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A EPOPÉIA IGNORADA
 (A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje)
Autor: Otto Marques da Silva
 Editada pelo CEDAS -1987
 Copyright de Otto Marques da Silva
Direitos reservados do
 CEDAS--Centro São Camilo de Desenvolvimento em Administração da Saúde
 Rua Barão do Bananal, 1111 --05024--São Paulo--SP.
 Capa de Júlio Braga
 Estela egípcia da XIX Dinastia: o porteiro de nome Roma faz oferendas à Deusa Astarte
Síria (acervo da Glyptotek Ny Carlsberg--Copenhague, Dinamarca).
 Dados Catalográficos
 SILVA, Otto Marques da
 A EPOPÉIA IGNORADA--A Pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje
 São Paulo--CEDAS, 1987.
 470 páginas - 2 partes - 5 anexos - 17 ilustrações
 Relações bibliográficas
 
Conteúdo:
 I Parte-- Deficiências e pessoas deficientes nos seguintes Períodos ou Épocas: Pré-
História, História Antiga (Egípcios, Hebreus, Gregos e Romanos), Advento do Cristianismo,
Império Bizantino, Idade Média, História Moderna e História Contemporânea (Até 1981,
Ano Internacional das Pessoas Deficientes).
 II Parte-- Causas da marginalização das pessoas portadoras de deficiências, o significado
da integração social, a questão da adequação da adequação pessoal como objetivo último da
reabilitação, o preparo para a vida de trabalho, as equipes de reabilitação, a avaliação e o
controle das atividades dos centros e programas de reabilitação.
 Para Nely
 Ana Maria
 Otto, Filho
 José Gustavo
 pela força que sempre me transmitem.
 Para Jary Maria
 Pela enorme lição de vida
 ("in memoriam")
 
 ÍNDICE
 A Oração da Pessoa Deficiente...
 Apresentação...
 Introdução...
 PRIMEIRA PARTE
 A POSIÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E DE
HOJE
 Capítulo Primeiro
 A Pessoa Deficiente no Mundo Primitivo...
 O homem neolítico no Brasil de hoje - As primeiras civilizações do mundo...
 1. O Alvorecer da Humanidade...
 Os males incapacitantes de sempre - O ambiente físico - Os desafios para a vida do homem
primitivo. O cuidado para com doentes e a incipiente medicina - As fraturas na Pré-História
- O que nos ensinam os ossos pré-históricos -- Freqüência do reumatismo -- A origem dos
males que afetavam os homens - O tratamento primitivo e as deficiências – O destino das
pessoas deficientes na Pré-História.
 2. Culturas Mesolíticas e Neolíticas mais Recentes...
 O porquê das atitudes face a grupos minoritários Atitudes de aceitação, apoio e assimilação
- Causas das atitudes de abandono, segregação ou destruição - O extermínio de pessoas
deficientes - A pessoa deficiente como objeto de ridículo - O povo inca e as trepanações
cranianas. As deficiências físicas há mais de 20 séculos na Califórnia.
 Capítulo Segundo
 A Pessoa Deficiente dentro das Culturas Antigas...
 1. Os Egípcios e seus Vizinhos...
 A atenção médica no Egito Antigo - A medicina egípcia e os males incapacitantes - Os
famosos papiros e os problemas de deficiências – As deficiências físicas no Antigo Egito -
Os males que levavam a deficiências físicas - Casos concretos de lesões incapacitantes - A
incidência de fraturas e outros problemas - Os anões na vida e na arte egípcias - Uma estela
votiva dedicada à deusa Astarte da Síria por um porteiro - As especialidades médicas e o
problema das deficiências no Egito - Conceitos da medicina egípcia na Odisséia de Homero
- Anisis, faraó cego da IV Dinastia: século XXV a.C. - A deficiência visual na mitologia
egípcia - Um coral de homens cegos para Amenhotep IV - As penas mutiladoras no Egito
Antigo - Médico egípcio especializado em males da visão na corte de reis persas - Gaumata,
um famoso mago de orelhas amputadas - Zópiro: tudo pela vitória de Dario I em Babilônia -
A Escola de Anatomia da cidade de Alexandria: século IV a.C. - Os egípcios sob os olhos
críticos de um Imperador romano.
 2. O Hebreus...
 Noé: a primeira pessoa com deficiência? -- As deficiências físicas entre os hebreus -- A
cegueira de Isaac por 80 anos - Moisés e suas sérias dificuldades em falar com clareza -As
leis criadas no deserto do Sinai – O Código de Hamurabi: severidade vizinha dos hebreus -
Sedecias, rei de Judá: cego por Nabucodonosor - O preço da paz: um olho de cada habitante
- Mais normas e o papel do médico - As causas das deficiências entre os hebreus - A
medicina dos hebreus - Tobias fica cego e recupera a visão: caso de leucoma? - Os cegos na
cultura hebréia antiga - Zacarias castigado por não ter acreditado em Gabriel - As pessoas
deficientes nos Evangelhos - Os milagres de Jesus e as pessoas deficientes - A cegueira de
São Paulo, Apóstolo.
 3. Os Gregos...
 As deficiências na mitologia grega - Lenda e realidade: Hefesto na vida dos gregos - Outros
seres mitológicos e as deficiências físicas e sensoriais - As deficiências físicas na realidade
da vida militar grega – As principais causas de deficiências na Grécia Antiga - Tirteu, poeta
lírico com deficiência física - As leis que favoreciam as pessoas deficientes - A medicina
grega e as deficiências físicas - A medicina de Hipócrates e as deficiências - Hipócrates e
suas idéias quanto à epilepsia – Adaptações para prevenir deformações em crianças -
Cláudio Galeno e sua importância - Demócrito e Homero: homens cegos e muito famosos -
Demóstenes e seus pouco conhecidos problemas - Pessoas deficientes trabalhando citadas
em obras gregas - Creso, o mais feliz dos homens – A importância dos oráculos e adivinhos
na vida grega - A história de um adivinho famoso que era cego - As próteses de
Hegesístrato, adivinho grego - Peste Ateniense: o terror generalizado – A atenção a soldados
feridos ou doentes: Anábase, de Xenofonte - Homens com sérias luxações nas pernas:
sapateiros, ferreiros, seleiros - Alexandre, o Grande: sua atenção a soldados com deficiência
- Asclepéia de Epidauros: seu significado para pessoas deficientes - As famosas instalações
de Epidauros - O sistema de funcionamento de Epidauros - Plutão, deus da riqueza, curado
por Asclépios - Os testemunhos das muitas curas - "Apothetai" do monte Taygetos, em
Esparta - Como era o ambiente de Esparta - Outras formas de eliminar crianças defeituosas
na Grécia Antiga - A história de Labda, mãe de um rei de Corinto - Os costumes em Atenas
face a deficiências físicas – O legado da Grécia Antiga.
 4. Os Romanos...
 O problema da forma humana no direito e nos costumes de Roma - O destino das crianças
deficientes em Roma -- O deus da medicina: Esculápio--Horácio Cocles, um herói com
deficiências--Ápio Cláudio, Censor: século IV a.C - Amputação como penalidade nas
legiões romanas--Caio Júlio César: atitudes face a seus males--Ferimentos graves e
deficiências físicas em batalhas -- Cláudio I, um imperador bastante controvertido -- Galba,
imperador romano com diversas deficiências - Othon, um imperador nascido com
malformações - Vitélio, imperador romano por oito meses--Os milagres de Vespasiano - As
deficiências citadas por Plínio, em sua "História Natural" -As automutilações para dispensa
do serviço militar--Males incapacitantes e soluções paliativas - O problema da surdez na
opinião de Cícero--Deficiências múltiplas e morte - A medicina grega e sua infiltração no
Império Romano - Médicos romanos famosos e os males incapacitantes - Os serviços
médicos e os hospitais militares romanos - As "valetudinaria" descobertas em estudos
arqueológicos - Os auxiliares de médicos nas legiões romanas O sistema hospitalar romano -
O ensino da medicina no Império Romano Categorias de médicos em Roma - Implantação
de serviços de assistência médica - A higiene e os banhos públicos—As pessoas deficientes
nas artes romanas - Valores espirituais em pessoas deficientes.
 Capítulo Terceiro
 O Cristianismo, o Império Bizantino e a IdadeMédia face as Pessoas Deficientes ...
 1. O Advento do Cristianismo ...
 As perseguições aos cristãos nos primeiros séculos - Sétimo Severo, o sábio e firme
imperador - "Praecepta Medica" e os males incapacitantes - Galério, imperador que morre
com deficiência séria—Mutilações em cristãos: a Língua de São Romão - Alterações
substanciais provocadas pelo Cristianismo -- Um bispo com deficiência: Castigo de Deus? -
Dídimo, teólogo cego: Diretor da Escola de Alexandria -- Os primeiros hospitais cristãos e
as pessoas deficientes - Fabíola e Pammachius associados num hospital de caridade - A
hospitalidade cristã e o papel dos bispos - Notícias de organizações para pessoas deficientes
- A questão das deficiências físicas em sacerdotes cristãos - Papel dos mosteiros na
assistência aos miseráveis.
 2. O Império Bizantino e as Deficiências...
 Constantinopla, o "Reino de Deus na Terra" - A pompa e a circunstância na corte bizantina
- As grandes e poderosas famílias do Império - A miséria na capital bizantina e as pessoas
deficientes - As doenças e as deficiências físicas e sensoriais - Os miseráveis no "Reino de
Deus" - As organizações assistenciais de Constantinopla - O imperador Justiniano e as
pessoas enfermas e deficientes - O desenvolvimento da medicina e dos hospitais - A
mutilação nas leis bizantinas - Períodos principais do Direito Penal Bizantino - A moderação
nas penalidades impostas no tempo de Justiniano - As "Novas Constituições" de Leão III:
"leis mais cristãs" - A defesa de um direito dos cegos: fazer testamento - Penalidade prevista
para o vazamento dos olhos de outrem - Crime de rapto e sua condenação nos tempos de
Leão III - General Belisário: lenda e realidade de sua carreira - Notícia sobre uma prótese no
século IV -- Abrigos para cegos e outros refúgios para doentes e deficientes - Assistência a
soldados a partir do século VI - Os primeiros hospitais da Terra Santa e de Bagdá - Castigos
bárbaros levam a deficiências no Império Bizantino - A Imperatriz Irene e sua luta para
conquista do trono - Os primeiros castigos contra conspiradores dentro da família - Punições
severas continuam na corte bizantina - A selvageria de uma imperatriz na defesa de seu
trono - Mutilação documentada em pintura do século IX -- Barbáries que levaram a
deficiências físicas - Constantino VIII: "a violência dos fracos e dos poltrões" - Miguel V:
imperador bizantino por apenas 132 dias -Constantino IX, Monômaco: limitações físicas
muito sérias -- Romano IV, Diógenes: presa de um soldado com deficiências - Enrico
Dandolo: "doge" veneziano cego - Isaac II, Angelus: olhos vazados, volta a ser imperador -
Outros eventos que levaram a deficiências físicas e sensoriais - Ato friamente planejado
instala a Dinastia dos Paleólogus -- O dilema de João V, Paleólogus (1319 a 1389).
 3. As Pessoas Deficientes na Idade Média...
 A criação de hospitais e abrigos para pobres - Um santo cego na história da Bretanha do
século VI - Santo Egídio, padroeiro dos deficientes - Assistência aos pobres pela Igreja - A
mutilação como castigo no século VII - O milagre de fazer um mudo falar – Amputações
como penalidade por crimes cometidos - A evidência de dupla amputação: século VII - Os
hospitais criados pela Igreja na Europa - A profissão de massagista no Japão do século IX -
Bispo Hincmar, vítima da crueldade de seus algozes - Deficiência física na mitologia
germânica - As deficiências em sacerdotes cristãos na Idade Média - Luiz III, o "Cego",
rei da Provença e da Itália - Deficientes físicos impedidos de participar da Primeira Cruzada
- Barbeiros-cirurgiões na Idade Média - A evolução dos hospitais medievais e as eficiências
- O estigma da hanseníase durante toda a Idade Média - Ricardo Coração-de-Leão e sua
vingança - Hospitais proliferam no Oriente Próximo: século XIII - Os progressos da
medicina até o século XIV - Epidemias na Idade Média e suas conseqüências: "Castigo de
Deus"? - A medicina qualificada e a falta de assistência geral - As soluções populares e as
crendices - O destino das pessoas deficientes na Idade Média - O significado das eficiências
na Idade Média - Os privilégios para cegos durante a Idade Média - Dois heróis históricos
com deficiências nos séculos XIII e XIV – Os hospitais face às pessoas deficientes nos
séculos XIV e XV.
 Capítulo Quarto
 A Pessoa Deficiente do Renascimento até o Século XIX ...
 O problema dos hospitais e abrigos ao início da Renascença - Os problemas dos deficientes
auditivos no século XVI - A pintura renascentista e as pessoas com deficiências - Ambroise
Paré: os primeiros passos da futura "ortopedia" - Antonio de Cabezón: compositor cego –
Goetz von Berlichingen, o "Mão de Ferro" - O problema da mendicância organizada nos
séculos XVI e XVII - A grande malha organizacional dos miseráveis na França - O
problema da mendicância organizada em outros países - Deficientes mentais no século XVI:
entidades não-humanas - A "Lei dos Pobres" e as pessoas deficientes na Inglaterra – O
atendimento às crianças deficientes na Inglaterra: século XVI – O "Grand Bureau des
Pauvres" da França Classificação de indigentes na França no século XVI – Luiz de Camões,
o poeta épico português por excelência - Pintor mudo decora El Escorial, na Espanha –
Continua a epopéia dos hospitais nos séculos XVI e XVII - Galileo Galilei, matemático,
astrônomo e físico - O contínuo problema dos soldados mutilados - Os trabalhos com os
deficientes auditivos no século XVII - Johannes Kepler, astrônomo alemão - Padre Lejeune,
maior pregador do século XVII - Novas formas de utilizar os hospitais - As deficiências
físicas em peças de Shakespeare - A superação de deficiências no século XVII: um exemplo
- John Milton: o significado de sua cegueira - São Vicente de Paulo: suas obras face às
tendências do século XVII - A "Velha Lei dos Pobres" da Inglaterra - O nascer da ortopedia
como especialidade -- Quatro cegos brilhantes: Sauderson, Metcalf, Euler e Blacklock -
Alexandre Pope: um poeta com deficiências físicas - A reformulação hospitalar inglesa - A
"Ortopedia" de Nicholas Andry - Maria Tereza von Paradis: pianista e compositora cega - A
assistência aos cegos: final do século XVIII - Valentin Haüy, "Pai e Apóstolo dos Cegos" --
Educação dos deficientes auditivos no século XVIII - Os primeiros sinais de assistência nas
Américas - O desencontro de atitudes na Europa - Inovações nas "Leis dos Pobres" -
Bloqueios ao sacerdócio para pessoas deficientes - Hospitais públicos na França: final do
século XVIII -- Progressos no campo do atendimento à cegueira: século XIX - Ludwig van
Beethoven: a trágica surdez -Nelson, herói da Marinha Britânica - Os progressos nos
Estados Unidos da América do Norte - Os sinais de melhor compreensão dos problemas dos
deficientes - Uma iniciativa de Napoleão Bonaparte - Madre Agostinha, fundadora das Irmãs
Irlandesas da Caridade - Lord Byron, poeta e satirista inglês - Antônio Feliciano de Castilho,
um dos maiores literatos portugueses - Outros cegos do século XIX que ficaram famosos - A
ortopedia do século XIX e as deficiências físicas - Atendimento mais especializado aos
cegos - A pessoa deficiente vista com potencial para o trabalho - O problema dos surdos e
dos surdos-mudos e suas soluções – Proteção ao acidentado de trabalho por legislação
recente – A modernização da cirurgia ortopédica e as pessoas deficientes - Reabilitação
desabrocha num Centro de Atendimento, em Cleveland - Helen Keller, cega, surda e muda:
um marco indelével.
 Capítulo Quinto
 A Pessoa Deficiente no Brasil Colonial e Imperial...
 Os primeiros hospitais do Brasil Colonial - Anchieta e seu exemplo de assistência aos
doentes -- Males incapacitantes nos primeiros anos de Brasil -- Cegueira noturna no Brasil
dosséculos XVI e XVII -- Os problemas médicos nos séculos XVI e XVII no Brasil
--Médico com deficiência física na História de Pernambuco - O problema das paralisias no
Brasil do século XVII -- A medicina do século XVIII entre nós – Males limitadores que
afetavam muito os negros escravos - Deficiências físicas e sensoriais entre nossos índios
--Antônio Francisco Lisboa, o "Aleijadinho" -- Uma primeira tentativa em projeto de lei:
ajuda a cegos e aos surdos -- O problema das amputações do século XVI ao XIX – A
influência européia no Brasil -- Organizações para pessoas deficientes criadas por Dom
Pedro II. 
 Capítulo Sexto
 O Século XX e os Caminhos da Reabilitação no Mundo...
 O panorama europeu da assistência a deficientes no início do século--EUA: um primeiro
congresso mundial de deficientes auditivos--A gradativa implantação da reabilitação--As
tentativas iniciais para a solução do problema de trabalho--Implantação de serviços de
naturezas diversas--Os esforços de pós-guerra--Surge a "Easter Seal Society" - O Código de
Direito Canônico e os bloqueios a homens deficientes--Reconhecimento das verdadeiras
necessidades das pessoas deficientes—A previdência social e os acidentes de trabalho--A
reabilitação de jovens veteranos da Marinha e do Exército--A retração dos anos trinta e as
pessoas deficientes nos EUA--A influência da Segunda Guerra Mundial na reabilitação -- A
criação de sociedades internacionais privadas - O envolvimento das organizações
intergovernamentais -- Centros de demonstração de técnicas de reabilitação--O Instituto de
Reabilitação: vida e morte--A evolução mais recente da reabilitação.
 Capítulo Sétimo
 1981--Ano Internacional das Pessoas Deficientes...
 As declarações de direitos e sua importância --O significado de um "Ano Internacional" --
O Ano Internacional das Pessoas Deficientes: trabalhos iniciais -- O conteúdo básico das
idéias consensuais para um plano de ação mundial - As recomendações para atividades a
nível nacional -- O Ano Internacional das Pessoas Deficientes a nível de Brasil -- A
Comissão do Estado de São Paulo e seu relatório - As propostas para ação em São Paulo --
As realizações da Secretaria Executiva da Comissão Estadual -- Dois Encontros Regionais
discutem as propostas da Comissão Estadual--Conscientização: a meta para 1981 --O apagar
das luzes para o Ano Internacional -- Recomendações finais de todas as Comissões: um
desafio para o futuro.
 Bibliografia da Primeira Parte...
 SEGUNDA PARTE
 A INTEGRAÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NA SOCIEDADE -- O DESAFIO
DE NOSSOS DIAS
 Introdução ...
 Capítulo Primeiro
 As Causas da Marginalidade das Pessoas Deficientes ...
 Normal ou anormal: Eis o problema -- As "diferenças" assimiláveis ou inaceitáveis -- A
questão em termos de Brasil -- A visibilidade da deficiência -- O problema do "comum" e do
"normal" -- A grande variedade de condições marginalizantes -- Como classificar as
condições marginalizantes (desvios intelectuais, desvios motores, desvios sensoriais, desvios
funcionais, desvios orgânicos, desvios de personalidade, desvios sociais e problemas de
idade avançada) - Outras condições que levam à marginalidade--Deficiência e incapacidade:
distinção importante.
 Capítulo Segundo
 O Significado da Integração Social das Pessoas Deficientes...
 A complexidade do desafio--A integração social e seus "porquês" (O elevado número de
pessoas consideradas como "deficientes", o valor próprio do ser humano, o valor econômico
da mão-de-obra não utilizada)--Os princípios básicos da reabilitação -- O despreparo nos
programas reabilitacionais -- A complexidade do trabalho de equipe em reabilitação--Os
programas necessários em nosso meio.
 Capítulo Terceiro
 Adequação Pessoal -- O Objetivo Último da Reabilitação ...
 Impedimento, deficiência e incapacidade -- Programas de reabilitação global --
Condicionamento físico em reabilitação -- O ajustamento psico-social no processo de
reabilitação -- Ajustamento à vida de trabalho --Hábitos, atitudes e comportamentos--A
adequação pessoal e seu significado -- Adequação pessoal-fator decisório na integração
social -- Anexo I (Indicativo para Identificação de Comportamentos) -- Anexo II (Lista de
Comportamentos ou Hábitos Inadequados).
 Capítulo Quarto
 Preparo para a Vida de Trabalho
 Aconselhamento para a vida de trabalho (Características pessoais, experiência educacional
e profissional, aptidões e potencialidades, interesses, capacidade física, capacidade mental)
-- Avaliação e ajustamento ao trabalho (potencial do indivíduo para o trabalho, significado
para o indivíduo, o processo de ajustamento à vida de trabalho, a importância dos
instrumentais de avaliação) -- O treinamento profissional em programas de reabilitação--
Colocação em emprego--Anexo I (Relatório de Aconselhamento em Reabilitação-
instrumental) -- Anexo II (Relatório de Avaliação Inicial-instrumental)--Anexo III (Relatório
Evolutivo do Caso-instrumental).
 Capítulo Quinto
 Equipes de Reabilitação nos Programas de Hoje ...
 trabalho de equipe em reabilitação--As garantias para um verdadeiro trabalho de equipe --A
liderança de uma equipe de reabilitação--A ausência da coordenação formal de uma equipe
-- As dificuldades principais em coordenar uma equipe--Problemas típicos encontrados num
trabalho de equipe (falta de confiança e respeito mútuos, excesso de importância à própria
atuação, desconhecimento das demais profissões, falta de atitudes de cooperação sistemática,
comportamentos inadequados numa equipe, falta de experiência em trabalho de equipe,
estilo inadequado de relatório, metodologia de cooperação quase inexistente, jogos de
prestígio e de poder e seus malefícios, ausência de uma boa política de pessoal)--A
necessidade de tratamento global do cliente --Superposição de atividades em equipes de
reabilitação -- O trabalho de equipe: perspectivas.
 Capítulo Sexto
 A Avaliação e o Controle nos Programas de Reabilitação...
 Os profissionais envolvidos em reabilitação--A falta de especialização e suas
conseqüências--Métodos de avaliação em centros de reabilitação- Modelos de avaliação--
Sistemas de avaliação (O “público” em geral, o "público" financiador, o "público" clientela,
o "público" das famílias da clientela, o "público" das entidades) - Conseqüências de uma
avaliação (decisão política, decisão estratégica, decisão tática) –Controle num centro de
reabilitação--Sistemas de controle utilizáveis em centros de reabilitação--Características do
sistema de controle.
 Bibliografia da Segunda Parte...
 ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
 Porteiro egípcio com deficiência física ...
 Harpista cego no Antigo Egito ...
 Soberano assírio cegando prisioneiros de guerra...
 Paralítico de Cafarnaum apresentado a Jesus.................
 Ulisses consultando o cego adivinho Tirésias........
 Mosaico de Lescar (França)--Homem com deficiência física . . .
 Coluna de Trajano--Atendimento a feridos em batalha ....
 Exorcismo de um catecúmeno com deficiências físicas .....
 Castigo na Idade Média: amputação de mão ..........
 Negociações com cruzados--Ancião com muletas........
 Hanseniano e deficiente físico impedidos de entrar em cidade . .
 Meios de locomoção e transporte de pessoas com deficiências . .
 O transporte de pessoas deficientes no século XVI ..........
 A mão artificial do pequeno Lorenense ..........
 Cegos, deficiente físico e um dos famosos "Sabouleux" . .
 Mendigos com deficiências no período pós-Renascença.
 Restos da batalha de Lens - soldados com deficiências. . .
 Deficiente físico vindo da Guerra do Paraguai .....
 A ORAÇÃO DA PESSOA DEFICIENTE
 Pedi a Deus forças para poder realizarmuitas coisas
 E fui feito fraco para poder aprender humildemente a obedecer;
 Pedi-lhe ajuda para que eu pudesse fazer coisas grandiosas
 E foi-me dada a enfermidade para que eu pudesse fazer coisas melhores;
 Pedi riquezas e bens para que eu pudesse ser feliz,
 Foi-me dada a pobreza para eu poder ser sábio;
 Pedi poderes a fim de receber a admiração dos homens,
 Foi-me dada a fraqueza para eu poder sentir a necessidade de Deus;
 Pedi-lhe tudo o que fosse necessário para eu gozar a vida
 E foi-me dada a vida, para eu poder gozar de todas as coisas.
 Eu não obtive nada do que havia pedido,
 Mas recebi tudo o que eu havia almejado.
 A despeito de mim mesmo quase,
 Minhas silenciosas preces foram atendidas.
 E dentre todos os homens
 Sou o mais ricamente abençoado!...
 (Autor desconhecido - Texto divulgado pelo Institute of Rehabilitation Medicine da New
York University e pela Abilities, Inc. de Albertson - Long Island-NY EUA)
 APRESENTAÇÃO
 Para reforçar a credibilidade em torno do que dizem, certos catedráticos costumam se
apresentar dizendo que têm tantos anos de cátedra, de cadeira. Se isto ajuda na apresentação
de "A EPOPÉIA IGNORADA", direi que tenho quase vinte anos de . . . cadeira de roda!
Direi também que este é o livro que gostaria de ter lido logo no início de minha pequena
epopéia. Quantas dificuldades teria superado com menos lágrimas e decepções não tantas! E
quantas palavras teriam poupado comigo alguns médicos, psicólogos e fisioterapeutas, se
também eles tivessem lido obras como esta! Mas obras como esta, tão completa, humana,
formativa e informativa sobre certas deficiências que acompanham a Humanidade desde seu
berço, não existiam . . . até agora (É por isto, talvez, que existem tantos deficientes, físicos e
sensoriais, incapazes de conviver mais naturalmente com suas deficiências). Mas agora
chega Otto Marques da Silva com a História na mão. E a História é mestra. (Aqui ela ensina
que, se é duro constatar que perante a paraplegia, por exemplo, a medicina tradicional ainda
é aprendiz, ensina também - e com muito jeito e humanismo - a evitar decepções e conviver
dignamente com tais deficiências). Otto nos leva pela mão através da História da
Humanidade e nos faz conhecer gente que, sem condições físicas, fizeram capítulos
importantes da História. Competência para isso o Otto tem: formado pela Universidade
Católica de São Paulo e pela Universidade de New York na área de Serviço Social e de
Reabilitação, contratado pela Organização das Nações Unidas como especialista nesses
assuntos, trabalhou em colaboração com programas de 29 países na implantação de projetos
para a reabilitação profissional de pessoas deficientes.
 Atualmente Otto é Diretor executivo da SORRI-SÃO PAULO (Sociedade para a
Reabilitação e Reintegração do Incapacitado: "uma experiência que deu certo").
 Já que me coube a honra de apresentar "A EPOPÉIA IGNORADA", aproveito a
oportunidade para convidar meus colegas deficientes físicos e, sobretudo, os profissionais
ligados à saúde, a tornarem menos ignorada esta grande epopéia que é a reabilitação e
reintegração da pessoa à sociedade. E meus agradecimentos a você, Otto,
por este importante trabalho, e à União Social Camiliana por tê-lo editado.
 
INTRODUÇÃO
 Uma boa porcentagem de nossa população ficou muito surpresa com dados divulgados
por todos os meios de comunicação ao final de 1980 quanto ao universo das pessoas que
viviam as conseqüências de males incapacitantes, tanto no Brasil quanto no resto do mundo.
Esse esforço de divulgação aconteceu devido aos preparativos para 1981, o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes. Até então muito pouca divulgação tinha ocorrido
quanto à verdadeira extensão de problemas dessa natureza e de repente atirava-se à
população uma assustadora porcentagem: 10% de nossa população têm deficiências!
 Enquanto muitos espantavam-se com o incrível volume de pessoas envolvidas na questão
de deficiências físicas, sensoriais, orgânicas e mentais, os céticos, que estão sempre muito
desconfiados de porcentagens mal calculadas e por vezes improvisadas para assustar os
incautos, não chegaram a se impressionar. Comentavam eles, que se essas estimativas mal
fundamentadas fossem rigorosamente levadas a sério, nem 10% de nossa população estaria
livre de problemas graves ou de estigmas, tais como alcoolismo, abuso de drogas,
prostituição, deficiência mental, psicopatia, neurose, tuberculose, tensão grave, cegueira,
surdez, reumatismo, câncer, tantas são as porcentagens alegadas.
 Pode bem ser verdade que não temos 10% de nossa população com deficiência certamente
que poderemos ter mais ou ter menos! Não há dados oficiais a respeito, não sendo possível
contestar ou confirmar. A precisão da cifra, que não passa de uma estimativa internacional
para dar o toque inicial a uma campanha de conscientização, não tem muita relevância, na
verdade. O que importa é que todos fiquemos muito cônscios das dificuldades sentidas pelas
pessoas que não têm a capacidade máxima de uso do seu corpo ou de sua inteligência, ao
tentar seu pequeno lugar ao sol. E mais ainda, é fundamental que todos saibamos que um
bom volume de providências para eliminação das desvantagens que elas sentem depende do
envolvimento de cada um, individualmente, e não apenas de figuras abstratas e impessoais
de "entidades" ou do "governo".
 Na verdade, essas estimativas mundiais,que foram divulgadas por documentos formais da
ONU e de suas Agências Especializadas, têm alertado muita gente para a existência de um
certo percentual de pessoas que são marginalizadas injustamente devido a problemas físicos
ou mentais, todas elas detentoras de seus direitos fundamentais como seres humanos que
são.
 Todos aqueles que sentem na própria carne essa rejeição e que tem parentes ou amigos
nessa situação, abismam-se com a lentidão incrível de reação da sociedade como um todo
em aceitar sua parcela de responsabilidade na solução desses problemas, sem atinar com as
causas dessa espécie de imobilismo. Alega-se sempre falta de informações oficiais, falta de
um posicionamento político, falta de condições para o estabelecimento de prioridades por
parte dos órgãos do governo. E justifica-se a falta de um envolvimento maior chamando a
atenção para o vasto programa de reabilitação profissional mantido pelo INPS em muitas
capitais e cidades maiores do Brasil e seus suntuosos e caríssimos centros de reabilitação
que dão atendimento apenas a casos de acidentados do trabalho.
 No entanto, não é só por inexistirem informações precisas que a nossa sociedade quase
que ignora o problema. Há, bem no fundo, um sentimento velado de rejeição contra tudo o
que é diferente, que é "defeituoso" e que causa certo mal-estar. Rejeita-se, afasta-se do
convívio de um lado, mas procura-se também, de outro, manter algumas organizações que se
dedicam ao problema sob pretextos os mais variados. Alguns trabalham e lutam pela causa
das crianças carentes e portadoras de deficiências porque têm um parente com deficiência;
outros o fazem devido a uma formação profissional; outros envolvem-se para recuperar
investimentos financeiros em pequenos centros de finalidade lucrativa. E, embora em
número reduzido, encontraremos também aqueles que se dedicam ao trabalho com pessoas
deficientes devido a um posicionamento pessoal sério e muito bem pensado.
 Precisamos, todavia, ceder à evidência e reconhecer que faltam requisitos básicos para o
desenvolvimento seguro de programas mais significativos do que aqueles que nossa
sociedade tem mantido. Dentre esses requisitos inexistentes destacamos o seguinte: não há
entre nós uniformidade e solidez de conhecimentosquanto à seriedade da situação, mesmo
entre algumas pessoas mais envolvidas. Há por vezes uma noção deturpada quanto à
realidade dos problemas e suas melhores e mais recomendáveis soluções por parte daqueles
que são detentores de condições para muito sérias tomadas de posição e que certamente
poderiam dar às pessoas deficientes tudo aquilo de que elas precisam para uma participação
social efetiva.
 Aqueles que trabalham em programas reabilitacionais de caráter global ou que têm uma
formação técnica adequada detectam com muita precisão atitudes descabidas, programas
superados, posicionamentos desastrosos, que levam à confusão, ao fracasso técnico, ao
descrédito e, pior do que tudo, ao atendimento falho e inadequado.
 A análise do quadro completo da evolução, do progresso ou do retrocesso no atendimento
a pessoas deficientes no Brasil é uma tarefa impossível, enquanto que um simples olhar para
o futuro poderá nos parecer nebuloso e sinistro, se algo de decisivo não for feito com
urgência. Talvez o que realmente poderá nos ajudar seja um olhar demorado para o passado,
pois sempre houve pessoas deficientes no mundo e as que sobreviveram fizeram-no de
alguma forma com a ajuda de alguém, além de um enorme esforço pessoal. 
 A sobrevivência das pessoas com deficiências aqui no Brasil e em boa parte do mundo, na
grande maioria dos casos, tem sido uma verdadeira epopéia. Essa epopéia nunca deixou de
ser uma luta quase que fatalmente ignorada pela sociedade e pelos governos como um todo--
uma verdadeira saga melancólica--assim como o foi em todas as culturas pelos muitos
séculos da existência do homem. Ignorada, não por desconhecimento acidental ou por falta
de informações, mas por não se desejar dela tomar conhecimento.
 Ao tentarmos voltar no tempo, todavia, algumas questões afloram de imediato: O que
pensavam nossos antepassados distantes de pessoas que tinham defeitos físicos ou
problemas mentais? O que faziam as sociedades hoje inexistentes com pessoas portadoras de
deficiências?
 E talvez as suposições do que seriam as respostas a essas perguntas indiquem uma certa
posição nossa cultural, ou quem sabe pessoal, velada, secreta, muito íntima - e
preconceituosa!
 Muitas outras perguntas podem ser levantadas, como, por exemplo: Qual tem sido o
destino de crianças nascidas com deformações entre culturas primitivas que ainda hoje
existem? Qual terá sido o destino de soldados com seus braços ou mãos decepados nos
violentos combates corpo a corpo das campanhas romanas, gregas, egípcias, hebréias? Como
foi possível a alguns poucos homens passar para a História, apesar de suas deficiências?
Mesmo que poucos, o que tornou esses homens e mulheres diferentes para serem aceitos,
assimilados e respeitados?
 Anomalias físicas ou mentais, deformações congênitas, amputações traumáticas, doenças
graves e de conseqüências incapacitantes, sejam elas de natureza transitória ou permanente,
são tão antigas quanto a própria humanidade. Através dos muitos séculos da vida do homem
sobre a Terra, os grupos humanos de uma forma ou de outra tiveram que parar e analisar o
desafio que significavam seus membros mais fracos e menos úteis, tais como as crianças e
os velhos de um lado, e aqueles que, vítimas de algum mal por vezes misterioso ou de algum
acidente, passavam a não enxergar mais as coisas, a não andar mais, a não dispor da mesma
agilidade anterior, a se comportar de forma estranha, a depender dos demais para sua
movimentação, para alimentação,
para abrigo e agasalho.
 Muitos dos que começam a estudar o assunto deduzem apressadamente que o indivíduo
doente, deficiente ou portador de um problema sério qualquer, era exterminado pelo grupo
primitivo. Outros acham que não. Apresentam como prova eventual o aparecimento e a
evolução da medicina, a existência de esqueletos com sinais de fraturas solidificadas e o
achado de crânios trepanados.
 O levantamento histórico apresentado na primeira parte desta obra, cobrindo desde os
tempos sem registro da Pré-História até o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981)
não teria muita utilidade nem justificativa sem objetivos mais amplos e mais ambiciosos. Ele
poderá, por exemplo, levar a um entendimento de certas atitudes e de muitas das
preocupações de nossos dias quanto a deficiências que atingem o ser humano, pois de acordo
com a incisiva afirmação do historiador Will Durant, "o estudo da Antigüidade perde o
valor, exceto quando se torna um drama vivo, ou quando lança luz em nosso viver
contemporâneo".
 Há, no entanto, outros motivos para o trabalho apresentado na primeira parte deste livro, e
dentre eles um poderá ser expresso com palavras escritas por Flávio Josefo, historiador
judeu do primeiro século da Era Cristã: "Aqueles que se determinam a escrever história a
isso nem sempre são levados pela mesma razão". E, ao alinhar algumas dessas possíveis
razões, indica como última a seguinte: “... e outros, por fim, o fazem porque não podem
tolerar que coisas dignas de serem conhecidas fiquem sepultadas no silêncio".
 No entanto, não é apenas a curiosa, tocante e por vezes trágica referência histórica que
tem relevância neste trabalho sobre as pessoas deficientes no mundo de ontem e de hoje.
Ressaltemos que, dentre os variados aspectos de toda a questão que não podem de maneira
alguma ficar "sepultados no silêncio", esquecidos, deturpados ou minimizados, estão aqueles
que retratam a maneira como a humanidade de hoje vê as pessoas portadoras de deficiências
e também aqueles relacionados com os caminhos novos - técnicos, bem cuidados e
criteriosos da chamada "reabilitação" - para colaborar com essas mesmas pessoas para
poderem ser inseridas em determinado contexto, assumindo seu papel com dignidade e
competência.
 
PRIMEIRA PARTE
 A POSIÇÃO DAS PESSOAS DEFICIENTES NAS SOCIEDADES DE ONTEM E
DE HOJE
 "Toda filosofia depende da História" (Nietzsche)
 "O estudo da antigüidade perde o valor, exceto quando se torna um drama vivo, ou
quando lança luz em nosso viver contemporâneo" (Durant)
 CAPÍTULO PRIMEIRO
 A PESSOA DEFICIENTE NO MUNDO PRIMITIVO
 Se tomarmos, como elemento de classificação das diversas etapas da vida do homem
sobre a Terra, o material principal e mais relevante com que procurava ele fabricar todos os
seus utensílios e instrumentos destinados à sua sobrevivência e conforto, poderemos dividi-
las em:
 -- Idade da Pedra Lascada
 -- Idade da Pedra Polida
 -- Idade do Bronze
 -- Idade do Ferro.
 A Idade da Pedra Lascada corresponde a uma boa parte do também chamado Período
Paleolítico -- uma vastidão de tempo, com milhares de séculos muito obscuros, iniciados
provavelmente há mais de um milhão de anos atrás. A Idade da Pedra Polida já corresponde
aos Períodos conhecidos como Mesolítico e Neolítico, isto é, a épocas correspondentes a
10.000 anos antes da Era Cristã até 2.500 a.C.
 Os tempos que costumamos chamar de históricos começaram a ser vislumbrados com a
Idade do Bronze e definidos com a Idade do Ferro.
 Essas Idades ou Períodos indicam graus de desenvolvimento e não necessariamente
períodos cronológicos da história do homem sobre a Terra. Esses graus de desenvolvimento,
nos quais alguns poucos povos até hoje existentes encontram-se mergulhados por milênios,
foram por vezes atingidos com rapidez por algumas raças.
 Para ilustrar essa disparidade de momentos de desenvolvimento basta lembrar que,
enquanto os egípcios já viviam na Idade do Ferro, os gregos estavam vivendo sua Idade do
Bronze e as tribos bárbaras do norte europeu viviam na Idade da Pedra Polida. Em regiões
onde a natureza sempre foi mais pródiga e o tempo mais acolhedor e ameno, a velocidade do
desenvolvimentofoi muito menor. Ainda hoje vemos em zonas tropicais ou temperadas do
globo terrestre -- inclusive no Brasil - povos que vivem vidas altamente primitivas e sem
qualquer contato com a civilização, como homens das Eras Mesolítica e Neolítica.
 - *O homem neolítico no Brasil de hoje.*
 "No dia 8 os kranhacãrores estão de volta ao mesmo local. Nova correria no
acampamento. Orlando, que havia rumado para lá logo que soube do primeiro contato,
apanha os presentes e corre para a canoa. Avança lépido pela picada, apesar do corpo
volumoso e apesar de quase não enxergar com um olho, operado de catarata. A canoa sai
carregada de gente. Os kranhacãrores estão na outra margem, a 100 metros. Entre a canoa e
os kranhacãrores, 100 metros de água e 30.000 anos de cultura. É o homem que já ronda as
estrelas, atrás do seu irmão da Idade da Pedra Polida" ... "entre os presentes há um machado
que o kranhacãrore mais jovem apanha e examina com curiosidade. Solta um grito,
interpretado como de contentamento e vai para junto de uma árvore. Ergue os braços rígidos
e vibra um golpe vigoroso, soltando outro grito. O machado escorrega de suas mãos, indo
parar perigosamente perto de seu pé".
 "E se o kranhacãrore se ferir e interpretar aquilo como uma artimanha dos brancos? é o
que a maioria pensa. Mas nada acontece. O kranhacãrore ergue o machado novamente e
encaixa um golpe profundo no tronco. A pancada ecoa pela mata e o kranhacãrore dá o
grande salto da Idade da Pedra para a Idade do Bronze" (in "Realidade", de abril de 1978,
reportagem e texto de Luigi Mamprin).
 - *As primeiras civilizações do mundo.*
 As primeiras civilizações de alguma sofisticação começaram a desenvolver-se nas
proximidades dos rios e em especial junto aos grandes rios que banhavam terras planas e de
boa qualidade, tais como o Eufrates, Tigre, Nilo, Ganges, Amarelo e Indo.
 Foi exatamente ao longo desses grandes rios que, no ponto do Oriente conhecido como
"Crescente Fértil" - situado entre o norte da África e o Oriente Médio -- logo distinguiram-se
muitos grupos humanos que, devido às características de então e ao seu isolamento quase
que contínuo, além de um incontido receio pelo desconhecido, formaram as primeiras
civilizações: egípcios, assírios, babilônios, hebreus, fenícios, mesopersas e outros.
 Do Oriente, as facilidades de vida individual e de grupo conhecidas por nós como
civilização foram levadas muito vagarosamente para o Ocidente, tendo chegado
primeiramente à Grécia, antes de chegar a Roma, o que sucedeu diversos séculos depois. De
Roma elas foram levadas também às regiões mais ocidentais da Europa, tendo afinal
chegado ao Novo Mundo e à Oceania.
 1. O Alvorecer da Humanidade.
 Nada de concreto existe quanto à vida de pessoas com deficiências físicas ou mentais, do
velho e do doente nos primeiros nebulosos e muitas vezes enigmáticos milênios da vida do
homem sobre a Terra, a não ser supostas situações que estão baseadas em indícios
extremamente tênues. É evidente que fatos concretos ou situações comprovadas de vida, em
toda a fase pré-histórica da História da Humanidade, são impossíveis de serem
estabelecidos, mesmo com o magnífico concurso dos sábios que dominam muito bem toda a
ciência arqueológica e áreas afins.
 Poderemos, sim, tentar imaginar o ambiente de então e o que ele poderia significar para a
sobrevivência dos grupos humanos como um todo, elaborando um pouco quanto às
hipotéticas situações a serem enfrentadas por um eventual portador de alguma deficiência
limitadora de suas funções básicas daquelas mesmas épocas.
 - *Os males incapacitantes de sempre*
 Lembremo-nos de início que muitos dos males incapacitantes de hoje sempre existiram,
desde os primeiros dias do homem sobre a Terra. Muitos deles por muitos milênios foram
fatais devido à falta de recursos no seio das populações primitivas. Apesar de nos
encontrarmos diante da impossibilidade de citar com segurança os males que rapidamente
deterioravam a vida do homem pré-histórico, ainda achamos válido, apenas para ajudar
nossa imaginação e nosso raciocínio, anotar mentalmente que os seguintes males sempre
foram e sempre serão muito sérios para a sobrevivência do homem, ou para sua integração
ao seu grupo principal como elemento participante:
 -- Amputações em vários níveis e membros
 -- Artrites em suas várias caracterizações
 -- Cegueira ou limitações de visão
 -- Defeitos de nascimento ou malformações
 -- Surdez ou reduções graves de audição
 -- Afasia ou problemas de comunicação oral
 -- Desordens sanguíneas graves
 -- Problemas cerebrais
 -- Câncer nas muitas de suas caracterizações
 -- Queimaduras em vários graus e localizações
 -- Desordens cardíacas de gravidades diversas
 -- Paralisia cerebral de intensidades diversas
 -- Fibrose cística
 -- Problemas de abuso de medicamentos ou de álcool
 -- Epilepsia
 -- Diabete
 -- Problemas renais
 -- Doenças mentais das mais variadas intensidades
 -- Deficiências mentais nos variados graus
 -- Esclerose múltipla
 -- Distrofia muscular
 -- Gota em suas manifestações mais graves
 -- Desordens neurológicas diversas
 -- Fraturas e problemas ortopédicos os mais variados
 -- Problemas respiratórios e/ou pulmonares
 -- Paralisias (paraplegia, tetraplegia, hemiplegia)
 -- Doenças venéreas
 -- Fissuras lábio-palatais
 -- Hemofilia
 -- Síndromes incapacitantes diversas
 -- Hanseníase
 -- Paralisia infantil
 -- Incapacidades múltiplas
 -- Doenças crônicas
 -- Doenças dermatológicas transmissíveis
 -- Idade avançada
 Para vários dos males indicados poderemos de alguma forma imaginar as soluções dadas
durante aquelas longínquas épocas, por paralelos ou comparações que fazemos com
populações de cultura primitiva ainda existentes. Para alguns males é muito difícil
elaborarmos qualquer quadro, como em casos de ósteoartrite. Existe evidência de sua ação
não só no esqueleto de um homem de Neanderthal, de mais de 40.000 anos atrás, mas
também de sua devastadora existência em dinossauros do período Mesozóico.
 - *O ambiente físico*
 Há muitos milhares de anos o homem vivia desprotegido num mundo hostil, habitando em
abrigos naturais de pedra ou em cavernas. O número dessas cavernas era exíguo para toda a
humanidade francamente em expansão e às vezes imobilizada por invernos rigorosos. É
praticamente certo que as melhores e mais protegidas cavernas foram sendo ocupadas e
defendidas por muitas gerações de um mesmo grupo.
 Dentre os primeiros habitantes de cavernas que povoaram esparsamente a Europa pré-
histórica, devemos destacar o Homem de Neanderthal, que viveu há uns 70.000 anos. Pelos
achados ocorridos em cavernas da Europa utilizadas naquelas épocas, podemos chegar a
algumas conclusões. Uma delas é que em geral tratava-se de grupos humanos que adotavam
cuidados básicos muito rudimentares com tudo. Em boa parte dos casos estudados, eram
seres humanos pouco dados à ordem ou à limpeza de seus ambientes. Praticamente tudo o
que utilizavam ou que deixavam de usar por ser considerado como inútil, e mesmo restos de
animais devorados eram jogados fora em cantos das cavernas habitadas, o que levava à
formação gradativa de camadas de depósitos de detritos, incluindo neles pedaços de armas,
ossos, cinzas de fogueiras destinadas ao aquecimento ou ao preparo de alimentos.
 Algumas das cavernas utilizadas pelo homem primitivo eram grandes, escuras e um tanto
tenebrosas, mesmo para os dias de hoje. Mas seus ocupantes viviam apenas nas áreas
próximas à entrada, como bem o demonstram os estudos arqueológicos. Lá eles se sentiam
não só protegidos do vento, da chuva, do calor e do frio, como também das incertezas da
noite, das grandestempestades, dos animais ferozes e dos inimigos que continuamente
procuravam desalojá-los.
 Os homens hoje conhecidos como Cro-Magnon, surgidos ao final da Idade do Gelo há
mais ou menos 30.000 anos e muito parecidos com algumas raças de homens da atualidade,
começaram a povoar esparsamente diversas partes da Europa, pois aos poucos tinham
conseguido explorar e descobrir locais mais longínquos de seus abrigos originais,
permanentemente ameaçados por tribos rivais. Tinham aprendido a construir abrigos
provisórios de peles de animais abatidos e tinham também descoberto sítios mais adequados
para caçadas mais promissoras. Esses foram os homens que começaram a documentar o
mundo que os cercava, os animais que caçavam ou que os ameaçavam nas caçadas sem fim,
para as quais plena agilidade, força e domínio do corpo eram fundamentais, num esforço de
grupo. Bisões, mamutes, ursos, velozes javalis e ágeis cervos foram desenhados, entalhados
e mesmo pintados com pormenores de cores vivas em pedras, pedaços de osso, paredes e
tetos das cavernas. Esses desenhos e peças entalhadas são encontradiços principalmente nas
cavernas ao sul da França e ao norte da Espanha.
 O interessante é que essas obras, em quase sua totalidade, não estão nem foram
encontradas na boca das cavernas, mas em pontos bem mais afastados do ambiente habitado,
e às vezes à beira de grandes buracos, em pontos de difícil acesso até para os nossos recursos
de hoje, inclusive nos tetos das cavernas.
 Para lá trabalhar nas muitas horas e dias de dedicação à obra, durante os longos invernos,
o supersticioso homem primitivo certamente precisou primeiro vencer o medo que sentia
pela escuridão sempre povoada por seres tenebrosos e o próprio ambiente mais profundo e
misterioso das cavernas que refletiam sombras confusas à luz de tochas fumarentas.
 Junto aos desenhos desses bisões e demais animais da época, existem contornos de mãos
-- muitas mãos --inclusive diversas com dedos visivelmente em falta!
 - *Os desafios para a vida do homem primitivo*
 Dentre os principais problemas enfrentados pelo homem pré-histórico para poder
sobreviver, estavam não apenas o abrigo e o aquecimento durante os meses de inverno ou
durante as intempéries, mas também as dificuldades, quase que diárias durante as épocas
mais quentes do ano, para obter alimento fresco. Ele não dispunha de meios para manter em
bom estado de conservação para consumo a carne dos animais caçados nos dias de muito
calor, enquanto que durante os meses de inverno a caça tornava-se rarefeita e ele mesmo
dispunha de poucas condições para sobreviver por longos períodos de tempo fora de seus
abrigos.
 O homem das Épocas Paleolítica e Mesolítica praticamente não plantava e não dispunha
de animais domesticados, tais como os bovinos e eqüinos, que poderiam ser sacrificados
para resolver o problema da falta de caça para alimentar o grupo. Além disso, ele dependia
quase que exclusivamente da caça de certos animais muito cobiçados, se quisesse garantir
peles quentes e adequadas para cobrir seu corpo e proteger seus pés durante o inverno, sem o
que não conseguiria expor-se por longo tempo ao frio para matar animais atentos e muito
velozes.
 Assim, durante muitos milênios dominando apenas armas de curto alcance, não há dúvida
que os requisitos básicos para a atividade principal, que era a caça, eram a sua inteligência
muito superior à dos animais cobiçados, a capacidade de atuar em grupos bem coordenados
e criativos e . . . uma capacidade física total. Dessa forma, é muito difícil imaginarmos como
um homem ou uma mulher poderiam sobreviver naquelas remotas eras com uma deficiência
física muito limitadora.
 Mas o homem primitivo aprimorou suas condições de vida e já na época Neolítica (há
aproximadamente 10.000 anos), em parte graças ao gradativo término da chamada Idade do
Gelo e à progressiva e amena mudança de temperaturas nas várias regiões do globo terrestre,
notamos que ele começou a ter melhores condições para explorar por muito mais tempo
territórios jamais trilhados, com suas campinas, florestas e rios. Foi exatamente o homem
neolítico que conseguiu tornar a caça muito mais racional, montando armadilhas, redes,
chegando mesmo a construir represamentos de riachos para obtenção mais fácil de peixes
para seu consumo. E, avanço muito significativo, inventou armas de mais longo alcance. Foi
ele também que começou a solidificar o grupo familiar, que acabou por se tornar uma
unidade social básica. Foi igualmente esse primitivo homem neolítico que tornou mais
elaborada a idéia de um Deus ou das muitas divindades, e mesmo de seu culto e das
religiões. Em suas explorações longínquas encontrou, talvez com surpresa, novos grupos de
homens e com eles misturou-se. Segundo nos relatam especialistas no assunto, foi o homem
neolítico que se organizou em grupos mais heterogêneos e que certamente começou a
desenvolver uma primitiva, mas marcante, consciência social.
 - *O cuidado para com doentes e a incipiente medicina*
 Como das demais Épocas, desta Época Neolítica também não temos dados ou sinais de
qualquer significado quanto ao problema causado pelas eventuais incapacidades físicas ou
mentais em membros dos vários grupos humanos, a não ser presumirmos que, não só com
um paciente e sempre muito curioso olhar, comparar e também estudar o comportamento
animal (por exemplo, a absoluta solidariedade dos elefantes para com seus membros
feridos), mas com o despertar dos vínculos mais fortes de ordem familiar, e com o
surgimento da consciência social, o homem começou a atuar diferentemente. Já havia a
linguagem falada em plena evolução e mais, a idéia de um ser superior - ou seres superiores
- ainda de caráter punitivo e severo, o que talvez tenha levado o homem primitivo a melhor
considerar as pessoas adoentadas, as acidentadas em atividades de caça e pesca, as vitimadas
por ciladas ou agressões de grupos rivais. Provavelmente dessas não registradas épocas da
vida do homem sobre a Terra foram surgindo os primeiros passos para uma medicina não só
de medicamentos provenientes de plantas, frutos e alguns minerais, mas também as
primeiras tentativas cirúrgicas mais sérias. Dedos das mãos amputados, não se sabe por que
causas, já haviam surgido por milhares de anos em desenhos das cavernas habitadas.
 Ao final da Época Mesolítica, passando aos poucos para a Neolítica, amputações de pés,
de mãos e também a incrível cirurgia craniana conhecida como "trepanação", com a
comprovada sobrevivência do "operado", foram realizadas, conforme indicam achados da
época.
 Facas, serras, instrumentos pontiagudos haviam surgido para utilização nas atividades
principais relacionadas à alimentação e vestuário de todo o grupo. Talvez que de sua
contínua utilização para esquartejamento de caça, retirada e preparo de suas peles, divisão
das carnes em pedaços menores e mesmo preparo de algumas armas, tenha surgido a idéia
de, com cuidados bem maiores, usá-los para intervenções cirúrgicas.
 O homem primitivo que se dedicava à arte de aliviar dores, estancar sangue e mesmo
curar males, tinha seus conhecimentos de anatomia derivados exclusivamente da observação
constante e da contínua e necessária atuação e experimentação. Essas experiências foram
sendo acumuladas por alguns homens considerados como especiais, depois chamados de
feiticeiros, magos, druidas, pajés, além de seus auxiliares e foram sendo passadas de geração
para geração, de grupo para grupo, de milênio para milênio, propagando-se e enriquecendo-
se continuamente.
 Na Época conhecida como Neolítica, ou seja, aproximadamente 8.000 anos atrás, o
homem descobriu muitos dos segredos básicos da natureza, da vida e da própria terra, tais
como a domesticaçãode animais e a agricultura. Assim, a vida de cada grupo foi-se
tornando cada vez menos difícil e menos perigosa uma vez que esse domínio maior do
ambiente que o cercava acabava por não exigir grandes riscos de vida para garantir a
sobrevivência pela caça quase que diária.
 O homem tornou-se dono de sua vida, de seu relativo bem-estar e de seu futuro, embora
ainda vivendo em situações bastante precárias, como diversas das raças primitivas de hoje
que ainda vivem como homens neolíticos.
 - *As fraturas na Pré-História*
 Membros fraturados certamente que eram tratados à semelhança da forma como animais
superiores o fazem, muito mais por instinto do que por conhecimento de causa ou raciocínio,
descansando a parte afetada ou deixando de utilizá-la. Provavelmente ainda na Era
Paleolítica, durante a qual o homem esteve mais do que nunca sujeito a grandes quedas e a
pancadas violentas, seja de inimigos portadores de armas contundentes, seja de animais
acuados durante uma caçada, a própria vitima ou seus companheiros aliviariam o membro
atingido com uma primitiva imobilização, por meio de pedaços de ramos de árvores ou
pequenos arbustos atados por tiras de couro de animal, tufos ou cordas de capim, de cascas
de árvores ou de outra natureza.
 Segundo o Dr. Edgard M.Bick, citado por Agüero, o homem pré-histórico que inventou a
imobilização de um membro fraturado mereceria a mesma honra e teria os mesmos méritos
que aquele que idealizou a roda ou que descobriu a forma de fazer e de controlar o fogo.
 Logo antes de partir para uma caçada ou para uma operação guerreira, os homens pré-
históricos reuniam-se ao redor do fogo, em algum tipo de cerimônia religiosa, que
certamente demonstrava a importância e o significado do empreendimento. Nessas
atividades perigosas e muitas vezes imprevisíveis, fraturas por golpes de clavas, patadas,
quedas e mesmo pelos azares do dia-a-dia eram freqüentes. E certamente devido a essa
freqüência, nas cavernas, abrigos e casas primitivas de então os acidentados já deveriam
contar com homens mais idosos que tinham experiência e que sabiam como tratar com certo
sucesso casos dessa natureza. Nas diversas cavernas pesquisadas pelos arqueólogos, e nos
locais onde foram encontrados muitos esqueletos pré-históricos, vários ossos apresentam-se
com fraturas solidificadas e bem tratadas.
 Esses ossos solidificados e com evidentes sinais de fraturas anteriores foram estudados
meticulosamente por cientistas diversos que notaram a ocorrência maior e mais significativa
de fraturas do ante-braço (radius). Nesses esqueletos pré-históricos encontrados e analisados
até hoje, podemos citar sinais de fratura tratada em ossos de omoplata (em Vendreste), de
tíbia (encontrados em dólmens da África do Sul e em Meudon), do perônio (terço superior),
do fêmur (bastante comum), do húmerus, da clavícula e mesmo do metatarso.
 Em sua obra "La Médecine chez les Peuples Primitifs (Préhistoriques et Contemporains)",
Stéphen-Chauvet afirma que um grande estudioso dos achados pré-históricos, o Dr.
Raymond, pôde estudar um fêmur direito encontrado numa gruta do vale Petit-Morin que
havia sido fraturado em seu terço inferior, e que apresentava um forte deslocamento. O
fragmento inferior tinha sua ponta, na linha áspera e quebrada, solidificada à extremidade
baixa do pedaço superior do fêmur, mas com grande desvio. Assim, o conjunto é envolvido
numa calosidade óssea de aproximadamente 20 cm de circunferência, daí resultando um
considerável encurtamento da coxa.
 Todas essas fraturas mesmo a do metatarso chegavam a impedir o homem primitivo da
participação em atividades de caça ou de guerra praticamente durante meses. Viviam com
seus membros imobilizados - ou pelo menos não usados - sobrevivendo na dependência dos
demais. Eram, assim, transitórias, mas seriamente deficientes.
 No entanto, seja pelos dedos amputados, que podem ser notados nos desenhos das
cavernas habitadas, seja pelo exemplo da incrível calosidade óssea com grande desvio da
linha do fêmur e evidente encurtamento da perna, tivemos na Pré-História pessoas
deficientes que sobreviveram por muitos anos. Como sobreviveu esse homem de perna com
fratura solidificada com sério desvio? Como conseguiu integrar-se ao seu grupo, e com que
tipo de papel? Sim, pois se não tivesse sido integrado, seus ossos não estariam na caverna
em que foram encontrados... Como participou, pelo resto de sua longa vida, das atividades
de sua família ou de seu grupo? Seu vulto, coxeando pelos agrestes e perigosos caminhos,
num ponto perdido da Pré-História, permanecerá sem maiores explicações em nossa
imaginação.
 Além das providências de imobilização para os casos de fraturas, membros ou partes do
corpo atingidos por um golpe devem ter sido instintivamente socorridos por massagens do
próprio indivíduo, da mesma forma como certas dores reumáticas podem ter sido aliviadas
com o calor das fogueiras ou das pedras aquecidas ao seu redor nas primeiras cavernas
habitadas pelos grupos humanos.
 - *O que nos ensinam os ossos pré-históricos*
 Os homens que se dedicam ao estudo de ossos pré-históricos têm desenvolvido denodados
esforços para a criação de uma nova especialidade: a paleopatologia. Praticamente toda a
especialidade aqui referida volta-se para achados que indicam a existência de patologias
incapacitantes. Seus estudos não podem desconsiderar desenhos, estatuetas, relevos, além da
análise sistemática de ossos que apresentam anomalias.
 A nova ciência da paleopatologia nos ensina que a doença e a deficiência física são tão
antigas quanto a própria vida sobre a Terra.
 Pois bem, é a paleopatologia que nos diz que ossos de animais de todas as épocas indicam
a presença de distrofias - sejam elas congênitas ou adquiridas - e lesões traumáticas ou
infecciosas. Dentre os ossos encontrados na França, na Espanha e na Argélia, existe mais de
uma centena que apresenta anomalias. Vejamos alguns exemplos mais marcantes:
 a) Pythecanthropus Erectus - Existem poucos ossos do tipo conhecido por esse nome
científico: uma calota craniana, três dentes e um fêmur. O fêmur apresenta uma espécie de
tumor ósseo bem volumoso no terço superior, próximo à sua cabeça, atribuído pelos
estudiosos a uma fratura ou a um aneurisma.
 b) Homem de Neanderthal -- Há ossos do chamado Homem de Neanderthal que
apresentam traços de traumatismo. Há, por exemplo, no úmero esquerdo, uma cicatriz que
corresponde a uma lesão séria. No esqueleto desta espécie, descoberto em Krapina, existe
um sinal de fratura solidificada na clavícula. O esqueleto de La Chapelle-aux-Saints mostra
sinais de artrite deformante.
 c) O esqueleto analisado por Raymond - O fêmur com grande desvio citado mais atrás, foi
descoberto por Raymond na gruta de Baye. É interessante notar que ossos provenientes
dessa mesma caverna apresentam, quase todos, sinais de osteoartrite de natureza reumática.
Segundo alguns especialistas, essa afecção apresenta-se como um real obstáculo à boa
solidificação de uma fratura.
 d) Homem Cro-Magnon -- A espondilose foi encontrada num esqueleto de homem pré-
histórico conhecido como Cro-Magnon. Trata-se de um mal de efeitos muito limitadores,
pois a espinha dorsal em geral fica com uma curvatura bastante acentuada, a cabeça inclina-
se para a frente e as coxas flexionam-se.
 e) Freqüência do reumatismo -- O reumatismo foi muito freqüente e devastador na Pré-
História. Havia casos que iam desde a chamada osteopatia peri-articular, até a total
imobilização do homem primitivo. Um exemplo marcante é encontrado em ossos do Homem
de Neanderthal, descobertos em La Chapelle-aux-Saints, na França. Pela análise dos
mesmos, especialistas constataram sinais claros de articulaçõescoxo-femurais com artrite
seca e com poli-artrite.
 Na Era Neolítica a presença média do reumatismo é estimada em 20% dos esqueletos ou
ossos encontrados. A incidência do mal talvez esteja relacionada à má qualidade da
alimentação (que pode também ter causado muitos casos de cegueira), devido a infecções e
também devido à exposição à umidade e ao frio. Convém que lembremos ter o homem
primitivo vivido muito exposto às alterações do clima, muitas vezes em cavernas cheias de
umidade. Assim, os casos de reumatismo não aconteciam apenas em faixas etárias mais
elevadas; ocorriam também muito antes dos 30 anos de idade (Ver Goldstein, Guthrie,
Gonzales, Stephen-Chauvet e Dastugue).
 - *A origem dos males que afetavam os homens*
 A rude e muito difícil vida do homem em seus primeiros milênios de existência sobre a
Terra não admitiam fraquezas. A doença e os acidentes aconteciam, muitas vezes
avassaladores e de muito rápido desfecho; mas por vezes o homem vencia, e uma primitiva
medicina -- se assim poderá ser chamada -- ajudava com um socorro paliativo, cada vez
mais eficaz, por meio de homens observadores, muito voltados para os recursos da natureza
e para os misteriosos segredos do "desconhecido".
 Afirmam Graña, Rocca e Graña Jr. em "Las Trepanaciones Craneanas em el Perú en la
Época Pré-Hispánica": "Se considera una doctrina plenamente confirmada que el hombre
primitivo, a través de todos los tiempos y en todas las regiones del globo, observó las
mismas creencias, iguales supersticiones y atravesó por semejantes etapas de cultura".
 "Y así, concurren a una interpretación común las leyendas y tradiciones más remotas
sobre el origen de las enfermidades. Ignoradas las causas reales, el hombre invocaba lo
ignoto y misterioso, lo invisible e palpable, o sea, el concepto de los espíritos y la influencia
de la divindad. Desde este punto de vista el folk-lore médico es el mismo en todas las
civilizaciones primitivas".
 "Elocuente demonstración de estos hechos ofrecen ciertas prácticas quirúrgicas
registradas en la história de los pueblos más antiguos, y una de verdadera significación y
importância es, sin duda, el caso de las trepanaciones craneales, realizadas desde muchos
milenios anteriores a nuestra era. Ya en el período neolítico se realizaba con extraordinaria
frecuencia esta grave y dificil intervención, juzgada" como la operación más antigua de la
cual existen huelas comprobadas". Como demonstración palmaria de las ideas enunciadas
antes, podemos aducir que dicha intervención en el pasado lejano se llevó a cabo en las
regiones más distantes de la tierra: Africa y Asia, entre los "Chaouias" de la Algeria, las
tribus Bere-Bere, que la practican aún hoy. Se han
descubierto cránios horadados en Herzogovina, Montenegro Y Albania; igualmente em las
islas del Pacifico, la Malasia, Polinesia, Tahiti. En Nueva Bretaria, en el Archipiélago de las
Bismark; en diversos paises del Mediterráneo, Itália, Francia. En Inglaterra y Austria; en las
Islas Canarias y, bien lo sabemos, en diversos paises de la América Del Sur, Perú, Bolivia y
Colombia".
 É indiscutível que o homem pré-histórico procurava a origem das enfermidades em
crendices de natureza mística ou fantasiosa, mais de ordem demoníaca ou resultante de
atitudes punitivas das divindades ou seres superiores. Apesar de podermos duvidar da
profundidade ou da diversidade de conhecimentos dos aplicadores da primitiva medicina, a
eficácia de muitos tratamentos é fato inquestionável.
 Data, por exemplo, de tempos imemoriais a utilização de uma lama especial para muitos
casos de afecções cutâneas, bem como o uso de teias de aranha em cortes e feridas, com
resultados positivos, Embora ainda não fosse do conhecimento do homem primitivo, hoje
sabemos que os produtos naturais indicados acima contêm uma espécie de elemento protetor
quase tão eficaz quanto a penicilina. Certamente que são surpreendentes para todos nós
conhecimentos primitivos quanto à eliminação da dor, ao estancamento de sangue, à
assepsia ou às técnicas operatórias, porque não há dúvida de que de alguma forma eles
existiram.
 - *O tratamento primitivo e as deficiências*
 Comprovadamente tanto a existência quanto o tratamento de males diversos no seio das
populações primitivas e pré-históricas sempre estiveram ligados à magia.
 A própria trepanação -- ou seja, a abertura de um orifício em alguma parte do crânio --
indica uma crença primitiva quase que demonológica ou maligna de origem desconhecida de
certos males físicos ou mentais. No entanto, o tratamento dos feiticeiros ou mágicos
daquelas épocas incluía, além de cerimoniais com evidente simbologia, providências de
natureza objetiva, muitas vezes hoje utilizadas em tratamentos de urgência ou tratamento
médico regular, como o calor, o frio, a sangria, os banhos, a sucção, dentre muitos outros
meios que apenas podemos imaginar.
 Conforme referimos anteriormente, a massagem, certamente descoberta por mero acaso
num momento perdido de dor na história do homem, levava – como sempre levou -- a uma
sensação de alívio; assim também a proximidade com o calor do fogo, ou o amortecimento
em contato com o gelo ou neve. O uso eventual de uma erva -- à semelhança do que fazem
certos animais em momentos de dor -- pode ter levado a alívios pouco esperados.
 Cada povo ou cada tribo, por experiências acumuladas e por observações próprias, foi
desenvolvendo seus próprios meios de tratamento de males. Por uma questão de
sobrevivência da raça apenas, cuidados um pouco diferenciados podem ter sido dados às
mães e aos recém-nascidos -- desde que perfeitos e, conforme as circunstâncias, desde que
do sexo masculino. É quase certo que uma criança nascida com aleijões ou aparentando
fraqueza extrema terá sido eliminada de alguma forma, tanto por não apresentar condições
de sobrevivência, quanto por crendices que a vinculavam a maus espíritos, a castigos de
divindades ou mesmo por motivos utilitários.
 Os primeiros auxílios prestados pelos homens primitivos foram relacionados a lesões do
tipo traumático, como as feridas, os dilaceramentos causados por pedras, espinhos, flechas,
lanças, garras ou presas de animais caçados, todas elas provocadoras de perda de sangue ou
de fraturas. As circunstâncias da ocorrência desses fatos ou acidentes certamente levaram os
companheiros ou a própria vítima a buscar na natureza que os cercava os remédios
necessários. A compressão normalmente feita pelas mãos e as proteções por ataduras
primitivas estavam incluídas nessas providências iniciais.
 Ressaltemos que os homens pré-históricos, assim como os nativos de certas tribos
existentes hoje em dia, dispunham de armas de curto alcance, tanto para caçar como para se
defender, sendo a maioria delas de efeito contundente (bastões, marretas, porretes, tacapes
ou algo semelhantes). Essas armas e seu uso contra outros homens também levavam à
existência de contusões ou de ferimentos sérios que nem sempre causavam a morte. Assim,
seja durante um ataque ou uma operação de defesa contra inimigos racionais, ou mesmo
durante uma caçada, o homem atingido por uma flechada, por uma pancada mais forte ou
por garras afiadas, era socorrido --como não poderia deixar de ser -- pelos companheiros,
que o abrigavam ou cuidavam dos ferimentos por meios rudimentares e naturais, e o
levavam de volta ao núcleo de habitação, onde recursos maiores deveriam existir. Em alguns
casos o indivíduo gravemente ferido não falecia, mas podia ficar vitimado por uma seqüela
qualquer e se tornava limitado para a atividade principal da qual originalmente participara: a
caça ou a guerra.
 - *O destino das pessoas deficientes na Pré-História*
 O que sucedia a esse homem? Ele foravalente, respeitado e útil ao grupo, mas a partir de
então não tinha mais utilidade. Seria ele mantido pelo grupo na esperança de voltar à
atividade? Seria ele utilizado em funções menos exigentes de perfeito domínio da força e do
físico? Seria ele levado às planícies ou às armadilhas para, num último gesto de colaboração
com o grupo, servir de isca para animais ferozes? Aceitaria ele funções menos briosas, ao
lado de mulheres e crianças?
 Nada disso sabemos. Só conjecturas podem ser feitas e talvez com boas oportunidades de
estarem certas.
 Lembremo-nos que, de acordo com o progresso lento da humanidade e o gradativo
domínio dos ambientes e da natureza, certas funções começaram a existir: os fabricantes de
cestos ou de armadilhas, os preparadores de peles para vários fins, os fabricantes de esteiras
e de vasos para armazenamento de água, dentre muitas outras coisas. Por que um homem
brioso, valente, lutador, corajoso, não poderia ter sido usado para esses fins, seja
provisoriamente, seja permanentemente?
 Dos períodos mais adiantados da Pré-História para os dias de hoje, na Era Neolítica, vasos
e urnas foram sendo decorados das mais variadas maneiras e com os mais incríveis motivos.
Foram encontrados em alguns desses vasos ou urnas homens com evidentes sinais de
deformidades de natureza permanente, sendo algumas delas conseqüentes de mal-formações
congênitas: corcundas, coxos, anões e amputados. Isso nos indica que desde épocas as mais
remotas as deficiências e mesmo as deformidades de nascimento ou adquiridas por
traumatismos e doenças já eram um verdadeiro flagelo da humanidade. Indicam-nos também
esses objetos da primitiva arte neolítica que esses homens sobreviviam até a idade adulta e
poderiam ter algum valor, seja por motivos de superstições, seja por real utilidade, para
merecer sua representação num utensílio permanente e de vital utilidade para os grupos
sociais de então.
 2. Culturas Mesolíticas e Neolíticas mais Recentes
 Muitos daqueles que se interessam por pessoas deficientes ou por grupos minoritários em
culturas pré-históricas e em culturas primitivas dos dias de hoje, seja por falta de maiores
informações, seja devido a uma projeção das tendências subjetivas de cada um, consideram
inevitável generalizar a aplicação de procedimentos adotados por muitos séculos e
defendidos até em uma lei básica de Roma ou em costumes adotados em Esparta, que
determinavam a eliminação de crianças nascidas com deficiências físicas. No entanto, esses
procedimentos não foram e nunca poderiam ter sido generalizados ou generalizáveis.
 Muitos dos hábitos e costumes adotados em culturas muito mais antigas que a nossa são
até hoje aceitos por povos bastante primitivos que vivem uma vida praticamente ao nível dos
antigos homens das épocas conhecidas como neolíticas. Alguns deles referem-se aos seus
componentes mais fracos, mais idosos ou defeituosos.
 Exemplos concretos, coletados por antropólogos pacientes, podem de fato ser citados às
dezenas.
 - *O porquê das atitudes face a grupos minoritários*
 Na abalizada opinião de antropólogos e mesmo de historiadores da medicina, pode-se
observar basicamente dois tipos de atitudes para com pessoas doentes, idosas ou portadoras
de deficiências: uma atitude de aceitação, tolerância, apoio e assimilação e uma outra, de
eliminação, menosprezo ou destruição.
 Na primeira, as pessoas que estão à margem do grupo principal devido a doenças,
acidentes, velhice ou defeitos físicos são em geral aceitas das mais variadas maneiras,
incluindo-se a tolerância pura e simples, chegando até ao tratamento carinhoso, ao
recebimento de honrarias e à obtenção de um papel relevante na comunidade.
 Na segunda, todavia, essas mesmas pessoas são destruídas também de formas variadas,
incluindo-se desde o abandono à própria sorte em ambientes agrestes e perigosos, até a
morte violenta, a morte por inanição ou o próprio banimento.
 Esses mesmos antropólogos e historiadores observam que as encontradiças atitudes
positivas e de aceitação não correspondiam necessariamente a raças mais cultas,
experimentadas ou evoluídas.
 Na verdade, o que sucedia com os grupos que precisavam coletar alimentos, pescar e
caçar era que, apesar de haver um bom tratamento para com doentes e deficientes e mesmo
para com os mais idosos de seus membros, de um modo especial na garantia da alimentação,
o grupo maior tinha necessidade de livrar-se do peso que significavam as dificuldades na
movimentação geral quando do escasseamento da caça, da pesca e dos outros tipos de
alimentos. Problemas muito sérios surgiam com a mudança para regiões mais férteis e mais
promissoras.
 Essa atitude é bem diferente daquela da destruição habitual e sistemática adotada por
grupos primitivos mais complexos dedicados à agricultura e também ao pastoreio e uma
incipiente pecuária. A causa principal da destruição das pessoas era evidentemente,
econômica, face à quase inutilidade das mesmas. No entanto, observa-se também que a
partilha de alimentos nesses mesmos grupos parece ter declinado em importância com os
gradativos progressos verificados na agricultura e no pastoreio. Foi exatamente nesses
grupos que aos poucos começou a surgir a caridade organizada, em seus primeiros sintomas.
 - *Atitudes de aceitação, apoio e assimilação*
 Vejamos, por exemplo, povos primitivos que adotam atitudes de apoio, assimilação,
aceitação ou tolerância para com pessoas portadoras de deficiências, problemas mentais ou
velhice:
 -- Aona: Os Aona residem ainda hoje à beira do lago salgado de Rudolf, no Quênia, numa
ilha conhecida como Elmolo. De nômades que eram, transformaram-se em pescadores.
Segundo eles acreditam, os cegos mantêm relação direta com o sobrenatural e os espíritos do
sobrenatural moram no fundo do lago salgado e previnem diretamente os cegos quanto aos
locais onde há peixe. Assim, os cegos sempre participam das pescarias primitivas, levando
em consideração a lança atirada por eles que são sempre bem tratados e respeitados.
 -- Azande: Trata-se de um povo muito primitivo que habita as florestas situadas entre o sul
do Sudão e o Congo, caracterizando-se pelo seu nomadismo esporádico. Todos os
componentes dessa raça acreditam muito em feitiçaria. No entanto, não chegam a relacionar
defeitos físicos e anomalias com intervenções sobrenaturais. Crianças anormais nunca são
abandonadas ou mortas. Não lhes falta carinho dos pais ou de parentes mais próximos.
Segundo antropólogos estudiosos de seus costumes, dedos adicionais nas mãos ou nos pés
são bastante comuns e eles se orgulham de os possuir.
 -- Ashanti: Habitam a parte sul de Gana, a oeste da África, totalizando mais de um milhão
de membros. Quando constituíam um reino próprio era costumeiro enviar à corte crianças
com defeitos físicos para serem treinadas como arautos do rei. Esses mensageiros com
deficiência física eram destacados para missões delicadas, como, por exemplo, a iminência
de guerras com tribos vizinhas. Em geral a mensagem do rei Ashanti era incisiva e
terminava com um recado do arauto: "se esses termos não forem aceitos, poderei ser morto
agora mesmo".
 No entanto, parece que isso não acontecia, pois limitavam-se os inimigos a cortar um dos
dedos do arauto, o que equivalia a uma declaração de guerra. Além dessa perigosa missão,
os arautos eram também utilizados como inspetores sanitários ou coletores de impostos.
Eram igualmente usados como bufões e tinham o privilégio de dizer a seus mestres o que
bem entendiam. Foram também usados como espiões.
 -- Dahomey: Entre os habitantes mais antigos do Dahomey atual, localizado na África
Ocidental, sempre foi considerado como fato costumeiro -- apesar

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