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Representação e participação no Parlamento


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MULLER, WOLFGANG C. & STROM, Strom. Coalition Gover-
nments in 1iVCstern Europe, eds. Wolfgang C. Müller and Kaare Strom. 
Oxford: Oxford University Press, 2003. 
PEREIRA, Carlos e MUELLER, Bernardo. Comportamento Estraté-
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lativo na Elaboração do Orçamento Brasileiro. Dados, 2002, voI. 45, nQ 2, 
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PEREIRA, Carlos e MUELLER, Bernardo. Partidos fracos na arena 
eleitoral e partidos fortes na arena legislativa: a conexão eleitoral no Brasil. 
Dados, voI. 46, nQ 4, p.735-771. ISSN 0011-5258,2003. 
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120 
Resumo 
REPRESENTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO 
NO PARLAMENTO 
Fernando Sabóia Vieira 
o mito da lei como expressão da vontade popular: em busca 
de mecanismos de aproximação entre a sociedade e seus re-
presentantes políticos no processo de formação das leis. 
o artigo se propõe a discutir o conceito de representação nas democra-
cias modernas, enfocando a relação entre representação e participação 
no processo de formação das leis. 
Palavras-chave: Representação. Participação. Processo Legislativo. 
Introdução 
A relação entre lei e vontade popular é um pressuposto teórico 
da democracia representativa e fonte da legitimação do próprio es-
tado de direito. 
De fato, nas modernas democracias representativas, as vidas dos 
cidadãos, assim como suas relações com os respectivos governantes, são 
regidas por leis, elaboradas por representantes eleitos pela manifesta-
ção de vontade da maioria da sociedade. 
Os analistas apontam como fenômeno comum nas democracias con-
temporâneas o crescimento do rol de áreas e relações sociais regulados pela 
lei, inclusive em matérias até bem pouco consideradas de âmbito privado. 
Vale dizer, cada vez mais damos ao estado, por meio da lei, inge-
rência sobre nossas vidas e negócios, com base na idéia de que é neces-
sária a regulação emanada de representantes escolhidos pela maioria 
para que todos possam usufruir de sua parcela de liberdade e ter garan-
tias para desenvolver seus próprios interesses. 
Tal pressuposto confere legitimação ao exercício do poder estatal, que 
a todos impõe suas ações e decisões tomadas com fundamento na lei pre-
cisamente porque, assim fazendo, estaria dando cumprimento aos valores e 
121 
objetivos nela definidos, a partir da manifestação de vontade dos mandatá-
rios do poder, que estariam agindo em consonância com os interesses dos 
respectivos mandantes, isto é, seus eleitores e a sociedade em geral. 
Assim, a lei cristaliza todas as expectativas sociais, define, em fun-
ção delas, as tarefas do Estado, conferindo-lhe os necessários poderes 
para executá-las, regula as relações sociais, tudo no intuito de promover 
os valores sociais e políticos de um determinado povo, ou, pelo menos, 
os que são assim percebidos por seus mandatários políticos. 
No entanto, ao se preconizar e defender o princípio basilar do primado 
da lei num estado democrático de direito, não podemos considerá-la como 
um fato quase divino, promulgada por um legislador sem face, sem história e 
sem interesses vinculados à dinâmica social e política em concreto. 
Há, nesse passo, que se rejeitar a tentação positivista de identifi-
car a lei com a vontade da maioria, com a justificativa da ordem e da 
segurança sociais. 
Com efeito, as leis são elaboradas por agentes e por meio de proce-
dimentos oriundos, ambos, da conjugação de forças e interesses políticos, 
econômicos, éticos, filosóficos e culturais, que atuam permanentemente 
na sociedade utilizando-se de canais formais e informais de expressão. 
Desse modo, podemos problematizar esse postulado em pelo menos 
duas grandes linhas. A primeira, a que discute o problema da represen-
tação nas democracias modernas. A segunda, a que considera a relação 
entre representação e participação, aqui nos interessando sua dinâmica 
no processo de formação das leis. Este artigo dedica-se especialmente a 
este segundo aspecto. 
O conceito de representação, sua evolução e problemática atual 
Representação pode ser entendida como o conjunto de relações 
existentes entre os cidadãos e seus representantes políticos eleitos. Nos 
regimes democráticos, e é essa uma de suas características definidoras, 
o povo é o detentor da soberania política e a usa para conferir, via man-
dato, poderes a alguns que agirão em seu nome em funções de governo, 
em vista de seus interesses (ANASTASIA; NUNES, 2006). 
Foi o surgimento da idéia de representação que tornou viáveis 
as democracias contemporâneas, uma vezque vivemos em sociedades 
grandes, complexas e diversificadas, nas quais o exercício da democra-
cia direta, ao estilo das polis gregas, seria tanto impossível como indese-
jável, uma vez que não se prestaria à discussão e análise dos intrincados 
temas da modernidade. 
122 
Além disso, a representação se presta a diminuir os custos e os 
riscos do processo decisório, combinando a participação ampla dos ci-
dadãos, nos momentos de escolha dos representantes, com a limitação 
das possibilidades do surgimento de tirania, corrupção e incompetên-
cia, dados o sufrágio e a periodicidade das eleições. 
Tal solução, no entanto, não deixou, desde sua invenção, de susci-
tar questionamentos e problemas. 
Anastácia e Nunes apontam três conjuntos deles, relacionados: 
- à natureza dos laços que unem representados e representantes; 
- à capacidade de os primeiros vocalizarem suas preferências peran-
te os segundos e fiscalizarem e monitorarem suas ações e omissões; 
- e à vontade e à capacidade de os segundos efetivamente agirem 
em nome dos cidadãos e na defesa de seus melhores interesses. 
Tornou-se, pois, freqüente afirmar-se que a representação política 
está em crise nos países ocidentais. 
Por muito tempo, a representação esteve baseada numa relação de 
confiança entre eleitorado e partidos políticos, uma vez que havia uma 
forte identidade dos eleitores com estes. Tal não ocorre hoje, com o 
eleitorado tendendo a votar diferente de uma eleição para outra e não 
mais se identificando com um determinado partido. 
No passado, os partidos se apresentavam como contrafaces das cli-
vagens sociais, hoje, não são mais percebidos dessa forma. Antes, identi-
ficavam-se por meio de programas, agora participam da disputa eleitoral 
projetando a personalidade de seus líderes e disputando votos em todos 
os segmentos sociais, baseando-se nas pesquisas de opinião pública. 
Assim, as eleições não se configuram mais como meios pelos quais os 
cidadãos escolhem políticas a serem executadas, mas meramente governos. 
Segundo Bernard Manin, "Os políticos chegam ao poder por cau-
sa de suas aptidões e experiência no uso dos meios de comunicação de 
massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem a seus eleitores. 
O abismo entre o Governo e a sociedade, entre representantes e repre-
sentados, parece estar aumentando" (1995, p.6). 
Essa modificação na relação entre representado e representante 
está ligada às mudanças por que passou o governo representativo desde 
a segunda metade do século XIX, entre as quais a ampliação do sufrá-
gio e o surgimento dos partidos de massa. Até então, o governo repre-
sentativo moderno havia sido implantado sem a presença de partidos 
organizados, que eram mesmo vistos como uma ameaça ao sistema. 
123 
Com a evolução das sociedades ocidentais modernas, os partidos 
com seus programas, passaram a ser vistos como essenciais à democraci~ 
representativa. Isso trouxe uma primeira mudança na relação de repre-
sentação, com os partidos desempenhando o papel de aproximar os lei-
tores dos representantes, já que os militantes partidários tinham oportu-
nidade de debater com os candidatos escolhidos pela agremiação. 
Assim, surgia uma nova forma de representação, na qual os pro-
gramas propostos pelos partidos pareciam dar aos eleitores a possibi-
lidade de escolher a política a ser seguida. Surgia o que se denominou 
"governo de partidos". 
Essa reformulação da representação foi percebida, de modo geral, 
como um progresso da democracia, até o surgimento da atual conjuntura, 
em que a descaracterização dos partidos e a substituição dos programas pelas 
personalidades na arena eleitoral passaram a configurar uma nova crise da 
representação, em função do declínio da identidade entre representantes e 
representados e da não determinação das políticas por parte dos eleitores. 
Essa nova relação caracteriza-se pela presença de um novo prota-
gonista, que é o leitor sem vínculo partidário, e pela existência de uma 
nova arena, os meios de comunicação de massa, que mudou radical-
mente o vínculo entre o público/eleitor e o candidato/representante. 
Representação e mandato 
Um aspecto essencial na discussão sobre representação nas demo-
cracias modernas é a que diz respeito à natureza e amplitude do mandato 
eleitoral, uma vez que ele está no centro das relações entre representados 
e representantes. 
O mandato eleitoral configura-se "num conjunto de poderes con-
cedidos pelos eleitores, por meio do voto, a um candidato a representá-lo, 
habilitando-o a tomar decisões de governo" (ALMEIDA, 1995, p.180) 
Tal noção presume que, sendo o mandato uma delegação, ele per-
tence, por princípio, aos eleitores, que podem concedê-lo ou revogá-lo. 
Implica, ainda, que os mandatários devem agir em nome e no interesse 
de seus representados e a eles prestarem contas. No entanto, a forma e 
o grau com que essa delegação é feita e exercida variam muito, sendo 
objeto de antiga controvérsia. 
De um lado, pode-se entender o mandato como uma ampla auto-
rização para tomar decisões, ou, de outro, tê-lo como restrito a objeti-
vos e meios especificamente determinados. 
124 
A concepção de mandato como ampla concessão para agir está 
.associado ao pensador e político inglês Edmund Burke (1729-1797), 
~ue via nas eleições um processo de escolha dos melhores, os quais, no 
.Parlamento, agiriam sempre de acordo com suas consciências e opini-
ões imparciais, não buscando a defesa de interesses particulares. 
Da mesma forma pensaram os federalistas, que viam nessa idéia uma 
das marcas da superioridade da democracia representativa sobre a demo-
'cracia direta, uma vez que a delegação do Governo a um pequeno grupo 
de escolhidos possibilitaria que as opiniões do povo fossem sopesadas com 
sabedoria e discernimento. 
Opostamente, sempre houve quem criticasse o governo repre-
sentativo justamente por essa permissividade, defendendo a idéia do 
mandato imperativo, restrito em seu escopo e limitado nos meios de 
agir. Essa corrente representa a sobrevivência dos ideais da democra-
cia direta, a reivindicar a participação dos cidadãos nas decisões sem a 
intermediação de uma organização institucional, cuja legitimidade, em 
última análise, coloca sob questão. 
No século XIX, estudiosos da democracia enfocaram outros aspectos 
,dessa questão, ligados à real possibilidade de se conhecer a vontade dos 
eleitores e à capacidade efetiva destes controlarem seus representantes. 
Joseph Schumpeter (1883-1950) negou que o povo "tivesse uma 
'opinião definida e racional sobre todas as questões individuais" e que 
expressasse tal opinião numa democracia por meio da escolha de re-
presentantes que tratariam de segui-la. Considerando o baixo nível de 
informação dos eleitores e seu desinteresse por questões públicas, exceto 
as que lhe tocassem de perto, não haveria possibilidade de que controlas-
sem os eleitos, senão negando-lhes mandatos nos pleitos seguintes. 
Representação e participação 
A outra linha de questionamento da relação entre lei e vontade 
popular, que passa pelas instituições da democracia representativa e 
pela discussão da natureza do mandato, é a que considera a tensão en-
tre representação e participação. 
Um aspecto importante dessa questão é tratado por Bernard Ma-
nin quando ele aborda as conseqüências do impacto dos meios de co-
municação e da opinião pública nos processos eleitorais, na participação 
no debate público e nas tomadas de decisões de governo e no controle 
das atividades dos representantes políticos, na configuração do que ele 
denomina de democracia do público. 
125 
De fato, diante da possibilidade tecnológica de se consultar a popu~ 
lação sobre um sem número de decisões políticas acerca de temas colo~ 
cados na arena pública, deve-se questionar a conveniência de fazê-lo e as 
implicações disso no exercíciodo mandato e na governabilidade. 
Além disso, é preciso discernir, dentre as diversas formas de uso da 
opinião pública, aquelas a serem consideradas legítimas participações nas 
decisões públicas. 
De outra parte, as democracias contemporâneas têm, de algum 
modo, tentado corresponder institucionalmente à demanda por parti-
cipação da sociedade, já que as pessoas têm áreas cada vez mais exten-
sas de suas vidas reguladas por ações de governo delas dependentes. 
A Constituição brasileira vigente procurou inserir no desenho institu-
cional do estado mecanismos de participação direta da sociedade em decisões 
de governo, como a consulta popular, por meio de plebiscitos e referendos, e 
a instituição de conselhos de política e de orçamentos participativos. 
Interessa-nos destacar as formas de participação da sociedade no 
processo de formação das leis, atividade tipicamente inserida entre os 
poderes delegados no mandato político. 
Parece-nos ser esse um caminho pelo qual a relação entre repre-
sentados e representantes pode alcançar uma dinâmica capaz de atenu-
ar os dilemas entre delegação e participação, aproximando representa-
dos e representantes numa arena privilegiada: no processo de formação 
das leis atuam interesses, incidem valores, assumem-se prioridades de 
governo, delineiam-se políticas públicas. 
Todavia, também quanto a esse aspecto, aperfeiçoamentos institu-
cionais se fazem necessários, assim como uma mudança de postura dos 
cidadãos e das organizações sociais, a fim de que as possibilidades de par-
ticipação sejam efetivamente implementadas e para que os mecanismos de 
prestação de contas - de accountability - sejam eficientemente usados. 
Representação e participação no processo de formação das leis 
Num primeiro plano, as normas constitucionais e regulamentares 
identificam os agentes do processo legislativo, conferindo-lhes atribui-
ções, limitando o exercício de suas funções por meio de controles in-
ternos e externos e reconhecendo-lhes poderes e prerrogativas para o 
exercício da função pública na qual foram investidos. 
Em seguida, definem-se os procedimentos específicos para a fei-
tura dos diversos diplomas normativos consagrados no ordenamento 
jurídico, fixando-se formas, prazos e etapas a serem cumpridas. 
126 
Ora, a sociedade não permanece inerte, a partir da investidura de 
seus representantes nas respectivas funções, limitando-se a observar 
passivamente o trabalho que fazem em seu nome e, em tese, em seu 
benefício, definindo as regras que vão determinar os rumos do País e 
regular os relacionamentos privados. 
Cada vez mais, a sociedade se informa, se organiza, fiscaliza o 
trabalho de seus representantes e quer ser ouvida sobre questões espe-
cíficas que dizem respeito a sua vida concreta. 
Ou seja, ela quer não meramente conceder uma procuração e to-
rnar contas ao final de seu termo, mas quer participar de forma mais 
imediata e freqüente do processo político em geral e da formação das 
leis em particular, já que a lei, uma vez aprovada, poderá se constituir 
em sua maior inimiga ou aliada, em elemento de dominação ou liber-
tação, de conquista ou retrocesso. 
Nesse sentido, os diversos sistemas políticos podem se revelar 
mais ou menos receptivos a tal interferência da sociedade. 
Alguns, firmados na presunção da representatividade, fechar-se-
ão sob o argumento de que o povo fala e se manifesta por meio de seus 
legítimos representantes, numa concepção Burkeana do mandato. 
Outros, reconhecendo que o mandato, conquanto confira legiti-
midade para o exercício do poder, não dá ao agente político uma noção 
completa e sempre atual da vontade popular diante de temas específi-
cos, procurarão abrir-se por meio de mecanismos que permitam a par-
ticipação mais direta da sociedade, ao menos em nível de uma consulta 
mais permanente sobre questões concretas em exame. 
A análise de alguns institutos e procedimentos legislativos reve-
lará o grau de inclusão ou exclusão da participação da sociedade no 
processo de construção das leis, bem como o grau de proximidade entre 
representantes e representados, lembrando que esses institutos e pro-
cedimentos também são objetos de leis ou regulamentos forjados em 
ambiente onde atuaram forças e interesses sociais concretos. 
Um desses institutos que definem o grau de compartilhamento e 
participação dos diversos agentes políticos e da sociedade no processo 
de formação das leis é o da chamada iniciativa legislativa. 
A iniciativa legislativa diz respeito, precisamente, à capacidade ou 
competência para propor leis, ou seja, para iniciar o processo de forma-
ção das diversas espécies normativas. 
O modelo de iniciativa vigente no Brasil consagra o compartilha-
mento da iniciativa legislativa entre os Poderes Executivo, Legislativo 
127 
e Judiciário, o Procurador-Geral da República e os cidadãos, dentro de 
algumas condicionantes. 
Note-se, nesse rol, a presença de titulares da chamada representa_ 
ção funcional, embora com limitada participação. 
Existe, assim, um poder de iniciativa legislativa geral, que confere capa-
cidade para iniciar o processo legislativo sobre qualquer assunto, ressalvadas 
as áreas de competências privativas definidas pela própria Constituição. 
Essa iniciativa legislativa geral é reconhecida aos membros e co-
missões do Congresso Nacional, ao Presidente da República e aos ci-
dadãos, para as leis ordinárias e complementares. 
Outros tipos normativos terão regras de iniciativa específica, como as 
emendas à Constituição, que só podem ser propostas pelo Presidente da 
República, por um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do 
Senado Federal ou pela maioria das Assembléias Legislativas estaduais. 
Há, no entanto, matérias para as quais a iniciativa legislativa é priva-
tivamente conferida ao Presidente da República, relativas à administração 
federal, e a órgãos do Poder Judiciário, estes restritos a temas concernentes 
a sua própria organização e funcionamento. 
Vemos, assim, que, no sistema brasileiro, o Presidente da Repúbli-
ca é o grande iniciador do processo legislativo, uma vez que ele com-
partilha a competência geral dos membros do Congresso e ainda tem 
uma área de sua privativa atribuição de magnitude não desprezível. 
Além disso, ele dispõe da faculdade de adotar as chamadas medidas 
provisórias, que são normas editadas com força de lei e vigência imedia-
ta, sendo em seguida encaminhadas a exame do Congresso Nacional, que 
poderá rejeitá-las ou convertê-las em leis por meio de um procedimento 
legislativo próprio, procedimento esse marcado pela exigüidade dos praws 
e pela premência de estar aquela norma em vigor e produzindo efeitos na 
sociedade à revelia da manifestação de seus representantes no Parlamento. 
Por outro lado, os membros do Congresso Nacional, eleitos para 
exercício precípuo da função de elaborar as leis, têm sua iniciativa le-
gislativa limitada, não podendo iniciar o processo de formação das nor-
mas em vários temas, especialmente concernentes ao funcionamento 
dos órgãos e serviços públicos. 
Ainda no tema da iniciativa legislativa, a Constituição Federal 
brasileira de 1988 consagrou, dentre os mecanismos de exercício da 
chamada democracia direta, a iniciativa popular de lei. 
128 
No entanto, dificuldades formais e materiais têm impedido, até 
aqui, o exercício pela sociedade dessa prerrogativa. 
Segundo o texto constitucional, a iniciativa popular pode ser exer-
cida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subs-
crito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído 
pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por 
cento dos eleitores de cada um deles. 
Tomando-se apenas o primeiro requisito, um por cento do elei-
torado nacional, haveria, hoje, a necessidade de mais de um milhão e 
duzentas mil assinaturas de eleitorespara a propositura de um projeto 
de lei de iniciativa popular. 
Se o número, para o Brasil, não é tão elevado assim, em termos 
absolutos, tem-se até aqui revelado inviável a conferência dessas assi-
naturas em confronto com a comprovação da condição de eleitor. 
Note-se, também, que essa iniciativa não se estende às propostas 
de emenda à Constituição nem às matérias de propositura privativa do 
Presidente da República. 
Assim, diante de tais embaraços, desde 1988 até hoje, não houve, 
em rigor, a apresentação e tramitação de qualquer projeto de lei de 
iniciativa popular, ainda que algumas proposições tenham sido enca-
minhadas à Câmara acompanhadas de elevado número de assinaturas 
e tenham adquirido esse status político e de mídia nas suas tramitações, 
as quais foram, no entanto, legalmente garantidas por meio do supri-
mento de iniciativa por parlamentar. 
Como forma de minorar os efeitos desse cerceamento do exercício de 
uma faculdade garantida constitucionalmente, a Câmara dos Deputados 
criou uma Comissão Permanente destinada a receber sugestões de iniciativa 
legislativa da sociedade, chamada de Comissão de Legislação Participativa. 
Essa Comissão recebe sugestões encaminhadas por entidades re-
presentativas da sociedade, promove debates em torno dos assuntos 
propostos e encaminha, se for o caso, como autora, o correspondente 
projeto de lei para apreciação pela Câmara dos Deputados. 
Embora a Comissão, na maioria dos casos, viabilize a tramitação 
das sugestões recebidas, dando-lhes forma de proposição legislativa, 
ainda estar por ser verificada a efetividade desse mecanismo em termos 
de colocação, na agenda do Parlamento, de temas de interesse da socie-
dade, com propostas concretas, e de sua aprovação. 
129 
Além disso, dada a relativa facilidade que têm os parlamentares 
para a apresentação de proposições sobre matérias de sua iniciativa 
uma vez que inexiste qualquer limitação quanto à quantidade ou con: 
veniência, é freqüente a ação de grupos de interesse atuando direta~ 
mente junto aos deputados e senadores, obtendo deles o oferecimento 
de projetos para atender corporações ou grupos específicos. 
Vencida a questão da iniciativa, uma vez iniciado o processo par~ 
lamentar de elaboração da lei, podemos observar a existência de meca~ 
nismos formais e informais de participação da sociedade na elaboração 
das normas jurídicas a serem editadas. 
São procedimentos formais de participação da sociedade brasileira 
no processo de construção das leis os plebiscitos, as audiências públicas 
e o encaminhamento ao Congresso de pareceres técnicos, exposições e 
propostas oriundas de entidades científicas e culturais, de associações e 
sindicados e demais instituições representativas da coletividade. 
O plebiscito é previsto na Constituição brasileira como forma de 
exercício da democracia direta, e sua utilização encontra-se regulamen-
tada por lei federal como uma modalidade de consulta à sociedade a ser 
efetuada antes da edição do ato legislativo ou administrativo. 
Tal instrumento, todavia, não tem sido utilizado pelo Congresso. 
As audiências públicas são realizadas freqüentemente pelas comis-
sões parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, con-
sistindo na forma mais comum de abertura do Poder Legislativo para o 
debate com a sociedade em torno de temas submetidos ao Congresso 
Nacional sob a forma de proposições e projetos. 
Praticamente, dentro do procedimento legislativo normal, ressal-
vadas as proposições que tramitam sob o estigma da urgência, todas as 
matérias de relevante interesse da sociedade são debatidas em audiên-
cias públicas pelas Comissões antes de serem apreciadas. 
O Regimento Interno da Câmara prevê, inclusive, a possibilida~ 
de de tal debate se travar no Plenário da Casa, com a participação de 
todos os deputados, nas chamadas Comissões Gerais. 
Além das sugestões de iniciativa legislativa encaminhadas à ja 
mencionada Comissão de Legislação Participativa, as Comissões da 
Câmara dos Deputados recebem estudos, pareceres, relatórios e expo~ 
sições dos vários segmentos da sociedade, que têm, em geral, o propó-
sito de subsidiar e influenciar o processo de formação da lei. 
130 
De outra parte, o cotidiano da vida parlamentar revela a existên-
cia de alguns mecanismos informais de participação da sociedade no 
processo legislativo. 
Um desses procedimentos é a atuação de grupos ou entidades 
especializados na atividade de lobby. 
Embora não haja, ainda, no Brasil, regulamentação desse tipo de 
atividade, ela é cada vez mais freqüente e atuante no processo de deci-
são parlamentar. 
Os grupos ou entidades que atuam nessa área acompanham a tra-
mitação das matérias de interesse de seus clientes, promovem encon-
troS dos parlamentares com segmentos da sociedade, difundem infor-
mações sobre as questões em debate e patrocinam eventos destinados a 
convencer os congressistas acerca de suas teses ou interesses. 
Também se verifica que muitas entidades ou corporações mantêm 
algum t~po de ac~~p.anhamento permanente. das ações legislativas, seja 
. por melO de escntonos contratados, seja por pessoas de seus próprios 
quadros funcionais. 
É curioso que não apenas corporações privadas fazem isso, mas é 
igualmente comum a atuação de assessorias parlamentares de entidades 
públicas, federais, estaduais e até municipais e da administração indireta. 
~omo mecanismo informal de participação também podemos 
menClOnar a pressão direta exercida por grupos que promovem ma-
nifestações no próprio ambiente do Congresso Nacional e visitas aos 
Gabinetes dos parlamentares. 
... Nesse contexto, uma questão crucial para a participação da socie-
dade no processo de formação da lei é o acesso à informação. 
Para influenciar as decisões parlamentares é necessário conhecer 
minimamente os trâmites legislativos, o funcionamento das Casas, de 
suas Comissões, suas atribuições e o papel que os deputados e senado-
res desempenham. 
. O funcio.namento dos parlamentos é muitas vezes repleto de prá-
ticas e p.rocedImentos complicados, divididos em várias etapas, envol-
:vendo dIversos agentes, em ambientes formais e informais de decisão. 
, .Também é fundamental algum grau de informação sobre os dados 
tecillCOS que e~v~lvem as matérias em consideração, como seu impacto 
.nas finanças publIcas ou na economia privada, a eficiência das medidas 
preconizadas e sua aplicabilidade prática. 
131 
Depois, é importante ter acesso ao próprio andamento dos 
projetos de interesse, saber em que fase se encontram, qual o próxi~ 
mo passo, qual a possibilidade de serem ainda alterados, quem pode 
promover mudanças e a quem caberá a decisão final. 
Exemplo da necessidade desse tipo de informação é a dinâmica 
de atuação, na Câmara dos Deputados, de fóruns decisórios informais, 
como a reunião dos Líderes de Partidos e Blocos Parlamentares. 
Não raro, a definição das matérias a serem levadas ao Plenário da 
Casa e mesmo acordos sobre seu conteúdo são feitos em encontros que 
não são formalmente convocados ou divulgados e dos quais participam, 
além dos Líderes ou Deputados por eles designados, outros parlamen-
tares interessados na matéria ou que desempenham algum papel em sua 
tramitação, como os Relatores, e negociadores do Poder Executivo. 
Além disso, há os grupos parlamentares de interesses, mais ou me-
nos organizados, não reconhecidos formalmente pela estrutura das Ca-
sas, mas de ampla atuação, como a bancada ruralista, que reúne agricul-
tores e empresários rurais, a bancada do Nordeste, da Amazônia etc. 
É, igualmente, interessante conhecer o funcionamento dos órgãos 
institucionais e partidários de assessoramento aos parlamentares, que 
atuam diretamente na análise das proposições e no oferecimento de 
dados e alternativas técnicas para a elaboração legislativa. 
A troca de informaçõescom esse pessoal técnico pode ser um 
importante canal de acesso aos parlamentares e à própria composição 
do texto em elaboração. 
A divulgação institucional dessas informações e a abertura das 
casas legislativas à sociedade são fundamentais para a democratização 
do processo de formação das leis. 
Além dos condicionantes relativos à iniciativa dos projetos, aos 
procedimentos parlamentares e ao acesso à informação, o exercíc~o ~a 
atividade legislativa encontra outras dificuldades que podem contnbUlr 
para que as normas aprovadas não reflitam a vontade da sociedade ou 
para que as leis que realmente interessam ao povo não sejam editadas. 
Um aspecto importante, nesse sentido, é a maneira como os par-
lamentares encaram sua tarefa, o que configura outra face do problema 
da representação. 
Aparentemente, muitos deputados e senadores, por formação ~u 
origem política, não se vêem essencialmente como legisladores, e ded1.-
cam boa parte de seu tempo a atividades outras, as quais, embora per-
132 
tinentes ao mandato, podem concorrer com o cumprimento da missão 
mais importante do Poder Legislativo que é a de elaborar as leis. 
Cabe aqui um comentário sobre as carreiras no Legislativo bra-
sileiro. Diferentemente do que ocorre em outros países, nosso sistema 
constitucional permite o exercício de funções executivas por mem-
bros do Parlamento, a despeito da separação de poderes. 
Além disso, há mais incentivos distributivistas para o exercício de 
funções fora do Legislativo, o que, na visão dos políticos, rende divi-
dendos eleitorais mais elevados. 
Isso tanto pode levar a uma postura passiva, pelo não oferecimen-
to de proposições e não participação direta no processo de formação 
das leis, quanto a certo grau de abstinência no debate de questões tipi-
camente legislativas. 
Outro ponto que guarda certa correlação com esse é o fato de muitos 
representantes políticos não estarem comprometidos com projetos ou pro-
gramas nacionais, mas vinculados a interesses corporativos ou regionais. 
Ora, ainda que representante de uma determinada região ou segmento 
social, o parlamentar é convocado a decidir, pelo voto, matérias de âmbito 
geral ou relacionadas com outras regiões ou setores da coletividade. 
Assim, se ele não tiver consciência de sua função legislativa em 
toda a sua abrangência e não procurar esmerar-se em desempenhá-la 
em sua plenitude, poderá não contribuir para que as leis aprovadas 
reflitam as necessidades da sociedade como um todo. 
Essa postura pode também ajudar a explicar o elevado grau de fideli-
dade partidária constatado por alguns analistas no Congresso brasileiro. Ou 
seja, não se tratando de assunto em que tenha interesse paroquial, o parla-
mentar vota segundo a orientação de seu Líder, pró ou contra o Governo. 
Por outro lado, essa segmentação da atividade parlamentar pode 
promover uma multiplicação de projetos de interesse regional ou cor-
porativo, que irão, eventualmente, congestionar a pauta das Comis-
sões ou dos Plenários com temas de interesse talvez não tão abran-
gente quanto os de outras matérias em tramitação. 
Concorrem ainda com esses fatores as pressões sofridas pelos le-
gisladores em face de circunstâncias sociais ou econômicas prementes. 
Muitas vezes, a lei elaborada não é a de maior necessidade ou seu 
conteúdo não traduz a melhor regra desejável, mas é a inadiável e a 
possível diante da conjuntura vivida. 
133 
Caso se viva um período prolongado de instabilidade ou de fre-
qüentes perturbações da vida econômi~a o,: políti~a, pode ~e ter, co~o 
resultado ao longo do tempo, uma leglslaçao casu~sta, defeituosa e m-
capaz de promover ações permanentes e estruturais. 
Também o número excessivo de proposições em tramitação pode se 
tornar um elemento de distorção do processo de construção das leis, não 
apenas pela dificuldade material de se dar andame~to às pr~posições, em 
face da limitação de recursos e de tempo, mas tambe~ pela difi~ul?ade de, 
diante de uma quantidade grande de projet?s, defimrem-s~ pnondades e 
identificarem-se aqueles de real e premente mteresse da sOCledade. 
Podem, ainda, padecer os parlamentares da falta de acesso ade-
quado, rápido e eficiente a recursos técnicos e h~~anos, b?m como a 
informações imprescindíveis para o trato de matenas espeClficas. 
Nesse sentido, tem sido positiva a experiência d~ Congre~so bra-
sileiro de prover-se de centros de documentaç~o e. mformaçao e. de 
assessorias institucionais compostas por profisslOnals de rec?nhecldo 
gabarito técnico e colocados à disposição dos parlamentares mdepen-
dentemente de coloração partidária. 
Finalmente mas não menos importante, também é relevante o 
embaraço aos tr;balhos parlamentares causado pela i~posição política 
de uma pauta de matérias por parte do Poder Executlvo. 
Seja por seu papel destacado na iniciativa das leis, seja pela ediç~o 
das medidas provisórias, seja pela atuação de sua banca~a. de ~pOlO 
parlamentar ou mesmo pela manipulação .da máq~i?a admmlstratlv~, o 
Presidente da República acaba por assumlr, na pratlca, o pape~ ~~ pnn-
cipal formulador das leis, implicando sérias restriçõe~ à~ posslblh~ades 
de participação da sociedade, uma vez que as proposlçoes en~a~mha­
das ao Congresso são, em geral, engendradas nos setores tecmcos e 
políticos da burocracia estatal, sem acesso do público. 
De outra parte, o rito de apreciação das medidas provisórias, ~on­
tes ordinárias da legislação brasileira nas últimas dé~a~as, e o regllr:e 
de urgência, frequentemente adotado para .as proposlçoes do Exe~cutl­
vo são inibidores do debate parlamentar, dlficultam a apresentaçao de e~endas e praticamente impossibilitam a participação da sociedade. 
Esse poder de agenda do Presidente da Repú~lica tem si~? apon-
tado como uma das características marcantes do slstema pOhtlCO bra-
sileiro, contrabalançando a pulverização partidária. 
Ora muitas vezes o interesse do Poder Executivo está mais identificado 
com as ra~es e interesses do governo do que com os anseios da sociedade. 
134 
Pelo menos essa é a presunção do sistema de repartição de Po-
deres, que aponta o Legislativo como o canal de expressão da vo~tade 
popul~r por ~mei? d~ lei e confere-lhe o papel de controlar e fiscal1zar a 
admimstraçao pubhca. 
Convertendo-se, na prática, o Presidente da República em legis-
lador maior, fica frustrada a representação popular e pode ampliar-se o 
divórcio entre lei e vontade da sociedade. 
Deve-se acrescentar, nesse mesmo sentido, que o poder de veto 
do Presidente da República faz com que as contribuições legislativas 
do Congresso muitas vezes sejam frustradas, já que os vetos não são 
apreciados, por omissão ilegal da r.espectiva Mesa, e, qu~ndo o s~o, o 
voto secreto em suas apreciações delXam novamente a sOCledade alijada 
de seu direito de fiscalização e participação. 
Considerando nosso tema maior de reflexão, qual seja, as distor-
ções que podem ocorrer na relação entre lei e vontade da sociedade 
decorrentes do processo de elaboração legislativa, outro conjunto de 
fatores potencialmente capazes de desvirtuar essa relação compõe-se 
de aspectos relacionados com a clareza e precisão na redação das leis. 
Não é raro verificar-se, uma vez promulgada a lei, que seu texto 
não diz exatamente o que os seus autores anunciam que ele diz, ou não 
corresponde à intenção alegada pelos legisladores. 
Ocorre que, no processo de formação das leis, é complexa e de 
difícil harmonização a confluência das dimensões técnica e política. 
Em geral, o político desconfia do alegado descomprometimento 
ideológico do técnico, e o técnico questiona a competência do político 
para tratar assunto que considera de seu domínio. 
A lei, no entanto, não pode prescindir de qualquer desses compo-
nentes. 
Ela terá de ser a expressão de uma vontade política, valorativa, 
programática e, ao mesmo tempo,reunir os elementos que a tornem 
factível, aplicável e eficiente. 
De um lado, não pode ser uma mera declaração de intenção; de 
outro, não pode resumir-se a um manual de normas técnicas descom-
prometidas com objetivos sociais. 
Em geral, os regulamentos legislativos promovem um amálgama 
confuso dessas duas dimensões da lei no seu processo de feitura, com 
procedimentos intrincados, onde se mesclam manifestações técnicas e 
políticas, permeáveis a improvisações e alterações. 
135 
Assim, instrumentos típicos do processo legislativo como as 
emendas parlamentares e os destaques de votação, se, por um lado, são 
essenciais para a confecção das leis, por outro, caso não sejam bem 
regulados e utilizados, podem servir para o desvirtuamento dos textos, 
promovendo ambigüidades e lacunas, e, desse modo, frustrarem a ex-
pressão da vontade da sociedade. 
Temos não poucos exemplos de normas cuja incoerência, impr~ci­
são ou mesmo ineficácia tem como razão textos truncados, mal escntos 
ou omissos, frutos de um procedimento legislativo por vezes caótico e 
vulnerável a pressões de última hora. 
No Brasil, vigora uma Lei Complementar que estabelece regras e 
princípios de técnica legislativa, com o objetivo ~e con~erir mais uni-
formidade, clareza e precisão nos textos normatIvos edItados. Tal re-
gulamento, no entanto, restringe-se à parte formal da~ leis e não tem 
força para impedir a eventual aprovação de textos defeItuosos. 
Há, no entanto, uma outra linha de explicação para a generalidade e 
imprecisão das leis. Os legisladores contemporâneos, diante da comple-
xidade dos temas propostos e dos custos políticos de fazerem opções em 
favor de um segmento ou outro da sociedade, preferem editar normas 
abertas, indicadoras de princípios e de direitos genéricos, deixando ao 
Executivo o ônus de concretizá-las no momento de sua aplicação. 
Como, não raro, se torna impossível ao governo o atendimento integral 
dos direitos e a consecução total dos fins sociais apontados nas leis, resta aos 
cidadãos recorrerem a outra forma de representação, chamada de funcional, 
com a convocação do Poder Judiciário para atuar como garantidor da aplica-
ção da lei e do reconhecimento efetivo dos direitos nela previstos. 
Esse fenômeno, conhecido como judicializacão da política, está 
certamente ligado a outros fatores além do mencionado aqui, mas se 
insere como um dos aspectos mais contemporâneos do debate sobre as 
novas formas de representação nas sociedades democráticas. 
Finalmente, é escassa a experiência no Brasil de mecanismos de ava-
liação, pelo Legislativo, ou pela sociedade, da aplicação das leis aprovadas. 
A exceção mais evidente a essa lacuna diz respeito às leis orça-
mentárias, que têm sua aplicação acompanhada pelo Congresso Nacio-
nal, por meio de suas Comissões, e pelo Tribunal de Contas da União, 
órgão que auxilia o Poder Legislativo em sua função de controle exter-
no da gestão administrativa. 
Eventualmente, essa avaliação da aplicação da legislação pode 
ocorrer por meio dos inquéritos parlamentares, conduzidos por Co-
136 
missões temporárias constituídas p~ra .apuração d~ fatos .esp.e~í~cos e 
que têm poderes de investigação propnos de autondades Jud1cIaIs. 
Outra modalidade de controle sobre a aplicação das leis é a atividade 
do Ministério Público, instituição grandemente fortalecida no atual siste-
ma constitucional e que tem atuado na defesa de interesses sociais difusos 
e na busca da garantia dos direitos previstos na Constituição e nas leis. 
Essas considerações sobre as características do nosso processo de for-
mação de leis relativas às possibilidades de participação popular nas tarefas 
de seus representantes apontam para a necessidade de se inserir n~ deJ:>ate 
sobre a reforma política o tema específico da reforma do Poder LegIslanvo. 
Nesse sentido, Fabiano Santos, após analisar as instituições do con-
gresso brasileiro sob a ótica do funcionalismo e do neo-institucionalis-
mo, sugere que essa reforma deveria ir no sentido do i~cremen:o dos 
incentivos ao mandato, como a instituição do orçamento ImperatlVo, do 
fortalecimento dos mecanismos de informação no âmbito do congresso 
e o aperfeiçoamento do sistema de comissões (SANTOS, 2003). 
Na mesma linha, Anastácia e Nunes sugerem que o Parlamento 
se torne o lugar do debate público privilegiado, onde todos os segme~­
tos sociais possam se expressar livremente, apontando para a neceSSI-
dade de aprimoramento dos canais de participação da sociedade nos 
trabalhos legislativos (ANASTASIA; NUNES, 2006). 
Considerações Finais 
Em conclusão, podemos afirmar que a instituição de mecanismos de 
inclusão da sociedade no processo legislativo pode ser um dos caminhos 
para aproximar, em concreto, a lei da vont~d~ po~ular,. ape~eiçoando o sist:-
ma representativo, o qual, apesar de suas lit1lltaçoes, amda e a melhor opçao 
para o exercício de uma democracia social, ~ssim considerada aquela ,q.ue é 
exercida não apenas em nome do povo, mas Igualmente em seu beneflclO. 
Tal, porém, não se dará por inércia do próprio sistema vigente. As 
mudanças haverão de ser conquistadas pela crescente conscientização 
dos cidadãos e pela reivindicação, pela sociedade, de uma efetiva parti-
cipação na vida institucional do País. 
137 
Referências Bibliográficas 
ALMEIDA, Maria Hermínia T. Pertencimento do Mandato. In 
AVRlTZER, Leonardo e ANASTASIA, Fátima (organizadores). Re-
forma Política no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 
ANASTASIA, Fátima e NUNES, Felipe. A Reforma da Representação. 
In AVRlTZER, Leonardo e ANASTASIA, Fátima (organizadores). 
Reforma Política no Brasil Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. 
MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. In 
Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 29, ano 10, outubro de 1995. 
SANTOS, Fabiano. O Poder Legislativo no Presidencialismo de Coalizão. 
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003. 
138 
OS PODERES DO LEGISLATIVO BRASILEIRO 
UMAANÁLISE COMPARADA E HISTÓRICA 
Júlio Roberto de Souza Pinto 
Resumo 
Análise comparada e histórica do Legislativo federal brasileiro em sua 
relação com o Executivo. Demonstra que o Legislativo federal brasilei-
ro, notadamente em sua relação com o Executivo, têm sofrido severas 
limitações cíclicas ao longo da história e que, embora a Constituição vi-
gente tenha restabelecido o equilíbrio na relação de força entre esses dois 
Poderes, esse equilíbrio não alcançou os níveis verificados nos períodos 
1891-1930 e 1946-1964. Demonstra ainda que, conquanto disponham 
os Executivos espanhol e francês de iguais prerrogativas legislativas, os 
Legislativos desses países, respectivamente parlamentarista e semipresi-
dencialista, exercem maior controle sobre o Governo. 
Palavras-chave: Legislativo, Executivo, Relação. 
Introdução 
Este trabalho é parte de uma obra mais abrangente, ainda inédita, 
na qual este autor faz uma análise comparada e histórica dos principais 
institutos e processos do Legislativo federal brasileiro, entre os quais 
se incluem a estrutura, a composição e as competências do Congresso 
Nacional e de suas Câmaras, estas últimas particularmente em relação 
ao Executivo; a organização interna de cada Câmara, enfocando-se a 
relação entre liderados e líderes; o funcionamento do Congresso e de 
suas Câmaras, assim como o processo legislativo; as prerrogativas e 
impedimentos dos congressistas. 
Tal como ocorreu em todas as demais, nesta parte do trabalho inicial-
mente se procurou descrever as competências de Legislativos estrangeiros, 
em sua relação com o Executivo. Tais referências estrangeiras foram orga-
nizadas em conformidade com os sistemas de governo, operando-se com 
os três mais importantes, quais sejam: presidencialismo, parlamentarismo 
e semipresidencialismo. Dentro de cada uma dessas cate~orias, foram. se-
lecionadas as experiências consideradasmais representatlvas: respectlva-
mente, a dos Estados Unidos, a da Espanha e a da França. 
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