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Valderisso Alfredo 1 | P á g i n a A CONSTRUÇÃO DO AMOR EM “CONTO DE VERÃO N° 2: BANDEIRA BRANCA”, DE LUIS FERNANDO VERISSIMO RESUMO: A literatura aborda assuntos diversos e uma temática símbolo é o amor, elemento fundamental na vida de todos, que pode estar incluso em diferentes situações e de diferentes formas. No presente trabalho, estudamos a narrativa Conto de verão n° 2: Bandeira branca, de Luis Fernando Veríssimo. Nosso objetivo foi analisar as diferentes formas de amor e sua construção na narrativa. Para isso, recorremos a autores como Maia (2014) e Rebello (2006), que vão falar da presença do tema amor na literatura, e Quadros (2011), Leloup (2008) e Ortega (2002), que tratam sobre os tipos de amores. O conto estudado conta uma história de amor que utiliza-se das fases da vida dos personagens para apresentar as formas de amor, philos (ocorre no conto durante a infância) e eros (ocorre a partir da adolescência). Essa análise possibilitou-nos identificar que a construção da temática estudada baseia-se em critérios sociais. PALAVRAS-CHAVE: Amor eros, Amor philos, Amor na literatura. 1 INTRODUÇÃO A literatura sempre se mostrou propícia a tratar questões diversas. Um tema muito forte e que constantemente está presente na literatura é o amor. Por ser um sentimento universal, exposto na vida de todos, abarca várias relações, tornando-se possível incluí-lo em muitos assuntos. Exatamente por esse motivo, grande parte dos textos que lemos apresentam de alguma forma esse tema, um exemplo é a narrativa em estudo de Luis Fernando Verissimo, “Conto de verão n° 2: bandeira branca”. O conto relata um amor de carnaval vivido por duas pessoas durante vários anos de vida. Tudo inicia-se ainda na infância e vai até a idade adulta, transcorrendo durante esse período uma construção sucessiva de amor, caracterizado com algumas diferenças de acordo com a fase da vida dos personagens. Dessa forma, objetivamos analisar as diferentes formas de amor e sua construção na narrativa de Luis Fernando Verissimo. Para isso, alguns autores que utilizamos como fundamentação teórica foram Maia (2014) e Rebello (2006), que vão falar da presença do tema amor na literatura, e Quadros (2011), Leloup (2008) e Ortega (2002), que tratam sobre os tipos de amores, principalmente o eros e philos, que trabalharemos nesse artigo. O artigo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, expomos a fundamentação teórica, nela abordamos a presença do amor como tema na literatura e falamos sobre os Valderisso Alfredo 2 | P á g i n a amores eros e philos; em seguida, apresentamos a metodologia, caracterizando a pesquisa e delineando as categorias de análise; posteriormente, procedemos à análise do conto; por fim, segue a conclusão. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Amor na literatura A relação entre o amor e a literatura foi sem dúvida um ponto crucial para a produção da narrativa Conto de verão n° 2: bandeira branca. Diante de uma literatura diversa e de um tema universal, o conhecimento da relação entre o amor e a escrita de textos é de grande importância para a compreensão do conto em estudo. O amor é sem dúvida um elemento fundamental para a nossa vida. Ele está presente nos relacionamentos entre pais e filhos, marido e mulher, amigos, ações caridosas e entre vários outros tipos de relacionamentos. É, portanto, um sentimento que movimenta a vida (MAIA, 2014, p. 197). De tão relevante, os escritores o trazem para seus textos há muito tempo, e hoje podemos dizer que o amor está engajado na literatura como um símbolo e é ainda um dos temas mais constantes: O amor é, talvez, o sentimento que mais aproxima o ser humano da arte, visto que o faz encontrar-se nesta. Sendo assim, é tema constante na Literatura, cuja função, muitas vezes, é servir como reflexo do homem e veículo de aperfeiçoamento humano (REBELLO, 2006, p. 08). De acordo com Alencar (1977), os romances nascem “de todas as fontes de emoções e de conflitos do homem, mesmo que sem perder a natureza de obra de arte”. É devido esse e outros motivos que o amor passa a ser um ícone de representação das diversas posturas literárias. É um tema vasto que permite ir além de uma simples relação entre pessoas. O amor é na literatura um tema mutável, apresentando com o tempo novas ressignificações. Para falar da temática amor mediante a sua presença na literatura é imprescindível levar em conta a história literária, o tempo e o meio em que insere-se e a característica de espírito criativo, individual, do autor. O seu significado difere de acordo com a época, um exemplo que comprova isso é a ideia do amor idealista romântico e do amor materialista do realismo (REBELLO, 2006, p. 08). Valderisso Alfredo 3 | P á g i n a Fica evidente, portanto, a relação entre amor e literatura, sendo importante analisar como é desenvolvido o sentimento amoroso em cada época. Dessa forma, consideraremos, neste trabalho, a construção do amor em uma época contemporânea. 2.2 Amores Eros e Philos Para que o ser humano se torne um ser completo ele precisa de amor, pois é de fato um sentimento fundamental. Certamente o amor tem características peculiares, que se manifestam de formas diferentes para cada situação, porém, na sociedade moderna é de caráter comum diferenciar o amor em três tipos, ou mesmo três formas de percebê-lo, que seriam: Eros, Ágape e Philia (LIMA; RODRIGUES, 2014, p. 48). Destacaremos o amor Eros e Philia, que estão presentes no conto em estudo. O conceito de amor eros surge a partir do deus Eros da mitologia grega, o mais belo de todos os deuses que com uma flecha lança os humanos nas mais inacreditáveis paixões (QUADROS, 2011, p. 165). Com o passar do tempo o sentimento passou a ser atribuído ao amor enquanto sexual, sendo hoje definido como amor carnal, o amor entre homem e mulher, o amor que aproxima duas pessoas que possuem sede de se conquistar. É o amor que pode ser repleto de paixões inebriantes (IAROCHEVSKI, 2010). Para Leloup (2008), amor eros é o amor de realização plena entre homem e mulher. Eros envolve a libido e as necessidades sexuais. Em síntese, trata-se de uma sexualidade adulta, representada por “um amor de uma pessoa por outra, desejando-a e maravilhando-se com ela”. Diferentemente desse amor eros que se pode ser traduzido como desejo e, portanto, não se pode controlar, o amor philia diz respeito a deliberação, permitindo escolhas através de uma razão consciente relativa à vontade. A philia traduz-se comumente como o amor de amizade, aquele que está a serviço de outrem, que não monopoliza, não escraviza e não cria dependentes (LIMA; RODRIGUES, 2014). Segundo Ortega (2002, p. 37), “a philia tem o caráter de um hábito; ela é a expressão de uma determinada atitude moral e intelectual que visa o amor recíproco entre amigos, baseado numa decisão livre da vontade, em que cada um deseja o bem para o outro”. É, portanto, um amor que culmina na disposição de expor a vida em benefício do outro, podendo isso ser confirmado na fala de Aristóteles quando diz: Valderisso Alfredo 4 | P á g i n a A amizade ajuda os jovens a evitar o erro; ajuda os velhos, amparando-os em suas necessidades e suprindo as atividades que declinam com o passar dos anos; e os que estão no vigor da idade, ela estimula a prática de nobres ações, pois com amigos – “dois que andam juntos” – as pessoas são mais capazes de agir e pensar. (ARISTÓTELES, Ética à Nicômaco, 2001, p.168). 3 METOLOGIA A partir da leitura da narrativa “Conto de verão n2: bandeira branca”, de Luis Fernando Veríssimo, tomou-se como objeto de estudo a abordagem da temática amor e sua construção nas diferentes fases da vida. Para realizarmos a análise do conto baseado nessa temática, utilizamos conceitos de dois tipos de amor, eros e philos.4 ANÁLISES E DISCUSSÃO A narrativa conto de verão nº2: bandeira branca, de Luis Fernando Veríssimo, conta uma história de amor vivida por Janice e Píndaro. O conto mostra como ocorre o desenvolvimento do amor entre os dois personagens durante grande parte da vida, desde da infância até a idade adulta. Píndaro e Janice, de culturas diferentes (ele tirolês e ela odalisca), se conhecem ainda crianças, com 4 anos, em um baile de carnaval (nesse início o autor diz que eles dois não dariam certo por diferença cultural, mas veremos no decorrer da história que para o amor isso não é problema). Por serem muito novos não conversam, mas se entendem, pois “no mundo dos quatro anos todos se entendem, de um jeito ou de outro” (VERISSÍMO, 1999). Mesmo com apelo das mães, não participaram de nada da festa, apenas ficaram sentados. Encontraram-se novamente ano seguinte, ele fantasiado de tirolês e ela de egípcia. Nesse ano foram forçados a participar da festa. Ficaram o tempo todo de mãos dadas, mas foi apenas no terceiro encontro que perguntaram finalmente o nome um ao outro. Surgia a partir desse momento uma amizade entre eles, o amor philos. Até esse momento o autor não havia destacado nenhum sentimento entre os dois, sendo o primeiro o da amizade, sentimento esperado entre duas crianças. Isso pode refletir na ideia contemporânea de que antes da paixão seja necessário um momento prévio de deliberação, para que se conheçam e possam desenvolver um sentimento carnal. Valderisso Alfredo 5 | P á g i n a Apenas com treze anos, em fase de adolescência, que começa a desenvolver-se um amor diferente entre Janice e Píndaro. É nessa fase que surge os desejos e curiosidades, desenvolve-se então o amor eros. No baile dos treze anos os dois se beijam muito e aquela amizade de criança torna-se paixão adulta. O autor utiliza-se das fases da vida dos personagens para construir o amor. A partir de conceitos sociais, desenvolve-se sentimentos diferentes em cada etapa vivida, sendo que culturalmente espera-se que na infância haja apenas uma amizade de reciprocidade, uma vez que uma criança mais precisa do que pode dar amor, podendo esta ser desenvolvida na fase adolescente para um amor carnal, entre homem e mulher, uma paixão inebriante. Luis Fernando Verissimo usa o amor como um “veículo de aperfeiçoamento humano” (REBELLO, 2006, p. 08). Depois de apaixonado, Píndaro quer estar com Janice em todos os carnavais, “passa o ano inteiro pensando nela, antegozando o momento de encontrá-la outra vez” (VERISSÍMO, 1999), porém, quando tinham quatorze anos, ela não aparece no baile e Píndaro embebeda-se, sendo isso justificado pela paixão que estava vivendo. Com quinze anos Janice é descrita como uma moça, com seios e tudo. Aqui o narrador enaltece ainda mais o amor eros, a partir da descrição da sexualidade adulta. Esse foi o último baile que ficaram juntos, dançaram ao som de Bandeira Branca. Percebe-se durante toda a narrativa que a história de amor desenvolve-se em festa de carnaval, um ambiente contemporâneo, tendo em vista que uma história de amor romancista não ocorreria nesse tipo de espaço. Vemos que é esse espaço que dá a originalidade à obra e não toma o lugar da trama amorosa. O conto é finalizado com o reencontro dos personagens quinze anos após o último baile juntos. Esse final mostra a perpetuação e morte de um amor talvez prematuro. Quando adultos, Píndaro ainda continua apaixonado por Janice, mesmo já tendo até filhos com outra mulher, porém, interpreta-se que Janice não sente mais nada por Píndaro, nem mesmo lembra do seu nome. Com isso, o autor deixa claro que apesar da idade adulta representar a maturidade, a influência das outras fases contribui para os sentimentos que se desenvolvem nesse momento da vida. Píndaro se envolveu muito com o amor na adolescência e esse perpetuou-se até adulto, já Janice não se envolveu tanto e aquele amor foi um momento passageiro. Valderisso Alfredo 6 | P á g i n a 5 CONCLUSÕES Com o objetivo de compreender, na leitura do conto, como a construção do amor é feita por Luis Fernando Verissimo, apresentamos aspectos sobre os dois tipos de amor mais visíveis na narrativa, amor eros e philos. A partir desse suporte teórico, a análise possibilitou- nos identificar que o autor utiliza-se das fases da vida para desenvolver o enredo amoroso, baseando-se para isso em critérios sociais, uma vez que, para a sociedade, na infância o comum/ideal é o amor philos e apenas a partir da adolescência surge um novo tipo de amor, o eros. O conto reforça também o aperfeiçoamento humano por meio do amor. 6. REFERÊNCIAS ALENCAR, José de. Sonhos d’ouro. In: Romances ilustrados de José de Alencar. 7a ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1977, v.6. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001. IAROCHEVSKI, É. Eros, filia e ágape – expressões de amor. 2010. Disponível em: <https://iarochevski.wordpress.com/2010/07/10/eros-filia-e-agape-%E2%80%93-expressoes- de-amor/>. Acesso em: 16 Ago. 2016. LELOUP, Jean-Ives. O corpo e seus símbolos: uma antropologia essencial. 15. ed. Rio Janeiro: Vozes, 2008. LIMA, E. F. M.; RODRIGUES, K. F. Amor, uma análise critico-conceitual: mitos, crises, ambivalências e sentidos. Revista Diálogos, n° 11, Mar/Abr 2014. MAIA, R. A. S. O significado do Amor: uma comparação contemporânea e teológica de sua ocorrência e significados. Revista de Cultura Teológica, n° 83, Jan/Jun 2014. ORTEGA, Francisco. Genealogias da amizade. São Paulo: Ed. Iluminuras LTDA, 2002. QUADROS, E. M. Eros, Fília e Ágape: o amor do mundo grego à concepção cristã. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences, Maringá, v. 33, n. 2, p. 165-171, 2011. REBELLO, J. F. A multiplicidade de enfoques sobre o amorna narrativa brasileira. 2006. 236 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006. https://iarochevski.wordpress.com/2010/07/10/eros-filia-e-agape-%E2%80%93-expressoes-de-amor/ https://iarochevski.wordpress.com/2010/07/10/eros-filia-e-agape-%E2%80%93-expressoes-de-amor/
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