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Cariologia Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Gizela Faleiros Dias Costa Prof. Me. Gerson Lopes Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Fatores da Doença Cárie Dentária Fatores da Doença Cárie Dentária • Realizar ampliada abordagem da doença cárie, reconhecendo todos os fatores biológicos e a influência dos fatores socioeconômicos, comportamentais, de instrução relacionados ao processo saúde-doença bucal. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução; • O Papel da Saliva no Desenvolvimento de Lesões de Cárie; • Fatores Relativos ao Dente; • Biofilme; • Placa Ecológica; • Dieta; • Alimentos e sua Cariogenicidade; • E na Prática, Como Agir? • Acesso aos Fluoretos; • Outros Fatores: Classe Social, Renda, Comportamento, Instrução, Conhecimento e Atitudes. UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Introdução Um dos problemas de saúde bucal de maior relevância é a doença cárie. Sua ascen- dência está ligada à Revolução Industrial, quando houve a introdução dos açúcares na dieta, sendo que nas populações mais primitivas, cuja alimentação se limitava à caça, frutas e pescas, praticamente não tiveram a experiência de cáries. Mas sua etiologia é multifatorial, sendo necessária a interação entre diversos fatores, dentre eles os dentes susceptíveis, a microbiota bucal, dieta e o tempo para que o processo se estabeleça. Recentemente a cárie vem sendo analisada também no seu aspecto socioeconômico, estabelecendo uma relação entre a estratificação social e a presença de lesões, bem como a dificuldade do acesso ao tratamento. Portanto, diversos fatores influenciam os processos metabólicos relacionados à doença cárie, de modo que para facilitar o entendimento utilizaremos a seguinte Figura: Classe social Renda Saliva (taxa de �uxo) Saliva (composição) Tempo Dente Dente Depósito de microrganismos Depósito de microrganismos Soluções �uoretadas pH pH Capacidade tampão Taxa de depuração do açúcar Dieta composição frequência Espécies microbianas Atitudes Instrução ConhecimentoComportamento Figura 1 – Esquema dos fatores do processo de cárie Fonte: Adaptada de FEJERSKOV; NYVAD; KIDD, 2017 O círculo interno indica os fatores biológicos do processo de cárie que atuam no nível da superfície dentária individual; como exemplos podemos citar: • Saliva: composição salivar (capacidade tamponante), velocidade de secreção sali- var, concentração de íons de flúor nos fluidos da boca; • Biofilme: microrganismos, espessura; • Dieta: composição e frequência. Já o círculo externo mostra como a classe social, renda, o comportamento, a instru- ção, o conhecimento e as atitudes influenciam os fatores biológicos. 8 9 O Papel da Saliva no Desenvolvimento de Lesões de Cárie A saliva é o fluido secretado por d iferentes glândulas salivares – as maiores (parótida, submandibular e sublingual) e as menores (centenas delas); é responsável por diversas funções na cavidade bucal, dentre as quais temos: lubrificação, hidratação, facilitar a mastigação, a gustação e deglutição, além de atividade imunológica. Em relação ao desenvolvimento da cárie, a saliva está intimamente ligada com: • Limpeza fisiológica através de seu fluxo: as taxas de fluxo normais para saliva to- tal não estimulada encontram-se entre 0,2 e 0,5 mℓ/min. É de fundamental impor- tância a manutenção de um fluxo salivar normal para que todas as funções da saliva aconteçam. Pacientes com redução de fluxo salivar, conhecida por xerostomia e causada pelo uso de medicamentos, tratamentos radioterápicos, portadores de sín- dromes (Sjögren), podem apresentar aumento na prevalência de cárie. Com taxas diminuídas de fluxo, o processo normal de remineralização é alterado, favorecendo a desmineralização. Contudo, deve-se lembrar sempre do conceito multifatorial da cárie, de modo que em condições de boa higiene bucal e dieta não cariogênica, essa alteração na prevalência é minimizada; • E quilíbrio da microbiota bucal: realizado através da ação combinada de proteínas antimicrobianas da saliva, tal como a l isozima, que é capaz de hidrolisar a parede celular bacteriana; l actoferrina, que tem atividade bacteriostática, bactericida, fun- gicida, antiviral e anti-inflamatória. As a glutininas levam à agregação de diversos microrganismos, e as i munoglobulinas atuam na adesão e fagocitose bacteriana. Além disso, o esmalte em contato com a saliva forma uma camada de proteínas e glicoproteínas denominada película adquirida, que se forma após a erupção dentária. Essa película servirá para a adesão ou repulsão de microrganismos num momento seguinte. Acredita-se ainda que essa película é capaz de favorecer à remi- neralização, por manter o cálcio e fosfato próximos à superfície dentária durante a exposição aos ácidos. As bactérias cooperam para a degradação de cadeias laterais de oligossacarídeos de glicoproteínas, tais como as mucinas. A produção ácida ad- vinda do metabolismo desses açúcares é relativamente baixa. Todavia, na ausência de outros nutrientes, a saliva é uma fonte suficiente de sustentação do crescimento da microbiota oral ; A profilaxia profissional, o condicionamento ácido e clareamento são capazes de re- mover a película adquirida. Já a escovação pode influenciar no atraso da adsorção de novas proteínas quando é utilizado o Lauril Sulfato de Sódio (LSS), o que pode deixar a superfície mais vulnerável aos ácidos da dieta. • Efeito-tampão: a Capacidade-Tampão da Saliva (CTS) é a propriedade de a sa- liva manter o seu potencial Hidrogeniônico (pH) constante a 6,9-7,0, graças aos seus tampões mucinato/mucina, HCO3/H2CO3 (bicarbonato) e HPO4 – (fosfato), que bloqueiam o excesso de ácidos e bases, mantendo a integridade dos dentes e da 9 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária mucosa bucal. A capacidade tamponante da saliva é um importante fator de resis- tência à cárie dental, pois age neutralizando os ácidos bucais; • Participação no processo de Desmineralização e Remineralização (DES-RE): a saliva cobre os dentes através da película, por um filme delgado de cerca de 10 μm de espessura. Sabe-se que a camada mais externa do dente – o esmalte – é forma- da basicamente por um mineral denominado hidroxiapatita, e que todo mineral apresenta solubilidade em água, dependendo da saturação do meio. Sob condições fisiológicas (pH 7,4), há equilíbrio dinâmico, em que as trocas iônicas entre esmalte e meio ambiente acontecem; porém, a quantidade de íons que é perdida pelo esmalte (DES) é igual ou muito parecida com a que o meio ambiente fornece (RE). Para que os tecidos duros dentais não sofram dissolução, deve haver esse equilíbrio, ou a saliva e os fluidos bucais devem ser supersaturados em relação à hidroxiapatita e fluorapatita. A solubilidade da hidroxiapatita e de outros fosfatos de cálcio é muito afetada pelo pH da água na qual é dissolvida, portanto, em ambiente ácido os cristais de hidroxiapatita se dissolvem, já que o fluido salivar se torna insaturado em relação ao dente pela remoção dos íons PO43– e OH–. Neste caso, a desmineralização é favorecida. Esta é a represen- tação química de uma hidroxiapatita sólida quando se dissolve: Ca5(PO4)3 OH ↔ 5Ca+2 + 3PO4+3– + OH– pH Tempo (min) pH crítico para dissolução da dentina pH crítico para dissolução do esmalte 0 10 4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 6,5 7,0 20 30 40 50 60 Figura 2 – Dissolução do esmalte e da dentina em relação à queda do pH. Nota-se que o pH fica abaixo do crítico na dentina, mais que o dobro do tempo da dissolução em esmalte Fonte: Adaptada de BUSATO; MALTZ, 2014 Para que a saliva e o fluido da placa estejam numa saturação menor em relação à hidroxiapatita, é necessário atingir um pH “crítico”, com valor aproximado de 5,5 no esmalte, onde haverá predomínio da desmineralização. Com o uso do flúor, o “pH crítico” é mais baixo, de aproximadamente 4,5, atrasando o processo. Na dentina, o pH crítico é de 6,2-6,3. Constantes quedas no pH, pela manutenção da acidez por períodosmais longos, farão com que não haja tempo hábil para retornar ao pH inicial, de modo que as suces- sivas desmineralizações acontecerão, o que aumentará a suscetibilidade à cárie dentária – que inicialmente se apresentará na forma de lesões brancas no esmalte e amolecidas na dentina (Figura 3). 10 11 Ao contrário, quando o meio bucal se torna supersaturado em relação à hidroxiapati- ta, ocorrerá a remineralização, a qual é possível até mesmo quando já apresenta sinais iniciais de cárie em esmalte. Porém, a reversão total de minerais raramente é notada. Podemos notar, na Figura 3, que a cada exposição ao meio bucal ácido, o pH cai para um nível em que o processo de desmineralização começa e notam-se constantes quedas do pH abaixo do nível crítico, demonstrando frequente exposição à alimentação rica em sacarose – o que será abordado adiante. pH 4 5 6 7 8 Figura 3 – Quedas constantes do ph após exposição à dieta rica em sacarose Para facilitar o entendimento, visualize o seguinte esquema: Hidroxiapatita Ca10(PO4)5 OH2 Hidroxiapatita Ca+2 Ca+2 Ca+2 Ca+2 Ca+2 PO4 -3 PO4 -3 PO4 -3 PO4 -3 OH2 - OH2 - Ca10(PO4)5 OH2 A: �uidos do bio�lme supersaturado em relação à hidroxiapatita. Minerais repostos ou manutenção do equilíbrio (RE). B: �uidos do bio�lme subsaturado em relação à hidroxiapatita. Minerais dissolvidos (DES). Figura 4 – Relação entre os minerais dentais e os fl uidos bucais em jejum e após a exposição a carboidratos fermentáveis Fatores Relativos ao Dente Os dentes passam por uma maturação pós-eruptiva, portanto, são expostos na cavi- dade bucal e gradativamente realizarão trocas com os fluidos bucais no processo DES RE. Assim, os dentes recém-irrompidos são mais suscetíveis à desmineralização do que aqueles que já passaram pelas frequentes remineralizações. Atualmente, sabe-se que essa diferença de suscetibilidade não é substancial para que se altere o potencial cariogênico. Outra característica relacionada aos dentes corresponde aos locais de maior suscetibi- lidade, pela morfologia ou posição termo que entra em desuso; isto porque o que existe são locais onde há depósitos microbianos que não foram removidos, o que aumenta a predisposição ao aparecimento da lesão. 11 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Biofilme A presença de microrganismos (biofilme) na superfície dental é pré-requisito para o desenvolvimento das lesões de cárie, porém, a sua existência não é suficiente para que haja lesão de cárie. A cavidade oral de um recém-nascido é estéril, mas com o passar dos meses a quantidade de microrganismos aumenta gradativamente. Os pioneiros são: Streptococcus salivarius, Streptococcus mitis e Streptococcus oralis. Em seguida surgem anaeróbios Gram-negativos: Prevotella melaninogenica, Fusobacterium nucleatum e Veillonella spp. Mais tarde, com a erupção dos dentes, surgem os Streptococcus mutans e Streptococcus sanguinis. Essa flora bacteriana permanece em equilíbrio, sendo influenciada pela dieta, higiene e alterações hormonais. Os estudos concordam quando colocam o S. mutans como uma bactéria altamente cariogênica, porém, a cárie pode ocorrer na ausência dessa bactéria. Dentre as bactérias ca- pazes de levar à lesão de cárie dentária estão os lactobacilos, bifidobactérias e Scardovia spp. Uma dieta rica em carboidratos aumenta a taxa de crescimento de muitas bactérias orais. Assim, tem sido mostrado que o acúmulo de placa dental após 4 dias, consideran- do-se extensão, peso e número de bactérias, é maior quando os indivíduos consomem uma dieta complementada com guloseimas açucaradas, quando comparado ao cresci- mento por uma dieta controlada, sem a adição de sacarose. Entretanto, o que pode ser clinicamente mais importante é que uma dieta rica em sacarose pode mudar a composição da microbiota, gerando baixo pH, capaz de inibir o crescimento de muitas bactérias orais encontradas na placa, selecionando, deste modo, as espécies mais acidúricas. Todos esses fatores aumentariam a probabilidade de desenvolvimento de lesões cariosas. • Capacidade acidogênica: a produção de ácido é determinante fundamental para a patogenicidade, sendo responsável pela desmineralização do esmalte na etapa inicial da cárie. É um pré-requisito essencial para que um microrganismo seja con- siderado cariogênico; • Capacidade acidúrica: sobrevivência do microrganismo em pH ácido, permitin- do que desenvolva as suas atividades metabólicas em ambientes de pH baixo, tais como sulcos e fissuras dos dentes. O que é biofilme? 12 13 Figura 5 Fonte: Getty Images Os microrganismos não ficam soltos na cavidade oral permanentemente, de modo que precisam se fixar a uma superfície para crescimento e multiplicação. Para isto, aderem-se à película adquirida (descrita no item saliva) por interação de receptores. Como o biofilme é formado? 70% de células microbianas 30% de matriz extracelular + �uido do bio�lme Matriz extracelular = polissacarídeos produzidos pelas bactérias e outros elementos salivares. Fluido do bio�lme = permeia a matriz extracelular e nesse que se concentra os íons cálcio, fosfato e �úor que participam do processo DES-RE. Figura 6 Placa Ecológica Os microrganismos associados à doença cárie estão presentes em cavidades bucais livres de cárie; portanto, sugere-se que a cárie é causada por desequilíbrio da microbiota “disbiose”, associada a repetidas diminuições de pH após frequente ingestão de açúcar – esta teoria ressalta a natureza multifatorial da doença cárie. 13 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Figura 7 – Hipótese da placa ecológica Fonte: FEJERSKOV; NYVAD; KIDD, 2017 O diagrama mostra um relacionamento dinâmico, no qual uma mudança ambiental no biofilme (p. ex., pH baixo) conduz a uma mudança no equilíbrio da microbiota residente, deslocando, assim, o equilíbrio para a desminerali- zação do esmalte. A cárie pode ser controlada pela inibição dos patógenos putativos (EM ou outros produtores de ácido) ou interferindo nas mudanças ambientais, conduzindo à mudança ecológica (p. ex., reduzindo o desafio ácido pelo uso de controle da ingestão de açúcar, pela estimulação de saliva e/ou pela remoção do biofilme). EM: estreptococos do grupo mutans. Portanto, precisa ser desmistificado o papel dos microrganismos, pois a sua presença não é suficiente para que haja lesão de cárie, uma vez que estão presentes também na cavidade oral de pacientes livres de cárie – o que reforça a teoria da não transmissibili- dade da cárie. Então, se há desequilíbrio na microbiota bucal, para prevenir a doença cárie é necessário restaurar este equilíbrio? Se sim, como fazê-lo? Remoção mecânica da placa, controle da ingestão de açúcar e estimulação salivar? Dieta A dieta tem papel-chave no processo carioso. Sabe-se, pela evidenciação histórica, que o consumo de açúcares está intimamente ligado ao maior risco à cárie. As bactérias presentes no biofilme metabolizam os carboidratos, gerando ácidos como produtos, os quais capazes de levar à desmineralização dos tecidos dentários. Isso acontece porque, após o consumo de açúcar, o pH do biofilme cai bruscamente, e em 10 minutos chega ao seu ponto mínimo, retornando ao seu valor basal após 45 a 60 minutos. A frequência dessa queda abaixo dos valores críticos leva ao predomínio dos processos de desmineralização em relação à remineralização, aumentando a chance de aparecimento da lesão de cárie. Além disso, os carboidratos podem ser armazenados na forma de Polissacarídeos Intracelulares (PIC) e Extracelulares (PEC). Os PIC podem ser formados por diversos açúcares e são reservas utilizadas no metabolismo bacteriano em momentos de escassez. 14 15 Já os PEC advêm da metabolização exclusiva da sacarose e atuam na adesã o bacteriana, aumentando a porosidade da matriz do biofilme, o que confere à sacarose o título de açúcar mais cariogê nico. Figura 8 Fonte: Getty Images Você Sabia? No processamento industrial, as moléculas de amido sofrem gelatinizaç ã o, demodo que quanto maior for o grau desse processo, mais fácil será a degradação enzimática, por- tanto, maior será o seu potencial cariogê nico. Ou seja, o amido cozido promove maior queda de pH em relação ao amido cru. Alimentos e sua Cariogenicidade Os alimentos mais rapidamente metabolizados pelas bactérias do biofilme são os açúcares. Nota-se que a glicose, maltose, frutose e sacarose levam a quedas de pH semelhantes, com diferença só observada na lactose – na qual a queda do pH é menor. pH Amido cru Amido cozido Lactose Glicose Maltose Frutose Sacarose min 6 5 10 20 30 Figura 9 – Curva do pH do biofi lme após a ingestão de diferentes açúcares Fonte: Adaptada de BUSATO ; MALTZ, 2014 15 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Nota-se que outros alimentos, como o leite e os seus derivados, principalmente o queijo, possuem efeito protetor contra a cárie, em razão da presença de cálcio, fosfato e caseína. Portanto, sabe-se, por meio de diversos estudos, que no leite, mesmo pos- suindo lactose, esse açúcar é pouco cariogênico ou apresenta efeito nulo na ocorrência da cárie; já o leite materno contém mais lactose e menores concentrações de cálcio e fosfato que o leite de vaca, sugerindo ser mais cariogênico – porém, este assunto tem causado controvérsia entre os pesquisadores. No mercado existem diversos adoçantes, substitutos do açúcar, que podem ser não calóricos, tais como a sacarina, o ciclamato e aspartame, que não são metabolizados pelas bactérias do biofilme – e por isto não têm relação com a cárie. E há os calóricos, tais como o sorbitol e xilitol que, apesar de serem metabolizados pelas bactérias, causam leve queda de pH, mas insuficiente para atingir o pH crítico da desmineralização. Diversos estudos demonstram que o xilitol reduz a contagem de S. mutans, sendo capaz de levar a uma menor produção de ácidos pelo biofilme, com menor número de bactérias cariogênicas. Devido a isto, alguns dentifrícios adicionaram esse com- ponente em sua fórmula. Figura 10 – Curva de Stephan após alta frequência de consumo de alimentos ricos em carboidratos Fonte: FEJERSKOV; NYVAD; KIDD, 2017 Através dessa curva de Stephan (Figura 10) é possível observar o que acontece após a ingestão de alimentos cariogênicos: uma queda abaixo do pH crítico. A frequência de alimentação rica em carboidratos causará repetição contínua dessa curva, com períodos maiores de desmineralização e maior susceptibilidade à cárie. E na Prática, Como Agir? Precisamos saber como é a alimentação do paciente, o que pode ser realizado atra- vés de diários alimentares (anota-se toda a alimentação durante 4 a 7 dias); entrevista (o que consumiu nas últimas 24 horas); questionários (formulários construídos em fase de validação para ser usado no atendimento). 16 17 Após a coleta dos dados, o cirurgião-dentista deverá avaliar individualmente a dieta de cada paciente e realizar o aconselhamento dietético oportuno, visando ao controle da cárie dentária. Importante ressaltar que se forem notados outros hábitos alimentares nocivos, este paciente poderá ser encaminhado ao nutricionista para tratamento multi- disciplinar simultâneo. A proposta deve conter a substituição de balas, chicletes e refrigerantes convencio- nais por aqueles contendo alternativas ao açúcar. Sucos de fruta, sem adoçar, deve ser a melhor opção de refresco, e quando houver consumo de açúcar, que seja próximo às refeições principais, seguido por escovação dentária. Pesquisas são realizadas com probióticos na tentativa de que a microbiota bucal residente seja favorecida em detrimento de espécies causadoras da cárie; porém serão necessários diversos estudos nessa área para maior esclarecimento. Acesso aos Fluoretos O flúor (F–) é um fator que influencia na ocorrência de cárie e a sua presença na cavidade oral favorece o hospedeiro. Durante muito tempo acreditou-se que o F– exercia efeito anticariogênico, deixando o esmalte mais resistente por incorporar-se aos seus cristais. Dessa forma, o F– tinha como indicação principal a sua ingestão durante a formação do dente. Atualmente, a maioria dos profissionais de saúde reconhece o F– como um dos responsáveis pelas reduções da cárie e o seu uso considerado eficiente é pela fluoretação da água e compondo os dentifrí- cios, a fim de que haja disponibilidade de íons nos fluidos bucais (saliva, fluido do biofilme). Na ausência de flúor, o pH crítico para a desmineralização do esmalte é 5,5; já na sua presença, esse pH é reduzido a 4,5, fazendo com que seja necessária maior queda de pH para que se inicie a desmineralização – este fato é explicado pela fluorapatita ser mais resistente ao pH ácido. Além disso, o flúor pode estar presente na forma de fluo- reto de cálcio, que é um reservatório de flúor disponível quando há ataque cariogênico. Outros Fatores: Classe Social, Renda, Comportamento, Instrução, Conhecimento e Atitudes Todos os fatores que descrevemos até agora pertencem ao círculo interno, ou seja, são aspectos biológicos do processo de cárie. A partir de agora abordaremos o círculo externo (Figura 1), onde a causalidade da doença cárie será relacionada ao nível socioe- conômico, comportamento, à instrução, ao conhecimento e às atitudes. 17 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Ao analisar os dados do último levantamento epidemiológico nacional (SB-2010), confirma-se a determinação social da cárie dentária, com maior severidade dessa doen- ça nos grupos populacionais socioeconomicamente menos favorecidos. A prevalência de cárie foi significantemente mais elevada em crianças pretas, pardas e amarelas que em brancas, o que é explicado pela pior condição socioeconômica desses estratos de cor da pele. Outro fato que chama a atenção desde o primeiro levantamento de 1986 é que, apesar do declínio da prevalência de cárie em todo o País, nota-se que há manutenção de piores indicadores dessa doença em famílias com renda mais baixa e que vivem em municípios com piores indicadores econômicos e de acesso à água fluoretada. É evidente, portanto, que o nível socioeconômico influencia os conhecimentos, as atitudes e os comportamentos em relação à saúde bucal e, portanto, estão relacionados à ocorrência da cárie dentária. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Projeto Homem Virtual – Formação de lesões de cárie em superfície oclusal e o ICDAS https://youtu.be/kf9bYCab7RU Leitura Cárie: tem muita coisa que você (ainda) não sabe https://bit.ly/3cB0S9K Cárie é transmissível? Tipo de informação sobre transmissão da cárie em crianças encontrada através da ferramenta de busca Google https://bit.ly/3qN2AJZ Determinantes individuais e contextuais da cárie em crianças brasileiras de 12 anos em 2010 https://bit.ly/3eGiuDR Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais https://bit.ly/3eDw0Ih 19 UNIDADE Fatores da Doença Cárie Dentária Referências ALVES, K.; SEVERI, L. Componentes salivares associados à prevenção da cárie den- tal – revisão de literatura. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo, v. 28, n. 1, p. 37-42, 2016. BUSATO, A. L. S.; MALTZ, M. Cariologia: aspectos de dentística restauradora. São Paulo: Artes Médicas, 2014. (Série Abeno: Odontologia Essencial – Parte Clínica). FEJERSKOV, O.; NYVAD, B.; KIDD, E. Cárie dentária: fisiopatologia e tratamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. FELDENS, C. A.; KRAMER, P. F. Cárie dentária na infância: uma abordagem con- temporânea. São Paulo: Santos, 2013. NASCIMENTO, M. M. et al. Second Era of Omics in caries research: moving past the pHase of disillusionment. J. Dent. Res., v. 96, n. 7, p. 733-40, 2017. PINTO, V. G. Saúde bucal coletiva. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. 20
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