir de então ele começa 
a traçar a sua história com plena consciência do que faz. E só daí 
em diante as causas sociais postas em ação por ele começam a pro-
duzir, predominantemente, e cada vez em maior medida, os efeitos 
desejados. É o salto da humanidade do reino da necessidade para o 
reino da liberdade16.
O governo das pessoas é substituído pela administração das 
coisas e pela direção do processo de produção17.
E Lenin diz que:
Mas, em nossa aspiração ao socialismo, temos a convicção de que ele 
tomará a forma do comunismo e que, em consequência, desaparecerá 
16 ENGELS, Friedrich, Do socialismo utópico ao socialismo científico, São Pau-
lo, Editora Sundermann, 2008, 2ª edição, pp. 122-123. Na edição existente em 
português do Anti-Dühring (Editora Paz e Terra, 1979) esses capítulos finais, 
por vezes publicados em separado, foram omitidos.
17 LENIN, Vladimir, O Estado e a Revolução, São Paulo, Expressão Popular, 
2010, 2ª edição, p. 36.
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30 Milcíades Peña
toda necessidade de recorrer à violência contra os homens, à submissão 
de um homem a outro, de uma parte da população sobre a outra18.
Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capi-
talistas estiver perfeitamente quebrada, quando os capitalistas 
tiverem desaparecido e já não houver classes [...] só então é que 
“o Estado deixará de existir e se poderá falar de liberdade”19.
Como se vê, os clássicos marxistas insistem decisivamen-
te que a liberdade do homem é a aspiração fundamental do 
marxismo.
O marxismo quer homens plenamente humanos, homens 
livres de coisas e fetiches opressores. Melhorar o nível de vida é 
um passo absolutamente necessário, e o primeiro passo em dire-
ção a esta liberação do homem, mas é apenas o primeiro passo.
O marxismo compreende que a produção da vida material 
e a satisfação das necessidades são atividades naturais indis-
pensáveis. Comer, beber e procriar são funções autenticamen-
te humanas. Mas, segundo Marx, nelas não se revela o que 
especificamente há de humano no homem. Porque também 
o animal come e se reproduz. De modo que se as satisfações 
materiais são separadas do resto da atividade humana, e con-
vertidas em propósito único e último, então essas funções são 
próprias do animal e não têm em si nada de humano.
Por isso, acrescenta Marx, enquanto existir um regime social 
no qual comer, beber e se reproduzir apareçam para o homem 
como os propósitos exclusivos de seus desejos, enquanto isto 
ocorrer, o homem será pouco superior a um animal e estará 
verdadeiramente distante de alcançar seu verdadeiro estado 
humano.
Uma violenta elevação do salário (abstraindo de todas as outras dificul-
dades, abstraindo que, como uma anomalia, ela também só seria man-
18 Ibid., p. 101.
19 Ibid., p. 109.
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31O que é o marxismo?
tida com violência) nada seria além de um melhor assalariamento do 
escravo e não teria conquistado nem ao trabalhador nem ao trabalho a 
sua dignidade e determinação humanas20.
Isto em 1844. Em O Capital, Marx disse que “à medida que 
o capital é acumulado, a situação do trabalhador, seja sua re-
muneração alta ou baixa, tem de piorar”21. 
O marxismo não é simplesmente materialismo, ainda que 
o ignore o crítico stalinista de Lefebvre. O marxismo nega que 
o homem seja produto direto das circunstâncias e do meio. O 
marxismo reivindica a autonomia criadora do homem. Tanto 
a burocracia dos partidos da II Internacional social-demo-
crata como a burocracia soviética praticavam e praticam esta 
redução do marxismo a um materialismo de fácil acesso. Este 
é o conceito das burocracias porque reduz a nada a iniciativa 
criadora do homem, e portanto eleva aos céus o conservado-
rismo dos aparatos burocráticos, caracterizados por seu apego 
e submissão total às circunstâncias, rejeitando a luta para mo-
dificar as circunstâncias.
Marx explicou tudo isto muito nitidamente nas Teses sobre 
Feuerbach (Tese 3): 
A doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da edu-
cação esquece que as circunstâncias têm de ser transformadas pelos 
homens, e que o próprio educador tem que ser educado. Ela tem, por 
isso, de dividir a sociedade em duas partes – a primeira das quais está 
colocada acima da sociedade22.
[Conclusão]
Pois bem, o que então é o marxismo, o que pretende?
O marxismo é, como já dito, uma concepção de mundo, é 
20 MARX, Karl, Manuscritos econômico-filosóficos, op. cit., p. 88.
21 MARX, Karl, O Capital, op. cit., pp. 720-721.
22 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich, A Ideologia Alemã, São Paulo, Boitempo, 
2007, p. 533.
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32 Milcíades Peña
uma critica à sociedade capitalista e um programa de luta para 
transformá-la.
E como chave destes três aspectos do marxismo, como ob-
jetivo único e decisivo do marxismo, está a luta para desalie-
nar o homem, a aspiração de resgatar a plenitude humana do 
homem.
No marxismo, todas as outras questões são apenas meios 
para este fim. O desenvolvimen to material das forças produ-
tivas e a elevação do nível de vida são importantes porque 
constituem a base material para a desalienação do homem. A 
liquidação do capitalismo é fundamental, pois constitui, por 
sua vez, a condição básica para um maior desenvolvimento 
das forças produtivas. A ascensão da classe operária ao poder 
é imprescindível, pois constitui o requisito básico para a liqui-
dação do capitalismo. Tudo isto é fundamental e é importante, 
como também o são os satélites, as grandes centrais hidrelé-
tricas, os tratores etc.Mas para o marxismo esses são meios e 
nada mais. Pois o que o marxismo quer - a essência do mar-
xismo - é um novo tipo de relação entre os homens, na qual 
os homens não sejam dominados por coisas nem fetiches; na 
qual o homem seja o senhor absoluto, dono soberano de suas 
faculdades e seus produtos, e não escravo da mercadoria e do 
dinheiro, da propriedade e do capital, do Estado e da divisão 
do trabalho.
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Analisamos os questionários recolhidos na reunião anterior. 
Desta pequena amostra, percebe-se que embora este grupo te-
nha, em sua totalidade, uma ideia geral correta do marxismo, 
cada um de seus integrantes, individualmente, tem apenas uma 
visão parcial e, portanto, deformada do marxismo. É preciso so-
mar-se as respostas individuais para nos aproximarmos do que 
é realmente o marxismo.
[A alienação nos textos da maturidade de Marx]
A respeito da alienação, problema sobre o qual tanto 
discutimos na reunião passada, assinalamos o seguinte: 
a alienação também se revela no fato de que o indivíduo 
pertencente a uma sociedade capitalista não possui uma 
personalidade integrada: sua personalidade é um conjunto de 
facetas - pois ele é uma pessoa ao tratar com seus superiores 
no trabalho e outra ao tratar seus subordinados; é uma pessoa 
quando está no cabeleireiro e outra quando se encontra em 
uma reunião social. O indivíduo é um querido pai de família 
durante a noite e um perfeito burguês durante o dia. Ou seja, 
NOTAS DE INICIAÇÃO MARXISTA II
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34 Milcíades Peña
toda a série de contradições e aberrações que Charles Chaplin 
descreveu perfeitamente no filme Monsieur Verdoux no qual 
um homem respeitável, querido pai de família, sustentava-se 
explorando e assassinando mulheres.
Outro aspecto da alienação é assinalado por Marx nos se-
guintes termos: 
O homem se torna cada vez mais pobre enquanto homem, carece cada 
vez mais de dinheiro para se apoderar do ser hostil, e o poder de seu di-
nheiro cai precisamente na relação inversa da massa de produção, ou seja, 
cresce sua penúria à medida que aumenta o poder do dinheiro. A carência 
de dinheiro é, por isso, a verdadeira carência produzida pela economia 
nacional [a economia política – N. do E.] e a única carência que ela pro-
duz. A quantidade de dinheiro se torna cada vez mais seu único atributo 
poderoso [do homem]. [...] A imoderação e o descomedimento tornam-
se a sua verdadeira medida... Em parte, este estranhamento [alienação] se 
mostra na medida em que produz, por um lado, o refinamento das carên-
cias e dos seus meios; por outro, a degradação brutal, a completa simpli-
cidade rude abstrata da carência. […] Mesmo a carência de ar livre deixa 
de ser, para o trabalhador, carência; o homem retorna à caverna, que está 
agora, porém, infectada pelo mefítico [ar] pestilento da civilização, e que 
ele apenas habita muito precariamente, como um poder estranho que dia-
riamente se lhe subtrai, do qual ele pode ser diariamente expulso, se não 
pagar. Tem de pagar esta casa mortuária.[...] A imundície, esta corrupção, 
apodrecimento do homem, o fluxo de esgoto (isto compreendido à risca) 
da civilização torna-se para ele um elemento vital. […] [Isto quer dizer] 
não apenas que o homem deixa de ter quaisquer carências humanas, [mas 
que] mesmo as carências animais desaparecem. […] O selvagem, o ani-
mal, ainda têm a carência da caça, do movimento etc., da socialidade23.
Apenas na teoria da alienação encontramos o motivo da in-
sistência marxista em ver no proletariado a raiz da emancipa-
ção humana. Como explica Marx,
A classe possuinte e a classe do proletariado representam a mesma autoa-
lienação humana. Mas, a primeira das classes se sente bem e aprovada nes-
sa autoalienação, sabe que a alienação é o seu próprio poder e nela possui 
23 MARX, Karl, Manuscritos econômico-filosóficos, op. cit., pp. 139-141.
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35O que é o marxismo?
a aparência de uma existência humana; a segunda, por sua vez, sente-se 
aniquilada nessa alienação, vislumbra nela sua impotência e a realidade de 
uma existência desumana. […] Em seu movimento econômico-político, a 
propriedade privada se impulsiona a si mesma, em todo caso, à sua própria 
dissolução […], enquanto engendra o proletariado enquanto proletariado, 
enquanto engendra a miséria consciente de sua miséria espiritual e física, 
enquanto engendra a desumanização consciente – e portanto suprassun-
sora24 - de sua própria desumanização. Se os escritores socialistas atri-
buem ao proletariado esse papel histórico-mundial, isso não acontece, de 
nenhuma maneira […] pelo fato de eles terem os proletários na condição 
de deuses. Muito pelo contrário. Porque a abstração de toda humanidade, 
até mesmo da aparência de humanidade, praticamente já é completa en-
tre o proletariado instruído; porque nas condições de vida do proletariado 
estão resumidas as condições de vida da sociedade de hoje, agudizadas do 
modo mais desumano; porque o homem se perdeu a si mesmo no prole-
tariado, mas ao mesmo tempo ganhou com isso não apenas a consciência 
teórica dessa perda, como também, sob a ação de uma penúria absoluta-
mente imperiosa - a expressão prática da necessidade -, que já não pode 
mais ser evitada nem embelezada, foi obrigado à revolta contra essas de-
sumanidades; por causa disso o proletariado pode e deve libertar-se a si 
mesmo. Mas ele não pode libertar-se a si mesmo sem suprassumir suas 
próprias condições de vida. Ele não pode suprassumir suas próprias con-
dições de vida sem suprassumir todas as condições de vida desumana da 
sociedade atual, que se resumem em sua própria situação25.
Por outro lado, sem compreender a teoria da alienação, não 
se pode entender o pensamento econômico de Marx, porque 
todo O Capital não é mais do que um desmascaramento da alie-
nação humana tal qual aparece escondida nas categorias e leis 
econômicas da sociedade capitalista.
A economia nacional parte do fato dado e acabado da propriedade priva-
da. Não nos explica o mesmo.[...] Nós partimos de um fato nacional-eco-
24 Suprassunção é uma das traduções possíveis do termo alemão aufheben, 
palavra que tem, ao mesmo tempo, o sentido de superação, incorporação e 
destruição (N. do E.).
25 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich, A sagrada família, São Paulo, Boitempo, 
2011, pp. 48-49.
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36 Milcíades Peña
nômico, presente. O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais 
riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e exten-
são. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais 
mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em 
proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. […] Este fato 
nada mais exprime, senão: o objeto que o trabalho produz, o seu produto, 
se lhe defronta como um ser estranho, como um poder independente do 
produtor. […] A vida que ele concedeu ao objeto se lhe defronta hostil e 
estranha. […] A economia nacional oculta o estranhamento na essência 
do trabalho porque não considera a relação imediata entre o trabalhador 
(o trabalho) e a produção26.
Na reunião anterior houve aqui certas dúvidas e sorrisos cé-
ticos sobre o caráter marxista da teoria da alienação. Pois bem, 
como já dissemos, a teoria da alienação não é uma ideia da juven-
tude de Marx, que ele depois deixou de lado. A teoria da aliena-
ção impregna todo o pensamento de Marx, todo o tempo.
Em O Manifesto Comunista, Marx afirmou:
Estes trabalhadores, que são obrigados a se vender diariamente, se compor-
tam como uma mercadoria, como qualquer outro objeto de comércio. Eles 
estão consequentemente expostos a todas as mudanças da competição, a 
todas as flutuações do mercado.
Devido ao uso extensivo da maquinaria e à divisão do trabalho, a ativida-
de dos proletários perdeu todo o seu caráter independente, e consequen-
temente, todo o encanto para o trabalhador. Ele torna-se um apêndiceda 
máquina e exige-se dele apenas a operação mais simples, mais monótona 
e mais fácil de aprender. […] Assim, à medida que o caráter enfadonho 
do trabalho aumenta, o salário decresce. […] Massas de operários, amon-
toados na fábrica, são organizados como soldados. Como soldados indus-
triais, eles são postos sob o comando de uma perfeita hierarquia de oficiais 
e sargentos. Eles não são apenas escravos da classe burguesa, e do Estado 
burguês. Diariamente e a cada hora, eles são escravizados pela máquina, 
pelo supervisor, e acima de tudo, pelo próprio manufatureiro burguês indi-
vidual. Quanto mais abertamente este despotismo proclama o ganho como 
seu fim e objetivo, mais mesquinho, odioso e amargo ele se torna27.
26 MARX, Karl, Manuscritos econômico-filosóficos, op. cit., pp. 79-82.
27 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich, Manifesto do Partido Comunista, São 
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37O que é o marxismo?
Isto em 1848; em 1856 Marx disse: 
Achamo-nos na presença de um grande fato, característico deste nosso 
século 19, um feito que nenhum partido se atreve a negar. Por um lado 
despertaram para a vida algumas forças industriais e científicas de cuja 
existência nenhuma das épocas históricas precedentes poderia sequer 
suspeitar. Por outro lado, existem alguns sintomas de decadência que su-
peram de muito os horrores que registra a história dos últimos tempos do 
Império Romano. Hoje em dia, tudo parece levar em seu seio a sua pró-
pria contradição. Vemos que as máquinas dotadas da propriedade mara-
vilhosa de reduzir e tornar mais frutífero o trabalho humano provocam 
a fome e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recém-des-
cobertas se convertem, por artes de um estranho malefício, em fontes de 
privações. Os triunfos da arte parecem adquiridos ao custo de qualidades 
morais. O domínio do homem sobre a natureza é cada vez maior; mas, 
ao mesmo tempo, o homem parece se tornar escravo de outros homens 
ou de sua própria infâmia. Mesmo a pura luz da ciência parece só poder 
brilhar sobre o fundo tenebroso da ignorância. Todas as nossas inven-
ções e progressos parecem dotar de vida intelectual as forças materiais, 
enquanto reduzem a vida humana ao nível de uma força material bruta28. 
É a mesma linguagem dos Manuscritos econômico-filosóficos 
de 1844, onde se formula a teoria da alienação.
Finalmente, é em O Capital, obra que coroa o pensamen-
to marxista, escrito não na juventude mas na maturidade de 
Marx, que sai à luz em 1867, 23 anos depois dos Manuscritos 
econômico-filosóficos, que encontramos uma crítica detalhada 
à alienação e o incentivo à desalienação do homem, motor do 
pensamento marxista. Vejamos:
O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simples-
mente no fato de que ela reflete aos homens os caracteres sociais de seu 
próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do tra-
balho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por 
isso, reflete também a relação social dos produtores com o trabalho total 
Paulo, Editora Sundermann, 2008, 2ª edição, pp. 46-47.
28 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich, Textos escolhidos, v. 3, São Paulo, Alfa-
omega, 1980, p. 298
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como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos pro-
dutores. [...] É apenas uma relação social determinada entre os próprios 
homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma re-
lação entre coisas. Desse modo, para encontrarmos uma analogia, temos 
de nos refugiar na região nebulosa do mundo religioso. Aqui, os produtos 
do cérebro humano parecem dotados de vida própria, como figuras inde-
pendentes que travam relação umas com as outras e com os homens. […] 
Estas [grandezas de valor das mercadorias] variam constantemente, inde-
pendentemente da vontade, da previsão e da ação daqueles que realizam 
a troca. Seu próprio movimento social possui, para eles, a forma de um 
movimento de coisas, sob cujo controle se encontram, em vez de eles as 
controlarem.[...] O reflexo religioso do mundo real só pode desaparecer 
quando as relações cotidianas da vida prática se apresentam diariamente 
para os próprios homens como relações transparentes e racionais que eles 
estabelecem entre si e com a natureza. A figura do processo social de vida, 
isto é, do processo material de produção, só se livra de seu místico véu de 
névoa quando, como produto de homens livremente socializados, encon-
tra-se sob seu controle consciente e planejado29.
Desde já, é evidente que o trabalhador, durante toda sua vida, não é se-
não força de trabalho, razão pela qual todo o seu tempo disponível é, por 
natureza e por direito, tempo de trabalho, que pertence, portanto, à auto-
valorização do capital. Tempo para a formação humana, para o desenvol-
vimento intelectual, para o cumprimento de funções sociais, para relações 
sociais, para o livre jogo das forças vitais físicas e intelectuais, mesmo o 
tempo livre do domingo [...] é pura futilidade30!
Os meios de produção convertem-se imediatamente em meios para a suc-
ção de trabalho alheio. Não é mais o trabalhador que emprega os meios 
de produção, mas os meios de produção que empregam o trabalhador31.
A divisão manufatureira do trabalho supõe a autoridade incondicional 
do capitalista sobre homens que constituem meras engrenagens de um 
mecanismo total que a ele pertence; […] a mesma consciência burguesa 
que festeja a divisão manufatureira do trabalho, a anexação vitalícia do 
trabalhador a uma operação detalhista e a subordinação incondicional 
29 MARX, Karl, O Capital, op. cit., pp. 147; 150; 154.
30 Ibid., p. 337.
31 Ibid., p. 382.
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dos trabalhadores parciais ao capital como uma organização do trabalho que 
aumenta a força produtiva denuncia com o mesmo alarde todo e qualquer 
controle e regulação social consciente do processo social de produção como 
um ataque aos invioláveis direitos de propriedade, liberdade e à “genialida-
de” autodeterminante do capitalista individual. É muito característico que 
os mais entusiasmados apologistas do sistema fabril não saibam dizer nada 
mais ofensivo contra toda organização geral do trabalho social além de que 
ela transformaria a sociedade inteira numa fábrica32.
[A manufatura] aleija o trabalhador, converte-o numa aberração, promo-
vendo artificialmente sua habilidade detalhista por meio da repressão de 
um mundo de impulsos e capacidades produtivas, do mesmo modo como, 
nos Estados de La Plata [a Argentina], um animal inteiro é abatido apenas 
para a retirada da pele ou do sebo. Não só os trabalhos parciais específicos 
são distribuídos entre os diversos indivíduos, como o próprio indivíduo 
é dividido e transformado no motor automático de um trabalho parcial, 
conferindo assim realidade à fábula absurda de Menênio Agripa, que re-
presenta um ser humano como mero fragmento de seu próprio corpo
33
.
Os conhecimentos, a compreensão e a vontade que o camponês ou arte-
são independente desenvolve, ainda que em pequena escala, assim como 
aqueles desenvolvidos pelo selvagem, que exercita toda a arte da guer-
ra como astúcia pessoal, passam agora a ser exigidos apenas pela ofici-
na em sua totalidade. As potências intelectuais da produção, ampliando 
sua escala por um lado, desaparecem por muitos outros lados. O que os 
trabalhadores parciais perdem concentra-se defronte a eles no capital. É 
um produto da divisão manufatureira do trabalho opor-lhes as potências 
intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia e 
como poder que os domina. Esse processo de cisão começa na cooperação 
simples, em que o capitalista representa diante dos trabalhadores indivi-
duais a unidade e a vontade do corpo social de trabalho. Ele se desenvolve 
na manufatura, que mutila o trabalhador, fazendo dele um trabalhador 
parcial, e se consuma na grande indústria, que separa do trabalho a ciên-
cia comopotência autônoma de produção e a obriga a servir ao capital.
Na manufatura, o enriquecimento do trabalhador coletivo e, por con-
seguinte, do capital em sua força produtiva social é condicionado pelo 
empobrecimento do trabalhador em suas forças produtivas individuais34.
32 Ibid., p. 430.
33 Ibid., p. 434.
34 Ibid., p. 435.
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40 Milcíades Peña
Da especialidade vitalícia em manusear uma ferramenta parcial surge a es-
pecialidade vitalícia em servir a uma máquina parcial. Abusa-se da maqui-
naria para transformar o trabalhador, desde a tenra infância, em peça de 
uma máquina parcial. […] Na manufatura e no artesanato, o trabalhador 
se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimen-
to do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de 
acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem 
membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo mor-
to, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos. 
[...]
Enquanto o trabalho em máquinas agride ao extremo o sistema nervoso, ele 
reprime o jogo multilateral dos músculos e consome todas as suas energias 
físicas e espirituais. Mesmo a facilitação do trabalho se torna um meio de 
tortura, pois a máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas seu traba-
lho de conteúdo. Toda produção capitalista, por ser não apenas processo de 
trabalho, mas, ao mesmo tempo, processo de valorização do capital, tem em 
comum o fato de que não é o trabalhador quem emprega as condições de 
trabalho, mas, ao contrário, são estas últimas que empregam o trabalhador; 
porém, apenas com a maquinaria essa inversão adquire uma realidade tec-
nicamente tangível. Transformado num autômato, o próprio meio de traba-
lho se confronta, durante o processo de trabalho, com o trabalhador como 
capital, como trabalho morto a dominar e sugar a força de trabalho viva. 
A cisão entre as potências intelectuais do processo de produção e o traba-
lho manual, assim como a transformação daquelas em potências do capital 
sobre o trabalho, consuma-se, como já indicado anteriormente, na grande 
indústria, erguida sobre a base da maquinaria. A habilidade detalhista do 
operador de máquinas individual, esvaziado, desaparece como coisa dimi-
nuta e secundária perante a ciência, perante as enormes potências da na-
tureza e do trabalho social massivo que estão incorporadas no sistema da 
maquinaria e constituem, com este último, o poder do “patrão”35. [...]
Assim como a reprodução simples reproduz continuamente a própria 
relação capitalista - capitalistas de um lado, assalariados de outro - a re-
produção em escala ampliada, ou seja, a acumulação, reproduz a relação 
capitalista em escala ampliada - de um lado, mais capitalistas, ou capi-
talistas maiores; de outro, mais assalariados. A reprodução da força de 
trabalho, que tem incessantemente de se incorporar ao capital como meio 
de valorização, que não pode desligar-se dele e cuja submissão ao capital 
só é velada pela mudança dos capitalistas individuais aos quais se vende, 
35 Ibid., pp. 494-495.
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41O que é o marxismo?
constitui, na realidade, um momento da reprodução do próprio capital. 
[…] Sob as condições de acumulação até aqui supostas como as mais fa-
voráveis aos trabalhadores, a relação de subordinação destes ao capital 
aparece sob formas toleráveis ou, como diz Eden, “tranquilas e liberais”. 
Ao invés de se tornar mais intensa com o crescimento do capital, essa 
relação de dependência torna-se apenas mais extensa, quer dizer, a esfera 
de exploração e dominação do capital não faz mais do que ampliar-se 
juntamente com as próprias dimensões desse capital e com o número de 
seus súditos. Do próprio mais-produto crescente desses súditos, crescen-
temente transformado em capital adicional, reflui para eles uma parcela 
maior sob a forma de meios de pagamento, de modo que podem ampliar 
o âmbito de seus desfrutes, guarnecer melhor seu fundo de consumo de 
vestuário, mobília etc. e formar um pequeno fundo de reserva em dinhei-
ro. Mas assim como a melhoria de vestuário, alimentação, tratamento e 
um pecúlio maior não suprimem a relação de dependência e a exploração 
do escravo, tampouco suprimem as do assalariado. O aumento do preço 
do trabalho, que decorre da acumulação do capital, significa apenas que, 
na realidade, o tamanho e o peso dos grilhões de ouro que o trabalhador 
forjou para si mesmo permitem tomá-las menos constringentes. […] Por-
tanto, as condições de sua venda, sejam elas favoráveis ao trabalhador em 
maior ou menor medida, incluem a necessidade de sua contínua revenda 
e a constante reprodução ampliada da riqueza como capital36.
[Marxismo e filosofia]
Vale a pena estudar a filosofia marxista - o que significa 
estudar toda a filosofia, antes e depois de Marx? Uma anedota 
pode nos orientar: Lenin começou a ler a Ciência da Lógica de 
Hegel logo após o começo da 1ª Guerra Mundial, entre setem-
bro e dezembro de 1914. É que Lenin era um homem de ação, 
mas não de ação sem verdade. Para ele - e para o marxismo - a 
ação não se opõe ao pensamento; a ação exige o pensamento. 
Para o marxismo, a prática política é uma prática consciente. 
E para o marxismo, a prática não significa apenas adaptar-se 
ao existente, mas sim ter habilidade técnica para atuar sobre 
o existente. Para o marxismo, prática significa conhecimento 
profundo da realidade e ação plenamente consciente, ou seja, 
baseada no conhecimento.
36 Ibid., pp. 690; 694-695.
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42 Milcíades Peña
Por outro lado, sem compreender o pensamento filosófico, 
particularmente sem compreender a filosofia de Hegel, é im-
possível compreender Marx. Com toda a razão disse Lenin em 
seus comentários sobre a Ciência da Lógica de Hegel:
Não se pode compreender plenamente O Capital de Marx, e particular-
mente o seu primeiro capítulo, sem ter estudado e compreendido toda a 
Lógica de Hegel. Portanto, meio século depois de Marx, nenhum marxista 
o compreendeu!37
Na linguagem popular falamos de “ser filosófico com as coi-
sas”. Com isto queremos dizer que se deve encarar as coisas com 
paciência. Mas nesta frase vulgar há um núcleo de verdade que 
nos ajuda a entender o que é a filosofia. Pois ao dizer que “há 
que ser filosófico com as coisas” ou encará-las “filosoficamente”, 
fazemos um convite à reflexão, a empregar a própria capacidade 
racional para entender os problemas. E a filosofia é precisamen-
te isso: enfrentar-se de uma maneira reflexiva com a realidade, 
incluindo nela o próprio pensamento; ir mais além dos primei-
ros dados obtidos e extrair deles todas as implicações, todas as 
fases, todos os momentos e as relações que neles estão contidos. 
Nós vamos encarar agora alguns problemas e teses fundamen-
tais da filosofia marxista.
Ao fim desta reunião ninguém vai sair daqui “sabendo” fi-
losofia marxista. Mas todos sairão sabendo, em termos gerais, 
que a filosofia marxista enfrenta tais e quais problemas, que os 
aborda de tal e qual modo, e que, para conhecer esse tema em 
profundidade, é indispensável ler as obras fundamentais do 
marxismo. Estas obras são, creio eu, A ideologia alemã de Marx 
e Engels, Lógica formal e lógica dialética de Henri Lefebvre, 
as Teses sobre Feuerbach de Marx e Filosofia e Socialismo de 
Antonio Labriola. E creio que há que lê-las nesta ordem, para 
37 LENIN, Vladimir, Cadernos sobre a dialética de Hegel, Rio de Janeiro, 
UFRJ, 2011, p. 157
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43O que é o marxismo?
captar com clareza o que é a filosofia marxista (bem entendido 
que se trata de um plano básico).
[A dialética]
Vamos encarar agora o problema da dialética. A dialética 
é um enfoque que trata de captar toda a realidade exatamente 
como é, e ao mesmo tempo como deveria ser, de acordo com 
o que ela mesma contém como potência. A dialética significa 
conhecer as coisas concretamente, com todas assuas caracte-
rísticas, e não como entes abstratos, vazios, reduzidos a uma ou 
duas características. Por isso, a dialética significa ver as coisas 
em movimento, ou seja, como processos; por isso a dialética 
desvela e estuda a contradição que há no seio de toda unidade, 
e a unidade à qual tende toda contradição.
O pensamento formal comum, que tem seu coroamento na ló-
gica formal, tende a despojar da realidade a sua imensa riqueza de 
conteúdo, de sua infinita complexidade, e reduz tudo a esquemas 
e fórmulas vazias de conteúdo. Por isso a lógica formal diz: “Toda 
coisa é igual a si mesma” e diz também que “uma coisa é, ou não 
é”. Assim, se poupa o trabalho de ter em conta que na realidade 
viva todas as coisas ao mesmo tempo são e não são, posto que 
em tudo há movimento; e toda coisa é igual a si mesma, mas por 
vezes é diferente de si mesma, porque em seu seio há diferenças, e 
ao haver diferenças, há o germe das contradições. Levar em conta 
essa realidade; não renunciar a seu conhecimento nem falsear seu 
conhecimento, esquecendo a riqueza de conteúdo do real, con-
tentando-se em conhecer partes isoladas e dissociadas de todas 
menos uma ou duas características; ao contrário, penetrar a fundo 
na realidade, captá-la tal como é, com sua infinita complexidade, 
com sua inesgotável riqueza de conteúdo - isso é dialética.
No tempo que dispomos para nossos trabalhos não pode-
remos estudar a dialética. Para isto – ou antes, para uma intro-
dução ao estudo da dialética – necessitaríamos pelo menos da 
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44 Milcíades Peña
mesma quantidade de reuniões como as que dedicaremos ao 
estudo de todo o marxismo. Mas o que é importante é deixar 
claro o seguinte:
A realidade é maravilhosa e infinitamente rica em complexi-
dade, em contradições, em movimento. Há dois enfoques para 
conhecê-la;
• Um enfoque mais elementar, mais simples: o enfoque do 
pensamento comum. Esse enfoque diz: a realidade é excessi-
vamente complexa; não posso captá-la tal como é, pois desse 
modo não entenderia nada. Para entendê-la tenho que to-
mar as coisas uma de cada vez, separando-as, colocando-as 
uma ao lado da outra, evitando que se misturem ou mudem 
de lugar, ou que se transformem. Esse pensamento, que é 
abstrato, ou seja, que separa, que reparte o que na realidade 
está unido, é o pensamento formal abstrato.
• Ao contrário, há um enfoque que tenta captar a realida-
de como ela é: rica, contraditória, móvel. Este enfoque não 
se conforma em entender a realidade em partes e esvaziada 
de conteúdo; ao contrário, exige apreender a realidade com 
tudo aquilo que ela tem. Esse enfoque é, precisamente, o 
pensamento dialético.
Com isto, fica dito que a dialética não se reduz de modo 
algum à série de leis que os manuais apresentam como dialé-
tica: a transformação da quantidade em qualidade, a unidade 
dos contrários etc. Estas são apenas algumas das partes da 
dialética, que é a lógica, e nada além de partes. Colocá-las em 
separado do conjunto, como receitas a serem aplicadas à rea-
lidade, é o mais antidialético que se pode conceber. Somente 
adentramos no terreno da dialética quando nos esforçamos 
em entender quando, onde e em que condições uma quanti-
dade se transforma em uma qualidade, ou um polo se trans-
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45O que é o marxismo?
forma em seu oposto etc. Ou seja, só entramos no terreno da 
dialética quando nos esforçamos por captar a realidade viva, 
em sua totalidade, com seu movimento, suas contradições e 
suas mutações.
Nas sociedades primitivas o homem pensava concretamen-
te. Para o homem primitivo, em cada elemento da realidade se 
encontram o uno e o múltiplo, o quietismo e o movimento, a 
identidade e a diferença. O homem primitivo pensava dialetica-
mente porque pensava em concreto, ou seja, via as coisas como 
totalidades, no conjunto, com toda a riqueza de seu conteúdo. 
Por isso a linguagem do homem primitivo pinta e descreve a 
realidade em toda a sua riqueza: o primitivo não diz “isto” em 
abstrato, diz “isto que toco”, “isto que está muito perto”, “isto 
que está de pé” ou “isto que está ao alcance da minha visão”. O 
primitivo não entende coisas isoladas, vê situações, conjuntos, 
totalidades. Do mesmo modo, as crianças muito pequenas não 
entendem as letras, mas entendem as palavras, ou seja, conjun-
tos concretos que têm um sentido.
Mas quando a humanidade começou a dominar a natureza 
e a conhecê-la melhor, podia e devia criar para si uma formidá-
vel ferramenta intelectual, que é o conceito abstrato. O homem 
pôde deixar de ver as coisas em sua totalidade, pôde decom-
pô-las em partes, pôde analizá-las, pôde fazer a abstração. O 
homem aprendeu a dizer “esse” em abstrato e “essa árvore” sem 
dizer “esta árvore verde aqui, nesta colina” como dizia o primi-
tivo. O conhecimento apensa pode avançar assim, esmiuçando 
a realidade em partes. Assim avançaram as ciências naturais. A 
lógica formal, com sua afirmação de que uma coisa é ou não o 
é, coroou esta aspiração do pensamento abstrato e foi um for-
midável avanço... mas foi, ao mesmo tempo, um enorme passo 
para trás também. Foi um avanço, pois ela possibilitou aplicar-
se a uma análise minuciosa dos elementos e partes integrantes 
da realidade; permitiu o estudo intensivo dos mesmos e contri-
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buiu para a imensa massa de conhecimentos que constituem as 
ciências naturais. Mas o pensamento abstrato e a lógica formal 
significaram também um formidável passo para trás, no senti-
do que, por muitos séculos, se perdeu essa riqueza que carac-
terizava o pensamento do homem primitivo, esse frescor da 
capacidade de apreender a realidade como é, como um todo 
complexo e em mudança, cheio de qualidades e atributos.
A dialética recupera para o pensamento essa riqueza de 
conteúdo, essa criação, esse frescor do pensamento do ho-
mem primitivo, mas incorpora nele o rigor, a precisão, a exa-
tidão que foram obtidas por séculos de pensamento abstrato 
e lógica formal.
Como disse Lefebvre, a dialética é a plena captação pelo 
pensamento humano de toda a efervescência tumultuosa da 
matéria, a ascensão da vida, a epopeia da evolução, inter-
rompida repentinamente por catástrofes, enfim, todo o dra-
ma cósmico. “A verdade está na totalidade”, disse Hegel, ou 
seja, a ideia verdadeira é a superação das verdades limitadas 
e parciais, que se transformam em erros ao serem considera-
das estáticas. Apenas a captação da totalidade, onde se unem 
o igual e o distinto, o repouso e o movimento, o singular e 
o múltiplo, ou seja, apenas a captação do concreto pode nos 
dar a verdade. Nestas fórmulas - que não são fórmulas, mas 
a síntese de toda a prodigiosa evolução do pensamento hu-
mano - está contido todo o pensamento dialético e esta é a 
genial contribuição de Hegel ao pensamento humano.
A lógica formal diz que toda coisa é idêntica a si mesma. 
Mas para isso é preciso que seja diferente de todas as demais, 
de modo que a igualdade mais pura já supõe a diferença. No 
entanto, a lógica formal não considera isto.
Por outro lado, o fato de que a igualdade, mesmo a mais 
abstrata, contenha em si a diferença, se revela em todo con-
ceito no qual o predicado seja distinto do sujeito. Por exem-
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47O que é o marxismo?
plo, ao dizer a rosa é vermelha, dizemos que a rosa, sem deixar 
de ser uma rosa, é vermelha, ou seja, algo diferente de rosa. Se 
quiséssemos evitar esta diferenciação no seio da unidade, se 
desejássemos cumprir, rigorosamente, com o principio lógico 
formal, de que toda coisa é idêntica a si mesma e não pode ser 
idêntica e diferente, então o pensamento seria algo completa-
mente vazio e os únicos conceitos seriam aqueles próprios de 
tolos, no estilo: a rosa é ... a rosa, a vida é... a vida etc. Enquanto 
quisermos criar conceitos inteligentes, conhecer as qualidades 
do real e captar sua complexidade, então fatalmente rompere-

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