Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva Márcio Mendes da Luz © Copyright 2017 da Dtcom. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Ficha catalográfica elaborada pela Dtcom. Bibliotecária – Andrea Aguiar Rita CRB) S586s Silva, Adriana Duarte de Souza Carvalho da Sociedade contemporânea / Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva, Márcio Mendes da Luz. – Curitiba: Dtcom, 2017. 152 p. ISBN: 978-859-368-527-9 1. Aspecto organizacional. 2. Contemporâneo. 3. Aspectos humanos. CDD 614.2 Reitor Prof. Celso Niskier Pro-Reitor Acadêmico Maximiliano Pinto Damas Pro-Reitor Administrativo e de Operações Antonio Alberto Bittencourt Coordenação do Núcleo de Educação a Distância Viviana Gondim de Carvalho Redação Dtcom Análise educacional Dtcom Autoria da Disciplina Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva, Márcio Mendes da Luz Validação da Disciplina Veronica Eloi Designer instrucional Milena Rettondini Noboa Banco de Imagens Shutterstock.com Produção do Material Didático-Pedagógico Dtcom Sumário 01 Conceitos teóricos dos séculos XVII e XVIII ....................................................................... 7 02 Revolução industrial e revoluções burguesas ..................................................................15 03 Burgueses e proletários.........................................................................................................22 04 Émile Durkheim .......................................................................................................................30 05 Karl marx ..................................................................................................................................37 06 Max Weber ...............................................................................................................................44 07 Brasil: do engenho ao ouro ...................................................................................................51 08 O europeu e a ocupação territorial ......................................................................................58 09 Colonização: cultura indígena e a luta pela posse da terra ............................................65 10 O negro: cultura e o trabalho escravo .................................................................................73 11 Democracia racial ...................................................................................................................80 12 Cultura.......................................................................................................................................87 13 Desigualdades sociais no Brasil ..........................................................................................93 14 Mudanças na cultura da sociedade contemporânea ................................................... 100 15 Os movimentos sociais ...................................................................................................... 107 16 Constituição de 1988 e a sociedade contemporânea .................................................. 114 17 Globalização: origens e definições ................................................................................... 122 18 Globalização: Impactos Econômicos (1980 – 2010) ................................................... 129 19 Globalização: Impactos Políticos (1980 – 2010) .......................................................... 137 20 Globalização: Impactos Sociais e Culturais (1980 – 2010) ........................................ 145 Conceitos teóricos dos séculos XVII e XVIII Márcio Mendes da Luz Introdução Sabemos que a forma como nossa sociedade atual pensa e age é consequência de anos de mudanças e quebras de paradigmas. Essas modificações são fruto, principalmente, de ideias e conceitos propostos por grandes pensadores em sua época. Nesta aula, vamos refletir sobre os pressupostos teóricos que fundamentaram a sociedade contemporânea. Estudaremos sobre os teóricos dos séculos XVII e XVIII que ajudaram a formar as concep- ções políticas, sociais e econômicas da nossa sociedade atual. Aprenderemos sobre Thomas Hobbes e sua noção de Estado, a desigualdade social em Rousseau, a noção de liberdade de Voltaire, a divisão de poderes de Montesquieu e o liberalismo econômico de Adam Smith. Vamos começar? Então, acompanhe-nos e bons estudos. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • conhecer os pressupostos teóricos que formaram a sociedade contemporânea; • entender sobre o Iluminismo e Liberalismo. 1 Thomas Hobbes: o contrato social inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) nasceu na Inglaterra no final do governo de Elizabeth I (1558 – 1603), da Dinastia Tudor. Esta Dinastia conseguiu consolidar o poder absolutista na Inglaterra ao vencer a Guerra das Duas Rosas (1455 – 1485) e também garantiu independência em relação à igreja católica ao fazer o Ato de Supremacia (1532). O que seria isso? Foi a ruptura com a Igreja Católica e criação da Igreja Anglicana. Mas apesar da consolidação do poder do rei, na história política inglesa, o poder dele nunca foi total devido ao forte poder também do parlamento. SAIBA MAIS! O parlamento inglês surgiu em 1212, quando o rei João, o sem-terra, teve seu poder restrito ao assinar a Magna Carta, forçado pelos nobres após a fracassada tentativa de invasão da França. A partir de então, nenhum rei inglês pôde tomar uma decisão sem a permissão do parlamento. – 7 – TEMA 1 Figura 1 – Parlamento inglês Fonte: Leonid Andronov/Shutterstock.com. Hobbes acompanhou a Guerra Civil Inglesa (1642-1649), que encerrou com a decapitação do Rei Carlos I. Após finalizar o conflito, Hobbes retorna à Inglaterra e publica o Leviatã, em 1651, em que discute sobre a natureza do homem e a função do Estado. A extensão do conflito e seus efei- tos na sociedade, principalmente o elevado número de mortes, causou no autor um pessimismo sobre o ser humano. Para Hobbes, inicialmente, nos primórdios o ser humano vivia em uma condição de anarquia e barbárie conhecida como Estado Natural. Neste estágio, todos são iguais, todos têm os mesmos direitos, há a ausência do soberano e, guiados apenas pelos seus instintos, paixões e desejos, os homens são levados ao constante estado de guerras (RIBEIRO, 1989). Para evitar os conflitos entre as pessoas, Hobbes defende o Estado Soberano, que deverá ser regido por um soberano. Na concepção deste autor, esse Estado que será regido por um corpo de leis dará ao ser humano a tranquilidade e paz de que ele necessita para viver. Se o Estado Natural dá a liberdade sem limites à população, então, leva ao caos e anarquia. Por outro lado, o Estado Soberano restringe a liberdade individual, mas permite a ordem e a tranquilidade de que as pessoas necessitam. Em resumo: o Leviatã seria o “monstro” que resulta do Estado Civil que é a união da vontade de todos na figura do soberano, que representa a lei que dará a tranquilidade necessária. Portanto, Hobbes oferece à nossa sociedade a ideia de um Estado de Direito cujo corpo de regras, chamadas de lei, deve trazer ordem, paz e proteção à população e estar acima dos interes- ses pessoais. Perceba que este conceito permeará grande parte dos Estados ocidentais contem- porâneos (RIBEIRO, 1989). Agora, vejamos o contraponto deste pensamento? Acompanhe-nos para conhecer as ideias de Voltaire. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 8 – 2 Voltaire e o conceito de liberdade Os próximos três autores que vamos estudar (Voltaire, Rousseau e Montesquieu) possuem em comum o fato de serem denominados iluministas. E o que significa isso? O Iluminismo surgiu na Europa no século XVIII como uma oposição a tudo que representasse o Antigo Regime:poder absolutista, a fusão de Estado com a Igreja, interferência do Estado na economia e os privilégios da nobreza. Voltaire, pseudônimo de François Marie-Arouet (1694 – 1778), trabalha com afinco o conceito de liberdade. SAIBA MAIS! O nome Iluminismo vem de luz, pois, segundo os seus teóricos, por meio da razão e da luz do conhecimento, a sociedade humana conseguiria desfazer suas amarras e seguir sua liberdade. Para aprofundar sugerimos a leitura do seguinte texto: <http:// www.scielo.br/pdf/seq/n66/14.pdf>. Diferentemente da concepção grega clássica de liberdade, que era a participação do cidadão nas decisões políticas, no século XVIII, a noção de liberdade é ampliada para a autodeterminação do indivíduo sem que tenha que obedecer passivamente a outros. Para isso, o Estado absolutista e a sua característica intervencionista no cotidiano das pessoas eram opostos aos interesses dos iluministas (COULANGES, 1971). Para os iluministas e, sobretudo Voltaire, a população deveria ter o direito à liberdade de expressar sua opinião, de comercializar e professar a sua fé. FIQUE ATENTO! Assim como outros conceitos, a liberdade não é um bem natural do ser humano, ela é historicamente construída, para depois ser inserida no cotidiano das pessoas. Perceba que a filosofia iluminista influenciará as revoltas e revoluções da segunda metade do século XVIII e início do século XIX na Europa e continente americano, sobretudo na Revolução Francesa e Independência das treze colônias, atualmente os Estados Unidos. Os governos resul- tantes delas que asseguraram a liberdade e autodeterminação de seus indivíduos passaram a ser chamados de governos liberais, os quais serão predominantes nos séculos XIX e XX. Na sequência, continue conosco para conhecer o pensamento de Montesquieu, outro autor que era favorável à formulação de um conceito de liberdade. Vamos lá? 3 Barão de Montesquieu e o poder tripartite Uma das contestações ao Antigo Regime resultava no acúmulo de poder nas mãos de um soberano, no caso do governo francês, a figura do rei. Neste sentido, Charles Louis de Secondat, o barão de Montesquieu (1689 – 1755), em seu livro “O Espírito das Leis” (1748) critica e defende a SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 9 – divisão dos poderes em três: Legislativo (aquele que faz as leis), Executivo (aquele que as põe em prática) e Judiciário (aquele que julga as leis). EXEMPLO A divisão de poderes é a prática política das principais democracias contemporâne- as. No Brasil, em nível federal, o Executivo é exercido pelo Presidente, o Legislativo por deputados e senadores, e o Judiciário pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para o autor, aquele que detém o controle dos três poderes, isto é o rei, tende a abusar dele na condução do país. Por isso, a divisão e a isonomia (ou seja, a igualdade de todos perante as leis) entre esses poderes é necessária para assegurar uma sociedade mais justa e que garante os direitos de autodeterminação de seus indivíduos ao respeitar as leis. FIQUE ATENTO! No caso brasileiro, a divisão em três poderes é feita tanto no nível federal como no estadual e municipal. Acompanhe na imagem a seguir uma demonstração do que seria a diferença entre o Antigo Regime e os Governos Liberais. Figura 2 – Antigo Regime versus governos liberais Antigo Regime Governos Liberais Rei Executivo (Presidente ou Rei) Legislativo (Parlamento) Judiciário (Juízes) Executivo Legislativo Judiciário Fonte: Elaborada pelo autor, 2017. Vamos conhecer o terceiro autor que expôs seus pensamentos sobre governos e liberdade? Então, acompanhe-nos! SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 10 – 4 Rousseau e a desigualdade entre os homens Jean Jacque Rousseau (1712–1778) foi um dos principais filósofos iluministas do século XVIII e, dentre seus estudos, o destaque é para aquele sobre a desigualdade entre os homens e a crítica sobre a sua existência. Primeiro de tudo, saiba que na sociedade francesa do século XVIII, a desigualdade entre os homens era vista como natural. Seguindo tradições e costumes medievais, a nobreza francesa possuía mais direitos e privilégios que o restante da população, como o acesso à propriedade rural e a isenção de impostos. Contra esta desigualdade e privilégios de uma classe social é que Rous- seau escreve sua crítica na obra “Discurso sobre a origem e a formação da desigualdade entre os homens” (ROUSSEAU, 1989). Para Rousseau, havia dois tipos de diferenças entres os homens: uma natural ou física, que seria a distinção sexual, de altura, racial, etc., e para o autor essa diferença não deveria ser objeto de pesquisa, pois é imutável. A outra diferença é política ou moral, e surgiu a partir do momento em que o homem natural se organizou em comunidades e passou a ter posse da propriedade e da ambição humana em se distinguir de seus pares e o desejo de aumentar o seu poder. Com isso, dividiria a população entre ricos e pobres, governantes e governados e que aí está a origem da opressão e a falta de liberdade. FIQUE ATENTO! A noção de homem natural para Rousseau é diferente da de Hobbes. Para o iluminis- ta, o homem natural é aquele capaz de compaixão, misericórdia e solidariedade para com seus pares e que foi a criação da propriedade privada que corrompeu o homem. A busca de igualdade de direitos e o fim de privilégios é a base jurídica dos principais gover- nos do século XIX e XX, em que a premissa permanece que todos são iguais perante as leis. Figura 3 – A diferença entre os homens trazida pelo poder Fonte: Prazis/Shutterstock.com. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 11 – Agora, vejamos quem é Adam Smith e o que o autor fala a respeito do liberalismo econômico. Vamos lá? Então, acompanhe-nos! 5 Adam Smith e o liberalismo econômico Alguns o consideram como iluminista ou, simplesmente, um herdeiro dos fisiocratas iluminis- tas, que defendiam o fim do mercantilismo e do intervencionismo estatal na economia, sintetizado no termo francês Laissez-Faire que pode ser traduzido como “deixe estar”. Aliás, esta expressão é símbolo do liberalismo econômico, que, em linhas gerais, determina que o mercado funcione livre- mente, sem interferência do Estado, contando apenas com regulamentos que protejam os direitos de propriedade. Esta filosofia foi dominante nos Estados Unidos e nos países da Europa ocidental sobretudo a partir do final do século XIX. O inglês Adam Smith (1723 – 1790) é tido como pai do liberalismo econômico. Em seu livro “A Riqueza das Nações” (1776), o economista inglês defende a necessidade de ter um Estado que não interfira na economia e que deixa que ela se autorregule, segundo a lei do mercado (Lei da oferta e da procura). Este tipo de Estado é conhecido como Estado Mínimo. Figura 4 – Estátua do inglês Adam Smith Fonte: Heartland Arts/Shutterstock.com. Perceba que o Estado Mínimo não interfere no cotidiano das relações comerciais, é função do governo proteger sua população. A cobrança de impostos e a intervenção econômica, segundo Smith, são prejudiciais às empresas e à economia (SMITH, 1985). Até a crise de 1929, quase todos os países europeus e americanos adotavam a prática do liberalismo econômico. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 12 – EXEMPLO Os EUA é o maior exemplo da prática do Estado Mínimo, onde a taxa de juros de cobrança à população é baixa e, para o cidadão americano, a função do governo é a proteção. Por isso, atentados como o 11 de Setembro de 2001 comovem e indig- nam tanto a população. A interpretação e a sensação é de que o governo falhou. Hoje, o liberalismo econômico concebido por Adam Smith é amplamente visto em prática nos grandes blocos econômicos como a União Europeia, Mercosul e Nafta. SAIBA MAIS! A discussão sobre os limites e possibilidades de um Estado mínimo deve ser observada. Para aprofundar, sugerimos a leitura do seguinte texto: <http://www. cartacapital.com.br/economia/o-estado-deve-intervir-no-processo-economico>. Fechamento Chegamos ao fim desta aula que nos possibilitouaprender que, apesar de a sociedade con- temporânea ter surgido em fins do século XVIII, com a Revolução Francesa, seus pressupostos teóricos que fundamentam a sociedade surgiram 150 anos atrás, como a noção de Estado de Direito, liberdade individual, igualdade de direitos e divisão de poderes. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer os pressupostos teóricos que formaram a sociedade contemporânea; • entender sobre o Iluminismo e Liberalismo. Referências COULANGES, Fustel. A Cidade Antiga. Lisboa: Clássica, 1971. FISS, Owen.A ironia da liberdade de expressão: Estado, regulação e diversidade da esfera pública. Rio de Janeiro:Renovar, 2005. FREITAS, Riva Sobrado de; CASTRO, Matheus Felipe de. Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio: um exame sobre possíveis limitações à liberdade de expressão. Rev. Seq., Florianópolis, n. 66, p. 327-355, jul. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/seq/n66/14.pdf>. Acesso em: 04 fev. 2017. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 13 – MONTESQUIEU, Charles de Secondat.O Espírito das Leis.São Paulo:Saraiva, 2000. DANIEL, Paulo. O Estado deve intervir no processo econômico? Carta Capital [online]. Publicado em: 08 abr. 2011. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br/economia/o-estado-deve-inter- vir-no-processo-economico>. Acesso em: 15 fev. 2017. RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In WEFFORT, Francisco (Org). Os Clássi- cos da política: Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau. O Federalista, v.1, São Paulo: Ática, 1989.pp. 51-77. ROUSSEAU, Jean Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Ática, 1989. SMITH, Adam. A riqueza das Nações: investigação sobre a sua natureza e suas causas. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 14 – Revolução industrial e revoluções burguesas Márcio Mendes da Luz Introdução Nesta aula estudaremos as revoluções dos séculos XVII e XVIII que ajudaram na formação da sociedade contemporânea. O termo “Revolução” ganhou espaço na política ao referir-se a uma mudança em um sistema político, cultural, econômico e/ou social. Vamos conhecê-las? Então, Acompanhe-nos! Objetivos de aprendizagem: Ao final desta aula, você será capaz de: • Compreender a importância da Revolução Industrial e os fatores que levaram a este fenômeno histórico; • Entender os diferentes modos de produção: doméstico, artesanal e manufatureiro; • Compreender a importância das revoluções burguesas. 1 Revolução Industrial Se você der uma olhada ao redor, certamente o que irá visualizar é fruto de um longo pro- cesso que foi a Revolução Industrial, a partir do século XVIII na Inglaterra, determinada pela evolu- ção dos meios de produção que vinha ocorrendo desde a Antiguidade. FIQUE ATENTO! Os modos de produção referem-se à maneira de fabricar um produto, que varia conforme os séculos. De forma geral, a produção humana passou por três processos de produção: modo artesanal, manufatureiro e maquinofatura. Mas qual a distinção entre eles? – 15 – TEMA 2 Quadro 1 – Modos de produção e suas características Meio de produção Artesanal Manufatura Maquinofatura Características Um dos meios mais antigos surgiu na An- tiguidade e é quando apenas uma pessoa detém todas etapas de produção. Do latim “feito à mão”, sur- giu no final da Idade Média com o Renascimento Co- mercial. Diferencia-se do artesanal devido à divisão de tarefas. Surgiu no século XVIII, mantém a divisão de tarefas, mas agora temos a introdução das máquinas. É o modo de produção da Revolução Industrial. Fonte: elaborado pelo autor, adaptado de Adam Smith, 1778. Com a mudança nos meios de produção, a Revolução Industrial afetou a vida dos trabalhado- res. Suas condições de moradia, trabalho e saúde degradaram rapidamente, enquanto a burguesia industrial lucrava cada vez mais. O cenário social da época era marcado por baixos salários, con- dições insalubres, exploração do trabalho infantil e nenhum direito trabalhista. Figura 1 – Modo de produção industrial inglês Fonte: Everett Historical/Shutterstock.com. A seguir, vejamos outra importante revolução histórica para a Inglaterra. 2 Revolução Puritana A Guerra Civil Inglesa, conhecida como Revolução Puritana, ocorreu entre 1642 e 1649 como resultado do longo processo de conflito entre o Rei e o Parlamento - a Câmera dos Comuns. O conflito entre as duas instituições (Coroa e Parlamento) tinha características políticas, reli- giosas e sociais. Do ponto de vista político, a condução do Império Inglês iniciava sua expansão com a colonização das Treze Colônias na América; da perspectiva religiosa, era o conflito entre os SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 16 – reis católicos que contavam com apoio da nobreza anglicana e os representantes da câmera dos comuns puritanos e sociais - nobreza e burgueses. FIQUE ATENTO! Hoje, na Inglaterra, há a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes, que podem ser comparadas com a de deputados e senadores para a nossa realidade. Por não concordar com a interferência do Parlamento, o Rei Carlos I mandou fechar o Parla- mento (1629) sem previsão de reabertura. Quando chamou o Parlamento novamente para resolver um conflito na Escócia (1641), a Câmara dos Comuns exigiu respeito ao Parlamento, o que foi nega do pelo monarca, iniciando o conflito. Após sete anos de embate, ele chegou ao fim após a prisão e a decapitação do rei. A burguesia chegou ao poder e controlou os destinos políticos e econômicos de uma nação. Ficou no poder entre 1649 e 1659, e Oliver Cromwell era o líder. Após a sua morte e inaptidão do filho Ricardo, o Parlamento aceitou o retorno da monarquia desde que o novo rei, Carlos II, respei- tasse as suas decisões. SAIBA MAIS! O período entre 1649 e 1659, quando Oliver e Richard Cromwell ficaram no poder, foi o único período na história inglesa sem monarquia. Leia mais: <http://ler.letras. up.pt/uploads/ficheiros/1671.pdf>. Não bastando o que representou a Revolução Puritana, a Inglaterra ainda foi palco de mais um conflito: a Revolução Gloriosa. 3 Revolução Gloriosa Também ocorrida no século XVII, podemos afirmar que esta revolução foi a complementação da anterior. Após a morte de Carlos II e sem herdeiros, o seu irmão mais novo, James II, assumiu o trono inglês, o qual contrariou o Parlamento ao não renunciar da fé católica. Em um momento após a Reforma Protestante e a Guerra dos Trinta Anos, a existência de um rei católico em um país protestante poderia ser um risco à soberania. O monarca vinha constantemente desrespeitando o Parlamento e suas decisões. Para evitar outro conflito sangrento em 1688, o Parlamento decidiu depor o rei e chamou para seu lugar o seu sobrinho e genro Guilherme III de Orange, que era anglicano, e exigiu que assinasse a Lei de Direitos (Bill of Rights), a qual retirou totalmente o poder real e o entregou ao Parlamento e seu representante, o primeiro-ministro. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 17 – A Inglaterra foi o primeiro país a adotar a Monarquia parlamentarista e isto serviu de exemplo à burguesia dos demais países, pois agora controlava um país politicamente e, assim, poderia fazer leis que atendessem aos seus interesses econômicos. EXEMPLO Assim como a Inglaterra, Espanha, Bélgica, Holanda, Noruega, Suécia, Dinamarca, Tailândia e Japão são exemplo de Monarquias parlamentaristas na atualidade. O controle burguês na política inglesa permitiu a Revolução Industrial no século XIX e tornou a Inglaterra uma potência econômica, que dominou um terço de todo território mundial no início do século XX, influenciando o mundo inteiro com sua cultura e costumes. 4 Independência das 13 Colônias No final do século XVI, na dinastia Tudor, quando buscavam uma passagem pelo Noroeste para chegar às Índias e, assim, fazer o comércio de especiarias, os ingleses descobriram terras na América do Norte. Foram criadas as Treze Colônias, hoje Estados Unidos,divididas de acordo com sua localização geográfica: • norte– New Hampshire, Massachusetts, Rhode Island, Connecticut; • centrais– Nova Iorque, Nova Jersey, Pensilvânia, Delaware; • sul– Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, Carolina do Sul e Geórgia. Figura 2 – Mapa das 13 Colônias Fonte: I. Pilon/Shutterstock.com. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 18 – Com exceção das colônias do Sul, as do Norte e Centrais não interessaram à Inglaterra devido ao clima parecido ao da metrópole. Isso significava que teriam produtos parecidos com os que eram obtidos na Inglaterra. As províncias do Sul foram mais exploradas em virtude do algodão, cana-de-açúcar e tabaco. Porém, a situação mudou após a Guerra dos Sete Anos (1756 – 1763), que reuniu duas for- ças antagônicas, lideradas por Inglaterra e França, e resultou na vitória inglesa. Apesar da vitória, devido à extensão do conflito, a Inglaterra teve gastos exorbitantes e precisava repor os custos da guerra. Então, o Parlamento inglês decidiu cobrar taxas dos colonos na América, representadas pela Lei do Selo, Lei do Chá, Lei do Açúcar. Com isso, aumentou a repressão sobre os colonos. As lideranças coloniais, muitos dos quais seguidores da filosofia iluminista, questionaram o domínio inglês na América. Criticando, principalmente, a intervenção inglesa na economia ame- ricana, por meio da repressão (atos intoleráveis), desejam a liberdade política. Por isso, em 4 de julho de 1776, na Filadélfia, as lideranças coloniais declararam a Independência das 13 Colônias. O conflito aconteceu entre 1776 e 1783, terminando com a vitória americana, com ajuda do exército francês e a assinatura do Tratado de Paris, em que a Inglaterra reconheceu a indepen- dência. Em 1787, foi aprovada a Constituição Americana, claramente iluminista, isto é, a divisão tripartite do seu governo, a existência de um Estado Mínimo e o direito inviolável da liberdade de seus cidadãos. FIQUE ATENTO! No Brasil, a constituição de inspiração iluminista só veio após a Proclamação da República, em 1889. Já a nossa Constituição é de 1988. O governo americano dos Estados Unidos é considerado capitalista liberal, de Estado Mínimo, isto é, ele não interfere tanto nas questões econômicas, promovendo relações econômicas mais livres, deixando mais livre a própria iniciativa privada. EXEMPLO No Brasil não há o Estado Mínimo, pois o governo garante serviços para a popula- ção, como saúde e educação pública, por meio dos impostos. Mas, por ser também um país de tendência liberal, as relações comerciais se tornem cada vez mais autô- nomas com relação ao Estado. A importância do processo de independência das 13 Colônias está no fato de ser o primeiro país com uma constituição iluminista, a qual será exemplo a ser seguido por quase todas as ex-co- lônias americanas, repúblicas e monarquias parlamentaristas na Europa. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 19 – 5 Revolução Francesa Nos séculos XVII e XVIII, a França era considerada o país onde o absolutismo foi exercido de forma plena, isto é, onde os reis governavam absolutos. Mas no governo de Luís XVI, a situação econômica na França deteriorou-se muito. Para piorar, a seca de 1787 e 1790 ocasionou fome na população camponesa. Além disso, o sistema tributário francês ainda mantinha as características medievais de pri- vilegiar os nobres com isenção fiscal e com salários pagos pela Coroa e direitos à propriedade, mesmo que improdutivas. Em 1789, a situação da economia francesa beirava o colapso. Para evitar a ruína, o rei francês convocou, após 150 anos, a Assembleia dos Estados Gerais, a qual era composta por três Estados: 1º Estado – Clero; 2º Estado – Nobreza; e 3º Estado – burgueses e trabalhadores. Estes três Estados deveriam auxiliar o rei a superar a crise econômica. O 3º Estado propôs tributar o 1º e o 2º Estado, que detinham grande parte da renda e dos gastos do governo francês. No entanto, estes Estados contestarama ideia e tiveram o apoio do Rei. Devido à impossibilidade de reverter a situação, o 3º Estado, com o apoio da população, iniciou uma revolta contra a Coroa francesa, que resultou na Revolução Francesa, a qual durou, oficial- mente, de 1789 a 1799. Figura 3 – Tomada da Bastilha Fonte: Everett Historical/Shutterstock.com. A Revolução Francesa foi marcante, pois o Iluminismo foi posto em prática sem restrição. Criou-se uma constituição que abolia os privilégios da nobreza, dividia os poderes, separava Estado e Igreja, dava a liberdade econômica, de expressão e política para a população. Nosso destaque é para a Declaração dos Diretos do Homem e do cidadão em 1789, que reconhecia a todos como cidadãos, assim como assegurava seus direitos. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 20 – SAIBA MAIS! Para conhecer mais sobre esta revolução, sugerimos a leitura do artigo “A Revolução Francesa e seu eco”, de Michel Vovelle, disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141989000200003&lng=pt&nrm=iso>. A Revolução Francesa foi importante, pois ao abolir a monarquia no país símbolo do Absolu- tismo, a burguesia demonstrou que poderia subir ao poder e, com isso, garantir aquilo que ela con- sidera seus direitos: liberdade (econômica e de expressão), igualdade (de direitos) e fraternidade (tolerância entre todos os cidadãos), palavras que compunham o lema da revolução. Fechamento Chegamos ao fim desta aula sobre as principais revoluções que ocorreram nos séculos XVII e XVIII. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender a importância da Revolução Industrial e os fatores que levaram a este fenômeno; • entender os diferentes modos de produção: doméstico, artesanal e manufatureiro; • compreender a importância das revoluções burguesas. Referências BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo: SéculosXV – XVIII.São Pau- lo:Martins Fontes, 1995. FERREIRA, J.Carlos Viana. Cromwell: Puritanismo, providencialismo e pragmatismo. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1671.pdf>. Acesso em: 12 fev. 2017. KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI.São Paulo:Con- texto, 2007. THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1987. VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa e seu eco. Estud. av., São Paulo, v. 3, n. 6, p. 25-45, ago. 1989. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-401419890 00200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 07 fev. 2017. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 21 – Burgueses e proletários Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva Introdução No século XIX, início da sociedade contemporânea, antes restrita à Inglaterra, a industrializa- ção espalhou-se ao restante do continente europeu e, mais tarde, também chegou nos Estados Unidos e Japão. Mas não veremos somente prosperidade nessa relação, há também tensão entre operários e patrões que irá se expressar no campo político e social. Este será o tema desta aula. Vamos começar? Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • compreender a formação social dos séculos XIX e XX; • conhecer as relações sociais que moldaram as revoltas e revoluções sociais no século XIX e início do século XX. 1 Operários e patrões no século XIX No século XIX, a relação entre patrões e empregados ficaram mais tensas devido ao aumento de exploração. Com a industrialização e a demanda por mão de obra que as fábricas exigem, milhões de pessoas deixaram o campo para viver nas cidades. Resumindo: deixam de ser campo- neses e passam a ser operários, também conhecidos como proletários (THOMPSON, 1987). Perceba que as condições de trabalho do campo para a indústria são totalmente diferentes. Como? No campo, o tempo da natureza l dita o ritmo de trabalho, ou seja, trabalha-se enquanto houver sol. Se está chovendo, então, não há trabalho; há folga nos dias santos; e podem produzir o que irão se alimentar. Na cidade, ao trabalhar em uma indústria,é o relógio quem dita o ritmo, não importa se está chovendo ou escuro: o ambiente fechado e a eletricidade permitem que a linha de montagem nunca pare de segunda à sábado. As condições de vida fora das fábricas não eram melhores. O péssimo salário apenas permitia aos operários viverem em moradias em condições insalubres. Enquanto isso, a classe burguesa continuava a prosperar, impondo à sociedade seu modo de vida e hegemonia cultural. No entanto, saiba que nem todos aceitaram essas condições e foi assim que começaram a se organizar para combater esta exploração. – 22 – TEMA 3 2 Revolta de operários: Ludismo Uma das primeiras reações à exploração que os operários viviam foi o Ludismo. O nome deriva do líder do movimento Ned Ludd que, junto de outros operários, era contrário ao intenso processo de industrialização. Segundo eles, as máquinas retiravam o seu trabalho. Figura 1 – Quebra de Máquinas, ação típica do Ludismo Fonte: anthonycz/Shutterstock.com. Com isso, em 1811, os operários passaram a quebrar as máquinas. Em virtude disso, os industriais pressionaram o Parlamento para criar leis mais duras para quem participasse do movi- mento (THOMPSON, 1987). Dezenas de fábricas tiveram máquinas quebradas ou incendiadas. Muitos participantes do movimento foram mortos ou enviados às colônias e o destino de seu líder desconhecido. Mas é fato que o movimento se espalhou a outros países da Europa. 3 Movimento Sindical O sindicato é uma organização criada para defender os interesses da classe trabalhadora. Apesar de na Idade Média serem criadas as corporações de ofício com a finalidade de defender os interesses de certa classe de artesão, o sindicato, como conhecemos hoje, surgiu com a intensifi- cação da industrialização no século XIX. FIQUE ATENTO! Com a organização dos sindicatos ingleses, surge o esporte preferido da classe operária: o futebol e os primeiros times ingleses. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 23 – Com o fracasso de reações violentas à exploração dos patrões, os trabalhadores europeus, principalmente os ingleses, resolveram organizar associações que os representariam na luta con- tra a opressão. Os primeiros sindicatos modernos surgem na Inglaterra em 1824 e, por volta da década de 1870, ganham o formato que conhecemos hoje. Figura 2 – Trabalhadores unidos Fonte: Andrey_Popov/Shutterstock.com. Os sindicatos lutavam por melhores condições de trabalho, como diminuição da jornada diária, o aumento de salário, e o direito de voto masculino não censitário. Quando o parlamento recusou os pedidos, consequentemente vieram as greves e manifestações por toda a Inglaterra. Os direitos trabalhistas só foram plenamente assegurados graças à atuação dos sindicatos no final do século XIX e início do século XX, quando as instituições estavam melhor organizadas (THOMPSON, 1987). SAIBA MAIS! A atuação do sindicato ainda é importante hoje, pois estes órgãos asseguram os direitos dos trabalhadores. Leia mais sobre o assunto em: <http://www. dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp067640.pdf>. Tendo em vista todas essas mudanças na estrutura da sociedade, principalmente no que se refere à classe operária, vejamos o que estes eventos ocasionaram no cenário político. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 24 – 4 Política século XIX: Capitalismo Liberal, Socialismo e Anarquismo A Europa e a América do século XIX viram o surgimento do Capitalismo Liberal e seus anta- gonistas políticos: o Socialismo e o Anarquismo. Mas quais as características de cada um deles afinal? Vejamos a seguir. O Capitalismo Liberal atendia aos interesses da burguesia industrial, pois acabava com a distinção jurídica entre nobreza e os outros súditos comuns. Além disso, não permitia qualquer interferência estatal na economia, possibilitando autonomia às indústrias em suas decisões e o poder pelo Parlamento, controlado por eles. Mas não assegurou a igualdade social, fazendo com que o proletariado ficasse submisso e explorado pela burguesia industrial. (HOBSBAWM, 2009) Por outro lado, a corrente política do Socialismo surgiu na primeira metade do século XIX, como uma reação ao Capitalismo Liberal. Os teóricos desta fase eram chamados de utópicos e propunham a criação de uma sociedade igualitária, sem exploração econômica. Ao final da pri- meira metade do século XIX surgiram os socialistas científicos. Eles propunham analisar a socie- dade em seus aspectos históricos e filosóficos e não apenas por meio dos ideais de justiça social. FIQUE ATENTO! Os países socialistas que surgem no século XX vão se inspirar no Socialismo Cien- tífico de Karl Marx e Friedrich Engels. Por fim, o Anarquismo que ao contrário do Socialismo, enxergava a adoção de um Estado como um dos elementos de dominação e exploração sobre o trabalhador. O Anarquismo é sus- tentado sob três pilares: crítica à dominação, defesa da auto-gestão e coerência na transformação social. Devido à dificuldade em assimilar suas ideias, o Anarquismo teve pouca repercussão entre a classe trabalhadora europeia, já que eram vistos como radicais (BEER, 2006). Agora que tivemos uma ideia geral do que foi a política no século XIX, acompanhe-nos para conhecer as revoluções ocorridas na sequência. 5 Revoluções: 1830, 1848, 1870 e 1917 1830 Após o fim da Era Napoleônica no Congresso de Viena, a família Bourbon retornou ao poder na França com os Reis Luís XVIII e Carlos X, irmãos mais novos de Luís XVI. O primeiro monarca realizou um governo de respeito à burguesia francesa, com medo de reviver as tensões da Revolu- ção de 1789, mas o segundo quis reviver a monarquia absolutista de tempos anteriores. Após as Ordenações de Julho, as quais tinham a intenção de aumentar o poder absolutista do Rei, a burguesia e a população de Paris novamente a se revoltam contra o Rei. Temendo ter o mesmo fim de seu irmão mais velho em 1789, Carlos X renuncia ao poder e parte ao exílio na Ingla- SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 25 – terra. E quem fica em seu lugar? Seu primo distante Luís Felipe de Orleans o qual será conhecido como o “Rei Burguês” por favorecer a política burguesa (HOBSBAWM, 2009). Figura 3 – Liberdade guiando o povo Fonte: Oleg Golovnev/Shutterstok.com 1848 Conhecida como a “Primavera dos Povos”, a classe trabalhadora de Paris revolta-se contra a exploração da burguesia industrial e o amparo que o Estado francês dá a esta exploração sob o governo do Rei Burguês. Centena de milhares de trabalhadores tomam o centro de Paris e exigem a deposição do Rei e políticas públicas de apoio aos trabalhadores. Mesmo com a reação violenta, o apoio popular à causa apenas aumentou, restando ao Rei apenas abdicar ao trono. Com isso, nasce a Segunda República Francesa (1848 – 1852), criada a partir da aliança da grande e pequena burguesia e socialistas. Tensões internas entre os grupos levaram a mais agitações sociais e conflitos abertos nas ruas de Paris. Nas eleições de novembro de 1848, o can- didato dos trabalhadores ganhou: Luís Napoleão Bonaparte, sobrinho de Napoleão I (HOBSBAWM, 2009). Luis Napoleão Bonaparte assumiu a presidência com o apoio dos trabalhadores franceses e depois os traiu ao declarar o 2º Império. FIQUE ATENTO! Marx e Engels participam da “Primavera dos Povos” e, a partir dessa experiência, escrevem o “Manifesto do Partido Comunista”. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 26 – Luís Napoleão deveria entregar o cargo de presidente em 1852, mas, assim como tio, articu- lou um golpe e conseguiu acabar com a Segunda República e proclamar-se imperador dos fran- ceses sob o título de Napoleão III. Este tipo de golpe também repercutiu em outros países, como Prússia, Áustria, Piemonte e Brasil. EXEMPLO No Brasil, a “Primavera dos Povos” vai inspirar a Revolta Praieira no Recife, em que grupos locais lutavam contra a monarquia e o controle político da família Cavalcante. 1871 Com a derrota francesa na Guerra Franco-Prussiana, houve a queda do imperador Napoleão III e a adoção da Terceira República Francesa.Durante a negociação de termos de rendição, a população de Paris, sob a liderança da Guarda Nacional, queria resistir à invasão prússica. Com isso, declaram independência política do governo francês e criam a Comuna de Paris. SAIBA MAIS! A Primeira República Francesa surgiu durante a Revolução Francesa. Para saber mais sobre este evento, leia o artigo “A Revolução Francesa e seu eco”, de Michel Vovelle, disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n6/v3n6a03.pdf>. De inspiração socialista, suas lideranças fazem uma série de reformas com o intuito de melho- rar as condições de vida dos trabalhadores parisienses, como a redução da jornada de trabalho, o aumento dos salários, a igualdade de gênero e a autogestão fabril. Alguns teóricos consideram que a Comuna de Paris foi a primeira experiência socialista conscientemente política na Europa. Após de consolidar a paz com o recém-criado Estado Alemão, herdeiro da Prússia, o governo francês, sob a liderança de Thiers, ataca e massacra a Comuna de Paris, restabelecendo a autori- dade da Terceira República na capital (HOBSBAWM, 2009). 1917 O historiador Eric Hobsbawm, define que o século XIX histórico perdurou até os anos da Pri- meira Guerra Mundial (1914 – 1918), pois a sociedade europeia manteve os mesmos costumes e hábitos até este evento. A Revolução Russa de 1917 é um desses exemplos. Considerada a primeira Revolução Socialista a perdurar na História, contrariando Marx, ocor- reu em um país agrário, com poucos centros urbanos industrializados e uma classe operária pequena, que vivia sob o governo absoluto opressor do Czar (imperador) Nicolau II. Apesar de avanços políticos nas Revoltas de 1905, a opressão do Czar ainda era grande. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 27 – EXEMPLO O governo socialista que se instaura dará origem à União das Repúblicas Socialis- tas Soviéticas (URSS), que durará de 1917 a 1991. Figura 4 – Bandeira Soviética Fonte:patrice6000/Shutterstock.com. Sob a liderança de Vladimir Lênin, operários de Moscou e Petrogrado, com o apoio dos cam- poneses, derrubam o governo liberal, o qual substitui o governo czarista, em fevereiro daquele ano, e deu início ao governo socialista (HOBSBAWM, 2009). Fechamento O século XIX na Europa e na América foi moldado sob tensão entre a classe burguesa indus- trial e os operários. Neste contexto, surgiram teorias políticas, revoltas a resoluções em 1848, 1871 e 1917. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender a formação social dos séculos XIX e XX; • conhecer as relações sociais que moldaram as revoltas e revoluções sociais no século XIX e início do século XX. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 28 – Referências BEER, Max. História do Socialismo e das lutas sociais.São Paulo:Expressão Popular, 2006. HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 2009. SANTOS, Daniel Moita, Flexibilização da Norma Trabalhista no Brasil, Universidade de Caxias do Sul, 2005. THOMPSOM, Edward P. A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1987. VOVELLE, Michel, A Revolução Francesa e seu eco, Estud. av., São Paulo, v. 3, n. 6, p. 25-45, Ago. 1989. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n6/v3n6a03.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2017. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 29 – Émile Durkheim Márcio Mendes da Luz Introdução Nesta aula, vamos analisar a obra do teórico Émile Durkheim e sua contribuição no surgi- mento da Sociologia, que nasceu da necessidade de o homem compreender as mudanças da sociedade, o conflito entre a modernidade e a tradição. Vamos começar? Então, acompanhe-nos e bonsestudos! Objetivos de aprendizagem: Ao final desta aula, você será capaz de: • Entender a formação da sociologia na sociedade industrial. 1 O surgimento da Sociologia A Sociologia é considerada como a mais nova de todas as Ciências Humanas (ARON,2007), surgindo no século XIX como consequência da industrialização, que transformava a sociedade e afetava as pessoas em seus aspectos econômicos, culturais e sociais. Mas o que é a Sociologia? É a ciência que analisa o ser humano em sua coletividade. Ou seja, neste tipo de estudo, analisamos os fenômenos sociais e a interação dos seres humanos com seu ambiente social. Figura 1 – Sociedade e interação Fonte: tattoostock/Shutterstock.com. Mas não há um consenso sobre a origem da Sociologia. Por quê? Alguns consideram que Montesquieu seja seu criador, enquanto que outros consideram Auguste Comte, por ter sido o pri- meiro a utilizar o termo Sociologie. Para ele, deveria haver uma ciência que conseguisse analisar a – 30 – TEMA 4 interação do ser humano com seus pares (na raiz da palavra: socio – coletividade, logos – ciência). No entanto, a contribuição de Emile Durkheim foi fundamental para a construção da Sociologia. Perceba que a Sociologia surgiu como uma curiosidade de teóricos de entender as mudan- ças que ocorriam na sociedade após a Revolução Francesa e Industrial. Lembre-se de que esses dois eventos permitiram a ascensão política da burguesia e consolidação do controle econômico com o nascimento do capitalismo industrial do século XIX. FIQUE ATENTO! A burguesia saiu da condição de classe subalterna para a condição de classe domi- nante econômica e politicamente após estes dois eventos. Essas mudanças ocorridas nos campos político e econômico afetaram diretamente o campo social. Por qual o motivo? O crescimento da urbanização com o êxodo rural aumentou o número de operários e acentuou a distinção social entre burgueses e operários. Consequentemente, gerou inúmeros conflitos entre as classes sociais. Essas mudanças acarretaram uma transformação brusca de comportamento social e, consequentemente, uma série de contrastes. A partir daquele momento, a sociedade estava em constante conflito entre a tradição e a modernidade. FIQUE ATENTO! Para Durkheim, estes conflitos sociais eram fruto da anomia e precisavam ser estu- dados e combatidos para a manutenção da sociedade em seu ritmo normal. A Sociologia desenvolveu-se na Europa com o intuito de compreender essas mudanças sociais. Como marco inicial, podemos destacar a criação por Durkheim do departamento de Socio- logia da Universidade de Bordeauxe a sua dissociação da Psicologia e Filosofia (ARON, 2007). SAIBA MAIS! Para mais informações sobre Durkheim e sua teoria sobre Sociologia, leia o texto disponível em: <http://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2014/03/A-sociologia- de-%C3%89mile-Durkheim.pdf>. Hoje, a Sociologia é uma das principais ciências humanas, auxiliando no desenvolvimento do raciocínio crítico e na percepção da realidade e da sociedade onde vivemos, para que assim possamos interferir nela de forma consciente e solidária. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 31 – 2 Objeto de Estudo Sociológico – Os Fatos Sociais Para compreender melhor a construção do conhecimento humano, podemos dizer que ele passa por fases. A primeira é conhecida como pensamento mítico e foi dominante no período em que a sociedade humana desconhecia as razões de fenômenos naturais e isto era um mistério, logo, responsabilizava as divindades e seres sobrenaturais por esses acontecimentos (ISRAEL, 2009). Posteriormente, em busca de uma explicação mais lógica, foi desenvolvido o pensamento filosófico. Sobre o que ele trata? Isto ocorreu porque a sociedade humana estava em um desenvol- vimento social e político mais complexo, como a democracia ateniense. Somente no século XVIII, com a descoberta e formulação da teoria da gravidade de Isaac Newton, podemos afirmar que a sociedade ocidental entrou no pensamento científico (KHUN, 2001). O que seria o pensamento científico relacionado às ciências naturais? Podemos defini-lo assim, pois segue o seguinte método de análise: problematização – hipótese – análise – experi- mentação – comprovação – para tornar-se uma lei (KHUN, 2001). Por exemplo: a 1ª Lei de New- ton, a Lei de Lavoisier etc. Portanto, a ciência que surgiu a partirdo século XVIII se diferencia das demais, pois há uma metodologia de análise. Figura 2 – Isaac Newton e a macieira: ele formula a teoria da gravidade, após supostamente uma maçã cair em seu colo Fonte: bilhagolan/Shutterstock.com. No século XIX, o que antes era restrito às Ciências da Natureza foi ampliado para Ciências Humanas pela Escola Alemã de Ciências Humanas sob a influência de filósofos e teóricos que, posteriormente, contribuíram para a formação da Escola Metódica Positivista, que também seria referência para Emile Durkheim. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 32 – SAIBA MAIS! A escola alemã (ou prussiana) e seus adeptos irão influenciar todas as ciências sociais no século XIX: além da Sociologia, também inspiram a História, a Geografia, a Filosofia, a Política e a Antropologia. Saiba mais sobre o assunto no artigo disponível em:< https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28629>. E o que vem a ser o Fato Social? Para Durkheim (2012), seria o objeto de estudo da Sociologia: as maneiras de agir, de pensar dos indivíduos dentro de uma norma social vigente na sociedade onde habita. Alguns são informalmente definidos pelo senso comum como valores, hábitos e cos- tumes. O método sociológico de Durkheim determina que o objeto de estudo seja tomado como “coisa”, para assegurar a imparcialidade e a objetividade do pesquisador. Podemos dividir as características dos Fatos sociais em três tipos (DURKHEIM, 2012). Acom- panhe quais são eles no quadro a seguir. Quadro 1 – Os Fatos Sociais segundo Durkheim Coercitividade São imposições de uma norma social que obrigam o indivíduo a ter certo padrão de comportamento. Podemos citar como exemplo o ato de vestir-se em nossa sociedade como um comportamento padrão obrigatório. Exterioridade São hábitos exteriores aos indivíduos, que já estão vigentes em nossa sociedade e que são, posteriormente, apropriados pelo indivíduo. Por exemplo, as normas sociais de etiqueta. Generalidade São costumes que estão generalizados nas sociedades, que definem não apenas o comportamento do indivíduo, como também da coletividade onde vive. Por exemplo, os rituais religiosos. Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado de Durkheim, 2012. Por isso, perceba que todo o sistema de educação, seja ela formal ou informal, institucional ou familiar, consiste em passar fatos sociais às crianças para adequá-las às normas sociais em que vivemos. 3 A Solidariedade orgânica e mecânica Segundo a Sociologia (DURKHEIM, 2012), a vida em sociedade faz com que os seus indivíduos vivam conectados uns aos outros de forma harmônica. E essa ligação harmônica é denominada solidariedade. Saiba que sua função é manter intacta a coesão do grupo social e seus indivíduos. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 33 – Figura 3 – Coesão e solidariedade Fonte: PHOTOCREO Michal Bednarek/Shutterstock.com. Além disso, Durkheim (2012) definiu o termo solidariedade em dois conceitos distintos: Soli- dariedade Mecânica e Orgânica. Vejamos o que seria cada um deles? A Solidariedade Mecânica é comum em sociedades primitivas pré-industriais. Com pouco espaço para divergências e com um padrão social rígido, nessas sociedades há uma grande homo- geneidade social e cultural pautada pela religião e o senso comum. Este tipo de solidariedade é pautado pela semelhança que há entre os indivíduos. EXEMPLO As sociedades teocráticas da América Pré-colombiana possuíam uma solidarie- dade mecânica quando auxiliavam seus pares, mas atacavam os povos vizinhos diferentes para sacrifícios ritualísticos. Por outro lado, a Solidariedade Orgânica é aquela em que, conforme há a industrialização e a divisão social do trabalho, cria-se uma interdependência entre pessoas e cresce a individualidade de suas consciências. A coercitividade das sociedades primitivas dá lugar ao código legislativo que reforça os conceitos de justiça, liberdade e fraternidade. Então, agora, o que une as pessoas não é mais uma consciência coletiva repressora, mas sim interesses em comum com base em um código de regras e moral próprios. FIQUE ATENTO! O Iluminismo e a Revolução Francesa possibilitaram a consolidação da Solidarieda- de Orgânica em nossa sociedade. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 34 – Segundo Durkheim, a sociedade capitalista e a divisão social de trabalho que dela decorreu permitiu que os indivíduos pudessem viver uma Solidariedade Orgânica devido à criação de uma sociedade com base em direitos e deveres. Os seus componentes aceitam o papel que lhes cabe, desde que sejam atendidos por uma ordem social e justiça. Mas nem sempre a divisão social do trabalho ocorre como deveria, do contrário, pode resultar na desintegração social e enfraquecimento da consciência coletiva, que o autor nomeia de ano- mia. E este assunto será melhor estudado a seguir. 4 A anomia Segundo Durkheim (2012), a anomia é um estágio em que há uma desintegração social, oca- sionando um enfraquecimento da consciência coletiva. A anomia pode atingir um indivíduo ou até mesmo um grupo que passa a ser influenciado negativamente por ela, fazendo com que os integrantes comecem a agir de forma patológica socialmente, ocasionando comportamentos que fogem às normas sociais. O conceito desenvolvido por Durkheim será posteriormente também trabalhado por Robert K. Merton (ARON, 2007), o qual define que a anomia se intensifica a partir do momento em que o indiví- duo abandona as normas sociais estabelecidas para satisfazer seus desejos e impulsos. Isso ocorre porque há uma dissociação entre as expectativas do indivíduo e os seus métodos de realização. O comportamento anômico ocorre quando não há um suporte social ao indivíduo ou ao grupo em que ele pertence, resultando em comportamentos sociais que fogem das normas estabeleci- das. Este comportamento pode manifestar-se por meio de uma situação de coerção ou ausente de qualquer tipo de regulação (DURKHEIM, 2012). EXEMPLO O conceito de anomia pode explicar o que vemos em bairros periféricos, quando os índices de violência são maiores, pois a presença do Estado (saúde, segurança, educação) é menor que nos bairros mais centrais. Este é um conceito importante para pensarmos sobre a ausência de regras sociais e suas conseqüências para a manutenção e o funcionamento dos grupos. O conceito de anomia em Durkheim e Merton será, posteriormente, argumento de explicação do motivo pelo qual determinados grupos são mais expostos a comportamentos não condizentes com as normas sociais que outros. A crítica a estes estudos é que eles ocultam a existência de uma opressão hegemônica de certos grupos sociais, os quais estabelecem certas normas em detrimento dos demais grupos. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 35 – Fechamento Chegamos ao fim desta aula sobre Émile Durkheim. Vimos que seus estudos contribuíram para a Sociologia e aprendemos a sua relevância para compreender a sociedade contemporânea. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • entender a formação da Sociologia na sociedade industrial. Referências ARON, Raymond. Etapas do Pensamento Sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BENTIVOGLIO, Júlio. Cultura Política e Historiografia alemã no século XIX: A Escola Histórica Prus- siana e Historische Zeitschrift, Revista Teoria de História, Goiânia, a. 1, v. 3, Jun. 2010, p. 20-58. Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/28629/16070>. Acesso em: 15 fev. 2017. DURKHEIM, Émile. A Divisão Social do Trabalho. São Paulo:Martins Fontes, 2012. ISRAEL, Jonathan. Iluminismo radical – A filosofia e a construção da modernidade. São Paulo: Madras, 2009. KHUN, Thomas. Estrutura das revoluções científicas. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. VARGAS, Francisco E.B. A Sociologia de Emile Durkheim (1858 -1917). Pelotas, abr. 2015. Dis- ponível em: <http://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2014/03/A-sociologia-de-%C3%89mile- -Durkheim.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2017. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 36 – Karl marx Márcio Mendesda Luz Introdução Neste tema, vamos estudar alguns aspectos sobre a vida e a obra do filósofo socialista do século XIX: Karl Marx (1818 – 1883), considerado um dos maiores filósofos e pensadores do seu tempo. Ao aprofundar seus estudos, Marx criou o Socialismo Científico ou Marxismo, o qual influen- ciaria os regimes socialistas estabelecidos no século XX. Nesta aula, vamos abordar alguns conceitos elaborados por Marx, como luta de classes e materialismo histórico; mais-valia; planificação social e sociedade comunista. Vamos começar? Objetivos de aprendizagem: Ao final desta aula, você será capaz de: • compreender a formação da sociedade industrial. 1 Burgueses e Proletários O século XVIII foi marcado pelo início da industrialização na Inglaterra que se espalhou para o restante da Europa Ocidental, EUA e Japão. Consequentemente, as mudanças econômicas e de técnicas de cultivos no campo, junto com a grande oferta e demanda de mão de obra nas indús- trias urbanas, atraíram um grande contingente de trabalhadores para as cidades, fazendo com os centros urbanos expandissem em um crescimento demográfico vertiginoso. FIQUE ATENTO! A industrialização também ocasionou não só a migração para as cidades, como a imigração intercontinental, deslocando 50 milhões de pessoas da Europa para a América entre 1850 e 1950. Mas a consolidação e a ascensão política e econômica da burguesia com as revoluções do século XVII e XVIII fizeram com que burgueses se distanciassem de seus subalternos, aumen- tando a exploração sobre os operários, deixando-os em péssimas condições de vida e trabalho. Perceba que justamente isso implicará em diversos conflitos entre operários e burgueses a partir do início do século XIX. – 37 – TEMA 5 Figura 1 – Operários, essenciais para a produção Fonte: fuyuliu/Shutterstock.com. De acordo com o conceito materialismo histórico, os processos de mudança social são gerados pela realidade material dos indivíduos (MARX; ENGELS, 1848). A história de toda sociedade até hoje é a história da luta de classes. O mundo sempre foi dividido entre opressores e oprimidos, seja na Roma Antiga, seja no Feudalismo ou no Capitalismo. Neste sentido, a burguesia apenas simplificou, mas não eliminou os antagonismos. Ela simplificou os antagonismos porque dividiu a sociedade em duas classes sociais apenas: a burguesia e o proletariado. A existência de classes sustenta-se na exploração não só econômica, mas social, política, intelectual etc. (QUINTANEIRO, 2000). EXEMPLO Para os teóricos marxistas, atualmente, a luta de classes acontece nos conflitos sociais, tais como a luta por moradia, educação e saúde. Marx percebeu que a luta de classes ocorria entre burgueses e proletariados e que o objetivo seria superar esta luta, o que ocorreria somente com a ascensão do proletariado ao poder, pois, assim, acabaria com a exploração burguesa. SAIBA MAIS! Para conhecer a teoria de Marx e de seu companheiro Engels, leia o Manifesto do Partido Comunista, disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_ fontes/acer_marx/tme_07.pdf>. Você já deve ter ouvido falar em mais-valia ou de outras ideias marxistas, certo? Vamos conhecer mais uma delas? Continue conosco! SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 38 – 2 A mais-valia Engels, companheiro de Marx, ao analisar a situação penosa com que a classe operária vivia, em seu livro “As condições da classe trabalhadora inglesa”, relatou essas péssimas condições. Portanto, por meio de cartas e conversas, os dois desenvolveram o conceito de mais-valia, que, de certa maneira, já aparece no “Manifesto do Partido Comunista” (MARX; ENGELS,1848) e se conso- lida em “O Capital” (MARX, 2004). E o que seria a mais-valia? Segundo os autores, a mais-valia seria o ganho sobre a exploração do trabalho alheio. Resumindo: é o lucro que um patrão ganha sobre o trabalho de seu empregado. Mas muito além de uma explicação simplista, a crítica é direcionada ao fato de que este lucro é exorbitante comparado aos péssimos salá- rios que são pagos aos trabalhadores, que não lhes permite uma condição digna de vida. EXEMPLO Se um operário ganha mensalmente R$ 2.500,00 em uma fábrica de bicicletas e cada bicicleta sai do local para o lojista a um custo de R$ 250,00, este operário precisa fabricar 10 bicicletas para poder cobrir o seu provimento. Mas vamos supor que este operário fabrique 5 bicicletas por dia, totalizando ao final do mês, após 22 dias úteis de trabalho a fabricação de 110 bicicletas, totalizando um faturamento à empresa de R$ 27.500 e ganho de R$ 25.000, ou seja, 11 vezes mais que o neces- sário para o seu ganho mensal. Mesmo com a incidência desses gastos anterior- mente descritos (18% de imposto, 5% de energia e água, e 23% de matéria-prima), o ganho do patrão ainda seria de R$ 12.350,00. Para alguns, isso pode parecer natural, pois o patrão precisa lucrar. Aos olhos de Marx e Engels tal situação torna-se uma exploração, pois o patrão teve um ganho quase cinco vezes maior que seu empregado sem ao menos se desgastar na linha de montagem. O esforço foi todo do operário, mas, quem ganhou cinco vezes mais foi o burguês. Figura 2 – Karl Marx e o conceito da mais-valia mudaram os panoramas da história Fonte: Everett Historical/Shutterstok.com. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 39 – Perceba que Marx encontra na mais-valia a origem de toda a exploração que a classe burguesa faz ao operariado e para negar a naturalização desta prática, declara na obra “Manuscrito Econô- micos-Filosóficos” (MARX, 2008): “Se o trabalhador tudo produz, a ele tudo pertence”. Para Marx e Engels, a única forma de acabar com a exploração operária que o sistema capitalista burguês impunha seria oferecer o controle do poder para a classe operária, consequentemente, existiria um nivelamento social e, por fim, eliminaria a mais-valia e a luta de classes resultante dela. 3 A ideologia da igualdade De acordo com Quintaneiro (2000, p. 88), A sociedade capitalista baseia-se na ideologia da igualdade, cujo parâmetro é o mercado. Por um lado, o trabalhador que vende sua força de trabalho e por outro, o empregador que a paga com um salário. A idéia [sic] de ‘equivalência’ na troca é fundamental para a estabili- dade da sociedade capitalista. Os homens aparecem como iguais diante da Lei, do Estado, no mercado e assim eles se vêem [sic] a si mesmos. Mas, a mais valia faz com que este processo não seja equivalente, já que é do salário mal pago que o burguês obtém seu lucro. Logo, a ideologia da igualdade serve apenas para falsear a realidade. SAIBA MAIS! Sugerimos a leitura do texto da Andreia Galvão sobre o marxismo e os movimentos sociais para que você possa conhecer mais sobre o assunto. Disponível em: <http:// www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo235artigo5.pdf>. Os autores também propunham que o Socialismo seria possível a partir do momento em que a população percebesse que o sistema capitalista não se sustentaria mais. Mas ao contrário dos utópicos que achavam que isto ocorreria naturalmente, para Marx e Engels esta mudança apenas ocorreria se houvesse uma revolução que colocasse a classe operária no poder. A partir do momento que o operariado estivesse no poder haveria a socialização das riquezas nacionais, por isso o uso do termo socialista, em que as pessoas ainda manteriam seus bens pes- soais e individualidades, mas o lucro das indústrias seria revertido para a sociedade, a educação pública seria universal e de qualidade. Além disso, seria feita a reforma agrária, em que toda a população poderia usufruir das mesmas condições de vida. Por acreditar que o socialismo apenas seria possível pela revolução proletária, Marx também propunha que o socialismo, primeiramente, iria consolidar-se em países que tivessem forte industriali- zação e uma classe operária já estabelecida, ou seja, possivelmente, algum país da Europa Ocidental. Apesar de experiências como a Comuna de Paris, a Revolução Socialista somentefoi possível no século XX, após a morte de Marx e Engels e, apesar de inspirada na obra desses dois autores, ocorreram em sua larga maioria em países cuja classe operária era pequena e os camponeses maioria (Rússia, 1917; Mongólia, 1924; China, 1949; Cuba, 1959; Vietnã, 1963). SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 40 – FIQUE ATENTO! Entre os líderes e teóricos socialistas do século XX, de inspiração marxista, pode- mos citar Georg Lukacs, Vladimir Lênin, Leon Trotsky e Antônio Gramsci, todos com obras importantes publicadas. Falamos tanto em socialismo e é comum ouvirmos o termo comunismo também, não é mesmo? Você sabe a distinção entre eles? Então, acompanhe-nos para entender do que se trata. 4 O comunismo O termo comunismo vem de domínio comum. Para Marx, um exemplo disso são as comu- nidades primitivas. Por quê? Pois partilhavam suas ferramentas e esforços, não havia diferenças sociais e nem materiais entre seus habitantes. Para Marx e Engels, a volta ao comunismo seria o último estágio de evolução da sociedade humana, que ocorreria após a Revolução Socialista. Este seria o estágio da sociedade perfeita em que há a ausência de um Estado regulador das relações sociais e as pessoas seriam responsáveis pela sua autogestão. Perceba na figura a seguir a evolu- ção da sociedade humana na visão de Marx e Engels. Figura 3 – Evolução da sociedade humana, segundo Marx e Engels Sociedade Primitiva Sociedade Antiga Sociedade Feudal Sociedade Mercantilista Sociedade Capitalista Industrial Sociedade Socialista Comunismo • REVOLUÇÃO Fonte: Elaborada pelo autor, adaptada de Marx e Engels, 2005. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 41 – O modo de vida comunista seria igual ao das sociedades primitivas quando falamos em parti- lha, mas manteria o desenvolvimento tecnológico e industrial. A diferença em relação às sociedades capitalistas estaria nos meios de produção, os quais pertenceriam não mais ao burguês, mas sim à população, com a divisão igualitária de sua produção e dos rendimentos provenientes dela. FIQUE ATENTO! Mesmo nos países que se dizem socialistas atualmente, apenas a Coreia do Norte mantém o governo e economia socialistas.Os demais são classificados como mis- tos, isto é, politicamente socialistas e economicamente liberais. Mesmo com a intenção das Revoluções Socialistas no século XX (1917, na Rússia; 1949, na China; 1959, em Cuba e outros países), elas não atingiram o sucesso da sociedade comunista, pois nessas sociedades, mesmo ocorrendo a estatização das indústrias, reforma agrária e acessos da população à saúde e educação, que melhorou a qualidade de vida da população nesses países, os conflitos não conseguiram acabar com a distinção social. Figura 4 – Revolução Russa, outubro de 1917. Fonte: Everett Historial/Shutterstock.com. No caso dos países socialistas, sempre havia uma elite que regia o governo nesses países, no caso da União Soviética (que substitui a Rússia Czarista), esse grupo chamava-se Politurbo. Muitos teóricos definiam este socialismo como socialismo real, pois permeou politicamente todo o século XX. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 42 – Fechamento Vimos que a teoria socialista surge como uma reação e alternativa à opressão que a classe burguesa exercia sobre a classe operária social. Marx e Engels apropriaram-se do socialismo utó- pico, criaram o socialismo científico, termos e conceitos como materialismo histórico, mais-valia e comunismo, os quais permearam os estudos socialistas nos séculos XIX e XX. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender a formação da sociedade industrial. Referências ENGELS, Friedrich. A Situação da Classe Trabalhadora Inglesa. Tradução de B.A. Schuman. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008. GALVÃO, Andreia. Marxismo e movimentos sociais. Campinas: Unicamp, 2011. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/artigo235artigo5.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2017. QUINTANEIRO, T. (Org.). Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2000. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. Domínio Público, 1848, tradu- ção livre do espanhol. MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2008. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 43 – Max Weber Adriana Duarte de Souza Carvalho da Silva Introdução Max Weber (1864 -1920) é um dos mais importantes pensadores do século XX, e suas obras permitiram um novo olhar sobre a sociedade contemporânea, especialmente porque ele mostrou que a cultura tem um forte impacto na construção de instituições políticas e econômicas, e é defi- nidora da conduta humana. Max Weber teve uma ampla formação acadêmica, mas é, sobretudo, conhecido como um dos pensadores fundadores da ciência denominada Sociologia. Vamos conhecer mais sobre ele? Então, acompanhe-nos e bons estudos! Objetivo de aprendizagem: Ao final desta aula, você será capaz de: • reconhecer a cultura e a organização do capitalismo. 1 A ação social Para começarmos, o que é ação social? O conceito de ação social é central na obra de Max Weber e foi definido na sua obra magistral chamada “Economia e Sociedade” (1999). Por meio desse conceito, o autor quis entender de que forma o comportamento e ações de cada indivíduo são transformadores da sociedade que o cerca. Primeiro, vamos definir o conceito para, depois, explicá-lo melhor. Segundo Quintaneiro (2000, p. 107): O conceito de ação social é, portanto, um dos mais importantes da Sociologia de Weber. Ele o define como uma conduta humana (ato, omissão, permissão) dotada de um significado subjetivo dado por quem o executa, o qual orienta seu próprio comportamento, tendo em vista a ação – passada, presente ou futura – de outro ou de outros que, por sua vez, podem ser “individualizados e conhecidos ou uma pluralidade de indivíduos indeterminados e com- pletamente desconhecidos”. (WEBER, Economía y Sociedad, 1984, p. 18). FIQUE ATENTO! Ação social, na obra “Economia e Sociedade”, não é sinônimo de caridade. A tradução pode ser confusa do alemão para o português. Entenda melhor o conceito a seguir. – 44 – TEMA 6 Aron (2000, p. 491) define a ação social weberiana, isto é, definida por Weber, da seguinte forma: A ação social é um comportamento humano (...), em outras palavras, uma atividade interior ou exterior voltada para a ação, ou para a abstenção. Esse comportamento é a ação quan- do o autor atribui à sua conduta um certo sentido. A ação é social quando, de acordo com o sentido que lhe atribui o ator, ela se relaciona com o comportamento de outras pessoas. Para compreender esse conceito, observe a imagem. Figura 1 – Trabalho Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock.com. Aqui podemos observar indivíduos trabalhando em grupo, ou seja, uma situação cotidiana. Além disso, perceba que se trata de uma ação que o indivíduo atribui um sentido pessoal. Por exemplo, talvez para o homem de óculos na imagem, trabalhar tenha um sentido de realização pessoal, de conquista de objetivos e sonhos. Por outro lado, talvez para a mulher, que aparece de costas, trabalhar seja cansativo e apenas uma obrigação. Note que cada indivíduo atribui um sen- tido para ação, que se relaciona com sua história de vida e personalidade. Figura 2 – Movimento Social Fonte: Peter Scholz/Shutterstock.com. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 45 – Por outro lado, nessa imagem, podemos observar um movimento social e indivíduos cla- mando por justiça social. Novamente, cada indivíduo atribuirá um sentido diferente para a ação social que empreende. Talvez para determinada pessoa se manifestar seja uma forma de mudar sua realidade social e, para outra, apenas uma maneirade aparecer na mídia. Não há, em Weber (1999), a intenção de fazer julgamentos de valores sobre a ação de cada indivíduo, mas apenas de compreender como cada ator social atribui um sentido diferentepara suas atitudes. Além disso, o conceito de ação social possibilita-nos compreender como a sociedade é transformada pela ação de cada indivíduo (WEBER, 2000). SAIBA MAIS! Conheça mais sobre a obra “Economia e Sociedade” por meio do artigo “Máquinas petrificadas: Max Weber e a sociologia da técnica”, de Carlos Eduardo Sell. O material está disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678- 31662011000300006&lng=pt&nrm=iso>. Quando nascemos, um conjunto de regras nos é imposto. Aprendemos a diferença entre o certo e o errado. Aprendemos como nos vestir, como comer, como nos portar em diferentes situ- ações sociais. Aprendemos que devemos estudar, trabalhar, constituir uma família. Mas é a ação de cada indivíduo que transforma a sociedade. EXEMPLO O movimento social feminista possibilitou que as mulheres tivessem o direito ao voto. Ainda, as pesquisas realizadas por cientistas desenvolveram tecnologias que tornam a nossa vida mais confortável, por meio de uso de computadores, auto- móveis, smartphones. Sim, nascemos em uma sociedade de regras prontas, mas nossas ações sociais cotidianas têm o potencial de transformá-la. Aron (2000) explica ainda que as ações sociais se apresentam no contexto de relações sociais. Ou seja, transformamos a realidade à medida que interagimos com os outros, que criamos laços – sejam eles afetivos, familiares, profissionais, políticos, entre outros. SAIBA MAIS! No artigo científico “Max Weber e a história cultural da modernidade”, de Gangolf Hübinger, você poderá conhecer um pouco mais sobre Weber e sua obra. Sugerimos a leitura da Introdução (pág. 119 a 121), disponível em: < http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702012000100007&lng=pt&nrm=iso>. Agora vejamos outras contribuições de Weber para a Sociedade Contemporânea? Acompa- nhe-nos para conhecer sobre a ética protestante e o espírito do capitalismo. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 46 – 2 A ética protestante e o espírito do capitalismo Onde surgiu o capitalismo como assunto na obra de Weber? A obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (2000) teve como objetivo central explicar as condições culturais do surgi- mento desse sistema econômico, que colocou fim no sistema feudal de produção. Weber (2000) mostra que há duas importantes características nesse sistema econômico que rompem com o modelo anterior: o lucro e o trabalho assalariado. Dessa forma, mais do que meramente romper com o sistema de produção anterior, era preciso que ocorresse uma profunda mudança no plano da cultura, não é mesmo? Para isso, essa ruptura teria que levar a sociedade europeia da época a privilegiar o lucro e o trabalho, em detrimento de outros valores. Um dos métodos de Weber para realizar suas pesquisas em Sociologia da religião é o método estatístico e a construção de tipos ideais, que são instrumentos de abstração que se aproximam da realidade. EXEMPLO Esse “capitalista”, ao qual se refere Weber (2000), é o típico industrial que dedica sua vida à exploração do trabalho assalariado, almejando o crescimento da sua empresa. Primeiro de tudo, lembre-se de que, enquanto no modelo feudal havia o catolicismo, que des- prezava o lucro como algo pecaminoso e uma nobreza que desprezava o trabalho como algo indigno, por outro lado, no modelo do capitalismo, há uma ruptura com tais percepções. Weber (2000) mostra que, para que surgissem as condições que tornassem possível o capitalismo, era fundamental romper com a percepção de que o lucro era diabólico e de que o trabalho era despre- zível. Apenas uma cultura de valorização do lucro, que tornasse o trabalho como algo central na sociedade, poderia justificar a acumulação do capital. Weber (2000) percebeu que tais valores faziam parte do sistema de valores do protestan- tismo calvinista, que crescia na Europa no fim do sistema feudal. No entanto, o calvinismo ascé- tico valoriza o trabalho como algo que é requerido por Deus dos homens e autoriza o lucro, con- trariando justamente os princípios católicos. Riesebrodt (2012), sobre esse assunto, explica que até então não havia qualquer ideologia que defendia, por motivos religiosos, uma vida voltada ao trabalho e à obtenção de lucro. Conforme a análise de Riesebrodt (2012), Weber, ao estudar o protestantismo ascético, per- cebeu que este dava bastante ênfase ao trabalho e ao exercício profissional. Os calvinistas acre- ditavam que, aqueles que haviam sido escolhidos por Deus para serem salvos, poderiam ter a demonstração dessa escolha divina manifesta no sucesso financeiro. Posteriormente, essa con- cepção de vida voltada para o trabalho foi denominada de utilitarismo. Na obra de Weber (2000), o conceito de ascetismo é muito importante. Por quê? Pois o asce- tismo é uma concepção de vida com base na ideia de que a busca de qualquer prazer mundano não é correta e que o prazer deve ser evitado. Resumindo: uma vida ascética é aquela voltada exclusivamente ao trabalho, à família, à igreja. O trabalho é o centro daqueles indivíduos que pre- gam o ascetismo. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 47 – Figura 3 – Indivíduo ascético Fonte: ivector/Shutterstock.com. Não é difícil visualizarmos este tipo de indivíduo em nossa sociedade atual, certo? FIQUE ATENTO! Essa concepção ascética de vida promove um tipo de trabalhador que é compatível com o trabalhador assalariado das indústrias capitalistas. É o indivíduo que vive a sua vida dedicada, exclusivamente, ao trabalho. Façamos agora uma leitura atual do que representa o pensamento de Weber. Vamos pensar, por meio de um exemplo, como as percepções de Weber ainda são atuais. Figura 4 – O trabalho na contemporaneidade Fonte: SasinTipshai/Shutterstock.com. SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA – 48 – Vamos refletir sobre esse soldador. Imagine que ele acorda muito cedo para entrar às 7 horas da manhã na fábrica. Trabalha oito horas diárias e ainda quatro horas no sábado. Trata-se de um trabalho insalubre, pelo qual ele não é bem remunerado. A insalubridade causa danos à sua saúde e ele pode ter problemas como dores nas costas, tendinite e problemas respiratórios causados pela inalação do pó. Esse homem tem uma família e não consegue sustentá-la apenas com o salá- rio de soldados. Ele faz “bicos” aos finais de semana para complementar sua renda. Esse homem vive uma vida ascética. O lazer não faz parte da sua rotina ou faz muito pouco, porque atividades de lazer são caras e ele tem pouco tempo para isso. Perceba que Weber escreveu sua obra há cerca de um século, mas o capitalismo continua exigindo uma vida voltada para o trabalho. O lucro ainda é fundamental para que o proprietário se mantenha no negócio, especialmente, tendo em vista o aumento da competição internacional e, para isso, geralmente paga mal ao trabalhador. Vivemos uma cultura voltada para o trabalho, por- que isso é essencial para a manutenção da vida com dignidade. FIQUE ATENTO! Weber (2000) analisa a famosa expressão “tempo é dinheiro”. Isso mostra o quanto o autor é contemporâneo, porque, atualmente, vivemos essa realidade, e a maior parte da nossa vida é voltada para a busca de renda por meio do trabalho. Hoje há um discurso midiático sobre a busca do prazer. Essa busca relaciona-se, especial- mente, com viagens, frequência a clubes e resorts, visitas a shoppings, bares e restaurantes, den- tre tantas outras atividades. Mas todas elas, de alguma forma, relacionam-se ao consumo e para consumi-las, é necessário trabalhar. Isso mostra como nossa sociedade mudou, mas também indica como o pensamento de Weber continua atual. Fechamento Conhecemos duas das mais importantes obras de Max Weber: “Economia e sociedade” e a “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Você aprendeu que o autor estudou a ação social e avaliou as condições culturais de surgimento do modo de produção capitalista. Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer oconceito de ação social e a forma pela qual os indivíduos
Compartilhar