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Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas Silvio Sánchez Gamboa Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas /\^ G o jr Editora da Un<Khape>c4 Chapecó, 2013 UNOCHAPECQ im iV E K IM M (SMUNiTÍRll U « O I íd M CHUPE Cb Reitor Odilon Luiz Poli Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão Maria Aparecida Lucca Caovilla Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento Cláudio Alcides jacoski Vice-Reitor de Administração Antônio Zanin Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação Strieto Sertsu Valcria M arcondes Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. 001.42 Sándicz Gamboa, Silvio S211p Projetos dc pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas / Silvio Sánchcz Gamboa - Chapccó : Argos, 2013. 159 p. ; 23 cm - (Didáticos; 6 ) Inclui bibliografia ISBN 978-S5-7S97-116-8 1. Projetos de pesquisa. 2. Pesquisa - Metodologia. I. Título. II. Serie CDD 001.42 Catalogação elaborada por Carolinc M iotto CRB 14/1178 Biblioteca Central da Unochapecó f \ f J o Q 5 Edi tp i a do LPnochapecà Todos os direitos reservados à Argos Editora da Unochapccó Av. Atílio Fontana. 591-E - Bairro Efapi Chapccó (SC) - S9S09-000 - Caixa Postal 1141 (49) 3321 S 2 1 S - argosOnnocliapeco.cdu.br - www.unodiapeco.edu.br/argos Coordenador Dirccu Luiz Hermes Conselho Editorial Rosana Maria Badalotti (presidente), Carla Rosanc Paz Arruda Teo (vice-presidente), André Onghero, Liíian Beatriz Schwinn Rodrigues, Dirceu Luiz Hermes, Maria Aparecida Lucca Caovilla, Murilo Cesar Costelli, Tania Mara Zancanaro Picczkowski, Valcria Marcondes Sumário Prefácio 13 Maurício Roberto da Silva Introdução 29 Capítulo 1. A necessidade histórica do 41 conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico Capítulo 2. A construção das perguntas 87 Capítulo 3. A elaboração das respostas 113 Capítulo 4. A apresentação dos projetos de 129 pesquisa: a forma de exposição Conclusões 151 Referências 155 Prefácio Antes mesmo de apresentar este novo livro de Silvio Sánchez Gamboa, intitulado Projetos de pesquisa, fun damentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas, gostaria de fazer algumas considerações sobre como o co nhecí, sua trajetória, sua obra e os impactos dela na minha vida acadêmica. Minha aproximação com as reflexões filosóficas de Sil vio Sánchez Gamboa começou em 1994, a partir do con vite formulado a ele para escrever o texto para a revista Motrivivência sob a temática “Educação Física: Teoria e Prática” 1, cujo texto se denominou “Teoria e prática: uma relação dinâmica e contraditória” (1995). Mais tarde, em 1997, tive a oportunidade de conhecê-lo, pessoalmente, durante o “Encontro de História do Esporte, Lazer e Edu cação Física” , em Maceió. Naquela altura, já havia apro- ximado-me dos seus escritos sobre epistemologia, pesquisa e educação. Foi então que o convidei para escrever mais 1 1 Motrivivência, ano 7, n. 8, dez. 1995. um texto para a revista Motrivivência (1994)2, sobre a te mática “Pesquisa em Educação Física” , e título: “Pesquisa em Educação Física: as inter-relações necessárias” . Deste então, tive a oportunidade de acompanhar um pouco da trajetória da produção do Gamboa, principal mente a leitura de sua primeira publicação em espanhol: Fundamentos para La investigación educativa: presupues- tos epistemológicos que orientan al investigador. Também tive a oportunidade de apreciar a segunda publicação, também em espanhol, cujo teor foi Investigación e inno- vación educativa. Posteriormente, estes dois livros se fun dem e se transformam em uma importantíssima referência sobre as relações imbricadas entre pesquisa e epistemo- logia, a saber: o livro editado pela Argos, que teve como título Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias, primeira edição datada de 2007. Em razão da grande ci tação do livro em trabalhos científicos, foi reeditado em 2012 (2. ed.). Esta obra tem como escopo problematizar os métodos na pesquisa em educação, articulados com a análise epistemológica. Nesse livro, o autor já havia tra zido reflexões sobre a relação dialética entre a pergunta e a resposta nos processos de investigação educacionais. Aliado a essa produção, ele vem escrevendo e orientando iniciantes na pesquisa, mestres e doutores, sobre a necessi dade de se buscar as tendências da pesquisa em educação à luz de um enfoque epistemológico. Quando observo toda essa produção de Silvio Sánchez Gamboa, lembro-me de que seus livros me fizeram repen sar a chamada “metodologia da pesquisa” , até então com preendida por mim como métodos e técnicas reproduzidas dos manuais de pesquisa. No contato com sua obra, fui, 2 Motrivivência, ano 5, n. 5, 6 e 7, dez. 1994. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos paulatinamente, saindo da “zona de conforto” do conser vadorismo positivista da metodologia da pesquisa e ten tando não dissociar do labor investigativo as relações entre ciência e filosofia, teoria e prática, teoria e empiria, método e teoria, sujeito e objeto e outros pares dialéticos. Portanto, apresentar uma nova obra de Silvio Sánchez Gamboa é um desafio e um aprendizado, devido à densi dade de suas reflexões e abordagens filosóficas forjadas em referências analíticas relacionadas às teorias do conhe cimento na confluência das ciências humanas e sociais. Seus livros e textos, em geral, ancorados no materialismo histórico-dialético, versam sobre as relações entre episte- mologia e pesquisa, principalmente, no que se refere à sua proposição de uma “matriz paradigmática” , com vistas à realização de análises epistemológicas das pesquisas ou “pesquisa das pesquisas” . Em seus aportes teórico-meto- dológicos, é notória a ideia de que todo método impli ca uma teoria da ciência, que, consequentemente, requer uma teoria do conhecimento, envolvendo necessariamente uma concepção do real, um fundamento ontológico.3 Após fazer essas considerações iniciais sobre a perti nência do livro, passo a falar sobre o escopo do livro, a partir das palavras do próprio autor. Segundo ele, [...] tem uma pretensão didática e um conteúdo básico sobre os fundamentos lógicos da pesquisa científica e elaboração de projetos, e está dirigido a alunos de ini ciação científica e pesquisadores interessados em uma perspectiva epistemológica dos elementos básicos do co nhecimento e na apropriação das eficientes ferramentas oferecidas pela lógica e pela filosofia, (p. 29, grifo nosso). 3 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa em Educação-, métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012. Os projetos de pesquisa se caracterizam por organiza rem os procedimentos necessários para a elaboração do conhecimento científico sobre os objetos, fenôme nos e problemas concretos, localizados no mundo da necessidade humana, (p. 29, grifo nosso). Em termos de contribuição para repensar os proje tos de pesquisa e a construção de perguntas e respostas, Gamboa espera “ [...] que esta breve apresentação desses fundamentos lógicos contribua para a compreensão da especificidade do conhecimento científico e para o apri moramento das fases iniciais do planejamento da investi gação científica.” (p. 40, grifo nosso). Na conclusão do livro, o autor, preocupado com a pes quisa como processo formativo e cognitivo, tem as seguintes expectativas: “ [...] espera-se que esta publicação incentive novas práticas pedagógicas, visando a formação de futuros pesquisadores, valorizando as pedagogias da pergunta, o incentivo à curiosidade e o desenvolvimento da capacidade de duvidar e perguntar sem precisar desprezar os saberes acumulados e os conteúdos clássicos.” (p. 152-153, grifos nossos). Mais adiante Gamboa acentua: “A formação bá sica para a pesquisa aqui pretendida não se limita apenas à compreensão das estratégias de elaboração de projetos,des tacando os fundamentos lógicos e metodológicos, mas deve compreender também a própria preparação do pesquisa dor, começando pela mudança dos sistemas pedagógicos, no sentido de privilegiar o desenvolvimento da capacidade de problematizar e de perguntar.” (p. 153, grifos nossos). Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e respostas, segue a trilha dos livros an teriores e tem como objetivo refletir e desvendar os prin cípios, hipóteses e resultados das ciências com vistas a compreender e problematizar a lógica, o alcance, o objeti Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos vo e a relevância dos projetos de pesquisa, que estão sub jacentes no processo de investigação. Primordialmente, o foco está direcionado para recuperar a lógica essencial da pesquisa científica, que tem como centralidade a relação básica entre uma pergunta (P) e uma resposta (R), cujos procedimentos podem ser realizados a partir de dois pas sos: 1) a construção da pergunta (mundo da necessidade, problema, indagações múltiplas, quadro de questões) e 2) a construção da resposta (níveis: técnico, metodológico, teórico, epistemológico, gnosiológico, ontológico). Esse processo investigativo e formativo deve ter como premis sa as mudanças nos sistemas pedagógicos e o privilégio do desenvolvimento da capacidade de problematizar e de perguntar. Como se pode perceber, com esta obra Gamboa alar ga o conceito de projeto de pesquisa, tirando-o das amar ras da lógica formal, sem, contudo, desdenhar dela, mas a retomando à luz da lógica dialética4. Isto é importan te reconhecer, pois, todos nós que orientamos pesquisas com iniciantes ou iniciados, temos com frequência a sen sação de que a ideia de “projeto” de pesquisa ainda está impregnada dos pressupostos positivistas e cartesianos, culminando em visão utilitária de ciência. Ao que parece, o termo “projeto de pesquisa” justifica-se por si só, sem levar em conta suas possibilidades de intervenção no re al, desdobramentos, impactos e relevância social. Tanto é verdade que, quando se fala em relevância social e acadê mica do projeto de pesquisa, no sentido das lacunas que porventura os projetos possam cobrir, lacunas na produ ção do conhecimento existente, em termos das perguntas e respostas que dele se originam, há quase sempre um mal- 4 Lefebvre, H. Lógica formal/lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasilei ra, 1975. Prefácio 1 -estar acadêmico. O questionamento sobre a atualidade e pertinência das perguntas formuladas, na maioria das vezes, é subestimado, pois o que importa é ir direto pa ra as partes que compõem os conteúdos que compõem as diversas etapas do projeto (referencial teórico, meto dologia etc.). Assim, deixa-se pouco tempo para reflexão, aprofundamento e delimitação da pergunta-síntese e das questões de pesquisa. Considerando a relevância do livro, uma pergunta que urge é: o que suscita o livro? O debate sobre “projetos de pesquisa, fundamentos lógicos e a dialética entre per guntas e respostas” traz subjacente a ideia de “método científico” , normalmente concebido como sinônimo de “metodologia da pesquisa” . Todavia, quando se fala de método científico, poder-se-ia agregar outras dimensões do exercício da pesquisa, compreendendo a pesquisa “co mo um fazer além das técnicas” .5 Trata-se de buscar as articulações entre os elementos propriamente epistêmicos, técnicos, metodológicos, ontológicos e gnosiológicos. Tu do conspira para a necessidade da articulação dessas di versas dimensões do método científico e suas articulações eficazes na produção do conhecimento dentro de um de terminado campo real6. A ideia de método e metodologia sob o ponto de vis ta das ciências humanas e sociais pode ser compreendida como o caminho do pensamento, uma prática teórica que se faz com segurança, intencionalidade, teorias, críticas e técnicas no âmbito da abordagem da realidade. O obje to da metodologia é estudar as possibilidades explicativas 5 Oliveira, Paulo Sales de (Org.). Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo: Unesp; Hucitec, 1996. 6 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos dos diferentes fenômenos sociais e os diferentes modos de abordar a realidade, e a “pesquisa” como a atividade bási ca da ciência na sua indagação e construção da realidade.7 Isto implica na realização de uma prática teórico-meto- dológica capaz de elaborar conhecimentos que não sejam apenas capazes de dar explicações consistentes sobre de terminadas questões sociais, mas que possam, sobretudo, sef aplicados para interferir nos processos de mudanças sociais. Tais processos devem ser mediados pela “pesqui sa como estratégia de inovação educativa” , pela pesquisa como estratégia de reflexão-ação, a partir da relação dia lética entre pergunta e resposta. Nas páginas do livro, outra questão ganha desta que: a noção de “problema” e “pergunta problemática” na elaboração do projeto de pesquisa. Neste sentido, a construção da pergunta deve originar-se de um “proble ma concreto” , situado e ativo. O problema é traduzido, reduzido ou racionalmente “aprendido” em forma de indagações e de questões (pergunta-síntese e questões de pesquisa), que ganham clareza e possibilidade de serem respondidas quando elaboradas em forma de perguntas claras e específicas. Isto significa que, uma vez formuladas as indagações que orientam o processo de pesquisa (mo mento do projeto), são produzidas as respostas (momento da realização da pesquisa). Após o processo de conclusão do relatório de pesquisa (monografia de iniciação científi ca, dissertação de mestrado ou tese de doutorado), pode-se realizar então uma análise epistemológica para além de um mero “estado da arte” ou “estado do conhecimento” . As sim, para se realizar uma análise epistemológica, torna-se 7 Minayo, Maria Cecília Souza. O desafio do Conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2010. Prefácio fundamental recuperar a estrutura lógica da investigação realizada e, a partir daí, desenvolver a lógica entre a per gunta que sintetiza as indagações e questões sobre o pro blema abordado e as respostas. Essas reflexões apontam para a necessidade da imer são no processo de construção do projeto de pesquisa, com ênfase na relação dialética entre pergunta e resposta. Co mo se sabe, o ponto de partida de uma pesquisa ou inves tigação é uma “questão” , que se coloca como “problema” a resolver. Elaborar uma pergunta norteadora (pergunta- -síntese, pergunta-problema) significa o mesmo que cons truir o problema da pesquisa em toda a sua complexidade, delimitação e abrangência do recorte do objeto. A pergun ta deve conter uma tensão interna, ser “problemática” e estar calcada no mundo das necessidades humanas, con tradições, concreticidade e possibilidades de mudanças, tanto na academia quanto na vida cotidiana. A dialética entre pergunta e resposta tem como premis sa a ideia de que sem uma pergunta qualificada (pergun- ta-síntese), uma pergunta-problemática, historicamente situada na concreticidade dos problemas educacionais, não há problema “problemático” . Sendo assim, pergun tas “ requentadas” tendem a resultar em respostas repetiti vas que pouco acrescentam para o avanço científico para a área da educação. Esses comentários foram suscitados a partir da própria epígrafe de Bachelard que inaugura o livro: “ Para o espírito científico qualquer conhecimento é uma resposta. Se não tem pergunta não pode ter conheci mento científico. Nada se dá, tudo se constrói.” Contudo, não se trata de qualquer pergunta, pois perguntas abstra tas poderão engendrar respostas metafísicas, mantenedo ras do status quo e reprodutoras da lógica do capital. 20 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Quando se está em pauta o debate sobre fundamentos lógicosda relação entre pergunta e resposta no processo de construção do conhecimento, a noção de problema está sempre norteando os caminhos científicos. Nesse limiar, existem diferentes concepções da palavra “problema” , que podem ser compreendidas a partir da lógica formal e da lógica dialética. Na lógica formal, o problema tem um caráter subjetivo e pseudoconcreto. No mundo da pseu- doconcreticidade, [...] o complexo dos fenômenos que povoam o am biente cotidiano e a atmosfera comum da vida huma na, que, com a regularidade, imediatismo e evidência, adentram na consciência dos indivíduos agentes, assu mindo um aspecto independente e natural.8 Na lógica formal, [...] os termos contraditórios mutuamente se excluem (princípio da não contradição), inevitavelmente entram em crise, postulando a sua substituição pela lógica dialé tica. Nesta, os termos contraditórios mutuamente se in cluem (princípio da contradição, ou lei dos contrários).9 O debate sobre a dialética na construção da pergunta e da resposta no processo investigativo sugere a necessi dade de se recuperar a “problematicidade do problema” , buscando captar a verdadeira essência do fenômeno, para além dos “pseudoproblemas” da lógica formal. Na lógi ca dialética, a essência e a nota definitória e fundamental 8 Kosik, Karol. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. 9 Saviani, Dermeval. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 16. Prefácio 21 do problema são a “necessidade” . Nesta linha de raciocí nio, o problema é, nesse caso, o problema de investigação, pensado na perspectiva da relevância social e acadêmica, “ [...] possui um sentido profundamente vital e altamente dramático para a existência humana, pois indica uma ‘si tuação de impasse’.” 10 11 Na esteira da questão da noção de problema de pesqui sa, inclui-se a necessidade de se pensar a relação imbrica- da entre problemas filosóficos e problemas científicos. Essa relação exige uma noção de problema filosófico-científico que tenha como leitmotiv a concepção de problema de in vestigação, podendo constituir-se em uma reflexão “rigo rosa, radical e de conjunto sobre os problemas sociais que a realidade apresenta” . Nesses termos, a Filosofia da Edu cação não seria outra coisa senão uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade educacional apresenta.11 Pensar a construção do problema de investigação à luz da dialética entre pergunta e resposta carece que evo quemos o papel da criatividade, da inovação e do rigor da ciência, que se soma ao compromisso político do pesqui sador com o “mundo da necessidade” e com as “ situações de impasse” que surgem no real-social. Contudo, não se trata de uma criatividade abstrata, mas sim da “ imagina ção sociológica” , que segundo Wright Mills é [...] a qualidade intelectual de natureza crítica que prevê a sintonia do cientista social com os problemas indivi duais ligados às realidades mais amplas e aos problemas de relevância pública. 10 Saviani, Dermeval. Educação: do Senso Comum à Consciência Filosófica. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 16. 11 Idem. 22 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Ela prevê, ainda, [...] a sensibilidade para captar a necessidade da fusão da nossa vida individual com os problemas do tempo conturbado em que vivemos [...] e, eu diria, sob a vigên cia do processo de destruição da coletividade, trabalho, meio ambiente, enfim, das relações sociais engendradas pelo capital.12 De acordo com Mills, a tarefa intelectual e política do cientista social é deixar claros os elementos de inquietação e indiferença, frente aos problemas sociais que assolam a humanidade no mundo contemporâneo13. Além do mais, [...] a tarefa dos intelectuais (educadores-investiga- dores) deveria ser promover a liberdade humana e o conhecimento, além de ‘questionar’ o nacionalismo patriótico, o pensamento corporativo e um sentido de privilégio de classe, raça ou sexo.14 No ponto de vista de uma “educação crítica” , deve- riam aprender as lições gramscianas do “intelectual orgâ nico” , apoiando e participando dos movimentos sociais, reconhecendo o conhecimento destes e ao mesmo tempo socializando o conhecimento especializado das universi dades “ [...] com esses movimentos que se voltam às lutas por uma política de redistribuição e por uma política de reconhecimento. ” 15 A ideia de “problema concreto” pode ser compreendi da à luz da reflexão sobre a natureza do labor investigati- 12 Mills, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. 13 Said, Edward W. Representações do Intelectual: as conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 14 Idem. 15 Apple, Michael W.; Wayne, A. U.; Gandin, Luis Armando (Orgs.). Educação Crítica: Análise Internacional. Porto Alegre: Artmed, 2011. Prefácio 2; vo na universidade. A pesquisa na universidade tem como centralidade o trabalho teórico e o uso dos conceitos16; a universidade é o lócus privilegiado para, criticamente, a partir de uma linguagem filosófica desdobrada em “con ceitos” , realizar as mediações relevantes e necessárias com a realidade objetiva e seus problemas macro e microsso- ciais. Essa tarefa implica em um comprometimento po- lítico-pedagógico do pesquisador com os “problemas de’ relevância pública” , isto é, dos “problemas da realidade” ou, de acordo com Marx (1987, p. 49), do “real pensado” ou “concreto pensado” . De acordo com o autor, [...] o concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o con creto aparece no pensamento como o processo de sínte se, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.17 Um ponto digno de destaque na escrita deste livro é a preocupação do autor para a formação de professores-in- vestigadores, cujos processos formativos carecem de mais reflexão e maior aprofundamento sobre as relações entre práticas de formação e questões teórico-metodológicas no campo da investigação. Nessa dimensão, a obra se destina tanto aos “ iniciantes” quanto aos “ iniciados” na pesquisa. Para os iniciantes de cursos de formação inicial, destina-se aos que estão começando na pesquisa, principalmente, aos estudantes de graduação envolvidos nos projetos de pes 16 Jantsch, Ari Paulo. Os conceitos no ato teórico-metodológico do labor cien tífico. In: Bianchetti, Lucídio; Meksenas, Paulo. A trama do conhecimento: teoria, método e escrita em ciência e pesquisa. Campinas: Papirus, 2008. 17 Marx, K. Para a Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 49. (Os pensadores, v. I). Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos quisa de conclusão de curso (TCC), projetos de iniciação científica, estudantes que estão desenvolvendo projetos de pós-graduação latu sensu (especialização) e professores que estão em processo de formação continuada. Neste sentido, o livro veicula conteúdos que podem ser de grande valia para os iniciados na pesquisa: mestres e doutores, pois são frutos da trajetória acadêmica do autor no âmbito da gra duação e pós-graduação em ciências humanas e sociais na perspectiva da produção de pesquisas, bancas, livros, arti gos em periódicos, orientações, participação em intercâm bios acadêmicos nacionais e internacionais, participação em entidades científicas e comitês científicos. O livro traz experiências concretas desenvolvidas na formação de professores-pesquisadores em convênios do Grupo de Pesquisa Paideia (Faculdade de Educação/Uni- camp) com universidades de São Paulo, do Brasil e outras instituições internacionais. O debate instaurado poderá constituir-se em um convite para se repensar a relevância das pesquisas. Outra contribuição do livro é a de atentar para uma mudança na concepção “metodologia” compreendida co mo labor meramenteinstrumental nos manuais de meto dologia da pesquisa, que desprivilegiam um processo mais lento e indagativo sobre a pertinência das perguntas e, con sequentemente, das respostas. Os manuais terminam por não permitir que “o pesquisador possa ser o seu próprio teórico e o seu próprio metodólogo” 18. Os manuais ainda são a bíblia de muitos pesquisadores, talvez porque eles sig nifiquem, no dizer irônico e crítico de Corazza, um “Ma nual infame... mas útil, para escrever uma boa proposta de 18 Mills, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. Prefácio 25 tese ou dissertação.” 19 Esses manuais prescritivos e técni- co-instrumentais, sob a designação de “metodologia” ou “manuais de métodos e técnicas” , terminam por inculcar uma cultura da pesquisa descontextualizada de um fazer teórico-metodológico em sua integralidade e complexida de, articulada com os problemas objetivos da realidade in vestigada. E na contramão dos manuais e dessa tendência à instrumentalização da metodologia da pesquisa que se in surge este livro. Ele se apresenta como alternativa ao con servadorismo metodológico, como uma profunda reflexão filosófica à luz das análises epistemológicas. A obra é relevante porque sinaliza para a prática da pesquisa, compreendida como princípio educativo, for- mativo e cognitivo na docência.20 Além de problemati- zar o conhecimento no processo, com vistas a proceder a mediação entre o significado do saber no mundo atual e aqueles dos contextos em que foram produzidos. Diante de tudo que aprendemos com Gamboa, fica su bentendido o desafio, no sentido da necessidade de que os pesquisadores formulem perguntas à realidade, toman do como eixo ontológico, epistemológico e gnosiológico a imaginação sociológica. Essa postura coloca mais um desafio: “ transformar problemas sociais em problemas sociológicos” .21 Isso implica, por sua vez, transformar problemas sociais em problemas de investigação, com ba se no concreto pensado, cujas pesquisas possam abarcar problemas concretos da educação formal (escolas), não 19 Corazza, Sandra. Manual infame... mas útil para escrever uma boa proposta de tese ou dissertação. In: Bianchetti, Lucídio; Machado, Ana Maria Netto. A Bússola do Escrever. Florianópolis: UFSC; São Paulo: Cortez, 2006. 20 Severino, Antonio Joaquim. Prefácio. In: Sánchez Gamboa, Silvio. Pesquisa em Educação: métodos e epistemologias. 2. ed. Chapecó: Argos, 2012. 21 Pais, José Machado. Vida Cotidiana: Enigma e Revelações. São Paulo: Cortez, 2003. 26 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos formal (movimentos sociais) e informal (grupos não orga nizados e espontâneos); que possam abarcar os problemas sociais universais e específicos, macro e microssociais da vida cotidiana das instituições escolares e não escolares. Em síntese, o livro que temos nas mãos nos faz perspec tivar uma outra lógica na reflexão de problemas de pesquisa e a relação dialética entre pergunta e resposta nos projetos de pesquisa. Faz-nos refletir criticamente sobre o proces so investigativo em termos dos pseudoproblemas. Faz-nos pensar na enorme quantidade de pesquisas, produzidas com perguntas óbvias e respostas repetitivas e sem impacto na vida acadêmica e social. Pesquisas, muitas vezes, cujas per guntas já trazem em seu bojo respostas a priori, indicando, assim, os chamados “ resultados esperados” . Desejo uma boa leitura de mais um livro do mestre Silvio Sánchez Gamboa e a reflexão da música “A seta e o alvo” , de Paulinho Moska: Então me diz qual é a graça De já saber o fim da estrada, Quando se parte rumo ao nada? Sempre a meta de uma seta no alvo, Mas o alvo, na certa, não te espera. Então me diz qual é a graça De já saber o fim da estrada, Quando se parte rumo ao nada? Florianópolis, outono/abril de 2013 Maurício Roberto da Silva Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação (Mestrado) da Unochapecó. Prefácio 27 Introdução Este texto tem uma pretensão didática e um conteúdo básico sobre os fundamentos lógicos da pesquisa científi ca e a elaboração de projetos, e está dirigido a alunos de iniciação científica e pesquisadores interessados em uma perspectiva epistemológica dos elementos básicos do co nhecimento e na apropriação das eficientes ferramentas oferecidas pela lógica e pela filosofia. Os projetos de pesquisa se caracterizam por organi zarem os procedimentos necessários para a elaboração do conhecimento científico sobre os objetos, fenômenos e problemas concretos, localizados no mundo da necessida de humana. O mundo da necessidade, por ser complexo, aberto e desafiante, exige procedimentos que, além de se rem sistematizados e rigorosos, também precisam ser espa ços dinâmicos e abertos à criatividade e à inovação. Nesse sentido, durante muitos séculos, a humanidade, em diver sos estágios de seu desenvolvimento, vem realizando um esforço histórico para a compreensão dos elementos fun damentais dos conhecimentos e da heurística que os diver sos caminhos da ciência apresentam para permitir esse jogo entre a sistematização e a inovação, o rigor e a criatividade. Tais procedimentos, que compreendem desde a deli mitação dos objetos ou fenômenos, a localização dos pro blemas, sua transformação em questões e perguntas, até os procedimentos relativos à elaboração das respostas, têm sido também objeto do conhecimento. Esse conheci mento sobre as formas como se elaboram os procedimen tos do próprio conhecimento permitiu o desenvolvimento de conteúdos organizados em áreas, tais como: as Teorias do Conhecimento, a Epistemologia e a Lógica. Nesse sentido, o título de Projetos de pesquisa, fun damentos lógicos indica conteúdos que sinalizam uma previsão de uma ação que se coloca no futuro. Prever os procedimentos a serem realizados no futuro implica um movimento, uma ação, uma realização de acordo com condições postas no presente, condições essas que acon tecem porque são resultados de um acúmulo produzido no passado. A compreensão dessas condições presentes, mas produzidas no passado, dá maior sentido às previsões postas no futuro. No caso da produção do conhecimento, os conteúdos sobre procedimentos acumulados poderão ser organiza dos em forma simplificada na lógica. A apropriação de alguns fundamentos da lógica poderão esclarecer com re lativa simplicidade os procedimentos básicos para a pro dução do conhecimento esperado1. Optamos pelo termo fundamentos porque se refere a elementos básicos e nu cleares, aos primeiros passos de um percurso, ao “núcleo duro” ou aos alicerces da pesquisa. Assim, utilizamos a expressão fundamentos lógicos porque se refere a regras básicas, que, segundo Aristóteles, 1 1 A Lógica se refere às regras do pensar, às leis do raciocínio, à forma coerente de encadeamento do raciocínio. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos refere-se às regras do bem-pensar que garantem a eficiên cia, a relação direta e coerente entre pontos nodais. A lógi ca, segundo a origem grega, significa tratado sobre o logos (palavra). A palavra ou o logos expressa uma ideia, um pensamento. Expressamos o que pensamos. Mas o pen samento não se origina em si mesmo, segundo Aristóte les, mas se origina na empeiria (experiência sensível); nada existe no intellectus sem antes passar pela experiência sen sível. A relação entre a experiência e as palavras passando pela mente é o objeto principal da lógica formal desenvol vida por Aristóteles2. Temos aí um importante exemplo do papel da lógica como organizadora de procedimentos e de sequências e passos entre pontos nodais, por exem plo, entre um determinado ponto de partida e um ponto de chegada. O caminho a ser percorrido e as sequências de passos poderão ser mais precisos; o percurso ser mais rápido e os procedimentos mais eficientes obedecem a cri térios, tais como evitar desvios desnecessários, aprimorar os meios e otimização do tempo. A lógica busca equacio nar esses elementos quepermitem otimizar as condições necessárias para realizar a caminhada. A lógica se pergun ta sobre o tempo, os meios, os passos essenciais que são necessários para alcançar o ponto de chegada, ou, no caso da produção do conhecimento, se pergunta sobre o trajeto mais direto entre a pergunta e a resposta. Quanto mais dificuldades se encontram no percurso, mais complexa a lógica necessária para chegar à meta pro jetada, daí porque a lógica simples se torna mais eficiente. Como descobrir essa lógica simples, fundamental ou bá sica que facilite o caminho, que permita utilizar o menor 2 Cf. Chauí (2002, p. 257), Aristóteles na lógica ou Órganon. Introdução tempo possível, evitando os desvios desnecessários ou os passos em falso? Essa situação é comumente vivenciada pelos pesquisa dores que devem cumprir prazos de agências de fomentos, de programas de pós-graduação ou de orientadores exi gentes, utilizando recursos exíguos e condições limitadas. Daí porque vale a pena pensar sobre as contribuições que a lógica poderá trazer perante esses desafios da produção do conhecimento. Nos casos de dificuldades com o tempo e os recur sos limitados, vale a pena perguntar: faltou lógica, faltou clareza no caminho, sequência nos procedimentos essen ciais? Parece que se trata não apenas da administração otimizada das condições e dos recursos disponíveis, mas da definição de prioridades e da escolha das sequências e procedimentos essenciais e mais eficazes. Neste sentido, a lógica torna-se ainda mais necessária. Essa lógica à qual nos estamos referindo concerne à capacidade de organizar, de prever situações, recursos e que denominamos elaboração de projetos, maneiras de como raciocinamos e prevemos situações. Essa lógica per mite prever sequências e articulações dos procedimentos necessários para a elaboração do conhecimento. Na perspectiva de uma lógica simples, o conhecimen to, segundo Bachelard, pode ser entendido como a respos ta a uma pergunta. Para o espírito científico qualquer conhecimento é uma resposta a uma pergunta. Se não tem pergunta não pode ter conhecimento científico. Nada se dá, tudo se constrói. (Bachelard, 1989, p. 189). 32 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Considerando essa relação simples, entre dois elementos básicos, os procedimentos da elaboração do conhecimen to, como do planejamento dos projetos, poderão ser orga nizados em dois grandes momentos ou fases. O primeiro relativo à delimitação dos objetos ou fenômenos, à local ização dos problemas e à sua transformação em questões e perguntas, e o segundo momento relativo à elaboração das respostas. A relação entre esses dois momentos precisa ser planejada, organizada e amparada em uma perspectiva lógica, que oferecerá clareza e justificativa às sequências e articulações a serem realizadas e garantias de confiabilidade aos procedimentos desenhados e previstos. Entre essas duas fases estabelecem-se relações de mú tua implicância e elucidação, pautadas pela unidade entre dois momentos ou polos contrários e pelo movimento dia lético: a) da afirmação; b) da negação; e c) da negação da negação. Assim, quando o processo do conhecimento se encontra na aceitação de uma resposta ou de uma certeza científica ou de um saber validado temos certa hegemonia da afirmação de um conhecimento, mas se o conhecimen to passa para a fase da dúvida, da suspeita, da indagação e da pergunta as afirmações e as respostas sobre esse deter minado objeto ou fenômeno são negadas. De igual manei ra, à medida que o processo se encaminha para uma nova fase de construção de hipóteses, certezas e novas respostas, as dúvidas e as perguntas são superadas, ou negadas- (ne gação da negação). O processo traça um caminho de ida e de volta das respostas ou saberes já dados ou encontrados sobre esse fenômeno ou objeto (ponto de partida) à per gunta (ponto de chegada) e desta a uma nova resposta ou fase mais desenvolvida, formando um espiral progressivo da construção histórica do conhecimento sobre esse deter minado fenômeno, objeto, realidade ou problema. A nova Introdução 33 resposta será constituída como um novo ponto de partida para novos processos de negação e de afirmação. Essa dinâmica do movimento do conhecimento deno minamos de dialética entre perguntas e respostas e jus tifica o subtítulo desta publicação. E a articulação desse movimento, em uma unidade de contrários, garante o ri gor epistemológico que diferencia o conhecimento cientí fico de qualquer outro tipo de saber, e garante também a dinâmica da criatividade e inovação dada pelas condições e jogo das contradições entre os saberes já constituídos e os novos conhecimentos. Daí a importância da compre ensão dessa lógica para garantir tanto o rigor quanto a criatividade exigidos nas fases mais elaboradas do conhe cimento científico, começando pela fase de elaboração do projeto de pesquisa. A perspectiva, que orienta a relação entre as pergun tas e respostas e que denominamos de dialética, funda menta-se na reflexão acumulada na filosofia, atribuída inicialmente a Zenon de Eleia (fundador da dialética) e a Heráclito de Efeso, que dá o sentido formal de práxis como interpretação de contrários e compreensão da reali dade como sendo essencialmente contraditória e em per manente contradição (Konder, 1986). Na filosofia moderna, Hegel retoma a dialética dos pré-socráticos e, com base na afirmação de que todo real é racional, entende a dialética como a relação entre a racio nalidade e a realidade, entre a essência do ser e o conceito. Com base em Hegel, a dialética moderna e contemporâ nea se refere a uma visão ou ontologia dinâmica da rea lidade (Heráclito), a uma Lógica dinâmica entre pensar e ser (Hegel), a uma Teoria do conhecimento (Marx e En- gels) e a um método científico-filosófico (Kopnin, Lõwy e Schaff, dentre outros). Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos A dialética materialista como método (Marx, 1983; Lõwy, 1975) ou como uma das abordagens teórico-me- todológicas das ciências contemporâneas (Schaff, 1995) é amplamente utilizada tanto nas ciências naturais quanto nas humanas e se define a partir da concepção dinâmica da realidade e da compreensão histórica das contradições dos fenômenos e das suas fases de desenvolvimento. As categorias do materialismo dialético são ao mesmo tempo ontológicas (relativas aos conteúdos da realidade objetiva e ao ser), gnosiológicas (relativas à relação do pensamen to com o ser e do movimento do conhecimento) e lógicas (ciências das formas e leis do pensamento). Considerando esses pressupostos, os projetos de pes quisa devem considerar os dois grandes momentos da pro dução do conhecimento. O primeiro momento, da construção das questões e perguntas, se pauta pelos seguintes procedimentos: a) a localização e delimitação do mundo da necessidade que dá origem ao processo e sua transformação em um problema de pesquisa (situação-problema); b) uma vez transformada a necessidade em um proble ma de pesquisa (problematização), a seguir dever-se-ão procurar as manifestações ou indicadores desse proble ma que implica a recuperação de dados preliminares ou antecedentes de pesquisas sobre o objeto ou pro blema a ser investigado; c) elaboração de um quadro de questões que oriente a busca de respostas para esse problema; d) elaboração de uma pergunta-síntese que articule as questões e delimite o foco central das indagações. Introdução 35 No segundo momento, da elaboração das respostas, o projeto deverá prever a forma de obtenção, tratamento e sistematização de dados e informações necessários para sua elaboração. Essa forma de prever ou projetar a manei ra da construção das respostas se conhece como “meto dologia do projeto” e poderá conter os seguintes tópicos: a) definição de fontes em que se podem obter informa ções para a elaboração das respostas, pertinentes ao quadro de questões e à pergunta-síntese; b) seleção de instrumentos, materiais,técnicas para cole tar, organizar, e sistematização das informações neces sárias à construção das respostas; c) explicitação de hipóteses (respostas esperadas) ou dos possíveis resultados da pesquisa que poderão orientar as diversas estratégias da organização das respostas; d) definição de um quadro de referências teóricas que forneçam as categorias para analisar as respostas e interpretar os resultados. Esse quadro ajuda a locali zar o projeto, em um campo epistemológico específico ou no contexto de uma área do conhecimento já de senvolvida, ou a necessidade da construção de novas perspectivas de interpretação. e) previsão de condição para a realização do projeto (in dicadores da viabilidade técnica do projeto). A compreensão dessas fases e procedimentos que ex plicitam o tratamento científico dos fenômenos e dos pro blemas exige o entendimento de alguns conceitos básicos, que tentaremos expor nesta publicação, organizada nas se guintes partes: 1) um capítulo introdutório que apresenta Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos de forma sucinta o contexto do surgimento da episteme (ciência), entendida como uma forma diferenciada, crite riosa e criativa de elaborar novas respostas aos diversos problemas que desafiam o conhecimento humano, ofere cendo destaques para as bases lógicas e metodológicas. Os dois capítulos subsequentes tratam do núcleo essencial, ou da base lógica dos projetos de pesquisa, expondo os con teúdos relativos aos procedimentos fundamentais para a construção das perguntas (capítulo 2) e para a elaboração das respostas (capítulo 3). Complementam essa base lógica que define os conteúdos da investigação algumas sugestões relativas à forma de exposição do projeto (capítulo 4). Esta última parte justifica-se na mesma concepção dia lética de lógica e de método. Segundo essa perspectiva, o método tem dois momentos diferentes, mas complementa res: o método de pesquisa e o método de exposição. Essas duas dimensões do método, de pesquisa e de ex posição também têm como pressuposto a unidade entre conteúdo e forma, entre o pensar e o comunicar, ou en tre o pensamento e a linguagem. Essa unidade entre esses dois momentos do método justifica a dinâmica de mútua explicitação entre os processos de pensar e produzir os conteúdos da pesquisa, relativos à elaboração das pergun tas e das respostas, e os procedimentos da elaboração da exposição organizada desses conteúdos. Em síntese, apresentaremos uma justificativa da im portância da lógica e da metodologia na produção de novas respostas, considerando as bases filosóficas e os cri térios da episteme (conhecimento científico). De acordo com a lógica, o conhecimento se elabora na relação en tre perguntas e respostas. Essa relação essencial constitui a matéria ou conteúdo e delimita um primeiro momento do método, relativo aos procedimentos de como o pensa Introdução 37 mento transita ou realiza seus percursos entre as respostas encontradas ou já postas e as dúvidas, indagações e per guntas que o mundo da necessidade apresenta, assim como aos procedimentos a serem realizados para a produção de novas respostas. E, em um segundo momento do método e que complementa esta publicação, será dedicada à forma da exposição. Finalmente, cabe informar ao leitor sobre as motiva ções que incentivam a socialização desta experiência de busca e reflexão sobre a problemática da elaboração dos projetos de pesquisa científica. E a partir do lugar da experiência que surgiram os motivos para esta publicação e é desse lugar que as pon derações aqui expostas têm sentido. Na minha formação profissional como filósofo me deparei com a necessidade de atrelar os conteúdos filosóficos e a prática como educador. Na busca do aprimoramento profissional, as opções pelos estudos pós-graduados exigia a realização de pesquisas e a procura de uma problemática que focasse a investigação científica. A opção centralizou-se na análise da produção científica em educação, uma pesquisa sobre a pesquisa edu cacional, uma excelente oportunidade para trazer as con tribuições da filosofia para a compreensão da prática, neste caso, a produção do conhecimento na educação. Assim, na minha dissertação de mestrado analisei a produção de 72 dissertações do mestrado em educação da Eíniversidade de Brasília (UnB)3. No doutorado, ampliei a análise para mais 3 Pesquisa intitulada Análise epistemológica dos métodos na pesquisa educa cional: um estudo sobre as dissertações do mestrado em Educação da UnB, 1976-1981, defendida em 1982. Um resumo dos resultados dessa investigação encontra-se em Sánchez Gamboa (1984). Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos 502 dissertações e teses produzidas nos programas de pós- -graduação em educação no estado de São Paulo4. A experiência, com base na análise da produção, ga nhou dimensões institucionais com a constituição da linha de pesquisa Epistemologia e Teoria da Educação, vincula da ao Grupo Paideia, da Faculdade de Educação da Uni versidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os projetos inscritos nessa linha vêm dedicando-se a avaliar, analisar a produção científica e divulgar balanços da produção nos campos da Educação e outras áreas, tais como Edu cação Física, Filosofia, Fíistória, Ciências e Matemática. Os resultados desses balanços vêm apontando sérias fa lhas na organização das pesquisas, começando pela elabo ração dos projetos, assim como a constatação que tanto os manuais quanto os cursos e disciplinas que pretendem oferecer subsídios para a formação de pesquisadores de dicam-se a divulgar as formas da exposição do trabalho científico, relativas à composição de sumários, formas de citações, normas técnicas de elaboração de referências, cuidados na estruturação de monografias, dissertações e teses. Já os conteúdos relativos à lógica e à metodologia e aos fundamentos epistemológicos da pesquisa são igno rados ou secundarizados. Isto é, privilegiam as formas da exposição e ignoram-se os elementos essenciais do método de pesquisa. Barbosa (2007) confirma essa ponderação depois de um levantamento de mais de duzentos livros de Metodo logia do Trabalho Científico, cadastrados na Biblioteca Nacional, e de analisar os mais divulgados no país. 4 Tese intitulada: “ Epistemologia da Pesquisa em Educação, estruturas lógicas e tendências metodológicas: análise da produção científica dos programas de pós-graduação em educação do Estado de São Paulo, 1970-1985” . Um re sumo dos resultados dessa pesquisa encontra-se em Sánchez Gamboa (1989). Introdução Constatou-se que, em muitas obras, são privilegiados os aspectos relativos à metodologia de exposição dos trabalhos científicos em detrimento dos demais aspec tos metodológicos. (Barbosa, 2007, p. 12). Na tentativa de recuperar a importância do método de pesquisa, esta publicação se propõe, com base na ló gica dialética, a oferecer uma síntese dos elementos bási cos a serem considerados na elaboração dos projetos de pesquisa. Para tanto, recorremos a algumas reflexões ela boradas nos primórdios da filosofia e da ciência que ofe recem, além de pressupostos históricos, conceptualizações essenciais que serviram de base para o desenvolvimento da ciência contemporânea, favorecendo, assim, a preten são didática que esta publicação propõe. Espera-se que esta breve apresentação dos fundamen tos lógicos contribua para a compreensão da especificidade do conhecimento científico e para o aprimoramento das fases iniciais do planejamento da investigação científica5. 5 Um resumo dos conteúdos aqui desenvolvidos foi publicado na forma de capí tulo no livro organizado por Bryan e Miranda (2011, p. 121-150). Cf. Sánchez Gamboa (2011). De igual forma, conteúdos relativos à dialética entre perguntas e respostas e entre os saberes e os conhecimentos foram publicados anterior mente na forma de artigo. Cf. Sánchez Gamboa (2009). 40 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Capítulo 1 A necessidadehistórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico Para entender a necessidade do conhecimento científi co nas diversas atividades humanas, remetemo-nos às suas origens e a seus pressupostos histórico-filosóficos. No contexto da sociedade da Grécia antiga, localiza- -se a necessidade de desenvolver formas mais precisas e ri gorosas de obter respostas para as indagações, as dúvidas, os problemas, as questões e perguntas surgidas no “mun do da necessidade” próprio dessa sociedade. A episteme (ou ciência) surge em um contexto de grandes mudanças econômicas, sociais e políticas. De pois de cinco séculos de hegemonia da realeza, consti tuída desde a civilização micênica (século XII a.C.) e fundamentada no poder religioso da monarquia na figu ra do “ Rei-divino” , inicia-se a era da aristocracia (século VII a.C.), gerando como consequência uma série de de sordens e conflitos (Cf. Vernat, 2002). As questões básicas que se discutiam eram, dentre as mais importantes: como estabelecer uma nova organiza ção social diferente à ordem e suposta harmonia perdidas com a queda do poder do Rei-divino? Como preservar a unidade e a coesão social na nova situação sem a existên cia do Rei-divino ou da monarquia? Como formar os ci dadãos para a construção da nova sociedade? A resposta surge com a organização da polis, embrião das atuais cidades, em substituição ao antigo demos que se formava ao redor da realeza. O advento da polis (entre os séculos VIII e VII a.C.) constitui um acontecimento decisivo. “O que implica o sis tema da polis é primeiramente uma extraordinária preemi- nência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder.” (Vernat, 2002, p. 53). A palavra supõe um público ao qual ela se dirige como a um juiz supremo. O público (reunido na Agora ou espaço político) é obrigado a decidir com base na força da palavra. Essa característica da polis, que consiste na plena publicidade dada às manifestações mais importantes da vida social, significa o domínio do pú blico nos dois sentidos mais solidários do termo: “ [...] um setor de interesse comum, opondo-se aos assuntos privados e práticas abertas, estabelecidas em pleno dia, opondo-se a processos secretos.” (Cf. Vernat, 2002, p. 55). E na Agora em que as transações comerciais e as discussões sobre a vida da cidade acontecem e dirigem seus destinos; em que tam bém se submetem à discussão as grandes questões da nova sociedade, tendo como critério a participação de todos os participantes do Estado que vão definir-se como Hómoloi, ou semelhantes autônomos, sem a dependência de saberes e de poderes, originários das antigas tradições do Rei-divino. Na polis ganha supremacia o logos (“palavra” , “dis curso” e “razão” ) e aquele que o domina tem o reconhe cimento de estar com a verdade. O logos é o critério para tudo, e com ele surge a criteriologia ou crítica às diversas formas de conhecimento como uma das regras primordiais de sistematizar, normatizar e assegurar o conhecimento que propiciasse a transformação daquela realidade. Para tanto, era necessário criticar as formas de conhe cimento predominantes na sociedade fundada na realeza. 42 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Essas formas de conhecimento são conhecidas como racio nalidade mítica (mythos) e senso comum (doxa), ou saber opinativo, que ofereciam respostas às múltiplas indaga ções colocadas pela sociedade. Nesse contexto surgem os primeiros filósofos, indagando sobre a possibilidade de obter respostas diferentes às oferecidas pelo mythos e a doxa. Eles procuravam novas formas para elaborar res postas que oferecessem um conhecimento mais confiável e válido para a nova sociedade que se constituía, sociedade essa que exigia a participação dos cidadãos e a constru ção de respostas validadas pela racionalidade submetida ao debate público, e não de respostas advindas de forças superiores, reveladas pelo mito e impostas pelo poder da realeza e abaixadas como verdades incontestadas, ou um conhecimento alternativo oferecido pela opinião do ho mem comum (doxa) sem nenhuma sistematização ou pre tensão de verificação. Buscava-se um novo conhecimento para uma nova so ciedade. A polis exigia algumas regras de jogo, ou critérios que assegurassem a validade consensual para os cidadãos. A forma mítica do conhecimento tinha respostas para todas as questões formuladas; havia quase sempre uma len da povoada de deuses e forças do além, que respondia às mais intrincadas questões elaboradas, a partir da necessida de de desvelar os mistérios do mundo e do próprio homem. Com o surgimento dos primeiros filósofos, para os quais a resposta para todas as questões relativas a um fa to ou fenômeno não estava nos mitos, nem nas forças su periores, situadas para além dos fenômenos, cabe, então, outras alternativas como as oferecidas pela observação di reta e cotidiana dos fenômenos e pela confiança nos senti dos (empeiria). Coloca-se como alternativa o conhecimento comum, ou o saber opinativo (doxa). Mas essas respostas Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a imnortância da lósica e do método geométrico também são insuficientes, entretanto, indicam novos cami nhos para a busca de respostas mais confiáveis e válidas. Surge, assim, a necessidade de disciplinar essa busca, elabo rando algumas regras básicas ou princípios lógicos para as novas formas de conhecimento denominadas de sofia (filo sofia) e de episteme (conhecimento científico). Os seguintes esquemas ilustram essas opções: NÍVEIS DE QUALIFICAÇÃO DAS PERGUNTAS E AS RESPOSTAS f, Das perguntas VÀs respostas Mistérios Intuições Curiosidades ^ Suposições Suspeitas 1 Conjeturas Dúvidas Ww Hipóteses Indagações £ Saberes Questões Certezas PERGUNTA RESPOSTA Pressupostos: a) toda pergunta é plausível de ser formulada quando as condições para a sua resposta estão dadas; b) as respostas se encontram no mesmo lugar e contexto nos quais se originam as perguntas; c) existem respostas para todas as perguntas. Fonte: elaboração do autor. 44 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Em primeiro lugar, o advento da filosofia traz a supre macia do logos e da criteriologia que tem a pretensão de sistematizar, normatizar e assegurar um caminho que si nalize um percurso qualitativo tanto das perguntas quan to das respostas. Assim, os mistérios que invadem a imaginação dos homens podem ser racionalizados em curiosidades e sus peitas, e, em um grau de qualificação maior, em dúvidas, indagações e questões mais específicas, e, finalmente, em perguntas concretas, claras e distintas. De igual maneira, o caminho das respostas poderá começar com intuições e suposições e ganhar maior qualificação na forma de con- jeturas e hipóteses, até se assegurar como um saber, ou uma certeza, e, por fim, como uma resposta validada com provas e justificativas. A passagem de um nível para outro é motivada pelo exercício da crítica e da dúvida (com destaque na forma do signo de interrogação). Daí a importância desse poder da razão humana. A dúvida é atitude privilegiada na filo sofia pela função demolidora dos saberes e das respostas já dadas. A dúvida propicia novas suspeitas, indagações, questões e qualifica novas perguntas. De igual forma, a dúvida mobiliza as capacidades do pensamento para não se conformar ou estabilizar nos primeiros estágios das in tuições, suposições e conjeturas, e para qualificar o pro cesso da construção das respostas, buscando novos níveis na forma de saberes, hipóteses ou certezas. Dessa forma, a dúvida dinamiza o conhecimento e propicia a busca de novas respostas quanto à incapacida de dos mitos, das religiões, do saberes opinativos, e mesmo os filosóficos e científicos de oferecerem respostas para as necessidades humanas. A dúvida propicia também que a hu manidade busque outras formas de produção das respostas. Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico:45 Além da necessidade dos processos de qualificação en tre os vários níveis de manifestação das perguntas e das respostas, a criteriologia ajudou a definir alguns pressu postos que racionalizam essa relação dialética entre elas. O primeiro pressuposto se refere à possibilidade da resposta, garantida na mesma formulação da pergunta. “Toda pergunta é plausível de ser formulada quando as condições para a sua resposta estão dadas.” 1 Uma pergunta obscura, confusa, incompleta não tem possibilidade de ser respondida. Essa pergunta, para efei tos da filosofia e a episteme, poderá estar ainda nas fases iniciais da curiosidade, da suspeita e da dúvida; precisa ganhar a qualificação passando pelas fases das indagações e dos questionamentos para estar no patamar da explici tação concreta do que se quer conhecer. Como veremos no próximo capítulo dedicado ao processo da construção das perguntas, as perguntas confusas ou incompletas rece berão como resposta outra pergunta, por exemplo, “no fi nal, o que quer saber?” ; “poder-se-ia explicitar melhor?” . Dessa forma, somente as perguntas claras, concretas e dis tintas terão as condições de ser respondidas, em razão de terem condições de compreensão e de possibilidades para elaborar suas respostas. Mais uma vez, constatamos a im portância da relação dialética entre essas duas dimensões do conhecimento; a qualidade da pergunta não depende dela, e sim da plausibilidade e das condições das respos tas, sua fase contrária. 1 Com relação a essa dialética entre a pergunta e a resposta, Marx também atri bui a evolução das formações sociais quando as condições para a superação das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção estão dadas. “ E por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de parecer.” (Marx, 1983, p. 25). 46 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos O segundo pressuposto se refere ao lugar em que se poderão encontrar as respostas: “as respostas se encon tram no mesmo lugar e contexto nos quais se originam as perguntas” . Certamente que uma pergunta sobre as condições de saúde de um determinado doente não estão no corpo de outro paciente, estão no sujeito que motivou a suspeita, a indagação e a pergunta, isto é, as respostas se encontram no mesmo lugar em que se originaram as perguntas, nos contextos e nas situações nos quais se localiza o problema, neste caso o doente. Desde os primórdios da constituição da episteme, co mo veremos no capítulo 3 destinado à elaboração das respostas, diferentemente da razão mítica, que procura res postas no além, ou em outros lugares, tempos ou situações, episteme se caracteriza pela busca concreta de respostas nos próprios objetos e não fora deles ou das suas condições concretas. Tais condições concretas, que se expressam pe las categorias de espaço, tempo e movimento, caracterizam as dimensões ontológicas do processo do conhecimento e reafirmam esse pressuposto de procurar as respostas na re alidade concreta em que se originaram as perguntas. O terceiro pressuposto se refere à plausibilidade e pos sibilidade de toda pergunta que ganha esse patamar de qualidade. Isto é, a pergunta clara, concreta e distinta me rece sua resposta. Daí é possível afirmar que “existem res postas para todas as perguntas” . Entretanto, essas respostas ganham determinado va lor, dependendo de alguns critérios constituídos histo ricamente. Assim, podemos ter para a mesma pergunta qualificada diferentes respostas cuja validade depende de algumas regras de jogo, que foram sendo constituídas no Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: 47 percurso da experiência com outros tipos do conhecimen to, começando pela filosofia. Assim, desde os primórdios da filosofia, foram dife renciados diversos tipos de respostas, à luz de critérios já apontados acima, tais como a exposição pública ou explici tação dos procedimentos, revelando os passos, os caminhos percorridos para a elaboração das respostas, opondo-se a qualquer forma oculta ou obscura desses procedimentos. TIPOS DE RESPOSTAS Sem explicação do caminho (sem método) Razão mítica (mythos) Saber opinativo (doxa) Disciplinadas (explicitando o método) Sabedoria (sofia) Ciência (episteme) Fonte: elaboração do autor. Assim, uma vez conseguida a fase qualificada da per gunta, a humanidade vem procurando e consolidando re postas, seja mediante a utilização da razão mítica ou nas tradições religiosas (mythos), seja em outras formas de elaboração. O sistema de respostas adquiriu uma lógica própria nas mitologias ou nas religiões, que remontam aos tempos passados longínquos (in illo tempore), às origens Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos dos seres humanos e à explicação e à justificativa que eles elaboraram sobre a natureza e sobre o seu mundo das suas necessidades concretas, relacionadas com a sua sobrevi vência e evolução histórica. À medida que os mitos e as religiões foram esgotando- -se na sua capacidade heurística de oferecer respostas para as necessidades humanas, surgem outras formas, resulta do da ação demolidora e inevitável da dúvida que, co mo elemento dinamizador do conhecimento, vem gerando novas suspeitas, indagações, questões e qualificando no vas perguntas. Dessa forma, a humanidade também bus ca outras formas de produção das respostas. As respostas passam a ser construídas a partir do mundo prático, do mundo da experiência e da vida cotidiana. Essa forma de elaborar respostas, com base na opinião e no senso co mum, os primeiros filósofos gregos denominaram de doxa ou saber opinativo. Entretanto, tal forma se esgota e torna-se insuficiente para oferecer respostas às necessidades e aos novos pro blemas da humanidade. Perante a crise de credibilidade e dinamizada pela dúvida, surgem, também, com os primei ros filósofos, como Tales de Mileto (640-548 a.C.), novas formas de produzir respostas; formas que se diferenciam das formas oferecidas pelas tradições, a razão mítica e as religiões (mythos), e pelo senso comum, ou saber opinativo {doxa). A essas novas formas deu-se o nome genérico de episteme (o saber metodicamente organizado e teoricamen te fundamentado). A episteme afeta radicalmente a forma de elaborar as perguntas e as respostas. Essas formas de diferenciar os tipos de respostas têm um critério básico: ex plicitar a forma como as respostas são produzidas; exige- -se, pelo princípio do poder da argumentação (logos) e da socialização entre os semelhantes (Hómoloi), a revelação Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico do caminho (methodos) percorrido na construção da res posta. O fato de mostrar o caminho e submetê-lo à apre ciação pública oferece maiores garantias de confiabilidade. Já as respostas oferecidas pela razão mítica e pelos sabe- res opinativos não têm essa preocupação ou não atendem a exigência de mostrar “o caminho da resposta” ; também não exigem a crítica pública2. Pelo contrário, as respostas oferecidas pela filosofia e pela ciência têm o imperativo do método e precisam demonstrar a maneira como se chega a elas, daí porque denominamos de respostas disciplinadas, ou submetidas aos critérios de demonstração pública. Os tipos de respostas organizadas em dois grandes grupos, as que não exigem a explicitação do caminho e as disciplinadas que têm o imperativo do método, dife renciam diversos critérios de confiabilidade. Se conside rarmos o pressuposto geral de que todas as perguntas têm respostas, cabe indagar se todas as respostas têm um mes mo grau de veracidade ou validade. No caso da razão mítica (religiões), esta tem o mérito de maior expansão, já que pretende dar respostas para todas as indagações e os mistérios.O sucesso de algumas religiões estaria no “estoque de respostas prontas” para atender o maior número de seguidores, oferecendo expli cações para todos os fenômenos e atribuindo a forças ou entidades que se colocam além deles a capacidade expli cativa ou a revelação de mistérios e verdades. Neste caso, exige-se do indagador apenas a crença nessas verdades re veladas, ou nas versões oferecidas pela autoridade ou pela tradição religiosa ou mítica. Toda atitude de dúvida é ve- 2 Neste caso, aos interlocutores é demandada a “crença” . A eles não é dada a oportunidade da dúvida, da suspeita ou da indagação. E no caso de algumas religiões é vedada a dúvida, sob pena da expulsão do grupo, da excomunhão, de carregar complexos de culpa e justificar castigos ou benefícios não alcançados pela “ falta da fé” . Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos dada, e, desse modo, a demonstração, a comprovação e a polêmica pública não têm espaço. As respostas devem ser aceitas com base na confiança, na crença ou na fé. Já o senso comum oferece sua “opinião” ou seu “pal pite” sobre qualquer indagação ou mistério, sem propiciar nenhuma prova ou verificação, permitindo do indagador sua credibilidade ou não, ou sua adesão movida pela lógi ca do “ bom senso” . Consideramos que essas respostas são oferecidas ou elaboradas sem a preocupação com critérios ou regras de verificação ou controle do erro. Nesse senti do, são respostas “não disciplinadas” . A proposta dos primeiros filósofos gregos é pautada pela “disciplinaridade” na elaboração das respostas. A sofia (sabedoria) e a episteme (ciência) buscam oferecer respostas disciplinadas e rigorosamente controladas de acordo com a lógica e o método geométrico3, respostas que são submetidas à demonstração pública. Essa propos ta foi sendo desenvolvida até nossos dias e hoje ajuda a compreender as bases lógicas do conhecimento científico moderno e contemporâneo. 3 Tanto o método geométrico quanto a lógica são tratados por Platão e Aristóteles como as condições necessárias na busca do pensamento verdadeiro. Platão adota o método geométrico dos pitagóricos como o paradigma do rigor. O método geo métrico implica um percurso duplo: sair de um ponto, chegar a outro diferente e voltar ao ponto de partida. O duplo traçado, de ida e de volta, expressa a relação entre os processos da análise e da síntese. Assim, a análise é sempre seguida de uma síntese, que, de um lado, constitui uma verificação da análise, com o objetivo de assegurar que não se cometeu erro algum, e, por outro lado, uma vez constata da a inexistência de erro, constitui a demonstração ou solução efetiva, cuja busca motivará a realização da análise. Aristóteles, na lógica ou Órganon (conjunto dos escritos lógicos), que trata do instrumento do pensamento para pensarmos corre tamente, apresenta um dos caminhos mais importantes da ciência, os analíticos, analytikós, do verbo analyo, que significa: desfazer uma trama, desembaraçar fios, desembaraçar-se de laços, dissolver para encontrar os elementos, examinar em detalhe e no pormenor, remontar às causas ou às condições. “Os analíticos buscam os elementos que constituem a estrutura do pensamento e da linguagem, seus modos de operação e de relacionamentos.” (Chauí, 2002, p. 257). Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico 51 As exigências da “disciplinaridade” , do raciocínio ló gico e da demonstração pública foram gerando novas ex periências e traduzidas em princípios relacionados com os elementos básicos do processo do conhecimento. Antes de definir tais princípios, é preciso determinar os elementos que integram o processo, visualizados no esquema a seguir: ELEMENTOS DA RELAÇÃO Condições: espaço, tempo e movimento Sujeito indagador Homem Res cogitans 4 i Método: caminho da relação \ Objeto \ problematizado Mundo Res cogitans j »ai------- - Fonte: elaboração do autor. Os elementos da relação são: a) o contexto concreto em que se realiza, determinado pe las categorias ontológicas do lugar onde acontece (es paço), quando acontece, momento, duração (tempo) e as situações e especificidades da relação (movimento); 52 Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos b) o sujeito concreto (motivado pelo mundo da necessi dade) que indaga; c) o objeto concreto e delimitado que é indagado; d) as especificidades da relação determinada pelo cami nho entre o sujeito e o objeto (método). Na forma de uma lógica simples, refere-se à relação entre dois elementos fundamentais, o sujeito e o objeto. Quem indaga sobre o quê. Mas, situados no mundo real, isto é, nas circunstâncias e nas condições que delimitam o contexto ou o cenário onde o indagador e o objeto in dagado estabelecem sua relação. E, finalmente, o outro elemento da lógica se refere à especificidade da mesma re lação, isto é, ao método. A exigência da materialidade concreta da relação, ex plicitada pelos atributos ontológicos do espaço, do tempo e do movimento, situa a relação entre um sujeito concreto {res cogitans) e um objeto concreto (res extensa)4, e não entre um sujeito imaginário ou indefinido que pergunta sobre fenômenos situados em lugares e tempos distantes. Uma vez definido esse contexto concreto em que sur gem as indagações feitas por sujeitos específicos e sobre fenômenos e objetos determinados, é possível formular perguntas claras, concretas e distintas. E, de igual forma, obter respostas concretas, confiáveis e válidas. Não pode mos obter respostas claras a partir de perguntas confusas, dispersas ou imprecisas. Definidos os elementos básicos constitutivos da rela ção cognitiva, é importante retomar alguns princípios ló gicos que regulam essa relação. 4 Expressões utilizadas por Descartes nas regras do método para indicar a concre- ticidade (res) dos dois elementos fundantes da relação cognitiva. Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: De uma maneira simples e didática, os princípios po dem ser referidos a cada um dos elementos constitutivos da relação: ao sujeito que elabora as perguntas, ao objeto que motiva a indagação e à mediação entre eles, o méto do. Complementam esses três princípios outros critérios relacionados com a resposta, entendida como o resultado do processo, e sobre a necessidade da articulação dos ele mentos anteriores em uma perspectiva de totalidade. O diagrama a seguir visualiza a sequência e articula ção desses princípios: PRINCÍPIOS s o b r e o s e l e m e n t o s DO CONHECIMENTO 3. Método 1. Sujeito 2. Objeto 4. Resposta 5. Visão de totalidade Fonte: elaboração do autor. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos 1.1 O PRIMEIRO PRINCÍPIO FAZ REFERÊNCIA AO PAPEL DO SUJEITO E ÀS CAPACIDADES E HABILIDADES QUE ELE UTILIZA PARA BUSCAR AS RESPOSTAS Na perspectiva dos critérios da concretude do sujei to, pondera-se em primeiro lugar a sua presença ativa. As atividades do sujeito localizam-se na sua corporeidade e suas capacidades de percepção e de estabelecer contatos com os objetos que são indagados. Os destaques a seguir sinalizam as atividades privilegiadas na relação cognitiva. 1. Princípio com relação ao SUJEITO Explicitação do sujeito empírico e a construção do sujeito epistêmico Funções privilegiadas: Exemplos: “ Observar atenta e meticulosamente” , “ organizar e sistematizar as observações” (Tales de Mileto). “Não deixe nada à sorte, controle tudo, articule as ob servações contraditórias, conceda o tempo suficiente.” (Hipócrates). Controlar a imaginação e a fantasia. Dar prioridade à sensibilidade (sensação) que junto com outras expe riências acumuladas ganham sentido e representação {percepções). A memória organizada dessas percepções constitui a experiência acumulada {empeiria). Fonte: elaboração do autor. Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico 55 Na relação com osobjetos, o sujeito empírico sofre adequações, de tal forma que é apropriado esclarecer que os conceitos de sujeito e de objeto ganham outro significado quando se fala da relação cognitiva. Os dois termos criam uma inter-relação de dependência entre si. Segundo Hessen (1987, p. 26): O sujeito só é sujeito para um objeto e o objeto só é objeto para um sujeito. Ambos eles são o que são en quanto o são para o outro. Mas esta correlação não é reversível. Ser sujeito é algo completamente distinto de ser objeto. A função do sujeito consiste em apreender o objeto, e do objeto, em ser apreendido pelo sujeito. No caso específico do sujeito, este se constitui no pro cesso da relação e é preciso diferenciá-lo do sujeito empíri co ou psicológico que se refere a uma pessoa que faz uma observação e é influenciada pelo que ela tem de particular e individual (interesses ou paixões)5. O sujeito do conheci mento científico ou epistemológico se refere ao [...] conjunto de atividades estruturantes ligadas a uma abordagem científica determinada, paradigma ou matriz disciplinar. Refere-se a uma maneira socialmente esta belecida de estruturar o mundo. (Fourez, 1995, p. 50). Esse sujeito epistemológico é constituído a partir do su jeito empírico, ou psicológico, destacando ou tomando de le algumas atividades que são privilegiadas para atender os pressupostos epistemológicos de garantir a explicitação pú blica das formas como são construídas as perguntas e as respostas. Dependendo da matriz disciplinar ou paradigma científico, algumas atividades são destacadas, como vere mos na exposição do princípio sobre o método; entretanto, tem algumas ações que, desde os primeiros filósofos gregos, 5 A ciência veicula uma ética do ocultamento ou apagamento do sujeito indi vidual empírico em função da construção do sujeito epistemológico, sempre relacionado a um determinado objeto. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos já são privilegiadas, tais como a observação meticulosa e sistemática dos fenômenos, a primazia da sensação empíri ca, perante a imaginação, a origem empírica das percepções, a qualificação dos instrumentos da percepção, a delimita ção dos fatores subjetivos e objetivos. Atribui-se a Sócrates (469-399 a.C.), um dos pais da filosofia, o fato dele sempre devolver a pergunta, para que o sujeito que a formula expli cite com clareza suas condições, motivações e expectativas. Questionamentos, tais como quem pergunta, por que per gunta, a partir de que experiência ou situação se formula a pergunta. Essas revelações ajudam a dimensionar o tipo de resposta esperada por esse sujeito, de tal maneira que, escla recendo essas condições, somente o mesmo sujeito que as formulou tem as melhores condições de respondê-las. Daí o significado da descoberta da verdade no mesmo sujeito que a procura e do sentido da conhecida revelação do oráculo de Delfos, o deus da sabedoria, sentenciando que “o maior dos saberes é o conhecimento de si mesmo” . Na constituição do sujeito epistemológico, a fantasia e as crenças impostas pelas autoridades e pelas tradições devem ser colocadas na berlinda da dúvida e se confiar na capacidade dos sentidos (empeiria), de tal maneira que a relação com os fenômenos ou objeto deve ser feita por meio da sensibilidade, dos elementos concretos da cor- poreidade. Devem-se utilizar todos os sentidos para ob ter respostas. Olhar, ouvir, tatear, cheirar, degustar com cuidado, atenção, demoradamente, de forma sistemática para obter informações válidas a fim de possibilitar re gistros, verificações e constatações para garantir respostas mais confiáveis sobre os fenômenos indagados. Tal sensi bilidade ao longo da história da ciência foi ganhando uma aliada poderosa no seu aprimoramento: a tecnologia. A tecnologia vem desenvolvendo-se, impulsionada pela necessidade de ampliar e aguçar a sensibilidade humana. Isto é, a tecnologia alarga as capacidades da percepção humana: Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico 57 por exemplo, ver mais longe, de forma mais fina, mais con centrada, ultrapassando limites, obstáculos e barreiras como falta de iluminação (telescópios, microscópios, raios-X, apa relhos de luz infravermelha, microcâmaras). Escutar melhor com ajuda das tecnologias, tais como radares, sonares, ul- trassom. Sentir melhor através de sensores, da ressonância magnética etc. Outras tecnologias ajudam na memória e na organização de dados e de informações, como o moderno computador. Mas todas essas tecnologias não têm sentido se por trás delas não está uma sensibilidade atenta do pesqui sador que interpreta os sinais, os registros e as informações. 1.2 O SEGUNDO PRINCÍPIO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONSISTE EM BUSCAR AS RESPOSTAS DOS FENÔMENOS NOS PRÓPRIOS FENÔMENOS 2. Princípio com relação ao OBJETO (fenômeno, entidade, fato, ato, acontecimento, experiência, prática, evento) Procurar as respostas no próprio objeto (no seu cená rio, contexto, entorno que determinam suas relações). “Não sair fora, procurar a verdade dentro de si.” (Agostinho de Hipona). “A maior das sabedorias: conhecer-se a si próprio.” (Oráculo de Delfos). Os fenômenos preservam em si mesmo sua trajetória de sua gênese e a memória do desenvolvimento. Os fe nômenos contêm os códigos da sua própria explicação. Fonte: elaboração do autor. Projetos de pesquisa, fundamentos lógicos Segundo Abbagnano (1970, p. 160), no campo do conhecimento, entende-se por objeto qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade que possa ser subme tido a procedimentos para a verificação, a descrição, o cál culo ou a previsão controlável. Essa categoria universal e abrangente somente tem sentido em função de um sujeito que a indaga e a determina, como já explicitamos acima, na apresentação do princípio relativo ao sujeito. As respostas sobre a natureza, os fenômenos huma nos, sociais, políticos e éticos estão na própria natureza física ou humana. Para obter essas respostas é preciso ob servar cuidadosa e sistematicamente os objetos que inda gamos. Por exemplo, se pretendemos conhecer a fonte comum da qual surgiram os diversos objetos da natureza, deve mos procurar resposta na própria natureza. Assim, diver sas pesquisas oferecem hipóteses ou respostas provisórias sobre a “matéria-prima” que é comum a todas as coisas, ou sobre as diversas formas que adquire uma mesma na tureza. Esses primeiros pesquisadores filósofos preocupa ram-se em desvendar: o que é a “physis” ou natureza? E qual o seu princípio único ou “arkhe” ? Para os representantes da Escola de Mileto, que atuou até 459 a.C. e que teve como principais representantes Tales de Mileto, Anaximandro, Anaximenes e Heráclito, esse princípio único era respectivamente a água, o “ ili mitado” , o ar e o fogo. Para Pitágoras de Crotona, esse princípio não estava em uma matéria específica como a água, a terra, o ar ou o fogo, mas na forma que as diversas matérias adquirem, isto é, nas figuras, nas dimensões e nas quantidades, representadas pelo número. Capítulo 1. A necessidade histórica do conhecimento científico: a importância da lógica e do método geométrico 59 Entretanto, na experiência histórica da ciência es sa pretensão de procura de unidade na diversidade fi cou restrita à filosofia, e a ciência foi especializando-se nas especificidades dos fenômenos. Assim, cada objeto foi acumulando conhecimentos e as respostas elaboradas sobre as indagações foram sendo sistematizadas e trans formadas em disciplinas e grandes áreas do conhecimen to. Nesse percurso histórico, o princípio de procurar as respostas sobre os objetos nos próprios objetos e não fora deles foi afunilando essas especificidades. Mesmo assim, o debate público e as exposições e controvérsias também foram definindo diversas concepções de objetos, diversos recortes e limites que hoje também são motivo de estudos no campo da Epistemologia
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