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18-05 O surgimento do islamismo na península arábica e sua expansão

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História Medieval Oriental
O surgimento do islamismo na península arábica e sua expansão
Texto 10: ARMSTRONG, Karen. Unidade: o Deus do Islã – IN: Uma história de Deus: quatro milênios de busca do 
judaísmo, cristianismo e islamismo
• Apenas duas gerações antes de Muhammad (571-632), os Coraixitas (tribo do profeta) viviam uma dura vida
nômade nas estepes da Arábia, como as outra tribos beduínas: cada dia existia uma triste luta pela sobrevivência
• Já na vida de Muhammad, os Coraixitas estavam fazendo do dinheiro uma nova religião, tendo suas soluções
políticas voltadas para a natureza religiosa
• Muhammad acreditava que que esse novo culto da auto suficiência levaria a desintegração da tribo. Nos
velhos tempos nômades, a tribo vinha em primeiro lugar, e o indivíduo depois: cada um dos membros sabia
que todos dependiam uns dos outros para a sobrevivência
• Muhammad estava convencido de que, se os Coraixitas não aprendessem a pôr outro valor
transcendente no centro de suas vidas e a superar o egoísmo e a ganância, a tribo iria se despedaçar
moral e politicamente em brigas intestinas
• No sentido convencional, os árabes não tinham muito tempo para religião. Havia um panteão de divindades pagãs
e eles faziam cultos em seus santuários, mas não tinham desenvolvido uma mitologia que explicasse a
importância desses deuses e lugares santos para a vida do espírito
• Não tinham ideia de uma vida póstuma, mas acreditavam, ao contrário, que o Darh, que pode ser traduzido
como “tempo” ou “destino”, era supremo
• Atitude provavelmente essencial em uma sociedade onde a taxa de mortalidade era elevada
• As virtudes do muruwah (coragem em combate, paciência e resignação ao sofrimento) exigiam que o
árabe obedecesse sem hesitar a seu sayyid, ou chefe, independente da sua segurança pessoal; tendo
assim que defender qualquer ofensa a sua tribo e proteger seus membros mais vulneráveis
• Para assegurar a sobrevivência da tribo, o sayyid partilhava sua riqueza e bens igualmente e vingava a
morte dos seus matando um membro da tribo do assassino
• Vemos uma clara ética comunal: não havia dever de punir o próprio matador, porque um indivíduo podia
desaparecer sem deixar traços numa sociedade como a da Arábia pré-islâmica. Em vez disso, um
membro de da tribo inimiga equivalia a outro por esses fins
• Apesar de sem dúvida brutal, o Muruwah estimulava um profundo e vigoroso igualitarismo
• Os cultos de largueza e generosidade eram virtudes importantes, e ensinavam os árabes a não se preocupar
com o amanhã. Ausência de um “de-vir”
• Ao mesmo tempo, as novas idéias que se infiltravam na região traziam sugestões de individualismo que
solapavam o velho ethos comunal
• Quando Muhammad morrera, em 632, tinha conseguido um feito excepcional. Reunira quase todas as tribos da
Arábia numa nova comunidade unidade, ou ummah
• Como muitos árambes, ele passara a acreditar em Alá (al-Lá), o Sumo Deus do antigo panteão Árabe, cujo
nome significava simplesmente “o Deus”, era idêntico ao Deus adorado pelos judeus e cristãos
• No século VII, a maioria dos árabes vieram a acreditar que a Caaba, o imenso santuário cúbico no coração de
Meca, que era claramente muito antiga, fora originalmente dedicada a Alá, embora no presente fosse
presidida pela divindade nabateana Hubal
• Toda a violência era proibida no santuário, a área sagrada em torno da Caaba, de modo que em Meca os
árabes podiam negociar em paz uns com os outros, sabendo que as velhas hostilidades tribais se
achavam temporariamente suspensas
• Os coraixitas sabiam que sem o santuário eles jamais poderia ter conseguido seu sucesso comercial, e
que grande parte de seu prestígio entre as outras tribos dependia do fato de eles serem guardiões da
Caaba, e preservarem suas antigas santidades
• Embora Alá houvesse claramente escolhido os coraixitas para uma tarefa especial, jamais lhes
enviaria um mensageiro como Abraão, Moisés ou Jesus, e os árabes não tinham nenhuma escritura
em sua língua
• Havia, portanto, um generalizado sentimento de inferioridade espiritual
• Muhammad teria então recebido uma revelação do Deus de Moisés, e tornara-se assim enviado divino dos
Árabes. Ao cabo de um período de vários dias, Muhammad acabou convencido de que isso era de fato verdade, e
pôs-se a pregar aos coraixitas, trazendo-lhes uma escritura em sua própria língua
• Ao contrário da Torá, porém, que de acordo com a versão bíblica foi revelada a Moíses numa única sessão
no monte Sinai, o Corão foi revelado a Muhammad aos poucos, linha por linha e versículo por versículo, num
período de 23 anos
• Os processos de revelação eram experiências dolorosas, como diz o próprio Muhammad: “Nem uma vez
recebi uma revelação sem sentir que minha alma me estava sendo arrancada”
• Por vezes as palavras que Gabriel sussurrava para Muhammad eram claras, pro outro, como dito
pelo próprio profeta: “chegam-me como reverberações de um sino, e isso é mais difícil para mim; as
reverberações cessam quanto tomo consciência da mensagem
• Muhammad que era analfabeto, recitava os segmentos sagrados em voz alta, os muçulmanos o decoravam
(décor: de coração) e os poucos alfabetizados anotavam-no. Após cerca de 20 anos da morte do profeta fez-se a
primeira compilação oficial de revelações
• As primeiras mensagens de Muhammad não eram apocalípticas, mas alegres mensagens de esperança.
Muhammad não precisava provas a existência de Deus para os Coraixitas. Todos acreditavam implicitamente
em Alá, criador do céu e da terra, e a maioria acreditava que era o Deus adorado por Judeus e Cristãos. Sua
existência era tida como certa, como Muhammad diz em um dos primeiros suras do Corão:
• E se lhes perguntas [à maioria das pessoas]: Quem criou os céus e a terra e submeteu o sol e a lua [às
suas leis]? Eles responderam: Alá... E se lhes perguntas: quem faz descer a água do céu e com ela
vivifica a terra depois de haver sido árida? Respondem-te: Alá
• O Corão não estava dizendo nada de novo aos coraixitas. Na verdade, coloca-se constantemente como um
lembrete de cosias já conhecidas, as quais apenas ressalta de maneira mais lúcida. Com frequência introduz um
tema com frases do tipo: “você não percebe...?” ou “você não considera...?”.
• Deus não estava emitindo ordens arbitrárias a partir do alto, mas indicando um diálogo com os coraixitas
• No Corão, todavia, Alá é mais impessoal que Javé. Falta a ele o pathos e a paixão do Deus bíblico. Somente é
possível entrever algo de Deus nos “sinais” da natureza, e ele é tão transcendente que podemos falar dele apenas
por meio de parábolas
• Desse modo, constantemente o Corão incita os muçulmanos a ver o mundo como uma espécie de epifania;
eles precisam fazer um esforço imaginativo para ver, através do mundo fragmentário, o poder pleno do ser
original, a realidade transcendente que permeia todas as coisas
• O Corão enfatiza constantemente a necessidade de inteligência no decifrar de sinais ou mensagens de Deus.
Os muçulmanos não devem abdicar da razão, mas olhar o mundo com atenção e curiosidade
• É como se Maomé tivesse criado uma forma literária inteiramente nova, para qual algumas pessoas não
estavam preparadas, mas que emocionava outras. Sem essa experiência do Corão, é muito improvável que o
islamismo houvesse deitado raízes
• Nos primeiros anos de sua missão, Muhammad atraiu muitos convertidos da nova geração, que se desiludiam
com o ethos capitalista de Meca, assim como grupos pobres marginalizados, que incluíam mulheres, escravos e
membros de clãs mais fracos
• O setor mais rico, mais que satisfeito com o status quo, permaneceu compreensivelmente a distância, mas
não houve rompimento formal com os principais Coraixitas até Muhammad proibir os muçulmanos de adorar
deuses pagãos
• Quando ele condenou estes antigos cultos como idolatras, perdeu a maioria dos seus seguidores da noite
para o dia, e o islamismo se tornou uma minoria desprezada e perseguida
• A partir desse ponto, Muhammad tornou-se um zelosomonoteísta, e shirk (idolatria; literalmente, associar outros
seres a Alá) se tornou o maior pecado do islamismo
• Então, o Corão retorna a uma ideia semita da unidade divina e recusa-se a imaginar que Deus possa “gerar”
uma filho
• Não há divindade além de Alá, o criador do céu e da terra, o único que pode salvar o homem e enviar-lhe
o apoio físico e espiritual de que ele precisa
• A unidade divina também exigia que os muçulmanos reconhecessem as aspirações religiosas de outros.
Como só havia um Deus, todas as religiões devidamente orientadas deveriam vir só dele
• Muhammad jamais pediu a judeus ou cristãos que se convertessem à religião e Alá, a menos que
quisessem particularmente, por terem recebido suas próprias revelações autênticas
• O Corão não achava que que a revelação cancelava as visões dos profetas anteriores, mas ao
contrário, acentuava a experiência religiosa da humanidade
• O Corão ensina que Deus enviou mensageiros a cada povo da terra: a tradição islâmica diz que
houve 124 mil desses profetas, um número simbólico que sugere infinidade
• No ano anterior a Hégira, ou migração para Yathrib (ou Medina, a cidade, como os muçulmanos a chamariam),
Muhammad adaptara sua nova religião para aproxima-la mais do judaísmo, como o entendia
• Assim, prescreveu um jejum para os muçulmanos no dia da expiação judaico e mando-os orar três vezes no
dia como os Judeus, em vez de apenas duas como até então
• Acima de tudo, os muçulmanos devim agora rezar virados para Jerusalém, como os Judeus e os Cristãos
• Em janeiro de 624, quando ficou claro que a hostilidade dos judeus medinenses era permanente, a nova
religião e Alá declarou sua independência
• Muhammad mandou os muçulmanos orarem de frente para Meca, em vez de Jerusalém
• Prostrando-se em direção a Caaba, que era independente das revelações mais antigas, os muçulmanos
declaravam que não pertenciam a nenhuma religião estabelecida, mas rendiam-se apenas a Deus
• No fim da vida de Muhammad, a maioria das tribos árabes se juntara à Ummah (nação, comunidade).
• Em 630, a cidade de Meca abriu seus portões para Muhammad, que pôde toma-la sem derramamento de
sangue
• Em 632, pouco antes da sua morte, fez o que chamou de Peregrinação do Adeus, em que islamizou os
antigos ritos pagãos árabes do haji e fez dessa peregrinação, tão cara aos árabes, o quinto “pilar” de sua
religião
• Haji é o nome dado a peregrinação realizada para a cidade de Meca, sendo obrigatória pelo menos uma
vez na vida para todos os muçulmanos que disponham condições financeiras e de saúde para tal
• Ao convergirem para a Caaba, vestindo os trajes de peregrino tradicionais que apagam todas as
distinções de raça ou classe, sentem que foram libertados das preocupações egoístas de suas vidas
diárias e colhidos numa comunidade que tem um único foco e uma orientação. Gritam em uníssono:
“Eis-me aqui a vosso serviço, ó Alá”, antes de iniciarem as circum-ambulações em torno do santuário
• O Haji oferetece a cada muçulmano individual a experiência de uma integração pessoa no contedo
da ummah, com Deus no centro
• As mulheres estavam entre os primeiros convertidos de Muhammad, e a emancipação delas era um projeto caro
ao coração dele. O Corão proibia estritamente o assassinato de meninas e censurava os árabes por sua
consternação quando nascia uma
• Também dava às mulheres direitos legais de herança e divórcio: a maioria das ocidentais nada teve
comparável até o século XIX
• O Corão não prescreve o véu para todas as mulheres, mas só para as esposas de Muhammad, como sinal de
status
• Assim que o islamismo assumiu seu lugar no mundo civilizado, porém, os muçulmanos adotaram os costumes
do Oikumene (comunidade) que relegavam as mulheres numa posição de segunda classe
• (continua)
• (continuação) Adotaram os costumes de velar as mulheres, e isolá-las em haréns, da Pércia e da Bizâncio Cristã,
onde as mulheres há muito eram assim marginalizadas
• Na época do Califado abácida (750-1258), posição das muçulmanas era tão ruim quanto a de suas irmãs nas
sociedades judaica e cristã. Hoje as muçulmanas exortam seus homens a retornarem ao espírito original do
Corão
• Logo, percebe-se que, como qualquer fé, o Islã pode ser interpretado de várias maneiras; em consequência,
desenvolveu suas próprias seitas e divisões
• A primeira dessas divisões (entre Suna e Shia) estava prefigurada na luta pela liderança após a morte súbita
de Muhammad
• Abu Bakr, amigo íntimo de Muhammad, foi eleito pela maioria (Sunitas), mas alguns acreditavam que
Muhammad teria querido que Ali Ibn Abi Talib, seu primo e genro, fosse seu sucessor (kalipha)
• O próprio Ali aceitou a liderança de Abu Bakr, mas nos anos seguintes parece ter sido o foco da lealdade
de dissidentes que desaprovavam as políticas dos primeiros três califas: Abu Bakr, Umar Ibn al-Khattab e
Uthman Ibn Affan
• Por fim, Ali tornou-se o quarto califa em 656: os xiitas acabariam por chama-lo de primeiro Imã ou
chefe da Ummah
• No que se refere à chefia, a divisão entre sunita e xiitas era mais política que doutrinária, e isso
anunciava a importância da política na religião muçulmana
• Os Shiah-i-Ali (os partidários de Ali) continuam sendo uma minoria, e iriam desenvolver uma religião
de protesto (Xiitas), tipificada pela figura trágica do neto de Muhammad, Husayn ibn Ali, que se
recusou a aceitar os omíadas (Que haviam tomado o califado após a morte do pai dele, Ali) e foi
morto com seu pequeno grupo de seguidores pelo califa omíada Yazud em 680
• A essa altura, os muçulmanos haviam começado a estabelecer seu império. Os primeiros quatro califas
preocuparam-se apenas em disseminar o islamismo entre os árabes dos impérios bizantino e persa, ambo em
estado de declínio. Sob o comando dos Omíadas, porém, a expansão continuou pela Ásia e norte da África,
inspirada não tanto pela religião quanto pelo imperialismo árabe
• Após o período dos rashidun (quatro primeiros califas), os muçulmanos descobriram que viviam num mundo muito
diferente da pequena e aguerrida Medina. Eram agora senhores de um império em expansão, e seus chefes
pareciam motivados pelo mundanismo e a ganância
• O luxo e a corrupção entre a aristocracia e na corte eram muito diferentes das vidas austeras levadas pelo
profeta e seus companheiros
• A solução mais popular para enfrentar tal problema foi encontrada por juristas e tradicionalistas que tentaram
retomar as ideias de Muhammad. Isso resultou na formação da lei da Charia, um código semelhante à Torá,
que se baseava no Corão e na vida e máximas do Profeta
• Circulava um extraordinário número de tradições orais sobre as palavras (hadith) e prática (suna) de
Maomé e seus primeiros companheiros, e essas foram coligadas dutante os século VIII e IX por vários
editores, os mais famosos dos quais foram Muhammad ibn Ismail al-Bukhari e Musim ibn al-Hijjal al-
Qushayri

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