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TARALLO-ALKMIN-1987-FalaresCrioulos

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Na sala de aula: 
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literária 
/\11tonio Cand1do 
J Novas lições de análise 
sintática 
/\dri;1nu da GtHTlil Kury 
Tempos da literatura 
braslleire 
l::hH11cir111n1 /\bd;1la Junior 
ft S;1rn1r<1 Y<HJssef 
Ci1n1p1~dnlli 
•I No reino da fala 
1 ltHHHH il Mot ta Maia 
Literatura infantil 
brasileira: 
história & histórias 
Mar1~;t1 l <1J(llo f1 
Ht)q111<1 /illH~rrn<111 
! , Iniciação ao teatro 
S/ltiato M;1qilld1 
I Estórias africanas: 
história & antologia 
M<1t1<1 f\p;111~cid;1 Santill1 
!\ Reflexões sobre a arte 
/\111 f !do Bos1 
q No mundo da escrita 
- uma perspectiva 
psicolingülstica 
M.11y /\. KillO 
Linguagem e escola 
uma perspectiva social 
M;1qd;1 Sodft)S 
Psicologia diferencial 
l>,J111!) Mort:ira l t!ih~ 
Morfo11intaxe 
11:1v1;1 do HiH!cJs C<irorH) 
Llterature1 Africanas 
d• expra11lo 
portugu11• 
M411n111I l 111roH.1 
Rom•nc• hi1p•no-
·•rn•rlo•no 
f!nlln .JcJ111i l 
11~~tJ~~Jf.-~ 
FernandoTarallo 
Doutor em Sociollngüística 
pela Universidade da Pensilvânia 
Professor da Universidade Estadual de Campinas e 
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 
TaniaAlkmin 
Doutora em Lingüística 
pela Universidade René Descartes, Paris V 
Professora da Universidade Estadual de Campinas 
SBD-FFLCH-USP 
1111111111~ 11111111\ ~li 11111 li! Ili\ 
147115 
m 
1 
_'.,i 
;~ 
Direção 
Benjamin Abdala Junior 
Sarnira Youssef Campedelli 
Preparação de texto 
Heitor Ferreira da Costa 
Arte 
Coordenação e 
projeto grãfico (miolo) 
Antônio do Amaral Rocha 
Arte-final 
René Etlene Ardanuy 
Elalne Regina de Oliveira 
Capa 
Ary Normanha 
Antonio Ublrajara Domiencio 
DEDALUS - Acervo - FFLCH-LE 
1 \\\\\\\\\li\\\\\ 11111 \li\\ \li\\ \li\\ \li\\\\\\\ \\l\l \Ili\\\\\ \\li 
21300002739 
ISBN 85 08 01580 1 ~ 
1987 / 
Todos os direitos reservados 
Editora Atice S.A. - Rua Barão de lguepe, 11 O 
Tel.: (PABXJ 278·9322 - Caixa Postal 8656 
End. Telegrliflco "Bomllvro" - S!io Paulo 
j • 
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Sumário 
1. A mescla lingüística: introdução 7 
A mescla 7 
A mescla lingüística 9 
A mescla intercomunidades: os casos extremos 11 
O crioulo: "rebentos lingüísticos" 14 
O arbitrário, o convencional e o social 16 
A seguir, cenas dos próximos capítulos 17 
2. A instabilidade estável da mescla 19 
Inst!lbilidade e estabilidade 19 
O social e o psicológico na linguagem 20 
A estabilidade do componente social 24 
O social e o psicológico na linguagem revisitados 30 
Línguas intermediárias como objeto de estudo 32 
3. A variedade de contato em comunidade 
monolíngüe 35 
Unidade na diversidade: introdução 35 
Uma viagem para outras terras e para outros tempos e 
costumes 37 
À nossa terra, pois, aos nossos tempos e aos nossos 
costumes 48 
A simetria e a assimetria na comunicação face-a-face ___ 54 
Antecipando a coocorrência e a concorrência entre dois 
sistemas 58 
4. A' variedade de contato em comunidade 
bilíngüe e plurilíngüe 60 
E finalmente a mescla? 60 
O bilingüismo estável: a situação do Canadá 62 
co'•.W \ 
--~ J 
Diglossia: variedades altas e baixas 67 
Continuidades e descontinuidades sociais, discursivas e 
sentenciais 70 
O velório sem carpideiras: a morte de uma língua 7 4 
.?:' A situação de emergência e urgência 
lingüísticas: línguas pidgin. 76 
Emergência e urgência: mesclas lingüísticas de contato.__76 
Uma estória ilustrativa 77 
A história do rótulo: línguas pidgin 80 
O berço dos "rebentos" pidgin: o contexto social e 
sociopolítico 82 
A Língua Franca ou sabir: reminiscências 89 
A outra face do recém-nascido: sua estrutura 86 
6. Processos de pidginização e de crioulização 
da linguagem 95 
Pidgins versus crioulos: pai e filho? 95 
Por que crioulo? 97 
A gênese de pidgins e crioulos: propostas teóricas 99 
A teoria do baby-talk, 100; A teoria da geração 
espontânea, 101; A teoria monogenética, 101 
De pidgin a crioulo: formação e desenvolviment 103 
Passeio com os pioneiros do campo: os primeiros 107 
Francisco Adolpbo Coelho: a ação de princípios e leis 
gerais, 109; Hugo Schuchardt: o poder de pidginização e 
de crioulização do europeu, 111; Dirk Christiaan 
Hesseling: a força lingüística dos escravos, 112 
Pidgins e crioulos: perspectivas recentes, atuais e futuras_l14 
Fechando o cerco. . . 120 
/ 
1. A crioulização da linguagem 122 
A África portuguesa e os portugueses nas lndias 122 
Entradas e bandeiras I: o português na lndias 122 
Entradas e bandeiras II: o português na África 127 
Um pouco de cor local: dados lingüísticos 131 
A partícula zo no crioulo português de São Tomé, 131; 
Os ideofones do crioulo português da Guiné·Bissau, 132; 
O sistema verbal do crioulo português do Senegal, 133; 
Topicalização e deslocamento à esquerda no crioulo 
cabo-verdiano, 134; A expressão de grau no crioulo 
francês da Guiana, 135; O sistema pronominal e as 
orações adjetivas no crioulo inglês neomelanésio (ou 
tok plJln) , 137 
8. Falares em contato: conclusões 139 
Rememorando o contato: o roteiro do livro 139 
\ 
LISTA DE FIGURAS, TABELAS E MAPAS 
Figura 1 - Um contínuo dialetal 22 
Figura 2 - Percentagem de /r/ ausente na fala negra de Detroit, 
estratificada por classe social 38 
Figura 3 - Percentagem de /r/ ausente na fala negra de Detroit, 
segundo condicionamento estilístico 39 
Figura 4 - Estratificação por cJasse e estilo da variável (r) na fala 
de Nova York 40 
Figura. 5 - Estratificação por classe com mínimo condicionamento 
estilístico da variável (a:) de Norwich 42 
Figura 6 - Estratificação socioestllística da variável (ing) na fala 
de Nova York 43 
Figura 7 - Estratificação socioestilfstica da variável (e) na fala de 
Norwich 44 
Figura 8 - Diagrama das pressões normativas sobre mudanças lln· 
güísticas 46 
Figura 9 - Especialização de funções de H e L em dlglossia 69 
Tabela 1 - Comparação dos totais do emprego do se em Manhuaçu 
e no Aio de Janeiro 50 
Tabela 2 - Etnia : fala popular - os quatro grupos em conjunto __ 52 
Tabela 3 - Oca,rrências de aplicação da forma dele nos vários 
corpora escritos 53 
Tabela 4 - Freqüência percentual de uso de formas formais e lnfor· 
mais de tratamento de acordo com o sexo do entrevistado e tipo 
de entrevista 56 
Tabela 5 - A preservação e/ou a manutenção lingüística no Canadá 
de 1961 63 
Tabela 6 - A preservação e/ou a manutenção lingüística em Ontário 
e Ouebec de 1961 64 
Tabela 7 - Percentagem de grupo étnico francês de língua~mãe 
francesa: revelação de mudança de código 64 
Tabela 8 - Casos típicas de code-switching 74 
Mapa 1 - Crioulos e pidgins nas Américas . 91 
Mapa li - Crioulos e pidgins no Pacífico 92 
Mapa Ili - Crioulos e pidgins na Africa 93 
M1pa IV - Crioulos do oceano fndico e do Sudeste da .Asia 94 
M1p1 V - Distribuição de pidgins e crioulos no mundo 121 
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A mescla lingüística: 
introdução 
A mescla Faz parte de nosso senso comum a noção se-
gundo a qual um vinho misturado ou um tecido 
mesclado resultam da alquimia entre diversos tipos de uva ou de 
fibras, respectivamente, caracterizados por um relativo grau de 
pureza no momento anterior ao contato. É este, ao menos, o 
conceito de vinho misturado e de tecido mesclado que temos como 
usuários de uma língua e de suas possibilidades de significação em 
relação ao mundo. 
O que é, então, uma mescla? O que a caracteriza? Que 
fenômenos advêm de uma mescla? Apontamos acima que a noção 
leiga de mescla implica, quase necessariamente> "impureza", "defi-
nhamento", "deterioração", entre outras coisas. Ao tentar dissolver 
a tautologia "Mescla é . .. ", deixam-nos os dicionários ainda mais 
perplexos, pois a destruição desta proposição tautológica, na rea-
lidade, desencadeia a construção de tantas outras mais: "Mescla 
é mistura, contato, amálgama, etc.". A lista de aparentes soluções 
é vasta, bem como é intensamente inquietante e provoçadora a 
sensação de impureza que qualquer uma delas sugere. 
A resolução da tautologia parece-nos levar, conseqüentemente, 
a ·um beco sem saída. Serão, porventura,mesclas de quaisquer 
elementos do mundo objetivo deterministicamente geradas? Se 
~ 
8 A MESCLA LINGtl'lSTICA: INTRODUÇÃO 
fosse esse o caso, uma só definição abarcaria todos os fenômenos 
de mescla e nem nós, nem os dicionários estaríamos enfrentando as 
agruras para defini-la e caracterizá-la. A saída estaria, pois, em 
caracterizar de forma exata e precisa cada fenômeno de mescla e, 
a partir disso, procurar chegar a uma definição mais abrangente e 
esclarecedora de formas híbridas em geral. 
De fato, é lícito postular que as "coisas" pertencentes ao 
mundo objetivo mantenham entre si um dos dois tipos fundamentais 
de relação, expostos a seguir: . 
1) que elas possam "viver" simplesmente em contato, uma 
na vizinhança da outra, lado a lado, mantendo-se integralmente 
independentes e resguardando, portanto, seus limites e fronteiras 
individuais; ou 
2) que elas possam se misturar, se confundir, se cruzar, se 
mestiçar, se baralhar; enfim, se mesclar. 
Um exemplo claro para esta possibilidade de dupla relação entre 
as "coisas" do mundo são as plantas, que ou se mantêm em 
equilíbrio simbiótico, ou se parasitam. Os tecidos, igualmente, ou 
se retalham em cores listradas, dispostas lado a lado, ou as con-
fundem em matizes variados, ampliando assim a multiplicidade do 
espectro das cores: azul-esverdeado, verde-azulado, etc. Tanto esta 
dupla relação existe em nossa percepção do mundo, que a própria 
língua a reflete. Daí nos referirmos, por exemplo, a "cavalo puro-
-sangue", "pessoa de sangue real", "tecido 100% de algodão", 
"vestido de seda pura", "cachorro pedigree", "café brasileiro tipo 
exportação", "leite puro da vaca", "madeira de lei", entre outras 
tantas. 
Uma vez conscientes dessa dupla relação, no entanto, como 
reagir? Ditará a nossa percepção do mundo que a coexistência de 
duas ou mais "coisas" é mais positiva do que um possível "contato" 
entre elas? Ou, ainda, efetivado um contato, será o resultado dele 
necessariamente impuro, imperfeito, de tipo não mais especial? 
Deveriam, em princípio, linhas paralelas nunca se cruzar? Talvez 
sim, talvez não. O fato é que linhas paralelas freqüentemente se 
cruzam, sem que nada negativo advenha desse contato. Nossa 
proposta central, neste livro, é demonstrar que tanto as chamadas 
"purezas" da coexistência como as negligenciadas "impurezas" 
da mescla são, na realidade, fenômenos aparentes e que, com base 
em dados lingüísticos, nossa percepção do mundo não se divide 
n1ee11arl1mente nesses dois compartimentos. 
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A mescla 
lingüística 
A MESCLA LINGtl'iSTICA 9 
Serão também os homens .e suas culturas, suas 
línguas, sua sintaxe e sua fonologia afetados por 
fenômenos de contato, mistura, alquimia e mescla? 
É óbvio que sim! Também as diferentes maneiras de falar, sintaxes 
e fonologia diferenciadas, línguas distintas ou coexistem à medida 
que se compartimentalizam com vistas às suas respectivas funções 
sociais, ou se cruzam, çombatendo-se umas às outras pela conquista 
de um espaço social próprio. É, portanto, somente através do 
convívio social dessas chamadas diferentes maneiras de falar que 
elas se justificam como veículo efetivo de comunicação entre os 
falantes da comunidade. Como afirmamos anteriormente, é aprio-
rístico qualquer julgamento da coexistência ou convivência de 
variedades lingüísticas, de um lado, e do cruzamento entre 'élas, de 
outro, no sentido de definir-se a primeira relação como especial, 
enquanto a segunda recebe o estigma de excepcional; pior ainda, o 
julgamento será cientificamente ingênuo. A literatura sociolingüís-
tica tem destacado, para cada um dos dois tipos possíveis de relação 
entre variedades lingüísticas, um estatuto de objeto real de estudo. 
Além disso, um dos pontos-chave do modelo sociolingüístico é 
o fato de o e_3J_açQ_d_~_l!l.".~cl_ll.li~J~tica_ set_a __ C.º!11'1nic:l_a<i~-d~_fll.la. ,-
Ou seja, é ~as comunidades de fala ou entre elas que se concretizam 
diversos iiposde. contato, os quais prg~h1_~~1!1,_PQ!_§.ú~-v~z~fénô­
menos de mescla ou de convivência/coexistência, mecanismo esse 
ativado pelos indivíduos qüe-i!ltegram-i.ãiscÕmunidades.- ----- -
Chegamos, assim, a uma distinção-·fundamentãl: a mescla 
intracomunidade _(isto _é, _variantes convivend_o e/ou se entr~cru­
zando em uma meJIÍla comuriidaâe ae]iifa: ~iii_-giie-sOmêllte u~a 
língua é falada: o português, por exemplo) versus a mescla inter-
comunidades (ou seja, línguas distintasêoexistlndoe-se misturando 
em uma mesma comunidade: por exemplo, o caso de o português 
conviver com o alemão, o polonês e o italiano na Região Süídõ 
Brasil). · ----· 
--éomecemos pelo aspecto intracomunitário. O artigo clássico 
de Weinreich, Labov e Herzog 1 , reapreciado e atualizado por 
Labov 2, aponta essencialmente para a heterogeneidade sistemática 
da comunidade de fala. Em outras palavras, a comunidade tem à 
'1 WEINREICH, U.; LABOV, W.; HERZOG, M. Empirical Foundations for a 
Theory of Language Change. ln: LEHMANN, w. & MALKIEL, Y., eds. Di-
rections for Historical Linguistic. Austin, University of Texas Press, 1968. 
2 LABOV, w. Building on Empirical Foundations. ln: LEHMANN, w. & MAL-
KIEL, Y., eds. Perspectives on Historical Linguistics. Amsterdam/Philadelphia, 
John Benjamins Publishing Company, 1982. j 
lÓ~\ A MESCLA LINGüiSTICA: INTRODUÇÃO 
sua disposição um repertório composto de múltiplas variantes que, 
por sua vez, fazem parte de variáveis lingüísticas. O uso de cada 
uma dessas variantes não é absolutamente aleatório. Fatores lin-
güísticos e não-lingüísticos condicionam variavelmente o uso das 
variantes 3 . A comunidade de fala não é, conseqüentemente, homo-
gênea. 
Dentro de uma comunidade particular, é possível isolar certos 
i tipos de variedades lingüísticas. Assim, temos variedades geográ-
1 ficas, sociais, estilísticas, etárias, étnicas e de sexo. Quando se 
' fala em (r) retroflexo, o chamado (r) caipira, estamos, na rea-
lidade, referindo-nos a uma maneira de falar de uma região (ou a 
um dialeto geográfico; aguardemos o Capítulo 3 deste livro para 
uma apreciação mais detalhada do termo dialeto). A queda do / s/ 
plural, do /r/ final de palavras e da nasal constitui, por outro 
lado, variedades correlacionadas a grupos sociais distintos ( agru-
pamentos de falantes com base em escolaridade, renda e ocupação, 
entre outros fatores) e a contexto (daí o termo estilístico, geral-
mente usado para diferenciar situações de fala em termos de maior 
ou menor formalidade). Certas vogais desnasalizadas do Sul do 
Brasil compõem a variedade étnica do grupo de imigrantes italianos 
que habita aquela região. E assim por diante. 
Sabemos, no entanto, que o isolamento dessas variedades, tal 
qual indicado acima, nada mais é do que uma abstração, um 
construto de análise. Na práxis, tais variedades se encontram fre-
qüentemente misturadas, m~scladas. Nesse sentido, não deveríamos 
falar de variedades geográficas puras, ou sociais, ou estilísticas, 
ou étnicas. O que observamos é o seguinte: um falante de sexo 
determinado, de uma faixa etária específica, de uma dada classe 
social, de uma determinada região, em um momento preciso, mais 
provavelmente fará uso de uma variante lingüística e rejeitará suas 
formas alternativas. Isto significaria, então, que a noção de gra-
mátic,a .. como "descrição do uso de uma língua" se restringe for-
çosamente ao indivíduo? Resposta negativa. Apesar da imbri-
cação social desses "determinados, dados e específicos", é pos-
sível agrupar os indivíduos de uma comunidade em segmentos que 
respondam aos mesmos parâmetros e de cuja análise brotaria uma 
• Para uma dl1cu11lo mai1 abrangente da teoria e da metodologia sociolin-
1üf1tlca1 ver TAIALLO, F. A ptsquisa sociolingüística. São Paulo, Atica, 1985. 
(S4rl1 Principio•.) 
A MESCLA INTERCOMUNIDADES: OS CASOS EXTREMOS 11 
gramática da comunidade. Tal gramática deveria, em princípio, 
descrever o conjunto de variáveis lingüísticas em uso numa de-
terminada comunidade, atribuindoa cada uma delas seu valor 
social, isto é, definindo os limites de seu espaço. Mais importante 
ainda, tal gramática demonstraria, de um lado, a convivência pa-
cífica, a coexistência, a cOOcorrência das variedades e, de outro, a 
concorrência e o entrecruzamento entre elas, âs vezes não tão 
pacífico; enfim, descreveria os fenômenos de mescla intracomu-
nitária. 
Até este momento temos nos referido insistentemente à noção 
de espaço social. Outra noção igualmente essencial, no entanto, 
deverá compor o âmbito de nossa gramática da comunidade: o 
tempo. Dentro da concepção que estamos adotando, não há língua 
sem espaço e, muito menos, sem tempo. Uma variedade lingüís-
tica considerada de maior prestígio em um tempo x poderá ser 
totalmente estigmatizada pela comunidade em um tempo x + 1. 
O inverso também não deixa de ser verdadeiro, isto é, variedades 
estigmatizadas podem assumir prestígio social na comunidade. 
, -A gramática, portanto, deverá não somente descrever a estrutura 
da língua enquanto variável, como também prever e analisar seus 
_momentos de mudança. Mas passemos agora ao segundo tipo de 
mescla lingüística mencionado anteriormente: a intercomunidades. 
A mescla Vimos até agora que o repertório de 
intercomunidades: uma comunidade particular de fala se 
os casos extremos compõe de um rol de variantes lin-
güísticas agrupadas em unidades maio-
res, a que demos o nome de variáveis. A partir dessa definição, 
podemos pensar o Brasil como um conjunto de variedades lingüísti-
cas, ou seja, um agrupamento de diferentes maneiras de falar o por-
tuguês. Assim, poderíamos dizer que a área geográfica brasileira é 
composta de uma multiplicidade de dialetos, mutuamente inteligí-
veis. Em alguns países da Europa, notadamente a Itália e a Alema-
nha, há um cruzamento de dialetos que nem sempre são lingüística-
mente negociáveis. No caso do Brasil há, portanto, um multidiale- 1 
tismo ameno (as diferenças regionais localizam-se, em geral, nas r 
áreas da fonética, da fonologia e do léxico). A Itália e a Alemanha/ 
por outro lado, apresentam uma situação de multidialetismo forte: 
os vários dialetos nem sempre são mutuamente inteligíveis. 
! .. 
' 
12 A MESCLA LINGOiSTICA: INTRODUÇAO 
O que será feito, então, destes milhares de alemães que ha-
bitam um mesmo país, falam a mesma língua (o alemão), mas não 
conseguem se entender, se comunicar? Para tal, o alto-alemão, a 
língua-padrão oficial, promove a unidade nacional, exercendo, 
assim, uma função de língua franca (nome dado ao sistema lingüís-
tico usado por falantes de língua-mãe diferente). Tal língua franca, 
no entanto, manifesta sua presença mais claramente em regiões 
bilínglies ou multilínglies ·e= plurilíngües). E assim chegamos a 
um caso extremo: a coexistência de dois sistemas lingüísticos 
distintos em uma mesma comunidade de fala - o bilingüismo. 
As causas do estopim do bilingüismo e do plurilingüismo são 
notadamente sociais e históricas: diferentes grupos étnicos emi-
grando de suas comunidades de origem para uma mesma região; 
conquista através de armas e conseqüente colonização; desloca-
mento de populações e desenraizamento cultural, etc. E é preci-
samente nesse tipo de situação que o fenômeno da mescla lingüística 
se torna mais aparente e mais palpável. A variedade estilística 
dentro de uma mesma comunidade (a mescla intracomunitária) 
pode, por vezes, passar despercebida a alguns falantes, especial-
mente os de menor escolaridade. A mescla intercomunidades, no 
entanto, revela seus ingredientes mais abertamente. 
Se são circunstâncias sociais e históricas que promovem o 
bilingüismo, não serão de outra natureza as conseqüências desse 
fenômeno. De fato, serão precisamente históricas e sociais as 
causas de manutenção ou de dissolução do bilingüismo. E quais 
seriam as possíveis "soluções" do bilingüismo? De maneira geral, 
poderíamos falar de duas principais: a primeira delas é a manu-
~enção das duas línguas; portanto, a coexistência, o não-mescla-
mento. Um exemplo claro desse tipo de situação é a diversidade 
lingüística encontrada no Canadá, um país em que o inglês e o 
francês convivem lado a lado, especialmente na cidade de Montreal, 
combatendo-se pela defesa de suas fronteiras de uso, seus "com-
partimentos". Ainda no caso de dois sistemas distintos se manterem 
vivos em uma mesma comunidade de fala, a situação bilíngüe não 
permanece totalmente estável. Circunstâncias políticas e sociais, 
por exemplo, podem determinar e/ ou privilegiar o uso de um dos 
doi1 1i1tema1; no Canadá, o inglês, por exemplo, embora o francês 
lute por 1ua autonomia. Neste caso teríamos uma situação típica 
de d/1/011/a, Isto 6, a compartimentalização de cada um dos dois 
1iatem11 com vlatas a suas funções sociais. 
A MESCLA INTERCOMUNIDADES: OS CASOS EXTREMOS 13 
Mesmo o mais fanático nacionalista francófono no Canadá 
deverá, em outras palavras, mudar de código lingüístico, depen-
dendo da situação de interação em que se encontre. Em certos 
"domínios", o uso do inglês é obrigatório, restando-)he, por con-
seguinte, ou alternar de língua ou segregar-se da interação. Volta-
remos ao Canadá, e ao bilingüismo, e ao plurilingüismo em maior 
detalhe no Capítulo 4. Por enquanto, basta termos reconhecido a 
similaridade entre a mescla existente em comunidades monolíngües, 
onde variedades de uma mesma língua coexistem e se misturam, 
e bilíngües, em que dois ou mais (plurilingüismo) sistemas são 
usados. Deixemos claro ainda que, nas comunidades bilíngües e 
nas plurilíngües, perpassa cada um dos sistemas usados a mesma 
variação (saciai, geográfica, estilística, etc.) encontrada em qual-
quer língua em comunidade monolíngüe. 
Falamos anteriormente que uma das possíveis soluções para o 
bilingüismo é a sua manutenção. Citamos os fenômenos da diglossia 
e dos domínios de comunicação, noções essas qué serão retomadas 
com mais precisão e detalhamento no Capítulo 4. Também no 
mesmo capítulo retomaremos um asSunto dos mais interessantes, 
ora brevemente introduzido, que revela o fenômeno da mescla lin-
güística em seu estado mais genuíno. Trata-se de cod_~_-switching, 
uma palavra que ainda não recebeu um cunho próprio em nossa 
literatura sociolingüística. Diferentemente da situação de diglossia, 
em que a escolha do código a ser usado (inglês ou francês, por 
exemplo, no Canadá) é ditada por domínios de discurso, em c.ode-
-switching os dois sistemas se mesclam no nível da sentença. Su-
ponhamos que, em uma determinada região do Brasil, o português 
alternasse com o alemão. Poderíamos pensar, por exemplo, em 
um falante que enunciasse sentenças do seguinte tipo: Wir gehen 
heute ao cinema, tá? (== "Nós vamos hoje ao cinema, tá?") ou 
A secretária de meu pai ist sehr hübsch (== "A secretária de meu 
pai é muito bonita"). 
Há vários estudos sobre o fenômeno do code-switching. Co-
munidades da Noruega 4 e da cidade de Nova York 5 já foram 
analisadas segundo esse aspecto. De maneira geral, esses estudos 
4 Ver, por exemplo, BLOM, J.-P. & GUMPERZ, J. Social Meaning in Linguistic 
Structures. ln: GUMPERZ, J. & HYMES, D., eds. Directions in Sociolinguistícs. 
New York, Holt, Rinehart and Winston, 1972. 
5 Ver, entre outros, PoPLACK, SH. "Sometimes I'll start a sentence in Spanish 
y termino en espaõ.ol": toward a typology of code-switching. ln: AMASTAE, J. 
& ELÍAS-ÜLIVARES, L., eds. Spanish in the United States. Sociolinguistic 
Aspects. Cambridge, Cambridge University Press, 1982. 
11 
1 
,, 
li' 
1 
14 A MESCLA LINGtHSTICA: INTRODUÇÃO 
apontam que o code-switching é basicamente governado pela si-
tuação, ou seja, alterna-se código, por exemplo, em função de 
domínios de comunicação, do interlocutor com quem estamos in-
teragindo, etc. A contrapartida do code-switching situacional é 
o metafórico, isto .é, o momento em que o falante alterna códigos, 
de maneira aparentemente incorreta em relação à situação, com 
intenções específicas. Seria esta a forma marcada do code-switch-
ing; a forma não-marcada é ditada pela própriasituação de inte-
ração. Voltaremos a esse tópico no Capítulo 4. 
Resta-nos agora esboçar a segunda possível solução para o 
bilingijismo. Esta é de natureza um tanto funesta, pois envolve 
a morte de um dos dois sistemas. A comunidade retorna ao 
monolingüismo, caracterizado soll)ente pelas variedades intralin-
güísticas do sistema sobrevivente. Também aqni o que está em 
jogo são os fatores sociais, como o grau de segregação e de inte-
gração das comunidades envolvidas. Tanto no bilingüismo aparen-
temente estável (a manutenção dos dois sistemas lingüísticos). 
como na busca do monolingüismo (a morte de um dos sistemas), 
existe mescla: na manutenção ela se revela como um tecido listrado; 
na dissolução, como um vinho misturado, em cuja composição 
entra, em geral, uma quantidade maior de uvas de que é feito o 
vinho "dominante", isto é, aquele que dá o sabor. 
Mas seriam os fenômenos de contato entre línguas sempre tão 
funestos? Sofreriam os contatos necessariamente os efeitos de 
furores nacionalistas exacerbados e exaltados? Seria, enfim, a 
morte a marca única e exclusiva do contato? A mistura das cores 
nos diz que "não". Não há nada, por exemplo, que impeça o 
aparecimento do azul-esverdeado ou do verde-azulado. Assim tam-
bém a alquimia de diferentes variedades de uva pode resultar em 
uma bebida sem preço. Presenciamos não mais o definhamento, a 
deterioração, e começamos a vislumbrar o surgimento, a vinda, o 
nascimento, a vida. Que tipo de língua pode, pois, nascer de um 
contato? 
O crioulo: 
"rebentos 
lingüísticos" 
básicas e restritas: 
Em uma situação de contato entre dois grupos 
étnicos e lingüísticos radicalmente opostos, a 
urgência de um meio de comunicaçi\o pode 
gerar uma língua de emergência com funções 
o pidgin. Nascida inicialmente nas costas da 
... .. 
l 
O CRIOULO: "REBENTOS LINGOtSTICOS" IS 
África como resultado de uma mistura entre o português e línguas 
africanas há quase quinhentos anos, esse tipo de língua foi inúme-
ras vezes detectado em outras partes do mundo, em outras épocas, 
mas sempre decorrente das mesmas circunstâncias sociais. De 
duas uma: ou a língua urgente nasceu de relações estritamente 
comerciais, ou adveio do deslocamento de grupos étnicos distintos 
para uma mesma região via escravidão. Supostamente uma cor-
ruptela de business (= "negócio"), o gjdgin mantém nas comuni-
dades onde é usado seu estatuto de segunda língua, de língua 
franca para comunicação entre grupos lingüisticamente diferencia-
dos. A literatura crioula aponta em especial para as restrições do 
pidgin quanto à forma e quanto à função. No Capítulo 5 retor-
naremos a esse fenômeno de mescla lingüística. 
O pidgin, portanto, não é língua-mãe de ninguém. Assim 
como as demais línguas chamadas naturais, o pidgin também é uma 
língua com espaço e tempo característicos. Serve, pois, às neces-
sidades de uma comunidade, provisoriamente estabelecida, em um 
determinado local e por um período específico de tempo. Isto não 
significa, entretanto, que pidgins estejam fadados a morrer, uma 
vez que as relações comerciais ou de senhor--escravo deixem de 
existir. A transmissão de pidgins de pai para filho, segundo a 
melhor das tradições, pode acarretar a aquisição de falantes na-
tivos: as crianças. O pidgin deixa, conseqüentemente, de ser língua 
de ninguém. O pidgin assume estatuto de língua natural.. Diz-se 
na literatura que o pidgin se criouliza. A partir do momento em 
que o pidgin passa a ser primeira língua de um grupo, língua-mãe, 
portanto, temos um crioulo. E é exatamente aqui que temos o 
fenômeno da mescla mais cruamente delineado. Misturamos azul 
e amarelo e conseguimos verde; uva preta com uva branca, e fa-
zemos vinho rosado. Neste cruzamento de linhas paralelas, quanto 
fica de cada uma delas? Estará a língua do dominador mais 
presente no resultado químico crioulo do que a língua do domi-
nado? O Capítulo 6 levantará tais questões, apontando possíveis 
respostas. 
Uma vez crioulizada, circunstâncias sociais, históricas e polí-
ticas podem determinar o retomo dessa língua natural emergente 
para um dos pais que a gerou, o superstrato, a língua do .domi-
nador. Neste caso, e a literatura sociolingüística tem enumerado 
alguns exemplos conforme veremos no Capítulo 7, estaremos pre-
senciando o contínuo pós-crioulo, isto é, o crioulo se descriou-
lizando. 
16 A MESCLA LINGütSTICA: INTRODUÇÃO 
O arbitrário, 
o convencional 
e o social 
No início do século, Ferdinand de Saussure, 
pai do estruturalismo e, de certa forma, da 
lingüística moderna, postulou que o signo 
lingüístico é arbitrário. Isto é, a relação 
entre o significante ( = o conteúdo fónico) e o significado ( = o 
componente semântico) é puramente arbitrária. Não há nada na 
seqüência fônica /kadeyra/ que indique ao interlocutor que o 
emissor está falando e se referindo a um objeto em que as pessoas 
geralmente se sentam. Tanto é assim que um mesmo significado, 
· um mesmo referente, apresenta significantes outros em outras lín~ 
guas (por exemplo, chair em inglês; Stuhl em alemão; chaise em 
francês, etc.); assim também, dentro de uma mesma língua, pode 
haver significantes múltiplos para um mesmo significado: daí a 
sinonímia entre pinga e cachaça, por exemplo. 
E. óbvia a razão pela qual a arbitrariedade do signo não 
perturba a comunicação lingüística. O arbitrário deve ser regido . 
pelo convencional. E este último nada mais é do que uma conse-
qüência de normas sociais ditadas pela comunidade de fala. Pode-
ríamos dizer que o social diminui a força do arbitrário: Reto-
memos rapidamente o exemplo do (r) retroflexo. Associam-se a 
essa articulação específica do fonema /r/ as noções de interiorano 
(mais particularmente, do Estado de São Paulo), de caipira, de 
zona rural 6• O mesmo (r) retroflexo é marca de prestígio so-
ciolingüístico na cidade de Nova York, nos. Estados Unidos, desde 
o final da 2.ª Guerra Mundial. Na Inglaterra, a pronúncia-padrão 
oficial atribui ao (r) retroflexo a mesma estigmatização do (r) 
caipira brasileiro. As variantes lingüísticas possuem e carregam, 
portanto, significado social, e a língua como um todo não somente 
reflete como também reforça, a cada momento, tais convenções. 
Mas o que significa, em resumo, uma explicação social da 
linguagem e das línguas? Nada mais do que um contraste, um 
contraponto, àquelas explicações da linguagem que ou não fazem 
referência· a fatores fora do escopo da faculdade da linguagem em 
si, ou o fazem com base em outras propriedades psicológicas dos 
seres hu~anos, tais como a percepção, a memória, entre outras 
tan~ 
, São duas as propriedades da linguagem que requerem expli-
cáÇão social: 1) os cenários macrossociais e 2) os cenários micro-
6 Ver, em particular, os trabalhos de NASCENTES, A. O idioma nacional, 
1937; A gíria brasileira, 1952; O lingua;ar carioca, 1953, entre outros. 
A SEGUIR, CENAS DOS PRóXIMOS CAPÍTULOS 17 
conversacionais. No primeiro caso, correlaciona-se a variação en~ 
contrada em uni" determinado sistema lingüístico a categorias como 
classe social, sexo, estilo, origem geográfica, grupo étnico, faixa 
etária, etc. No segundo tipo de cenário, o de escala mínima, 
analisa-se como o significado da enunciação e do discurso de-
pende da situação real de fala e dos sistemas de crença do falante 
e do ouvinte. Tal distinção, conforme veremos no decorrer deste 
livro, é válida tanto para os estudos de variação lingüística em 
mescla intracomunitária, como para os fenômenos de contato entre 
grupos étnicos e lingüísticos distintos. 
Para finalizar: ao se analisarem ,-fenômenos de mescla, intr?--
comunitária e intercomunidades, três perspectivas devem ser in-
condicionalmente adotadas: a ·d-a sociedade como um todo (o 
cenário macrossocial); a do indivíduo na mesma sociedade (as 
eStratégias cónvers3.cionais do falante em uma escala mais redu-
zida); e, por último, a perspectiva estritamente lingüística. Em 
qualquer descrição lingüística, essas três perspectivas estarão neces-
sariamente inter-relacionadas.E o que tentaremos demonstrar neste 
livro ao enfocar basicamente fenômenos de mescla lingüística. 
A seguir, 
cenas dos próximos 
capítulos 1 
Com exceção dos Capítulos 2 e 8, os 
demais pretendem fotografar o fenô-
meno da mescla lingüística progressi-
vamente, do mais ameno para o mais 
forte, do menos saliente para o mais radical. O Capítulo 2, sob 
o título "A instabilidade estável da mescla", retomará a discussão, 
já amplamente debatida na literatura do campo, sobre o social e 
o psicológico na linguagem. Retornarão à cena os árduos defenso-
res do gerativismo e os incansáveis estandartes do pós-estrutura-
lismo. Parte desse capítulo será dedicada à questão do universa-
lis!Ilg_.e..do particularismo lingüístico . .A parte complementar a essa 
. discussão será uma exemplificação da instabilidade estável da mes-
cla através da apresentação de fatores atuantes na situação de 
contato. 
7 Embora este volume tenha sido concebido pelos dois autores conjunta-
mente, a redação e a montagem de cada capítulo ficaram a caTgo de um 
ou outro autor. Assim, T. Alkmin assina os -Capítulos 5, 6 e 7; os cinco 
capítulos restantes, os de número 1, 2, 3, 4 e 8, são assinados por F. Tarallo. 
1, 
1 
' 
18 A MESCLA LINGüISTICA: INTRODUÇÃO 
No Capítulo 3, "A variedade de contato em comunidade 
monolíngüe", será iniciada a apresentação da mescla em sua escala 
mais reduzida: o ato de fala e a rede de conversação. Fatores 
condicionadores extralingüísticos serão exemplificados de forma a 
evidenciar a existência de variedades estilísticas e contextuais. Em 
suma, esse capítulo demonstrará, através da situação da mescla 
monolíngüe, as noções de dialeto, acento ( == sotaque), registro, 
código, inventário, repertório lingüístico; enfim, a simetria e a 
assimetria na comunicação do tipo face-a-face. 
O Capítulo 4, "A variedade de contato em comunidade bi-
língüe e plurilíngüeH, decorre do anterior, dele diferenciando-se 
somente pelo espaço social descrito: a convivência de sistemas 
lingüísticos distintos. Os Capítulos 5, 6 e 7 expandem o fenômeno 
da mescla para o outro extremo da escala: os casos radicais. No 
Capítulo 5, "A situação de emergência e urgência lingüísticas: lín-
guas pidgin", definir-se-á o nascimento de uma língua através 
de sua urgência como língua de comércio e/ou língua de escravos. 
O Capítulo 6, "Processos de pidginização e de crioulização da 
linguagem", examinará a noção de crioulo, um pidgin naturalizado 
não mais como língua franca, de contato, mas sim como língua-mãe 
de um determinado grupo. Além dessa conceituação básica sobre 
crioulo e pós-crioulo, será empreendido um passeio pelos pioneiros 
do campo: Coelho, Hesseling e Schuchardt. Finalmente, no Capí-
tudo 7, "A crioulização da linguagem", entraremos na África e 
na 1ndia via crioulos portugueses; na Guiana, via francês; e em 
Papua-Nova Guiné, via inglês. Enfim, iremos nos servir da criou-
lização do português, do francês e do inglês para realizar uma 
viagem pelo mundo. Durante esse longo passeio faremos uma 
parada para um descanso mais prolongado na África portuguesa, 
a fim de descrever e classificar os crioulos portugueses com mais 
detalhe. 
O capítulo das conclusôes 1 o de número 8, não pretenderá 
: simplesmente fechar este manual. Nem tampouco abrir-lhe as 
possibilidades de expans3o.s('Nosso objetivo máximo nas conclusões 
é levar o leitor a uma clrt~za incontestável: que a "pureza" lin-
güística está, na verdade, no vinho misturado e no tecido mesclado. 
2 
A instabilidade estável 
da mescla 
Instabilidade 
e estabilidade 
,O fenômeno da mescla lingüística, tal qual 
brevemente esboçado no capítulo anterior, re-
vela-se 'LJl~incípio _ (e quase por definição) 
como algo altamente in~t!Ísel. De fato, ao misturarmos uva preta 
com branca, nenhuma receita poderá nos garantir quão rosado 
ficará o vinho. Se quisermos, por exemplo, um vinho rosé mais 
claro, nosso senso comum (e talvez a própria receita) nos ditará 
uma quantidade maior de uva branca; ao contrário, conforme nos 
diz a intuição e a receita, um vinho rosé mais para o tinto irá 
requerer como ingrediente básico a uva preta. De qualquer forma, 
parecem ser os elementos externos à natureza da uva em si que 
acarretam o resultado final desejado: rosé mais claro ou mais 
escuro. Ê nesse sentido que dizemos ser a mistura um fenômeno 
instável. A estabilidade do fenômeno somente será alcançada pelo 
acionamento dos tais elementos externos. São estes que exercem 
um controle sobre a mistura de diferentes tipos de uva de forma 
que se obtenha o vinho desejado. 
Vimos assim que a surpresa e a instabilidade da mistura 
podem ser aliviadas e estabilizadas através do controle que exer-
cemos sobre os fenômenos. Mas estaria essa estabilidade pri-
mordialmente localizada nos fatores . externos à natureza do 
fenômeno? Em outras palavras, poderia a natureza da uva em si 
1 
1 
' '1 
1 i 
~ 
20 A INSTABILIDADE ESTÁVEL DA MESCLA 
e por si só determinar o resnltado final? Sugerimos no Capítulo 1 
que sim; mais que isso, foi postulado, como ,prerrogativa básica à 
análise de fenômenos de mescla lingüística,; o entrelaçamento de 
' fatores externos e internos a cada fenômeno.,- E isso nos leva de 
volta a uma questão muito "quente" da lingi.Íística teórica contem-
porânea: o social (o aparentemente instável) e o psicológico (o 
deterministicamente estãvel} ·ria linguagem. Retomemos tal dis-
Cti.ssão! 
o social e Os fatores SOCJalS na linguagem, advocados 
o psicológico inicialmente pelo estruturalismo de Ferdinand 
na linguagem de Saussure no início do século e retomados 
pelo pós-estruturalismo da sociolingüística e 
da análise do discurso, foram (e ainda estão sendo) ~ontrapostos 
aos fatores psicológicos na linguagem, defendidos pela escola ge-
rativa de Chomsky. O .debate entre o gerativismo e o pós-estru-
turalismo já completou vinte anos. É, portanto, questão razoavel-
mente envelhecida e desgastada, e seria uma grande perda de 
tempo retomar simplesmente os argumentos de uma e de outra 
parte. Julgamos, no entanto, importantíssimo retornar à questão 
e examiná-la mais de perto à luz do fenômeno da mescla, mos-
trando, entre outras coisas, que é na complementaridade das duas 
correntes que devemos buscar a solução para os nossos problemas 
de análise. 
Em princípio, o debate entre gerativistas e pós-estruturalistas 
nem sequer teria surgido e alcançado proporções tão amplas se se 
tivesse esclarecido, desde o início, a que pergunta cada uma das 
correntes procura responder. -O gerativismo, por exemplo, busca 
efetivamente responder à pergunta: "O que é língua?" O pós-estru-
turalismo, por outro lado, procura soluções para a questão: "O que 
é uma língua?'' 1 
A resposta a "O que é língua?" é de natureza essencialmente 
psicológica e invoca os poderes universalistas da faculdade humana 
da linguagem. Para tal pergunta, a resposta mais freqüentemente 
dada é a de Chomsky 2 : língua é um conjunto de princípios 
1 A discussão a seguir foi inspirada a partir de DoWNES, W. Lan.guage and 
Society. London, Fontana, 1984. 
2 Ver, em particular, CHOMSKY, N. Syntactic Structures. The Hague, Mouton, 
1957; A,spects of the Theory of Syntax. Cambridge, Mass., The MIT Press, 
1965; e Rufes and Representations. Oxford, Basil Blackwell, 1980. 
O SOCIAL E O PSICOLóGICO NA LINGUAGEM 21 
universais muito específicos, de natureza abstrata, os quais são 
definidos como propriedades intrínsecas à mente humana e parte 
cio potencial e do dote genético de nossa espécie. São tais prin-
cípios, conforme defende Chomsky, que permitem a qualquer 
criança normal adquirir qualquer língua natural. 
A pergunta "O que é uma língua?", contrariamente, faz-nos 
pensar na natureza de línguas particulares, isto é, a língua portu-
guesà, a língua alemã, etc. Como sugerimos no capítulo anterior, 
a resposta a essa pergunta é, pelo menos, parci~lmente social, o 
que implica necessariamente um certo particularismo' lingüístico. 
E aí a briga está formada: ao confrontarmos qualquerlíngua, os 
tais princípios universais são encontrados numa variedade parti-
cular da mesma língua. Perde-se, conseqüentemente, a estabili-
dade psicológica do modelo e se defronta com a instabilidade 
social da língua. 
Os defensores da estabilidade psicológica do modelo acusam 
a instabilidade própria do social; por outro lado, os defensores do 
social utilizam-se de seus dados empíricos- da língua para falsear 
a estabilidade do modelo. Mas, conforme afirmamos anteriormente, 
essa briga já está desgastada. Seria, no entanto, interessante e, 
reputamos, frutífero colocar um outro tipo de questão: não deter-
minar até que ponto o modelo estável é realmente estável, mas 
sim localizar a estabilidade no social; especificamente no caso de 
mescla lingüística, de línguas em contato, provar a instabilidade 
estável do fenômeno. 
Tal proposta pode parecer, à primeira vista, inconcebível e 
irrealizável. Se, em verdade, existem princípios universais regendo 
todas as línguas humanas, como explicar a convivência de tantas 
variedades dentro de um mesmo sistema, de flutuações em massa 
e de oscilações aparentemente aleatórias e gratuitas? Enfim, como 
localizar estabilidade a partir de fenômeno tão instável? 
Comecemos, pois, por determinar exatamente o que ·causa 
instabilidade na língua, apontando, ao mesmo tempo, meios para 
recuperar o fator estável, típico das análises psicolingüísticas. A 
primeira solução que nos vem à mente tem a ver com a tipo_logia 
das línguas. ) Isto é, no processo de gramaticalização, parece haver 
caminhos sistemáticos para se relacionar um determinado signifi-
cado ao arranjo superficial das partes de uma sentença. Ou através 
de marcação morfológica de casos, ou através da ordem das pala-
vras na frase, as noções· de sujeito e de objeto da ação precisam 
ser determinadas em nível de superfície para que a comunicação 
'I 
1 
í 
22 A INSTABILIDADE ESTÁVEL DA MESCLA 
aconteça com sucesso. _ Considerando-se os mecanismos psicoló-
gicos disponíveis para a produção e a interpretação de sentenças, e 
as múltiplas, embora limitadas e previsíveis, possibilidades lógicas 
entre eles, tem-se que haverá somente um ·certo número de estra-
tégias prováveis. E, nesse sentido, tais possibilidades serão refle-
tidas nas estruturas de diferentes tipos de línguas. Segundo esse 
raciocínio, duas línguas podem ser caracterizadas por não compar-
tilharem nenhum vínculo histórico, por não se encontrarem em 
adjacência geográfica e, mesmo assim, serem tipologicamente rela-
cionadas. É o caso, por exemplo, da língua esquimó e de algumas 
línguas aborígenes da Austrália que compartilham um sistema de 
casos altamente sofisticado e exótico. 
A tipolo~ª- ,não é, no entanto, o único fator diferenciador 
das diversas 1ínguas do mundo. A segunda razão para tal díferenc 
ciação pode ser localizada no próprio pr2cesso histórico e social. 
Isto é, uma determinada língua é usada piídnilivíduos -pertencentes 
a grupos sociais que, por sua vez, relacionam-se (ou não) com 
outros grupos sociais, segundo uma escala de espaço e de tempo. 
Tomemos como exemplificação típica do processo histórico e social 
o caso dos dialetos de uma língua. A definição mais leiga que se 
tem de dialeto é a de uma variedade lingüística associada a um 
local específico, isto é, uma variedade geográfica de uma dada 
língua. 
df O 
d9 
d4 
d5 
FIGURA f - Um contínuo dialetal 
(Adaptada de DOWNES, W. Language and Society. London, Fontana, 1984.) 
O SOCIAL E O PSICOLóGICO NA LINGl.;AGEM 23 
No Brasil, conforme sugerimos no capítulo anterior, a dife-
renciação dialetal é amena, quando comparada à situação de 
outros países, como Itália e Alemanha. Mesmo assim um paulista 
" u1n cearense, por exemplo, em uma situação de comunicação do 
tipo face-a-face, dificilmente deixarão de perceber as peculiaridades 
fonológicas e lexicais nas falas um do outro. Imaginemos, pois, 
uma região dividida em dez dialetos geográficos. 
Cada número representa a designação dada pelos falantes à 
maneira como falam. Entenda-se pela Figura 1 uma região hipo-
tCtica em que coexistam dez diferentes maneiras de falar. Em geral, 
quanto mais distantes geograficamente, mais se diferenciarão os 
dialetos. Assim, em nossa figura, os dialetos 1 e 6, por exemplo, 
seriam lingüisticamente os mais distintos um do outro. Dialetos em 
adjacência geográfica apresentam, por outro lado, um parentesco 
lingüístico maior. Tanto é assim que, apesar de se considerarem 
diferentes dos falantes de d2, os membros do grupo d! dele se 
distinguem por pouquíssimos traços. A diferença se agrava com o 
início do distanciamento geográfico: dl e d3 são mais distintos 
que dl e d2; d! e d4 são aiuda mais distintos que dl e d3, e 
ussim sucessivamente. DlO, de acordo com a figura, é uma rami-
ficação dialetal de d8, que, por sua vez, carrega traços de d3, via 
d7. Assim, também dlü distingue-se, em princípio, radicalmente 
tanto de dl quanto de d6, os dois pólos dialetais no contínuo. 
A Figura 1 evidencia o fato, portanto, de que o grau de 
separação geográfica espelha o grau de diferenciação lingüística 
entre os dialeto~: Esta situação, conhecida na literatura da área 
como contínuo ·dialetal, apon;a para a inteligibilidade ou não entre . 
os dialetos:. dialetos ·adjacentes geografkaniente são, por definição, 
mutuanieiite inteligíveis, ao passo que dialetos separados espacial-
mente - ·nem sempre possibilitam uma negociação comunicativa 
direta, isto é, sem a mediação de uma língua franca, comum_aos 
usuários dos dialeto_s._ A-literatura apresenta exemplos famosos de 
tal coiltíiiuo: Deles, talvez o que nos seja mais interessante e 
curioso é o contínuo dialetal entre as línguas românicas ocidentais: 
francês, italiano, espanhol e português. É possívél fazer um passeio 
desde a costa atlântica da França, passando pela Itália, Espanha 
e Portugal, sem se perder inteligibilidade entre cidadezinhas adja-
centes e fronteiriças, embora portugueses, espanhóis, franceses e 
italianos considerem suas respectivas línguas-padrão como mu-
tuamen~e ininteligíveis. 
', 
2 1 
• .. ~ A INSTABILIDADE ESTAVEL DA MESCLA 
Feita essa discussão sobre o social e o psicológico na lin-
guagem, passemos para as duas últimas questões deste capítulo, 
que cremos serem indispensáveis a uma compreensão firme e a 
uma aceitação plena do fenômeno da mescla lingüística como 
objeto de estudo. 
A estabilidade 
do componente 
social 
O objetivo central deste capítulo é, na rea-
lidade, duplo. De um lado, pretendemos 
evidenciar a estabilidade do componente 
social da ling~agem, ressaltando a sistema-
ticidade na instabilidade. De outro: àrgumentamos em favor da 
àceitação da instabilidade estável como. efetivo objeto de estudo 
lingüístico. Focalizemos, pois, a ·estabilidade do componente social. 
Os estudos que enfatizam a relação profunda entre língua e 
estrutura social têm, em geral, assumido uma das várias possíveis 
vertentes do fenômeno, listadas a seguir: 
1) o desempenho lingüístico reflete a estrutura social; 
2) o desempenho lingüístico pode condicionar o comporta-
mento social; 
3) a estrutura social pode determinar o desempenho lingüís-
tico; 
4) o desempenho lingüístico e o comportamento social estão 
perenemonte relacionados de forma dialética. 
Essas quatro linhas de pensamento sociolingüístico, resenhadas 
por um alemão, especialista da área, Norbfit -Dittmar 3, na reali-
dade apontam para dois caminhos centrais nestes estudos, a saber: 
a correlação e a funcionalidade. Vejamos, pois, como a instabi-
Üdade estável da mescla tem sido tratada na literatura sobre cor-
relação e funcionalidade. 
Tomemos a primeira linha de pesquisa, típica da correlação: 
o desempenho lingüístico reflete a estrutura social. O pressuposto 
básico desse tipo de investigação é o de que o comportamento 
lingüístico de um determinado informante necessariamente reflete 
categorias básicas da estrutura social da comunidade de que ele 
faz parte. São estas as categorias mais freqüentemente conside-3 DIITMAR, N. Sociolingui.stic.s. A Critica[ Survey of Theory and Application. 
London, Edward Arnold, 1976. 
A F..'>TARTLIDADE DO COMPONENTE SOCIAL 25 
radas nos estudos sociolingüísticos de Labov 4 : classe socioeconô-
mica, grupo étnico, sexo, entre outras. O que esses estudos sobre 
desempenho lingüístico e estrutura social teriam a nos dizer sobre 
a instabilidade estável da mescla? Em outras palavras, como os. 
resultados dessas pesquisas poderiam nos ajudar a entender a in-
trincada e maciça quantidade de formas em variação, de uso apa-
rentemente aleatório, que compõe a comunicação via língua? 
Iniciemos pela variável socioeconômica. Os estudos de Labov5 
sobre a fala da cidade de Nova York, por exemplo, efetivamente 
demonstram que traços lingüísticos revelam estratificação consisten-
temente correlacionada a educação, ocupação e renda pecuniária 
dos informantes~ Assim, constatou-se, entre outras coisas, que o 
grupo socioeconômico "do meio", isto é, "nem alto, nem baixo", 
tende a hipercorrigir as formas que usa. O critério de grupo do 
"meio" varia de comunidade para comunidade e depende basica-
mente do tipo de recorte socioeconômico feito pelo analista. Labov, 
. por exemplo, destaca como grupo intermediário em Nova York 
a classe média baixa; Trudgill 6 , ao analisar o perfil socioeconô-
mico inglês, evidencia na classe operária-trabalhadora-alta as ca-
racterísticas do chamado grupo do "meio". O recorte da comuni-
dade, portanto, variará segundo sua própria configuração e cons-
tituição socioeconômica. Independentemente do tipo de recorte 
feito, o fenômeno da hipercorreção surge nos grupos intermediários 
como algo previsível na análise. A hipercorreção nada mais é 
do que a tendência de os informantes do "meio" usarem incorre-
tamente formas que julgam típicas e marcadoras do grupo superior 
culto, o grupo de prestígio na comunidade. 
Na realidade, o fenômeno da hipercorreção é identificado com 
o desejo de ascensão social manifestado pelo grupo intermediário, 
a partir da norma lingüística vigente e dos valores sociais de 
prestígio a ela associados e conferidos pela comunidade. Ao se 
analisar e, por conseguinte, captar a estratificação sociolingüística 
de uma comunidade, busca-se descobrir como e quanto os infor-
mantes se afastam ou se aproximam da norma de prestígio. Ve-
4 Entre outros estudos, consultem-se: LABOV, W. Sociolinguistic Patterns., 
Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1972, e Language in the 
lnner City. Studies in the Black English Vernacular, Philadelphia, University 
of Pennsylvania Press, 1972. 
5 LABOV, W. The Social Stratification of English in New York City. Wash-
ington, D. C., Center for Applied Linguistics, 1966. 
6 TRUDGILL, P. The Social Differentiation of English in Norwich. Cambridge, 
Cambridge University Press, 1974. 
26 A INSTABILIDADE ESTÁVEL DA MESCLA 
jamos dois exemplos bastante claros desse fenômeno em português. 
Os ditongos decrescentes /ey/ e /ow/ encontram-se reduzidos na 
fala coloquial aos monotongos /e/ e /o/. Assim, "O pexe 'tava 
ótimo" e "O coro é legítimo". Não é raro, no entanto, a hiper-
correção de /e/ para / ey / em formas como bandeia: "Esta bandeiia 
de prata é linda". A hipercorreção atua, portanto, no sentido in-
verso, isto é, formas-não-padrão (a redução do ditongo / ey / e 
/ow/ são alastradas para formas-padrão de monotongos. Um outro 
exemplo levemente diferente, apesar de bastante curioso, é a ten-
dência exagerada de inserção de /r/ em infinitivos e substantivos 
em formas como amar e flor, quando a fala coloquial, especial-
mente nos versos, favorece seu apagamento. O uso exagerado do 
/r/ não revela desvio de norma, como no exemplo da bandeija, 
mas acentua sua inadequação à informalidade do discurso, além 
de, em algumas regiões notadamente marcadas pelo estigma do 
(r) caipira, como o interior de São Paulo, reforçar o falar típico 
da comunidade em questão. 
Vejamos agora a correlação entre língua e estrutura social 
encontrada nos estudos sobre diferenciação étnica. O resultado 
estável dessas pesquisas mostra que as minorias sujeitas a péssimas 
condições de vida e altamente reprimidas pelas normas sociais de 
uma comunidade são, de fato, aquelas que apresentam um desvio 
lingüístico mais forte da chamada norma-padrão.' A adaptação e 
a aculturação de minorias a uma comunidade variam de grupo para 
grupo. Assim, nos Estados Unidos, enquanto os imigrantes euro-· 
peus se integraram à sociedade sem embaraço, situação essa refle-
tida em seu próprio comportamento lingüístico, os negros se iso-
laram em guetos, formando assim uma minissociedade isolada, com 
diferentes valores e, conseqüentemente, com um desempenho lin .. 
güístico radicalmente oposto à norma considerada de prestígio 7 • 
A importação de mão-de-obra estrangeira pelo governo alemão 
pós-2.ª Guerra gerou uma situação de plurilingüismo composta 
de vários subgrupos segregados, marcados lingüisticamente por um 
alemão fracionário e de função restritiva 8 • São eles: turcos, iu-
7 Cf., em especial, LAeov, W. Sociolinguistic Patterns, cit. e WoLFRAM, W. 
A Sociolinguistic Description o/ Detroit Negro Speech. Washington, D. C., 
Center for Applied Linguistics, 1969. 
8 Cf. DIITMAR, N. & KLEIN, W. Untersuchungen zuni Pidgin-.Deutsch 
spanischer und italienischer Arbeiter in der BRD. Arbeitsbericht I des 
Forschungsprojektes der DFG "Pidgin-Deutsch ausliindischer Arbeiter", 
Germanistisches Seminar der Ur!iversitiit Heidelberg, 1974; e MEISEL, J. M. 
Linguistic Simplification. A Study of Immigrant Workers' Speech and 
" 
A ESTABILIDADE DO COMPONENTE SOCIAL 27 
goslavos, espanhóis, italianos e portugueses, entre outros. No 
Brasil, os grupos imigrantes apresentaram, ao longo da história 
das correntes .migratórias, matizes variados de integração e/ou 
segregação 9 , desconsiderando-se aqui o fato de a segregação ser 
autodeterminada (isto é, pelo grupo hospedado) ou imposta pelas 
leis do país hospedador. Assim, enquanto os imigrantes alemães 
e japoneses, por exemplo, mantiveram sua identidade cultural e 
lingüística ao longo de várias gerações, o grupo italiano se inte-
grou fácil e rapidamente à nova comunidade, privando dessa forma 
as gerações subseqüentes da herança lingüística e cultural caracte-
rística do grupo. Não é raro, pois, ouvir de um brasileiro, ita-
liano de segunda ou terceira geração, que de seus pais herdou tão-
-somente o gosto pela pizza e pelo spaghetti e o hábito de algumas 
expressões de insulto. 
Para concluir a questão da etnia: também a correlação entre 
desempenho lingüístico e grupo étnico nos permite levantar um 
outro elemento de natureza relativamente estável no fenômeno da 
mescla. Isto é, quanto mais segregado for um grupo, mais desvios 
da norma-padrão presumivelmente apresentará em seu desempe-
nho; -de forma inversa, quanto mais integrado à nova comunidade 
for esse mesmo grupo, menos desvios apresentará seu comporta-
mento. 
Passemos, então, à última variável escolhida para fins de -< 
ilustração da estabilidade no componente social da linguagem: o 
sexo. De maneira geral, os resultados sobre essa variável apontam 
o fato de as mulheres serem, ao menos nos grandes centros urba-
nos estudados até o momento, mais conservadoras sociolingüisti-
camente do que os homens. Labov 10 constata serem as mulheres 
de classe média muito menos tolerantes a formas-não-padrão e a 
palavras tabus. Além disso, segundo esse autor, a diferença entre 
os sexos parece não existii;: entre os membros da classe baixa na 
zona urbana e inexiste na zona rural. 
Foreigner Talk. ln: FELIX, S. W., Second Language Development. Trends 
and Jssues. Tübingen, Gunter Narr Verlag, s. d. 
!) Ver, por exemplo, BUNSE, H. A. W. Dialetos italianos no Rio Grande do 
Sul. Porto Alegre, UFRS, 1975; HENSEY, F. G. The Sociolinguistics o/ the 
Br,1zifian·Uruguayan Border.' The Hague, Mouton, 1972; e WOLFRAM, W. 
Sociolinguistic Aspects of Assimilation. Arlington, Center for Applied Lin-
guistics, 1974. 
10 LABOV, w. Variation inLanguage. ln: REED, e. E., ed. The Learning o/ 
Language. New York, National Council of Teachers of English, 1971. 
28 A INSTABILIDADE ESTÃVEL DA MESCLA 
Evidentemente, é o pos1c10namento diferenciado de cada um 
dos dois sexos dentro da comunidade que acarretará o reflexo da 
variação lingüística no sexo do informante. Assumindo-se que a 
língua não somente reflete como também reforça as convenções 
sociais, e, mais que isso, considerando-se que a língua é por defi-
nição um instrumento de ascensão social, conclui-se que a relação 
da mulher com a norma-padrão poderia, em princípio, tomar uma 
forma radicalmente oposta à do conservadorismo: a subversão, a 
rejeição dos padrões impostos através de comportamento e atitude 
singulares. Assim, não é o conservadorisnio que nos interessa como 
elemento estável na variável sexo, mas sim, e sobretudo, a possi-
bilidade de cada sexo se definir lingüisticamente, refletindo e refor-
çando, ou rejeitando e subvertendo, as normas sociolingüísticas de 
uma comunidade. 
Retornemos neste momento às quatro linhas de pesquisa suge-
ridas por Dittmar e continuemos a explorar as relações de cada 
uma com o componente social estável da mescla lingüística. Das 
três restantes, a segunda - o desempenho lingüístico condiciona 
o comportamento social - retoma a tradição dos estudos de 
Whorf 11 , segundo os quais a aprendizagem social da linguagem 
determina o comportamento social do indivíduo e, portanto, sua 
percepção social. Os argumentos defendidos pelos seguidores dessa 
linha, notadamente o inglês Basil Bernstein 12, já foram cabalmente 
derrotados pelos resultados dos estudos que seguem a primeira 
orientação, exposta logo acima, bem como pela terceira vertente 
de investigação sociolingüística. 
Essa terceira linha de pesquisa pressupõe que a estrutura social 
pode determinar o comportamento lingüístico de um indivíduo. 
Por estrutura social entendem-se: valores sociais de uma comu-
nidade, papéis sociais, status social, situações sociais, etc. Nesse 
sentido, essa vertente, diferentemente da primeira, incorpora o 
"outro'( no momento da análise. Isto é, ao se analisar um, salien-
ta-se a Presença do outro; ao se estudar o aquém, buscam-se expli-
cações também no além (não o sobrenatural, é claro!). Ressalta-se, 
11 WHORF, B. L. Language, Thought and Reality. Selected Writings of Ben-
jamin Lee Whorf. Cambridge, The MIT Press, 1956; SAPrR, E. Selected 
WritlngS in Language, Culture and Personality. Berkeley e Los Angeles, 
University of California Press, 1947. 
l:t Ver, por exemplo, BERNSTEIN, B. Class, Codes and Control - 1. Theore-
tical Studles towards a Sociology of Language. Primary Socialization, Lan· 
guage and Education 4. London, 1971. 
' 1 
" 
1 
A ESTABILIDADE DO COMPONENTE SOCIAL 29 
assim, a funcionalidade da fala e da variação que lhe é caracterís-
tica. 
Tomemos como exemplo a questão dos pronomes de trata-
mento em português. Somente poderemos entender a oscilação de 
um indivíduo entre as formas você e senhor/ senhora a partir das 
circunstâncias sociais que compõem a situação de fala em que ele 
se encontra. Torna-se, pois, predizível o uso de você apropria-
damente em determinadas situações, e incorretamente em outras. 
Assim, ditam os valores sociais que um professor de 50 anos, por 
exemplo, receberá de seu aluno de 18 anos a forma senhor, 
embora o trate por você, ao mesmo tempo que se relacionará 
com um colega de trabalho, de mesma idade (ou não), empregando 
a forma você. Estamos aqui retomando as noções de poder e de 
solidariedade, julgadas e legisladas pela comunidade e refletidas 
no comportamento lingüístico dos falantes 13 • Retornam à cena, 
agora misturadas a essas duas noções, as mesmas categorias levan-
tadas anteriormente: classe socioeconômica, grupo étnico, faixa 
etária, sexo, etc. Todas elas, juntamente com todas as circunstân-
cias presentes e existentes na situação do evento de fala, determi-
narão a forma pronominal a ser escolhida pelo informante. Um 
outro professor de mesma idade poderá, por exemplo, minimizar o 
efeito de sua idade, subvertendo assim a noção de poder, e 
estabelecer um tratamento você de solidariedade com seus alunos. 
Fica demonstrado através desse exemplo que essa terceira linha 
de pesquisa retrata o estável do componente social a partir da 
negociação, direta e/ou indireta, que os informantes estabelecem 
com as circunstâncias sociais que os envolvem. Nesse tipo de estu-
dos, rotulados de funcionalistas, a competência comunicativa dos 
falantes manifestada nos atos de fala, em seus discursos, é descrita 
e analisada funcionalmente em conexão com seus próprios valores 
sociais e, de lnaneira direta ~u indireta, conveniada aos valores da 
comunidade como um todo. ,A grande e principal prioridade desses 
estudos está em descobrir as regras invariáveis que regulam,,a inte-
ração verbal; portanto, o estável no aparentemente instável-:' 
Excetuando-se a segunda linha de pesquisa, a primeira e a 
terceira nos fazem necessariamente desembocar na quarta: a cons-
tante relação dialética entre língua e estrutura social, ou seja, a 
relação mútua entre contexto social e comportamento lingüístico. 
1 
13 Cf. BROWN, R. & GILMAN, A. The Pronouns of Power and Solidarity. ln: 
LAVER, J. & HUTCHESON, S., eds. Communication in l'ace to Face lnteraction. 
Harmondsworth, Penguin Books, 1972. 
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1 
1 
30 A INSTABILIDADE ESTÁVEL DA MESCLA 
A avaliação da língua e da linguagem é, portanto, a ponte de 
ligação decisiva com o comportamento social, sendo este último 
determinado direta ou indiretamente pelas condições materiais de 
existência: a história do tempo (o cronos) e a história do espaço 
.(o locus). É entendendo a estória pela história que chegamos fa-
talmente ao estável no instável. 
Esse conglomerado de fatores extralingüísticos considerados 
até o momento aponta, segundo nossos argumentos, para a predi-
zibilidade do comportamento lingüístico variável e aparentemente 
aleatório. Conforme será demonstrado nos capítulos subseqüentes, 
esses fatores extralingüísticos perpassam ao long·;::, do fenômeflo da 
mescla, desde as misturas dialetais em comunidades monolíngües, 
através dos confrontos entre diferentes sistemas em comunidades 
bilíngües e plurilíngües, até o ponto extremo, nas situações de 
contato: a pidginização e a crioulização da linguagem, atuando 
com igual força e predizibilidade. 
Comprovamos, assim, não somente a existência do componente 
social na língua, como também, e sobretudo, sua estabilidade como 
fonte explanatória. Antes de passarmos, porém, à segunda e última 
questão deste capítulo - a língua de contato como objeto efetivo 
de estudo lingüístico -, gostaríamos de fazer uma pequena ressalva 
no que tange à relação entre língua e estrutura social. 
O social e "-Você tem falado com o Celso e a Helena? 
- Ele eu vejo sempre, mas não vejo ela há 
uns dois meses." 
o psicológico 
na linguagem 
revisitados A competência comunicativa de falantes na-
tivos de português que foram submetidos a 
uma escolarização regular e constante até o 3.0 grau dita que as 
duas formas sublinhadas no minidiálogo acima são não-padrão. 
Mais que isso, sua consciência sociolingüística garante que as for-
mas em questão não gozam de prestígio dentro da comunidade, ou 
seja, trata-se de duas formas estigmatizadas. De fato, os estudos 
realizados até o momento mostram que a substituição do pronome 
clítico o/ a pelas formas ele/ ela é típica do vernáculo das classes 
menos privilegiadas do ponto de vista socioeconómico. A isto 
corresponde dizer que os grupos mais privilegiados usam Com maior 
freqüência a forma-padrão. Esse resultado, porém, não isenta o 
O SOCIAL E O PSICOLóGICO NA LINGUAGEM REVISITADOS 31 
grupo alto da forma-não-padrão: ela somente ocorre com menor 
freqüência neste grupo do que naquele. 
Na verdade, o que a escola faz é transformar o indivíduo que 
a ela chega dominando somente uma variedade do português, por-
tanto monoglota, em um falante poliglotada mesma língua. Con-
forme corretamente apontado por Evanildo Bechara 11 , após ter 
passado pela escola o indivíduo deveria ter, em princípio, acesso a 
todas as variedades da língua. O indivíduo escolarizado sabe, por-
tanto, que as formas ele/ela, usadas em substituição a o/a, são 
características da fala coloquial-não-padrão e carregam um estigma 
sociolingüístico. 
Ao estudarmos o fenômeno do desaparecimento dos clíticos 
em português, defrontamo-nos, entretanto, com outros contextos 
sintáticos em que as duas formas substitutivas podem ocorrer. 
Consideren1os os seguintes exemplos: 
"Eu mandei ele estudar." = "Eu o mandei estudar." 
"Eu mandei eles estudarem." = "Eu os mandei estudar." 
"Eu fiz ela sair." = "Eu a fiz sair." 
"Eu fiz elas saírem." = "Eu as fiz sair." 
Conforme estes exemplos indicam, o pronome ele/ ela, quando 
usado nas construções do tipo mandar + infinitivo e fazer + infi-
nitivo, exerce duas funções sintáticas, respectivamente: 1) sujeito 
do infinitivo ou 2) objeto direto do verbo principal da perífrase. 
·ranto é assim que, nas sentenças que apresentam o pronome no 
plural, o infinitivo é flexionado. 
Com base nestes exemplos, poderíamos levantar as seguintes 
questões: seriam todos os usos de ele/ ela igualmente estigmatizados 
pela norma sociolingüística da comunidade?/Ou, ainda, determina-
' riam diferentes contextos sintáticos matizes variados de estigmati-
zação de formas substitutivas? A resposta à primeira questão é 
negativa; à segunda, a resposta é sim ir:;, No elenco dos fatores 
condicionadores puramente lingüísticos e na tabulação dos dados, 
os dois grupos diferem no contexto do minidiálogo; já nos con-
14 BECHARA, E. Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? São Paulo-,,Ática, 
1985. (Série Princípios.) 75 Consulte-se, em particular, DUARTE, M. E. L. O clítico de terceira pessoa: 
Un1a forma em extinção? ln: SEMINÁRIOS DO GEL. IX Anais. Batatais, FFCL 
José Olympio, 1984; e sua dissertação de mestrado, PUC-SP, em fase final 
de preparação, sobre os condicionamentos sintáticos e socioestilísticos dos 
pronomes clíticos acusativos em portu2uês. 
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11 
32 A INSTABILIDADE ESTÂVEL DA MESCLA 
textos sintáticos com mandar/ fazer + infinitivo, o grupo superior 
aproxima seu desempenho do do inferior. A segunda construção 
sintática, portanto, alivia a estigmatização das formas substitutivas. 
Isto posto, teríamos invalidado o poder explanatório dos fatores 
sociais extralingüísticos? Absolutamente! O fator social continua 
a atuar na direção prevista. Acrescentamos à análise, porém, a 
possibilidade de a língua e a estrutura social se determinarem mu-
tuamente numa relação dialética. Isto é, ao salientar o condicio-
namento sintático, avulta a fatalidade que o próprio sistema se 
impõe a si mesmo, de resolver sua variaç~o de dentro para fora, 
sem a ação direta de f~rças externas a ele. l,Conforme argumentado 
anteriormente, o social prossegue exercendo sua força ao refletir 
uma maior freqüência das formas substitutivas na classe baixa no 
contexto do minidiálogo;/no segundo contexto, no entanto, o social 
cede lugar ao puramentd ling;üístico até que o sistema tome novos 
rumos e assuma novas met!;lS. 
Para finalizar essa revisitação ao social e ao psicológico na 
língua: o psicológico e/ou psicolingüístico foi sempre equacionado 
na literatura com o estável; o social e/ou sociolingüístico, por sua 
vez, com o instável. Argumentamos neste capítulo que a insta-
bilidade do social é ilusória e que a noção de estabilidade deva ser 
modificada a fim de permitir sistematicidade na variação, unidade 
na diversidade. 
Línguas 
intermediárias 
como objeto 
de estudo 
Quando nos fizemos as duas perguntas - "O 
que é língua?" e "O que é uma língua?" -, 
referíamos não somente aos tipos de explica-
ções possíveis do fenômeno lingüístico, res-
pectivamente o psicológico e o social, mas 
também retomávamos, de certa forma, as preocupações vigentes 
na investigação lingüística atual: como a linguagem se constitui. 
A pesquisa sobre os processos constitutivos da linguagem exclui, 
por definição, qualquer linha de investigação que generalize a 
partir de objetos estáticos. Ao introduzirmos a questão da mescla 
lingüística no Capítulo 1 como característica fundamental do com-
portamento intra e intercomunidades, estávamos, na realidade, 
retomando a rejeição de objetos variáveis como candidatos a 
análise. As variações típicas da língua falada ficaram durante anos 
relegadas a um segundei plano, devido ao modelo gerativo, como 
LÍNGUAS INTERMEDIARIAS COMO OBJETO DE ESTUDO 33 
"erros de desempenho". As manifestações de bilingüísmo e pluri-
lingüismo somente despertavam o interesse dos lingüistas antropó-
logos e/ ou dos historiadores. As línguas pidgin e crioulas foram 
ainda mais severamente afetadas pelos exageros racionalistas: du-
rante décadas tais línguas nem sequer possuíam o estatuto de 
língua natural e, portanto, não eram dignas de uma análise de sua 
estrutura e evolução. 
Mas os tempos mudaram e, junto, mudaram os rumos da 
investigação da linguagem. Na década de 70, Dan Slobin, um psico-
lingüista norte-americano, escreveu um artigo intitÚlado "Language 
Change · in Childhood and in History", em que apwxima quatro 
subáreas de investigação, unindo-as pela semelhança dos processos 
que constituem seus objetos respectivos. Assim, diz-nos o'~autor: 
O desenvolvimento da linguagem nas crianças é somente uma das 
várias formas de se estudar como a língua muda ao longo do tempo. 
A psicolingüística desenvolvimentista, ao abordar processos diacrô-
nicos no indivíduo, cobre terreno semelhante ao da lingüística histó-
rica, dos estudos de línguas em contato e da investigação sobre a 
evolução de línguas pidgin e crioulas. Em todos esses casos, tem-se 
tornado claro que o estudo da língua (linguagem) durante suas fases 
ínstáveís ou tratisitórias é um excelente instrumento para a desco-
berta da essência da linguagem. [ ... ] A estrutura de uma língua 
(e da linguagem em geral) é condicionada por processos psicolin-
güfsticos de percepção, memória e cognição, por processos socio-
lingüísticos e pelo desenvolvimento desses processos na infância. 
Meu enfoque aqui está em esclarecer os processos psicolingüísticos 
que tornam possível a língua {linguagem). E proponho-me a cumprir 
essa tarefa através do estudo da mudança lingüística: como a língua 
muda ã medida que a fala da criança se aproxima da fala da comu· 
nidade, ou à medida que a fala de uma comunidade se aproxima da 
de outra comunidade, ou que um sistema lingüístico se torne esta-
belecido e continue a se ajustar às perturbações de dentro e de 
fora. De forma notável, a língua (linguagem) mantém um caráter 
universal em todas essas etapas de transformação, de modo que, 
quanto mais ela mudar, mais certeza teremos sobre o que ela 
realmente é 10. 
Não é nosso objetivo neste livro comparar os processos que 
determinam a mescla lingüística em toda a sua extensão aos en-
volvidos na aquisição de primeira e/ou de segunda língua, nem 
16 SLOBIN, D. I. Language Change in Childhood and in History. ln: 
MACNAMARA, J., ed. Language Learnin'g and Thought. New York, Academic 
Press, 1977, [Nossa tradução.1 
1 
1 
34 A INSTABILIDADE EST AVEL DA MESCLA 
tampouco aos processos característicos da lingüística diacrônica. 
Pretendemos simplesmente, através dessa longa citação de Slobin, 
salientar a autenticidade do fenômeno da mescla, ao mesmo tempo 
como fato natural da linguagem (e, por que não dizer, essencial 
a ela) e como objeto efetivo de estudo, especialmente pela rele-
vância e abrangência de seus resultados para outras áreas de 
pesquisa. Não estamos, afinal, procurando desvendar o mesmo 
mistério: o que a língua (linguagem) é e como ela se constitui? 
A natureza variável de nosso objeto - a mescla - não o 
proíbe de projetar generalizações. Ao contrário, conforme dernons-
traremos no decorrer do livro, a instabilidade aparente do fenômeno 
desencadeia, quando estudado apropriadamente,isto é, respeitando-
-lhe sua natureza variável, firmes e sólidos resultados para o enten-
dimento da constituição da língua (linguagem). Não seria, por-
ventura, misturando diversas variedades de uva, ou tecendo fibras 
diferentes, que chegaríamos à exata noção da constituição do vinho 
e da configuração do tecido? 
3 
A variedade de contato em 
comunidade monolíngüe 
Unidade na 
diversidade: 
introdução 
Propusemos no capítulo introdutório que duas 
são as propriedades da linguagem que reque-
rerr1 explicação social: 1) os cenários macros-
sociais e 2) os cenários microconversacionais. 
A análise dos cenários rnacrossociais relaciona a variação encon-
trada em sistemas lingüísticos a categorias como classe socioeco-
nômica, sexo, origem geográfica, grupo étnico, faixa etária, estilo, 
etc. O estudo dos cenários microconversacionais, por outro lado, 
revela como o significado da enunciação e do discurso depende 
da situação real de fala e dos sistemas de crença e conhecimento 
de mundo do falante e de seu interlocutor. Acrescentamos, ainda, 
que os dois tipos de cenários atuam tanto na mescla intracomunitá-
ria como na intercomunidades. Neste capítulo focalizaremos o 
desempenho desses dois cenários na situação monolíngüe de con-
tato: a mescla intracomunitária. 
Tomemos o Brasil como exemplo por um momento. Sabemos 
que uma só língua nos une nacionalmente. Um sulista conversando 
com um nordestino, no entanto, dificilmente deixará de notar-lhe na 
fala certas peculiaridades (diversidade) de pronúncia e de voca-
1 bulário. As vogais pretônicas abertas em palavras como espÍrança 
e crÍraçiio garantem ao sulista a identidade regional de seu interlo-
cutor nordestino, mas não o impedem, absolutamente, de se co-
1•1 
i 
1 
1 
1 
i; 
36 A VARIEDADE DE CONTATO EM COMUNIDADE MONOLtNGüE 
municar com seu compatriota. Similarmente, um brasileiro acima 
dos 60 anos não deixará de se comunicar eficazmente com seu 
neto de 15, apesar de não ter em seu repertório ativo a linguagem 
de gíria do adolescente. Uma pessoa com alto grau de escolaridade 
forçosamente terá um repertório lingüístico diferente daquele de 
falantes com mínima ou nenhuma escolaridade. E assim por 
diante. 
Todos esses exemplos apontam para as· correlações entre 
variação lingüística e parâmetros externos mais gerais: os cenários 
macrossociais. A fim de que a diversidade de repertórios não 
prejudique a comunicação entre falantes regidos por diferentes 
parâmetros de escolaridade, origem geográfica, faixa etária, etc. 
é necessário um ajuste de repertórios: uma acomodação às circuns-
tâncias do evento de fala em que emissor e receptor se encontrem. 
O sucesso de tal acomodação desencadeará a simetria do discurso 
promovido entre os dois (ou mais) falantes; a assimetria no ato 
de fala será causada precisamente por diferenças de repertórios e 
pela falta de acomodação e de ajuste entre eles. Neste segundo 
momento da análise, estaremos presenciando a atuação dos cená-
rios microconversacionais. Comecemos pelos macrossociais e exa-
minemos o que a literatura sociolíngüística tem apresentado como 
exemplos típicos de atuação dos parâmetros externos à língua no 
sistema de variação da fala coloquial. 
Conforme veremos na seção. seguinte, os parâmetros externos 
interagem uns com os outros, isto é, a atuação de um ou não 
isola a do outro, ou somente se explica através do outro. Uma vez 
que nosso interesse principal nesse livro é o fenômeno da mescla, 
do contato entre línguas diversas e entre variedades de uma mesma 
língua, ct:evemos ler os exemplos a seguir com vistas a sua atuação 
e repercussão nos cenários de escala menor, os microconversa-
cionais. Em outras palavras: em termos de comunicação dentro de 
uma comunidade de fala, o que significa dizer que há vários dia-
letos geográficos, socioletos, registros, códigos e repertórios? Aos 
exemplos, pois! 
UMA VIAGEM PARA OUTRAS TERRAS E PARA OUTROS TEMPOS E.. 37 
Uma viagem 
para outras terras e 
para outros tempos 
e costumes 
Aterrizemos inicialmente em Detroit, 
mais especificamente na Detroit negra, 
no Estado de Michigan, ao norte dos 
Estados Unidos, estudada por Wol-
fram em 1969 1• Diferentemente do 
Norte dos Estados Unidos, o Sul é marcado por um dialeto sem 
/r/ (por exemplo, /ka:/ em lugar de /kar/). Na década de 60, 
segundo nos informa Wolfram, a maioria dos residentes negros 
do Estado de Michigan havia emigrado de outros estados do Sul, 
de áreas sem /r/: Mississípi, Alabama e Geórgia. Conforme ar-
gumento do autor, a ausência de /r/ na cidade de Detroit não é 
somente uma conseqüência dessas correntes migratórias vindas do 
Sul, mas sim, e sobretudo, uma questão de. isolamento racial. Os 
guetos de Detroit concentram uma grande densidade de negros que, 
por motivos raciais, acabou por desenvolver um dialeto de classe. 
Ao estudar os guetos negros do Harlem, na cidade de Nova York, 
Labov 2 conclui que tais dialetos são, na realidade, parte de uma 
tendência diretamente ligada aos processos de urbanização: a trans-
formação de dialetos locais em variedades lingüísticas definidas 
em termos de estratificação social. 
Um traço fundamental, no entanto, separa os dialetos das duas 
comunidades, a de Detroit e a de Nova York. Conforme demons-
trado por Wolfram, a variedade de Detroit sofre estratificação do 
/r/ somente na comunidade negra (os brancos retêm o /ri quase 
categoricamente) e, mais importante ainda, a variável em questão 
apresenta um mínimo de condicionamento estilístico, diferente-
mente de Nova York, cujo dialeto, no caso específico dessa va-
riável, revela a atuação concomitante de dois parâmetros: a classe 
socioeconômica do informante e o estilo, o contexto de enunciação 
em que ele se encontra. 
A Figura 2, a seguir, apresenta a percentagem de /r/ pós-vo-
cálico (como em floor, guard) ausente na fala de quatro grupos 
socioeconômícos negros. Para fins de comparação, o autor acres-
centou à figura a percentagem de apagamento de /r/ para um 
grupo de falantes brancos de classe média-alta. 
1 WOLFRAM, W. A Sociolinguistic Description of Detroit Negro Speech. 
Washington, D. C., Center for Applied Linguistics, 1969. 
2 LABOV, W. Language in the Inner City. Studies in the Black English Ver-
nacular. Philadelphia, University of Pennsylvania Press, 1972. 
38 A VARIEDADE DE CONTATO EM COMUNIDADE MONOLiNGüE 
FIGURA 2 - Percentagem de /r/ ausente na fala negra de Detroit, 
estratificada por classe social 
100 
75 
50 
25+ 
Percentagem de 
/ri ausente 
0.8 
20.8 
~ 
2 
1 = média-alta/branca 
2 == média-alta/negra 
3 =média-baixa/negra 
4 =operária-alta/negra 
5 =operária-baixa/negra 
61.3 
~ 
38.8 
~ 
3 4 
71.7 
~ 
5 
(De WOLFRAM, W. A Sociolinguistic Description of Detroit Negro Speech. 
Washington, D. C., Center for Applied Linguistics, 1969; adaptada de Dow-
NES, W. Language and Society, London, Fontana, 1984.) 
A Figura 2 mostra claramente a atuação do parâmetro social 
na realização ou no apagamento do /r/ na Detroit negra: quanto 
mais alto na escala social, menor a freqüência do apagamento, e 
vice-versa. A Figura 3, por outro lado, apresenta a atuação do 
parâmetro do contexto da enunciaÇão (do estilo) no apagamento 
ou na manutenção do /r/. Os estilos considerados são: o estilo 
cuidadoso e o estilo da leitura. Observe-se que o condicionamento 
estilístico também atua na direção do rotacismo ( = retenção da 
variante (r) ), embora não apresente qualquer rastro de hipercor-
reção nessa comunidade. 
UMA VIAGEM PARA OUTRAS TERRAS. E PARA OUTROS TEMPOS E... 39 
FIGURA 3 - Percentagem de /r/ ausente na fala negra de Detroit, 
segundo condicionamento estilístico 
Percentagem de 
/r/ ausente 
100 ~ 
75 
operária 
5ot 
:- média-baixa 
25 média-alta 
Estilo Casual Leitura 
(De WOLFRAM, W. A Sociolinguistic Description of Detroit Negro Speech. 
Washington, D. C., Center for Applied Linguistics, 1969; adaptada de Dow-
NES, W. Language and Society, London, Fontana, 1984.) 
Mantenhamos essa mesma variável (r) em nossa

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