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2021 Educação para as Relações Étnico-raciais: Diálogos e Reflexões Aldeia Educadora Equipe Multidisciplinar Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas Galindo Pedro Ramos Ivan Luiz Monteiro Independentemente do local de sua origem - provavelmente no Egito, mas também pode ter sido na Etiópia (ASANTE, 2014, p.116) a Filosofia apresenta sua importância a partir da postura ou atitude filosófica. Com isso, se quer afirmar que a sua postura questionadora da realidade, aliada ao fato de assumir a totalidade dos objetos possíveis como ponto de partida para sua reflexão, faz da Filosofia uma aliada de primeira ordem em matéria de Educação. No caso da Filosofia Africana, como afirma Barry Hallen (2002), sob muitos aspectos, passou a ser compreendida na história da filosofia como uma filosofia moderna. Todavia, o que é preciso destacar, refere-se ao fato que, assim como o Ocidente demarca sua arrancada filosófica sob uma tripla preocupação temática, a saber, metafísica1, ontológica2, epistemológica3, na busca em conhecer o princípio (fundamento) de todas as coisas existentes; também a Filosofia Africana Contemporânea possui sua tríade temática. Essa tríade exige considerar: o Pan- africanismo, a Negritude e a Diáspora Negra como elementos centrais do pensamento filosófico africano. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas Aldeia Educadora: A Filosofia Africana na Educação e suas Perspectivas Galindo Pedro Ramos Ivan Luiz Monteiro Saiba mais: 5 Pan-africanismo e sua origem https://www.youtube.com/ watch?v=0TqHZLJXJNI O que é Pan-africanismo? https://ceert.org.br/noticias/ historia-cultura-arte/15930/ o-que-e-pan-africanismo Negritude e o Universal https://www.geledes.org. br/negritude-e-o- universalafricano/? gclid=Cj0KCQjwhb36BRCfARIs AKcXh6EzctSA31ndegxWZrJz CBKxaypeh_jAQXU7QdDrKtG 7i7wnjCGrdcwaAhCkEALw_wcB O que é diáspora africana? https://www.youtube.com/ watch?v=9SJRTuLnJ_Q Diáspora Africana https://www.geledes.org.br/ diaspora-africana/ 1 A metafísica é a matéria da área da filosofia que se propõe refletir a realidade para além da sensibilidade, isto é, investigação transcende a experiência dos sentidos. 2 ontologia é a ciência que busca investigar o Ser em suas características gerais. 3 A epistemologia tem por objeto a investigação acerta do conhecimento seguro e certeza, seus níveis e limites. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 6 Demarcado isso, pode-se compreender que a Filosofia pode contribuir com o saber pedagógico, ou seja, colaborar com esta ciência, em sentido amplo, que é a Educação. Pois, na medida em que a Filosofia se dispõe a levantar indagações essenciais sobre a totalidade do real, ela demonstra todo o potencial junto ao educar. Mas quais seriam estas perguntas que se prestam a servir de princípios, alicerces à simbiose que, por convenção, chama-se Filosofia da Educação? Ainda, sobre uma filosofia africana da educação, quais questões e pressupostos auxiliam aos educadores e educadoras à refletirem sobre o saber que lhes define? As inúmeras culturas, os diversos povos e os cinquenta e quatro países a compor o continente africano, são luzes a chamar a atenção para a riqueza étnica sem igual, do solo que é o berço da humanidade. Assim, antes mesmo de propor a refletir sobre as filosofias educacionais a partir da filosofia africana e suas perspectivas, se requer o exercício e compromisso constante em não tomar a África, ou as temáticas a partir dela, de modo a homogeneizar as vivências e os conhecimentos, pois as experiências mesmas e as reflexões vividas são apenas um dos vários elementos a contribuir para formação de todo continental. Esse exercício pode, de alguma forma, ser traduzido na pridência frente ao alerta da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche (2019, p.18-19) em sua obra: O perigo de uma história única. Em poucas palavras, trata- se de buscar aproximar-se das sabedorias e vivências africanas em toda sua complexidade. Tendo presente que não existe apenas a África retratada nos filmes e noticiários estrangeiros, nos quais o continente e seus povos são vistos pela perspectiva ocidental eurocêntrica, mas sim a partir da experiência e visão própria de cada etnia que conhece não somente as agruras, como também a beleza, as contradições e os anseios do próprio povo, com a autoridade de contar suas histórias e vivências a partir do lugar onde habitam. Ao buscar escapar do perigo do único enredo para dizer e apreender sobre lugares e povos, é possível aproximar-se mais facilmente do legado africano no que tange seus princípios ou fundamentos educativos. Mas antes de apresentar dois princípios da filosofia africana que conduzem a formação, por conseguinte, servem de fundamentos filosóficos da educação, lhes convidamos a refletir: como a comunidade escolar compreende o papel da escola e de seus atores? Como todos sabem, a formação integral do indivíduo, como princípio orientador das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, compreende aspectos axiológicos e socioemocionais do(a) educando(a). Junto a estes, soman-se ainda a dimensão cognitiva e física dos(as) estudantes, sendo que estas duas últimas firararam sozinhas como balizas dos processos educacionais tradicionais a pautar o papel social da escola brasileira (ROMANELI, 1986, p.69). EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas Glossário: 7 Axiológico: diz respeito à formação, análise e proposição dos valores morais são estipulados socialmente. A axiologia, então busca determinar como se formam os costumes e noções valorativas das múltiplas culturas, bem como o alcance e implicação ou finalidades das valorações morais. Socioemocional: trata-se dos recursos e aptidões dos indivíduos em manifestar ou expressar emoções, as quais buscam representar a sua subjetividade mediante as interações sociais que por eles são vivenciadas EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 8 Ao que tudo indica, em nossa sociedade, o papel da escola sempre foi formar os(as) estudantes para que estes fossem inseridos de modo a contribuir com o desenvolvimento social, ou ao menos se dedicarem a manter os valores de uma determinada sociedade. Para tanto, buscou-se elaborar conhecimento sobre os objetos, sobre a interação entre os seres humanos e a interação da humanidade com natureza, tudo isso para poder ensinar aos (às) estudantes, um modo de inserção junto aos seus pares sociais. Todavia, a escola não consegue mais formar seus estudantes para inserção produtiva e participativa (de maneira eficaz) na sociedade que os comporta. Pois, parte considerável dos atores escolares (na condição de estudantes) não reconhecem mais como benéficos às suas identidades, os pressupostos axiológicos, socioemocionais e epistemológicos vigentes. Para muitos, a educação formal é um empecilho a ser vencido, ou um obstáculo (não a condição) que lhes impede a realização do projeto de vida (LOPES, 1993, p. 31). Desse modo, requer acordar juntos aos atores que o papel da escola e do conhecimento escolar não é mais inserir os(as) estudantes no mundo, a contribuir na manutenção dos valores e progresso econômico produtivo, mas sim fomentar a participação cidadã, por meio de projetos de vida escolhidos e executados de maneira autônoma mediante as incontáveis manifestações socioculturais possíveis. Em uma só palavra, fazer compreender que a educação é condição imprescindível na formação humana integral e a escola um lugar de aprender, ensinar e exercitar essa formação. A sabedoria africana, qual destaca o(a) educador(a) como sendo de elevado status na comunidade (aldeia ou tribo), possui um provérbio bastante conhecido que reza: "É necessáriouma aldeia inteira para educar uma criança". Há inúmeras possibilidades interpretativas da sabedoria proverbial, porém quando se almeja pensar princípios, isto é, ideias a sustentar a ação educadora, neste dizer fica evidente que a educação é dever de todas e todos e um direito universal. Também, permite compreender que não há apenas um local para educar. Isto não quer dizer que escolas e educadores de formação são dispensáveis. Ao contrário, faz-se necessário dispor de todos os espaços, como se toda comunidade fosse locus educandi 4, desta maneira o novo papel da escola só é possível quando os atores escolares (que agora compreende todas as pessoas que se inter-relacionam naquela determinada comunidade) sentem-se reconhecidos e acolhidos em suas identidades. Portanto, o primeiro passo para a educação que visa a transformação integral de seus(suas) estudantes é lhes oportunizar vivências no processo de descoberta e redescoberta de si mesmos, a concordar com bell hooks (2017) porpiciar-lhes experiências capazes de devolver os indivíduos a si mesmos (hooks, 2017, p.31). EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas Saiba mais: 9 Sobre bell hooks: A IMPORTÂNCIA DOS LIVROS DE BELL HOOKS NAS LIVRARIAS BRASILEIRAS: BELL HOOKS: POR UMA PEDAGOGIA INTERSECCIONAL: https://www.geledes.org. br/bell-hooks-por- umapedagogia- interseccional/ 4 Luga de educação. https://casavogue.globo. com/LazerCultura/ Livros/noticia/2019/04/ importancia-dos-livros- debell- hooks-nas- livrariasbrasileiras. html EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 10 Ou seja, que se tornem indivíduos de autoconhecimento e sentimento de pertença à comunidade da qual se originam. Conjuntamente à dimensão proverbial, também a filosofia sob a perspectiva ubuntu, "eu sou, porque nós somos", soma-se a dimensão didática de maneira reflexionante a partir de elementos africanos. Sobre esse aspecto, a saber, de uma didática subsumida à dimensão da afrocentricidade 5 (NOGUEIRA JR, 2015). Isto porque no conceito de ubuntu, ontologia e metafísica são áreas de importância fundamental. Pois, a noção existencial dos povos que se compreendem e se organizam a partir da acepção do ubuntu determina, de modo cabal, a filosofia africana, latu senso; isto proque o aspecto ôntico e metafísico, nesta filosofia, não são estanques, mas em relação de interdependência se conectam, enquanto elemento cultural, à ética dos povos e etnias habituados a este modo de compreender, interpretar e expor a realidade a partir de suas vivências. Sob o ponto de vista a filosofia ubuntu, segundo Ramose (2002), os princípios ou postulados do agir estão orientados em função da relação pensar/sentir, na qual a vida é a força vital. Saiba mais: UBUNTU: O QUE SIGNIFICA ESSA FILOSOFIA AFRICANA E COMO PODE NOS AJUDAR NOS DESAFIOS DE HOJE https://www.youtu be.com/watch? v=KaQSIvWV7wo 5 Renato Nogueira dos Santos Junior (2015) defende o conceito de afrocentricidade, acepção esta influenciada por Maulana Karenga e Molefi Kete Asante, tal qual nos apresenta Gordon (2008). Cf. NOGUEIRA, R. Renato Noguera, professor e pensador: 'Filosofia é o bichinho de pelúcia chido Ocidente'. O Globo, 23 fev.2015. Entrevista. Disponivel em: <https://oglobo. globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao- sei/renatonogueraprofessorpensador-filosofia-o-binho-de-pelucia-do- ocidente-15415321#ixzz5QGgWYyMnstest>.Acesso em: 20 abr. 2020. Ubuntu: a filosofia africana que nutre o conceito de humanidade em sua essência https://www.pord entrodaafrica.com /cultura/ubuntu- filosofia-africana- que-nutre-o- conceito-de- humanidade-em- sua-essencia Assim, todo agir é catalisador da vida em sentido afirmativo ou negativo. Significa que nossas ações ocorrem em prol de promover a força vital (vida) ou de enfraquecê-la. Portanto, nossas ações demandam uma aplicabilidade comunitária. Na proposta de uma aldeia educadora, a filosofia da educação, a partir da noção do ubuntu, deve-se compreender que esta manifesta o pensamento de que há uma relação de mútua dependência ou coparticipação entre agente educador e destinatário do ato de educar, o contrário não parece fazer sentido. Isto fica mais evidente quanto nos permitirmos compreender outra dimensão proverbial ubuntu, a saber, este: Motho ke motho ka batho [idioma sesotho do sul, a significar: "A pessoa é uma pessoa através de outras pessoas"] (Kashindi, 2017, p.111). Mais uma vez, a dimensão comunitária voltada à temática da educação convoca a refletir e colocar em prática a noção de que a conotação individual é dada mediante sua identidade junto ao grupo. Se é educador ou educadora, porque graças aos educandos a realidade da educação nos conecta. A dimensão de identidade e pertença, tomada de modo individual, só é possível diante da condição relacional. Apenas diante dos semelhantes, enquanto todos se reconhecem atores e atrizes da comunidade escolar é que damos sentido ao educar. Ao mesmo tempo, o indivíduo reconhece sua distinção (individualidade) entre os demais. Somos apenas um elemento de um grupo, que no entanto, não se faz coeso pela homogeneização forçada, mitigando individualidades. . EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 11 Afrocentricidade: notas sobre uma posição disciplinar https://speciesnae.files .wordpress.com/2015/ 05/mazama-asante- afrocentricidade.pdf O que é Afrocentricidade? https://www.yout ube.com/watch? v=1q3KMAFo3C EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 12 A comunidade escolar, ou partindo da proposta afrocentrada, a aldeia educadora se fortalece ao fazer com que os sujeitos reconheçam suas características individuais. Em virtude disso, não faz sentido pensar em nós mesmos como sujeitos isolados. É a aldeia que permite, por meio das interações entre os elementos, reconhecer nossas potencialidades individuais, seja na condição de educando(a), educador(a), inspetor(a), gestor(a) ou qualquer outra função ou interação junto à comunidade. Uma filosofia da educação proposta a partir da perspectiva ubuntu não se trata de mitigar responsabilidades acerca dos envolvidos no processo educacional, mas sim ocupa-se em sintonizar todos os atores desse processo na mesma frequência. Não pode ser apenas um ato discursivo, a saber, "eu sou educador, porque nós somos". Porém, temos muito a refletir e concretizar uma prática pedagógica que se apresente verdadeiramente como "ser educador(a) é ser educado(a) junto a estes que se educam". REFERÊNCIAS EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 13 ADICHE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. Trad. Julia Romeu. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. ASANTE, M. K. Uma origem africana da filosofia: mito ou realidade? Trad. Marcos Carvalho Lopes. Revista de Humanidades e Letras. v. 1, n.1, 2014. pp. 115-121. COETZEE, P. H.; ROUX, A. P. J. The African Philosophy Reader. London: Routledge, 2003. GORDON, L. R. An Introdution to African Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. HALLEN, B. A Short History of African Philosophy. Indiana: Indiana University Press, 2002. hooks, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo Martins, 2019. KASHINDI, J. B. K. Ubuntu como ética africana, humanista e inclusiva. Tradução de Henrique Denis Lucas. São Leopoldo: Ed. da Universidade do Rio dos Sinos, 2017; LOPES, Alice R. C. Conhecimento escolar: ciência e cotidiano. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1999. EQUIPE MULTIDISCIPLINAR - 2021 Aldeia Educadora: A Filosofia Africana da Educação e suas Perspectivas 14 NOGUERA, R. Filosofia é o bichinho de pelúcia do Ocidente. Entrevista ao O Globo, 23 fev. 2015. Disponível em: <htpps://oglobo.globo.com/sociedade/conte-algo-que-nao-sei/renato-noguera-professorpensador-filosofia-o-bichinho- de-pelucia-do-ocidente15415321#xzz5QGgWYyMnstest>. Acesso em: 20 abr. 2020. RAMOSE, M. African Philosophy thrugh Ubuntu. Harare: Mond Books Publishers, 2002. ROMANELI, O. O. História da educação no Brasil. Petropólis: Vozes, 1986.