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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – UFAL CAMPUS DE ARAPIRACA CURSO DE GRADUAÇÃO EM LETRAS – LÍNGUA PORTUGUESA ALEX RANIÉRE DA SILVA EPILINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO LÍNGUA MATERNA ARAPIRACA 2019 ALEX RANIÉRE DA SILVA EPILINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA COMO LÍNGUA MATERNA Monografia apresentada ao Curso de Letras – Língua Portuguesa da Universidade Federal de Alagoas, como requisito parcial para obtenção do grau de licenciado em Letras – Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. Doutora Eliane Vitorino de Moura Oliveira ARAPIRACA 2019 Alex Raniére da Silva Epilinguística e o ensino de língua portuguesa como língua materna Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Letras: Língua Portuguesa da Universidade Federal de Alagoas — UFAL, Campus de Arapiraca, como requisito parcial para obtenção do grau de graduado em Letras. Data da aprovação. Banca Examinadora Profa. Dra. Eliane Vitorino de Moura Oliveira Universidade Federal de Alagoas - UFAL Campus Arapiraca Orientadora Prof. Dr. Deywid Wagner de Melo Universidade Federal de Alagoas - UFAL Campus Arapiraca Examinador Prof. Dr. Elias André da Silva Universidade Federal de Alagoas - UFAL Campus Arapiraca Examinador Dedico à Ana Cleide, a mulher que me deu a vida. E a mim, que sei o quanto batalhei para esta concretização. AGRADECIMENTOS AGRADEÇO a Deus por cada oportunidade. AGRADEÇO aos Orixás, que sempre estiveram presentes em minha vida e me permitiram cada momento. AGRADEÇO à minha mãe, que está comigo desde o dia em que fui gerado. AGRADEÇO ao meu pai (in memoriam) por ter me proporcionado uma vida e uma educação maravilhosas. AGRADEÇO aos meus amigos, em especial Mary e Louranne, que estiveram comigo em todas as noites na UFAL, nos congressos, nos momentos de prova e trabalho. AGRADEÇO aos Professores do curso de Letras e outros Professores com os quais tive contato, pois eles me proporcionaram conhecimento. AGRADEÇO à minha orientadora Profa. Lia, como é chamada carinhosamente. Sem ela, jamais teria concluído este trabalho. AGRADEÇO às minhas avós, Lúcia e Cristina. Ajudaram-me em muitos momentos e continuam ajudando e aconselhando. AGRADEÇO à Vida, pois ela sempre teve um propósito para mim. “Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois” Walter Benjamin RESUMO Este trabalho discute o papel do epilinguismo em livros didáticos, analisando sua implicação na concretização de um ensino profícuo de Língua Portuguesa como língua materna. Sabemos que, além das atividades tidas como epilinguísticas, como definiu Geraldi (1997), existem as atividades linguísticas e as metalinguísticas. Porém, nosso propósito nesta pesquisa é trazer ao mundo acadêmico mais uma discussão sobre as atividades epilinguísticas no contexto escolar. Como nosso objetivo geral é refletir sobre essas atividades, a partir da sua incidência em livros didáticos, e sua importância para a ampliação da competência linguística dos alunos em favor da variedade padrão, o modelo de pesquisa que se adota para a realização de tal ato é o qualitativo-interpretativo. Nosso trabalho apoia-se em teóricos como Bortoni-Ricardo e Machado (2013), Bagno (2013), Rojo (2003), Franchi (2006), entre outros. Os resultados descortinam uma realidade já esperada: embora os três tipos de atividades sejam contemplados na coleção analisada, há incidência maior de atividades metalinguísticas. PALAVRAS-CHAVE: Atividades epilinguísticas. Atividades linguísticas. Atividades metalinguísticas. Livro didático. ABSTRACT This paper discusses the role of epilinguism in textbooks, analyzing its implication in the concretization of a proficient teaching of Portuguese as its mother tongue. We know that, in addition to the activities considered as epilingual, as defined by Geraldi (1997), there are linguistic and metalinguistics activities. However, our purpose in this research is to bring to the academic world another discussion about epilingual activities in the school context. As our general objective is to reflect on these activities, based on their incidence in textbooks, and their importance for the expansion of the students' linguistic competence in favor of the standard variety, the research model adopted to carry out such an act is the qualitative- interpretative. Our work is supported by theoreticians such as Bortoni-Ricardo and Machado (2013), Bagno (2013), Rojo (2003), Franchi (2006), among others. The results reveal an already expected reality: although the three types of activities are contemplated in the analyzed collection, there is a greater incidence of metalinguistic activities. KEYWORDS: Epilingual activities. Linguistic activities. Metalinguistic activities. Textbook. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Atividade metalinguística........................................................................................29 Figura 2 – Atividade linguística.............................................................................,..................30 Figura 3 – Atividade epilinguística...........................................................................................31 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Total de atividades por série...................................................................................25 Quadro 2 - Quantidade de atividades e tipos no livro da 1ª série.............................................26 Quadro 3 - Quantidade de atividades e tipos no livro da 2ª série.............................................26 Quadro 4 - Quantidade de atividades e tipos no livro da 3ª série.............................................26 Quadro 5 - Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção (Gramática e estudo da língua) da primeira série.............................................................................................................................28 Quadro 6 - Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção (Gramática e estudo da língua) da segunda série.............................................................................................................................28 Quadro 7 - Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção (Gramática e estudo da língua) da terceira série..............................................................................................................................28 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BNCC Base Nacional Comum Curricular MEC Ministério da Educação PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNLD Programa Nacional do Livro Didático SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................................12 2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................15 2.1 O que falam os documentos..............................................................................................203 METODOLOGIA.............................................................................................................23 4 ANÁLISE...........................................................................................................................25 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................32 REFERÊNCIAS................................................................................................................34 12 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A escola, em nossa sociedade, tem o papel de ensinar, transmitir conhecimento para os alunos, como nos mostram os documentos oficiais. Esse é o papel fundamental de tal instituição. Para tanto, a escola precisa, dentre questões físicas, financeiras e outras, de uma peça importante: o professor, o qual, por sua vez, precisa de material didático para trabalhar, na maioria dos casos, o livro didático. É sobre as atividades que se encontram nos livros didáticos que este trabalho discutirá. Para ser mais específico, este trabalho se propõe a discutir o papel do epilinguismo em livros didáticos e apontá-lo como uma forma eficiente no ensino de Língua Portuguesa como língua materna. Sabemos que além das atividades tidas como epilinguísticas, como definiu Geraldi (1997), existem as atividades linguísticas e atividades metalinguísticas. Porém, nosso propósito é trazer ao mundo acadêmico mais uma discussão sobre as atividades epilinguísticas no contexto escolar. A análise linguística (doravante AL), com fins didáticos, surgiu na década de 80, a partir dos estudos de Geraldi, mais especificamente, no seu artigo “Unidades básicas do ensino de português”, extraído do livro O texto na sala de aula. A AL surge, portanto, como uma prática inovadora de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua, visando ao tratamento escolar de fenômenos gramaticais, textuais e discursivos. Sendo assim, a AL se contrapõe ao ensino tradicional da metalinguagem e da identificação de classes e categorias gramaticais, em si mesmas, firmando-se como uma proposta alternativa, relativa a uma nova prática pedagógica. Assim, essa proposta pode levar o aluno a refletir sobre os usos efetivos da língua, não “decorando”, simplesmente, regras impostas pela gramática normativa. Os PCNs têm trazido uma nova formulação e um novo conceito sobre o ensino de língua materna e, respeitando o que trazem os documentos oficiais, os livros didáticos estão, aos poucos, contemplando as atividades epilinguísticas. Os livros didáticos, muitas vezes únicos instrumentos de apoio dos professores – o que pode levá-los ao engessamento de sua prática, têm, atualmente, buscado seguir o que é determinado pelos PCNs e pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, que é um programa do Governo Federal cujo objetivo é oferecer livros didáticos a alunos e professores, trazendo mais atividades epilinguísticas em seus conteúdos, promovendo uma reflexão mais aprofundada sobre a língua e deixando para trás práticas que levam os discentes a memorizarem nomenclaturas impostas pela gramática normativa, o que caracteriza a atividade puramente metalinguística. 13 Sabe-se que a língua é um instrumento capaz de dar vez e voz a qualquer indivíduo. No entanto, não é qualquer variedade linguística que apresenta tal “poder”. Na sociedade em que vivemos, tem prestígio quem domina a variedade padrão da língua, mas não são muitos alunos que dominam tal variedade. São vários os motivos que impedem boa parte dos alunos de ter conhecimento sobre a variedade padrão, entre eles, um dos mais marcantes está em como o ensino de língua – e principalmente as atividades utilizadas em aula – é conduzido no âmbito escolar. Levando em consideração que tal tema é pouco discutido no curso de Letras, realizar um trabalho, mesmo simples, mas introdutório e reflexivo, sobre as práticas de atividades adotadas em sala de aula faz-se extremamente relevante, porque, por meio dele, outras pessoas – principalmente alunos e alunas do curso de Letras – poderão ver o quão importante é um livro didático apresentar atividades epilinguísticas na Educação Básica. Como já mencionado, o livro é um material utilizado nas salas de aulas, por isso, é importante que professores e alunos do curso de Letras analisem, selecionem e escolham livros didáticos que tragam mais atividades epilinguísticas, pois é também por meio delas que os alunos podem elevar seu conhecimento sobre a variedade padrão da língua. Além disso, importa salientar que as atividades que serão levantadas e discutidas neste trabalho fazem parte de um instrumento – o livro didático – muito valorizado pelos pais, pela escola, por muitos professores e por muitas instituições de ensino, como nos foi possível perceber em plantões pedagógicos, experiências de sala de aula e treinamento de sistemas escolares. Em resumo, consideramos relevante e necessário discutir sobre as práticas, mais conhecidas como questões, atividades, sobretudo as epilinguísticas porque: 1) é um tema discutido na contemporaneidade e que não sairá da pauta dos estudiosos de língua e linguagem e sua aprendizagem; 2) precisa-se dizer, ainda, que é um tema relacionado direta e indiretamente à sociedade escolar e 3) é um tema conhecido por poucos/as acadêmicos/as. Partindo disso, acreditamos que tal trabalho poderá ajudar, a médio e longo prazos, nos estudos que concernem à produção de material didático. Como pretendemos apresentar a ocorrência das atividades (linguísticas, metalinguísticas e epilinguísticas) em livro didático, analisaremos uma coleção de livros do Ensino Médio. A coleção – Português: trilhas e tramas, da LeYa, escrita por Ivone Ribeiro, Maria das Graças, Márcia Antônia e Maria do Rozário, de 2016, 2ª edição, inscrita no PNLD sob o código 0800P18013 – é composta por três livros didáticos – um do primeiro ano, outro do segundo ano e outro do terceiro ano. 14 Para chegarmos a um resultado, é preciso que tenhamos objetivos que norteiem o nosso trabalho. Como objetivo geral/norteador temos a necessidade de refletir sobre as atividades epilinguísticas, a partir da sua incidência em livros didáticos, e sua importância para a ampliação da competência linguística dos alunos em favor da variedade padrão. Só poderíamos alcançar o objetivo geral se passássemos por objetivos específicos que nos servem como uma base para a análise. Assim, definimos os seguintes objetivos: 1) conceituar atividades linguísticas, metalinguísticas e epilinguísticas; 2) elencar a incidência de cada tipo de atividade, comparando o número de cada uma em livros didáticos; 3) analisar a relevância de cada tipo para a aprendizagem da variedade padrão da língua e 4) destacar as atividades epilinguísticas como mais eficazes no processo de aprendizagem da variedade padrão da língua. Por fim, este trabalho está divido nas seguintes seções: introdução, referencial teórico, metodologia, análise e considerações finais. Após introduzirmos a temática, apresentar os objetivos, trazemos o referencial teórico que fundamenta nossa discussão. Estudiosos como Geraldi (1997), Bortoni (2014) e Franchi (2006), entre outros, perfazem o quadro de teóricos que foram abordados neste trabalho. Além disso, trazemos também a visão dos documentos oficiais sobre a temática. Na sequência, na seção 2, destacamos os procedimentos metodológicos do trabalho, destacando a pesquisa qualitativa-interpretativa com coleta de registros, inserida no escopo da Linguística Aplicada, para, então, apresentarmos a terceira seção, intitulada Análise, na qual apresentamos o detalhamento dos dados que conseguimos retirar da coleção de livros analisada, como também o resultado obtido. Por fim, apresentamos as considerações finais de nossapesquisa. Salientamos que este trabalho parte de um olhar inicial para a temática, e, por isso, cabem outras perspectivas. Ele pode servir, por conseguinte, como um convite a reflexões futuras. Diríamos que ele se constitui como um gatilho para outros trabalhos. Para começarmos, portanto, a expor nosso olhar, trazemos, na seção 1, as bases teóricas que nos embasam. 15 2 REFERENCIAL TEÓRICO Todo ser humano quando se conscientiza de que tem uma língua, na mais tenra idade, inicia-se em atividades epilinguísticas, e não as abandona. Perguntar “qual o nome disso?” apontando para um objeto é uma atividade epilinguística. Provocar humor valendo-se das ambiguidades contidas numa palavra, brincar com as palavras, fazer trocadilhos, achar que um nome é bonito ou feio, externar o gosto por determinadas palavras e a antipatia por outras, comparar coisas ditas em outra língua com o que se diz na sua, comentar sobre o sotaque próprio de outras regiões ou países, queixar-se do uso que alguém faz de um termo ou de uma construção sintática considerada agressiva ou ofensiva... tudo isso também são atividades epilinguísticas. A preposição grega epí tem, entre muitos outros sentidos, o de “por cima de, sobre, acima de”. A epilinguagem é, destarte, uma linguagem que está “por cima” da linguagem, agindo diretamente nela, e não “para além” dela, como a metalinguagem. As atividades epilinguísticas são intuitivas, espontâneas, praticadas o tempo todo por qualquer falante de uma língua quando se detém para refletir sobre o significado das palavras, o sentido que elas adquirem em dada situação, a intenção de seu interlocutor ao empregar determinados termos e não outros, determinadas formas de argumentar e não outras etc. É preciso que, no processo de educação linguística, essas atividades sejam estimuladas de maneira ordenada e sistemática. É perfeitamente possível, por meio da reflexão epilinguística, levar um aprendiz a conhecer e a usar com eficiência comunicativa, beleza e criatividade todos os recursos que a língua lhe oferece. E isso pode ser feito sem dar nome às coisas, isto é, sem exigir nomenclatura e classificação. Em vários livros didáticos de Língua Portuguesa disponíveis no mercado para o ensino fundamental há trabalhos muito interessantes que poderiam ser classificados de atividades epilinguísticas — só que esses trabalhos aparecem, quase sempre, fora das seções intituladas “Gramática” ou “Estudo da língua” ou coisa parecida, quando seria altamente desejável que todo o trabalho de reflexão sobre a língua, nessa fase de ensino, se concentrasse nas atividades epilinguísticas e deixasse para elas o mais amplo espaço possível, descartando, pelo menos no começo, todo o esforço enfadonho de transmissão da nomenclatura tradicional e de sua aplicação mecânica em exercícios de puro reconhecimento e classificação. Desde quando surgiu uma instituição chamada escola, cujo papel principal é ensinar ao aluno, os teóricos discutem sobre como, quando, e o quê ensinar no que tange à língua 16 materna. Ao mesmo tempo, os teóricos discutem que tipos de atividades devem ser levadas a uma sala de aula. Essas atividades estão ligadas às concepções de ensino e aprendizagem de língua, conforme Antunes (2009), pois quando se adota uma perspectiva de ensino, adota-se uma forma de avaliar e o tipo de atividade que será cobrado dos alunos. Quanto às concepções de ensino de língua, conforme a fala da professora Silvia Rodrigues em um minicurso ministrado em 2015, no VI ECLAE, em Garanhuns, podemos, de modo breve, verificar duas: uma concepção normativista, partindo da ideia de língua como algo imutável, cujo objetivo é levar o/a aluno/a atribuir nomes às classes gramaticais e às funções que as palavras (termos, pensando em sintaxe) desempenham dentro de um texto, frase; uma concepção mais reflexiva, cujo objetivo é levar o/a aluno/a refletir sobre a língua e seu funcionamento, sem se basear apenas em nomenclaturas. Antunes (2009, p. 219) afirma que “[...] em relação às questões linguísticas, o quê e como ensinamos e avaliamos estão na dependência imediata das concepções que temos acerca do que é uma língua, de como funciona e a que fins se propõe”. Nas últimas duas décadas do século XX, muitos estudos foram feitos acerca do ensino de Língua Portuguesa, observando a leitura, a produção escrita e oral e a estrutura e o funcionamento da língua. Tais estudos, na intenção de ampliar os letramentos dos alunos, propõem a prática de análise linguística, que os leve a refletir sobre o uso e o funcionamento da língua. Entre os autores que discutem esse ensino de análise linguística, destaca-se Geraldi. Em seu livro “O texto na sala de aula”, escrito em 1984, o autor propõe uma nova prática pedagógica, na qual o ensino de Língua Portuguesa deveria centrar-se em três práticas pedagógicas: a) Prática da leitura de textos; b) Prática da produção de textos; c) Prática da análise linguística. Dessa forma, Estas práticas, integradas no processo de ensino-aprendizagem, têm dois objetivos interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificialidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 1984, p. 59). Desse modo, podemos dizer que há três tipos de atividades que podem ser levadas a uma aula de língua materna. Assim, temos as atividades linguísticas, que, segundo Franchi (2006), são Exercício pleno, circunstanciado, intencionado e como intenções significativas da própria linguagem. Exercício do “saber linguístico” das crianças dessa “gramática” 17 que interiorizaram no intercâmbio verbal com os adultos e seus colegas. Produção e compreensão de textos, criando as condições para o desenvolvimento sintático dos alunos, tornar operacional e ativo um sistema a que o aluno já teve acesso fora da escola, em suas atividades linguísticas comuns. (FRANCHI, 2006, p. 95-99). Ou seja, as atividades linguísticas levam os alunos a utilizarem o que eles já sabem, sem normatização. No entanto, muitos teóricos têm discutido que as aulas de língua precisam de outras atividades, pois o ensino de língua não se resume a praticar atividades linguísticas. Partindo desse pressuposto, os teóricos apresentaram dois conceitos de atividades – as atividades metalinguísticas e as epilinguísticas. A atividade metalinguística, cujo objetivo está voltado à gramática normativa, é definida por Franchi (2006) como Trabalho inteligente de sistematização gramatical. Fazer hipótese sobre a natureza da linguagem e o caráter sistemático das construções linguísticas (fatos relevantes de sua língua, carregados de significação). Falar da linguagem, descrevê-la em quadro intuitivo ou teórico. Resultado de uma larga familiaridade com os fatos da língua, como decorrente de uma necessidade de sistematizar um “saber” linguístico que se aprimorou e que se tornou consciente. (FRANCHI, 2006, p. 95-99). Esse tipo de atividade relaciona-se, antes de tudo, com nomenclaturas, definições, sistematização de uma língua. Inconformados com as atividades presentes em livros didáticos, os teóricos apresentaram um terceiro tipo de atividade, a epilinguística: Prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma-as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas gerações. - Trata-se de levar os alunos, desde cedo, a diversificar os recursos expressivos com que fala e escreve, a operar sobre sua própria linguagem, praticando a diversidade dos fatos gramaticais de sua língua. (FRANCHI, 2006, p. 95-99). Essa última atividade está mais ligada à reflexão sobre a linguagem ea língua. Bagno (2013) alega ser preciso, em aulas de língua, muito mais do que atividades linguísticas e metalinguísticas, mas sim atividades epilinguísticas, pois elas ajudam o/a aluno/a a entender o funcionamento da língua e não se restringe a nomenclaturas. Como se sabe, o que mais predomina nos livros didáticos, como apontam Bagno (2013), Rojo (2003), é o ensino da gramática pura, regra por regra, o que Possenti (1996) discute e critica em seu livro Por que (não) ensinar gramática na escola. Possenti (1996) mostra como se dá esse ensino e como a aprendizagem é cobrada, ou seja, que tipo de atividade é adotada nos ensinos de Língua Portuguesa como língua materna. 18 Ainda sobre Possenti (1996), ele afirma que “[...] o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido[...]”. Para que essa ação seja efetivada, é preciso que se faça como Possenti (1996) alega que, para um trabalho eficiente de ensino da língua portuguesa, o ideal seria trabalhar, em primeiro lugar, a gramática internalizada, em seguida, a descritiva, e, por último, a normativa. Isso tem relação com os tipos de atividades nos livros didáticos. No entanto, não é sempre que isso acontece. Boa parte dos livros didáticos não traz atividades que desenvolvam uma reflexão em primeiro plano, para depois chegar à descrição e, por fim, ter contato com a normatização da língua. Na coleção analisada neste trabalho – como é apresentado em outra seção – pudemos ver que há mais atividades normativistas do que reflexivas e/ou descritivas. Isto é, os livros didátciso tentam ensinar a língua aos alunos. No entanto, como defende Possenti, “língua não se ensina, aprende-se”, ou seja, não é por meio apenas de questões puramente gramaticais que o indivíduo conseguirá compreender o funcionamento de uma língua, mas sim, também, a partir da reflexão do que ele já sabe, do que ele consegue constituir em um dado contexto. Nesse cenário, é perceptível que apenas apresentar regras aos alunos, como esperam as atividades metalinguísticas, não é a única e melhor forma de estudantes terem acesso à variedade padrão. Com relação a isso, vejamos o que defende Possenti (1996): [...] se os professores estiverem convencidos – ou puderem ser convencidos – de que o domínio efetivo e ativo de uma língua dispensa o domínio de uma metalinguagem técnica. Em outras palavras, se ficar claro que conhecer uma língua é uma coisa e conhecer sua gramática é outra. Que saber uma língua é coisa e saber analisá-la é outra. Que saber usar regras é uma coisa e saber explicitamente quais são as regras é outra coisa. Que se pode falar e escrever numa língua sem saber “sobre” ela, por um lado, e que, por outro lado, é perfeitamente possível saber muito “sobre” uma língua sem saber dizer uma frase nessa língua sem situações reais. Para dar um exemplo óbvio, sabe evidentemente mais inglês uma criança de três anos que fala inglês usualmente com os adultos e outras crianças para pedir coisas, chingar, reclamar ou brincar, do que alguém que tenha estudado a gramática do inglês durante anos, mas não tem condições de guiar um turista americano para passear numa cidade brasileira (POSSENTI, 1996, p. 53-54 grifo nosso) Percebe-se, portanto, que alunos e alunas devem manter um maior contato com atividades epilinguísticas, sem deixar de lado as demais atividades. Como se pode perceber, aqui não temos o intuito de dizer que um tipo de atividade é melhor do que o outro. A discussão aqui levantada é de que para o ensino de língua, no que compente ao aprimomento da aquisição da variedade padrão através do uso de livros didáticos, ser satisfatório é preciso que ele esteja/seja apoiado na tríade reflexão-descrição-classificação. No entanto, nem sempre 19 é o que acontece nas salas de aula e o que os livros didáticos proporcionam. Todavia, é imprescindível que essa sequência seja seguida. Geraldi (2013) aborda esse aspecto da seguinte forma: Ora, para que as atividades metalinguísticas tenham alguma significância neste processo de reflexão que toma a língua como objeto, é preciso que as atividades epilinguísticas as tenham antecedido. Se quisermos inverter a flecha do ensino, propugnando por um processo de produção de conhecimento e não de reconhecimento, é problemátuica a prática comum na escola de partir de uma noção já pronta, exemplificá-la e, através de exercícios, fixar uma refelxão (GERALDI, 2013, p. 191). É claro o incentivo de muitos teóricos, como apontado até aqui, sobre a forma como as aulas devem ser conduzidas e planejadas no tocante às atividades que as norteam e, consequetemente, como os livros didáticos devem estar preparados para auxiliar os professores em seu ambiente de trabalho e auxiliar os alunos no processo ensino- aprendizagem da variedade padrão de uma língua. Podemos parar e pensar por que é tão importante que alunos desempenhem bem a variedade de prestígio da língua. Bortoni-Ricardo et al. (2014) alega que No caso do português, a variedade de prestígio, usada na literatur, na burocracia estatal e no culto religioso, chegou nas caravelas. A língua lusitana já estava em processo de padronização quando seus usuários chegaram ao Novo Mundo. Desde então, vem sendo cultuada e reverenciada e se transformou no principal passaporte para a ascensão social em um país de mestiços, ansiosos por se assemelharem aos europeus (BORTONI-RICARDO et al., 2014, p. 13). Para que a língua seja, de fato, esse passaporte para a ascensão social, ela precisa ser aprendida por meio de práticas que levem os alunos a refletirem as produções linguísticas e que consigam efetuar o que é posto – apresentaremos na seção 1.1 – pelos documentos oficias voltados ao ensino e à aprendizagem de língua. Além disso, Bortoni-Ricardo e Machado (2013) consideram as práticas pedagógicas para o ensino de língua materna, da maneira como vêm se efetivando, como ineficazes em formar pessoas letradas, pois enfatizavam o ensino da gramática normativa nela mesma, “apagando” a dinamicidade da língua, de modo que prejudicam o acesso ao conhecimento e ao uso de fato da variedade padrão. As autoras afirmam que Um dos problemas da educação em língua materna no Brasil está relacionado ao ensino da gramática na escola. Esse problema pode ser traduzido, incialmente, como decorrente da ênfase na terminologia gramatical e nas taxionomias da NGB (Nomenclatura Gramatical Brasileira) em detrimento da reflexão sobre os usos 20 e estruturas da língua portuguesa (BORTONI-RICARDO; MACHADO, 2013, p. 11 grifo nosso) Ou seja, devido ao fato de se preocuparem com atividades metalinguísticas e deixarem de lado atividades epilinguísticas, o ensino ficou um pouco falho e deixou a desejar no que diz respeito sobre a formação de pessoas altamente letradas. 2.1 O que falam os documentos Como sabemos, a educação é conduzida e instruída por documentos, dentre eles, os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – e a BNCC – Base Nacional Comum Curricular. Esses dois documentos abordam o ensino, de uma forma geral, como uma ação que é capaz de promover ao aluno valores sociais, críticos, humanos. Com relação ao ensino de língua, os PCNs, por exemplo, apontam uma visão que vai muito além de um ensino mecanizado, pronto e acabado; pelo contrário, percebem o aluno como um sujeito ativo, capaz de produzir e com algo a oferecer. Em relação à linguagem, os PCNs trazem o seguinte Em síntese, pela linguagem se expressam idéias, pensamentos e intenções, se estabelecem relações interpessoais anteriormente inexistentes e se influencia o outro, alterando suas representações da realidade e da sociedade e o rumo de suas (re)ações. Isso aponta para outra dimensão da atividade da linguagem que conserva um vínculo muito estreitocom o pensamento. Por um lado, se constroem, por meio da linguagem, quadros de referência culturais representações, teorias populares, mitos, conhecimento científico, arte, concepções e orientações ideológicas, inclusive preconceitos pelos quais se interpretam a realidade e as expressões lingüísticas. Por outro lado, como atividade sobre símbolos e representações, a linguagem torna possível o pensamento abstrato, a construção de sistemas descritivos e explicativos e a capacidade de alterá-los, reorganizá-los, substituir uns por outros. Nesse sentido, a linguagem contém em si a fonte dialética da tradição e da mudança (BRASIL, 1998, p. 20). A partir desse trecho, percebemos que os PCNs entendem a língua(gem) como uma atividade capaz de proporcionar aos indivíduos inúmeros sentidos, ações e que, além disso, é por meio dela que eles podem expressar-se, discutir, interpretar e realizar tantas outras ações. Com isso, percebe-se, mais uma vez, que a língua não pode ser vista como uma caixa pronta e acabada e, consequentemente, o seu ensino não pode ser pensado apenas a partir de uma única forma de ensino-aprendizagem. Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam-nos para o ensino de língua que deve ser trilhado a partir de estratégias que levem, de fato, o aluno a um aprendizado satisfatório. Para isso, é preciso que se parta da mesma ideia defendida por 21 Possenti: passar pela reflexão para ir à descrição chegando à classificação. Nesse sentido, os PCNs apontam que A atividade mais importante, pois, é a de criar situações em que os alunos possam operar sobre a própria linguagem, construindo pouco a pouco, no curso dos vários anos de escolaridade, paradigmas próprios da fala de sua comunidade, colocando atenção sobre similaridades, regularidades e diferenças de formas e de usos lingüísticos, levantando hipóteses sobre as condições contextuais e estruturais em que se dão. É, a partir do que os alunos conseguem intuir nesse trabalho epilingüístico1 , tanto sobre os textos que produzem como sobre os textos que escutam ou lêem, que poderão falar e discutir sobre a linguagem, registrando e organizando essas intuições: uma atividade metalingüística, que envolve a descrição dos aspectos observados por meio da categorização e tratamento sistemático dos diferentes conhecimentos construídos. (BRASIL, 1998, p. 28) (Grifo nosso). A proposta da BNCC para o Ensino Médio é orientada por outros documentos, o que evidencia uma continuação da mesma ideia, ou seja, tal documento vê a língua(gem) como algo capaz de promover pensamento, expressão, decisões, o que só pode ser desenvolvido pelo conjunto de atividades epilinguísticas, linguísticas e metalinguísticas. Vejamos a seguir: Para orientar uma abordagem integrada dessas linguagens e de suas práticas, a área define que os campos de atuação social são um dos seus principais eixos organizadores. Segundo essa opção, a área propõe que os estudantes possam vivenciar experiências significativas com práticas de linguagem em diferentes mídias (impressa, digital, analógica), situadas em campos de atuação social diversos, vinculados com o enriquecimento cultural próprio, as práticas cidadãs, o trabalho e a continuação dos estudos. Essas demandas exigem que as escolas de Ensino Médio ampliem as situações nas quais os jovens aprendam a tomar e sustentar decisões, fazer escolhas e assumir posições conscientes e reflexivas, balizados pelos valores da sociedade democrática e do estado de direito. Exigem ainda possibilitar aos estudantes condições tanto para o adensamento de seus conhecimentos, alcançando maior nível de teorização e análise crítica, quanto para o exercício contínuo de práticas discursivas em diversas linguagens. Essas práticas visam à participação qualificada no mundo, por meio de argumentação, formulação e avaliação de propostas e tomada de decisões orientadas pela ética e o bem comum. (BRASIL, 2017, p. 477). Portanto, para se alcançar o que propõe a BNCC, é fundamental que o ensino de língua baseie-se na tríade reflexão-descrição-classificação. 1 Por atividade epilingüística se entendem processos e operações que o sujeito faz sobre a própria linguagem (em uma complexa relação de exterioridade e interioridade). A atividade epilingüística está fortemente inserida no processo mesmo da aquisição e desenvolvimento da linguagem. Ela se observa muito cedo na aquisição, como primeira manifestação de um trabalho sobre a língua e sobre suas propriedades (fonológicas, morfológicas, lexicais, sintáticas, semânticas) relativamente independente do espelhamento na linguagem do adulto. Ela prossegue indefinidamente na linguagem madura: está, por exemplo, nas transformações conscientes que o falante faz de seus textos e, particularmente, se manifesta no trocadilho, nas anedotas, na busca de efeitos de sentido que se expressam pela ressignificação das expressões e pela reconstrução da linguagem, visíveis em muitos textos literários. Por atividade metalingüística se entendem aquelas que se relacionam à análise e reflexão voltada para a descrição, por meio da categorização e sistematização dos conhecimentos, formulando um quadro nocional intuitivo que pode ser remetido a construções de especialistas. (Nota de rodapé transcrita na íntegra, como publicada nos PCNs). 22 Na próxima seção, apresentamos a metodologia adotada neste trabalho. De antemão, adiantamos que esta pesquisa classifica-se como qualitativa e de cunho interpretativo. 23 3 METODOLOGIA Este estudo é de natureza qualitativa, de cunho interpretativista. A pesquisa é considerada qualitativa, pois privilegia a interpretação dos dados, em lugar da mensuração, conforme afirma Gaskell (2011): “[...] a pesquisa qualitativa evita números, lida com interpretação das realidades sociais, e é considerada pesquisa soft”. Isto é, os números obtidos na pesquisa qualitativa servem para levantar a interpretação dessas realidades, que é o que faremos neste trabalho. Como nosso objetivo geral é refletir sobre as atividades epilinguísticas, a partir da sua incidência em livros didáticos, e sua importância para a ampliação da competência linguística dos alunos em favor da variedade padrão, o modelo de pesquisa que se deve adotar para a realização de tal ato é, de fato, qualitativo-interpretativo. Antes de apontarmos qualquer ideia, é preciso destacar que o surgimento desta pesquisa se deu a partir de inquietações como professor de Língua Portuguesa na Educação Básica; além disso, a Linguística Aplicada e as áreas que se envolvem com a elaboração de material didático sempre chamaram a nossa atenção. Por natureza, o ser humano é curioso e inquieto, de modo que sempre quer saber os motivos que levam ao aparecimento de certas dúvidas. Com a curiosidade científica instaurada, tendo como hipótese a não incidência de atividades epilinguísticas nos materiais destinados ao trabalho em sala de aula, partimos para a seleção deste material já no terceiro período do curso, além de, também naquele momento, ter iniciado as leituras que nos mostrassem fundamentos sobre a elaboração e aplicação de atividades em livros didáticos. Os livros escolhidos para a realização da análise deste trabalho surgiram por indicação de colegas professores em momento pedagógico, no qual falávamos sobre a avaliação do aluno a partir dos livros didáticos. A priori, havíamos escolhido livros utilizados em nossa prática de sala de aula, porém, pelo fato de trabalhar em escola particular e usar os livros selecionados pela equipe da escola, não foi possível partir por esse caminho, visto que tais materiais não fazem parte do PNLD. A indicação do livro aconteceu, como já afirmado, em momento de encontro pedagógicode professores. O acesso à coleção analisada só pôde acontecer devido a um dos professores, ao qual temos acesso, trabalhar em escola pública e ter afirmado que tais livros didáticos eram precários em relação às atividades epilinguísticas. 24 Tendo em vista que este trabalho é uma monografia e tem como propósito convidar outros pesquisadores para realizarem estudos sobre esta temática, preferimos analisar apenas uma coleção. Definido o objeto de estudo, a análise foi minuciosa, sendo apresentados os resultados por meio de tabelas, por entendermos que tal sistematização tornaria mais visível quantitativamente o número das atividades analisadas, como também mais fácil de realizar o comparativo e a interpretação qualitativa dos dados. Dessa forma, seguindo o paradigma interpretativista, para atingirmos nossos objetivos, realizamos uma coleta de registro para, a partir daí, elencarmos a recorrência de cada tipo de atividade, comparando o número de cada uma na coleção Português: trilhas e tramas, da LeYa, escrita por Ivone Ribeiro, Maria das Graças, Márcia Antônia e Maria do Rozário, de 2016, 2ª edição, inscrita no PNLD sob o código 0800P18013. Após conhecermos a quantidade de cada atividade, esses números serão dispostos em tabelas, seguidos de uma discussão sobre os dados. 25 4 ANÁLISE Para atender os objetivos deste trabalho, em especial os objetivos específicos de elencar a incidência de atividades epilinguísticas, metalinguísticas e linguísticas em livros didáticos, contabilizando e comparando o número de cada uma, selecionamos os livros da coleção Português: trilhas e tramas, escrita por Ivone Ribeiro, Maria das Graças, Márcia Antônia e Maria do Rozário. A edição analisada é a 2ª, publicada em 2016, pela Editora LeYa, inscrita no PNLD para o Ensino Médio sob o código 0800P18013. A coleção é composta por três livros:1º, 2º e 3º anos. É importante dizer que os livros foram divididos, por suas autoras, em quatro seções. A 1ª seção é intitulada Integrando Linguagens; a 2ª seção nomeia-se Literatura e leitura de imagens; a 3ª seção é denominada Gramática e estudo da língua e, por fim, a 4ª seção chama- se Produção de textos orais e escritos. A coleção foi analisada como um todo, no entanto, faz-se necessário dissertar que, levando em consideração o nosso objetivo geral – refletir sobre as atividades epilinguísticas, a partir da sua incidência em livros didáticos, e sua importância para a ampliação da competência linguística dos alunos em favor da variedade padrão –, tivemos que nos debruçar um pouco mais sobre a 3ª seção, já que é a partir dela que aluno tem maior contato com o ensino da variedade padrão, que é o que propusemos aqui. Após a análise, levantamos a incidência objetivada, cujos resultados são apresentados nos quadros a seguir. Quadro 1 – Total de atividades por série SÉRIE TOTAL DE ATIVIDADES Primeira série 623 Segunda série 623 Terceira série 623 Fonte: elaborada pelo autor (2019) No entanto, após uma análise mais aguçada e na tentativa de encontrar a incidência de atividades epilinguísticas, metalinguísticas e linguísticas em cada livro de cada série, ficou claro que ainda as atividades metalinguísticas e linguísticas são mais presentes nos livros, como veremos nas tabelas a seguir. A quantidade de atividades aqui exposta serve, apenas, 26 para perfazer um número de vezes que os exercícios aparecem nos livros analisados. Para mostrar que há um número x de exercícios, os quais visam auferir a aprendizagem. Quadro 2 – Quantidade e tipos de atividades no livro da 1ª série SÉRIE TOTAL DE ATIVIDADES TIPO DE ATIVIDADES QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADES 1ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 623 METALINGUÍSTICA 253 EPILINGUÍSTICA 164 LINGUÍSTICA 206 Fonte: elaborada pelo autor (2019) Quadro 3 – Quantidade e tipos de atividades no livro da 2ª série SÉRIE TOTAL DE ATIVIDADES TIPO DE ATIVIDADES QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADES 2ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 623 METALINGUÍSTICA 273 EPILINGUÍSTICA 113 LINGUÍSTICA 237 Fonte: elaborada pelo autor (2019) Quadro 4 – Quantidade e tipos de atividades no livro da 3ª série SÉRIE TOTAL DE ATIVIDADES TIPO DE ATIVIDADES QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADES 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 623 METALINGUÍSTICA 313 EPILINGUÍSTICA 127 LINGUÍSTICA 183 Fonte: elaborada pelo autor (2019) Como se pode notar nas tabelas apresentadas, a recorrência de atividades epilinguísticas é sempre menor. É possível perceber que tal fato acontece em todos os livros, independentemente de série, o que comprova a nossa hipótese – os livros didáticos têm 27 preferido trazer mais atividades metalinguísticas e linguísticas a atividades epilinguísticas, como nos mostram algumas pesquisas realizadas por alunos dos cursos de Letras Brasil afora. O artigo de Silvana Schwab Nascimento, cujo título é Atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas no documento oficial de língua portuguesa do estado do Rio Grande do Sul (2014), mostra que as atividades linguísticas e epilinguísticas aparecem nos materiais didáticos, no entanto, não da mesma forma como as metalinguísticas. Essa presença marcante das demais atividades em detrimento das atividades epilinguísticas mostra que, de certa maneira, tal coleção não obedece aos PCNs e vai de encontro com o que muitos teóricos, como Geraldi (1984, 57), o qual aponta que “o trabalho em sala de aula deve comportar essa realidade, de maneira que as formas de ensinar e aprender impliquem um processo contínuo de avanço, alicerçado em práticas reflexivas, ou epilinguísticas”. Possenti (1996) corrobora a ideia de Geraldi quando nos ensina que não se trata de substituir a gramática normativa e as práticas que ela tem motivado pelas verdades de uma nova disciplina mais atual, mas, sim, por uma prática da reflexão sobre a língua e a linguagem. Apresentamos, no início desta seção, que a seção do livro a render maior discussão no trabalho seria a intitulada “Gramática e estudo da língua”, pois a partir dela os alunos têm contato com as regras gramaticais da variedade padrão. Não pretendemos afirmar neste trabalho que as seções do livro não lidem com o ensino das regras da variedade padrão; no entanto, o próprio livro, quando divide os conteúdos, coloca cada seção como um instrumento específico para avaliar cada habilidade do aluno, por exemplo: a seção voltada à produção textual preocupa-se mais em avaliar questões gramaticais, como concordância nominal e verbal, por exemplo, do que analisar questões textuais, como coesão, coerência e outros elementos. Como um dos objetivos específicos deste trabalho é elencar a incidência de cada tipo de atividade, comparando o número de cada uma em livros didáticos, apresentamos as tabelas que organizam a quantidade de atividades e seus respectivos tipos em cada livro de cada série. 28 Quadro 5 – Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção (Gramática e estudo da língua) da 1ª série SÉRIE SEÇÃO DO LIVRO QUANTIDADE TOTAL DE ATIVIDADES NA SEÇÃO TIPO DE ATIVIDADE QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADE 1ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 3ª – GRAMÁTICA E ESTUDO DA LÍNGUA 200 METALINGUÍSTICA 103 EPILINGUÍSTICA 13 LINGUÍSTICA 84 Fonte: elaborada pelo autor (2019) Quadro 6 – Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção (Gramática e estudo da língua) da 2ª série SÉRIE SEÇÃO DO LIVRO QUANTIDADE TOTAL DE ATIVIDADES NA SEÇÃO TIPO DE ATIVIDADE QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADE 2ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 3ª – GRAMÁTICA E ESTUDO DA LÍNGUA 187 METALINGUÍSTICA 97 EPILINGUÍSTICA 25 LINGUÍSTICA 65 Fonte: elaborada pelo autor (2019) Quadro 7 – Quantidade de atividades e tipos na 3ª seção(Gramática e estudo da língua) da 3ª série SÉRIE SEÇÃO DO LIVRO QUANTIDADE TOTAL DE ATIVIDADES NA SEÇÃO TIPO DE ATIVIDADE QUANTIDADE POR TIPO DE ATIVIDADE 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO 3ª – GRAMÁTICA E ESTUDO DA LÍNGUA 247 METALINGUÍSTICA 187 EPILINGUÍSTICA 17 LINGUÍSTICA 43 Fonte: elaborada pelo autor (2019) 29 Como já dito em outros momentos, as tabelas aqui utilizadas servem para esquematizar a distribuição de atividades empregadas nos livros didáticos analisados. Faz-se necessário, portanto, apresentar um exemplo de cada atividade. Neste mesmo capítulo, como vimos nas tabelas, há um número considerável de atividades metalinguísticas, cujo conceito cunhado por Franchi (2006) é relembrado a seguir: Trabalho inteligente de sistematização gramatical. Fazer hipótese sobre a natureza da linguagem e o caráter sistemático das construções linguísticas (fatos relevantes de sua língua, carregados de significação). Falar da linguagem, descrevê-la em quadro intuitivo ou teórico. Resultado de uma larga familiaridade com os fatos da língua, como decorrente de uma necessidade de sistematizar um “saber” linguístico que se aprimorou e que se tornou consciente. (FRANCHI, 2006, p. 95-99). Na Figura 1, a seguir, apresentamos um exemplo de uma atividade metalinguística. Atentemo-nos à exigência desse tipo de atividade em relação ao aluno no momento de aprendizagem. Figura 1 – Atividade metalinguística Fonte: Ivone Ribeiro, Maria das Graças, Márcia Antônia e Maria do Rozário, 2016, p. 42 30 Como se pode perceber, nesse tipo de atividade, o aluno é levado a uma normatização, a enxergar a língua como um sistema pronto que funciona somente a partir de determinadas regras. Já na imagem 2, apresentamos um exemplo de atividade linguística, que, como nos aponta Franchi (2006, p. 95), é um exercício do “saber linguístico”. As atividades linguísticas levam os alunos a utilizarem o que eles já sabem, sem normatização da língua. Figura 2 – Atividade linguística Fonte: Ribeiro et al., 2016, p. 56 Diferentemente do que ocorre nas atividades metalinguísticas, o aluno é levado a uma reflexão sem ter que apontar uma regra normativa ou atribuir um nome para um determinado fenômeno. Com relação às atividades epilinguísticas, Franchi apresenta-nos que é uma Prática que opera sobre a própria linguagem, compara as expressões, transforma- as, experimenta novos modos de construção canônicos ou não, brinca com a linguagem, investe as formas linguísticas de novas gerações. - Trata-se de levar os alunos, desde cedo, a diversificar os recursos expressivos com que fala e escreve, a operar sobre sua própria linguagem, praticando a diversidade dos fatos gramaticais de sua língua. (FRANCHI, 2006, p. 95-99). Na Figura 3, a seguir, temos um exemplo de atividade epilinguística. Notemos que tal atividade, como preconizam as teorias, leva o aluno a exercer uma reflexão sobre os usos linguísticos que fazemos diariamente em contextos diferentes. Franchi (2006) nos aponta que 31 a atividade epilinguística leva o aluno a buscar/matizar formas diferentes e adequadas para serem usadas em momentos distintos que requerem uma interação. Figura 3 – Atividade epilinguística Fonte: Ribeiro et al., 2016, p. 74 Percebamos que, nessa última atividade, o aluno precisa fazer uma reflexão comparando uma expressão com outra, o que faz, de certo modo, com que ele construa uma nova forma de escrever ou falar o enunciado linguístico em questão. Diante do que já foi visto até aqui, corrobora-se a ideia de que, mais do que nunca, urge a importância de se socializarem práticas criativas, inteligentes, interessantes e instigantes que possam facilitar “um contato mais positivo do aluno com a língua que ele estuda, a fim de que saiba falar, ouvir, escrever e ler mais adequada e competentemente” (ANTUNES, 2008, p. 13). E, mais ainda, práticas que também levem em consideração a perspectiva de equilibrar os usos de atividades nos livros didáticos. 32 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a análise das atividades presentes no livro didático utilizado neste trabalho, podemos fazer algumas constatações a título de conclusão, as quais destacamos a seguir. Em relação à crença generalizada na utilidade da gramática enquanto instrumento para ler, escrever e até falar melhor – isto é – ter domínio sobre a variedade padrão da língua, em nada se justifica uma prática de ensino e uma produção de materiais didáticos que, a pretexto de alcançar tais objetivos, ocupam-se predominantemente com a fixação de noções teóricas e abstratas (atividades metalinguísticas). Ler e escrever aprende-se lendo e escrevendo e, como instrumentação para essas práticas linguísticas, ao invés de atividades metalinguísticas – que representam basicamente a ideia de desenvolver a capacidade para falar sobre a língua por meio de noções teóricas que designam categorias abstratas – os materiais didáticos poderiam pensar e trazer mais atividades epilinguísticas, as quais consistem em refletir sobre as diferentes formas de dizer, não utilizando os “termos técnicos” e recorrendo a exercícios de ampliação, redução, reescrita de textos e frases. Por meio da análise do livro didático Português: trilhas e tramas, foi possível perceber, confirmando nossa hipótese inicial, que as atividades epilinguísticas ainda aparecem em menor quantidade, o que mostra, desse modo, a supervalorização dos demais tipos de atividades em livros didáticos e, consequentemente, a visão que norteia o ensino de língua, como defende Geraldi (2013): Acredita-se ainda que o processo de ensinar está em definir. Tal orientação claramente privilegia o aprendizado da metalinguagem da língua ou, quando muito, o aprendizado de exercícios estruturais de aplicação de noções e categorias. Privilegia o raciocínio sobre a abstração e conseqüentemente sobre o aspecto formal, universal, uno e regular da língua em detrimento do raciocínio sobre o concreto, o historicamente definido, o aspecto múltiplo e contraditório da língua enquanto discurso e enunciação. Que o ensino da língua não se confunde com o ensino de gramática, não é lícito contestar. Porque uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados, percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra coisa é saber analisar uma língua dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se fala sobre a língua (GERALDI, 2013, p. 118). Vemos, assim, que não deveria existir uma valorização de um tipo de atividade em detrimento de outro. Na verdade, os variados tipos de atividades linguísticas, metalinguísticas e epilinguísticas deveriam atuar em conjunto no ensino-aprendizado dos alunos, 33 principalmente no aspecto do ensino da variedade padrão nas escolas por meio do uso de livros didáticos. Com o desenvolver do nosso trabalho e como foi apontado em cada seção, pôde-se perceber que conseguimos responder à nossa primeira inquietação – boa parte dos livros didáticos apresenta mais atividades linguísticas e metalinguísticas do que epilinguísticas. Uma pequena parte das atividades analisadas na coleção privilegia o que se propaga em termos de concepção de linguagem como forma de interação, o que leva ao uso efetivo da Língua Portuguesa. Tais atividades circulam a partir de gêneros textuais e seguem uma sequência em todas as propostas. Há, dessa forma, uma progressão no desenvolvimento das habilidades dos alunos, o que caracteriza aquilo que Franchi (2006) defende: que o ensino eficaz de Língua Portuguesa deveria ser realizado por níveis ou graus de dificuldade e abstração, ou seja, atividades linguísticas, epilinguísticas emetalinguísticas. No entanto, pudemos constatar que, na maior parte das atividades, há presença, quase dominante, de atividades metalinguísticas, ou seja, a coleção analisada tem, na sua essência, uma perspectiva mais normativista. Cabe ainda destacar que, apesar de esse discurso da mudança ou renovação do ensino de Língua Portuguesa estar bem marcado em documentos como os PCNs e BNCC, por meio do uso das atividades linguísticas e epilinguísticas, pode-se perceber que ainda há um espaço significativo dado às atividades metalinguísticas, pois, na maioria das vezes, as atividades levam em conta, por exemplo, uma categoria gramatical. Por fim, vale reafirmar aqui que este trabalho é apenas o início do que pode ser uma grande discussão. Portanto, deixamos aqui em aberto o convite para futuros pesquisadores que se interessam por tal tema. 34 REFERÊNCIAS ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro e interação. 8ª ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2007. BAGNO, Marcos. Sete erros aos quatro ventos: a variação linguística no ensino de português. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. BORTONI-RICARDO, Stella Maris; SOUSA, Rosineide Magalhães; FREITAS, Vera Aparecida de Lucas; MACHADO, Veruska Ribeiro (organizadoras). Por que a escola não ensina gramática assim?. São Paulo: Parábola Editorial, 2014. BORTONI-RICARDO, Stella Maris; MACHADO, Veruska Ribeiro. Os doze trabalhos de Hércules: do oral para o escrito. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa /Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 2000. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base nacional comum curricular. Brasília, DF, 2016. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio>. Acesso em: out. 2018. CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2012. FRANCHI, Carlos. Mas o que é mesmo “gramática”? 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