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Ação Penal por Racismo e Injúria Racial em Supermercado

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SENTENÇA
Processo nº xxx
Classe: Ação Penal Pública Condicionada
Autor: Ministério Púbico do Estado de São Paulo
Réu: Réu 1; Réu 2; Supermercado Assaí
Juíza de Direito: Mariana de Almeida Barbosa 
Vistos.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ajuizou a presente ação penal pública condicionada pela prática de crime de racismo e injúria racial contra Luiz Pereira Fictício, 56 anos, que alega ter sido obrigado a tirar suas roupas após dois seguranças do supermercado Assaí, em Limeira (SP), devidamente qualificado nos autos, o acusarem de furto.
Após o ocorrido, ainda muito abalado, o autor procurou a delegacia de polícia da região para realizar o boletim de ocorrência. Ele relata que às 14h do dia xx/xx saiu de sua residência para o supermercado Assaí para fazer compras. Ao chegar ao estabelecimento, após 10 minutos, foi abordado por dois seguranças que o acusaram de ter furtado um produto. Logo, o mesmo afirmou que não havia cometido o furto e os dois seguranças procederam com a revista corporal. Mesmo sem terem encontrado nenhum objeto com o autor, o mesmo foi obrigado a retirar suas roupas. 
A princípio Luiz Fictício se negou a tira-las, o que fez com que os seguranças reagissem de forma agressiva e, com receio do que pudesse acontecer, cedeu e teve o constrangimento de ter suas vestes tiradas em público.
O vídeo do ocorrido foi disponibilizado nas redes sociais e provam que o autor falava a verdade a respeito da acusação e fora submetido a grande constrangimento público. 
Os réus foram devidamente citados, e contestaram.
Os seguranças alegaram estar cumprindo ordens, e que o autor estava agindo de maneira suspeita, pedindo, portanto, a improcedência. (fls. X)
O supermercado Assaí informou que os seguranças agiram de maneira imprudente e não condizente com as regras estabelecidas pela rede de supermercados. Nega ser culpado pelo crime de injuria racial e preconceito racial cometido contra a vítima. (fls. X)
É o relatório. 
FUNDAMENTAÇÃO
O réu foi denunciado pela prática do delito previsto no art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, com a redação dada pela Lei nº 9.459/97.
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (...) § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa". 
O referido tipo penal possui três núcleos ou ações típicas: praticar, induzir ou incitar. E o elemento subjetivo do tipo é o dolo, ainda que eventual. O dolo consiste na vontade livre e consciente de praticar, induzir ou incitar o preconceito ou discriminação racial, sabendo o agente que o seu comportamento - "baseado que está nas noções vulgares de raça, cor ou etnia - restringe, limita, exclui, dificulta, separa, cria preferências, priva alguém de direitos, ou concorre perigosamente para essa privação".
O entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp nº 911.183/SC:
" A prática, segundo a doutrina, 'ocorre quando o agente perfaz a figura criminosa' (SILVA, José Geraldo e outros, Leis Especiais Anotadas, 9ª ed., Millenium: SP, 2007, p. 303). 'Como bem asseverado por Fábio Medina Osório e Jairo Gilberto Schafer: 'Praticar é o mais amplo dos verbos, porque reflete qualquer conduta discriminatória expressa. A ação de praticar possui forma livre, que abrange qualquer ato desde que idôneo a produzir a discriminação prevista no tipo incriminador.' (Dos crimes de discriminação e preconceito: anotações à Lei 8081, de 21.9.1990 . RT 714/329)' (SANTOS, Christiano Jorge, Racismo e injúria - Os limites que diferenciam as duas tipificações, artigo retirado do site www.consultorjurídico.com.br, datado de 27-3-2004, notas de rodapé n. 5), ou seja, o sujeito age discriminando determinada raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, de forma preconceituosa. Incitar ou induzir, por sua vez, como já deliberado por este Superior Tribunal, consiste em 'instigar, provocar ou estimular e o elemento subjetivo consubstancia-se em ter o agente vontade consciente e dirigida a estimular a discriminação e o preconceito. Para a configuração do delito sob esse prisma, basta que o agente saiba que pode vir a causá-lo ou assumir o risco de produzi-lo. Há necessidade, portanto, do dolo (seja direto ou eventual)' (REsp n. 157.805, rel. Min. Jorge Scartezzini, Quinta Turma, j. em 17-8-99). (omissis) (...) para a aplicação justa e equânime do tipo penal previsto no art. 20 da Lei n. 7.716/89, tem-se, portanto, como imprescindível verificar a presença do dolo específico na conduta do agente, que consiste na vontade livre e consciente de praticar, induzir ou incitar o preconceito ou discriminação racial, sem olvidar ainda a existência do chamado elemento subjetivo especial, que exige seja perscrutado o motivo da eventual conduta discriminatória ou preconceituosa.
Dessa maneira, ressalta-se que a conduta praticada pelos seguranças no supermercado teve a presença de dolo, comprovada ainda na gravação do fato por demais testemunhas. 
0413551-86.2014.8.19.0001 - APELAÇÃO 1ª Ementa Des(a). MARCUS HENRIQUE PINTO BASÍLIO - Julgamento: 08/05/2018 - PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL EMENTA: CONSTITUCIONAL - PENAL - PROCESSO PENAL - INJÚRIA RACIAL - PROVA - CONDENAÇÃO - RECURSO DEFENSIVO - PLEITO DESCLASSIFICATÓRIO AFASTADO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - OFENSA VERBAL RELACIONADA À RAÇA E COR DA VÍTIMA - HONRA SUBJETIVA - DOLO CARACTERIZADO - PENA. Para a configuração do delito de injúria racial, além do dolo, elemento subjetivo do tipo, exige-se um fim específico, a intenção de humilhar e ofender a honra subjetiva de alguém de forma preconceituosa, com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. No caso concreto, restou comprovado nos autos que a acusada ofendeu a honra subjetiva das vítimas, quando fez referência a sua cor, oportunidade em que as chamou de "macaca" e "macaco". Ademais, por se tratar de crime cometido oralmente, a palavra da vítima e da testemunha ganha grande relevância, pois é considerado crime transeunte que não deixa vestígios, certo que o fato de estar a acusada voluntariamente embriagada não é capaz de afastar a sua responsabilidade penal, o que somente seria possível se demonstrada que a embriaguez resultou de caso fortuito ou força maior. Pretensão desclassificatória para o delito previsto no artigo 345 do Código Penal, exercício arbitrário das próprias razões, afastada, eis que configurado o dolo de injuriar na conduta da acusada. Condenação mantida. Pena aplicada no mínimo legal e substituída por duas restritivas de direitos. Recurso desprovido. Íntegra do Acordao - Data de Julgamento: 08/05/2018
Em análise ao caso concreto mostra-se clara a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Quando se cita tal princípio engloba-se a própria liberdade, igualdade e integridade, ambas violadas na ação cometida pelos dois seguranças. O constrangimento sofrido pelo autor, tanto por ter suas vestes retiradas contra sua vontade, mas também o tratamento diferenciado pelo fato de ser negro, demonstra tamanha crueldade advinda da discriminação racial.
É necessário que haja um questionamento a respeito da ação dos seguranças: A mesma abordagem seria utilizada em uma pessoa de pele branca?
Tem se tornado corriqueiras abordagens com pessoas negras que desrespeitam não apenas o direito fundamental de todos os indivíduos, mas também o mau uso do Direito propriamente dito e todas as violações as regras de conduta da própria profissão exercida, seja da polícia ou de agentes de segurança, como neste caso específico.
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
O preconceito racial presente na atitude dos dois seguranças é evidente quando a mesma é questionada em relação a uma pessoa branca. Não há dúvidas que o tratamento diferenciado com o autor se deu em função da cor da pele, e esse tipo desituação ocorre de forma constante na sociedade, chamando a atenção da mídia.
Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.
Pena: reclusão de um a três anos.
O fato de acusar o senhor Luiz de furto quando na verdade o mesmo é consumidor do estabelecimento, enquadra a ação dos seguranças no art. 5º mencionado, já que além de negar o atendimento e receber o cliente ou comprador, o mesmo sofreu preconceito racial e fora julgado como se bandido fosse tipificando, desta forma, nos dois dispostos acima, o crime de racismo.
De acordo com o Código Penal, em seu artigo 140, o delito de injúria é descrito como a conduta de ofender a dignidade de alguém.
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência
Pena - reclusão de um a três anos e multa
Desta forma, não só cometeram crime de racismo, mas também o delito de injúria racial, praticada com violência por obrigarem o mesmo a retirar suas roupas de forma agressiva, o que causou ao senhor Luiz receio do que poderia acontecer caso não retirasse suas vestes e constrangimento público, por ter sido gravada a ação dos seguranças e compartilhada nas redes sociais, além das próprias pessoas que já estavam no estabelecimento e também se sentiram constrangidas pela ação dos seguranças.
Vale ressaltar que não houve retratação dos mesmos em relação a atitude praticada contra o autor, demonstrando de forma clara o crime cometido em razão do ódio contra pessoas negras.
DISPOSITIVO:
 
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a ação penal proposta pelo Ministério Público para condenar OS RÉUS segurança 1 e segurança 2, como incurso nas sanções art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, às penas de 2 (dois) anos de reclusão e de multa de 10 (dez) dias-multa à razão unitária de 1 (um) salário mínimo vigente à época do fato, atualizado desde então. 
Condeno o Supermercados Assaí a indenizar a vítima no tocante a xxx reais, conforme pedido na inicial.
Condeno os réus, ainda, ao pagamento das custas processuais. 
Após o trânsito em julgado: 
a) lance-se o nome do condenado no rol eletrônico dos culpados; 
b) cumpra-se o disposto no art. 809, § 3º, do Código de Processo Penal e no art. 304 da Consolidação das Normas da Corregedoria-Geral do TRF da 4ª Região; 
c) forme-se o processo de execução criminal.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Mariana de Almeida Barbosa
Juíza de Direito.

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