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Livro Alfabetizando-sem-o-ba-be

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ALFABETIZANDO SEM O BÁ-BÉ-BI-BÓ-BU 
 
SUMÁRIO 
Prefácio 4 
Introdução 8 
 
1. História da alfabetização 11 
2. O ensino e a aprendizagem: os dois métodos.. 35 
3. Avaliação, promoção, planejamento 61 
4. O método das cartilhas 79 
5. Panorama do processo de alfabetização 103 
6. A decifração da escrita 119 
7. Procedimentos para o estudo das letras 133 
8. Sugestões de atividades na alfabetização 163 
9. A produção de textos espontâneos 197 
10. As hipóteses por trás dos erros 241 
11. Ditado e cópia 287 
12. Leitura e interpretação de texto 311 
13. Ortografia da língua portuguesa 341 
 
Apêndice — A categorização gráfica das letras 359 
Bibliografia 389 
Índice de tópicos por capítulo 397 
 
PREFÁCIO 
Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu é, sem dúvida, um livro 
pioneiro. O próprio título já evidencia o seu pioneirismo: uma 
nova proposta de metodologia da alfabetização, totalmente 
liberta do método silábico, cartilhesco ou não. 
Ao contrário do que se pode imaginar, não é apenas quando 
nos utilizamos da cartilha que o método silábico do bá-bé-bi-bó- 
bu se encontra subjacente à prática de ensinar a ler e escrever. 
Como bem mostra o autor, mesmo em práticas consideradas 
inovadoras e bem distantes da cartilha, a única tábua de 
salvação, para muitos professores, é voltar ao antigo bê-a-bá. 
Outra grande inovação (diríamos até "evolução") trazida por 
este livro é colocar no centro da discussão da aquisição da 
leitura e da escrita a noção de ortografia, ausente de qualquer 
outra abordagem do assunto já conhecida. Não nos referimos à 
ortografia apenas como uma meta a ser atingida no final do 
processo, mas como a noção fundamental que sustenta o nosso 
sistema de escrita. O autor nos mostra que, ao contrário do que 
comumente se pensa, nosso sistema de escrita não é apenas 
alfabético (o que o tornaria uma mera transcrição fonética), mas 
ortográfico (servindo a ortografia, entre outras coisas, para 
anular a variação lingüística no nível da palavra). Assim, a partir 
de considerações a respeito da própria natureza do nosso 
sistema de escrita, e de como isto interfere no processo de 
alfabetização, vemos como a ortografia deve ser considerada 
desde o início do processo e não como objetivo final 
— como o fazem tanto os métodos tradicionais baseados no bá- 
bé-bi-bó-bu, como também os ditos construtivistas, que dividem 
a aquisição da linguagem escrita em níveis (pré-silábico, silábico 
e alfabético), os quais não encontram correspondência exata em 
qualquer sistema de escrita conhecido, menos ainda em um 
sistema de escrita ortográfico como o nosso. 
Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu é uma obra voltada para a 
formação do professor alfabetizador. Discute a teoria da 
aquisição da linguagem escrita e fornece subsídios ao professor 
que tiver coragem, vontade, ou simplesmente necessidade, 
imposta pelo seu cotidiano de alfabetizador, de mudar. É o 
resultado de quase vinte anos de dedicação do autor à causa da 
alfabetização e de seus mais de trinta anos como lingüista. ~, 
<4> 
Representa, pois, a visão de um lingüista sobre o processo de 
aquisição da leitura e da escrita e a sua contribuição, como 
professor, para a educação do país, de um modo mais geral. O 
autor afirma que um professor que tenha os conhecimentos 
apresentados neste livro consegue conduzir com calma e 
segurança o processo de alfabetização e tem chances de 
alfabetizar uma criança a partir dos cinco anos ou um adulto em 
dois ou três meses — o que significa uma enorme conquista, 
dados os alarmantes níveis de analfabetismo no Brasil. Isso 
porque os conhecimentos apresentados independem do tempo 
histórico e do espaço geográfico, já que dizem respeito 
diretamente à natureza, função e usos da linguagem oral e 
escrita e não estão subordinados a métodos pedagógicos. As 
estratégias de ensino podem variar de professor para professor, 
mas o conhecimento da linguagem oral e escrita é uma aquisição 
da ciência e, desse modo, depende única e exclusivamente do 
progresso da ciência. E nesse sentido, a ciência Lingüística já 
tem um conjunto considerável de conhecimentos solidamente 
estabelecidos, dos quais uma parte é colocada aqui à disposição 
para uma aplicação à educação. 
Na sua carreira acadêmica, Luiz Carlos Cagliari tem trabalhado 
com três linhas de pesquisa: fonética e fonologia, sistemas de 
escrita e alfabetização. Nas três áreas, além de ter produzido 
muitas pesquisas, que resultaram em várias publicações, seu 
percurso como professor do Instituto de Estudos da Linguagem 
da Unicamp inclui cursos na graduação em Letras e Lingüística e 
na pós-graduação em Lingüística, além de comunicações em 
reuniões científicas importantes, dentro e fora do país. No 
entanto, este livro não pode ser considerado apenas o resultado 
de uma pesquisa desenvolvida do lado de dentro dos portões da 
universidade, desvinculada da realidade de sala de aula dos 
professores alfabetizadores do país. O contato e trabalho 
conjunto do autor com os professores alfabetizadores vêm já de 
longa data. 
O ano de 1980 é uma data-chave para a compreensão do seu 
envolvimento com os estudos de alfabetização. Nessa ocasião, 
uma equipe da CENP o convidou para ministrar um curso de 
fonética acústica para professores alfabetizadores, uma vez que, 
segundo os especialistas, os erros de troca de letras cometidos 
pelos alunos eram devidos ao fato de os professores não 
conhecerem o assunto, não tendo, portanto condições de 
resolverem o problema quando ele se manifestava. ~, 
<5> 
Analisando a questão, ele concluiu que os problemas não se 
restringiam à fonética acústica, mas envolviam falhas sérias no 
processo de alfabetização, devido à falta de conhecimento 
lingüístico. Esse curso, realizado com a colaboração de uma de 
suas colegas de departamento na Unicamp, a Drª Maria 
Bernadete Abaurre, e do Dr. Márcio Silva, foi o início de um longo 
caminho de pesquisa e de cooperação com órgãos públicos, 
faculdades e, sobretudo, com professores alfabetizadores, que 
forneciam ao autor material produzido pelos alunos. Começou a 
organizar assim um enorme arquivo de produções infantis. 
No ano seguinte, a convite da equipe pedagógica da 
Secretaria de Educação de Alagoas, juntamente com Maria 
Bernadete, Luiz Carlos Cagliari ministrou um curso para 
professores alfabetizadores. Na ocasião, foi possível pôr em 
prática as novas orientações propostas no curso da CENP, 
sobretudo, convencendo os professores a deixar seus alunos 
produzirem textos espontâneos. O que parecia a eles uma 
loucura logo se revelou uma grata surpresa. A evidência dos 
fatos mostrou a dimensão da capacidade dos alunos e que seus 
erros, mais do que "falhas", revelavam hipóteses que os levavam 
a fazer opções diante da escrita. 
No ano de 1983, destaca-se sua participação no I Seminário 
Multidisciplinar: Alfabetização, realizado na Pontifícia 
Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Nessa ocasião, 
apresentou um trabalho intitulado A formação do professor 
alfabetizador, em que já aparece um esboço de suas principais 
idéias sobre o processo de alfabetizar. 
Neste mesmo ano, outra colega sua do departamento de 
Lingüística da Unicamp, a Drª Cláudia Lemos, organizou um 
encontro sobre Linguagem, Aprendizagem e Interação. Ela já 
conhecia o trabalho do autor na área de alfabetização e achava 
que correspondia em grande parte ao que faziam os 
construtivistas, sobretudo uma psicóloga que tinha encontrado 
na Europa, chamada Emília Ferreiro. Nesse encontro foram 
apresentadas as idéias do construtivismo, que, a partir daí, 
invadiram os programasde alfabetização. Para esse evento, o 
autor levou os textos espontâneos dos alfabetizandos de Alagoas 
e de Campinas com os quais ele havia trabalhado, expondo-os 
em dois varais que acompanhavam toda a extensão do corredor 
do pavilhão dos professores. Todos ficaram impressionados, e os 
textos forneceram material para muita discussão.~, 
<6> 
Em 1984, o autor já, havia juntado grande quantidade de 
trabalhos sobre os mais variados tópicos da alfabetização 
relacionados com a fala, a escrita e a leitura. Esse material iria 
formar, mais tarde, o livro Alfabetização e lingüística, publicado 
pela Scipione em 1989. Um dos trabalhos que não entrou 
naquele livro foi o "Roteiro de sugestões para professores 
alfabetizadores", que serviu de embrião para esta obra que ora 
prefaciamos, cuja versão preliminar foi escrita nos dois 
primeiros meses de seu estágio de pós-doutoramento em 
Londres, em 1987, e depois foi intensamente discutida e levada à 
sala de aula por professores alfabetizadores de várias regiões do 
país. 
Já em 1985, Luiz Carlos Cagliari participou do Projeto Ipê, 
coordenado pela CENP Nessa ocasião, publicou o artigo 
"Caminhos e descaminhos da fala, da leitura e da escrita na 
escola", que teve enorme repercussão. Com o material desse 
artigo, foi feito o roteiro para um programa da TV Cultura 
relacionado com o Projeto Ipê. Paralelamente a isso, começaram 
a ser publicados no Brasil artigos de Emília Ferreiro e suas idéias 
apareceram também no Projeto Ipê. A pesquisadora Telma 
Weisz, discípula de Ferreiro passou a liderar a divulgação do 
construtivismo no estado de São Paulo, com o apoio da CENP e, 
sobretudo depois, com a FDE. Nessa época, já era notória a 
discordância do autor (ver o artigo "O príncipe que queria ser 
sapo") e de outros lingüistas com relação às interpretações de 
Emília Ferreiro a respeito do processo de letramento. A opção 
pelo construtivismo e, de certo modo, sua imposição às 
atividades da rede pública deixaram em um plano secundário as 
críticas e outras formas de pensar e de fazer o processo de 
alfabetização. Apesar disso, Luiz Carlos Cagliari continuou 
pesquisando com empenho e profundamente, até a formação de 
um conjunto de idéias sólidas, bem fundamentadas, que 
explicam não só como alguém se alfabetiza, mas também como 
tirar alguém do "mau caminho" e fazer com que supere seus 
obstáculos e consiga se alfabetizar. São estas as idéias 
apresentadas no presente livro. 
Atualmente, seus olhos voltam-se para um novo horizonte: a 
alfabetização de adultos. Continua sua luta incansável contra o 
analfabetismo e por rumos melhores para a alfabetização dos 
que efetivamente conseguem chegar até a escola. 
Gladis Massini-Cagliari. ~, 
<7> 
 
 
INTRODUÇÃO 
Em 1981, baseando-me na experiência de alfabetização de 
meu filho Daniel na Escócia (1976), disse para muitos 
professores (em cursos e palestras) que as crianças podiam 
escrever textos já no início da alfabetização, passando da 
capacidade de produzir textos orais para a representação 
escrita, mesmo sem saber bem a grafia das palavras. Fui então 
considerado um maluco, que nunca tinha alfabetizado alguém. 
Bastou a coragem de alguns professores, já no ano seguinte, 
para que todos descobrissem que isso era possível. Com o 
trabalho de colegas como Maria Bernadete Abaurre e João 
Wanderley Geraldi e com a divulgação das idéias de Emília 
Ferreiro, o que era medo de ensinar tornou-se procedimento 
comum com relação à produção de textos espontâneos na 
alfabetização e de livrinhos de classe em todas as séries iniciais. 
Neste livro, há um outro desafio: ensinar a ler a partir da 
reflexão sobre o processo de alfabetização, tornando conscientes 
para o professor e o aluno as regras de decifração da escrita. As 
crianças gostam de aprender coisas sérias, ensinadas com 
seriedade — e é isto o que mais falta hoje na escola. Esse desafio 
é fruto de extenso estudo sobre o processo de alfabetização, 
ponderando as implicações dos estudos da linguagem no modo 
como as crianças usam a fala, a escrita e a leitura. Além disso, 
leva-se em consideração uma investigação profunda da história 
da escrita, da natureza e usos dos sistemas de escrita. Sem esse 
suporte lingüístico e esse conhecimento dos sistemas de escrita, 
grande parte da problemática do processo de letramento fica 
distorcida, não raramente levando os estudiosos por caminhos 
sem saída. A simples aplicação de um método ou de uma teoria 
conduz facilmente o processo pedagógico a reproduzir um 
modelo. Nesse contexto, os alunos precisam se virar com os 
recursos do modelo. 
E se não der certo, se o aluno, apesar das repetições a que é 
submetido, não conseguir se alfabetizar? Essa preocupação 
sempre foi a central de todos os meus estudos. A única saída 
para impasses como esse — e, por que não, para conduzir 
tranqüilamente um processo de letramento — é o conhecimento 
sofisticado e correto das questões lingüísticas relacionadas à 
alfabetização, bem como do funcionamento dos sistemas de 
escrita. Idéias simples, porém, fundamentais, como a variação 
lingüística e o fato de a ortografia ter modificado ~, 
<8> 
profundamente o sistema alfabético, quando ausentes ou mal 
interpretadas na escola, podem criar grandes embaraços para a 
aprendizagem do aluno e um quebra-cabeça extremamente 
complicado para a ação do professor. 
Tenho certeza (pois também já constatei na prática) de que os 
professores irão descobrir nos procedimentos sugeridos neste 
livro uma forma nova e segura de alfabetizar. Não basta deixar 
de lado o livro das cartilhas; é preciso deixar de lado o método 
das cartilhas, o ensino centrado na noção de sílaba como 
unidade privilegiada da escrita e da leitura. Ensinar as crianças a 
tornar conscientes os procedimentos de decifração da escrita é 
uma estratégia que as agrada mais do que ficarem repetindo 
coisas aparentemente sem sentido, ou ser largadas à própria 
sorte, esperando que saiam de dentro de si os conhecimentos 
que a escola exige para ler e escrever. A proposta deste livro é 
ensinar de maneira clara e com precisão como se faz para 
aprender a ler e a escrever — o que corresponde exatamente às 
expectativas das crianças. 
O fato de ser este livro volumoso, abrangendo um assunto 
complicado, não deve ser motivo de receio para os professores, 
que sentirão seu trabalho facilitado e valorizado com a adoção 
de uma nova postura em sala de aula. As crianças vão se sentir 
valorizadas também em suas descobertas, ganhando maior 
segurança ao observarem seu próprio progresso. Para o 
professor, no começo, talvez esta apresentação do processo de 
alfabetização possa parecer muito técnica e fora da realidade 
pedagógica e psicológica das crianças. Lembro que o mesmo me 
diziam quando afirmava que as crianças eram capazes de 
produzir textos espontâneos, passando dos conhecimentos que 
tinham da linguagem oral para a forma escrita. Hoje, todos 
concordam que produzir textos é algo que as crianças fazem com 
facilidade, criatividade e prazer. Com o tempo, mesmo 
problemas altamente complexos passam a ser vistos como 
desafios comuns quando se familiariza com eles e com as 
soluções necessárias. Um bom exemplo disso no mundo 
moderno é a maneira como as crianças lidam com os jogos de 
vídeo games. Depois de certa prática, aprendendo uma 
quantidade enorme de regras, jogam com facilidade, para 
espanto de quem não é capaz. Outro exemplo mais próximo de 
nosso assunto está no próprio fato de as pessoas que 
aprenderam a ler e a escrever (e isso se constata já nas 
primeiras séries) tiveram de passar por todas essas regrase por 
todos os ~, 
<9> 
conhecimentos "técnicos" que constituem o objetivo deste livro. 
Na verdade, não há outra saída. O que existe são os caminhos 
diferentes para se obter um resultado. Como costumo dizer, 
alguém pode ir de São Paulo ao Piauí andando a pé, a cavalo ou 
de avião. Há muitas escolhas, mas nem todas têm o mesmo 
valor. 
Para juntar conhecimentos teóricos com metodologias ou 
estratégias de ação, foi preciso me alongar no assunto, dado o 
volume de informação e a necessidade de clareza na exposição. 
O livro está dividido em treze capítulos e um apêndice. Para 
auxiliar na pesquisa do professor que está em busca dos 
conhecimentos básicos há uma breve história da alfabetização, 
uma sucinta apresentação da história da ortografia da língua 
portuguesa e o apêndice, no qual as letras são estudadas 
individualmente, mostrando as facilidades e dificuldades de seu 
ensino e aprendizagem. O método das cartilhas mereceu um 
estudo à parte, para contrastar com o que se propõe: deixar de 
lado o bá-bé-bi-bó-bu e partir para um trabalho de pesquisa 
envolvendo professor e alunos. Algumas questões pedagógicas, 
como a avaliação, a promoção e o planejamento escolar, tiveram 
de ser abordadas em vista de suas conseqüências para a ação do 
professor e do aluno. O que se propõe é que a escola ensine os 
alunos a estudar, a trabalhar com os conhecimentos, e não com 
o objetivo menor de ganhar nota e passar de ano. A parte 
principal do livro concentra-se nos procedimentos para o estudo 
das letras, com sugestões de atividades e destaque especial para 
a produção de textos espontâneos. Os problemas que o aluno e o 
professor encontrarão são analisados e discutidos em detalhes, 
mostrando, por um lado, o que é preciso saber para decifrar a 
escrita e, conseqüentemente, ler e escrever, e, por outro, quais 
as hipóteses que os alunos apresentam quando erram e como 
não cair em impasses que impedem o progresso desses alunos. 
Outras atividades importantes foram também consideradas, 
como o ditado, a cópia e a interpretação de textos. 
Este livro pretende ser uma contribuição a mais (há tantas 
coisas interessantes e importantes que têm sido apresentadas 
aos professores alfabetizadores nas duas últimas décadas...) 
para que se entenda melhor o processo de alfabetização. O 
objetivo não foi fazer um livro teórico nem um manual do 
professor, mas apresentar, discutir e sugerir idéias que o autor 
pesquisou, que foram amplamente discutidas com pesquisadores 
e, sobretudo, com professores alfabetizadores. ~, 
<10> 
Gladis Massini-Cagliari é professora assistente doutora de 
língua portuguesa do Departamento de Lingüística da Faculdade 
de Ciências e Letras da Unesp-Araraquara. É mestre e doutora 
em lingüística pelo Departamento de Lingüística da Unicamp e 
autora de trabalhos publicados na área de alfabetização, 
fonologia, lingüística histórica e lingüística textual. Interlocutora 
privilegiada do autor por ser sua mulher e tê-lo conhecido como 
professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, 
vem acompanhando seu percurso como lingüista e, a partir de 
1991, passou a colaborar ativamente em seus trabalhos na área 
de alfabetização. 
 
1 
História da alfabetização 
 
Quem inventou a escrita inventou ao mesmo tempo as regras 
da alfabetização, ou seja, as regras que 
permitem ao leitor decifrar o que está escrito entender como o 
sistema de escrita funciona e saber como usá-lo 
apropriadamente. A alfabetização é, pois, tão antiga quanto os 
sistemas de escrita. De certo modo, é a atividade escolar mais 
antiga da humanidade. 
Para que os sistemas de escrita continuem a ser usados, é 
preciso ensinar às novas gerações como fazê-lo. Quando esse elo 
se rompe, por abandono ou porque é trocado por outro modelo, a 
escrita antiga passa a ser um sistema sem decifração. Nesses 
casos, só com muito estudo, e também com um pouco de sorte 
da parte dos decifradores dessas escritas abandonadas, as 
regras que envolvem tais sistemas voltam a ser conhecidas, 
permitindo assim que os textos antigos sejam lidos e que a 
escrita possa ser novamente utilizada. 
Na história da escrita, registram-se apenas dois casos de 
povos que empregavam um sistema de escrita e que, por alguma 
razão estranha e desconhecida, deixaram de fazê-lo, ficando por 
um longo tempo sem utilizar qualquer sistema. Isso aconteceu 
com os gregos e com os indianos. 
A escrita cretense minóica (Linear B) foi usada pela cultura 
grega micênica até 1250 a.C., quando Micenas foi destruída. Os 
gregos voltaram a escrever somente 500 anos mais tarde, 
usando o alfabeto semítico. No vale do rio Indo, houve um 
sistema de escrita ainda não decifrado que só foi empregado por 
volta de 2500 a.C. Naquela região, a escrita só ressurgiria muito 
tempo depois, no século III a.C., com a escrita brãmane. 
Curiosamente, esses dois tipos de escrita, ao que tudo parece, 
tiveram um uso muito popular, ou seja, não ficaram restritos a 
atividades religiosas ou científicas. Mesmo guerras muito 
violentas nunca interromperam o conhecimento da escrita, razão 
pela qual esses dois casos são considerados hoje misteriosos. ~, 
<12> 
Estudando atentamente os sistemas de escrita, percebe-se 
que quem os inventou sempre teve a preocupação de fornecer a 
chave da decifração juntamente com o próprio sistema. Os 
sistemas de escrita nunca tiveram nada de muito estranho ou 
misterioso em si, pelo contrário, sempre foram simples e 
práticos. Por essa razão, ensinar as novas gerações a usar o 
sistema de escrita sempre foi uma tarefa fácil e de certa forma 
banal. 
 
 
< CAGLIARI, 1996b,p. 106-24. 
A antiga civilização da ilha de Creta usou dois sistemas de 
escrita que os estudiosos chamaram de Linear A e B. O primeiro 
representara uma língua desconhecida e foi decifrado somente 
em parte. O segundo representava a língua grega arcaica e foi 
decifrado. 
 
 
A LEITURA E A ESCRITA 
NA ANTIGUIDADE 
 
HAMURABI, da Babilônia entre os anos de 1792 e 1750 a.c., 
fundador do Império Babilônico. Seu código é o mais extenso 
conjunto de leis conhecido da Antiguidade. 
 
Os sistemas de escrita estabelecidos na história dos povos 
nunca foram privilégio de ninguém. É falsa a idéia de que na 
Antiguidade somente os sacerdotes, os reis ou pessoas de 
grande poder dominassem a escrita e a usassem como um 
segredo de Estado. Essa é uma idéia errada e estranha, que não 
faz sentido algum, bastando lembrar como argumento que a 
escrita é um fato social, é uma convenção que não consegue 
sobreviver à custa de um punhado de pessoas. Os fatos 
históricos também mostram o contrário. Quando um faraó enche 
todas as paredes e até colunas com escrita e exibe isso 
publicamente, não pensa, certamente, que essa seja a melhor 
maneira de guardar um segredo de Estado. Ao ler o que ele 
mandou escrever, ficamos sabendo que, às vezes, o texto tem 
como interlocutor o próprio povo, súdito do monarca. Na 
Mesopotâmia, Hamurabi mandou publicar em praça pública um 
código de leis para que o povo soubesse sob quais leis vivia e 
como deveria se portar em sociedade. 
O que tem perturbado aqueles que acreditam ser a escrita um 
privilégio das pessoas poderosas é o fato de terem chegado até 
nós grandes obras da Antiguidade. Certamente essas obras 
foram feitas por especialistas, assim como, hoje em dia, um livro 
de engenharia é escrito por um engenheiro, um livro de medicina 
por um médico, um livro de religião por um teólogo e assim por 
diante. Isso não significa que somente engenheiros, médicos e 
teólogos conheçam a escrita no mundo moderno. 
Costumo dizerque quem inventou a escrita foi a leitura: um 
dia, numa caverna, o homem começou a desenhar e encheu as 
paredes com figuras, representando ~, 
<13> 
animais, pessoas, objetos e cenas do cotidiano. Certo dia 
recebeu a visita de alguns amigos que moravam próximo e foi 
interrogado a respeito dos desenhos. Queriam saber o que 
representavam aquelas figuras e por que ele as tinha pintado 
nas paredes. Naquele momento, o artista começou a explicar os 
nomes das figuras e a relatar os fatos que os desenhos 
representavam. Depois, à noite, ficou pensando no que tinha 
acontecido e acabou descobrindo que podia "ler" os desenhos 
que tinha feito. Ou seja, os desenhos, além de representar 
objetos da vida real, podiam servir também para representar 
palavras que, por sua vez, se referiam a esses mesmos objetos e 
fatos na linguagem oral. A humanidade descobria assim que, 
quando uma forma gráfica representa o mundo, é apenas um 
desenho; mas, quando representa uma palavra, passa a ser uma 
forma de escrita. A partir dessa descoberta, criar um sistema de 
formas gráficas, figurativas ou não, para representar palavras ou 
frases ou mesmo histórias, era um passo fácil de ser dado. 
A história contada acima é obviamente fantasiosa e não 
corresponde aos fatos reais, mas revela algo importante, que 
não pode ser captado pelos documentos materiais da história, 
porque pertence ao reino do pensamento. Provavelmente, a 
necessidade de um sistema de escrita veio de situações vividas. 
De acordo com fatos comprovados historicamente, a escrita 
surgiu do sistema de contagem feito com marcas em cajados ou 
ossos, e usado provavelmente para contar o gado, numa época 
em que o homem já possuía rebanhos e domesticava os animais. 
Esses registros passaram a ser usados nas trocas e vendas, 
representando a quantidade de animais ou de produtos 
negociados. Para isso, além dos números, era preciso inventar 
símbolos para os produtos e para os nomes dos proprietários. 
Nessa época de escrita primitiva, ser alfabetizado significava 
saber ler o que aqueles símbolos significavam e ser capaz de 
escrevê-los, repetindo um modelo mais ou menos padronizado, 
mesmo porque o que se escrevia era apenas um tipo de 
documento ou texto. Com a expansão do sistema de escrita, a 
quantidade de informações necessárias para que alguém 
soubesse ler e escrever aumentou consideravelmente, o que 
obrigou as pessoas a abandonar o sistema de símbolos para 
representar coisas e a usar cada vez mais símbolos que 
representassem sons da fala, como, por exemplo, as sílabas. 
Como há cerca de 60 tipos de sílabas diferentes ~, 
<14> 
por língua, em média, o sistema de símbolos necessários para 
representar as palavras através das sílabas ficou 
muito reduzido, fácil de ser memorizado e conveniente para a 
difusão da escrita na sociedade. 
O longo processo de invenção da escrita também incluiu a 
invenção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que 
permitem ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o 
sistema de escrita funciona para usá-lo apropriadamente. 
A escrita, pelo que se sabe hoje, começou de maneira 
autônoma e independente, na Suméria, por volta de 3300 a.C. É 
muito provável que no Egito, por volta de 
3000 a.C., e na China, por volta de 1500 a.C., esse processo 
autônomo tenha se repetido. Os maias da América Central 
também inventaram um sistema de escrita independentemente 
de um conhecimento prévio de outro sistema de escrita, num 
tempo indeterminado ainda pela ciência, que talvez se situe por 
volta do início da era cristã. Todos os demais sistemas de escrita 
foram inventados por pessoas que tiveram, de uma maneira ou 
de outra, contato com algum sistema de escrita. 
Na Antiguidade, os alunos alfabetizavam-se aprendendo a ler 
algo já escrito e depois copiando. Começavam com palavras e 
depois passavam para textos famosos, que eram estudados 
exaustivamente. Finalmente, passavam a escrever seus próprios 
textos. O trabalho de leitura e cópia era o segredo da 
alfabetização. Note que essa atividade está diretamente ligada 
ao trabalho futuro que esses alunos irão desempenhar, 
escrevendo para a sociedade e a cultura da época. 
Muitas pessoas aprendiam a ler sem ir para a escola, já que 
não pretendiam tornar-se escribas. A curiosidade, certamente, 
levava muita gente a aprender a ler para lidar com negócios, 
comércio e até mesmo para ler obras religiosas ou obter 
informações culturais da época. A alfabetização, nesses casos, 
dava-se com a transmissão de conhecimentos relativos à escrita 
de quem os possuía para quem queria aprender. Aprender a 
decifrar a escrita, ou seja, a ler, relacionando os caracteres às 
palavras da linguagem oral, devia ser o procedimento comum. 
Aqui, não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava saber 
ler. Para quem sabe ler, escrever é algo que vem como 
conseqüência. 
Com a escrita semítica aconteceu algo muito curioso e que, 
sem dúvida alguma, foi proposital para facilitar o uso do sistema 
de escrita e sobretudo o seu aprendizado, ou seja, o processo de 
alfabetização. 
<15> 
Ao formar seu sistema de escrita, os semitas escolheram um 
conjunto de palavras cujo primeiro som fosse diferente dos 
demais. Como nenhuma palavra naquelas línguas começasse por 
vogal, a lista ficou apenas com consoantes. Essa escolha foi urna 
decisão muito importante porque reduziu os modelos de 
silabários da época, da escrita cuneiforme, por exemplo, de cerca 
de 60 elementos para apenas 21 consoantes. Para representá-las 
graficamente, foram escolhidos hieróglifos egípcios cujo aspecto 
figurativo lembrava o significado das palavras daquela lista. Por 
exemplo, a primeira palavra da lista era 'alef, que significava 
"boi", e o hieróglifo escolhido foi o que representava a cabeça de 
um boi. Dessa maneira, a figura da cabeça do boi passou a 
representar o som inicial da palavra 'alef, que era oclusiva glotal. 
E assim com as demais palavras e suas respectivas consoantes. 
Uma outra novidade decorreu desse fato: as palavras da lista 
passaram a ser os nomes das letras que representavam a 
consoante inicial dessas palavras. Além disso, esse nome passou 
a ser a chave para se saber que som a letra representava: aief 
representava a oclusiva glotal, por exemplo. A escolha de uma 
lista de palavras como essa constitui o que se chama de princípio 
acrofônico, ou seja, o som inicial do nome das letras é o som que 
a letra representa: o desenho da cabeça de boi representa o som 
da oclusiva glotal, porque o nome dessa letra é 'alef A segunda 
letra era Beth, representada por um hieróglifo que retratava a 
figura de uma casa; era usada para o som de B e significava 
"casa". A terceira letra era o Daieth, que significava "porta" e 
representava o som de D; tinha a forma gráfica da figura de uma 
porta, tirada também de um hieróglifo egípcio, e assim por 
diante. 
O princípio acrofônico foi uma das melhores idéias que 
apareceram nos sistemas de escrita: além de permitir uma 
grande simplificação no número de letras, trazia de forma óbvia 
como se devia proceder para ler e escrever. Uma vez identificada 
a letra pelo nome, já se tinha um som para ela. Juntando os sons 
das letras das palavras em seqüência, tinha-se a pronúncia de 
uma dada palavra — o que, feitos os devidos ajustes, dava o 
resultado final de sua pronúncia; e, pronunciando, o significado 
vinha automaticamente. 
Para se alfabetizar nesse sistema de escrita, bastava a pessoa 
decorar a lista dos nomes das letras, observar a ocorrência de 
consoantes nas palavras e transcrever esses sons consonantais, 
usando o princípio acrofônico.Para escrever David, por exemplo, 
bastava identificar as consoantes DVD, procurar, na lista de 
letras, aquelas que começam com sons de D e V e escrevê-las. 
Já os gregos, como precisassem fazer alguns ajustes nas 
próprias consoantes, uma vez que, em grego, o conjunto de 
consoantes era diferente daquele das línguas semíticas, 
resolveram escrever não apenas as consoantes, mas também as 
vogais, mantendo o mesmo princípio acrofônico. Assim, por 
exemplo, a letra egípcia que representava pictograficamente a 
cabeça de um boi foi usada, como vimos, pelos semitas para 
representar uma consoante oclusiva glotal, e a letra recebeu o 
nome da palavra que significava boi, ou seja, 'alef. Como em 
grego não houvesse consoante oclusiva glotal, a letra 'alef 
passou a representar a vogal A, agora denominada alfa. 
Apesar de manter o princípio acrofônico, os gregos adaptaram 
os nomes das letras semíticas para a sua língua. Para eles, a 
alfabetização acontecia de maneira semelhante à dos semitas, 
com a única diferença de que os gregos tinham de detectar na 
fala não apenas as consoantes, mas também as vogais, para 
escreverem alfabeticamente. Como sempre, a ortografia fixou a 
forma de escrita das palavras, para evitar que falantes de 
dialetos diferentes escrevessem as mesmas palavras de 
maneiras diferentes, seguindo apenas a observação da própria 
fala e o valor fonético das letras. 
Quando os gregos passaram a usar o alfabeto, aprender a ler e 
a escrever tomou-se urna tarefa de grande alcance popular. De 
fato, pode-se mesmo dizer que na Grécia antiga havia as escolas 
do alfabeto. 
Os romanos assimilaram tudo o que puderam da cultura 
grega, inclusive o alfabeto. Práticos como sempre, acharam 
interessante o princípio acrofônico do alfabeto grego, mas 
perceberam que não precisavam ter nomes especiais para as 
letras: era mais simples ter como nome da letra apenas o próprio 
som dela. Dessa forma, mantinha-se o princípio acrofônico e 
ficava ainda mais fácil usar o alfabeto e se alfabetizar. Foi assim 
que alfa, beta, gama, delta, épsilon, etc. transformaram-se em a, 
bê, cê, dê, e, etc. 
Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns 
"alfabetos": tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal 
onde se encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos 
alfabetos. Na verdade, serviam ~, 
<17> 
de guia para as pessoas aprenderem a ler e a escrever, ou 
mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram, por 
assim dizer, as mais antigas "cartilhas" da humanidade: uma 
cartilha que continha apenas o inventário das letras do alfabeto. 
A alfabetização, na Idade Média, em geral ocorria menos nas 
escolas do que na vida privada das pessoas: quem sabia ler 
ensinava a quem não sabia, mostrando o valor fonético das 
letras do alfabeto em determinada língua, a forma ortográfica 
das palavras e a interpretação da forma gráfica das letras e suas 
variações. Aprender a ler e a escrever não era uma atividade 
escolar, como na Suméria ou mesmo na Grécia antiga. Nessa 
época, como as crianças já não iam mais à escola, as que podiam 
eram educadas em casa pelos pais, por alguém da família ou até 
mesmo por um preceptor contratado para essa tarefa. Isso se 
estende desde a época clássica latina até o século XVI d.c. 
Como o alfabeto tinha no nome das letras o princípio 
acrofônico, que é a chave de sua decifração, bastava o aprendiz 
decorar o nome das letras para ter condições de iniciar a 
decifração da escrita, a qual se completava quando, somando-se 
os valores das letras, descobria-se que palavra estava escrita. 
Isso era altamente facilitado pelo fato de os aprendizes serem 
falantes da língua que estavam decifrando, o que ajuda em 
muito as tentativas para descobrir, entre as várias 
possibilidades, a leitura correta. O contexto lingüístico e as 
ilustrações sempre ajudaram com informações complementares, 
facilitadoras do processo de decifração. Vê-se, pois, que a 
alfabetização pode perfeitamente acontecer fora da escola e do 
processo escolar, podendo ser feita em casa se a isso as pessoas 
se dedicarem. Ainda hoje, muitas pessoas aprendem a ler em 
casa: algumas porque decidiram não esperar a escola chegar, 
outras porque foram expulsas da escola e resolveram aprender 
fora da tradição escolar. Um exemplo famoso desse último caso 
é Thomas Edison. 
Com o uso cada vez maior da escrita na sociedade e com a 
produção crescente de livros escritos à mão (e depois 
impressos), o alfabeto passou a ter um problema a mais: foram 
surgindo formas variantes de representação gráfica das letras 
(sem modificar o inventário do alfabeto). Isso fez com que uma 
letra passasse a ser apenas um valor abstrato do alfabeto, que 
podia ser representado por muitas formas gráficas, as quais, 
agora, o usuário do sistema de escrita tinha de conhecer. 
<18> 
A primeira manifestação desse fato aconteceu quando das 
letras capitais (as maiúsculas — que eram as únicas do sistema 
de escrita latina) surgiram as letras minúsculas com forma 
gráfica diferente das antigas, que passaram a chamar-se 
maiúsculas. Isso aconteceu sem que as letras perdessem seu 
valor fonético e sem que a ortografia das palavras mudasse. 
Agora, o usuário da escrita precisava saber que 'A" e "a" são a 
mesma letra e, portanto, "CASA' equivale a "casa". Isso trouxe 
um problema novo e complicado para a alfabetização e para os 
leitores, em geral. Não bastava saber o alfabeto, seu princípio 
acrofônico e a ortografia: era preciso, ainda, saber fazer a 
categorização correta das formas gráficas, reconhecendo a que 
categoria pertence cada letra encontrada nas diferentes 
manifestações gráficas da escrita. Nesse caso, a ortografia 
mostrou uma vantagem a mais: além de servir para neutralizar a 
variação lingüística na escrita, do ponto de vista fonético, passou 
a ser o guia interpretativo do valor da variação gráfica das 
próprias letras. Este último aspecto pode ser observado ainda 
hoje, quando descobrimos (ou desconfiamos) que letra está 
escrita, ao analisar o todo. Como sabemos, ainda através da 
ortografia, quais letras devem compor aquela palavra, acabamos 
nos convencendo de que determinada forma gráfica está 
representando uma letra e não outra. Na escrita cursiva, esse 
princípio é posto em prática a todo instante. 
 
Notas 
Thomas Alva Edison (1931), considerado um dos maiores 
inventores do milênio, era americano de Milan Obio. Patenteou 
1093 inventos, inclusive a lâmpada elétrica o gravador o 
microfone e o projetor de cinema. Freqüentou a escola por 
apenas três meses, sendo dispensado por ser "confuso de cabeça 
e não conseguir aprender". Nunca mais voltou para a escola 
tornando-se um autodidata com a ajuda da mãe, uma es- 
professora. 
 
 
O APARECIMENTO DAS CARTILHAS 
Com o Renascimento (séculos XV e XVI) e, sobretudo, com o 
uso da imprensa na Europa, a preocupação com os leitores 
aumentou, uma vez que agora se faziam livros para um público 
maior, e a leitura de obras famosas deixou de ser coletiva para 
se tornar cada vez mais individual. Por isso, a preocupação com 
a alfabetização passou a ter uma importância muito grande. A 
primeira conseqüência disso foi o aparecimento das primeiras 
"cartilhas". Nessa época, surgem as primeiras gramáticas das 
línguas neolatinas, e esse foi outro motivo que levou os 
gramáticos a se dedicarem também à alfabetização: era preciso 
estabelecer uma ortografia e ensinar o povo a escrever nas 
línguas vernáculas, deixando de lado cada vez mais o latim. 
<19> 
A seguir apresentamos um breve apanhado das primeiras obras de 
alfabetização 
que surgiram na Europa entre osséculos XV e XVIII. 
Jan Hus (1374-14 15) propôs uma ortografia padrão para a língua tcheca e, 
juntamente com este trabalho, apresentou o ABC de Hus: um conjunto de 
frases de 
cunho religioso, cada qual iniciando com uma letra diferente, na ordem do 
alfabeto. 
Essa obra era voltada para a alfabetização do povo. 
Em 1525, foi publicada na cidade de Wittenberg uma cartilha do ABC 
intitulada 
Bokeschen vor leven ond kind, que continha o alfabeto, os dez mandamentos, 
orações 
e os algarismos. Em 1527, Valentim Ickelsamer incluiu, numa obra 
semelhante, listas 
de sílabas simples. Esse tipo de obra permanece com esquema semelhante até 
o século 
XVII. Somente no século XVIII, apareceram as primeiras gravuras das letras 
iniciais, 
por exemplo, a letra S com o desenho de uma cobra, a letra A com a figura de 
uma 
escada, etc. 
O educador tcheco Jan Amos Komensky, mais conhecido como Comênius 
(1592- 
1670), fez de sua obra Orbis sensualispictus ("O mundo sensível em 
gravuras"), 
publicada em 1658, um livro de alfabetização em que as lições vinham 
acompanhadas 
de gravuras para ajudar e motivar as crianças para os estudos. 
São João Batista de la Salle escreveu, em 1702, um regulamento para as 
escolas que 
fundara, chamado "Conduite des é coles chrétiennes" ("Conduta das escolas 
cristãs"), 
publicado em 1720. Com essa obra, pode-se ter uma idéia bem detalhada de 
como 
eram as aulas naquela época, inclusive as de alfabetização. O ensino era 
dividido em 
"lições", cada uma tendo três partes, uma destinada aos alunos principiantes, 
outra 
aos médios e a terceira aos avançados. A primeira lição era a "tábua do 
alfabeto"; a 
segunda, a "tábua das sílabas"; a terceira, o silabário; a quarta, o segundo 
livro, para 
aprender a soletrar e a silabar; a quinta (ainda no segundo livro) cuidava da 
leitura 
para quem já sabia silabar perfeitamente, etc. No terceiro livro, os alunos 
aprendiam 
a ler com pausas. 
Para ensinar ortografia, o professor mandava os alunos copiarem cartas-
modelo e 
documentos comerciais para aprenderem, ao mesmo tempo, coisas úteis para a 
vida. 
Nesse modelo de ensino, aparece uma distinção clara entre ler e escrever. A 
leitura era 
dirigida para as coisas religiosas; a escrita, para o trabalho na 
<20> 
sociedade. Esse modelo de escola partiu da França e teve 
grande repercussão nas escolas dirigidas por religiosos em 
outros países. 
Após a Revolução Francesa, surgiu o Ensino Mútuo, que se 
espalhou sobretudo entre povos anglogermânicos. O pedagogo 
alemão José Hamel, em sua obra Ensino Mútuo, descreve o 
método de alfabetização em detalhes. Os alunos aprendem em 
aulas de 15 minutos, estudando exercícios fáceis e em coro ao 
redor de lousas colocadas nas paredes da sala. O ensino é 
nitidamente coletivo, sendo dado para classes e não mais com 
atenção individual. 
O ensino com muitos alunos numa classe acabou criando um 
tipo de escola para as crianças, as escolas infantis, jardins de 
infância ou escola maternal, iniciadas por Robert Owen (1771- 
1858) em 1816 para os filhos dos operários de sua fábrica têxtil 
de New Lanark, na Escócia. Essas escolas logo se espalharam e 
passaram a cuidar da alfabetização das crianças. O pedagogo 
alemão Friedrich Froebel (1782- 185 2) fundou o primeiro jardim 
de infância (Kindergarten) em 1837. 
A Revolução Francesa trouxe grandes novidades para a escola: 
uma delas foi a responsabilidade com a educação das crianças, 
introduzindo a alfabetização como matéria escolar. Alfabetização 
popular nessa época significava a educação dos ricos que não 
tinham ligação com a nobreza, ou seja, membros da burguesia. 
Diante dessa nova realidade, as antigas cartilhas sofreram 
uma modificação notável. Com a escolarização, o processo 
educativo da alfabetização tinha de acompanhar o calendário 
escolar. Como as antigas cartilhas fossem simples esquemas, 
passaram a ser mais desenvolvidas. O estudo foi dividido em 
lições, cada uma enfatizando um fato. O ensino silábico passou a 
dominar o alfabético. O método do bá-bé-bi-bó-bu começava a 
aparecer. Com poucas modificações superficiais, esse tipo de 
cartilha iria ser o modelo dos livros de alfabetização. 
A moda das escolas que ensinavam as crianças a ler e a 
escrever espalhou-se pelo mundo. Apesar de a escola se 
encarregar da alfabetização, os alunos que freqüentavam essas 
escolas pertenciam a famílias com certo status na sociedade. O 
povo simples e pobre continuava fora da escola. No Brasil, até as 
primeiras décadas deste século, a escolarização da maioria das 
<21> 
pessoas que iam à escola pública não passava do segundo ou do 
terceiro ano. Alguns documentos do final do Império mostram 
que as Escolas Normais não 
tinham alunos e o governo era obrigado a dar vantagens extras 
àquelas pessoas que trabalhavam com alfabetização. 
Naquela época, os professores das escolas 
públicas eram em geral eleitos pela comunidade e tinham um 
mandato determinado. Muitos professores 
queixavam-se dos baixos salários, razão pela qual as poucas 
escolas públicas lutavam para conseguir quem desse aulas. 
 
CARTILHAS DA LÍNGUA PORTUGUESA 
João de Barros (1496-1571) escreveu a gramática portuguesa 
mais antiga, publicada em 1540. junto com 
a gramática, publicou a Cartinha, que é um outro diminutivo 
de "carta", ao lado de "cartilha". O nome 
"cartinha" ou "cartilha" tem a ver com "carta", no sentido 
de esquema, mapa de orientação. 
A Cartinha de João de Barros trazia o alfabeto (em 
letras góticas, que eram as da imprensa da época); depois, 
vinham as "taboas" ou "tabelas", com todas 
as combinações de letras, que eram usadas para escrever todas 
as sílabas das palavras da língua portuguesa. Em seguida, havia 
uma lista de palavras, cada 
uma começando com urna letra diferente do alfabeto e ilustrada 
com desenhos (como: nau, tesoira, etc.). Por último, vinham os 
mandamentos de Deus e da Igreja 
e algumas orações. João de Barros incluiu também um gráfico 
que permitia fazer todas as combinações de letras das "taboas". 
A Cartinha de João de Barros não era um livro para ser usado 
na escola, uma vez que a escola naquela época não alfabetizava. 
O livro servia igualmente para adultos e crianças. Para se 
alfabetizar, a pessoa decorava 
o alfabeto, tendo o nome das letras como guia 
para sua decifração, decorava as palavras-chave, para pôr em 
prática o princípio acrofônico, próprio do alfabeto, e depois 
punha-se a escrever e a ler, interpretando, 
nas "taboas" (ou tabuadas), as sílabas da fala 
com a correspondente forma de escrita. Notem que a ortografia 
não tinha vez, O método estava mais voltado 
para a decifração da escrita do que escrever corretamente. 
<22> 
A cartilha do ABC, que há poucos anos se podia comprar até 
em alguns supermercados ou em certas lojas de estações de 
trem e rodoviárias, segue o mesmo esquema da cartinha de João 
de Barros. Muitas pessoas que não podem ir à escola, ou que 
saíram dela porque foram consideradas "burras" demais para 
aprender, acabam aprendendo a ler através de livrinhos como 
esse. 
Uma cartilha famosa foi a de Antonio Feliciano de Castilho, 
chamada Método portuguez para o ensino do ler e do escrever, 
publicada em 1850. Essa obra merece um estudo detalhado. Uma 
de suas características mais importantes é o emprego dos 
chamados "alfabetos picturais ou icônicos", já usados na Grécia 
antiga e muito em voga durante o Renascimento — na verdade, 
até hoje aparecem nas cartilhas modernas. 
Castilho apresentava também "textos narrativos" para ensinar 
o uso das letras, fazendo urna lição para cadauma delas e para 
os dígrafos. A segunda edição, de 1853, intitula-se Método 
Castilho para o ensino rápido e aprazível do ler impresso, 
manuscrito, e numeração e do escrever Obra tão própria para as 
escolas como para uso das famílias. 
<23> 
Além do método de Castilho, outra cartilha portuguesa que 
ficou muito famosa inclusive no Brasil foi a de João de Deus 
(1830-1896), chamada Cartilha maternal ou arte de leitura. 
Utilizava um modo de escrever letras com destaque dentro das 
palavras, desenhando-as com hachuras; dessa forma, o aprendiz 
se concentrava no que de novo era apresentado. 
A cartilha de João de Deus apresentava já uma forte tendência 
para o privilégio da escrita sobre a leitura, embora, no título da 
obra, haja um destaque à leitura. Essa cartilha foi, sem dúvida, o 
modelo para muitas outras que vieram depois e que chegaram 
até os nossos dias. 
Entre os livros que pertenceram a D. Pedro II, encontra-se, na 
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, uma cartilha intitulada: 
Manual explicativo do método de leitura denominado escola 
brasileira, organizada por Francisco Alves da Silva Castilho (e 
dedicada à classe dos professores de primeiras letras), publicada 
no Rio de Janeiro em 1859. Já pelo título pode-se notar que essa 
cartilha opõe o método do Castilho brasileiro ao do Castilho 
português. O autor foi professor em Campo Grande e 
alfabetizava as crianças pobres, passando depois a se dedicar à 
alfabetização de adultos. 
Ele chama a atenção para o fato de que se devem ler palavras 
inteiras e não letras ou sílabas. Seu método começa sempre com 
urna leitura coletiva, depois individual e, então, vêm os 
exercícios de escrita, seguindo o método que ele denomina 
"sintético/analítico". 
<24> 
No Brasil, depois da grande influência da Cartilha maternal 
(1870), de João de Deus, apareceram inúmeras outras. Entre 
elas há quatro tipos bem marcantes, com métodos e estratégias 
diferentes de conduzir o processo de alfabetização. 
O mais antigo (até a Cartilha maternal) foi chamado de 
método sintético. Partia-se do alfabeto para a soletração e 
silabação, seguindo uma ordem hierárquica crescente de 
dificuldades, desde a letra até o texto. Com a Cartilha maternal, 
começa o método analitico, que vai assumir importância maior 
na década de 30, quando a psicologia passa a fazer testes de 
maturidade psicológica e a condicionar o processo a resultados 
obtidos nesses estudos. Um exemplo típico desse caso é a 
Cartilha do povo (1928), de Lourenço Filho, e o famoso Teste 
ABC (1934), do mesmo autor. 
Com o passar do tempo, apareceram mais obras que seguiam 
o método misto, ou seja, cartilhas que misturavam estratégias 
do método sintético e do analítico. A cartilha Caminho suave 
(1948), de Branca Alves de Lima, com o período preparatório, é 
um bom exemplo. No final dos anos 90, têm surgido obras que se 
classificam como construtivistas e que se propõem a aplicar os 
ensinamentos da psicogênese da língua escrita de Emília Ferreiro 
e Ana Teberosky ao processo de alfabetização programada 
através de livro didático. 
Um livro como Primeira leitura para crianças, de A. Joviano, é 
um tipo de cartilha. Na introdução, o autor traz muitas 
considerações a respeito da forma de alfabetizar. 
 
Nota 
Primeira leitura para crianças, de A. Joviano 
 
João de barro leva no bico uma bola de barro para fazer o ninho 
João leva uma bola de barro leva uma bola para seu ninho uma 
bola vai no seu bico fazer bola de barro com o bico vai uma bola 
no bico de João de barro 
Leva João, o barro para fazer bola! 
 
<25> 
AS CARTILHAS E A ALFABETIZAÇÃO 
As primeiras cartilhas escolares até cerca de 1950 ainda davam 
ênfase à leitura. Achavam importante ensinar o abecedário. A 
leitura era feita através de exercícios de decifração e de 
identificação de palavras, por meio dos quais os alunos 
aprendiam as relações entre letras e sons, seguindo a ortografia 
da época. Havia um cuidado com a fala (e sobretudo com a 
pronúncia), voltado para o padrão social, trazido para a escola a 
partir de textos de autores famosos. Copiava-se muito, e os 
modelos eram sempre os bons autores, ou seja, autores famosos 
da literatura. Como acontecia com as gramáticas, a norma de 
bem escrever era a imitação dos bons escritores. 
 
A cartilha dá ênfase à escrita 
A cartilha baseada na leitura passou, em seguida, por uma 
modificação radical, já na década de 50, quando a escola 
começou a se dedicar à alfabetização dos alunos pobres, 
carentes de recursos materiais e culturais na vida familiar, que 
empregavam dialetos diferentes da fala culta. A ênfase passou a 
ser dada à produção escrita pelo aluno e não mais à leitura. O 
importante, agora, era aprender a escrever palavras. A atividade 
escolar deixou de privilegiar a aprendizagem e passou a cuidar 
quase que exclusivamente do ensino — aquilo que o professor 
deveria fazer em sala de aula. Em lugar do alfabeto, apareceram 
as palavras-chave, as sílabas geradoras e os textos elaborados 
apenas com as palavras já estudadas. As famílias de letras 
passaram a ser estudadas numa ordem crescente de dificuldade. 
Completadas todas as letras, o aluno começava seu livro de 
leitura, agora também programado de maneira a ter dificuldades 
crescentes, libertando aos poucos o aluno da cartilha e levando- 
o a ler autores de textos infantis. Essa cartilha já trazia em si o 
esquema de todas as outras cartilhas que apareceram depois, 
até recentemente, caracterizando a alfabetização pelo estudo da 
escrita e usando como técnica o monta-e-desmonta do método 
do bá-bé-bi-bó-bu. 
Parecia que ia dar certo, mas não foi bem assim. A cartilha 
parecia um caminho suave, mas não era. E a escola percebeu 
logo de início que muitos alunos tinham dificuldade em seguir o 
processo escolar de alfabetização. E as reprovações na primeira 
série tornaram-se freqüentes. 
<26> 
Até o advento do ciclo básico na década de 80, a média de 
reprovação na primeira série era de cerca de cinqüenta por 
cento. Apesar de todos os esforços para superar essa situação, a 
média de reprovação sempre se manteve por volta de cinqüenta 
por cento. Diante dessa realidade, muitos alunos abandonavam a 
escola, não conseguindo superar essa barreira inicial; outros 
desistiam logo depois, e apenas uns poucos, cerca de dez por 
cento, conseguiam concluir a última série do ginásio (na época, o 
correspondente à oitava série do primeiro grau, ou seja, do ciclo 
II do ensino fundamental). 
 
O manual do professor 
Pode-se dizer que a experiência escolar da alfabetização com 
cartilhas foi desastrosa. Os dados estatísticos mostram que a 
escola não consegue alfabetizar mais de cinqüenta por cento de 
seus alunos. A repetência e a evasão escolar foram sempre um 
monstruoso fantasma para as crianças, pais e professores. 
Diante de um quadro desolador e perturbador, a escola 
começou a investigar mais uma vez o que estava errado com a 
alfabetização escolar. A primeira coisa que saltava aos olhos era 
o fato de as cartilhas serem livros esquemáticos demais, o que 
podia dificultar a sua aplicação. Alguns professores podiam não 
saber exatamente como usar aquele tipo de livro, 
comprometendo assim o processo educativo. Era necessário, 
pois, dar uma ajuda especial aos professores, uma orientação 
mais pormenorizada, subsídios mais práticos para uso em sala 
de aula. Foi assim que a cartilha ganhou um companheiro: o 
manual do professor. As cartilhas que sobreviveram passaram a 
ter seu manual do professor, com raríssimas exceções, como a 
Cartilha Sodré. 
Mesmo assim, o índice de repetência continuouassustador. Onde 
será que residia o segredo de tanta reprovação na primeira 
série? A cartilha era "logicamente" perfeita, o professor tinha 
todos os subsídios necessários e prontos para aplicar o método 
das cartilhas; então, a dificuldade deveria residir nas crianças. 
Devia haver "algo" em certos alunos que não permitia que 
aprendessem adequadamente. 
Os manuais do professor apostam na ignorância deste e por 
isso não passam de verdadeiros scrzpts para serem 
representados nas salas de aula. Em vez de ensinar os conteúdos 
básicos do trabalho do professor, partem ~, 
<27> 
de considerações muito vagas a respeito do valor da educação, e 
vão, em seguida, dizendo o que o professor e o aluno devem 
fazer, passo a passo. Num certo manual encontra-se até um 
diálogo que o professor deve promover com seus alunos, sendo 
determinada a fala de cada um. Se o aluno responder diferente, 
o professor precisa ensiná-lo a responder o que está no manual, 
senão a lição não funciona. Nenhum diálogo. porém, ensina o 
que o professor deve fazer se não der certo. A única saída que se 
pode imaginar é repetir tudo de novo, para ver se o aluno 
aprende, o que é, obviamente, uma estultícia. Como o manual do 
professor não resolveu o problema da repetência e a evasão de 
grande parte dos alunos, a escola foi buscar socorro nas 
universidades. 
 
O período preparatório 
A partir dos anos 50, a psicologia começou a fazer um enorme 
sucesso nas universidades do Brasil. Muitos alunos pesquisavam 
para teses, aplicando teorias que, muitas vezes, nem eles 
próprios tinham entendido muito bem. E a escola tornou-se um 
bom laboratório para esses pesquisadores. Sem formação 
pedagógica, sem formação lingüística, os psicólogos começaram 
a aplicar uma variedade de testes e chegaram à conclusão de 
que a grande dificuldade de aprendizagem das crianças na 
alfabetização devia-se ao fato de essas crianças repetentes 
serem pessoas carentes. Carentes de alimentação na infância, 
carentes de estímulos ambientais, necessários para que 
pudessem desenvolver o conhecimento, carentes de emoções 
que as motivassem para aquisição de cultura, enfim, carentes de 
praticamente tudo. Assim, não podiam aprender. Para resolver o 
problema, já que não era conveniente deixar essas crianças fora 
da escola, foi inventado um período que precedesse a 
alfabetização, o chamado período preparatório, no qual as 
crianças seriam treinadas nas habilidades básicas até ficarem 
"prontas" para se alfabetizarem. Sem "prontidão" não se podia 
realizar um processo de alfabetização eficiente. 
Os psicólogos inventaram, então, uma série de coisas 
estranhas para as crianças fazerem antes da alfabetização: fazer 
curvinhas para cá e para lá, completar figuras, fazer bolinhas, 
dizer se uma caixa de sapato é maior do que uma caixa de 
fósforos ou não, localizar o gatinho à direita e à esquerda da 
menina numa figura cm que ela aparece de frente e de costas, 
fazer o ~, 
<28> 
coelhinho ir da esquerda para a direita numa linha curva até 
chegar à toca, etc. Além da cartilha e do manual do professor, 
surgiu agora o livro de "exercícios de prontidão". 
CAGLIARI, 1997c, p. 193224. > Num artigo intitulado "O 
príncipe que virou sapo", discuti alguns aspectos mais 
importantes da teoria do "déficit" das crianças ou, como alguns 
chamam, "a síndrome da dificuldade de aprendizagem". A 
discussão é longa, mas as conclusões são muito evidentes. A 
universidade foi responsável pelo mal que causou à educação 
com o período preparatório e os exercícios de prontidão, 
convencendo os professores de algo que a academia achava 
cientificamente correto, mas que era um grande equívoco. Os 
testes aplicados às crianças foram mal elaborados, envolvendo 
questões de linguagem, sem levar em conta o conhecimento dos 
conceitos lingüísticos envolvidos, sobretudo da noção de 
variação lingüística. O que aqueles psicólogos pensavam da 
linguagem era algo muito diferente do que os lingüistas dizem a 
respeito da linguagem. 
Em meio a tantos equívocos, os resultados só podiam ser 
igualmente equivocados. Por trás de tudo, o que se nota é um 
grande preconceito contra a pobreza e as crianças menos 
favorecidas. Os assim chamados "pré-requisitos lógico-formais" 
da teoria da prontidão são semelhantes aos argumentos de 
preconceito racial, baseados na teoria da carência sociocultural e 
na teoria da superioridade racial. Mais antigamente, as mulheres 
tinham sido discriminadas de maneira semelhante, com mil 
teorias acadêmicas, que pretendiam provar que a mulher era um 
ser inferior porque tinha um volume de massa cerebral menor do 
que o homem. 
As crianças pobres têm mais coisas para aprender, ao entrar 
na escola, do que as crianças ricas, por causa da história de vida 
de cada uma e da natureza das nossas escolas. Isso, no entanto, 
não deve ser confundido com falta de capacidade mental, 
perceptiva, motora, psicológica, ou seja lá o que for. As crianças 
pobres passaram a ser tachadas de deficientes, excepcionais e 
carentes, simplesmente porque falavam ou escreviam errado, 
segundo a opinião desses acadêmicos. A questão central desse 
problema é essencialmente lingüística. Ao analisar com os 
devidos cuidados lingüísticos os fatos de linguagem que a escola 
diz que atrapalham o progresso dos alunos na alfabetização, 
logo se verifica que esses alunos "incapazes" são, na verdade, 
falantes de variedades lingüísticas estigmatizadas pela 
sociedade. 
<29> 
Como a escola não aceita isso e não pode dizer que tem 
preconceito contra a pobreza, começou a achar razões mais sutis 
para disfarçar seus preconceitos. 
Fazendo curvinhas, ninguém aprende a escrever nem a ler. 
Para não escrever espelhado, de nada adianta ficar fazendo 
exercício sobre coordenação motora direita e esquerda. Aliás, 
algumas pessoas se confundiram com relação a isso, justamente 
por causa dos exercícios de prontidão, uma vez que nunca 
sabiam se direita e esquerda era para ser respondido em função 
de quem vê ou do objeto visto: a direita de quem vê é a esquerda 
do objeto visto, e vice-versa. Perguntar a uma criança se uma 
caixa de sapato é maior ou menor do que uma caixa de fósforos 
é uma ofensa. As crianças respondem a perguntas dessa 
natureza porque, apesar de acharem a brincadeira de mau gosto, 
são sempre muito dóceis e condescendentes. Perguntar a uma 
criança: "O que é dentro?" é uma maldade, porque o próprio 
professor não sabe responder e, quando responde, simplesmente 
exemplifica, o que, sem dúvida alguma, não é uma resposta à 
pergunta que fez à criança. Se um professor disser a uma 
criança: "Dentro da cozinha que fica dentro da escola tem uma 
geladeira e dentro do congelador tem um sorvete dentro de uma 
caixa amarela... você pode pegar que é todo seu" e deixar, de 
fato, a criança fazer o que lhe foi dito, não há criança que não 
saiba o que quer dizer "dentro de". Por coisas como essas (e 
tantas outras...) é que o período preparatório não passa de um 
grande equívoco pedagógico e psicológico. Está tudo tão errado, 
que a melhor solução é abandona-lo por completo. 
Apesar do enorme esforço em aperfeiçoar a "prontidão" nos 
mínimos detalhes, o índice de cinqüenta por cento de reprovação 
na primeira série manteve-se mais ou menos inalterado. Aquela 
imensa parafernália não servia para resolver o mais importante, 
que era a aprendizagem da leitura e da escrita pelas crianças. 
Em vez do período preparatório e dos tradicionais exercícios 
de prontidão, o professor pode fazer inúmeras outras atividades 
mais inteligentes, que contribuam de fato para o processo de 
alfabetização. Umadelas, de valor inestimável, é propor aos 
alunos que façam muitos desenhos livres. A sofisticação e a 
riqueza dessa atividade são tantas que por si só valem tudo o 
que se pensava alcançar com o tradicional período preparatório. 
<30> 
Nota 
De acordo com a nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da 
Educação (1997), cabe aos estados decidir pela forma de 
promoção dos alunos: com ou sem reprovação. Os estados de 
Minas Gerais e São Paulo pretendem abolir a reprovação e 
introduzir a promoção automática no ensino fundamental. 
Algumas idéias, mesmo plenamente justificáveis, demoram a ser 
absorvidas pelos órgãos oficiais, por causa muitas vezes de uma 
discussão mal conduzida. No Brasil é evidente a confusão que se 
costuma fazer entre avaliação (necessária sempre) e promoção 
(que deveria ser automática). Veja a respeito as entrevistas A 
escola não deve reprovar ninguém" (CAGLIARI, 1988b) e 
Avaliação e promoção" (CAGLIARI, 1 996e). 
 
ALFABETIZAÇÃO HOJE 
Apesar de todas as interferências recentes no processo de 
alfabetização, a prática escolar mais comum em nossas escolas 
ainda se apóia na cartilha tradicional (a cada ano com nova 
roupa e maquiagem). Quando o professor diz que não adota a 
cartilha, continua usando o método da cartilha, fazendo ele 
próprio o que antes vinha nos livros didáticos. Contudo, há cada 
vez mais um número crescente de professores que estão 
conduzindo um processo de alfabetização diferente do método 
das cartilhas, procurando equilibrar o processo de ensino com o 
de aprendizagem, apostando na capacidade de todos os alunos 
para aprender a ler e a escrever no primeiro ano escolar e 
desejando que essa habilidade se desenvolva nas séries 
seguintes, até chegar ao amadurecimento esperado pela escola. 
Cada vez mais professores estão se dedicando seriamente ao 
próprio objeto de estudo e ensino, que é a linguagem. Velhas 
idéias, porém básicas, como ensinar o alfabeto, as relações entre 
letras e sons, os diferentes sistemas de escrita que temos no 
mundo em que vivemos, a ortografia, estão voltando a ter 
importância na alfabetização. 
Por outro lado, o "entulho" que se acumulou com o tempo, 
enchendo a alfabetização de ridículos exercícios de prontidão e 
coisas semelhantes, está sendo eliminado aos poucos da prática 
escolar. Mesmo o "entulho gramatical" que se cristalizou na 
primeira série, como o estudo de categorias gramaticais, 
número, gênero, grau, etc, tem sido removido, trazendo para o 
trabalho de alfabetização um esforço concentrado na 
aprendizagem da escrita e da leitura como decifração da escrita 
e do mundo através da linguagem. 
Num esforço de muitas pessoas, a começar pelo estado de 
São Paulo, conseguiu-se introduzir na escola o "ciclo básico", 
juntando a primeira e a segunda série. A idéia inicial era ter mais 
dois ciclos posteriores, um incorporando a terceira, a quarta e a 
quinta série, e outro, a sexta, a sétima e a oitava série. Desse 
modo, o aluno seria submetido a uma avaliação de promoção ao 
final de cada ciclo. Infelizmente, só foi posto em prática o cicio 
básico, o que deu a entender a muita gente que o objetivo era 
apenas mudar as estatísticas de reprovação dos alunos da 
primeira série, uma vez que agora a promoção era automática. 
Muitos outros equívocos apareceram juntamente com o ciclo 
básico, alguns ~, 
<31 > 
motivados pelos próprios órgãos oficiais da educação. Apesar 
disso tudo, com ele foi possível realizar uma grande discussão 
sobre a situação da alfabetização em nossas escolas e introduzir 
novos estudos e novos modos de trabalho, com grandes 
vantagens para a educação como um todo. Além disso, foi 
possível tratar a alfabetização sem o medo da reprovação, levar 
adiante um trabalho de ensino e de aprendizagem que não tinha 
mais a nota como objetivo a ser alcançado, mas a formação, a 
instrução, enfim, a educação. 
 
ALFABETIZAÇÃO E ESCOLA 
A história da alfabetização e das cartilhas fala por si. Aqui, 
como em outros campos, vemos como a escola veio para 
complicar tudo. A alfabetização que poderia (e deveria) ser um 
processo de construção de conhecimentos que se faz com certa 
facilidade, tornou-se um pesadelo na escola. A razão principal é 
a atitude autoritária da instituição escolar. A autoridade escolar 
funciona melhor depois que os alunos estão "domados". Porém, 
nas primeiras séries, as crianças resistem mais porque ainda não 
aprenderam a se submeter a tudo o que ouvem e vêem. A 
individualidade ainda é uma marca forte da personalidade das 
crianças, mas, infelizmente, já não se pode dizer o mesmo dos 
alunos das últimas séries e sobretudo de níveis mais altos de 
escolaridade. 
Enquanto a alfabetização escolar ficou presa à autoridade de 
mestres, métodos e livros, que tinham todo o processo 
preparado de antemão, constatou-se que muitos alunos que não 
trabalhavam segundo as expectativas dos mestres, métodos e 
livros eram considerados incapazes e acabavam de fato não 
conseguindo se alfabetizar. 
Por outro lado, as propostas de alfabetização que começaram 
a valorizar a criança e seu trabalho criaram um clima mais calmo 
e tranqüilo em sala de aula, uma melhor interação entre 
professor e aluno, proporcionando condições mais saudáveis 
para que o processo de alfabetização se realizasse. 
Os órgãos da administração pública encarregados da educação 
interferiram muito no trabalho escolar, quer ditando as regras da 
burocracia, quer, sobretudo, ditando ~, 
<32> 
as normas pedagógicas. Este é o país onde tudo é feito por meio 
de leis e decretos e, desse modo, todo o mundo tem uma escusa 
para o próprio fracasso, achando que tudo está bem e correto 
quando a burocracia está em dia. Como as escolas de formação 
de professores para o magistério, guiadas por estranhas idéias 
oriundas das faculdades de educação, não conseguem dar a 
formação necessária para os professores, os órgãos públicos 
encarregados da educação passaram a dar periodicamente 
"pacotes educacionais", de acordo com os modismos da época; é 
o método sintético, analítico, fônico, global, lúdico, 
psicopedagógico, freinet, semiótico, construtivista, lingüístico, 
etc. Os professores, atormentados com tantas mudanças, vítimas 
da própria incompetência, foram experimentando todos os 
"pacotes". Essa loucura serviu mais para criar nos professores 
uma aversão a tudo o que é novo, mesmo que traga 
contribuições realmente importantes para seu trabalho. Houve 
tantos "pacotes" e tantas decepções em tão curto prazo, que 
hoje muitos professores já não sabem mais distinguir o que vale 
e o que não vale, o que é certo e o que é duvidoso, o que é 
verdade e o que é engodo. Se sua competência já era muito 
limitada, agora além de tudo ficou confusa, diante de tantas 
"experiências educacionais". Alguns, novatos no trabalho ou 
ingênuos por natureza, ainda acham que a última moda é a 
panacéia para todos os males do passado e a esperança do 
futuro. 
CAGLIARI, 1992c, MAGNANI, 1993. e O que de fato está por 
trás de toda essa história é a 
presença de um grande número de professores alfabetizadores 
que nem sequer são capazes de avaliar o que 
vêem diante de seus olhos, quer se trate de um "pacote 
educacional, quer se trate de um aluno que não aprende o que 
eles ensinam. Um professor que não sabe avaliar com precisão 
se um método é bom ou não, 
dando as razões de sua conclusão, é um professor mal- 
preparado, incompetente. A culpa em grande parte vem das 
escolas de formação e dos "pacotes" educacionais mas em parte 
vem também da atitude comodista do próprio professor, que não 
se interessou pessoalmente em estudar o que nãolhe foi 
ensinado. 
Essa competência está ligada ao conhecimento de muitos 
aspectos da sua atuação como educador e como 
professor alfabetizador. Estudar pedagogia, metodologia 
psicologia é importante. Mas ninguém se forma um bom 
alfabetizador só com essas disciplinas. O fundamental é saber 
como a linguagem oral e escrita são e 
<33> 
os usos que têm. Resumindo, a competência técnica do 
professor alfabetizador se apóia em sólidos e profundos 
conhecimentos de lingüística e dos sistemas de escrita (de 
matemática e de ciências inclusive...). Esses conhecimentos, 
aliados aos de pedagogia e psicologia, fazem dele um 
profissional que sabe exatamente o que faz e por que faz de um 
jeito e não de outro. Se formássemos de maneira correta nossos 
professores alfabetizadores, teríamos, neste país, em pouco 
tempo uma outra realidade em termos de analfabetismo. Hoje, 
não só existem milhões de pessoas analfabetas, como também 
pessoas que foram, de fato, mal alfabetizadas. Nenhum método 
educacional garante bons resultados sempre e em qualquer 
lugar; isso só se obtém com a competência do professor. 
O Brasil precisa de uma modificação profunda na educação e, 
em especial, na alfabetização. Para isso necessita de professores 
com melhor formação técnica. As escolas de formação dedicam 
muito tempo às matérias pedagógicas, metodológicas e 
psicológicas e não ensinam o que devem a respeito da 
linguagem; nem sequer têm cursos de lingüística (ou de 
aritmética). Como um professor pode lidar corretamente com o 
fenômeno lingüístico, se ele nunca estudou lingüística? Ninguém 
alfabetiza só com metodologia e psicologia, como também não 
alfabetiza somente com lingüística. A escola precisa saber dosar 
todos esses conhecimentos para poder atuar de maneira correta. 
Nada substitui a competência do professor e, enquanto nossas 
escolas continuarem a formar mal nossos professores, a 
alfabetização e o processo escolar como um todo continuarão 
seriamente comprometidos. 
 
Nota 
Não se pode encerrar mesmo um sucinto relato da história da 
alfabetização sem mencionar a importância da figura de Paulo 
Freire. O chamado Método Paulo Freire dirigido sobretudo para a 
alfabetização de adultos — foi aplicado em larga escala em 
outros países, além do Brasil como outros grandes educadores 
que se dedicaram à alfabetização. Paulo Freire trabalhou mais 
com a intuição o bom senso e menos com rigor científico ao 
tratar de fatos da linguagem. Sua obra mais importante está 
voltada principalmente para questões ligadas à política 
educacional e à pedagogia em geral. 
<34> 
 
2 
O ensino e a aprendizagem: os dois métodos 
 
A questão metodológica não é a essência da educação, apenas 
uma ferramenta. Por isso, é preciso ter idéias claras a respeito 
do que significa assumir um ou outro comportamento 
metodológico no processo escolar. É fundamental saber tirar 
todas as vantagens dos métodos, bem como conhecer as 
limitações de cada um. 
Como o assunto é muito vasto e complexo, e sobre ele já 
existe considerável literatura, apresentaremos apenas um 
esboço geral dos pontos mais importantes para a discussão que 
faremos em seguida. Existe, no mercado, uma quantidade 
enorme de livros e publicações 
a respeito de métodos de ensino (raramente 
de métodos de aprendizagem) que, num esforço para defender 
ou atacar certos procedimentos adotados pelas escolas, acaba 
confundindo seus leitores, os quais, em meio a tantas posições 
diferentes, ou mesmo contraditórias, já não sabem mais no que 
acreditar. Daí o descrédito de alguns professores na educação, 
fruto da indignação metodológica, oriunda dos pacotes 
educacionais e das contradições metodológicas a que são 
submetidos. 
Às vezes, é preciso voltar às origens, aos princípios básicos, às 
coisas mais simples e claras, rever a história, 
retomando uma visão correta do fenômeno. Para isso, é preciso 
rever alguns pontos gerais a respeito de ensino, aprendizagem e 
métodos. 
Por incrível que pareça, existe uma confusão muito grande 
entre ensino e aprendizagem em meio às pessoas 
que lidam com educação. O mais comum é se levar em 
consideração apenas o ensino, supondo que a aprendizagem 
ocorre automaticamente, como fruto inevitável 
do ensino, o que é um erro grosseiro. Muitos 
aceitariam a diferença sem problemas, na teoria, mas a prática 
mostra que a confusão é visível e está presente a cada passo. 
CAGLIARI, 1990; PATTO, 1990; PATTO 1997 
O QUE É ENSINAR, O QUE É APRENDER 
Ensinar é um ato coletivo: pode-se ensinar a um grande 
número de pessoas presentes numa aula ou numa conferência, 
etc. Quem ensina procura transmitir informações 
que julga relevantes, organizadas do modo 
que lhe parece mais razoável, para que seus ouvintes aprendam 
algo que deseja transmitir. 
<36> 
Aprender é um ato individual: cada um aprende segundo seu 
próprio metabolismo intelectual. A aprendizagem não se 
processa paralelamente ao ensino. O que é importante para 
quem ensina, pode não parecer tão importante para quem 
aprende. A ordem da aprendizagem é criada pelo indivíduo, de 
acordo com sua história de vida e, raramente, acompanha passo 
a passo a ordem do ensino. 
No ensino, é muito importante o que se diz; na aprendizagem, 
o que se faz, mesmo quando o fazer significa dizer. Aprender não 
é repetir algo que foi ensinado, mas criar algo semelhante, a 
partir da iniciativa individual de quem aprende. Quando 
simplesmente se repete um modelo, não ocorre exatamente uma 
aprendizagem. Ela vai aparecer somente quando a pessoa, por 
ação própria, conseguir realizar algo de acordo com as 
expectativas alheias. 
A aprendizagem é sempre um processo construtivo na mente e 
nas ações do indivíduo. O ensino não constrói nada: nenhum 
professor pode aprender por seus alunos, mas cada aluno deverá 
aprender por si, seguindo seu próprio caminho e chegando onde 
sua individualidade o levar. Por isso, a aprendizagem será 
sempre um processo heterogêneo, ao contrário do ensino, que 
costuma ser tipicamente muito homogêneo. 
Escolas que se apegam demais ao processo de ensino, em 
detrimento do processo de aprendizagem, gostam de manter 
classes homogêneas, fazendo remanejamentos, sempre que 
oportuno e possível, para facilitar o processo de ensino, 
desconsiderando totalmente a natureza do processo de 
aprendizagem, entre outros fatores pedagógicos. 
Não é porque o professor ensina, que um aluno 
automaticamente aprende. Aprender depende muito da história 
de cada aprendiz, de seus interesses, de seu metabolismo 
intelectual. A maneira como aquilo que é ensinado passa a ser 
algo aprendido é do foro íntimo de cada indivíduo. Obrigá-lo a 
agir diferentemente é uma violência contra sua liberdade e 
racionalidade. Obrigar alguém a aprender alguma coisa é 
"lavagem cerebral". A aprendizagem precisa partir de uma 
opção individual. O fato de se ter um professor, uma classe, uma 
turma de alunos não significa que se tem uma escola. É essencial 
saber o que faz o professor e o que fazem os alunos, o que 
compete a cada um, o que cada um espera do outro. Sem uma 
visão clara e correta da atividade escolar, corre-se o risco 
<37> 
de se colocar em prática um processo de educação totalmente 
equivocado como, aliás, vem acontecendo muito freqüentemente 
neste país. 
Por outro lado, não é porque um professor não ensina algo, 
que um aluno necessariamente não aprende tal ponto. Há muitas 
maneiras de aprender: ir à escola é uma forma prática e 
organizada (pelo menos deveria ser) de aprender "as coisas da 
escola". Nada impede, todavia, que se aprenda com os pais, com

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